Entre Fios

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Veganismo está na moda

Entre Fios

Ser sustentável é a nova tendência

Roupas de Religião

Ateliê é especializado em roupas da religiosidade afro-brasileira

Sustentável Ser com Nara Guichon


EDITORIAL A

revista Entre Fios trata não apenas da moda como um adereço, mas como um estilo de vida. Tendemos sempre a procurar um estilo próprio, que reflete nossa concepção da realidade, que nos identifique. As vezes a roupa que usamos pode parecer estar nos contradizendo, mas apenas por estarmos olhando superficialmente para essa personagem. Somos feitos de contradições e a moda é exatamente isso. Uma variedade de estilos e formas que não seguem o que é certo e o que é errado. Acredito que não compramos roupas por puro consumismo, apesar de ser o que a indústria gostaria. A moda não precisa ser descartável, ir e vir tão rapidamente quanto um piscar de olhos. A moda está na nossa vida e portanto a segue. É um espaço para evolução e de expressão. Entre fios e tramas que nos encontramos e através deles que nos mostramos.

Paula Miranda 2 E n t r e Fi o s - Edição 1° - Dez, 2017


SUMÁRIO Sustentável Ser Aberto há 34 anos, o ateliê de Nara Guichon é a prova de que a sustentabilidade não tem idade.

Veganismo está na moda

O novo sentido da sustentabilidade e seu impacto na indústria

Ivana Antunes Os desafios de se costurar roupas para religião em uma cidade marcada pelo preconceito

Live With Less

A mulher sofisticada que preocupa-se com o entorno e com si mesma

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NO PROVADOR

Sustentável Ser

Nara Guichon faz parte do grupo de pessoas que quer mudar o mundo, não por estar seguindo uma tendência mundial. Sua consciência sustentável vem do berço.

N

ara Guichon é gaúcha de Santa Maria e aprendeu a tricotar com apenas quatros anos. Desde então, nunca deixou de lado os fios e as tramas. Com dezesseis anos, vendeu sua primeira peça de roupa nas boutiques de Porto Alegre. Veio para Florianópolis, instigada pelo mar e pela natureza e abriu seu ateliê em 1983. Uma casa rústica no centro de um jardim de flores e árvores, um pequeno pedaço do paraíso onde ainda podemos respirar ar puro. Seu diferencial são as roupas sustentáveis feitas com a reciclagem de redes de pesca e técnicas de estamparia como o ecoprint. Essa técnica consiste em extrair a cor natural das flores, vegetais e ervas para tingir o tecido. O ecoprint é uma alternativa limpa de estamparia natural que não deixa rastros no meio ambiente. É usado o vinagre e a pedra pomes, produtos que não poluem, para fixar as cores no tecido através da compressão. As plantas comprimidas são cozidas no vapor. Ao contrário do tingimento industrial e em larga escala, as cores no tecido duram para sempre, podendo ser lavado diversas vezes sem se preocupar em desbotá-lo. Sua vida é como uma grande aprendizagem e sempre teve o prazer de poder trabalhar com outros profissionais talentosos e professores dedicados que lhe ensinaram o que sabe. Agora é a sua vez de passar para frente seu conhecimento. Começou este ano a ministrar oficinas de estamparia natural e técnicas de ecoprint em seu próprio ateliê. Apesar das turmas serem pequenas, são sete vagas por 4 E n t r e Fi o s - Edição 1° - Dez, 2017

curso, acredita que, assim como o faz, essas pessoas são propagadoras e que irão espalhar esse conhecimento. “Existem pessoas que não tem condições, que estão batalhando pelo seu alimento. Nós, que temos acesso a esse conhecimento, possuímos a responsabilidade para com o planeta.” Para Nara, essa responsabilidade se espelha em nossas vidas de diversas formas. A sua consciência sustentável não está limitada apenas ao seu trabalho no ateliê, mas na sua vivência com a natureza e com as pessoas. A sustentabilidade vai além da roupa que você usa, é o lixo que você recicla, a água que você reusa. Ser sustentável é respeitar.


Nara passou a usar as redes de pesca em seus trabalhos em 1998. Seu primeiro contato com as redes foi através de seu amigo Henrique Schucman, que trabalha com tapeçaria artística. Dominava fibras como o linho, a lã, a seda e o algodão, e de acordo com Nara “ele estava procurando por desafios”. Caminhando na praia ele encontrou as redes de pesca e começou a trabalhar nas tapeçarias só com esse descarte. Nessa mesma época Nara se tornou sua estudante e assim como Schucman, se apaixonou pelas redes. Desde então, passou a usar as redes degradadas e envelhecidas para criar tecido que se não fosse seu novo uso, ficariam no meio ambiente matando animais.

As araras estão repletas de roupas das mais variadas. Nara não trabalha com coleções, mas cria de acordo com o que a inspira

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Algumas de suas peças são feitas de material reciclado, seda pura e tecido de algodão orgânico, que quando entra em contato com o vapor muda sua tonalidade. As redes de pesca são cortadas à mão e as roupas pintadas naturalmente através do ecoprint, uma técnica limpa de impressão botânica.

Suas peças são mais caras que as convencionais, como você lida com o cliente?

A questão do valor eu sugiro às pessoas que reflitam: O que é caro e o que é barato? Na minha opinião, barato é o que não vale. O caro, se realmente vale a pena, pode custar bastante dinheiro mas não é caro. Se você calcular justamente, tem o custo ambiental, você vai estar deixando o planeta poluído, o uso da roupa que não é atemporal e que você vai usar por apenas uma estação, e a minha, que você vai poder vestir por vários anos. Você vai perceber que o meu trabalho e o de vários designers que estão começando a trabalhar com moda sustentável, sai muito mais barato. É uma questão de começar a fazer as contas corretamente e de mudar a percepção, os nossos paradigmas. Porque a sociedade educou as pessoas a consumirem a qualquer preço. Nós 6 E n t r e Fi o s - Edição 1° - Dez, 2017

sugerimos o contrário, que a pessoa consuma menos com muito mais qualidade. Produção aonde o artesanal é inserido, significa, quando o artesão é respeitado, inclusão social, manutenção de técnicas as vezes milenares e agrega valor ao produto, pois produto com história ganha valor.

Quando foi que você começou a se preocupar com sustentabilidade?

Eu já venho de um berço sustentável no momento que com quatro anos eu comecei a trabalhar com a lã. Eu sempre me preocupei com sustentabilidade, minha vida aconteceu assim. Meu primeiro insight se deu com dez anos. Quando eu ajudava minha avó no jardim e ela queimava as folhas, eu sabia que aquilo estava errado, mas eu não sabia dizer porque. Não tem uma questão de “ah, eu estudei e fiquei mais consciente”. Foi natural do meu espírito ser assim.


Veganismo está na moda

RADAR FASHION

A sustentabilidade ganhou um novo sentido e está mudando o jeito de pensar na indústria

Por Bruna Ferreira e Paula Miranda

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mesa é uma confusão de linhas de costura, novelos de lã, fuxicos, agulhas de crochê coloridas e flores de tecido estampadas. As mulheres ao seu redor “fuxicam” entre si, ajudando umas as outras no intricado passar de fios. A conversa animada, o cheiro de café recém-coado e o bolo de cenoura com coco, acorda todo mundo numa segunda-feira às nove da manhã para fazer crochê. Algumas dessas mulheres estão concentradas seguindo o trabalho e as mãos velozes da professora Luiza Juraci, que tricota com experiência. Estão ali para aprender e para ensinar. Logo levarão o conhecimento para suas comunidades. Este é o Encontro de Saberes, que ocorre toda primeira segundafeira do mês na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), no marco do EcoModa que está em sua 11° edição.

A experiência da estilista Lilly Sarti nos mostra essa tendência. Dona de uma grife que leva o seu nome, Lilly aboliu em 2016 um dos segmentos mais lucrativos da sua marca: as peles. Em entrevista para a revista de moda Vogue conta: “Quando lançamos a marca, pele era sinônimo de glamour e queríamos ser parte desse universo – por isso, fazia sentido ter essas peças nas coleções”.

“Às vezes

não usamos algo de couro, mas não nos damos conta que a calça jeans comum, principalmente a barata, pode estar poluindo vários rios, matando muitos peixes”

O projeto, criado com a intenção de fazer exposições, palestras e oficinas relacionados à moda sustentável, busca conforme sua coordenadora, a professora do Departamento de Moda da UDESC, Neide Schulte “disseminar conhecimento para a comunidade”. Professora de sustentabilidade na moda, vegana e mãe, Neide busca colocar seu ideário em prática, procurando recursos para fazer moda gerando menos impacto. O primeiro passo foi abolir as matérias primas de origem animal. Historicamente, a moda utiliza tecidos como o couro, a lã, a seda e a pele. Pode parecer impossível eliminá-los do nosso consumo, mas estilistas e grandes nomes da indústria da moda estão paulatinamente mudando este cenário.

A mudança não acontece do dia para a noite, demanda todo um processo que busca conquistar o público, que tem a compra motivada não só pela matéria prima da roupa mas por diversos fatores: necessidade, desejo, impulso. O Brasil abriga a quarta maior indústria de vestuário no mundo, com um faturamento de 182 bilhões de reais por ano, conforme reportagem da revista Galileu.

Para Neide cada vez mais as pessoas estão buscando sua identidade através da vestimenta. O vegano, cujo respeito aos animais vai além da sua exclusão na dieta alimentar para compreender todos os aspectos daquela vida, por exemplo, estão preocupados em transmitir sua ideologia através do que vestem. Se o tecido de uma camiseta tem ou não origem animal é pertinente, mas o impacto ambiental que uma vestimenta provoca também é um aspecto a ser considerado. Neide esclarece que para o vegano é fundamental a consciência de todos sobre as consequências que a moda gera no ecossistema. “Às vezes não usamos algo de couro, mas não nos damos conta que a calça jeans comum, principalmente a barata, pode estar poluindo vários rios, matando muitos peixes. Não é só o couro ou a pele, mas sim todo o impacto que o vestuário causa.” Dez, 2017 - Edição 1° - E n t r e Fi o s 7


Na Ásia Central, o Mar de Aral, que já foi o quarto maior lago do mundo em volume d’água, alcançou apenas 10% do seu tamanho original em 2007. A causa desse “encolhimento” é a irrigação de algodão na região.

Arian Zwegers via Visualhunt

A rede global Water Footprint Network, líder em avaliação do uso da água no planeta, calcula que para produzir 1kg de uma roupa feita de algodão, são usados em média 10.000 litros de água. Ou seja, uma calça jeans comum gasta cerca de 8.000 litros. Estamos falando apenas de uma calça jeans. Imagine uma produção em grande escala, como ocorre com o fast-fashion. Além da quantidade de água usada, ainda é preciso considerar os químicos na hora do tingimento, que muitas vezes são tóxicos e jogados indevidamente em rios, contaminando a água e as pessoas que a utilizam. Em Florianópolis, o Ateliê Nara Guichon abriu as portas em 1983 e recicla anualmente 500 quilos de redes de pesca para confecção. Seus trabalhos utilizam apenas o algodão orgânico, proveniente da Natural Fashion, que consome 90% menos de água durante o cultivo, sem uso de agrotóxicos e outros produtos químicos. De acordo com Nara, seus clientes em geral são de classe médio alta que tem o poder aquisitivo para comprar uma echarpe de estamparia natural que custa 195 reais, mas queixa-se: “O perfil do cliente ainda não é o que gostaríamos, ou seja, clientes conscientes de que a moda é uma das indústrias mais poluidoras do planeta”. Alguns especialistas discutem sobre a moda ser a segunda indústria mais poluidora do planeta, mas não existe 8 E n t r e Fi o s - Edição 1° - Dez, 2017

um consenso nem números absolutos para figurarem a dimensão desse impacto. Entretanto, é reconhecido que a indústria têxtil está no escopo dos ambientalistas. Uma roupa produzida sustentavelmente geralmente é mais cara, tanto por causa da matéria-prima diferenciada quanto pelo trabalho manual. Seu processo não segue a mesma lógica que das lojas de departamento. Por isso é difícil popularizar a moda vegana. “Converso com o cliente frente a frente explicando que nosso produto apesar de um pouco mais caro sai muito mais barato, levando mensagem de respeito a todas as formas de vida”, afirma Nara. Para Lilly Sarti, depois que aboliu o uso da pele, houve um aumento de vendas e um consequente barateamento do produto: “A cadeia produtiva ficou mais fortalecida e, no fim, o preço final das roupas também foi impactado – quando você tem mais volume, consegue uma negociação melhor com os fornecedores”. Outra possibilidade para minimizar o impacto da indústria do vestuário é o reaproveitamento. Muitas pessoas doam suas roupas para brechós ou instituições de caridade. Neide Schulte está estudando maneiras de absorver o volume de roupas que em um cenário diferente vão parar em aterros sanitários: “Fui identificar os resíduos da indústria têxtil aqui em Florianópolis e estava vivendo com


Aral, ago gua, seu 7. A ”éa ião.

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um volume gigantesco de roupas usadas, doadas. A gente não tem aqui como absorver isso.” É com essas roupas e retalhos de fábricas que iniciativas como o Banco de Vestuário ajudam a comunidade fazendo com que a sobra de produção possa suprir a falta de agasalhos, roupas de cama, colchas, cobertores, artesanatos, etc. Além da ajuda, eles também fazem confecções para venda. Luiza Juraci, professora convidada do último Encontro de Saberes na Udesc, já trabalhou 10 anos no Banco em Porto Alegre e afirma “a economia solidária em mês ruim fatura 150.000 reais. Mês de final de ano dobra, bem mais. O produto tem que ter muita qualidade, o produto tem que ser muito bem supervisionado”. A popularização das lojas de departamento reinventaram o modo de produção e consumo. Enquanto que uma peça simples de uma grife custa cerca de 500 reais, um modelo parecido na Renner está custando 50 reais. Esse é o fast fashion. Em suma, tornou a moda acessível ao público e vestirse conforme a tendência não é mais exclusividade da classe média alta. A cada três semanas as coleções são renovadas e descartadas, porém essa produção rápida e em em lar-

ga escala, gera resíduos e impactos no meio ambiente. Como as roupas que usamos não são biodegradáveis, ficam nos aterros 200 anos ou mais contaminando o solo e o ar, como mostrado no documentário The True Cost. Os impactos podem ter grande escala tanto para a natureza como para a população. Em abril de 2013 o mundo conheceu o lado obscuro do glamour. A capital de Bangladesh, Dhaka, foi palco de um terrível acidente, o desabamento de um prédio de três andares que vitimou mais de 1.300 vidas.Nesse prédio funcionava a fábrica de vestuário Rana Plaza. Os funcionários já haviam relatado as más condições do local como as rachaduras e as infiltrações, mas nada foi feito a respeito e eles foram forçados a continuar seu trabalho nessas condições. Este não é um caso isolado. Enquanto as vítimas do Rana Plaza eram retiradas dos escombros, outro edificio que abrigava uma fábrica de confecção na capital bangladesa pegava fogo, matando oito pessoas. Além de trabalhar em péssimas condições, essas pessoas ganham em média 2 dólares (o equivalente a 6,35 reais) por dia para fazer longas jornadas de trabalho, sendo submetidas há inúmeras privações como, por exemplo, ver a família. O documentário The True Cost, relata a história de Shima, que é obrigada a deixar seu filho, Nadia, na aldeia com

CONCEITOS Slow Fashion/Moda lenta: é um movi-

mento na moda que procura produzir de forma responsável e preocupada com o meio ambiente, oposto do fast-fashion e das lojas de departamento, apoiada na premissa de “qualidade sobre quantidade”. Praticada em pequenos negócios e comunidades.

Fast Fashion: Conhecido como moda rápida, é praticada por grandes marcas que produzem

muito volume e de maneira contínua suas peças, lançando novas tendências toda semana ou dias. Lojas de departamento são exemplos clássicos do fast fashion, como a Renner, Marisa, Zara.

Economia Solidária: Atividade econômica baseada na autogestão em prol da comunidade. Procura produzir sustentavelmente e a trocar conhecimento em benefício mútuo. Dez, 2017 - Edição 1° - E n t r e Fi o s 9


BA

Foto por Tim Mitchell, Clothing Recycled, 2005

Roupas usadas separadas em cores para serem recicladas em Panipat, Índia

seus pais, pois não tem como garantir boas condições para ele na cidade. Ela o vê duas vezes ao ano. O veganismo é um estilo de vida ético que tem ganhado recente popularidade. Diferente do vegetarianismo, que rejeita o insumo animal apenas na sua dieta alimentar, os veganos militam a favor da integridade e dignidade de todos os seres sencientes, aqueles que sentem e que, portanto, podem sentir dor. Seus seguidores começaram questionando o modo de produção: “Qual a origem que gera menos impacto?”, pois, para a professora Neide Schulte, tudo gera impacto, entretanto para se pensar de forma ecológica é preciso avaliar esses impactos de forma a minimizá-los ao máximo. “A chave está na informação, na preocupação do usuário de querer saber de onde vem, o que é que está vestindo.” Não é uma tarefa fácil. Faça o teste. Pegue qualquer embalagem no supermercado e tente descobrir exatamente como aquele produto chegou as suas mãos. De quem compraram a matéria-prima? Qual foi o volume d’água usado na produção? Quais são as condições de trabalho daqueles que a produziram? Por quantas mãos o produto passou até chegar a sua? É praticamente impossível responder. As empresas não são obrigadas a divulgar essas informações. Em nosso país, a Sociedade Vegana Brasileira (SVB) criou um selo para tentar localizar 10 E n t r e Fi o s - Edição 1° - Dez, 2017

as empresas que buscam mapear o trajeto de seus produtos e tem especial cuidado com o impactos ambientais e sociais em sua produção. O selo é dado por produto, não por marca, levando-se em conta que muitas praticam o veganismo apenas em etapas específicas da produção. “Considera-se produto vegano aquele que não contém em sua composição nenhum ingrediente de origem animal e durante cujo desenvolvimento (e durante o desenvolvimento de insumos usados para a fabricação do produto) nenhum animal foi usado em qualquer teste ou experimentação”, esclarece a SVB em seu site. Para possuir o selo, são necessárias informações sobre fornecedores e demais participantes da toda a cadeia produtiva, comprovando que a matéria prima fornecida é vegana, e o pagamento de uma taxa por produto. Apesar de não ser obrigatório o uso do selo, ainda é um atestado oficial de qualidade e autenticidade. Entretanto, a burocracia e a tarifa anual de licenciamento acabam desencorajando as empresas a adquiri-lo. Dificilmente vamos encontrar uma produção 100% vegana, pelo menos não agora. Talvez no futuro seja possível produzir uma roupa totalmente vegana, que contemple todas as etapas de produção, todas as vidas envolvidas e com o meio ambiente, respeitando tudo e a todos. Por enquanto esta é apenas um ideário.


BASTIDORES

VESTIDOS PARA ORAR Em meio a tantas lojas que fluem com a tendência o ateliê Roupas de Religião nada contra a correnteza

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ma combinação entre cultos africanos, tradições indígenas e o cristianismo, a umbanda é uma das principais religiões brasileiras, com mais de meio milhão de adeptos, de acordo com último levantamento do IBGE feito em 2010. Em Florianópolis, o site UniAfro reúne uma lista com 86 terreiros cadastrados dedicados às religiões africanas. As vestimentas, também chamadas de axós, são feitas para caracterizar uma entidade própria, levando a uma variedade de detalhes e significados. Ivana Antunes é proprietária do Ateliê Roupas de Religião em Florianópolis. Nasceu no Rio Grande do Sul, estado com maior número de adeptos da umbanda no país. Hoje tem seu próprio ateliê na Ilha e deseja no futuro ter sua própria loja, mesmo tendo que enfrentar o preconceito existente com religiões de matriz africana.

No ateliê, você trabalha com vestimentas para quantas religiões afro-brasileiras?

Eu trabalho com umbanda, quimbanda e as roupas de nação, que são pra batuque. Dentro do batuque tem várias linhas, aqui (na ilha) o que predomina é Almas e Angola. Eles têm um estilo diferente com muito brilho e bordados richelieu, que são como renda num tecido de lençol. Pra que eu consiga colocar esse bordado na roupa sai muito caro. Então eu termino ficando mais com o pessoal da umbanda e quimbanda daqui.

Qual a importância da vestimenta para essas religiões?

A roupa é somente para caracterizar uma entidade mas não que seja uma coisa fundamental. Roupas escuras são propriamente da linha de Exu,

têm mais detalhes e levam mais brilho. As roupas claras são pra linha de caboclo e de preto velho, que utiliza muito o xadrez. Em muitas casas antigamente não existia nada disso. Era uma calça branca e um jaleco. A roupa se tornou um adereço pra identificar uma entidade.

A demanda em Florianópolis é alta ou era maior no Rio Grande do Sul? Muito maior. Até porque lá as casas são abertas, as pessoas se identificam como pertencentes a uma religião afro. As pessoas não tem vergonha, se expõem mais. Aqui é praticamente o ritual Almas e Angolas, um ritual diferente do RS. Eles são muito fechados, não são muito de se identificar e de se colocar: “eu pertenço a isto”. O pessoal que vem de fora, pelo próprio preconceito que existe na cidade, Dez, 2017 - Edição 1° - E n t r e Fi o s 11


acabam ficando quietinhos, fechadinhos pra não aparecer muito. Tenho muitos clientes que pedem pra não marcar eles quando posto na rede social, pra que eles não apareçam.

Eu estava pesquisando por alguns preços e tinham roupas dos mesmos modelos com que você trabalha que variam de R$400 a R$800 reais. Esse é um preço bem alto. Seus clientes pagam esse preço? Na realidade, como eu não tenho uma loja, eu tenho um ateliê, isso facilita muito pro cliente. Porque ele pode me trazer o tecido, comprado na loja, parcelado. Ele só vai pagar a mão de obra. As pessoas que pegam um preço de R$700 reais se apavoram de início. Mas se você perguntar quanto é a mão de obra dessa roupa, o preço é menos da metade. A mão de obra é barata. O que encarece é o tecido. No Rio Grande do Sul o tecido é mais em conta, você tem mais variedade de detalhes pra por na roupa, de aviamentos. E aqui você já não encontra isso, e quando encontra é muito caro. A maioria acaba optando por pagar somente a mão de obra.

O preconceito. Sei que tem uma senhora já bem velhinha lá no estreito que ela era quem dominava esse campo da confecção, só que pela idade ela já está parando com o serviço. A maioria dos clientes dela estão vindo pra mim. Eles vão procurar as costureiras e a maioria é evangélica, então elas se recusam a aceitar o trabalho.

“Os clientes

chegam aqui e sempre tem um manequim montado. Sem problema nenhum. Eu não escondo, nem a minha religião nem com o que eu trabalho”

Algumas pessoas chegam a considerar mais vantajoso sair do Estado para comprar fora. Existe alguma diferença nas vestes feitas em outros estados?

A única diferença se você pegar uma roupa fabricada aqui e outra fabricada em São Paulo vai ser a qualidade e a quantia de tecido, porque eles trabalham com bem menos tecido. Uma saia minha, por exemplo, tem em torno de 10 metros de roda e cobre uma cama inteira de casal. Uma saia de São Paulo não abre dessa mesma forma, ela não tem o mesmo diâmetro. 12 E n t r e Fi o s - Edição 1° - Dez, 2017

Pela sua experiência, o que desencorajaria alguém a abrir uma loja especializada em roupas para religiões afro-brasileiras?

Como você lida com esse preconceito? Você perde clientes por causa disso?

Sabe que não? Chega temporada eu atendo muito as lojas aqui do centrinho. É quando dou uma paradinha com a roupa afro, porque daí os terreiros encerram pra fim de ano. Os clientes chegam aqui e sempre tem um manequim montado, deixo uma peça exposta, eles chegam, entram, visualizam. Sem problema nenhum. Eu não escondo, nem a minha religião nem com o que eu trabalho. Eu digo que o carro chefe do meu ateliê é a roupa de religião. Essa eu não largo porque é o que me dá prazer de fazer.

Quais as dificuldade que você mais sente em trabalhar aqui em Florianópolis?

Encontrar material, tecido e aviamentos. É uma questão bem problemática porque são poucas as lojas que te oferecem esse tipo de produto e as que te oferecem ou é muito caro ou é muito escasso. Você termina tendo que buscar em várias lojas o que você poderia pegar em uma única. E muitas vezes buscando fora daqui, como em São Paulo, Porto Alegre, pra poder garantir um preço menor pro cliente.

Os pe


Em Florianópolis, o grupo Arrasta Ilha difunde o Maracatu do Baque Virado, uma manifestação cultural dentro do ritual Almas e Angola.

Para Leigo ENTENDER...

Você tem vontade de abrir sua loja ou gostaria de ficar apenas com o ateliê?

Eu gostaria de futuramente abrir minha própria loja. O estilista de outras lojas não tem amplo conhecimento da religião como eu tenho, e não consegue fazer o mesmo trabalho com a mesma qualidade. Há muito gasto desnecessário, principalmente de tecido. Mas o pessoal daqui tem muita vergonha, então eles não procuram, é tudo muito escondido. Então eu penso… será que renderia? Visualhunt

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Os guias são colares coloridos usados para defesa de energias negativas pelos médiuns na Umbanda.

mbanda, Quimbanda e Nação são manifestações religiosas que distinguem-se pela natureza das entidades cultuadas, pelos procedimentos do culto e pelos seus elementos culturais. A Nação é uma religião muito antiga, proveniente da África, onde os orixás cultuados são considerados Deuses, sendo reverenciados como heróis, reis, guerreiros, personagens mitificados que alcançaram a condição de divindades. Na Quimbanda e na Umbanda, essas entidades são vistas como antepassados, homens e mulheres proeminentes de outras épocas. Da Nação Nagô, originou-se o ritual Almas e Angola, que cresceu e se firmou quase que exclusivamente em Santa Catarina. Sua presença é fortíssima em Florianópolis e no Estado.

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ENQUADRAMENTO

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Produção Lavínia Brum Vitória Gonçalves Modelo Karine Padilha Fotógrafo Guilherme Pazetto

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EXPEDIENTE Edição 1° - Dezembro/2017 Editora: Paula Miranda Projeto gráfico-editorial: Paula Miranda Textos: [Sustentável Ser página 4 + Ivana Antunes página 16] - Paula Miranda Imagens: Visual Hunt [Capa + Contra-capa + Sustentável Ser página 4] - Natália Seeger [Maracatu Arrasta Ilha página 6] - Facebook

Esse trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de caráter puramente acadêmico, desenvolvido pela acadêmica Paula Miranda Barbosa como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório de Produção Gráfica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2017-2. Não será distribuído, tampouco comercializado.

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