Revista CronicArte

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CronicArte a escrita e a arte da vida

Eu, ator coxia

Bastidores da produção da peça Eu, Herói, feita para ajudar alunos com as obras do vestibular

cronicando

Revelando escritores

luz, câmera, cinema

Exibição de encatamento


sumário

a escrita e a arte da vida

CronicArte

Sumário sumário

coxia

Conheça os bastidores, a produção e a vida de atores que ajudam alunos se darem melhor no vestibular. Pg 6

2 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

luz, câmera cinema

perfil

Por que as pessoas se apaixonam pelo cinema? O que a sétima arte tem a transmitir? Pg 9

cronicando Escritores compartilham seus textos, embelezando omundo com sua arte Pg 16

Uma escritora que desde sua infância quer descobrir todas as possibilidades da palavra Pg 13

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prólogo

prólogo

Editorial Dizem que a deusa Atena nasceu da cabeça de Zeus. Atena era a Sabedoria, filha do pai dos deuses, o Poder e de Métis, a Prudência. Então Zeus que enganou Metis por medo de sua esposa Hera e a engoliu não sabendo da sua gravidez. O Senhor dos deuses começou a ter fortes dores de cabeça, e pediu a Hefesto, o deus ferreiro que aliviasse pois não podia suportar mais. O filho desprezado de Zeus com um martelo bate na cabeça do pai, dali surge uma mulher vestida com uma armadura, pronta para o combate. Assim nasceu Atena. A dor que Zeus sentiu, é a mesma que um artista sente quando da a luz á sua arte, seja escrever, pintar, conceber uma peça, criar um roteiro para filme. Qualquer arte dói, até mesmo a de viver, construir um espaço, ajudar pessoas. A revista CronicArte nasceu dessas histórias, das dores de parto dos artistas, de indivíduos que fazem de sua vida uma arte. Seja bem-vindo a essa viagem ao universo da Sabedoria. Que Atena nos acompanhe!b James Ratiere

Expediente

Sobre a arte

“ “ “ Os espelhos são usados para ver o rosto; a arte para ver a alma.

Temos a arte para não morrer da verdade. FRIEDRICH NIETZSCHE

A arte diz o indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível. LEONARDO DA VINCI

GEORGE BERNARD SHAW

Essa revista é um trabalho experimental, sem fins lucrativos e puramente academicos desenvolvida pelo graduando James Ratiere para a diciplina de Laboratório de Pordução grafica do Curso de Jornalismo da Universidadade Federal de Santa Catarina sob orientação do Professor Ildo Francisco Golfetto no semestre 2017.2. Não será distribuida e nem comercializada. As reportagens foram escritas por James Ratiere, Mayara Santos, Leticia Silva e Madu Silva. As imagens foram cedidas pelos entrevistados a partir de suas redes sociais. O projeto grafico, diagramação e tratamento de imagens foram feitos por James Ratiere Para qualquer sugestão ou crítica mande email para: jamesratiere@gmail.com

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coxia

“Eu coloquei os sapatos trocados e só percebi agora”.

Eu, ator

POR JAMES RATIERE E MAYARA SANTOS

Esta fala ilustra bem a loucura que são os bastidores do espetáculo “Eu, Herói”, produzida pela Cia. de Teatro Vanguarda através do projeto Literatura Viva, que existe desde 2001. Com aproximadamente cinco horas e meia de duração, os atores, com cerca de 20 personagens para cada um dos 11 atores, que tem no máximo dois minutos para trocar de figurino e de personalidade. O roteiro da peça, assinado por Sérgio Murilo Machado e Wellington Moraes, conta as 11 histórias dos livros dos vestibulares ACAFE, UDESC e UFSC e é uma montanha-russa de emoções. “Não importa quantas vezes a gente tenha feito isso, parece que quanto mais o tempo passa, mais nervosa eu fico”, relata Ariane Xavier, atriz da companhia. “Pomba de fogo!” afirma a personagem Fire Dove tentando ata6 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

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car o Capitão Vanguarda com seu poder, mas ele têm uma arma secreta, ele mostra um exemplar de “Nós” de Salim Miguel, um dos livros mais difíceis de serem compreendidos. Fire Dove acompanhada de Strahl saem de cena. Para entreter adolescentes com obras que podem não ser de interesse, Sérgio e Wellington tiveram uma grande sacada: além de adaptar os livros com uma pitada de humor, eles costuram as 11 narrativas em uma linha que nomeia a peça, “Eu, Herói”. Ela é uma entremez e permite a platéia, consiga visualizar o todo e não apenas frações individuais. “Sonoplasta, música pra gente transar”, diz Lúcia Maria que junto com Sr. Paulo, personagens do livro “Lucíola” de José de Alencar, que tiram gargalhadas apesar da pegada dramática da história. Em uma novela mexicana ao vivo, os personagens vão conduzindo-nos a uma história de amor entre uma Dama de Luxo e um playboy do Brasil imperial. “Que cor são os olhos da minha mãe?” Eis um questionamento recorrente do primeiro contos - e homônimo - de “Olhos d’Água” de Conceição Evaristo, que retrata histórias da população negra, contando sobre os preconceitos, a violência e a marginalização. O drama costurado por sonoplastia produzida pelos atores magnetiza a todos. Há a presença do incômodo quando se toca em algo tão atual quanto o racismo e as relações de poder estabelecidas na sociedade para pessoas que, em sua maioria são brancas e com um status social elevado. Soa como um alerta para que os presentes percebam as relações tóxicas demarcadas entre as pessoas. “Olhos d’Água” é pesado, visceral, nos faz mudar de posição na cadeira várias vezes e chorar com os fins aterradores que seus homens e mulheres têm. “Olhos d’Água magnetiza a gente, são tantas coisas acontecendo e cenas fortes que se pararmos pra pensar infelizmente são cotidianas na vida do negro no Brasil e isso se acen-

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Foto: A obra de José de Alencar Luciola retratada como uma novela mexicana e pitadas de humor

“Que cor são os olhos da minha mãe”

tua mais vendo apenas uma atriz negra no palco.” declara Rafael Nascimento, 26. “Travesti não tem família”. As Fantasias Eletivas de Carlos Henrique Schroeder completam o ciclo de incluir a reflexão sobre minorias. Numa história engraçada, porém dramática e trágica ao mesmo tempo, temos um recepcionista e uma travesti que se tornam amigos. É impossível conter as lágrimas durante os diálogos que antecedem o desfecho da história, pois tudo caminha para um final definitivo. Com as emoções à flor da pele, houve um intervalo onde haviam várias pessoas limpando as lágrimas após serem surpreendidas pela atuação de Rafael Reüs e Jochoan Azevedo. “Muito forte, o sentimento que eles passaram, foi muito emocionante.” diz Clauner da França, 28. Assim como Lúcia, que se torna cortesã para ajudar no tratamento de seus familiares com febre amarela, os atores e a equipe técnica precisam contar com outras fontes de renda além do teatro para se sustentar devido à desvalorização e falta de reconhecimento da profissão. Não há incentivo para que as pessoas frequentem o teatro, muito menos para que as companhias produzam seus espetáculos. CronicArte | Edição 01 | Dezembro 2017 | 7


Foto: Carolina Packer, interpretando Lucia Maria da obra Luciola. Calorina é mãe, professora e atriz se desdobrando pelo amor á arte

Por exemplo, Carolina Packer, que além de atriz, é professora de teatro infantil na companhia, se divide entre os palcos, seus outros dois trabalhos como professora de inglês e locutora de rádio e sua vida pessoal, pois ela é casada e mãe de um menino de dois anos. “Quando me perguntam com o que eu trabalho e eu respondo que trabalho com teatro, as pessoas insistem e perguntam ‘mas trabalho mesmo, o que você faz?’ e continuo afirmando que é como atriz, logo elas concluem que eu não trabalho. Inclusive, na minha própria família eu não era respeitada antes de ser mãe. Eu tive meu filho e, de repente, pra sociedade, eu tenho mais valor.” Situações como a narrada por Packer são comuns não só para profissionais da arte, bem como com as mulheres em geral, que são tidas como incapazes ou reduzidas à maternidade e seu estado civil. No conto “Maria”, do livro “Olhos d’Água”, a protagonista tem sua imagem associada à de seu ex-marido, que assalta o ônibus em que estão, e, culpada por algo que não fez, é morta pelos outros passageiros. E tudo isso porque ela era a “a negra safada, mulher do bandido”. E, por mais que no mundo exista a exclusão social das mulheres, dos negros e dos artistas, o teatro é uma família que aceita à todos estes de bom grado. Desde a montagem do cenário até a caracterização dos personagens, todos se ajudam no que podem. Todos podem ser mulher, homem, negro ou branco, diferente de Copi, da obra “As Fantasias Eletivas”, rechaçada sua família ao se descobrir e assumir sua transexualidade. Apesar das dificuldades, como o assalto que houve no prédio da companhia no começo deste ano, houve esforço e uma vontade coletiva de tocar o espetáculo em frente a fim de que o show não pare e se possa continuar vendo a gratidão estampada nos olhos de que foi auxiliado na revisão dos livros. “Eu não li todos os livros e ver 8 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

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luz, câmera, cinema

Exibição de encantamento O cinema como uma arte, e como todas as outras, serve para fazer pensar quando se saí da sala de projeção ou apertar o stop do controle remoto Divulgação

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“Quem sabe a gente não se esbarra por ai?”

a peça me ajudou a ter noção da história”, afirma Bruna, 19, estudante de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Como ela, Ana Cristina Machado, 22, que assistiu a peça em 2013, relembra “Tinham várias coisas dos livros que eu lembrei na hora da prova por causa do teatro.” Com a casa cheia, ao final da peça, todos ficaram de pé e aplaudiram em uníssono. E, mesmo parecendo tão cansados, os atores ainda eram só sorrisos com o sentimento do 16º ano de dever cumprido. “Eu tenho que ir, é o meu vôo. “Quem sabe a gente não se esbarra por aí?”b

POR LETICIA SILVA E MADU SILVA

Comerciais, experimentais ou independentes, a sétima arte conquistou uma legião de fãs no Brasil, desde sua chegada no início do século passado. O Brasil é o décimo maior mercado de cinema do mundo, no que se refere ao público, de acordo com uma pesquisa apresentada pela Agência Nacional de Cinema (ANCINE) em 2013. “Essa cultura vem lá de trás [...] com ciclos de fins de processos e início de outros, mas sempre viveu. Porque o sonho do cinema é sempre mais forte”, destaca Alfredo Manevy, professor de cinema da Universidade Federal de Santa Catarina. Para Manevy ir ao cinema pode significar muito mais do que assistir a um filme. A vivência pode ir além, da reprodução da obra cinematográfica. As sessões coletivas, possibilitam aos espectadores o contágio do riso, do choro ou do susto. A magia do cinema acontece ao juntar diversas imagens em sequências junto com algumas canções e claro, um pacote de pipoca que deixará tudo ainda melhor. Mas, não para todos. Leila da Silva, é doméstica, tem 38 anos e até hoje nunca foi ao cinema, mas hoje em dia, a vivência facilitada pelas plataformas digitais, como o Netflix, aguçou sua curiosidade.

“Porque o sonho do cinema é sempre mais forte”

O Youtube, Netflix e outros serviços de streaming tem facilitado o acesso às produções cinematográficas. “Não dá pra gente contar com isso como ferramenta de acessibilidade para população. São estruturas importantes, mas elas não realizam a acessibilidade.” comenta o professor Manevy. Segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, apenas 10,4% dos municípios brasileiros têm cinemas, e somente a metade da população brasileira tem acesso à internet, o que dificulta ainda mais à chegada dessa cultura a todos os lares. O professor de cinema acrescenta ainda que não há sociedade desenvolvida sem pleno acesso a cultura de todas as pessoas. Apesar desse empecilho, existem projetos que buscam aproximar esta experiência ao público em geral oferecendo sessões com entrada gratuita, com uma programação de filmes que foge do circuito tradicional, em espaços próximos à comunidade, e que oferecem uma experiência que pode ir além da exibição da obra. o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), existe o cineclube Ó Lhó Lhó. Idealizado pela professora Gizely Cesconetto no final de 2015, este, é um dos lugares CronicArte | Edição 01 | Dezembro 2017 | 9


que o público procura para se entreter durante as sextas feiras gratuitamente. E também, para conversar, já que após as exibições ocorrem rodas de discussão. Em cada mês, é escolhido um tema específico para todas as sessões, de acordo inclusive, com alguma data especial que houver durante aqueles dias. “A ideia do cineclube é que você produza e consuma. Não só estar ali pra assistir” comenta Antônio XXXX, 16 anos, estudante e parte da organização das sessões. “Na verdade hoje em dia não vou mais ao cinema do shopping, prefiro o cinema alternativo, não pelo valor, mas pelo debate.” disse Mellany Mattos, pedagoga, 25 anos, que já participou das sessões do Cineclube. Esses debates não são exclusividade de cineclubes apenas para pessoas jovens. No Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI) da UFSC, acontecem exibições de filmes num projetor, a Sessão Sênior de cinema, onde o público-alvo são os idosos. Nesta sessão o foco principal é mostrar as diferenças de cultura 10 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

“Não é muito o lugar que me puxa, o que puxa é o filme. Só que a diferença aqui, foi o debate. Eu achei fantástico.”

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no Brasil em relação aos outros países. “Eu como gosto muito, vou em todos, não é muito o lugar que me puxa, o que puxa é o filme. Só que a diferença aqui, foi o debate. Eu achei fantástico. Apesar do horário” conta Lúcia Panaciello, aposentada e estudante de Letras-Libras na UFSC. As sessões acontecem todas às quintas-feiras às 09h da manhã. Como a fala de Lúcia, esse horário não combina com pipoca. Mas apesar disso, todos eles se mantiveram muito atentos ao filme e muito engajados para discutir sobre após a exibição.”A gente não tem muita experiência em cultura porque, a cultura no Brasil, é muito carente, deveria acontecer mais desses projetos.” realça Hélio Cerventin a importância de sessões como esta. Entretanto, essas sessões especiais não ficam apenas nos locais mais alternativos. O Projeto Cine Materna por exemplo, são sessões de cinema organizadas em shoppings para mães (e pais) com bebês de até 18 meses, seguidas de bate-papo, um café e amizades que duram para sempre.

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luz, câmera, cinema

luz, câmera, cinema

Criado por mães, com o intuito de conceder à essas mulheres, espaço para que pudessem assistir ao filme na sala de cinema, com a tranquilidade de que nenhum dos outros espectadores se incomodaria com a presença dos pequenos. “O projeto é sensacional! O melhor de tudo é a acolhida.[...] Todas as meninas da organização nos recebem super bem. [...] E tem também a acolhida das próprias mães.” conta Marcela Lin, jornalista e mãe de dois meninos. É possível observar nas sessões, um grau de tolerância muito maior, como por exemplo quando um bebê começa a chorar, quando se vê uma mãe embalando o filho para dormir no corredor da sala ou higienizando-o no trocador disponibilizado pelo projeto, dentro da própria sala de exibição. Após essas exibições, é organizado em algum lugar, uma espécie de café da tarde, também para essas mães. Fernanda Soares, é engenheira civil, mãe de Bernardo (3 anos) e destaca que o café é um momento de conversar com as ou-

“A gente não tem muita experiência em cultura porque, a cultura no Brasil, é muito carente.”

tras mães em fases parecidas, trocar experiências, números de celular, redes sociais e até formar amizades que vão durar para o resto da vida. Sobretudo, comenta que ainda encontra mães e seus filhos da época em que ainda frequentava o Cine Materna, cerca de dois anos atrás. Se hoje, especialmente, pensar em cinema pode ter um sentido mais amplo, com debates, sessões especiais antigamente não era dessa maneira. Em uma conversa com Rodrigo Garcez, professor do curso de cinema da UFSC, a ideia de cinema sempre vai mudando um pouco de acordo com o lugar que está com o elemento sócio histórico que se coloca ali. Garcez é professor de Live Cinema, uma modalidade de cinema que é feita na hora. Com um notebook e programas específicos, o artista reproduz numa tela de cinema (ou em outros locais como por exemplo na fachada de prédios), imagens produzidas por ele, e organizadas da maneira que ele achar melhor para o público durante a ocorrência do evento. CronicArte | Edição 01 | Dezembro 2017 | 11


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As muitas possibilidades da palavra

POR JAMES RATIERE

Essas manifestações artísticas, vale ressaltar, podem ser acompanhadas de pessoas performando, músicas, mas isso não acontece obrigatoriamente. “Dentro da perspectiva de uma produção cultural, e que talvez a cultura como nichos [...] Sim, é uma cultura. Mas ainda minoritária” trata o professor. De pequeno ou de grande alcance, é impossível não notar apesar dos deslizes, que a indústria cinematográfica tem ganhado cada vez mais um valor alto adotado pela sociedade. A sétima arte, traz para a realidade um pouco de utopia. Sonhos e percepções do mundo real. Nas mais diferentes intensidades, escalas e vivências. “Sétima arte representa, para aqueles que assim a chamam, a poderosa síntese moderna de todas as artes. [...] 12 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

“Sétima arte representa, para aqueles que assim a chamam, a poderosa síntese moderna de todas as artes.”

Eis a nossa definição do cinema.” Ismail Xavier, escritor e professor da Escola de Comuncações Artes de São Paulo.b

Conheci Princia Beli em um curso de locução para rádio e tv, já em sua apresentação percebi uma maneira diferente de se expressar, anotando seu nome no meu caderno para quem sabe posteriormente contar sua história “Eu gosto das possibilidades da palavra, o quanto elas têm força,sendo através da pronúncia, do som delas, ou da escrita.” Quando falei com ela pra entender sobre essa paixão, combinamos nosso encontro em um lugar que nós dois nos sentíamos a vontade, na biblioteca da Fundação Catarinense de Cultura situada no Centro Integrado de Cultura (CIC). Princia é escritora, contadora de histórias, professora de escrita criativa e se engaja em outros diversos projetos que fazem seus olhos brilhar, a filha mais velha de cinco irmãos, nasceu em Florianópolis “a gente costuma dizer que ou se nasce na Carlos Correia ou na Carmela Dutra, eu nasci na Carlos Correia, então tenho o atestado de manezinha (risos).”

Desde pequena descobriu sua paixão pelas histórias, pela palavra, na sua infância onde não tinha internet, os livros, ela se recorda foram a maneira de ter uma boa educação. Via seu pai estudando, lendo por causa da faculdade e aquilo foi algo que ficou em sua mente. Ela cita que na idade de 8 pra 9 anos ficava na biblioteca da escola explorando todas aquelas histórias, mergulhando naquele mundo “Me lembro até hoje do primeiro livro que eu li, o “Caranguejo Bola” e até hoje eu ainda tenho aquelas viagens de como um caranguejo pode ser bola sabe? essa brincadeira? Aí eu queria ler cada vez mais.” CronicArte | Edição 01 | Dezembro 2017 | 13


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A música foi algo que também ajudou a escritora em sua aventura pelo mundo das palavras, ela diz que a sonoridade, a plasticidade de uma letra, o sentimento que ela traz é muito interessante, “então eu fui naturalmente construindo alguma coisa na minha neuroplasticidade a gente pode dizer, que é a forma que os neurônios se encaixam dessa construção de ritmo, dessa construção que a palavra vem, aí vem a frase, e depois o texto.” Na época da graduação escolheu Administração e Comércios Exteriores pra seguir como profissão, graduou-se até o MBA e trabalhou por dez anos na área, foi professora universitária e trabalhou em algumas empresas. Depois Beli se aventurou pelo país viajando e trabalhando com projetos sociais, ali ela sentiu que houve um amadurecimento, conhecer a diversidade que o Brasil tem acrescentou muito em sua vida. Após todas essas viagens a contadora de histórias resolveu tirar um ano sabático, se conectar com a natureza e consigo mesma, descansar a mente e a alma. E foi nesse período que surgiram os primeiros textos, algo despretensioso, primeiro algumas palavras enquanto caminhava ou meditava, depois ela começou a notar que não paravam de “jorrar” então 14 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

se pôs a escrever “eu acho que tudo isso que tava guardado e saiu, e saiu em forma de várias poesias.” A partir da reunião dessas poesias a escritora lançou um Ebook chamado Jardim de Curas (2014), e percebeu que poderia compartilhar aquilo que escrevera com as pessoas. essa consciência despertou algo nela, um “levar essa brincadeira mais a sério”, então procurou oficinas de escrita criativa pra lapidar o talento recém descoberto. Viu que as possibilidades da escrita eram muitas nos exercícios que as oficinas passaram desafiando a ir além da poesia, passou a escrever contos dos mais diversos temas. A percepção da plasticidade da palavra fez a escritora desbravar alguns caminhos em Oficinas de Linguagem, uma mistura com palavras e imagens que aguçam sua mente, além disso foi convidada para um projeto bilíngue onde escreveu sobre Florianópolis e algumas praias em textos de até cem palavras, “Eu posso me comunicar e além de entender uma linguagem minha posso repassar pras pessoas de formas diferentes, como os escritores me passavam quando eu era menina” Ao construir seu processo de escrita, Princia percebeu que poderia avançar mais e ajudar outras pessoas

a descobrir-se, em um projeto do Sebrae em parceria com a UNIVALI a escritora passou a ministrar oficinas de escrita criativa. Alguns alunos se interessavam pelo curso para descobrir a técnica da escrita assim ajudando-os no Trabalho de Conclusão de Curso e outros por causa das horas complementares que precisavam para se formar, imaginavam que a oficina seria técnicas de redação, mas Beli se embasa em Jung e seus arquétipos religando o aluno à sua infância, trazendo aquela forma lúdica de interpretar o mundo e possibilitando a procura de uma linguagem interior “eu aceitei esse projeto por que eu acho que o ser humano precisa acreditar nele na verdade, mais em suas potencialidades” Beli percebeu que a entrada do mercado editorial era regrada, que havia um formato já pré-estabelecido, quais tipos de livros eram aceitos pelas editoras e livrarias, quais não eram, e percebeu ser mais interessante se tornar uma escritora independente, participando de coletivos de escritores que se engajam totalmente no processo da construção de uma obra literária “ e daí eu me pergunto o que será que eu quer? Eu quero escrever o que todo mundo já escreve, repetir um padrão ou eu quero fazer diferente, tocar na ferida?” A escritora foi conhecendo pessoas, se apaixonando por processos, experimentando possibilidades, e começou a assistir projetos de contação de histórias no CIC como um a pesquisadora. Apaixonou-se por essa arte que reúnem algumas pessoas em lugares e aproxima crianças, adolescentes e adultos do mundo das letras. Vendo algumas intervenções achou aquilo mágico, “era como se aquilo saísse de dentro do livro e pá se materializasse.” Numa dessa ocasiões se interessou pelas oficinas que um desses projetos ministrava e aprendendo um pouco daquele mundo, um tempo depois foi convidada a fazer a leitura mediada de uma das histórias, e começou a participar ativamente das apresentações,

“Eu quero escrever o que todo mundo já escreve, repetir um padrão ou eu quero fazer diferente, tocar na ferida?”

”tanto crianças de 4 ou 8 anos, adolescentes que passam e ficam pra ver qual é, ou o adulto que acompanham as crianças, todo mundo ali desarmado, participando das histórias, é muito mágico” Princia percebeu que a contação de histórias não remete a infantilidade, mas traz algo humano das pessoas, de sentarem no chão, e se tornarem todos iguais. Emocionada ela conta situações diversas que aconteceram nesses momentos “Contação de histórias nesse momento ta sendo muito especial pra mim, por que a gente que conta que comanda o trem, e as pessoas embarcam, é muito gosto, muito especial mesmo.” Atualmente a escritora participa de alguns saraus, e ainda esquematiza um projeto de contação de histórias para crianças carentes em orfanatos, levar a literatura e mudar um pouco a realidade dos pequeninos é uma de suas aspirações, e ela deixa bem claro que não quer algo sazonal, apenas em datas festivas, mas um itinerário pronto, onde poderá mostrar as perspectivas da imaginação em vários lugares “isso me encanta muito, ter a possibilidade de deixar a potencialidade do ser humano melhor sabe?” Além da contação de histórias Princia é coordenadora do projeto voluntário Romaria da Palavra, que visa a ocupação de espaços públicos trazendo uma tarde de artes, poesia, contação de histórias, danças e músicas, o Romaria se espalhou pela cidade de Florianópolis reunindo vários artistas divulgando sua forma de ver o mundo. “Três meses pra trabalhar o movimento cultural em Florianópolis através da palavra, eu me sinto uma surfista, a onda que vem eu pego. (risos)” Essa é a trajetória de alguém que ama o que faz, e têm o compromisso de deixar uma assinatura no mundo. O mundo que ela lê com voracidade. “Eu leio tudo, palavras, música, imagens, comportamentos, animais, eu leio a vida.”b

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cronicando Sumário

Colérico sanguíneo

A mulher que corre

Dissecação do eu

Arqueavam-se sobrancelhas Ardiam olhares em cima de olhares O líquido bilioso subia ao esôfago A morte se esgotava no piscar De cílios, de pelos, de palavras Que pulam, que não voltam Que piscam e que ficam Efêmeras e eternas A pura ambivalência de viver O paradoxo de dizer O que não se quer dizer Tendo dito e não podendo voltar Reorganizar, apagar O desespero ainda queima no olhar Daquele que não diz Daquele que não morre Daquele que perdura No esgotar-se E então decide-se arrastar Sob a bile amarela Que lhe azeda a vida Colérico decide Gritarb

Está sempre correndo, Nunca para; Não diz oi. Mas sei que não é culpa dela; Está sempre com pressa: Nem olha pro lado. E desce a rua Infinitamente Perco-a de vista; Mas ela está lá, Descendo e correndo, Como sempre faz. E no dia seguinte, Tudo acontece Como no anterior: Eu sentado e ela correndo. Eu não sei o nome dela, E nem ela o meu; Mas sei que lá no fundo ela diz “bom dia!” Sorrindo largo pra mim... E nessa correria louca da vida, Nossos bom-dias mentais se encontram, Eu sentado e ela correndo Todo diab

Quarta-feira, 21 h. Santa Menina Despida. Teatro Municipal lotado. Em cartaz, Loreta Flores. Letras brancas sobre fundo preto: Se você se despir de tudo o que se apropriou, o que te resta? Loreta, em sua infância, foi chamada de louca por comer nuvens, poeira, cerração ou qualquer ar mais denso que o habitual. Era óbvio, pois, que os pássaros apenas voam porque engolem muito ar enquanto esperam, das bocas de suas mães, as minhocas rebolantes, Por que ninguém percebia? Se ela se esforçasse o suficiente, se ingerisse ar e poeiras o suficiente, ela seria a primeira menina a voar. Manteve sua descoberta em segredo por muito tempo para garantir o ineditismo do fato. Seus treinos que eram, a princípio, praticados junto ao achocolatado matinal em frente à televisão, foram crescendo em dificuldade e extensão. Passou a comer o vapor do café na escola e lamber os vidros embaçados pelo frio. Eles riam. Ela não podia contar a ninguém, e um dia, ah, um dia todos a entenderiam. Quando ela chegasse ao pátio da escola, flutuando pelo telhado, falariam e apontariam para ela “você sempre teve razão!”. Trocariam as aulas entediantes de somar e dividir por aulas teóricas de como comer muita poeira numa mordida só I e lugares perfeitos para encontrá-las. Obviamente, ela, Loreta, tomaria o lugar da professora.

Kauane Lahr, 18, estudante da 1ª fase do curso de Jornalismo na UFSC, ama fotografar e também escrever. 16 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

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Não

Pedro Augusto Borges Correa, 18, tem paixão por escrever poemas no tempo livre que não existe mais para concretizá-los.

tomou.

As aulas de matemática foram adquirindo complexidade algébrica a rinite foi se agravando com o passar dos anos. Loreta, então, aprendeu a voar durante o canto, a dança e a atuação. Escrevia, enquanto os clientes estavam calmos e bebericando algo quente pela manhã, canções de ar em guardanapos; mas logo eles erguiam dedos, punhos e braços em assovios e “psius” para chamá-la. Ela dobrava sua canção, a depositava no bolso frontal do avental de garçonete, anotava o pedido e o punha no balcão. Na quinta ou sexta vez ou sétima em que entregou à cozinheira as poesias em vez

dos pedidos, convidaram-na a procurar outro emprego. Foi nesse momento em que conheceu o Teatro Municipal de Santa Menina Despida. O público a adorava, principalmente os seus monólogos. A sua voz era como um licor Chartreuse Verte: suave e inebriante. Capaz de deixar qualquer humano que tenha coragem o suficiente para bebericar mais do que um trago dos seus érres e ésses suaves e bem pronunciados, letárgico. A receita das mais de cento e trinta ervas que fabricam o licor é um segredo de dois monges franceses, os únicos capazes de produzí-lo em todo o mundo. Loreta, por sua vez, possui cento e trinta eus macerados em sua composição – e só ela sabe onde encontrá-los. Quarta-feira. 21 h. Em letras brancas sobre fundo preto, a peça: Dissecação do Eu. Cento e vinte e nove expectadores e a atriz. Os holofotes acariciavam e aqueciam seus pés com o amarelo-nascer-do-sol. A poeira e as massas de ar desnudas, reveladas pelo feixe de luz, subiam lenta e graciosamente pelas curvas de seu corpo, e em sintonia com as notas do piano, deliciavam-se com a melodia. Esta, assim como as teclas do instrumento, também eram marcadas pelo tempo e pelos dedos de tantos outros que urram, que melam suas digitais gordurosas - e ao som do último plic da agulha no piano, fogem, antes mesmo de qualquer cortesia por parte dos espectadores. Aquele singular momento de lentos movimentos da atriz e da calmaria do piano puseram o tempo a descansar, a decorrer vagaroso, a bocejar de preguiça, a demorar-se propositalmente para sentir o prazer que emanava pelo corpo dele, o tempo, e também pelo da mulher. Ambos a se perpetuarem. Os expectadores podiam sentir que a atmosfera dentro do teatro estava diferente do resto do mundo. Como se cada peça de roupa que a atriz tirava do corpo colocasse os ponteiros

contunua CronicArte | Edição 01 | Dezembro 2017 | 17


cronicando Sumário

Diogo Medeiros, estudante de Jornalismo na UFSC e contista pretensioso, quer que os seus leitores tropecem em suas palavras rumo a um mergulho dentro de si. Aquariano experimentador e leitor que adora uma boa filosofada na bancada de um bar qualquer. Aceito café.

18 | Dezembro 2017 | Edição 01 | CronicArte

Eu não sou uma filha ruim por nem sempre concordar com meus pais, não fazer de suas palavras lei, nem sempre aceitar conselhos e querer meu construir meu próprio caminho. Eu não sou uma namorada ruim por não querer fazer tudo o que ele quer, nem sempre prestar atenção em tudo e querer estar com meus amigos.

Quero me calar Por tempo indeterminado E não dar mais respostas Enquanto eu não as tenha na ponta da língua

Eu não sou uma aluna ruim por escolher minha integridade física e mental à virar noites em claro só para entregar um trabalho perfeito no prazo ou por não chegar no horário todo os dias.

Eu quero falar baixinho, só pra quem me entenda Que minha solidão é o que eu tenho de mais precioso Mas meu sofá anda tão vazio e triste

Eu não sou uma mulher ruim por não querer ser mãe - cargo cujo qual tenho certeza que não nasci para ocupar por não ter jeito e nem querer se responsabilizar pela vida e educação de um outro ser -, achar que homem nenhum tem direito a fazer do meu corpo ou minha vida a sua vontade ou por querer ter o meu direito e cidadania garantidos.

Faz tempo que não uso roupas vibrantes E não reconheço as cores da minha alma Eu sei que eu deveria ouvir as vozes que pedem por paz Mas as outras vozes gritam tão mais alto E onde estou já nem sei maisb

Lavínia Beyer Kaucz, 19, procura conhecer -seenquanto deixa que as mãos escrevam sozinhas. Nas horas vagas, é estudante de jornalismo.

Estávamos na estação. Esperávamos ansiosos para que o trem chegasse. Seria uma despedida dolorida, como todas, mas esta teria dor em demasia. Parecia que as pessoas ao nosso redor estavam em câmera lenta. Por algum momento o mundo girou mais devagar. Os lábios dela tremiam e, de seus olhos lágrimas escorriam. Enxuguei-as com as costas de suas mãos, que estavam nas minhas. Deu-me um sorriso. O trem deu seu apito. Havia chegado. Neste mesmo momento, o planeta voltou a girar normalmente e eu acordei de meu êxtase. As estações de trem são lugares tão tristes, não acha? Ao mesmo tempo que há a felicidade de alguém chegando, há a tristeza de alguém partindo. Vivem de chegadas e partidas. São tantas histórias, tantas vidas. Beijei-lhe os adoráveis lábios. Ainda sinto seu gosto de menta e seu cheiro de baunilha. “Escreva-me, por favor!” Nunca escrevi-lhe. E ainda não sei porquê.b

Eu sou mulher. Sou minha e me amo. Isso é o que quero e é o que mereço. Apenas isso me basta.b

Mayara Santos, 21, estudante de jornalismo, odeia escrever coisas jornalísticas. Fala muito, gosta de assistir séries, ama filme de super-herói e lanches. Ainda sonha com o dia que as mulheres serão reconhecidas de fato como cidadãs e terão seus direitos garantidos.

james ratiere

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Alguns dormiram no palco, outros começaram ter uma percepção social sob outra ótica. Há quem diga que nada mudou. Eu mesmo, cinco anos depois de assistir a peça, ainda não descobri minha forma, mas minha cor. Cor de obumbração e de luz. Ao mesmo tempob

Quero pousar meu coração em uma superfície lisa e morna Como quem descansa enfim de uma longa viagem De um esforço absurdo Um amor exagerado

A estação

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Os holofotes se apagaram. Um único iluminou a atriz - que não era nada mais além de um cilindro maciço e branco. Ela, sem nenhum furo ideológico, sem nome, apenas Ela. A luz se apaga. Os espectadores sobem ao palco, olham para si, percebem quem eles eram sozinhos. Alguns perceberam-se vozes, espírito de liderança, paixão, inteligência, vontade de potência. Outros eram nadas. Mas todos íntegros, maciços, de diversas formas geométricas e cores.

Quero

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do relógio a trabalharem mais lenta e poeticamente. Do braço direito, Loreta tirou Nietszche, Goetche, Machado e Alice Munro, dos quais ela tanto gostava. Os pôs ao chão junto aos membros. Do esquerdo, toda tendência estética, semiótica, culto ao corpo branco, hétero, homem, músculo e viril caiu ao chão. Ela não precisava falar. Todos entendiam, como num sopro catártico da sua respiração sincopada, a mensagem. Todos os cento e vinte e nove eus ficaram iluminados no palco. Sobrou Loreta. Sobrou o público e seus múltiplos.

Natureza má

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Luísa Michels, 19, estudante de jornalismo, adora viajar e conhecer novos lugares. Escreve sobre eles e guarda como recordação. Gosta dos detalhes da vida.

CronicArte | Edição 01 | Dezembro 2017 | 19


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