ASYMÉTRIQUE

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nÂş 1 dezembro 2018

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o r e n ĂŞ g m se



carta

aos leitores

Quando recebemos o desafio de produzir uma revista no terceiro semestre da faculdade de jornalismo, logo pensamos na moda, entretanto, queríamos fazer diferente. Nos propusemos a fazer algo que agradasse àqueles que não se sentem representados pela moda popularizada. Ao folhear as páginas da Asymétrique você logo vai perceber que não se trata de uma revista de moda comum. Não tem grandes desfiles, roupas de grifes caras ou supermodels extremamente magras. Entendemos que, ao mesmo tempo em que a indústria da moda é um espaço criativo e plural, ela também se torna um instrumento de poder e de reprodução de estereótipos. Pensando nisso, cada página dessa edição foi planejada para mostrar novas formas de expressão. Afinal, para nós, a moda é mais uma maneira de mostrar para o mundo diferentes pensamentos. Por meio dela, as pessoas podem revelar seus gostos e seus desejos e, por isso, acreditamos que a moda não tem gênero. No meio dessa caminhada para produzir essa edição especial da Asymétrique, descobrimos novos estilos e novas pessoas e gostaríamos de deixar um agradecimento especial a uma delas: o Nico. Ele estuda letras na UFSC e aceitou mergulhar de cabeça nesse projeto. Além de ser a nossa capa, também é o modelo do editorial e participa de uma reportagem, isso tudo porque ele representa tudo aquilo que estávamos procurando. Nico encontrou nas roupas e na maquiagem meios para expressar sua personalidade, mesmo que ele não encontre tudo o que procura em grandes lojas. Ao escrever as reportagens, também fizemos novas descobertas. Aliás, uma das melhores experiências que o jornalismo pode proporcionar é a de entrar em outras e realidades e conhecê-las, pelo menos um pouco. Percebemos o quanto a indústria da moda ainda falha em representar diferentes tipos de pensamentos e de classes sociais. Finalizamos esse projeto com a certeza de que tomamos as decisões corretas em retratar cada personagem dentro dessas páginas, mas também entendemos que ainda há muito o que descobrir e compartilhar. São tempos difíceis, violentos, devemos nos munir de amor e, principalmente, de informação. Para aprender a respeitar as diferenças, é necessário entender a pluralidade de gêneros, de culturas, de pensamentos e de expressão. Dentro dessa revista que você tem em mãos, esperamos que você encontre todos os caminhos para a interpretação dessa pluralidade. Tudo isso, claro, com muita cor, amor e estilo. Boa leitura!

m c f. f l o r e s @ g m a i l . c o m; i w o o d w y@ g m a i l . c o m; g m a i l . c o m

por Fernanda Kleinebing, Gabriel Guimarães e

fora da caixa

M a r i a C l a r a F l o r e s . D ú v i d a s , s u g e s t õ e s o u c r í t i c a s: f e r k l e i n e b i n g @


conteúdo

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Estudante utiliza combinações vintage.

Era dos brechós

Econômicos e sustentáveis, eles atraem os estudantes da UFSC.

Força nos ombros

A influência das ombreiras na luta pela independência feminina.

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Queda dos anjos

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Ensaio

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Moda fora do padrão

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Desafiando o sistema

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País paradoxo

Victoria`s Secret vê suas vendas caírem por não se adaptar à linguagem da diversidade.

Nicolas Rodrigues é a estrela do ensaio fotográfico desta edição.

Como a falta de representatividade plus size na mídia afeta as adolescentes.

Marca une tecnologia e sustentabilidade no processo de criação de roupas.

Índia: a maior democracia do mundo.


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Edição

Dezembro 2018/Nº 1

moda sem gênero


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Imagens: Maria Clara Flores e Fernanda Kleinebing

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Diogo Medeiros estuda jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e não gosta de seguir tendências, preferindo usar combinações Vintage. Por Fernanda Kleinebing Na melhor expressão de si mesmo, Digo, como é conhecido, fuma um cigarro sentado em um dos bancos em frente ao Centro de Comunicação e Expressão. Identificá-lo ali é bem fácil: o bigodinho e o óculos característicos e o modo de se vestir fazem ele se destacar na multidão. Na hora de escolher suas roupas, prefere as peças vintages clássicas, por isso, é comum encontrá-lo com camisas de diferentes estampas, como as de bolinhas, e de terninhos coloridos, simétricos e com ombros largos. Os sapatos, combinados com roupas mais despojadas, também são sua marca registrada.

Onde encontrar?

Um estilo retrô não é fácil de encontrar nas lojas e, quando encontrado, pode ter preços muito altos para quem é estudante. Por isso, Digo compra suas peças em sites vintage na internet ou em brechós, que sempre têm peças exclusivas por preços mais amigáveis.

Mood

“Eu me sinto mais eu quando eu me visto como eu quero”. Por conta disso, quando vai se vestir, não escolhe peças que estão em alta nas ruas ou nas passarelas, pois prefere manter seu estilo clássico e intocável, o que mais o define. Para escolher suas roupas, busca inspiração no seu humor, sempre colocando o que mais tem no seu guarda-roupa: peças antigas. Para ele, a moda é muito mais do que aquilo representado nos desfiles e nas revistas. “A moda é se sentir confortável, é uma expressão do teu humor e a gente pode brincar com isso”, comenta.

“Eu gosto de coisas mais antigas. Meu sonho é ser aqueles jornalistas que trabalham no frio de casaco trincheira comprido, que fumam cachimbo” dezembro 2018

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Econômicos e sustentáveis, eles atraem os estudantes da UFSC

É comum se deparar com diversos comerciantes usando o espaço da Universidade para vender roupas usadas. Principalmente durante a feirinha, que acontece na quarta-feira, a UFSC fica repleta de brechós. O sucesso entre os estudantes se deve ao preço mais acessível, à preocupação com a sustentabilidade e à possibilidade de encontrar peças vintages. O casal Andrea Meciano e Danilo Magwitz usa o próprio carro para expor os produtos de seu brechó. Vendendo na UFSC toda quarta-feira, a ideia de iniciar as vendas surgiu há pouco tempo.

Por Fernanda Kleinebing Andrea queria ganhar dinheiro e percebeu que tinha muitas roupas, começou a desapegar e influenciou família e amigos. “Pegamos o carrro e veio surgindo a ideia. Conseguimos alguma roupa, algumas coisas são nossas e resolvemos fazer do carro um brechó móvel,” comenta Danilo. Além da Universidade, eles também trabalham na feira dos Ingleses, mas o casal considera o público universitário diferenciado, principalmente pela procura de várias peças, roupas e sapatos. “É interessante porque é um preço acessível, e também tem a questão do renovar sem precisar comprar uma coisa nova,” finaliza Danilo.

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séculoXIX

Os brechós se popularizaram no século XIX, durante as feiras que aconteciam nas ruas de toda a Europa. Naquele tempo, não havia preocupação com a higiene e a conservação da peça, mas a ação ficou famosa por ter preços acessíveis para a população. Aqui no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, também no século XIX, surgiu uma loja de peças usadas chamada Casa do Belchior. A popularização foi tão grande, que até Machado de Assis utilizou a expressão em um dos seus contos. O nome foi ficando, e essa é a origem da palavra “brechó” no Brasil.

Jaque e Antônia

Quando se fala em brechós da UFSC, a kombi azul da Jaque e é sempre lembrada. O nome do carro é Antônia e há toda uma história por trás do Brechó “Jaque e Antônia.”

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séculoXXI

Atualmente, os brechós adquiriram outro significado no mundo da moda. Além do surgimento de diversos sites que vendem roupas usadas na internet, a conservação, reforma e higiene das peças ganharam espaço entre os comerciantes. Para quem gosta de garimpar e comprar em brechós, o interesse acontece por conta do preço mais acessível, pela preocupação com a sustentabilidade e pela exclusividades das roupas.


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Jaqueline Scissar era estudante de moda e teve a ideia de abrir um brechó quando ainda estava na faculdade. Ela acredita que essa é uma forma de reutilizar e reinventar as peças. “Eu gosto de garimpar, de arrumar peças. A peça tá ali, ninguém dá nada por ela, é legal você pegar, conseguir renovar e valorizar essa peça”. Outro motivo para abrir a loja foi a preocupação com a sustentabilidade, “quanto mais eu estudei a indústria da moda, mais eu não queria fazer parte dela”, comenta. Inicialmente, a estudante viu na internet uma forma de divulgar as roupas e começou um brechó online, que existe até hoje, o garimpario.com. Depois do sucesso do site, ela decidiu comprar a Kombi para conseguir viajar e fazer eventos, e o carro acabou virando símbolo do brechó. Além de viajar por toda a América Latina para conseguir novas peças, a jovem ainda corrige pequenos defeitos e customiza as peças. Se você ficou interessado, pode encontrar o brechó Jaque e Antônia na UFSC duas vezes por semana, na terça e na quinta.

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Busca pelo retrô

Foco na sustentabilidade

O brechó sustentável é da Tamara Busato - ela é de Porto Alegre e vive em Florianópolis há oito meses. Morando na Lagoa da Conceição, tem um Ateliê, o “Furtacor Moda Alternativa,” onde produz peças e acessórios sustentáveis. Os colares são fabricados com os resíduos do ateliê e, na parte de dentro, contêm ervas terapêuticas. Tamara Busato veio expor seus produtos na UFSC porque todos falam dos brechós da feira e acredita que o interesse das pessoas pela sustentabilidade está aumentando, principalmente por parte dos jovens. “As pessoas já estão vendo que elas podem estar adquirindo outras coisas, com valor menor e reaproveitar aquilo que já existe” .

Imagens: Maria Clara Flores e Fernanda Kleinebing.

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Elisene Ivakoski trabalha no centro de Florianópolis com customização de roupas, principalmente jeans. Entretanto, lá não são permitidos brechós, por isso, ela decidiu montar sua tenda na feira da UFSC há cerca de três meses. Além de vender os jeans que customiza, consegue outros tipos de roupa garimpando e comprando em lojas de ponta de estoque. Ela acredita que, atualmente, a moda é mais alternativa e os estudantes optam pelo brechó porque muitos dependem dos pais e o bazar é mais barato. As peças mais procuradas pelos universitários são as de estilo retrô, “tipo bolinhas, camisas antigas, jeans cintura alta,” afirma.


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Como as ombreiras influenciaram a luta pela independência feminina Por Fernanda Kleinebing

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Grifes como Balmain e Marc Jacobs trouxeram a onda de 1980 recentemente a seus desfiles. Afinal, as ombreiras e todo o significado por trás delas são mais atuais do que nunca.

Quando a estilista surrealista Italiana Elsa Schiaparelli criou as ombreiras na década de 1930, não poderia imaginar que elas ainda estariam presentes nas passarelas -e no guarda-roupa da mulher do século XXI. Inicialmente, a silhueta com os ombros largos que afina o quadril, foi usada no cinema para representar mulheres que estavam dominando o mercado de trabalho. Mas não demorou muito para chegar às ruas também. Em 1940, quando muitos homens foram enviados para lutar na Segunda Guerra Mundial, a mulher saiu de casa para trabalhar e conquistar sua independência. Assim, passou a usar as ombreiras criadas na década anterior para “masculinizar” a sua imagem e ganhar mais autoridade no ambiente de trabalho. Mas foi somente 40 anos depois que a peça inventada por Schiaparelli incorporou de vez a essência da luta feminina. Em 1980, as mulheres perceberam que, assim como os homens, elas também poderiam ocupar cargos de liderança. Para enfrentar os desafios desse novo ambiente, a ombreira se tornou uma peça essencial. Símbolo dessa nova onda da peça, a Princesa Diana foi uma das mulheres poderosas que adotou a tendência.

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Imagem: divulgação nks

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da marca Balmain. Vestido com ombreira .com

Agora, mais do que nunca, com as discussões sobre gênero na moda e a terceira onda do feminismo, as ombreiras voltaram a ter espaço na passarela.

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A angel Taylor Hill no Victoria`s Secret Fashion Show 2017. Reprodução: Victoria`s Secret Press Room

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A gigante das lingeries, Victoria`s Secret, vê suas vendas caírem por não se adaptar à linguagem da diversidade no século XXI por fernanda kleinebing O maior desfile de moda do mundo começa. Em instantes, a passarela da Victoria`s Secret está repleta de angels (modelos que têm contrato com a marca), exibindo as lingeries em seus corpos de curvas “perfeitas”, seus rostos simétricos e cabelos delicadamente ondulados. Só tem um problema: é 2018, e as clientes da “gigante das lingeries” estão a alguns passos à frente quando se fala de padrão de beleza e aceitação do próprio corpo. O Victoria`s Secret Fashion Show acontece anualmente desde os anos 90 e é considerado um dos maiores eventos de moda do mundo. Além de reunir os principais nomes da moda, também conta com performances de artistas e, claro, isso tudo é televisionado para o mundo inteiro. Já vestiram as asinhas da marca modelos como Gisele Bundchen, Heidi Klum e Naomi Campbell. Entretanto, nos últimos anos, com a necessidade de uma moda mais representativa, a audiência dos desfiles vem caindo: de 6,6 milhões de espectadores em 2016 para 4,98 que o viram no ano passado nos Estados Unidos.

Bella Hadid no desfile de 2018 da marca. Reprodução: Victoria`s Secret Press Room

Segundo a revista Forbes, as vendas estão decrescendo desde 2016, assim como sua participação no mercado americano, que teve queda de 2%. A Victoria`s Secret também desapareceu da lista das marcas mais “queridinhas” dos americanos, liderada pela Nike. Por outro lado, concorrentes direta da marca, que vendem conceitos de body positive e uma visão diferente sobre sexualidade, vêm conquistando espaço no mercado. A Victoria`s Secret nasceu em 1977, com uma proposta de criar lojas de roupas íntimas em que os homens não tivessem vergonha de entrar. Durante todos esses anos, as propagandas e apostas da marca foram construídas de acordo com a visão dos homens sobre sexualidade feminina. Nas lojas, os sutiãs chegam, com muita sorte, até o tamanho 44, padrão que se reflete também no grande evento realizado anualmente.

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Kendall Jenner no Victoria`s Secret Fashion Show 2018.

Reprodução: Victoria`s Secret Press Room


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Modelos da grife na divulgação do desfile de 2018. Reprodução: Victoria`s Secret Press Room

Um pouco antes do desfile, as modelos compartilham vídeos de seus treinamentos e promovem, sutilmente, a noção de que se você não tem esse corpo, é porque não se esforçou o suficiente. Durante o Fashion Show, esses corpos estão em cima da passarela para disseminar padrões quase impossíveis de serem alcançados por mulheres reais, as clientes da marca. E pra quem achava que não era possível promover um desfile com representatividade e diversidade, Rihanna provou, neste ano, que todos estavam errados. Em setembro, com a apresentação da sua linha de lingerie, a savage x fenty contou com modelos de todas as cores e com todos os tipos de corpo, incluindo mulheres grávidas na passarela. Em contraponto, mesmo com demanda por mais diversidade, a Victória`s Secret investiu somente em estrelas do Instagram. As irmãs Gigi e Bella Haddid desfilaram ao lado da “febre” Kendall Jenner, para tentar recuperar a audiência. A empresa sediada em Ohio faz avanços lentos e tímidos. Em 2016, preferiu não alterar digitalmente as estrias na perna da angel Jasmine Tookes. Já no desfile desse ano, que aconteceu recentemente em Nova York, algumas questões chamaram a atenção. Além da maior presença de modelos negras e asiáticas, também contou, pela primeira vez, com Winnie Harlow, a canadense mundialmente famosa que tem vitiligo, uma doença que causa manchas na pele e nas mucosas. Mas, se continuar não atendendo as demandas do século XXI, o futuro de sucesso da gigante das roupas íntimas ainda é incerto. Afinal, cada vez mais as mulheres estão lutando por uma moda diversa e para todos os tamanhos, e fugindo de tudo aquilo que diga ao contrário.

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Cada vez mais as mulheres estão lutando por uma moda diversa e para todos os tamanhos, e fugindo de tudo aquilo que diga ao contrário

Modelo Plus size na divulgação da lingerie Savage x Fenty.

Reprodução: Savage x Fenty

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Imagem: Pierre BEST para Unsplash

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Como a falta de representatividade plus size na mídia afeta as adolescentes e o papel do movimento body positive no processo de autoaceitação dessas jovens. Por Caroline Isabel Castro As discussões sobre feminismo nos últimos anos transformaram em pauta assuntos antes considerados irrelevantes ou tabus pela sociedade. Um exemplo disso são as militâncias raciais e o movimento body positive, que passaram ao centro de fervorosos debates sobre a representatividade dessas pessoas, tanto na mídia, quanto na moda. Eles mostram o peso que isso simboliza dentro da luta por igualdade de gênero. Em paralelo a tantas tentativas de introduzir a diversidade corporal nestes meios, o mercado plus size ainda enfrenta grandes obstáculos para consolidar o segmento de moda e entregar variedade e qualidade em seus produtos. Segundo dados da Associação Brasil Plus Size e Box 1824, no Brasil, há cerca de 120 mil consumidores, mas apenas 12% do mercado de moda e 5% dos varejistas estão investindo nesse nicho. No meio da moda adolescente, em especial para o público feminino, o cenário é ainda mais preocupante. A oferta de produtos para esses jovens é totalmente inexpressiva. Muitas vezes, esses consumidores têm de recorrer a lojas voltadas a públicos adultos para encontrar os tamanhos que necessitam. Essa prática traz ainda mais inseguranças às adolescentes com sobrepeso que, por vezes, já possuem problemas com autoestima e imagem corporal. Com uma experiência de compra tão desestimulante, a jovem plus size passa a assimilar que o mundo não foi feito para pessoas como ela e que, para sentir-se parte dessa sociedade, terá de emagrecer, uma vez que a sensação de pertencimento é fundamental e frágil nessa fase. Isso pode acarretar em transtornos alimentares como a bulimia e a anorexia, doenças que, em muitos casos, se iniciam na adolescência. Uma pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo realizada em 2014 revela que 77% das jovens do estado, com idades entre 10 e 24 anos, demonstram estar propensas a desenvolver algum distúrbio alimentar.

Desenvolvimento de distúrbio alimentar 77%

23%

propensas não propensas

Dados: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

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Baixo investimento no mercado plus size 120 mil mercado da moda

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consumidores

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Dados: Associação Brasil Plus Size e Box 1824

Imagem: Ioana Cristiana para Unsplash

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Imagem: André Spilborghs para Unsplash

Imagens reais para garotas reais As revistas de moda adolescente também têm grande influência sobre como essas garotas veem seus corpos. Ao examinar publicações como as da Teen Vogue e Seventeen, ambas norte-americanas, e a brasileira Capricho, podemos ver o tipo de representação de diversidades que essas jovens encontram. A Teen Vogue, por exemplo, tem mostrado um cunho político bem acentuado após as eleições presidenciais de 2016 nos EUA. Com artigos de opinião bastante progressistas, questionam também a representatividade de corpos em séries de televisão e filmes. No entanto, ainda falham ao utilizar poucas modelos gordas nos seus editoriais fotográficos. Da mesma forma, a Capricho, maior revista adolescente do Brasil e que passou por reformulações de conteúdo após a onda de discussões sobre o feminismo ter se iniciado no país, pouco se preocupa em colocar meninas ou mulheres plus size nas capas do semanal. A publicação brasileira fala muito sobre o body positivity em seus artigos, mas pouco o pratica. Inclusive, em matéria editorial intitulada “O suicídio da adolescente Dielly Santos e o falso body positivity”,

fala sobre o caso de uma adolescente de Belém do Pará que tirou a própria vida após sofrer bullying por sua aparência. Nesta, a revista fez uma autoanálise sobre como descumpre seu discurso de aceitação do corpo. Já a norte-americana Seventeen, depois de diversas críticas sobre modelos adolescentes extremamente magras e ser acusada de impor um padrão de beleza sobre essas jovens, mudou radicalmente o conteúdo de seus editoriais. A crítica mais importante foi a petição pública realizada pela estudante Julia Bluhm, de 14 anos. Com o título “Give Girls Images of Real Girls” (Dê Às Garotas Imagens de Garotas Reais), a jovem pedia à revista que mostrasse garotas “de verdade”. Como resposta, Seventeen anunciou o “Body Peace Treaty” (Tratado de Paz do Corpo), uma série de compromissos aos quais a revista se propunha a cumprir para que houvesse representatividade de diversos tipos de corpos. A publicação vem, de fato, atingindo esse objetivo: em todos os editoriais fotográficos são colocadas diferentes modelos plus size e não-brancas.

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Passarelas restritas No universo da moda, mais especificamente nos desfiles onde as marcas apresentam suas coleções, além de mostrarem os posicionamentos da empresa, a situação ainda é assustadora. Segundo dados do Diversity Report realizado pelo fórum The Fashion Spot, a temporada de Spring 2018 das principais​ fashion weeks: Paris, Londres, Milão e Nova Iorque, apontou um certo crescimento na procura por modelos gordas. Ao todo, 93 modelos curves e plus sizes subiram às passarelas das quatro cidades, um total de 1,13% do casting total, sendo 90 dessas aparições de modelos norte-americanas. Até então, esse havia sido o recorde histórico de diversidade corporal em semanas de moda, e as grandes responsáveis por isso foram as marcas Addition Elle e Torrid. Elas são especializadas no setor e confeccionam apenas peças acima do manequim 44. Apenas as duas grifes reunidas encarregaram-se de 56 modelos, enquanto Christian Siriano e Chromat trouxeram outras 34 modelos. 93

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total modelos Addition Elle curves e plus size e Torrid 1,13% do casting de modelos

Dados: Diversity Report - The Fashion Spot

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Dados: Diversity Report - The Fashion Spot

Nos desfiles europeus, Paris contou com duas modelos para Alexander McQueen, Londres com uma para Teatum Jones e Milão permaneceu utilizando apenas modelos abaixo do 38. Porém, na temporada seguinte, esses números apresentarem queda significante. Nas quatro cidades apenas 30 modelos plus size se apresentaram em 10 desfiles, o que representa apenas 0,4% das 7.608 modelos contratadas. O plus size também foi o único grupo minoritário na moda a não apresentar crescimento nas aparições em campanhas publicitárias: apenas em uma marca de luxo, a Rag & Bone, a qual apresentou uma modelo gorda para estrelar as ações de mídia da coleção.

Imagem: divulgação Torrid

Baixa representatividade plus size em desfiles europeus

7.608 30 modelos modelos contratadas plus size

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A Europa precisa aprender muito sobre diversidade, em todos os aspectos, ou ficará à mercê das grifes americanas Em contrapartida, a temporada Spring 2019 trouxe de volta o progresso para este público. Com 54 modelos do casting total, apenas de varejistas não especializados em plus size, a temporada criou um marco em diversidade corporal. O movimento já impulsionado pela Chromat, Siriano e Michael Kors, trouxe mais marcas adeptas, como Cushnie e Prabal Gurung. A surpresa da temporada foi o desfile da Savage x Fenty, linha de lingerie da marca da cantora Rihanna. A Fenty foi responsável pelo casting mais diverso visto nos últimos anos. Além das 12 modelos curve e plus, foram diversas representantes de categorias como não-brancas, transgêneros e gestantes. Uma das poucas marcas em que podemos ver que o discurso “all body types, all races and all cultures” (todos os tipos de corpos, todas as raças e todas as culturas) é colocado em prática. Isso serve de lição da forma de olhar para o mercado consumidor e observar tendências para grifes como a Victoria’s Secret, que até agora não se preocupou em escalar alguma modelo que fugisse do padrão extremamente magro imposto pela marca. Novamente, os avanços ficaram nos EUA, já que nos desfiles europeus apenas 3 modelos gordas foram contratadas, mais uma vez em Paris e Londres, deixando Milão para trás neste segmento. Ainda que o argumento de que o biotipo das europeias é de um corpo mais esguio tenha coerência, o mercado de moda plus size, só no Reino Unido, movimentou cerca de 8,5 bilhões de dólares em 2017. É, inegavelmente, um público expressivo e com poder de compra e que não pode mais ser ignorado pelo conservadorismo do high-fashion europeu se estas marcas quiserem continuar em alta no mercado. A Europa precisa aprender

Imagem: divulgação Addition Elle

muito sobre diversidade, em todos os aspectos, ou ficará à mercê das grifes americanas. De volta ao cenário brasileiro, na 45ª edição da São Paulo Fashion Week, pode-se observar uma grande melhora de panorama para as mulheres gordas. Com um total de 12 modelos plus size do casting geral, conforme dados da Mirror.Age para a Box 1824, a temporada de moda no Brasil traz, proporcionalmente à quantidade bastante reduzida de desfiles em comparação à internacional, um número consideravelmente grande de pluralidade de corpos. Os responsáveis por trazerem essas modelos são as marcas Fernanda Yamamoto, Amapô, Lino Villaventura, Água de Coco, MEMO e Modem. No passado, também foi possível ver modelos fora do padrão nos desfiles da Laboratório Fantasma e de Ronaldo Fraga. Infelizmente, a edição de número 46 da SPFW não seguiu os avanços que vinha mostrando: depois de dezenas de desfiles da temporada, apenas o da etiqueta de moda praia Água de Coco, o qual encerrou a semana, trouxe duas modelos plus sizes e uma gestante.

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Ainda que se possa ver melhorias na moda e na mídia quanto a diversidade, é fato que há um longo caminho a se percorrer para que o consumidor plus size se sinta parte desses universos Imagem: Edu Lauton para Unsplash

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Por trás das câmeras Outro caso que chamou a atenção no movimento body positive foi a Fila Brasil. Apesar do grande esforço realizado pela estilista Carol Valadão ao colocar a modelo plus size Maria Luiza Floriano na campanha da marca para o Dia Internacional da Mulher, e da ousadia em trazer uma mulher gorda representando uma grife de streetwear/sportswear, os consumidores notaram uma falha importante na ação de marketing. Ao procurar a roupa utilizada pela modelo nas fotos para comprar, as clientes não encontraram seus tamanhos nas lojas e nem pela internet. A razão era simples: a Fila não confeccionou manequins maiores que o GG para a coleção. O ocorrido causou extrema frustração para alguns compradores. Nas redes sociais, é fácil encontrar comentários como “Eu amei, mas quando cheguei na @centauroesporte só tinha até o GG…. achei que de fato seriam tamanhos maiores”. Muitas marcas têm seguido esse padrão: mostram modelos gordas para publicidade, mas não ampliam sua grade de tamanhos. Fica visível como o discurso de inclusão consegue chegar apenas até certo ponto na moda. O entretenimento também vem falhado em representar pessoas acima do peso considerado ideal, principalmente em produções que têm como alvo adolescentes. Desde ídolos pop a séries e filmes, a falta de plus sizes nos veículos de mídia é desanimadora. Desde os anos 1980, quando esse público começou a ser explorado pelas produtoras, praticamente não se vê um personagem gordo, e quando algum aparece na tela, é retratado como um ser estranho, indigno de conseguir amor ou amigos, quem dirá o do papel principal. Séries como Riverdale e Atypical, e os populares longas Barraca do beijo e Para todos os garotos que já amei, apenas reforçam a ideia de que apenas quem tem um corpo dentro do padrão terá sua história contada. Insatiable, outra série popular entre jovens, vem com a velha história da garota gorda - interpretada por uma atriz magra com enchimentos - e estranha que passa por uma​ makeover,​emagrece e começa a ser notada na escola. Um dos poucos filmes, talvez o único além de Hairspray, a trazer uma protagonista gorda e adolescente foi o recente Sierra Burgess é uma Loser, de Ian Samuels para a Netflix. A obra trazia muitas expectativas por se tratar de um assunto que Hollywood sempre ignorou, contudo, a decepção com o resultado final foi inegável. As críticas foram de que a protagonista não foi a heroína na história e que garotas plus

sempre irão precisar de uma amiga magra e bonita para conseguirem o que querem. Ainda que se possa ver melhorias na moda e na mídia quanto a diversidade, é fato que há um longo caminho a se percorrer para que o consumidor plus size se sinta parte desses universos. O que se questiona é de que maneira adolescentes gordas poderão entrar no tão falado body positive se não têm acesso a ícones que as representem nos meios de comunicação. Enquanto as grandes marcas de moda e produtoras de conteúdo imagético não tomarem partido dessa causa, o número de jovens com transtornos alimentares e de imagem corporal permanecerá crescendo.

Caroline Isabel Castro é graduanda em Design de Moda no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Ela investiga como o mercado da moda lida com a representatividade plus size, em especial para o público jovem. O tema refere-se diretamente à sua própria infância e adolescência: ela era gorda e sofreu com o bullying e com a incompatibilidade entre o que via na mídia e seu próprio corpo. Isso desencadeou nela transtornos alimentares e graves problemas de auto estima. Hoje, disseca o assunto para tentar ajudar quem passa por essas situações.

Imagem: acervo pessoal

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os desafios da moda sem gênero Em tempos de fast fashion

Como a industrialização dificulta que consumidores encontrem roupas produzidas fora da lógica do mercado e que se adaptem a diferentes formas de ser e de pensar Por Carolina Monteiro, Fernanda Kleinebing e Maria Clara Flores. Orientação de Melina de la Barrera Ayres

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- Oi, onde que é o banheiro? - pergunta Fernanda. A pessoa a sua frente coça a cabeça e parece hesitar, em dúvida. - O masculino é aqui e o feminino é ali - aponta.

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Fernanda Nascimento. Imagem: Maria Clara Flores.

Situações como essa são comuns para Fernanda. Hoje, ela consegue levar numa boa. Diz que até gosta de gerar uma certa confusão. No entanto, compreende que isso só é assim, de certa forma mais simples, porque ela se identifica com o gênero com o qual nasceu. Define-se como “uma mulher sapatão”. Por isso, as camisas de botões, os sapatos comprados nas seções masculinas das lojas, as calças mais largas e o cabelo curto costumam causar o que, segundo ela, seria um certo “transtorno de gênero”. Além desta experiência vivencial, Fernanda Nascimento da Silva é Mestra em Comunicação Social e Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e sua linha de estudos se aplica à perspectiva do Jornalismo Cultural. Em 2015, ela lançou o livro Bichá (nem tão) má - LGBTS em telenovelas e atualmente é professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A pesquisadora explica que o gênero é uma das formas de organizar as relações de poder do mundo. Por isso, atribuem-se características aos gêneros, e é esperado que as pessoas se ajustem a essas características, mesmo que, segundo Fernanda, ninguém consiga suprir todas as expectativas do gênero. Além disso, a professora esclarece que a realidade é organizada em masculino e feminino, inclusive as roupas. “Eu passei toda a minha infância tendo que me vestir de uma determinada maneira, porque os meus pais entendiam que meninas se vestiam assim”, lembrando quanto tempo levou até que conseguisse se vestir como queria. Mesmo considerando ter sorte de calçar 38, um número que os sapatos masculinos abrangem, ela só encontrou seu item preferido - as camisas -, no estilo que desejava e por um preço acessível, depois de muita procura. Ao contrário de Fernanda, Nicolas não tem a mesma sorte com sapatos - seus pés 42 raramente cabem nos cal-

çados femininos. Mas, assim como Fernanda, ele encontra desafios para se vestir como quer. Nico é o apelido de Nicolas Rodrigues. Estudante de Letras na UFSC, ele gosta de misturar os gêneros das roupas que usa. Há pouco tempo foi até uma loja e comprou uma saia, um item que tinha muita vontade de usar, mas sempre hesitou antes de tomar a decisão, principalmente porque considera ser muito difícil “cruzar a linha” do masculino e feminino: “Eu acho que eu fico muito bonito numa saia, mas eu sempre sinto olhares. Não tanto aqui na faculdade, mas no curto caminho que eu faço até a minha casa”. O “cruzar a linha” para Nicolas, além de ser um desafio no campo dos costumes, é, ainda, um desafio material. Em visita a uma loja de departamento em um shopping de Florianópolis, pôde transitar entre as seções masculina e feminina, tendo cada uma seus inconvenientes. Caminhando pelos corredores da seção feminina, macaquinhos e macacões, calças pantacourt e croppeds chamam a sua atenção. Entretanto, antes de levar as peças para provar, ele se preocupa em escolher o tamanho certo, pois considera as roupas da seção feminina muito pequenas e com corte difícil de encaixar num corpo masculino. Por esse motivo, Nicolas sempre opta pelas maiores numerações. Já com as roupas no braço, chega o segundo momento de aflição. Para experimentar as peças, ele se questiona qual provador é o mais adequado: o feminino ou o masculino. Optando, desta vez, pelo masculino, prova um maca-


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quinho amarelo florido que o agrada muito, mesmo sendo uma numeração maior do que escolheria na parte masculina da loja. Nicolas se espanta ao passar da seção feminina para a masculina. “É tudo tão monocromático”, indicando as roupas em tons de azul, preto e marrom. Ao andar pela loja, encontra somente algumas camisas masculinas com estampas que ele usaria, mas o macaquinho que provou continua sendo a escolha preferida do dia. Nicolas percebe a importância que a escolha da vestimenta representa na sua comunicação com a sociedade. “Quando eu uso a roupa que eu quero porque eu quero é muito bom, já que é uma parte minha, da minha identidade que está ali”. “Moda é comunicação, porque é a forma de cada pessoa expressar sua subjetividade e suas maneiras de estar no mundo” destaca Daniela Novelli, professora de Moda da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e pesquisadora do Instituto de Estudos de Gênero (IEG) da UFSC. Nesse sentido, explica que a mídia possui diversos agentes difusores de moda, como as revistas de moda, modelos, atores e atrizes. “O mundo das celebridades, da televisão e da música contam enormemente”. Rafael Losso está inserido nesse mundo. O ator representou um personagem bastante influenciável na novela O Outro Lado do Paraíso, exibida até maio de 2018 na Rede Globo, entretanto, na vida real, sua personalidade édistinta. Rafael acredita que cada pessoa deve ser autêntica, sem mudar a si mesma por receio de ser avaliada e criticada. Com essa convicção, já fez diversas aparições na mídia usando uma peça difícil de ser encontrada no guarda-roupa tradicionalmente masculino: a saia.

Imagem: reprodução Instagram @lossorafael

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“Nunca liguei muito para o que os outros iriam achar”, explica Rafael que faz uso da saia há dez anos por questão de conforto e estilo. Ele vê uma mudança nos padrões sociais e essa transformação se reflete, também, nas roupas. “Mais homens estão tomando coragem e saindo com saias por aí”. Ele lembra das vezes em que usou a peça publicamente, como no programa Encontro com Fátima Bernardes e no lançamento da telenovela. Nem sempre as roupas exerceram um papel tão crucial na distinção de gênero. Durante a Idade Média, no período do século XIV, as vestimentas eram semelhantes para homens e mulheres e consistiam em duas ou três túnicas ou togas. A diferença se encontrava no comprimento. Para os homens, poderiam ter comprimentos variados, para as mulheres, eram sempre longas. Com o tempo, as roupas começaram a refletir uma crescente divergência entre a aparência feminina e masculina, e esse processo se acentuou com a primeira Revolução Industrial, no século XVIII, que acelerou e intensificou quantitativamente a produção. O comércio de moda pronta em tamanho padrão já existia desde o século XVI para acessórios, mas, durante a Revolução Industrial, passou a incluir trajes completos. Assim, houve a massificação da produção de itens populares, acelerando os ciclos de moda. Durante este período surgiu outra diferenciação. Antes, tanto as roupas femininas quanto as masculinas eram feitas por alfaiates, no entanto, a partir de 1670, as costureiras passaram a produzir para as mulheres. Nos séculos seguintes, as transformações sociais e culturais que ocorreram no mundo tiveram forte impacto no estilo das roupas, e na maneira como elas passaram a ser produzi das. A crescente indústria da moda passou a valorizar a subjetividade dos consumidores. De acordo com Daniela, “a indústria buscou atender a necessidade de auto-expressão da era pós-moderna, bem como a demanda de consumidores ávidos por novidades, tornando-se portanto cada vez mais

“Mais homens estão tomando coragem e saindo com saias por aí”


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Essa moda acelerada é o que hoje se conhece como fast fashion (em português, moda rápida), que teve início na década de 1970, nos Estados Unidos e na Europa. Quando os países capitalistas passaram pela Crise do Petróleo, a indústria da moda precisou escoar a produção e o fast fashion surgiu como uma alternativa, transformando a moda contemporânea em um sistema que Daniela classifica como “global, circular e em espiral”. O funcionamento se baseia na demanda. As roupas mais procuradas pelo público são produzidas em larga escala e em qualidade inferior, de peças semelhantes às lançadas por grandes marcas. Além dessa característica, a professora destaca outros elementos da moda rápida, como a produção baseada em ciclos de vida mais curtos, a forte segmentação de público-alvo, a grande variabilidade de produtos, a maior lucratividade e a informação de tendências de moda. Em oposição à indústria fast fashion, surgem no mercado nichos que procuram abranger uma maior diversidade de corpos e identidades, com a produção de roupas sem gênero. Daniela, que possui especialização em Criação e Produção de Moda, exemplifica algumas características dessa proposta de “desgenerificação”, que tendem à neutralidade: os cortes retos e fechados, a atmosfera conceitual, futurista, minimalista, o uso de preto, branco e cinza, e a ressignificação das silhuetas. No Brasil, a marca Pangea Brand desponta neste nicho. Produzindo roupas consideradas sem gênero, busca criar um território livre de significados, com modelagens que se adaptam aos corpos masculinos e femininos. “A

Imagem: reprodução Instagram @pangea_brand

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partir do momento em que não trabalhamos com uma moda engessada, com padrões, abre-se um horizonte para a livre experimentação e expressão e isso aumenta mais ainda a possibilidade de inclusão daqueles que antes não se encaixavam”, destacam seus criadores, Yagdà Hissa e Nilo Lima Barreto. A ideia de criar a Pangea Brand surgiu no Trabalho de Conclusão de Curso de Design de Moda da Universidade Federal do Ceará (UFC) de Yagdà e Nilo. Eles perceberam a dificuldade de uma parcela da sociedade em comprar as roupas desejadas, e o desconforto que buscar por peças em outras seções pode causar em algumas pessoas. A marca se propõe a repensar as questões de gênero em sua produção. “Atualmente com debates sobre expressão e identidade de gênero fervendo por todo mundo, a moda agênero se posiciona não como uma tendência que passa, mas sim como um discurso político de liberdade, diversidade e respeito a todos”. Inovar também é a proposta da marca brasileira Trendt, idealizada por Renan Serrano. Seu trabalho ganhou desta-

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que na mídia por aliar moda e tecnologia de maneira inusitada, produzindo, ainda, peças agênero. Desde 2011, investe anualmente 35% do faturamento em pesquisa e desenvolvimento, inserindo, pela primeira vez, o Brasil no ranking de inovação na área de têxtil e moda. As roupas desenvolvidas são tanto masculinas quanto femininas. Para ele, essa estética é “neutra e não utiliza signos presentes em nosso repertório, permitindo que o usuário se expresse conforme seu gênero, idade e classe social”. Para Renan, a Trendt é esse estudo de contra-forma, de como a roupa influencia no ambiente, nas opiniões e como pode prototipar soluções. De maneira oposta à fast fashion, suas coleções levam cerca de três anos para entrar no mercado. “Estou construindo uma história baseada em consistência, razão e propósito”. Dessa forma, ele conseguiu reduzir seu volume de produção, proporcionando maior qualidade de vida para todos os colaboradores e mais tempo para aprimorar técnicas. Ele declara que, nesse modo de produzir, “a questão gira em torno do nosso potencial transformador e não de resultado financeiro”. Potencial que ainda tem muito a crescer. Nicolas, por exemplo, é um possível cliente, mas, quando questionado sobre seu conhecimento acerca de roupas sem gênero e de marcas com propostas diferentes, ele, com os cotovelos apoiados na mesa, pensa um pouco e responde: - Nunca vi, e também nunca ouvi falar sobre isso. Ainda assim, ele se mantém otimista, acreditando que, com o passar do tempo, roupas não serão mais critério de distinção de gênero, e que as dificuldades enfrentadas hoje nas seções femininas serão resolvidas. Dessa forma, quem sabe - ele supõe -, estará comprando não um padrão ou dois, mas uma roupa que o represente. Imagens: reprodução: Instagram @pangea_brand

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Nicolas Rodrigues. Imagem: Maria Clara Flores.

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A posição na sociedade, os valores cívicos e morais, como a dignidade para os homens e a castidade para as mulheres, transpareciam no estilo.

A moda nem sempre teve características tão marcantes na diferenciação de gênero. No entanto, está presente há muito tempo como uma forma de hierarquização social. Confira algumas curiosidades desse mercado milenar. Imagens e informações retiradas do livro “História Ilustrada do Vestuário”, organizado por Melissa Leventon, da editora Publifolha.

A toga foi usada por homens e mulheres até o século II a.C., quando passou a ser reservada aos homens cidadãos. As mulheres deveriam cobrir o rosto com um véu, como protetor de pureza, que simbolizava a autoridade do marido sobre ela.

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As vestimentas eram semelhantes para homens e mulheres e consistiam em duas ou três túnicas ou togas. Para os homens, poderiam ter comprimentos variados, para as mulheres, eram invariavelmente longas.

Com o tempo, o vestuário começaou a refletir uma crescente divergência entre a aparência feminina e masculina.

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O corpo renascentista era representado como musculoso e de ombros largos nos homens, e de seios grandes, cintura marcada e quadril largo nas mulheres. As roupas trouxeram ideias transformadoras na representação da anatomia humana. As mulheres italianas foram alvo de leis rígidas sobre vestimenta durante os séculos XV e XVI. Aprovada em 1543 em Veneza, uma lei proibia as prostitutas de usar seda, metais preciosos, pérolas e outras jóias, porque andavam tão bem vestidas que poderiam ser confundidas com mulheres da nobreza ou de classe média.

1650-1840 industrial revolução

Houve um intenso aumento no volume e na rapidez da produção, transformando profundamente o modo de vida e de trabalho. A produção massificada de itens populares evoluiu nesse período, acelerando os ciclos de moda. Os trajes femininos se distanciaram ainda mais do masculino: antes, os alfaiates faziam roupas tanto para homens quanto para mulheres, mas após 1670 os modelos femininos passaram a ser produzidos por costureiras. O século XVIII e o início do XIX destacaram-se, assim, pelo contraste entre os tecidos e materiais usados por ambos os gêneros.

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pós 1945

Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos começaram a investir nas roupas “casual wear”, com peças que valorizam conforto e estilo. As roupas eram produzidas com corte industrial e cada parte era montada em cadeia. Essa produção ficou conhecida como “mass production” e deu início ao estilo de produção industrial da moda. Estilo Industrial: a moda casual se expandiu para toda a Europa. O estilo pronto para vestir, (em francês, Prêt-à-porter) é produzido excessivamente. Com várias coleções por ano, as tendências passam a ser usadas por um curto período de tempo. É o início da moda rápida

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Imagens: Maria Clara Flores

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O estudante de letras da Universidade Federal de Santa Catarina, Nicolas Rodrigues, é a estrela do ensaio fotográfico desta edição. Com ousadia e personalidade, ele consegue se expressar com sua forma de ser e de se vestir.

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Renan Serrano. Imagem: Acervo Pessoal Imagem de fundo: Victor Nomoto

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Na contramão da fast fashion, a Trendt une tecnologia e sustentabilidade no processo de criação de suas roupas Por Fernanda Kleinebing Renan Serrano considera sua marca de roupas, a Trendt, um projeto que foi construído desde a sua graduação. Atualmente, ele é conhecido como o Hacker da Moda. Desafia o mercado fazendo o oposto do fast fashion: não lança coleções e ainda cria suas próprias tendências (todas as peças são agênero). E faz tudo isso, é claro, com muita tecnologia e sustentabilidade. Mesmo nunca gostando de trabalhar com coleções sazonais, durante os primeiros anos da marca, a Trendt lançou algumas coleções para entender o sistema da moda e o que os consumidores estavam procurando. Segundo Renan Serrano, conhecendo o mercado ele pode “entender suas falhas e agora posso sair com calma para tentar resolvê-las.” Por conta dessa estratégia, ele passou a ser chamado de hacker da moda. Depois de identificar as falhas presentes nesse sistema, a Trendt começou a produzir roupas de uma maneira não convencional. A partir de 2011, passou a investir 35% do seu faturamento em Pesquisa e Desenvolvimento, inserindo o Brasil, pela primeira vez, no ranking de inovação na área têxtil. Na sede localizada em São Paulo, são produzidos os próprios tecidos e estampas. A modelagem, o corte, a estamparia e o atendimento também são feitos manualmente. A marca não possui uma loja fixa, e as vendas são feitas pela internet: os clientes enviam mensagens pelas redes sociais e as peças são produzidas conforme a demanda. Desde 2016, só foi criada uma peça, que é vendida conforme as encomendas, simultaneamente com os produtos mais antigos. Parte desses recursos para pesquisa foram investidos em uma plataforma de gestão automatizada, a Simbio. Dessa forma, o custo por operação reduziu em 70% e a escala de produção diminuiu praticamente 90%, iniciando o processo de atenuar os impactos da produção das roupas na natureza. Renan destaca que sempre enxergou a necessidade de inovação para conseguir destaque no mercado da moda. “Depois de um tempo, encontrei um equilíbrio entre meu estilo e a técnica, que basicamente, foi um upgrade no devorê, que ninguém havia feito antes, as marcas simplesmente seguiam as regras, eu fui com a intenção de explorar e melhorar”.

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“d e p o i s d e u m t e m p o, encontrei um equi l í b r i o entre meu estilo e a técnica” Imagem de fundo: Victor Nomoto

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Biosoftness

Após algumas experiências de inovação com a Trendt, Renan Serrano queria ir ainda mais longe e desenvolver um processo de criação cada vez mais sustentável, e foi. Estudando bioquímica fora do país criou uma espécie de amaciante biocompatível mantém a roupa limpa por mais tempo, o Biosoftness. Para utilizar, o usuário deve aplicar o produto na roupa e ela se mantém limpa, mesmo após vários usos, lavando menos a peça e, consequentemente, economizando água. O processo de criação do Biosoftness, começou com uma pesquisa. Renan Serrano destaca que pesquisou os motivos pelos quais as pessoas lavam roupas e fazem ela envelhecer e percebeu que é uma questão de hábito, buscando diminuir o odor após o uso. “Identificado a causa raiz para a lavagem das roupas, passamos 2 anos desenvolvendo uma fórmula orgânica capaz de mudar por completo nossa relação com o vestuário”, comenta o criador da marca. No momenta, uma versão beta do produto está sendo comercializada nos Estados Unidos. O Biosoftness utiliza a nanotecnologia e, quando o suor atravessa as tramas do tecido a proteção é ativada, em qualquer tipo de tecido. Com essa tecnologia, é possível reutilizar a roupa por mais de 10 dias seguidos, já que ele mata as bactérias que causam mau cheiro, sendo possível alterar os hábitos de lavagem. Mas o produto ainda está passando por melhorias, por isso, possui uma espécie de fórum público em que os próprios usuários compartilham experiências do uso do produto, identificando falhas para os produtores criarem melhorias. Com esse projeto sustentável, ganhou o prêmio Ecoera, que analisa os mercados da moda, beleza e design com base em indicadores de sustentabilidade. Através do Biosoftness, “será possível repensar a relação do usuário com a roupa”, considera o criador. Atualmente, Renan Serrano está trabalhando em outro projeto visando aumentar a sustentabilidade da Trendt. Com uma equipe de Biotecnologia na USP, criou um desodorante biocompátivel, que não deixa mau cheiro na roupa e não causa manchas. Além disso, o produto não bloqueia a transpiração e não possui componentes nocivos à saúde humana, como os metais. “Estamos em um momento no mundo em que companhias estão se apropriando indevidamente de termos como sustentabilidade, economia e suas vertentes, criativa, compartilhada e circular, todos esses conceitos devem ser o cerne da marca, e não os motivos pelos quais ela existe e vende”, finaliza Renan Serrano.

Biosoftness. Imagem: Victor Nomoto

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adoxo Imagem: Marcela Sousa

Ser a maior democracia do mundo, com mais de 1 bilhão de habitantes, e ter uma história milenar fazem da Índia o país dos contrastes. Cada relance por lá imerge quem o assiste em um caldo cultural apenas encontrado em pontos privilegiados do mundo. dezembro 2018

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por Gabriel Guimarães

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Em Bhārat - o nome em hindi do país - é comum ver animais de diferentes espécies convivendo juntos em avenidas, crianças famintas pedindo esmola às janelas dos carros luxuosos que se detêm no trânsito caótico. Construções grandiosas - pontes, túneis, avenidas largas, fortes, mercados públicos - para poder comportar a realidade vibrante e acelerada do país. Tudo é adornado: das casas, aos automóveis; das pessoas, aos animais. As cores estão por toda parte, até mesmo nos rios tingidos pela poluição das indústrias. Não se pode ir à Índia sem antes se preparar psicologicamente para a mudança brusca de panorama. Não adianta fechar os olhos, pois as buzinas ensurdecedoras vão te lembrar que você não está em um lugar comum. Não adianta tapar os ouvidos, já que os odores - ora de massalas, ora de esgoto; ora de incenso, ora de fumaça - vão te trazer a uma realidade paralela, porém genuína. Ao viajante que deseja tirar uma foto no Taj Mahal para conseguir alguns likes no Instagram, recomenda-se um exame de consciência. Já àqueles que conseguirem superar os preconceitos e os receios, o país presenteia com uma bagagem pesada de conhecimentos sobre o ser humano, a natureza e relação entre os dois.


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Loja de bijuterias e acessórios no Rajastão. Imagem: Marcela Sousa Interior de uma construção em Fatehpur Sikri, fundada em 1571 por indo-islâmicos, no norte indiano. Imagem: Marcela Sousa

Nativos rajastanis posam para fotógrafa nas redondezas do Forte Mehrangarh. Imagem:

Marcela Sousa

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Estudantes caminhando ao lado de vacas nas vias do Forte de Mehrangarh, construído no século XV na cidade de Jodhpur, Rajastão. Imagem: Fernanda Estrada

Mãe macaca e seu filhote descansam em uma janela no centro de cidade no norte da Índia. Imagem: Fernanda Estrada

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Criador de camelos arruma a sela de um dos animais no deserto de Thar, região que divide a Índia do Paquistão. Imagem: Fernanda Estrada


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“Na Índia vaca é sagrada, sabia?”

As veias de ferro Na Índia viaja-se muito de trem. A quarta maior linha férrea do mundo transporta mais de 20 mil passageiros por dia e é a melhor opção para viajar a longas distâncias. Construída majoritariamente pelos ingleses no período colonial que durou até 1947, a ferrovia não guardou o glamour das marias fumaça, mas as paisagens impressionam. Elas podem variar entre desertos escaldantes, no Rajastão; grandes metrópoles, como Calcutá; montanhas nevadas, em Himachal Pradesh e as belas praias de Goa. Hoje as ferrovias são controladas pela empresa estatal Indian Railways, do Ministério das Ferrovias, e emprega cerca de 1,5 milhões de pessoas. Para ir, por exemplo, de Mumbai a Nova Déli - duas das maiores cidades indianas - vai precisar de entre 18 e 24 horas de viagem para cruzar os 1.300 quilômetros que as separa. O investimento na passagem só de ida é de, em média, 2.000 rúpias, ou 104 reais. Como tudo na Índia, os trens dividem seus vagões em classes: desde um vagão exclusivo para somente um grupo de passageiros, algo que se assemelha a um quarto de hotel com atendimento personalizado; a vagões lotados sem, sequer, vidro nas janelas, que consistem apenas em grades. O fato de não estar a 11.000 metros do chão dentro de um avião hermético dá ao turista paciente um percurso que não se limita ao transporte de um lugar ao outro, mas também uma oportunidade de conhecer a verdadeira Índia, aquela que não foi feita para ele. Não é o mesmo ter como serviço de bordo uma aeromoça ensinada a se comportar como ocidental te oferecendo algum suco industrializado, ou um verdadeiro vendedor de chai gritando “eh chai! garam chai!” (“chá quentinho”, em hindi, o idioma nacional de lá). Eles caminham dentro dos vagões com grandes latas prateadas carregando a famosa bebida típica e vendendo por preços baixíssimos. É assim em todas as paradas do trem, não importa quão longínqua seja a localidade.

Aposto que você já ouviu essa frase milhares de vezes na sua vida - e, claro, na novela da Rede Globo, “Caminho das Índias”. A afirmação é verdadeira. Esses animais são tidos como divindades na cultura hinduísta. Dos 28 estados indianos, Goa é um dos poucos lugares onde é legal o abate de bovinos. Isso acontece porque, devido à colonização portuguesa, o cristianismo é mais presente ali do que em qualquer outro lugar do subcontinente. No entanto, a relação muito próxima com os bichos se estende a diversos outros. Por exemplo, os elefantes que desde o início da civilização indiana são utilizados para as mais diversas tarefas e não foram deixados de lado nas cidades, são vistos comumente em ruas movimentadas. Além de camelos e macacos com os quais, mesmo em cidades grandes como Pune, em Maharashtra, não é raro se encontrar. As principais religiões indianas valorizam a vida de todas as criaturas por igual, indicando que não há problema algum que os bichos convivam com os seres humanos. Daí vem a presença de diversos animais nas ruas. Um sintoma marcante da força das crenças no modo de viver indiano. E não é para menos, lá é o berço de diversas religiões. Além do hinduísmo, nasceram no norte da Índia o budismo, o jainismo e o siquismo que e se ramificaram para outras partes do planeta. Das grandes religiões no mundo, o hinduísmo é uma das mais antigas, já que tem suas origens por volta de 1.500 a.C. Apenas o judaísmo veio antes. A idade deu à religião, e às outras que cobrem o território indiano, uma influência direta nos costumes. Um exemplo disso, as cores vibrantes que adornam quase tudo. Elas são o reflexo de crenças que prezam muito pelo beleza, conceito que, para um ocidental, pode variar entre o cafona e o deslumbrante. Flores alaranjadas são penduradas em cordinhas e levadas junto aos templos, construídos, especialmente, em áreas centrais das cidades e em morros altos. A cor laranja também tem sua importância na religião hinduísta. Homens que dedicam suas vidas ao sagrado deixam a barba crescer e peregrinam usando trajes tingidos com a cor, que é considerada auspiciosa. Muitos deles se encontram às margens do Ganges na cidade de Varanasi, em Uttar Pradesh, norte do país, na esperança de morrerem ali. Para eles, que a morte os leve naquele local, e serem cremado com suas cinzas sendo jogadas ao rio, é a maior graça que se pode alcançar. Mas não são apenas ermitões os visitantes da cidade. Qualquer um que se banhe naquelas águas sagradas será abençoado. Desde de o amanhecer, até tarde da noi te, os fiéis cantam mantras a fim de purificarem suas almas.

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Esqueça Brad Pitt, Tom Hanks ou Sandra Bullock

Ao contrário do que se pensa, o hinduísmo é uma religião monoteísta. Lakshmi, Hanuman, Durga e Shiva são deidades, ou seja, representam as diferentes formas de um Deus supremo se manifestar. Ganesha, ou Ganapati, é aquele que tem a cabeça de elefante. Ele representa prosperidade e sempre é convidado aos casamentos (um dos convites é sempre dedicado a ele, e todos estampam uma gravura da deidade). Outras criaturas divinas chamam muito a atenção dos ocidentais, como os kabbas ou, em português claro, os ratos. Em uma localidade afastada no município de Bikaner, Rajastão, no noroeste indiano, fica o Templo de Karni Mata, também conhecido como “Templo dos Ratos”. O lugar tem esse nome pois lá vivem mais 25 mil roedores que são venerados por muitos devotos que viajam para visitá-los. Amontoados em pratos com lassi (uma espécie de leite temperado), os animais se organizam para se alimentar. É possível vê-los de todos os tipos: magros, gordos, filhotes, velhos, com mais de uma pata, menos de uma pata… De todas as formas! O piso, onde só se pode caminhar descalço, é estranhamente pegajoso e o cheiro do ambiente não nega quem são os moradores. Se olhar para o alto, verá que eles também estão ali, trepando em redes que impedem que aves entrem no local. Ainda assim, o mais impressionante é ver como se convive naturalmente com eles na feira que fica do lado de fora do templo. Os vendedores se orgulham de mostrar as cozinhas infestadas de roedores. As cenas que seriam aterradoras em qualquer outro lugar do mundo, se normalizam ali. Mesmo em outras cidades indianas, eles são considerados pragas. Em Mumbai, por exemplo, existe um departamento da prefeitura dedicado apenas à caça desses bichos.

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Na Índia quem brilha mesmo são os mega astros de Bollywood: Shahrukh Khan, Akshay Kumar e Deepika Padukone. O apelativo cinema norte-americano foi incapaz de opacizar o tradicionalismo da sétima arte indiana. Atualmente, os estúdios do país são os que mais produzem no mundo, ostentando o número de cerca de 1.907 filmes feitos por ano. Enquanto isso, aqui no Brasil, são produzidos 129 e nos Estados Unidos, 791. Os ingressos do país são, também, os mais baratos do mundo, chegando a 0,78 US$, quase 3 R$. As salas podem variar de galpões com cadeiras de plástico e um projetor com direito a colunas prejudicando a visibilidade - a verdadeiras casas de espetáculo com poltronas de couro e funcionários que servem comidas no meio do filme diretamente no lugar do cliente. Antes das sessões, o hino nacional é religiosamente reproduzido e cantado de pé por todos os espectadores. Outro fato curioso é o intervalo comercial em todos os filmes. Os roteiros são preparados para terem o antes (a parte mais leve) e o depois dos reclames do plim plim (o clímax e as cenas mais impactantes). As pausas se caracterizam por um burburinho de pessoas falando sobre o que acharam do filme até ali e os estandes de comida a todo vapor, servindo de pipoca à comida mexicana. O enredo, tradicionalmente conservador, não costumava sair muito dos romances impossíveis com pelo menos duas ou três canções interpretadas pelos atores ao estilo “musical da Broadway”, com danças bem elaboradas. Elas são muito importantes para o sucesso de um filme indiano, afinal, estarão nas rádios, nos fones de ouvido e nas baladas de todo o país nos próximos meses. Entretanto, as temáticas têm começado a mudar. Um dos mais emblemáticos é “Bajirao Mastani” (2015), filme dirigido pelo consagrado Sanjay Leela Bhansali. O romance histórico mostra cenários grandiosos e cenas de efeitos especiais para hollywoodiano nenhum botar defeito, mesmo sem fugir do caso de amor proibido, típico de Boolywood. Outro projeto histórico do cinema mainstream indiano é “Kapoor & Sons” (2016), do diretor Shakun Batra, que aborda temas delicados para o público do país, como homossexualidade e traição. A única cena musical do filme, que não deixa a atmosfera dramática levá-lo para baixo, é a do mega hit “Kar Gayi Chull”, interpretada pelo galã Sidharth Malhotra e pela musa adolescente Alia Bhatt.


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“Homem Santo” observa os devotos ao redor do Rio Ganges, em Varanasi.

Imagem: Marcela Sousa.

Fiéis viajam enormes distâncias para se banhar nas águas do rio sagrado a fim purificar suas almas. Imagem: Marcela Sousa.

Kabbas, os ratos sagrados, se alimentam de comidas oferecidas por fiéis e turistas no templo de Karni Matta, nas redondezas de Bikaner. Imagem: Marcela Sousa dezembro 2018

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Vista do Taj Mahal desde o Mehtab Bagh, o jardim que fica atrás do ponto turístico. Muitos visitantes terminam a tarde assistindo o pôr do sol ali. Imagem: Fernanda Estrada

Amostra de diferentes tipos de massala. Os temperos estão presentes em quase todas as receitas, sempre bem condimentadas.

Imagem: Pratiksha Mohanty para Unsplash.

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Tradicional thali, o prato do dia a dia do indiano. É possível ver os legumes cozidos e a kakhra, pão fino e crocante. Imagem: Lior Shapira para Unsplash.


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Que as coxinhas me perdoem, mas massala é fundamental. Isso é o que diria Vinicius de Moraes se tivesse conhecido o tempero indiano. Os pózinhos avermelhados que consistem de anis, cardamomo, pimenta-do-reino, canela, cravo, noz moscada e gengibre estão em quase todas as receitas da vasta culinária do país. Assim como o coentro, que denuncia pelo ar que alguma cozinheira está com a mão na massa. Literalmente. O chapati se assemelha a um pão sírio. Ele é cozinhado na hora de ser servido e é obrigatório em todas as refeições. Menos nas manhãs, quando a comida do sul é a protagonista. Uma massinha feita de amido de arroz, muito parecida com nossa tapioca, na aparência, é consumida com batata cozida muito bem condimentada. Mas a mais popular entre os brasileiros que visitam o país é uma poha quentinha logo cedo. Apesar do nome esquisito para os lusófonos, é muito nutritiva. Consiste de um tipo de arroz achatado, que depois de ser temperado com vários tipos de massalas, adquire um sabor forte e que dá energia até a hora do almoço. Ao se sentar para comer, um indiano monta seu thali: uma grande bandeja de alumínio onde são colocados potinhos, também de alumínio, com as comidas do dia. Elas podem conter legumes cozidos, sopas de leguminosas, queijos assados na chapa, folhas temperadas, lassi (aquela bebida que os ratinhos tomam no templo de Karni Mata) e até a methamba (uma espécie de mousse de manga). Todos eles são comidos com a mão direita que corta o chapati, o molha em ghee (manteiga clarificada), pega um pouco do quitute desejado e manda tudo para dentro. Já as ruas têm sua própria culinária. Por lá, um dos petiscos mais populares é o paani puri, casquinhas esféricas feitas, basicamente, de farinha de grão de bico. Menores que a palma de uma mão, elas são quebradas e dentro delas são colocados sucos de tamarindo e de menta, e grão de bico ou batata cozida, dependendo da região em que é feito. Por cima ainda é colocado tomate picado e folhas de coentro. Não poder comer bovinos não é empecilho para que se possa comer hambúrguer na Índia. O wada pav é a versão indiana do popular pão com carne ocidental. A diferença é que a proteína animal é substituída por um bolinho de batata temperado com especiarias como pimenta verde, sementes de mostarda, alho, ferula e açafrão da terra. Nas barraquinhas o lanche é servido com chutney e pimenta verde frita.

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Ok, agora vamos falar do Taj Mahal Uma das Sete Maravilhas do Mundo Modernos, a construção nada mais é que o cemitério mais famoso do planeta. O mausoléu foi construído na metade do século XVII a mando do imperador Shah Jahan a sua esposa Aryumand Banu Begam como uma prova de amor. O monumento fica na cidade de Agra, em Uttar Pradesh. Por lá a estrutura turística é muito desenvolvida. Para entrar e visitá-lo são necessárias 45 rúpias para indianos por volta de 2 R$ - e para estrangeiros, 1.050 rúpias - um pouco mais de 50 R$. Aos finais de semana, o Taj Mahal chega a receber 70 mil pessoas. A rebuscada arquitetura impressiona desde a entrada, onde uma estrutura vermelha é a entrada. Ao passar por ela, o visitante dá de cara com uma paisagem de tirar o fôlego, vendo o monumento ao longe e uma “piscina” decorativa, onde é comum ver cachorros de rua se refrescando, enquanto turistas do mundo inteiro tiram suas selfies. Caminhando alguns metros, chega-se ao ponto final onde se podem usar sapatos. A partir dali, o visitante os deixa em uma espécie de guarda volumes e é obrigado a colocar algo parecido com aquelas redinhas de cabeça de cozinha, só que para os pés. À medida que se aproxima da construção, a atmosfera de que aquele não é um lugar comum começa a aumentar. O tour por dentro do Taj Mahal não dura muito tempo, e não se pode tirar fotos ali. Depois de visitar a parte da frente do “Monumento do Amor”, como é conhecido entre os turistas, nada mais romântico que um pôr do sol atrás dele. Lá fica um jardim chamado Mehtab Bagh, que é mais antigo até que o protagonista da vista de Agra, sendo construído quase um século antes. No entanto, se o seu negócio é explorar, o Taj Mahal é o menor dos detalhes dentro de um país tão plural. Só de andar nas ruas abarrotadas de gente, carros e produtos, a sensação de estar em outro planeta é inevitável. Não é de se admirar que exploradores europeus arriscassem suas vidas para chegar até lá desde o século XV. O que se encontra lá, não se encontra em lugar nenhum no mundo. Dos sabores, à sociedade, os paradoxos da Índia não permitem que sua mente se dê ao luxo de não estar a todo momento inquieta.

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Criador de camelos rajastani observa o pôr do sol no deserto de Thar, município de Jaisalmer. Imagem: Fernanda Estrada

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Textos Imagens

Not so old: por Fernanda Kleinebing Em tempos de Fast Fashion, os desafios da moda sem gênero: por Carolina Monteiro, Fernanda Kleinebing e Maria Clara Flores. Orientação de Melina de la Barrera Ayres. Força nos ombros: por Fernanda Kleinebing. Fonte: modices.com Era dos Brechós: por Fernanda Kleinebing Queda dos anjos: por Fernanda Kleinebing. Fonte: elpais.com Moda Fora do Padrão: por Caroline Isabel Castro. Desafiando o sistema: por Fernanda Kleinebing. A entrevista com a Trendt foi feita por e-mail pelos editores. A marca disponibilizou as respostas e as imagens por meio de uma pasta com uma série de entrevistas realizadas para outros veículos de comunicação. País do Paradoxo: por Gabriel Guimarães.

Not so old: imagens por Fernanda Kleinebing e Maria Clara Flores. Em tempos de Fast Fashion, os desafios da moda sem gênero: imagens por Maria Clara Flores; Reprodução Instagram @lossorafael, @pangea_brand e @trendt. Força nos ombros: Divulgação marcjacobs.com e nkstore.com. Era dos Brechós: imagens por Fernanda Kleinebing e Maria Clara Flores. Queda dos Anjos: imagens por Victoria`s Secret Press Room e divulgação Savage x Fenty. Moda Fora do padrão: Ioana Cristiana e André Spilborghs para Unsplash e divulgação Torrid e Addition Elle. Desafiando o Sistema: imagens, acervo pessoal Renan Serrano e Victor Nomoto. A entrevista com a Trendt foi feita por e-mail pelos editores. A marca disponibilizou as respostas e as imagens por meio de uma pasta com uma série de entrevistas realizadas para outros veículos de comunicação. Ensaio Fotográfico: imagens por Maria Clara Flores. Esse trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de País Paradoxo: imagens por Fernanda Estrada, Marcela caráter puramente acadêmico, criado e editado pelos(as) Sousa, Unsplash. acadêmicos(as) Fernanda Kleinebing, Maria Clara Flores e Gabriel Guimarães como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório de Produção Gráfica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2018-2. Não será distribuído, tampouco comercializado. Seu conteúdo e suas opiniões são de inteira responsabilidade dos acadêmicos,isentando assim a UFSC e o docente da disciplina de qualquer responsabilidade legal por essa publicação.

Editor(es): Fernanda Kleinebing, Maria Clara Flores e Gabriel Guimarães Editor-gráfico: Maria Clara Flores Projeto gráfico-editorial: Fernanda Kleinebing, Maria Clara Flores e Gabriel Guimarães

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