Fome de quê?

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comida também é conhecimento

CUCA O doce típico alemão e suas adaptações brasileiras

De onde vem? Adubando Conheça a ceia de Natal alemã e colombiana

Aprenda a construir sua própria horta

Dez 2017 · Edição 01


Expediente Editora Maria Gabriella Schwaemmle

Formato 260x190mm

Projeto gráfico e diagramação Maria Gabriella Schwaemmle

Tipografias Laughing and Smiling Vacations in Phuket Kalinga Euphorigenic Cardenio Modern Vegetables Hamburguer

Seleção e tratamento de imagens Maria Gabriella Schwaemmle Assessoramento Ildo Golfetto Redação Maria Gabriella Schwaemmle Laura Victoria Correa Roldan Bennet Renke Jefferson Pietroski Mota Fotografia Maria Gabriella Schwaemmle Jefferson Pietroski Mota

Esse trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de caráter puramente acadêmico, desenvolvido pela acadêmica Maria Gabriella Schwaemmle como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório de Produção Gráficado curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2017-2. Não será distribuído, tampouco comercializado.

Freepik

2 · Dez 2017 · Edição 01 · Fome de Quê?


Editorial “A alimentação é o processo pelo qual os organismos obtêm e assimilam alimentos ou nutrientes (...) é o conjunto de hábitos e substâncias que o homem usa, não só em relação às suas funções vitais, mas também como um elemento da sua cultura e para manter ou melhorar a sua saúde.” Como a própria definição de alimentação encontrada na Wikipedia já diz, a comida nos é necessária fisiologicamente, mas também faz parte da nossa cultura. Ela está presente na nossa rotina desde o momento em que acordamos até quando vamos dormir, e se você é como eu, ela também ocupa seus pensamentos em boa parte das horas em que você não está comendo. A ciência explica que precisamos dos nutrientes da comida e da energia fornecida por ela para nosso corpo continuar funcionando corretamente. Mas será que apenas a ciência pode estudá -la? Se ela está tão presente no dia-a-dia e faz parte da nossa cultura, por que não fazer uma revista sobre uma das partes mais gostosas da vida? Comer uma boa comida deixa qualquer um mais feliz, e descobrir novos sabores é uma verdadeira viagem.

Por isso te convido a embarcar nessa viagem pelos prazeres da comida com a Fome de quê?, que surgiu com a intenção de mostrar que há coisas muito interessantes no que comemos além do seu sabor. Na edição deste mês, descubra a história de um prato típico da colonização alemã, que acabou ganhando um toque especial brasileiro e ficou ainda melhor. Final de ano está aí, e você já está pensando naquelas comidinhas maravilhosas que sua família só faz no Natal? Não é só no Brasil que o pessoal capricha na ceia: conheça o que os colombianos e os alemães preparam nesse dia especial. Cansado de temperos industrializados? Faça um favor para você e o seu corpo e aprenda como montar uma hortinha em casa!

Maria Gabriella Schwaemmle

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Pixabay

·Sumário·

·Opinião·

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Gourmetização da comida de rua

·Fala aí·

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Comida é um santo remédio

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·De onde vem?·

Tipicamente Adaptada

Tá na mesa

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·Receita·

·Adubando· Plantar é arte

V 4 · Dez 2017 · Edição 01 · Fome de Quê?

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Lasanha de berinjela

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·Opinião·

Gourmetização da comida de rua Quem nunca comeu aquele cachorro quente prensado da esquina, um churros da tia da barraquinha ou um pastel de feira frito na hora, não é mesmo? A comida de rua faz parte da cultura do brasileiro, e consiste em oferecer algo bom, simples, rápido e barato para quem não tem tempo de parar em um restaurante para comer, ou então para quem procura uma refeição diferente por um baixo custo. Foi com esse mesmo objetivo que surgiu a ideia dos food trucks nos Estados Unidos, que por volta de 1860 começaram a surgir em Nova York para servir os trabalhadores da noite. A onda de food trucks foi crescendo no mundo todo, e demorou mas chegou também no Brasil. A questão é que parece que nesse tempo todo, o objetivo principal da tal street food se perdeu, e o que era para ser algo acessível se gourmetizou e os preços foram para as alturas. As comidas de rua “raiz” de respeito que têm por aí oferecem lanches enormes por preço justo, já os food trucks “nutella” que vão surgindo aos montes oferecem um lanche que é bom, mas pequeno, pelo preço que valeria uma refeição bem completa em um restaurante. Não é difícil encontrar por aí parques e praças fixas com food trucks que mudam de tempos em tempos, oferecendo opções variadas para os clientes. Em época de crise, esses caminhões de comida

se tornaram uma boa fonte de renda extra nos finais de semana, por exemplo, e vêm ganhando muitos adeptos. Mas na hora de impressionar os clientes com algo gourmetizado, os cozinheiros de food trucks acabam se empolgando nos preços, e o público-alvo inicial da comida de rua acaba ficando sem opções. Especialistas colocam a culpa em dois fatores: o primeiro são os clássicos impostos brasileiros, que sugam 40% dos ganhos, e o alto investimento necessário para equipar os carros. O segundo é a licença: diferentemente dos Estados Unidos, onde os food trucks podem parar e vender suas comidas em qualquer vaga de estacionamento comum, na maioria das cidades brasileiras os proprietários de trucks precisam de uma licença especial para estacionar em locais públicos. É aí que entram os espaços privados como parques, eventos e festivais, que necessitam de pagamento. Enquanto os food trucks tiverem dificuldade de estacionar em locais públicos como os bons e velhos ambulantes de comida de rua “raiz”, eles vão se aglomerar em espaços pagos, gerando concorrência e inflação ainda maior nos produtos. Agora a moda está em alta e os parques estão cheios, mas veremos em um ano quem realmente entende do negócio.

Maria Gabriella Schwaemmle

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Comida é um santo remédio

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·Fala aí·

Foto: Acervo pessoal

Além de ser o instrumento de trabalho de muitos profissionais. As duas entrevistadas da Fome de quê? coincidentemente desistiram de seguir a profissão de jornalistas para se dedicarem à comida de duas formas bem diferentes: receitando-a e preparando-a.

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Karina Dotta é nutricionista (CRN1524) e sócia-fundadora do Vitamine - Bem Estar e Saúde, clínica onde atende em Blumenau (SC). Formada em Nutrição pela Univali, pós graduada em Nutrição Funcional; Fitoterapia; Obesidade e Emagrecimento; Nutriendocrinologia Funcional e Aperfeiçoamento em Técnicas de Coaching na Nutrição. É também membro da Sociedade Brasileira de Nutrição Funcional e Professora na Pós Graduação de Nutrição Esportiva da Uniasselvi.


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Maria Gabriella - O que te levou a

O que você pensa do ditado que diz que quando a alimentação é errada a medicina não funciona e quando ela é correta a medicina não é necessária?

ser nutricionista?

Karina Dotta - Eu me tornei nu-

tricionista muito por acaso. No primeiro ano do Ensino Médio eu queria muito fazer jornalismo, no segundo ano eu mantive essa ideia, e no terceirão eu fiz um trabalho na disciplina de química que era sobre vitaminas. Comecei a estudar, descobri que uma ajudava o cabelo, aquela outra influenciava na concentração e me apaixonei. Quando chegou no final do ano, eu certa que ia fazer jornalismo, decidi que ia descobrir onde tinha [o curso de] Nutrição e ia fazer isso. Eu me formei em 2007, então fez dez anos que eu me formei em fevereiro, e há dez anos ninguém falava muito do “nutricionismo”. Então eu digo que foi através de um trabalho de escola normal como qualquer outro que meio sem querer eu me apaixonei e foi o “sem querer” mais maravilhoso da minha vida.

KD - Concordo plenamente. A

“As nossas células não tem deficiência de medicamentos, elas têm deficiência de nutrientes.”

Tem algum mito da profissão, algo que as pessoas pensem de errado dos nutricionistas?

KD - Quando se fala em nutrição

e em nutricionista em especial as pessoas logo associam a emagrecimento, mas há muitas áreas além da clínica. Você pode trabalhar em refeitório, na área de vigilância sanitária, no SUS, na alimentação de hotelaria, na área hospitalar, em clubes esportivos. E dentro da nutrição clínica, talvez o maior mito é que você vai procurar nutricionista para emagrecer, mas você procura

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nutricionista por “n” motivos. E hoje, são muito mais motivos associados à saúde do que propriamente estética. Há dez anos as pessoas me procuravam porque queriam emagrecer, por causa da celulite, mas hoje as pessoas estão me procurando por uma questão de saúde, porque estão preocupados com os triglicerídeos, com a glicose, essas coisas.

gente precisa nutrir as nossas células. Elas não têm deficiência de medicamentos, não existe isso, elas têm deficiência de nutrientes, então tudo o que você precisa é fornecer nutrientes adequados às suas células. O único problema é que hoje a nossa alimentação é extremamente industrializada por motivos como a praticidade, questão financeira, dentre outros, e nutrientes é o que menos estamos dando para as nossas células. Ou seja, elas estão adoecendo, e você pode tomar o medicamento que for, ele vai, como diz o nome, remediar, tentar dar uma amenizada na situação, só que ele não vai te curar. O que vai te curar é a mudança de hábito. Um exemplo: se você está com uma dor de estômago e você procurar um médico, ele vai te dar um omeprazol da vida. Vai resolver o seu problema? Não, vai acabar com o seu sintoma. Se você parar de tomar o medicamento, a dor vai voltar. Seria muito mais interessante investigar o que está te causando a dor de estômago, como o excesso de fritura na alimentação, muitas coisas gordurosas, deficiência de zinco, e tratar com nutrientes o problema. Eu sempre penso que a natureza é super esperta, ela vai te dar o problema mas é também nela que vai estar a solução.

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O tempo todo surgem novas promessas de dietas e alimentos milagrosos. O que as pessoas precisam saber sobre essas “dietas”?

KD - Não existe certo e nem

errado em dieta, o que acontece é que cada ser humano é único, cada pessoa tem uma fórmula. Tem pessoas que comem tapioca de manhã todos os dias e emagreceram horrores de peso, e tem pessoas que comem tapioca todos os dias de manhã e engordaram muito. O problema é a tapioca? Não! O problema é o corpo de cada um que se adequa a determinados alimentos e outros não. O nosso corpo fala com a gente o tempo todo, através de sinais e sintomas: é uma dor de cabeça, o intestino que está travado, uma dor de estômago. É ele sinalizando coisas legais e coisas não legais que você está mandando para dentro. É tudo uma questão de teste, você tem que testar o que faz bem para o seu corpo. Você tem que entender o que é melhor para você, e para isso eu acho super importante o acompanhamento de um profissional, um nutricionista, para avaliar principalmente essa questão de exames, como que está por dentro. Os triglicerídeos, a ferritina, a vitamina D, os nutrientes, como o teu corpo está respondendo lá dentro. Eu, Karina, não acredito no radicalismo, eu acho que é entender o teu corpo e trabalhar com o equilíbrio.

8 · Dez 2017 · Edição 01 · Fome de Quê?

Foto: Acervo pessoal

Monique Amorim é formada em Gastronomia pela Faculdade Novo Milênio em Vila Velha-ES, Pós graduada em Cultura Gastronômica e Degustação na Universidade de Vila Velha-ES. Tem onze anos de experiência em à la carte, buffet, bar, chopperia, eventos e consultoria, entre SP, ES e SC. Há um ano e meio está à frente da cozinha do Carne e Malte Burguer Bar em Florianópolis.


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Por que resolveu fazer gastronomia?

O que mais gosta na sua profissão? E na rotina de trabalho?

MA - A gratificação que a gente

tem de causar sensações boas nas pessoas. Quando alguém come uma coisa que você fez, qualquer comida que seja, pode ser até um ovo, e traz aquela lembrança boa de vó, de mãe, de in-

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Existe algum mito da profissão que você gostaria de desmistificar?

Monique Amorim - Eu fui parar na

gastronomia por acaso. Eu tinha prestado vestibular para jornalismo na UFES, no Espírito Santo. Eu morava lá e por volta dos 20 anos prestei vestibular para jornalismo. Passei na primeira fase, não passei na segunda, mas pensei em tentar de novo. Fui fazer cursinho, estudei muito, e aconteceu a mesma coisa. Então meu pai me sugeriu que eu fizesse jornalismo [em uma faculdade] particular, ele me ajudaria a pagar tudo, e eu decidi arriscar. Quando eu cheguei na faculdade para fazer a matrícula e me informar sobre a grade do curso, eu vi lá “Gastronomia” e pensei “pô cara, sempre gostei de cozinhar, como será esse curso?”. Me deu um insight, larguei o jornalismo e fiz a inscrição da prova para Gastronomia. Fiz a prova, passei, fiz Gastronomia e foi sensacional. Eu me descobri. Primeiro fiquei com muito medo, pensando se estava no caminho errado, mas me joguei e terminei a faculdade com a sensação de que era aquilo que eu queria.

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MA - Existem vários né, mas eu

“A comida pode ser remédio, mas também veneno, depende de você escolher”

fância, aquilo que a gente chama de comfort food. Ou quando marca a pessoa, diz que é a melhor coisa que já comeu. Ou quando a pessoa diz que não conhecia aquele sabor, era preconceituosa, mas você apresentou de uma forma que ela conseguiu comer e achou fantástico. Isso para mim é muito bacana na profissão.

acho que o principal é que as pessoas se iludem, principalmente alunos novos e quem está de fora: gastronomia não é glamour, gente! Gastronomia é você estar dentro de uma cozinha, comandar uma equipe, e por menor que ela seja é difícil. Porque as pessoas são difíceis de lidar, de criações e culturas diferentes, e tem toda essa questão de você fazer uma conexão entre as pessoas para que as coisas fluam. Existe muito chef executivo que está lá só para realmente organizar, dar ordem e comandar de fato a cozinha em todos os sentidos, mas não pega na parte pesada e braçal. Eu sou chef de cozinha e a gente limpa chão, lava tudo, pega panela suja. As pessoas chegam para gente e falam “Nossa que legal, você é chef de cozinha, cozinhe para mim!”. Não é bem assim, a gente cozinha mas chega lá cedo para descascar batata, cebola e higienizar tudo que vai usar. Não é toda cozinha como de hotel que é toda setorizada, com dois ajudantes, auxiliar de serviços gerais só para limpar o chão e lavar a louça. As pessoas têm essa visão, de como deveria ser realmente, mas a realidade do empreendedor é muito diferente, nem sempre tem disponível verba para contratar um funcionário só para limpeza, então você tem que ser multitarefa. Um bom chef de cozinha tem que dar o exem-

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plo, porque quem não sabe fazer não sabe ensinar. Vê alguma relação entre gastronomia e arte?

MA - Vejo sim! Eu acho que a

Gastronomia não é só arte, elas estão entrelaçadas para integrar a cultura de um povo. A Gastronomia de um local diz muito sobre ele, não só sobre o que é produzido na região, mas também sobre seus costumes. O fato de você planejar, pensar nos sabores, cores e texturas, você olhar um prato e ele te despertar o visual, o paladar, o olfato, tudo isso tem a ver com arte. Porque se a arte é para despertar algum sentimento no ser humano, a comida também é. Elas têm a mesma finalidade. Muitas vezes eu vejo chefs famosos, que eu admiro, criarem pratos que são verdadeiras obras de arte e que dão até pena de comer, parecem um quadro pintado por um artista. Como acha que a comida afeta a vida das pessoas?

MA - Tem tudo a ver com aquilo

que eu falei de despertar sensações no ser humano, de trazer uma lembrança boa, referências familiares. Mas além da função emocional, tem a função nutricional também. Querendo ou não a gente come no mínimo duas vezes ao dia, e muita gente não tem consciência do que come e como come. É uma coisa que aos poucos está sendo despertada nas pessoas, criar a consciên-

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cia de que o que ela está comendo tem que ser prazerosa mas tem que ter elementos nutricionais. Ela tem que nutrir o corpo e a alma também. Você não pode seguir uma dieta ultra-rígida, sendo que não tem doença nenhuma, simplesmente por modismo ou por estética, e ela não te confortar, não te trazer nenhuma emoção e não te despertar nada. Acho que estamos tendo muita confusão sobre como se alimentar, mas por outro lado tem uma corrente para refletir sobre o que comemos, de onde vem, quem está produzindo, e essa consciência é super bacana. Os chefs de cozinha, através de palestras e eventos, estão procurando esclarecer para as pessoas que uma lasanha congelada te sacia mas não te alimenta, porque é cheia de conservantes, corantes, produtos altamente prejudiciais à saúde. Então você está enchendo a sua barriga, mas o seu corpo está pobre de nutrientes e até carente de afeto. A gente precisa descascar mais e desembrulhar menos, para ter mais contato com o alimento, com a feira, com o que vem da terra, dos colonos, da produção artesanal. A comida pode ser um remédio, a cura para todos os males, mas também pode ser o veneno, depende de você escolher o que ela vai ser na sua vida.

Texto: Maria Gabriella Schwaemmle

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· De onde vem? ·

CUCA: Uma delícia tipicamente adaptada A cuca é um prato típico alemão que veio para o Brasil junto com os imigrantes no século XIX. Mas será que os alemães continuam fazendo uma cuca tão boa quanto seus descendetes brasileiros? Texto e fotos: Maria Gabriella Schwaemmle

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Cuca é a versão “aportuguesada” da palavra alemã Kuchen (se fala “curren”), que significa bolo. A tradicional cuca de farofa é a Streuselkuchen (Streusel = granulado ou flocos - se fala “stroiselcurren”). Originada na antiga Silésia, seguido pela Prússia, a receita veio junto com o considerável número de alemães que vieram construir suas vidas no sul do Brasil, tornando-se um prato típico entre os imigrantes alemães, que incorporaram à receita produtos que encontraram por aqui. A principal ligação com a culinária alemã está no ingrediente base da receita: a manteiga, que desde a Idade Média era um símbolo de nobreza na Alemanha, sendo utilizada em abundância pelas elites em suas comidas. Hoje, a receita continua especial e autêntica às origens, com a saborosa manteiga das regiões de origem alemã sendo usada e abusada pelas doceiras e doceiros brasileiros. Já os outros ingredientes-base da cuca, a farinha e o açúcar, não eram tão acessíveis na Alemanha de antigamente, fazendo com o que o prato fosse servido apenas em ocasiões especiais. Não é difícil de entender por que a cuca fez sucesso. A receita, prática e de baixo custo, possui um sabor neutro que pode ser combinado com diversos complementos. Originalmente, era servida com as frutas da estação na Alemanha, como ameixa, maçã, cereja, damasco, etc. Com a vinda da receita para o Brasil, os imigrantes adicionaram à lista frutas tropicais que só encontraram aqui, como é o caso da Bananen Kuchen (cuca de banana), que acabou se tornando uma das mais apreciadas (e há quem diga que supera as cucas originais). Ivana Ebel é jornalista nascida em Blumenau, cidade de colonização alemã. Quando foi para a Alemanha realizar seu doutorado, foi atrás da tão famosa cuca, para experimentar a receita original direto da fonte, mas foi surpreendida. A cuca com frutas e farofa como a conhecemos aqui no Brasil não é muito comum: “Não que não seja tradicional, mas é minoria” afirma Ivana. Ela explica que nas padarias se encontram massas mais baixinhas, feitas com fermento de bolo, sendo que a mais comum é recheada com creme de semente de papoula, mas que são bem diferentes da cuca brasileira. Similares a ela, é mais fácil achar no supermercado, pré-prontas ou em caixinhas. “É engraçado porque quando

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eu vim para a Alemanha, que é a terra da cuca, eu usava uma receita brasileira quando queria cozinhar” conta a agora professora de Jornalismo na Inglaterra. Blumenau é uma das cidades de imigração alemã em que a cuca tomou conta das padarias, das casas das Omas (avós) e do paladar dos moradores. Dona Rute Schuldt, de 72 anos, por exemplo, faz cucas desde que se casou e a família toda adora. Ela aprendeu a cozinhar com a mãe, a partir da receita que passou de mãe para filha desde a bisavó, Johana Emmke, que veio da Alemanha. “É uma massa normal de pão, açucarada. A cobertura pode ser de várias frutas diferentes, mas a massa dela é a mesma de sempre” explica Dona Rute. Na casa dela, a preferida é a de banana, e as filhas já aprenderam a receita com a mãe.

Streuselkuchen da Oma Receita Chef Koch - famoso site alemão Massa:

500g de trigo 100g de açúcar 300mL de leite 100g de óleo 1 pacote de fermento de pão fresco 1 pitada de sal

Farofa:

400g de farinha 250g de açúcar 250g de manteiga

Preparo:

Misture bem o leite morno com o fermento e cubra em local quente por 10min. Em seguida, junte a farinha, o açúcar, o óleo e o sal em uma tigela grande, e depois acrescente a mistura com leite. Bata bem a massa até ficar homogênea e então cubra em local quente por 60min para dobrar de tamanho. Amasse novamente, deixe descansar por 10min e então despeje em forma untada. Deixe descansar, coberto, por mais 20min enquanto prepara a farofa: junte todos os ingredientes em uma tigela e amasse com as mãos (se a manteiga estiver em temperatura ambiente será mais fácil). Espalhe cuidadosamente a massa na forma, e em seguida cubra com uma fina camada de água antes de acrescentar a farofa. Assar em forno a 180ºC por em média 30min.


Em setembro deste ano, aconteceu em Blumenau o 3º BlumenKuchen - Festival de Cucas, mostrando que o prato é um integrante importante da gastronomia típica da cidade. A Saxônia, tradicional confeitaria há mais de 33 anos no centro de Blumenau, foi uma das participantes do Festival, que incluiu 24 padarias vendendo cucas a preços especiais. Ervino Guilherme Bormanieri, confeiteiro da Saxônia, junta com habilidade os ingredientes da massa, que depois de assada é finalizada com a farofa, a nata e seu respectivo recheio, que varia de abacaxi a bombom de chocolate. (fotos) Ervino está há um ano e meio trabalhando na Saxônia, mas faz cucas desde os 14 anos. Ele conta que o prato é vendido a semana toda na confeitaria, mas tem um leve aumento nos finais de semana e na época da Oktoberfest, com a chegada de muitos turistas à cidade. A receita usada é caseira, e conta com um ingrediente especial na massa: raspas de limão.

Receita Dona Rute Schuldt Massa:

2 ovos 1 xícara de manteiga 2 de açúcar 2 de trigo 1 de maizena 1 de leite 1 pitada de sal 1 colher rasa de sopa de fermento Forma 30x40cm

Farofa:

(tem que fazer com a mão!) 1 colher bem cheia de manteiga 1 xícara de trigo Noz-moscada ralada (toque especial) Raspas de limão 1 pitada de sal (não pode faltar)

Preparo:

Misture primeiro os ovos, a manteiga e o açúcar. Depois acrescente o leite (que deve estar na temperatura ambiente, assim como a manteiga) e adicione aos poucos o trigo, a mazeina e o sal. Misture tudo até ficar homogêneo e despeje a massa em uma forma retangular básica de 30x40cm. O recheio pode ser com bananas fatiadas com canela e açúcar, maçã, laranja, chocolate, ou qualquer ingrediente de sua preferência. Por cima da camada de recheio vai então a farofa, que é bem simples de se fazer: misture todos os ingredientes em uma bacia, amasse a farofa com as mãos e vá distribuindo por cima da cuca. Assar em forno 180ºC até dourar a farofa.

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·De Onde Vem?·

Tá na mesa ALEMANHA “Todo ano a minha família inteira se reúne no dia 24 de manhã e vai para a Igreja para escutar uma oração de natal. Depois nós vamos pra casa e a mãe e a avó preparam a comida. Pelas seis horas a gente come a comida especial juntos, depois cantamos um pouco e jogamos alguns jogos. Quando o céu está escuro a gente troca presentes, que ficam embaixo da árvore de Natal, e abrimos juntos. Geralmente nós dormimos na casa dos avós nesses dias. Quase sempre a gente come couve com uma salsicha muito deliciosa, junto com batatas. Outra comida que nós comemos se chama “Raclette” e cada pessoa tem a sua própria panelinha onde coloca presunto, queijo, cogumelos, verduras etc. Isso é muito bom para fazer no Natal, porque pode durar até uma hora e meia até todas as pessoas estarem satisfeitas. A couve com salsicha, só comemos no inverno (especialmente no natal) porque é colhida somente nesses dias. E a comida combina bem quando o tempo está muito frio fora. O “Raclette” a gente come em festas de aniversário também ou quando a família inteira se reúne, mas como essa comida demora muito tempo gostamos de fazer isso no Natal.”

BENNET RENKE - HAMBURGO

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Flickr Wikimedia Commons

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COLÔMBIA Na Colômbia, para celebrar o Natal, normalmente a família toda vai para uns lugares chamados de “Finca”, tipo uma chácara. Compramos um porco e ele é morto na “Finca”. Normalmente tem um tio que fala que sabe como matar, mas o porco fica chorando por duas horas até morrer dessangrado. É horrível! Mas com o tempo as pessoas têm ficado espertas e simplesmente compram os cortes de carne no mercado! A gente não tem um prato principal de fato, nos reunimos e comemos bastante. Não costumamos sentar na mesa, fazemos uma festa, as pessoas bebem, falam, dançam e comem sem parar. É bem divertido. Uma festa onde a família toda se vê e disfruta junto. Comemos chicharrón (ou torresmo no Brasil), Morcilla (morcilha), arepa (tipo uma panqueca feita com farinha de milho), buñuelos (uma bolinha feita de farinha e queijo), e de sobremesa Natilla e hojuelas. Os adultos bebem Aguardiente, a nossa cachaça, e champanhe. As crianças se conformam em beber refri. O refri que mais se consome na Colômbia é de uma companhia chamada Postobon, e “Colombiana” é o refri mais bebido em todas as festas e reuniões familiares, não só no Natal, mas no ano todo.

Faz algum tempo, no entanto, que muitas famílias têm optado por fazer uma ceia mais parecida com a tradição americana, com peru e pernil de porco. Mas buñuelo, Natilla e hojuela tem em todas as casas durante a época. Natilla e Hojuelas são feitas especialmente nesta data. São pratos doces, que acompanham as “Novenas” e a noite do Natal. A Natilla é tipo um pudim feito com farinha de milho e leite. As Hojuelas são feitas de farinha e fritas, depois são polvilhadas com açúcar. As crianças devem ir para a cama antes da meia noite para receber o “Niño Jesús”, que visita as casas e traz presentes para eles. Se a criança não vai para a cama cedo, o “Niño Jesús” não pode entrar na casa e não traz presentes.

LAURA V. C. ROLDAN - MEDELLIN

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·Receita·

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Lasanha de berin ela W

Nesta edição da Fome de quê? você ficou sabendo como são as ceias de Natal da Colômbia e da Alemanha, além de aprender como montar sua própria horta. Nada melhor, portanto, do que uma receita para sua ceia natalina com um ingrediente que você pode plantar em casa: a berin ela!

Modo de Preparo

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Ingredientes

1· Corte as berinjelas em fatias finas, no sentido do comprimento 2· Em uma assadeira retangular refratária, coloque no fundo, as duas colheres de azeite e um pouco de molho de tomate 3· Coloque então uma camada de berinjela 4· Cubra com molho de tomate, salpique com azeitonas e coentro 5· Acrescente uma camada de berinjela, cubra com molho de tomate e por cima coloque uma camada de queijo mussarela 6· Repita os passos 3, 4 e 5, para formar mais duas camadas 7· Coloque por cima da última camada, queijo catupiry a gosto, e cubra a assadeira com papel alumínio 8· Leve ao forno em temperatura de 180º C graus por cerca de 30 minutos, para cozinhar 9· Após isso, retire o papel alumínio e deixe por mais 5 a 10 minutos para gratinar

3 berinjelas grandes 1 lata de molho de tomate 1 maço de coentro cortado em pedaços pequenos azeitonas sem caroço cortadas 300g de queijo mussarela fatiado 2 colheres de azeite queijo catupiry

Pixabay Pixabay

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Plantar é saúde M Texto de Jefferson Pietroski Mota (Permacultor, técnico ambiental e acadêmico do curso de Agronomia da UFSC, membro do HOCCA)

Quantas vezes você já achou linda e maravilhosa aquela sacada repleta de plantas e flores, remetendo à um pequeno jardim, na sacada ou janela de um prédio cinza e feio? Num primeiro momento pode parecer algo impossível para a maioria das pessoas, principalmente para aquelas que não tem nenhum vínculo com o meio rural ou nunca dedicaram um pedacinho da sua vida às plantas e até mesmo à arte de cozinhar. Mas entender de agricultura, jardinagem, plantas, animais e fungos é parte fundamental para uma boa alimentação. A vida na cidade grande nos proporciona muita interação com outras pessoas, mas e a interação com outros seres vivos? Em Florianópolis ainda temos muitas áreas verdes e um grande movimento pela agricultura urbana que luta pela melhor utilização dos terrenos abandonados e parques pouco cuidados - afinal, Floripa já foi toda cheia de roças (cultivo de mandioca, milho, abóbora, batata doce) e plantações de café em todos esses morros que hoje vemos verdinhos. O fato de tantas pessoas estarem cada vez mais preocupadas com a qualidade do alimento que chega até elas e arriscarem-se a cultivar algumas plantas resgata nossa origem como espécie humana: o ato de fazer agricultura, ou melhor, de cultivar plantas e criar animais para o auto-consumo. O ambientalista e agrônomo José Lutzenberger, num dos seus livros publicados nos anos 80, intitulado “Do jardim ao poder”, traz a reflexão do melhor entendimento da agricultura e do ato de iniciar

18 · Dez 2017 · Edição 01 · Fome de Quê?

Foto: Jefferson Pietroski Mota

Revisão e Diagramação: Maria Gabriella S.

sua pequena horta doméstica, para melhor entender os processos da vida e assim empoderarse como indivíduo perante a natureza e seus ensinamentos. Para você que mora em apartamento, achou todo esse papo muito interessante e pretende se arriscar nessa tal de agricultura, aqui vão algumas dicas para melhor escolher o local:

va são as caixas de feira - de madeira ou plástico - forradas, pois podem ser levadas de um lado para o outro de acordo com o sol. A terra do vaso deve ser composta de uma parte de composto orgânico e outra de terra comum, cobrindo tudo com palha de grama seca, pois isso garante que o vaso não seque rápido e que a chuva não retire a terra com o tempo.

Entender qual o caminho do sol. É fundamental saber quantas horas de sol batem na sua janela ou na sacada, tanto no verão (dias longos) quanto no inverno (dias curtos); Saber quanto de vento chega na janela e nas plantas. O vento pode danificar as plantas e contribui para secar o vaso mais rapidamente, exigindo um maior cuidado com a irrigação - se a terra está seca é preciso irrigar, caso contrário, não;

Escolher plantas mais rústicas num primeiro momento. São plantas que necessitam de menos cuidados e normalmente possuem folhas mais escuras, como o alecrim, tomilho, manjerona, hortelã, salsa, cebolinha, couve, almeirão, chicória, espinafre, pimentas e as queridinhas PANC’s (Plantas Alimentícias Não Convencionais) como as ora pro nóbis, as bertalhas, o peixinho da horta, a erva baleeira, a capuchinha, a beldroega, o alho-nirá e o alho-social, a cravínea;

Utilizar vasos ou recipientes que tenham profundidade para as raízes se desenvolverem melhor. Uma boa alternati-

Não ter medo de furar as paredes, pendurar ganchos, colocar prateleiras. Escolher o local onde você preten-


Foto: River Park Farm - NY

·Adubando·

de colocar os vasos e observar. Certamente não vai ficar bom na primeira vez, mas a ideia é ir brincando e entendendo um pouco de cada planta;

Aceitar que as plantas podem morrer por falta de cuidado, por doença, por falta de nutrientes e que isso é normal. Apenas lembre quando for no supermercado ou na feira que aquele alimento possui uma história e não deve ser desperdiçado, pois deu muito trabalho para plantar, cuidar, colher, selecionar, transportar e chegar até você. Agora que temos o espaço e as plantas, o segundo passo é tão fundamental quanto o primeiro: o que fazer com o resíduo orgânico da cozinha? Ele vai alimentar a horta em vasos através da compostagem em pequena escala ou do minhocário. Cada um deles requer um cuidado diferente, mas em algumas semanas, com a técnica dominada, você vai estar produzindo mais adubo do que necessita e com certeza vai querer expandir sua horta, seja no condomínio ou no terreno/praça mais próxima. Falando em condomínio, você já pensou que aquela parede pode receber um jardim vertical ou aquele gramado (que muitas vezes não se pode nem pisar) poderia ser um grande canteiro para produção de alimentos, temperos e plantas medicinais para todos

os moradores? Por que não? A mentalidade das pessoas urbanas e da maioria dos paisagistas e clientes que querem um jardim está baseada em revistas que divulgam plantas que são apenas bonitas, não interessando outras qualidades como alimentícias, rústicas, floríferas, medicinais e adubadoras. Afinal, as zonas rurais são vistas como atrasadas e o progresso está na cidade, sendo tocado por pessoas de terno e gravata, com muita maquiagem, que se locomovem de carro pra cima e pra baixo e vão caçar e colher alimento nas prateleiras dos supermercados. A dependência para fazer tudo é visto como progresso, mas para aqueles que sempre conseguiram ter de tudo na sua horta é vista como atraso. Um local bem interessante para visitas e para aprender um pouco mais são as hortas comunitárias em Florianópolis. O projeto Horta Orgânica do CCA, na Universidade Federal de Santa Catarina, oferece cursos mensais gratuitos para a comunidade externa. Estamos na era do conhecimento e da informação, tudo acontece mais rápido, mas na jardinagem e na agricultura urbana muitas coisas boas vem acontecendo, e as pessoas estão se organizando para poder ter saúde, economizar dinheiro, utilizar gramados e áreas ociosas para produzir alimentos.

9 ANTES

Foto: Jefferson Pietroski Mota

DEPOIS

Foto: Jefferson Pietroski Mota

Fome de Quê? · Edição 01 · Dez 2017 · 19


comida também é conhecimento

Na próxima edição: As origens do anis-estrelado e seu uso medicinal

Pixabay


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