Desnu

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NU arte arte subalterna

│ │ 1ª edição

JESUS É TRAVESTI Monólogo de Renata Carvalho ovacionado X BIENAL DE BERLIM Exposição de artistas não europeus 100 ANOS BAUHAUS A história por trás da escola


ESPEDIENTE

Desnudarte | Nov/Dez 2018


EXPEDIENTE Projeto gráfico-editorial: Diogo Medeiros Rafaela Coelho Textos: Diogo Medeiros Rafaela Coelho Imagens: Capa: Francisco Anzola modificado por Rafaela Coelho Contracapa: Dean Hochman Editorial: City Clock Magazine Contracapa: josulivan.59 Tipografia: Familia Raleway Impresso em: Capa: papel couché fosco 200g Miolo: papel couché brilhoso 90g Este trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de caráter puramente acadêmico, desenvolvido pelos acadêmicos Diogo Medeiros e Rafaela Coelho como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório de Produção Gráfica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2018-2. Não será distribuído, tampouco comercializado.

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EDITORIAL 4 |Desnu | Nov/Dez 2018


Nossos gostos foram domados, o belo é um impostor bem vestido de fala dócil e polida que produz desigualdade em nossas diferenças. Não nos reconhecemos nele. Por causa do belo, deixamos de reconhecer a nós mesmos como donos de si. Queremos nossos olhares crus, nus, desnudados. Inundados de múltiplas identidades invisibilizadas, A Desnu nasce com a proposta da arte vista de baixo. Queremos descolonizar nosso olhar sobre a arte, sobre quem pode produzir, quem pode consumir, quem tem acesso e virar o conceito sobre o que é artístico. Temos como proposta das práxis de algumas correntes teóricas que não necessariamente dialogam entre si; que possuem seus tempos, geografias, demandas, opressões, históricos e particularidades específicas, mas que possuem certas similitudes em suas diferenças. Somos influenciados

pela concepção pós-estruturalista de que os indivíduos são vários em si, de que são dotados de múltiplas facetas identitárias. A complexa teia interseccional produz indivíduos que oprimem e são oprimidos em diferentes instâncias em suas existências. Bebemos e jantamos com os Estudos Culturais, Estudos Subalternos, Estudos Queer, Teoria Feminista e Giro Descolonial. Desejamos produzir um material gráfico de símbolos e produtos subalternos, de culturas que resistem opressões. Não desejamos forçar alguma falsa conversa entre as teorias e os povos que as produziram. Desejamos produzir arte subalterna. Nós, que nunca falamos. Nós, que falamos pouco. Nós, que gritamos e não somos ouvidos. Nossos traços artísticos que foram silenciados, nossas performaces que foram oprimidas, nossas músicas que fo-

ram domadas. Nós, estranhos, poligâmicos, infiéis sexuados. Somos putas, somos viadas, somos mulheres, somos gordas, somos bixas, somos colônia, somos cu. Somos o feio que você insiste em não querer se relacionar. Há sangue em nossa garganta e há muita sede em nosso coágulo para mostrar nossas identidades. O belo, meu bem, ah, o belo somos nós, os abjetos. Desejamos que cada pronome ‘o’ generalizante e masculino que cerceiam o pensamento no tecido escrito gangrenem e se putrefaçam A dificuldade em produzir uma escrita não generificada, ou ao menos não masculina, foi uma escolha editorial difícil. Tentamas feminilizar, tentams omitir pronomes, tentamxs neutralizar. Em todas nossas tentativas a leitura e compreensão perdeu força porque nossa leitura está masculinamente colonizada.

Optamos, portanto, deixar que “O neutro” invisível, irmão do belo, se mantenha visível para que olhemos para ele com maus olhos e que nos dê força e raiva para produzir mais arte (in)subalterna. São contra eles que dedicamos esta revista. Contra eles, que amarram o livre pensar e dominam a fala, a escrita, a arte, o gosto e o gozo. Dedicamos as produções artísticas ao Subalterno, à Ranajit Guha, Gayatry Spivak, Dipesh Chakrabarty. e tantos outros que no sub-continente sul-asiático questionaram o colonialismo teórico dos grandes centros e deram voz aos silenciados pelo poder hegemônico e usaram o termo subalterno, do latim “aquele que depende de outro: pessoa subordidada” para denominar suas produções teóricas Estudos Subalternos. A expressão começou a ser usada em 1970 na Índia para se referir a gru-


pos marginalizados por causa dos seus status sociais e reescreveram a história da Índia colonial sob o ponto de vista dos vencidos e influenciou o pensamento de outros centros. Como Spivak nos induz a pensar, o teórico não representa o ‘falar por’ dos grupos oprimidos. A Desnu não deseja falar pelos grupos dos quais sua editoria não pertence, ou ser uma nova colonizadora que escolhe quem pode falar, mas produzir um material em gráfico em que os indivíduos - afinal é sobre a individualidade que reside todo nosso propósito, fale de si por si em suas produções. Graças à Spivak, brota uma reflexão: seria a nossa curadoria uma prática de escolher quais subalternidades poderão se expressar em nosso espaço gráfico? Ao nos depararmos com esse questionamento todo nosso trabalho se viu ameaçado de 6 |Desnu | Nov/Dez 2018

desmoronar e cair por terra toda a desnudação que pretendíamos fazer verter. Como produção em comunicação não podemos ignorar nossa potencialidade de visibilizar identidades, e visibilizando, invisibilizando outras, percebemos que somos atravessados por diversas subalternidades e jamais por todas. Desejamos, portanto, dialogar com nossas irmãs. De subalternas a subalternas, sejam bem-vindas ao nosso manifesto artístico. Dedicamos as produções artísticas ao Girado, o Giro Decolonial ou teoria decolonial que trouxe luz ao pensamento afrodiaspórico e racismo presente no pensamento colonial. Sobre ele buscamos fugir do eixo de produções artísticas europeias e estadunidense. Retiram o véu da cegueira artística que o pensamento colônia nos confere, e dedicamos nesta edição a X Bienal de Berlim que

sob curadoria de Gabi Ngoobo desconstruiu a história da arte oficial pintada por homens brancos supostamente cultos. Dedicamos nossas produções ao Estranho, ao estranho queer, que nos fortalece na luta contra o recrudescimento do conservadorismo. Que traz as discussões sobre sexualidade e os que não nos ouvem defendem suas crianças com uma ignorância de inquisidores que nos queimam. Nos fazem arder em brasa e morte o país que mais mata a população LGBTT+ do mundo. Seguimos resistindo e sobrevivendo. Dedicamos as produções artísticas aos Estudos Culturais que conferem uma teia de reflexões a cruzam pensamentos, identidades, existências e campos teóricos da comunicação, sociologia, filosofia e antropologia. Dedicamos as produções artísticas a todos, todas e todes que resistem, cada um a sua

maneira, cada um na sua luta, aos ataques cada vez mais fortes à diversidade da nossa própria existência. Desejamos a você uma excelente leitura e incômodo sobre as opressões diversas. Desejamos uma coalizão entre a teoria que nos provocou as reflexões e as produções artísticas da vida real, porque sem a práxis, sem a carne, as reflexões nascem e morrem em si. Desejamos desconforto aos pensamentos opressivos que nos atingem e por fim, afeto para seguirmos produzindo, existindo e aprendendo não transformar nossas diferenças em desigualdades. Coalizão frente o recrudescimento conservador, desconforto frente o que provoca desigualdade e afeto frente nossas similitudes. Boa leitura! Os editores.



SUMÁRIO EU NA ARTE 10 BAUHAUS COMPLETA 100 ANOS 14 X BIENAL DE BERLIM TRAZ OBRAS DE ARTE NÃO EUROPEIAS

CRÍTICA 38 CADE O TEXTO QUE ESTAVA AQUI? 40 CENSURA P(ARTE)

AR•TE SF 24 SABRINA RODRIGUES 28 NAYMI DABBOUS


CRUZA QUEER 32 JESUS É TRAVESTI

18 BORA CRUZAR NOVOS HORIZONTES 20 CONSUMO DE LIVROS NO BRASIL


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S U A H 0 0 1 NOSBAU A

ões cepç n o c gar ropa al. p r o loc la p esco udar de a r i u eg em as pers teve qu ip l in a c s u i o a d l sco meç enge to de uele ades de gres, e co que a e r q e s d e id po nta , o in itom o vers miu o ção foi ta d o c it a s u n i a s . A s s i m e s c a l a , r u s s u i r a e i o r u r e m e r u l g e i m itl de ob ad se as lo ia br nderia s or e am ética’, o pe a arte e o H s. A per r d u a a h q i n c st a da apre ue n c is a um a e b r a, époc nera s, infl ropunh o cotidia sado uz, som eligênci us. Depo s u i p Era a as dege p o t e i l o r n p e e , i d ‘ G e s nt ic er mo as Gro , qu i ci a su a por os já in com s t ernismo ue torn is coere deartíst orto o S a q s ado ci a m

d a l i ci a l cord ra o us as m siona s se term ríodo in inas de a ades pa func s pesso atende de indu e d a a i c p l e e d i fi d b o s s ie o do no iam ses e ha aos seu de nios uma soc rr a ilhõ rentas h l o e e e m o u d m d c r z s G s ão e De sang rimeira período ro- ha ndas de guerra. ulas de ras e us intere inuidad ? Soluç cola s a t a b p l a i u a e n E g es s m s ós pe eo na um m co etodolo ntra da e à anos , do p inistrada álises d a croe das ltaram d i r l co n a z a a i d u co l n a r d i t d m an A m Um m s d e da s ori ter ha dos su . , Lin ons , s o e e s s t o fi ã r u m a o iu , c v a o a i h Er el rop Comm an dial sez e nalít mestres teriais e a- tud lemas. odos os dentro m te r G e s sem Alem s e b e t ho a Wal Creative , e esca 1919. A ada se a berante a sen randes s de ma rentes m o pro ido em uição. D ue pod ria s . u 8 r g u o e n d ti it e s Ho io sq , 193 pa d quase gular, ex se ves is dos a, estud com dif , estofa - inse da inst voze ara a ma stó- Gropiuachusetts Flickr. m o n c e m i t n s a e a e cre ecoav 20 e na, reta éco qu acessív e mát criativa madeir ura de as p pela hi us MassLei Han em s D ofi t s e ci d n e . va à ada Art aros e i la fome , cina s como a estru em esc n. sala esconh cionado ente s o- 2.0 fi t o m d i c e m i c s g a a n i a u r p s e i e t s s f i a r t r e e o e e s e ra o ria do en an l ic - t ou d as c esm e is . A s ol a ço. E eis t a púb mate em blico de bril do m impavam s ou a nunca v ura, arte or um p i- do a arte, m onhecív ú a p ir a o r, l rec itet ad ci p l ao p ão. Em eima m cade us sin de arqu assavam em dis em ri ços são W ç i e p n r a a p r s o r a la in a co e d rrastav nos r aç ã ress reci- t ioo i dad s alu e prepa s de ing a d e d s p r im e O n a c es a s, a p a o d te g s o m s an s , al avam ou a e ria ío d o se cion e receb ue mud n. A r s básica ialidade e l e c u g na es aq D esi esp e nte q ss co l doce unos à e sino do manife l- suas n l a ros a as de e u de um iteto W i c u i g t r q ar p r á a u s su pelo Bauh duzido ro to p

m EIRO ados s proMED d l O o G s a e ut DIO d is p Mun es d

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ki e d i ns o n a K c ân mo s co outros u meo d i e r o ec , ent los res, onh es c er Rohe são flo , triângu a r o t u o s in d or p van em tud círculo começo ea s p o Mi es n o m d a o l m a o r c m co ã co i n is t es co lem c as er, e a es las m uiteto a dial. Ma as bási arelo, u o pod s degen o u a c ã i m i a n q i a r r a ç t u c c m a lo oe t al a mé ere t ís t i s su em la of Klee, pe a da art as geo vermelh Hitler a ções ar sau, ins s m i l Pau a histór são for de azul, a que o concep para De evec o r d i o s a d lhe r ono s p n f g u o t é a o l a t ne l u p a ee em pro o tít os c Era , nem lhor drados ições. ola por ensa qu omo ndiram todo, e c s u t a u a c n g e qu r perse uir a es oi tão i 1936. ndo s dif ia, m as e f e istór fessore e do mu plificad log m o h e e ã s a r ç sofr a i o t s pr had e gu a pe e um ma fi s sim e ar çou . A pers a, e fec aturo d mas seu ntros d has mai do de u enciad s e i n u m , n rada conhec fim pre fechou ersos c o em li os fala etos infl a cotij v n m i o a r s l b a i vid o ima cia ser A esco o em d mode nal est dos ara a ras arqu n a e fi p . t r i m g a i s a e o s i s t f o – P l ra r u e t p a o u a o d t u ro a tr çã te não funcion nou o odu trial. A p xessem bém es a arqui uma r o p lou, i o e c er sd ou olu ão am dus zão ceito ela rev ssíveis d tatus in s que tr mas e t essa ra ou-se n stética s o a c r a m t i s p c o u p du ao de e s, ioass bjetos deix de pro as, sofá ônico e lismo. B te que is func o o ã a t a r é r i s. a e n em que n s t m e e i o art ma nci ign hau rqu cad sofia ela Bau inárias, l foi o a pelo fu r, mas u o o des ória das versos t i e a ic p ra dos em lum ixo cent uenciad no de s o Atlânt o na his zadas d uhaus: i d a a l a i fl e u a n a s n B o g a e dia icas. O é tão i parn m naveg u seu le serão r ades da . o n l X i ô t t i X o s la id te o ss eu ao e s tom esco cipais c m mus til. A écul do s ela arte fosse ú Bauhau nos da u in r e p d p e a a três ur a arte ida e qu ativo, e os 100 nas a ab e r t s r a n e o fi ec ão de siçõ re eles ue d o r aç xp o nal q comem ais e e lim. Ent Em s, festiv u e Ber to sa even ar, Des m i e W

EU NA ARTE

o serid tra in man escola. da s. Um ema oncreto robl de p ãos de c ção v Solu dos os o em t

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dad e ativi á-la a rn o da de t ão. Ado obre o m ç i t u l a is n e s ns t r mú “O fi a é a co tarefa m ponent a om tic etu plás utrora, ticas, c rquit ma a o a s era, rtes plá a magn tram nu ua d n g das aráveis se enco ncia sin és ê i p a s c tr v inse je, ela tossufi rão a nta e o a u t H r a u be ra . de conj se l i ç ão si o situa qual só atuação s profis oa o e ult s lar, d nscient todo es e esc coe o d c r a ra to da enad tos, pin te chega rutura d r o co uite amen r a est v seu . Arq nais vem no preende ão em ão e t ç res d r e com constru s; só en el e a e c p t d nh e o rm e par ra vez se t if ua s t e u s l u o u m oq e m s t a r ão c i e n ô todo obras e arquitet . o o su a s o e s p í r it d e s a l ã e d t r nas u na a e perd


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em aus auh B e , CC S e d au . Zan s Des Steffen ain em : Foto c Dom li b u P . ere iogo M h x p o: D ã ç i Ed

ar da p a rtev r ao a fense ços. r o a c n i r a di e fic tes ser v os reto nhuma d do a d m i n abil excele s deve o há ne levação m h a e su o alé s t ar todo ’. Nã ma e z qu ode pre ntores, ofissão ista é u ue estã e, ene v t r i t a s, p e ar o ar luz q Aí or p de p , um arte anal, on scultore ‘arte p rtesão, ntos de obras d artista. e a o e e t s e arte uitetos, ão exis rtista e s mom tement ara tod ma Arq , pois n l entre a em raro onscien nsável p s, se aro a , c o e i t a ã n c a p i s n tre rte sen ça divi rescer s an n d is . a es r’ é i de a ulho en nova o a renç ão, a gr e, faz fl er faze artística ração a g r o b d e o juntos arquis arte a vonta e do ‘sa criação va corp muro d : s a o m s o erm u e de s to, a ba fonte d , uma n ava um os, crie única fo s de art a i n r o a o m a m a t c ã t e m nt eu tre um ntra portan a que inve s de nco no d do n t se e emos, clusivis ejemos, ixará tu milhõe cristali Form ncia ex s. Des ue enfe eita por ímbolo ,f st a gâ os ,q arro s e arti futuro ura que s, com t o u o n d é ã i sc tes rução ep i a ao tura st con , escul á um d r ra tetu se alça ura.” , o s são fé vind nova us ropi 1919 ter G abril de l a W , ma r Wei

es intor por p adas . nistr aul Klee s mi aula inski e P ecia ofer mo Kand cola A es cidos co e conh

foarte nie d l as sa u esco criar es to ser s a g i e d nt , v is As a capazes oderiam ensina? p in s. se ram e como ue não r oficina , r e q e a s d da se r a o is a te c m volta senhista orienr a a e deve de d , tornar a ando Elas mundo u m r fi o. Q t iEsse deve, po onstruçã r pela a o s c a m m a t o o t is para sente a eçar c em e s e r m u ag o ta em q ástica c aprendiz oduv o j r o pl p el a ’ im p de avida mente, o ‘artista do futur a a a , g i n o t i de an í ci o d f íc m o ará con to exerc u e d fic mple n ão tivo e ao inco t men

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EU NA ARTE

X Bienal de Berlim traz obras de arte não europeias Com o tema “we don´t need another hero” artistas desconstroem a história da arte feita por homens brancos. DIOGO MEDEIROS

Em 1986, Tina Turner levou para casa o Globo de Ouro na categoria Melhor Música Original com a canção We Don’t Need Another Hero (Nós não precisamos de Outro Herói). Vinte e dois anos depois, o refrão foi o lema da décima edição da Bienal de Berlim. A capital alemã recebeu artistas que desconstroem os capítulos da história da arte oficial, escrita, esculpida e pintada por homens, brancos e supostamente cultos 14 |Desnu | Nov/Dez 2018

Assim como a canção, a bienal rejeita anseios por um salvador. O evento recebeu mais de cem mil visitantes e 150 obras em seus três meses de exposições. Gabi Ngcobo, que já foi cocuradora da Bienal de São Paulo em 2016, escolheu o time de jovens curadores não europeus envolvidos em questões como pós-colonialismo e descolonização, que buscam reproduzir, através das produções artísticas, narrativas não eurocên-

tricas e a disseminação das culturas do continente africano e das populações afrodiaspóricas. Desde os anos 2000, Ngcobo esteve engajada em projetos colaborativos e curadorias na África do Sul. Ela leciona na Wits School of Arts, na Universidade de Witswatersrand, SA, desde 2010. A proposta dos curadores é a de fugir da operspectiva ocidental branca sobre o continente africano e que os artitas falem por si


mesmos em seus traçoes e emoções., uma recusa à sedução de narrativas históricas que apagam as identidades sobre quem pode produzir arte. Essa construção de narrativas afeta nossa autopercepção como sujeitos produtores e não produtores de objetos artísticos que ao longo de toda a história da arte foi eminentemente europeia, branca e masculina. Yvette Mutumba, curadora da bienal, revela em entrevista à DW a escolha editorial do grupo de evitar usar termos como diversidade, multiculturalismo, pos-colonialismo ou África em seus textos, para que os artistas possam se expressar em suas sutilezas. Compuseram o comitê curador Krist Krist Gruijthuijsen, Vasif Kortun, Victoria Noorthoorn, Willem de Rooij, Polly Staple, Chisenhale Gallery, Philip Tinari, oriundos de Berlim, Istambul, Buenos Aires, Frankfurt, Londres e Pequim, respectivamente. Os artistas exibidos foram Agnieszka Brzeżańska, Ana Men-

dieta, Basir Mahmood, Belkis Ayón, Cinthia Marcelle, Dineo Seshee Bopape, Elsa Mbala, Emma Wolukau-Wanambwa, Fabiana Faleiros, Firelei Báez, Gabisile Nkosi, Grada Kilomba, Heba Y. Amin, Herman Mbamba, Joanna Piotrowska, Joana Unzueta, Julia Phillips, Keleketla! Biblioteca, Las Nietas de Nonó, Liz Johnson Artur, Lorena Gutiérrez Camejo, Lubaina Himid, Luke Willis Thompson, Lydia Hamann e Kaj Osteroth, Lynette Yiadom-Boakye, Mário Pfeifer, Mildred Thompson, Mimi Cherono Ng’ok, Minia Biabiany, Moshekwa Langa , Natasha A. Kelly, Okwui Okpokwasili, Oscar Murillo, Özlem Altın, Patricia Belli, Portia Zvavahera, Sam Samiee, Sara Haq, Simone Leigh, Sinethemba Twalo e Jabu Arnell, Sondra Perry, Tessa Marte, Thierry Oussou, Tony Cokes, Tony Cruz Pabón e Zuleikha Chaudhari. A seguir, confira a história e um breve perfil de duas artistas presentes no evento.

GABI NGCOBO, CURADORA. FOTO: MASIMBA SASA

KW Institute for Contemporary Art Foto: Frank Sperling Desnu | Nov/Dez 2018 | 15


Agnieszka Brzeżańska

Exposições 2018 X Bienal de Berlim 2012 Back to the Garden, Galeria Klamm, Berlim, Alemanha. 2011 852 Hz, Michael Benevento, Los Angeles 2010 Galactic Resonance, HOTEL, Londres, Reino Unido 2009 528 Hz, Karma International, Zurique, Suíça.

Agnieszka Brzeżańska. FIRST SPARK, 2014. Foto: Keizo Kioku.

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Nascida na cidade polonesa de Gdańsk a artista combina temas ,como corpo, mente, percepção, espiritualidade, ciência e filosofiaa em suas telas, vídeos e fotogragias.. Agnieska também retira da academia, inspiração para suas produções como, por exemplo, a discução filosófica de que a frequência de 528 Hz, a frequência-Solfeggio, exerce efeitos curativos ao DNA humano, e transporta a discussão com sentimento para seus trabalahos. Formas abstratas, traços iconográfico, materiais organicos e natureza são elementos e fontes de recusos para a artista, que se manifesta majoritariamente com traços círculares O quadro à esquerda é uma pintura acrílica em MDF medindo 56,5 centímetros por 41,5.


Belkis Ayón (1967-1999) Belkis Ayón Manso foi uma artista cubana e seu rabalho influenciado pela religião afro-cubana permeando em seu trabalho uma denúncia à misoginia da Sociedade Secreta Abakuá e o mito de Sikan em seus traços e elementos pessoais, recriando o mistéio e beleza dessa comunidade. Belkis, em seu caráter amoroso e sorrisos em quase a integralidade de suas fotografias permeiam um mistério que ninguém se atreveu a desvendar sobre os motivos que a levaram a cometer suicídio aos 33 anos, A sociedade secreta de Aba-

kuá e uma comunidade religiosa restrita aos homens.Seus membros são chamados de abakuá ou ñáñigo e tem por base a lenda da princesa Sikan. De acordo com a lenda, Sikan encontrou um peixe sagrado chamado Tanze, que fez com que o pai da princesa se tornasse poderoso, com a condição de que ela nao revelasse o segredo. Ela contou ao seu marido e foi condenada à morte. A sociedade se originou no sudeste da Nigéria e sudeste de Caparões e seus membros adotaram o leopardo como símbolo de cora-

A imagem de Sikán é evidente em todos esses trabalhos porque ela, assim como eu, viveu e vive dentro de mim em inquietude, insistentemente procurando uma maneira de sair” Gabi Ngcobo.

Belkis Ayón, La consagración, 1991, Foto: Jose A. Figuerdo

gem masculina em guerra. Há quem diga que Belkis reproduziu seu próprio rosto nas pinturas e que se transformou de certa maneira em Sikán em seu trabalho. A artista tinha como compromisso a reivindicação da mulher na sociedade, que acabou toman-

do-a como mensageira de sua cultura através da arte. Seus traços possuem uma elegância e caráter classicista em imagens pictóricas de pose. Antes da sua contribuição, o tema tinha sido pouco tratado na arte cubana e sempre por homens.

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CRUZA

BORA CRUZAR NOVOS HORIZONTES Já deu uma olhada em algum produto cultural fora do comum hoje?

IROZUKU SEKAI NO ASHITA KARA Ou em português “Iroduko: o Mundo em Cores” é uma animação japonesa, ou melhor dizendo, um anime, e conta a história de Hitomi Tsukishiro, uma adolescente que vive em 2078 em um mundo onde existe magia e bruxas. Ela por sua vez é descendente de uma família de bruxas, mas devido a algum fato em seu passado ela odeia a magia e vê o mundo em preto e branco, literalmente. Vendo o sofrimento de sua neta Kohaku lança uma magia que leva Hitomi para 60 anos no passado para que conheça sua versão adolescente, e quem sabe, mudar a vida da neta. Essa animação levanta diversas teorias sobre a relação tempo/espaço do mundo e do por quê Hitome teve que ir para o passado. Além de ter diversas discussões sobre arte, fotografia, depressão e amizade em sua trama. Em quase todos os momentos o anime consegue expressar as mais diversas sensações de forma clara, mas em sua maioria prevalece a sensação de nostalgia. A animação conta com 13 episódios e foi escrita por Yuuko Kakihara, dirigido por Toshiya Shinohara e produzida pelo estúdio P.A. Works em outubro de 2018. Com esse enredo estranho é impossível não ficar curioso por essa animação.

Foto: http://iroduku.jp/

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BATTLE ROYALE Quase um clássico de ficção japonesa, Battle Royale foi escrito pelo jornalista e escritor Koushun Takami e lançado em 1999, Battle Royle conta a história de 42 estudantes do fundamental que foram levados para uma ilha para participar de um jogo de sobrevivência com lutas até a morte. Parecido com um certo livro americano famoso lançado um pouco mais tarde, não? A diferença é que Battle Royle contém muito mais violência e mergulha mais na história de quase todos os participantes do jogo, atingindo o psicológico de quem lê. Já Jogos Vorazes, o livro com a premissa parecida, foca muito mais no romance dos personagens. Continuando, a história se passa na República da Grande Ásia Oriental, um país totalitário e isolado do resto do mundo. Lá, é extremamente proibido qualquer material e objeto que venha de fora do país e até mesmo a internet é limitada. Mas, mesmo assim alguns de seus cidadãos sonham com coisas do estrangeiro. e esse é o caso de um dos personagens com mais destaque no livro Shuya Nanahara, que ama música e tem o sonho de ser guitarrista em alguma banda de rock (que é proibido) Para quem gosta de livros com uma trama mais psicológica e sangrenta esse livro japonês está muito mais do que indicado e para quem não é tão chegado a ler Battle Royale também conta com um mangá e duas adaptações cinematográficas. Foto: Editora Globo S/A

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CRUZA

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Fotoi: Universidade de Brasília

su a na velva gem sur m, pro ens e s Be ore hom s so aut ssis? tores que i im s i A r s i q u a d o d e e s cr o u p o , m a s a . s t i m o a o r n livr Mach a fora ergu es nã histó ônr m ç p a ? e e e ud d n e os Marti a cab ê já s s mulh ongo ar pse omes m . l u a c s ren f al ge ao R.R eu ms tora , vo do orge ram e . Mas escri eram m qu e sob owlin ue n a R r e Qu a? G e vie ancos lta de s sof a tere iciais J.K . ras, q es in sa re ito fa eç er qu br r as cab te os ente pela mulhe auto s suas a ingle as ed mulh n d é s r s me avelm Não o que iversa pena scrito elhos am à v a ? pro ntece onceit vou d erem osa e cons endav e t l o c a c e o u f m vido a ecom r a so is m oa r op e pel mach culino , com rria d livro o a o r O ma s c a tu so o s in a p ar i m o o a s s t r a s . I s n ci a l . com tas ou pote nero i ê m u g u m do seu ven onder es c

Conceição Evaristo. Foto: Cultura de Red.

O CONSUMO DE LIVROS NO BRASIL

Mas esse não é o único preconceito que escritoras sofrem, caso elas sejam negras e de classes sociais menos favorecidas elas são ainda mais marginalizadas. Por exemplo, na Academia Brasileira de Letras que tem por objetivo o cultivo da língua portuguesa e da literatura brasileira em seus 121 anos de história só teve cinco mulheres como membros efetivos. Em tantos anos de história apenas cinco mulheres tiveram o “mérito”, como qualificam os membros, de poderem ocupar esse espaço? Mulheres como Conceição Evaristo que possuem uma trajetória maravilhosa e obras fantásticas sobre temas marginalizados continuam sem seu devido reconhecimento.


60% dos autores são homens

45 %

dos autores são norte amerticanos

Rupi Kaur reading from her book milk and honey in Vancouver - 2017.

M NÃ ULHE O R SÃ BRAN ES OA CA ME S QU S APA NOS E NA R S L ECEM LIV ISTA R S VE OS M DE ND A IDO IS S

Com base na pesquisa da Veja, em analises fornecidas por livrarias e no desconforto causado pela falta de representatividade feminina e de minorias na literatura analisamos os autores dos vinte livros mais vendidos no Brasil em 2018 e descobrimos que:

l si a Br res no lhe s u do m i nd por e sv s ai rito m sc s ro e il v am 0 for 2 os s 7 e tr na n E pe a

90%

dos autores são brancos

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ARTE SF As mulheres artistas foram apagadas da História da Arte brasileira até o século XIX. Só no Modernismo se deu início a uma incipiente mas nem perto de equinânime visibilidade. Anita Malfatti foi severamente criticada pela representação da sexualidade em suas obras numa sociedade que esperava pinturas de mulheres contivessem temas religiosos e paisagens sem graça.Ser mulher é enfrentar opressões, inclusive no trabalho. A sessão Arte sf é um espaço de visibilizade de artistas mulheres. Nesta edição você vai conhecer o trabalho das catarinenses Sabrina Peres, que fotografa mulheres proporcionando a aceitação dos seus corpos, e da Naymi Dabbois, que trabalha com pinturas faciais. Desnudarte | Nov/Dez 2018


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AR•TE SF

SABRINA RODRIGUES

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Fotógrafa se especializa em fotografia sensual de mulheres como combate à pressão estética

Sou Sabrina Rodrigues, tenho 20 anos, sou estudante de Publicidade e Propaganda e trabalho com fotografia sensual. E a minha maior alegria é ter clientes dos mais diversos modelos de corpo, cabelo, cor, pele, etc. Sempre corri em busca da minha autoestima, e quando alcancei isso, vi que podia através do meu trabalho, fazer com que outras mulheres se amassem da mesma forma que eu. Dessa forma, entrego a fotografia sensual como um empurrão para todas aquelas que querem se ver e se descobrir de uma forma incrí-

vel. Assim, fotografando desde mulheres muito magras a mulheres mais gordas e mostrando que isso não é impedimento nenhum para ser bonita e sensual. A pressão estética está em nós desde pequenas e precisamos entender que ela não pode nos limitar a nos amar. Quero mostrar ao mundo o quanto, nós mulheres, somos diferentes e com belezas únicas. Registrar diversos corpos através da fotografia sensual, é uma luta por liberdade pelos corpos não enquadrados.


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AR•TE SF

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Fotos: arquivo pessoal Sabrina Rodrigues Desnudarte | Nov/Dez 2018


AR•TE SF

NAYMI DABBOUS Sou estudante de Artes Cênicas na UFSC e tenho 24 anos. Sempre me dediquei muito às artes, criando quadros psicodélicos, pintando camisetas, tocando violão (pintando o violão), cantando e performando; mas onde eu realmente me encontrei foi no mundo da maquiagem artística. Fiz uma disciplina, na faculdade, de maquiagem teatral e desde então me apaixonei por isso. Comprei todo o material que achei e comecei a assistir tutoriais no youtube e fui treinando em casa. No último ano comecei a trabalhar, de fato, com isso. Convidei pessoas diferentes para serem modelos e falei com fotógrafos para criar uma parceria e fazer

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portfólio, participei da direção de arte de algumas peças teatrais, trabalhei com pintura facial em festas infantis e em festas no geral. Recentemente, criei um canal no youtube para divulgar o meu trabalho e, principalmente, para aprender mais com as pessoas que estão ligadas a essa rede. A arte me move, não me vejo fazendo nada além disso, para mim o significado da vida é a arte, é o criar e o compartilhar. Pretendo seguir nessa busca incessante de atingir um estado maior que apenas a arte me possibilita, sempre tento melhorar mas sei que nunca chegarei ao fim, a busca dos saberes é inesgotável, sem limites.


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AR•TE SF

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Fotos: arquivo pessoal Naymi Dabbous Desnudarte | Nov/Dez 2018


JESUS É TRAVESTI O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, monólogo da atriz Renata Carvalho, foi aplaudido de pé por quase 600 pessoas no auditório Guarapuvu na Universidade Federal de Santa Catarina. DIOGO MEDEIROS


Foto: Henrique Almeida


ARTE QUEER

No dia 30 de Outubro a peça O Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu foi apresentado no auditório Guarapuvu, integrando o calendário da terceira Semana de Arte Experimenta, promovida pela Universidade Federal de Santa Catarina. Na cerimônia de abertura, Maria de Lourdes, secretária de cultura ressalta o papel da arte em tempos de cerceamento da liberdade de expressão. “Nesse ano pensamos em discutir a censura na arte e a questão de genero. Não poder falar sobre isso é simplismente uma volta à ignorancia, ao misticismo e à barbárie. O que está em risco é uma série de direitos que consquistamos nas últimas decadas. Direitos à livre expressão, direito da populacao LGBTT de serem aceitos e de terem visibilidade, 34 |Desnu | Nov/Dez 2018


direito às mulheres. Penso que a arte e os artistas têm um papel importante nesse novo momento, que é um papel de resistência.” .

Seja uma verdadeira criança. Elas abem o que fazer. Talvez por isso temos tanto medo delas.

do à peça - ou à tenha com véus estigmatizantes sob os olhos. A referência ao ‘O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, livro do escritor José Saramago que foi laureado em 1998 com o premio Nobel de Literatura reescreve a história de Jesus sob uma ótima humanizada.

Quando quando falamos ‘Jesus, As palavras de Maria de Lourdes trazem um estado de espírito animador ao público e também dizem respeito à tragetória profissional, pessoal e política de Renata Carvalho. A peça, encenada no dia 30, foi censurada em sua estréia no Rio de Janeiro e também em Pernambuco. Há registro de que em algumas cidades o evento só aconteceu com medidas judiciais. A dramaturgia foi escrita pela britânica Jo Clifford, mulher trans, e os protestos também chegaram ao outro lado do Atlântico com protestos e cartazes dizendo “Deus: meu filho não é pervertido”. Uma pena, no entando, que o público que acusa não tenha assisti-

travesti’, as máscaras caem

O monólogo é uma releituras da história de Jesus Cristo mais cristãs escritas e performadas. Seria realmente valioso ao público que destila ódio sem interpretar, sem reconhecer, sem qualquer esforço para retirar as máscaras do preconceito. Renata é travesti e isso aparentemente é o suficiente para gerar o ódio e as tentativas de censura. Durante o espetáculo a atriz indaga sobre os ensinamentos cristãos:

- E se eu não suportar o próximo? A reflexão traduz a realidade de uma brasilidade preconceituosa e que mata a população LGBT, cerceira sua liberdade restringindo seus espaços públicos e privam seus afetos. A atriz atravessa a platéia com uma lata de coca, segura uma maleta branca em sua mão e somos convidados a imaginar o retorno de Jesus nos dias atuais como uma pessoa trans. Nada

mais coerente. O personagem bíblico sempre defendeu e andou com as pessoas marginalizadas e subalternizadas. No Brasil uma pessoa trans foi assassinada a cada 48 horas de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais, Antra.. Mas parece que o amor ao próximo deixa de existir quando o próximo não é cis.

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ARTE QUEER

O público A peça foi aplaudida de pe por vários minutos. Ao final, a atriz convidou que todas as pessoas trans que estavam no auditório subissem ao palco. Confira a percepção do público sobre o monólogo. “É um resgate à essência do cristianismo que é valorizar o pobre, as minorias. É como se fosse um resgate do cristianismo tradicional e de como ele se perde em época de ascenção do extremismo religioso. Me pareceu retomar a essencia do que é ser cristão, da imagem do que jesus seria hoje. Mostrar a inversão de valores: os valores cristaos se transformaram em tu seres heterossexual, de classe média-alta e ter uma imagem de boa pessoa mesmo que tu sejas tudo o que Jesus mais aboninava. Essas pessoas muitas vezes são melhores do que as que se dizem cristãs. Um resgate à ideologia do amor.”

“A personagem era uma mulher trans se colocando no papel de uma divindade, e veio para nos mostrar como a história é parecida com a de Jesus: ambos sofreram injustiças, ambos são julgados e condenados, pelo homem que não aceita o diferente, não aceita o que não pode ter sob controle. Muitas vezes esquecemos como é importante amar o próximo e como o mundo nos deixou egoístas. A peça tem uma mensagem de esperança e de luta, sai inspirado, sentindo que nem tudo está perdido, temos que ser vistos e respeitados, lutando e sendo quem somos verdadeiramente.”

Daniela Muller, aluna de jornalismo.

Yago Jasper, aluno de arquitetura.

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Subversão queer

Arte cu, Queer art, estranha, viada, subversiva, gay, sexuada, bixa. O queer eclode pra não se encaixar em propostas de movimentos literários, teóricos ou artísticos. Há uma discussão sobre sua pertença à um grupo, alguns preferem jogar o substantivo teoria no porão da academia e usar estudos queer porque em seus eixos fundantes há o não pertencimento, uma liberdade que foge às correntes e caixas normatizantes. Paradoxos à parte, a estética queer tem algumas viradas e similitudes que provocam reflexões importantes. A arte queer recusa seu lugar no nu-poético-artístico. O queer está sempre cru. O queer quer uma nudez conceitual indomada. Talvez o queer seja de comer; a não ser que ele diga, porque então ele já deixou de ser.

O museu

O termo era relativamente desconhecido fora do ambiente acadêmico até o cancelamento da exposição Queermuseu que aconteceu entre agosto e setembro de 2017

em Poro Alegre, patrocinada pelo Santander Cultural O cancelamento das exposições foi resultado de protestos de religiosos, em especial os católicos, e de movimentos conservadores como o Movimento Brasil Livre. Os ataques à exposição foram de apologia à pedofilia, zoofilia e vilipêndio religioso. As discussões que circundam o cancelamento da exposição reacendem discussões que envolvem a censura artística, do livre pensamento e do que é permitido ou não na arte. Em meio ao retrocesso e brasas que reacendem as antigas fogueirias de caças ás bruxas medievais que já bruxuleavam antes do ataque, o termo queer como intervenção cultural saiu das universidades ao trend topics no twitter. A exposição menos vista e mais atacada trouxe ao conhecimento superficial sobre o queer. O estranho e temido queer. O que hoje chamamos de estudos queer, teoria queer ou teoria cu é um impulso crítico à ordem sexual da contemporaneidade e a hipótese mais aceita entre os es-

tudiosos é a de que tenha suas origens em meio aos ajulejos coloridos dos anos 60 e do movimento de contracultura, os novos movimentos sociais. Os “novos” movimentos foram assim batizados por um eurocentrismo que considerou como movimento social apenas os movimentos operários das sociedades industriais Ocidentais. Não estavam incluídos nessa lente economicista nem o movimento feminista de segunda onda, nem o movimento homossexual ou o movimento pelos direitos civis da população negra sul-estadunidese. Esses três foram os responsáveis por, dentre outras pautas, levantar o corpo, desejo e sexualidade para as discuções que sempre se jogava para dentro do armário das discussões. O sexo precisa se desvincular da obrigatoriedade da procriação. Libertem seus sexos, amarrem seu racismo e desfaçam os nós do seu sexismo. Apesar de em português a palavra parecer imponente ou respeitável, sua etimologia reflete luta,

apropriação e subversão. Queer é em tradução livre ‘estranho’, ‘esquisito’ e foi vinculado com conotação pejorativa, ridicularizadora e punitiva aos grupos homossexuais. A apropriação do grupo à palavra como força produz uma ressignificação que chega ao nosso idioma sem estranhamento. Chega higienizada. Por isso alguns teóricos preferem Estudos/Políticas Cu, Transviada, mas ainda não traz todos os aspectos formadores. Cu retira o escopo asseado que o queer recebe, mas nessa ressignificação se perde o histórico de apropriação do xingamento. O segundo paradoxo à teoria permanece aberto, mas a adjetivação não é o que traz significado ao movimento. As políticas produziram produções artítsticas riquíssimas. Inspiradas pela corrente pós-estruturalista, que questiona a alta cultura e à quem ela pertence, as produções artísticas queer estão impregnadas de provocações e questionamentos em seus traços e movimentos.

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CRÍTICA

CADE O TEXTO QUE ESTAVA AQUI ? DIOGO MEDEIROS

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A saudade é um sentimento devorador que vem de mansinho e se instala nas mãos quando friccionamos a espuma do xampu. Ela vem em miúdas doses, tão pequenas e minguadas que nem aparece no rótulo das composições químicas. Quando teus olhos leres geranol, precisarás de outro par de óculos para compreenderes a composição da saudade porque a letra vai ficar ainda menor. Eis a estratégia da saudade: a cada banho se instaura um pouco dela dentro de si. Sem perceberes ela entrará pelos teus ouvidos e tu sairás do banheiro muitíssimo saudosista, obrigado. Mas a saudade que veio com o xampu novo, essa eu nunca havia provado. Não era uma saudade feliz de momentos bons que te deixa contente por teres vivido. Também não era daquelas amargas que te projetam para o ontem e deixam um amargo na curva da língua por não estares vivendo o passado.

Esta saudade é uma saudade de algo que jamais vivi. Uma saudade de quando a realidade não era tão bruta e cruamente tratada nos jornais e perseguida com total isenção. Quando os folhetins traziam estórias de pessoas que jamais existiram mas que poderiam muito bem terem pisado na esquina de qualquer um. Ai que saudade da realidade inventada que por falta de tempo ficou guardada nos computadores dos jornalistas que poetas. Nossos editores querem personagens de carne, osso e envergaduras. Busque-os e por favor não use o Whatsapp. A poesia ainda não aprendeu a voltar dos satélites de comunicação. Ai que saudade de uma realidade inventada. Estamos precisando refletir um bocado e sorrir mais dois. Contrata-se arte. Paga-se com sorrisos. Não cabe nesta edição, disseram. Será que cabe na de amanhã?

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CRÍTICA

CENSURA P(ARTE) RAFAELA COELHO

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Censura, manipulação e intolerância. Foi o que prevaleceu na Exposição Queermuseu - Cartografias da diferença na arte brasileira, feita pelo Santander Cultural, prevista do dia 14 de agosto até 8 de outubro de 2017. Cancelada quase um mês antes de seu fim devido a boicotes ao banco e denúncias infundadas de obras por terem conteúdo pedófilo, zoófilo e anticristão. A exposição contava com mais de 270 obras, que exploravam a diversidade dos gêneros. Esse caso não é o primeiro nem será o último a levantar a questão da censura às obras de arte por meio da pressão financeira. O Santander Cultural fechou a exposição logo após grupos conservadores ligados ao Movimento Brasil Livre (MBL) publicarem em redes sociais obras da mostra fora de contexto. Logo após, seus seguidores denunciaram e boicotaram a exposição. Depois de diversas ameaças digitais e físicas o Banco se sentiu ameaçado financeiramente e fe-

chou a exposição. Essa medida foi tão desesperada que nem o curador da exposição Gaudêncio Fidelis foi informado de seu cancelamento. Ele reporta que soube da decisão através de redes sociais e discorda da medida que o banco tomou. Infelizmente, o Santander cultural não é o único caso de censura a obras de arte e museus. Porém, foi o estopim para novas tentativas de fechar exposições de arte, como a do coreógrafo Wagner Schwartz que foi acusado de pedofilia pelas redes sociais. Ele interpreta uma obra da artista Lygia Clark chamada “Bicho” no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). Nela,o artista apresenta-se nu na frente do público e convida-os a interagir com ele, sem qualquer conteúdo erótico. Porém, houve uma cena polêmica, onde uma criança toca os pés do artista. Em nota divulgada no Facebook, o MAM fala que a criança estava acompanhada da mãe e que a sala onde ocorria a

performance estava devidamente sinalizada sobre o teor da apresentação, incluindo a nudez artística. Contudo, não foi o suficiente para deter as acusações. Mas o que é arte? Arte é o choque, é para causar reflexão, não deve acabar devido a críticas e boicotes. Afinal, arte é uma forma de retratar a visão do artista sobre o mundo. Abre portas para falar sobre tabus da sociedade e conscientizar sobre problemas do mundo. As obras que causaram indignação no público tem esse ponto em comum: possuem a hipersexualização do corpo humano. Pessoas nuas, peladas. É isso que causa desconforto, algo tão natural, que vemos rotineiramente em nossos espelhos e em nossas televisões. É isso que não deve ser exibido em museus e exposições culturais mas que continua existindo em nossas casas. Nossos corpos nos trazem tanta repulsa assim?

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Desnudarte | Nov/Dez 2018




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