Caminhos da Roça

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C����ho� d�

Edição Nº1 - Ano 1

gomeral guaratinguetá - sp Comunidade engajada: entrevista com Angelina Santos

Pedra Grande: Vista para Serra do Mar e Vale do Paraíba

Pousada Don’Ana para sossegar. Ou não!



“Educar para

conhecer, conhecer para

preservar” Do Ceará, Patativa do Assaré Decidimos abrir a edição com os versos de Patativa do Assaré - o poeta, músico e improvisador Antônio Gonçalves da Silva, nascido em Assaré, Ceará. De mãos grossas dos calos e da força, alfabetizado em apenas alguns meses em que frequentou escola e cego do seu olho direito, Patativa foi poeta do campo. Doutor Honoris Causa por universidades públicas e particulares do nordeste, premiado, titulado, homenageado. A patativa, ave pequena, acinzentada, simples mas conhecida por seu belo e melancólico canto, se tornou a alcunha do mestre Antônio pela sua arte e também pelo seu enfrentamento de uma realidade muitas vezes penosa. Seus versos, muito cientes de que a penosidade da roça também está fundada na organização econômica da sociedade, trazem lucidez para questões como educação, opressão no campo, sabedoria popular e, com simplicidade da vida prática, falava da consciência de classes do campo. A Caminhos da Roça inicia a sua primeira edição sabendo que o turismo rural não é a transformação do campo em um bibelô para os urbanos. Pelo contrário, evidencia a força do trabalho, a educação e a possibilidade de vida na zona rural em áreas que, muitas vezes, são pouco ou nada competitivas para cultivos e pecuária extensivos. A inserção dessas comunidades em diversas formas de mercado, como o turístico, também cooperam para a valorização do trabalho no campo, e para a manutenção do meio-ambiente exuberante – que se torna o seu ganha-pão.


Na página anterior: Mata do rio Macuco, em Guaratinguetá. Nesta página da esquerda para direita: Detalhe de Samambaia (Nephrolepis exaltata); E vista da várzea na Estrada Vicinal Presidente Tancredo Neves em Guaratinguetá.

C

aboclo Roceiro, das plaga do Norte Que vive sem sorte, sem terra e sem lar A tua desdita é tristonho que canto Se escuto o meu pranto me ponho a chorar Ninguém te oferece um feliz lenitivo És rude e cativo, não tens liberdade A roça é teu mundo e também tua escola Teu braço é a mola que move a cidade De noite tu vives na tua palhoça De dia na roça de enxada na mão Julgando que Deus é um pai vingativo Não vês o motivo da tua opressão Tu pensas, amigo, que a vida que levas De dores e trevas debaixo da cruz E as crides constantes, quais sinas e espadas São penas mandadas por nosso Jesus IMAGEM: MAURÍCIO AR AÚJO

IMAGEM: C AROLINA MONTEIRO

Caboclo roceiro (1978)

T

u és nesta vida o fiel penitente Um pobre inocente no banco do réu Caboclo não guarda contigo esta crença A tua sentença não parte do céu O mestre divino que é sábio profundo Não faz neste mundo teu fardo infeliz As tuas desgraças com tua desordem Não nascem das ordens do eterno juiz A lua se apaga sem ter empecilho O sol do seu brilho jamais te negou Porém os ingratos, com ódio e com guerra Tomaram-te a terra que Deus te entregou De noite tu vives na tua palhoça De dia na roça, de enxada na mão Caboclo roceiro, sem lar, sem abrigo Tu és meu amigo, tu és meu irmão.


pAra onde vamos?

De dentro do Fusca, o pôr-do-sol na Estrada Vicinal Presidente Tancredo Neves, Guaratinguetá-SP.

IMAGEM: C AROLINA MONTEIRO


VAMOS: destino gomeral página 7

A PASSEIO janelas verdes página 13

RESPIRA FUNDO rarefeito 2000m página 15

TEM QUE SE MEXER angelina santos página 17

IMAGEM: MAURÍCIO AR AÚJO

GUIA


vamos: Destino:

gomeral

GOMERAL Terra de laços históricos com café, açúcar, ouro e sal

IMAGEM: PINO ROSSI

Por Carolina Monteiro

São 170km que distanciam São Paulo de Guaratinguetá, uma cidade antiga do Vale do Paraíba, fundada em 1628, com paisagem urbana que remonta o período Barroco - a Igreja Matriz atual da cidade foi inaugurada em 1807, entre outras construções do Centro Histórico que hoje são prédios públicos e museus religiosos, históricos e políticos. Hoje, a cidade tem cerca de 200 mil habitantes, foi pioneira na industrialização da região mas ainda tem clima de cidade agricultora. Sim, museus. Possui dois museus históricos que abordam a memória indígena e do povoado, um museu político que foi a casa de um presidente da Velha República e também Conselheiro do Império, o Francisco Rodrigues Alves. É terra natal do primeiro santo brasileiro, São Frei Galvão, cuja casa é hoje seu museu, assim como o Conselheiro. Outra casa preservada é a mansão do único Visconde de Guaratinguetá, história triste de doer, mas onde um colégio normal funciona há já 116 anos.

Fundamentalmente, a região é conhecida pelo turismo religioso. Possui conventos, seminários, monastérios. Também foi onde, em 1717, encontraram a imagem de Nossa Senhora, a Aparecida, no Rio Paraíba, de onde sucederam a pesca milagrosa e diversas maravilhas. O pequeno vilarejo que se formou à volta da capela desta imagem se emancipou e hoje é um município vizinho, a cidade de Aparecida do Norte onde está a estonteante Basílica Nacional e atrai peregrinos do Brasil e do mundo, sendo a maioria da América Latina.

CIDADES HISTÓRICAS Guaratinguetá possui uma vastidão de riqueza histórica e apresenta uma vida agitada devido à sua posição estratégica: A cidade está em São Paulo, a 50km do Estado do Rio de Janeiro e encostada em Minas Gerais. Em outras palavras, do século XVII em diante isso significava ser rota ininterrupta de café, açúcar, ouro e sal. Daí o fato de ter se desenvolRevista Caminhos da Roça · Ano 1 · Edição Nº 1 · 7


IMAGEM: PINO ROSSI IMAGEM: MAURÍCIO AR AÚJO

IMAGEM: POUSADA DOS ANJOS

IMAGEM: POUSADA DOS ANJOS

IMAGEM: PINO ROSSI

vido tanto logo após a sua fundação. E quem fazia movimentar essas cargas? Os tropeiros, que procuravam rotas seguras entre Minas Gerais e os portos, nas quais passassem pelas Casas do Quinto (postos de cobrança da taxa Quinto do Ouro e da Derrama, que também foram estopim para a Inconfidência Mineira) e pudessem reabastecer-se de víveres. Se você não conhece quem são os tropeiros, não vai terminar de ler sem conhecer. Eram chamados assim os homens que tocavam tropas de muares carregadas com cangalhas e bolsas, descendo cargas de ouro, queijos mineiros, aguardente e café para o mar até os portos capixabas, fluminenses e paulistas, e subindo de volta às Minas trazendo sal e produtos de outros Estados e países como charque, lã, linho, vinhos e especiarias. Simplificando muito, desce com ouro (e cachaça), sobe com sal. Desce e sobe porque se trata de uma serra, quanto a sair do platô de Minas Gerais e chegar aos portos. Para complicar um pouco mais, a rota que ia à Casa do Quinto em Taubaté, subia, descia, depois subia de novo e depois descia para o mar. Vamos por


vamos: gomeral

Acima: Luar, fogueira e ao fundo as luzes das cidades no Vale do Paraíba (esq-dir.: Lorena, Guaratinguetá, Aparecida, Roseira e Pindamonhangaba). Arquivo pessoal de Erick Costa. Página 4: Pôr-do-sol na Serra da Mantiqueira, bairro do Gomeral. Página 5: Estrada Municipal do Gomeral (continuação da Est. Pres. Tancredo Neves).. Página anterior de cima para baixo: (1) Pavimento da Estrada Real em Cunha/SP; (2) Homem guia carro de boi na Estrada Municipal do Gomeral; (3) Vista da Basílica Nacional em Aparecida do Norte; (4) E homem puxa cavalo com cargas pelo pasto íngrime. Página seguinte de cima para baixo: (1) Vista de parte das casas do bairro do Gomeral na sua estrada sinuosa; (2) A Serra do Quebra-cangalha, que é um mar-de-morros (relevo mamelonar); (3) E a bênção na frente da Basílica Antiga aos romeiros que chegam em Aparecida a cavalo.

partes. Guaratinguetá situa-se no Vale do Paraíba, como já sabemos. Mas é bom descrever a paisagem para ter o gostinho do que é: Um corredor de várzea onde corre o rio este do nome. Esse corredor começa ali perto de São Paulo e acompanha um trecho do rio, que vai desaguar na divisa do Rio de Janeiro com o Espírito Santo, serpenteando pelas cidades que cruzamos no que conhecemos como a rota Rio-Sampa pela Rodovia Presidente Dutra (BR116). Esse corredor tem como paredes, para a banda de Minas Gerais, a Serra da Mantiqueira (do tupi, Amantikir: a Serra que chora, por causa das numerosas nascentes de água) e, para a banda do litoral, a Serra do Mar (que é por causa do mar, mesmo). As duas serras são áreas de densa mata atlântica até hoje: a primeira, Área de Preservação Ambiental e, esta última, tombada Patrimônio Histórico Brasileiro.

GOMERAL: O MEIO DO CAMINHO Sair de Minas implicava em descer 2000m de altitude da Serra da Mantiqueira, cruzar a várzea para ir de Guaratinguetá a Taubaté, que é um desvio incômodo para pagar a taxa do Quinto, de lá, voltar para Guaratinguetá. Depois, o pé da Serra do Mar são os morros do Quebra-cangalha, uma espécie de pré-Serra do Mar. Se as cangalhas estivessem inteiras depois de cruzá-los, subiam a Serra do Mar em outros 2000m e desciam para chegar no litoral. Eram viagens longas, cheias de perigo e que de vez em sempre mudavam de rota. Muitos trilhos dentro da mata foram feitos e usados poucas vezes. O que era certo é a necessidade de estabelecer locais de parada confiáveis para reabastecer-se no meio do caminho, afinal a viagem requeria o reabastecimento de víveres e, claro, cachaça… que é um item vital. É por causa dessas tropas que alguns imigrantes europeus se concentraram num certo ponto da Serra da Mantiqueira, fundando o povoado do Gomeral. O termo “povoado” é usado ainda hoje pela Prefeitura de Guaratinguetá, já que apesar de ser distante em 36km da cidade, ainda está dentro de seus limites. O ponto se localiza entre Guaratinguetá e Campos do Jordão, onde está a divisa com Minas Gerais na região de Itajubá. Ali, as terras altas no platô de Minas faz sua brusca descida para Revista Caminhos da Roça · Ano 1 · Edição Nº 1 · 9


vamos:

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IMAGEM: SÉRGIO ZEIGER

a várzea do Rio Paraíba numa estrada íngrime e sinuosa, de chão batido com pedriscos. As famílias portuguesas, italianas, galegas e espanholas que foram para ali cultivaram cana-de-açúcar para produzir melado e aguardente, plantaram café e criaram gado leiteiro. Devido a inclinação do terreno em 45º, a produção agrícola ou pecuária extensa foi comprometida e, por isso, o povoado levava o café até a cidade ou atendia à demanda de rota de peregrinos e tropeiros, abastecendo-os com os subprodutos da cana e pó de café, e em algumas emergências, algo que tivessem de feijões e carne de porco. Então, do platô mineiro, as tropas desciam carregadas a tal Serra da Mantiqueira, faziam trocas no Gomeral, iam para Guaratinguetá, de lá a Taubaté. Pagas as taxas, voltavam para Guaratinguetá e seguiam por Cunha a Serra do Quebra-Cangalha (o nome é a dica: os socos que as mulas davam nos degraus de trilha dentro de mata, para subir, para descer, para subir, para descer, para subir, para descer… o tal mar de morros. Para daí, então, subir a Serra do Mar e descer em Paraty. Entretanto, o local preferido dos saqueadores era o pé do morro, no final da descida. Claro, os poupava o trabalho de levar a tropa pelas rochas e trilhos, dali em diante era moleza para fugir. Mas assim como espertos os ladrões, mais durões eram os tropeiros. Dentre eles, o imaginário popular do Gomeral ainda conta histórias sobre um homem chamado Jordão, filho de Jordão. E as histórias dos dois são tão notórias que já se perdeu o que fez um e o que fez o outro, não se sabe bem dividir o que foi o filho ou o pai, mas os dois têm seu nome lembrado na região pelo legado. Conta-se que da mata se ouviam os gritos do Jordão descendo com as tropas no final do período do Ciclo do Ouro. Ao contrário dos outros capitães de tropa, que preferiam mal ser notados, ele deixava evidente sua passagem. Com os gritos, ninguém ficava em seu caminho, literalmente. O trilho, que ele mesmo abriu, era suficiente para passar os burros e mulas em fila única. Se alguém estivesse à beira, atrapalhan-

IMAGEM: PINO ROSSI

gomeral

IMAGEM: PINO ROSSI


vamos: gomeral do, Jordão passava por cima, roubava ou violava mulheres se fosse o caso. Também o fazia em pequenas estalagens ou propriedades isoladas pelas quais passasse. Era um homem violento (se pai, se filho, não sabemos) e que, por tradição, era um guia de tropas que era também saqueador. A tática de ser os dois em um e fazer coisas crueis para ficar famoso funcionou tanto que ainda hoje os mais antigos do bairro se recusam a falar sobre os gritos do Jordão. Apesar de ter morrido há séculos, poucos contam tê-lo ouvido descendo com as tropas, e se perguntamos sobre essas histórias, logo fecham a cara e encerram o assunto. A eles se deve o nome da fria e sofisticada Campos do Jordão, cidade paulista próxima ao Gomeral (mais próxima do que a própria Guaratinguetá). Mas de fato até hoje é complicado esse trajeto e a estrada do Gomeral para lá é inviável para carros que não sejam tracionados ou motos. Dali para frente, o que ainda salva é o cavalo. COMO CHEGAR: Distante 36 km do centro de Guaratinguetá e 20 km do Parque Estadual de Campos do Jordão, acesso pela Estrada Vicinal Pres. Tancredo Neves. À esquerda de cima para baixo: Vista para a Serra do Mar e cidades da região de Guaratinguetá; E detalhe interno de um telhado limpo e recolocado conforme construído no final do século XIX, onde é a Pousada Don’Ana no Gomeral.

IMAGEM: C AROLINA MONTEIRO

IMAGEM: PINO ROSSI

Abaixo: detalhe de um riacho no Gomeral.

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vamos: gomeral

À direita: Aurora na Serra da Mantiqueira. O pico que se destaca entre as árvores é a Pedra Grande. Abaixo: Estrada Vicinal Pres. Tancredo Neves, ou a Estrada Guará-Campos do Jordão. Ainda pode ser chamada de Estrada Municipal do Gomeral/das Pedrinhas. Trecho sem asfalto.

IMAGEM: MAURÍCIO AR AÚJO IMAGEM: PINO ROSSI

COMO CHEGAR:

Acesse o mapa pelo QR Code ou o endereço:

https://goo.gl/maps/pierGTH3bHz

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a

janelas verdes

passeio

IMAGEM: PINO ROSSI IMAGEM: C AROLINA MONTEIRO

Pousada Don’Ana Por Mônica Monteiro

Casa em estilo açoriano, que conta com duzentos e cinquenta anos de idade. O chão em parte de assoalho, outra em chão batido, e outra ainda em cimento queimado. Possui duas salas, sendo uma de serventia para escola (1900) e outra de visita. Também tem um oratório que teria servido de primeira igreja católica romana na região. O acesso para a sala é feito pela escada que dá no alpendre e debaixo desse fica o porão. Esse porão é o que dá o tom às muitas histórias ali contadas na boca do fogão. Em seguida, vai ao mirante. A depender do dia e horário dá para ver cidades do Vale do Paraíba. Segue daí para a extensa horta passando pela sessão de hortaliças, de flores de plantas medicinais. Daí segue para em uma volta em torno do quintal conhecendo a vegetação, observando os pássaros termina a visita no refeitório da pousada. Quando a pedido pode-se servir um café colonial. O percurso é leve, confortável para caminhar e conversar. Revista Caminhos da Roça · Ano 1 · Edição Nº 1 · 13


a

passeio À esquerda: Dona Anna na sua cozinha de chão batido e o fogão à lenha. Página anterior em cima: Casa principal. da Pousada, localizada na Estrada Municipal do Gomeral, ao lado direito de quem sobe a Serra.

IMAGEM: C AROLINA MONTEIRO

POUSADA DON’ANA: Intensidade leve. Percurso de 1000m, até 1h. Desnível inferior a 100m. Poucos obstáculos, gramado amplo e caminho de pedras. Você conhece a classificação de dificuldade de percursos? A FEMERJ (Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro) colocou em uma tabela e nós inserimos ela aqui para você conferir! Continua na página 16.

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Página anterior à esquerda, abaixo: Altar (oratório) dentro da casa.


respira fu n d o

À esquerda: Um dos lados do vale que forma a bacia do Gomeral (Espigão Chato e Pedra do Macaco). O lado oposto está atrás do fotógrafo (Pedra Grande).

↑rarefeito:

2000M

Dá pra subir ainda mais alto Por Mônica Monteiro

IMAGEM: PINO ROSSI

Trilha da Pedra Grande, ou Pedra Preta, ou ainda Pedra Grande do Gomeral, a Estrada Parque José Jorge Boueri. O acesso se dá obrigatoriamente com acompanhamento de guia, por uma trilha em frente a Pousada Don’Ana, cuja altitude é de 1050 metros, e a subida de mais ou menos 1000 metros. Assim, saindo também da pousada Don’Ana atravessa a Estrada Municipal entrando na estrada do sítio das Araucárias. Após a primeira curva sai da estrada calçada em direção ao bosque dos pinheiros e daí acessa o pasto do Chiaradia. Sobe por ele até a paineira, dessa deflete à direita na lomba do morro, pasto afora até entrar na Mata Atlântica. Segue na trilha, debaixo das árvores, até alcançar o pé da pedra. Costea-a subindo apoiados em cordas que o guia distribui nas árvores. Assim que começa a costear a pedra entramos nos campos de altitudes, um bioma todo específico. Árvores frondosas, porém anãs, que nos dão a sensação de sermos gigantes. No platô de cima da pedra avista o vale do paraíba, de Piquete a Taubaté. Logo abaixo de si tem a Fazenda Nova Gokula, à direita, o Pico do Itapeva. Depois de um descanso, algumas histórias, um lanche. Segue o caminho na divisa dos municípios (Pindamonhangaba e Guaratinguetá) até o pé da Pedrinha. Dessa desce o morro pelo Vale do André, atravessa a verRevista Caminhos da Roça · Ano 1 · Edição Nº 1 · 15


respira

IMAGEM: PINO ROSSI

Pedra Grande vista do bairro das Pedrinhas.

tente morro abaixo em direção a Pousada Don’Ana, passando na propriedade do Sr. Bernardino e do Sr Mariano, podendo saborear e adquirir o queijo tipo mineiro, o doce caseiro e mel silvestre… e daí segue para o descanso na pousada Don’Ana.

IMAGEM: MAURÍCIO AR AÚJO

fu n d o

Vista da Pedra Grande, a Área de Preservação.

PEDRA GRANDE: Intensidade Pesada Superior. Circuito de 16 km Percurso de 8 a 9 horas Desnível em torno de 1000m Muitos e grandes obstáculos

Fonte: http://www.femerj.org/wp-content/uploads/classifica%C3%A7%C3%A3o-trilhas-v6.1.pdf

Dificuldade de Percurso (Trilhas Pesadas):

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tem que se

mexer entrevista:

angelina santos Fundadora da Associação de Amigos do Gomeral (AAG), Angelina já passou fome, cantou ópera e redigiu um Estatuto. Por Carolina Monteiro

Quando foi criada a AAG?

O que estava acontecendo no Gomeral naquela época? Gomeral havia sido terra de café que sofreu com a política pública de erradicação de cafeeiros, falar sobre o corte dos cafezais fazia meu avô chorar e eu me lembro desse choro. Gomeral que já havia sido terra do açúcar. Também usada na agricultura que foi ao fim quando os maquinários cresceram e a plantação manual na serra originaram produtos mais caros que os industrialmente produzidos. Ao perguntar de um e de outro fui percebendo que no povoado só estavam as crianças e as mulheres, os homens estavam procurando trabalho longe de casa vindo uma vez a cada 15 dias ou mais. Para mim, que sem recurso havia morado nos mais diferentes lugares na capital, inclusive passado fome, frio, medo desviando de tiroteio por vezes, olhar para aquelas crianças, de certa forma, sangue do meu sangue, e imaginá-las como eu nas periferias das grandes cidades me doía muito. Fiquei com essas coisas girando na cabeça incansavelmente um dia atrás do outro pensando sobre o que posso fazer. Quando me encontrei com a Amália que eu tinha vis-

IMAGEM: PINO ROSSI

Penso que por 1994 ou 1995. A AAG surge não de uma hora para outra, mas a necessidade ao longo do tempo. Até 1982 havia na Pedrinha dois horários de ônibus circular que saia de Guaratinguetá às 8 horas da manhã e retornava da Pedrinha às 9 horas, e outro que saia às três da tarde de Guará e retornava saindo da Pedrinha às quatro. Ocorre que alguém resolveu inventar que precisava de mudar o horário da tarde e assim o ônibus começou a sair da cidade às cinco. Para quem ia seguir a pé pela escuridão e às vezes chovendo morro acima era difícil. No inverno esbarrava um pouco na noite. Havia uma comunidade sofrendo atrás dessas decisões, mas os representantes da empresa de ônibus e municipais faziam parecer coisas de nós para nós mesmos e não para a comunidade. Ou talvez nem tivessem ideia de que no Gomeral havia tantas pessoas. As pessoas não iam, não acreditavam por tanto tempo ter sido tratado dessa forma e também não apareciam por

ser longe, gastar um dia de trabalho para ficar no sol da cidade, com fome e muito desgaste . O outro lado não representava ninguém na verdade parecia estar lá para nos impedir, era minha impressão. Fui viver em São Paulo em 1982, mas retornando para o sítio em 1994 é que fui pensar em buscar uma representatividade para aquela comunidade se quisesse lutar por mudança.

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tem que se

mexer to na minha mãe e não conhecia. Juntas tivemos a ideia de consultar a Fundação Florestal [do Estado de S.P.] e saber se ela poderia verificar in loco se havia ali potencial para trabalhar com turismo. Por fim, implantou.

Por que levar adiante essa ideia? Porque a história de luta pelos interesses da população não eram recebidas pelas autoridades. O álibi mais fácil que era a barreira para não nos ouvir. Na verdade, mesmo tendo a legitimidade de representação do papel no início foi muito difícil lutar pelo Gomeral. Ainda deve ser. Começou a mudar alguma coisa quando o grupo de teatro surgiu e fomos para a praça. Também um grupo foi para a câmara dos vereadores performar lá. Ainda assim na administração houve os que riram e debocharam. Davam chá de cadeira. Um dia desenvolvi uma técnica: cantar ópera nas repartições públicas para poder ser atendido, não sei cantar e por isso mesmo fica interessante. Isso envergonha eles. Foi muita luta.

Como foi o processo de criação da Associação? Bom, à época eu estava vivendo em São Paulo e no Gomeral. Entendi que se eu quisesse teria que fazer. Pedi ajuda ao então marido que era professor na USP e

que vivia mexendo com estatutos e normas. Eu não tinha visto um até aquele momento. Fomos escrevendo à mão. Algumas partes ele escreveu, outras eu. Mas discutíamos cada cláusula. Tinha à mão um estatuto de uma associação de Bocaina, não era época de internet, não sei como foi aparecer em minha mão, mas aquilo que de certa forma ajudou um pouco. Pensei cada detalhe em cada artigo, estando pronto seguiu para digitação. Foi digitado em São Paulo. Levei para discussão na comunidade e tendo sido aprovado, seguiu para assinatura de uma advogada e em seguida para o cartório para fim de registro. Mas tudo isso custa dinheiro, fiz uma festa para poder pagar a conta. Um baile. O baile não chegou a dar briga, mas houve valentia. Perdi amizade, falei a verdade. Um salário mínimo cobrou a advogada mais as custas de cartório. Investi pensamento, tempo trabalho, dinheiro. Festa no Gomeral não daria para arcar com tudo. Pedi donativos. Um associado me deu 0,20 centavos. Graças a Deus foi um só. Houve quem investiu sim.

Quem estava trabalhando junto com você? Minha mãe, minha irmã, o Kiko, o ator Walmor Chagas, e trabalharam também bastante à época a Ivani, a Ilsa e a D. Rosa. Contribuíram todos os que participaram da assembleia geral, e se associaram.

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E a população local? Havia por parte de uns desconfiança de que não ia dar em nada. Compreensível, pois era a forma com a qual estavam acostumados a lidar com a vida, com a administração municipal. Mas embora não deixando de fazer seus cometários desestimulantes foram em frente empurrando o carro e ele foi indo. Outros pegaram juntos. Não apenas na formação da associação e de sua representatividade, mas na percepção de que eu posso mudar. Houve época em que a estrada 5km estava cheia de plástico e uma reunião fizemos o trato de limpar a estrada. Apareceram e percorremos o caminho limpando. Logo após vi pessoas no trajeto igreja-Donana enchendo suas sacolinha de lixo. Passar na estrada era poder devolver a ela a limpeza. Isso é vestir camisa nas causas.

Como o Gomeral reagiu à criação da AAG? De início havia a desconfiança de que era tanto trabalho por nada. Depois a AAG era procurada para tudo. HOJE Angelina é mestra em Educação pelo IFSUL (Pelotas/RS)e educadora na rede municipal de ensino de Florianópolis.


Campos gaúchos da Figueira, no Rincão das Almas. IMAGEM: CAROLINA MONTEIRO

próxima edição Você conhece o Quilombo Rincão das Almas? Localizado em São Lourenço do Sul, no Rio Grande do Sul, a comunidade se organizou pela demarcação de terras e produz agricultura orgânica. O local tem alto potencial turístico, praia de água doce, campos e cachoeiras. O quilombo surgiu depois de uma batalha na Revolução Farroupilha, com uma vitória dos farrapos sobre o exército militar. A comunidade é bastante antiga, com vestígios da presença Guarani, e hoje entrelaça elementos da sua própria cultura local quilombola-guarani com a da comunidade à sua volta, polonesa.

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Edição 1. Ano 1. Edição e Projeto gráficol: Carolina Monteiro Textos: Carolina Monteiro e Mônica Monteiro Imagens: Carolina Monteiro, Erick Santos, Maurício Araújo, Paulo Zeiger e Pino Rossi. Esse trabalho é experimental, sem fins lucrativos e de caráter puramente acadêmico, criado e editado pela acadêmica Carolina Monteiro como exercício de projeto gráfico-editorial para a disciplina de Laboratório de Produção Gráfica do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no semestre 2018-2. Não será distribuído, tampouco comercializado. Seu conteúdo e suas opiniões são de inteira responsabilidade da acadêmica, isentando assim a UFSC e o docente da disciplina de qualquer responsabilidade legal por essa publicação.


Atingida por raio:

Nos pastos altos, a imponente árvore foi atingida por um raio nas tempestades de verão. Fotografada no outono frio da Serra da Mantiqueira, ela resiste firme.

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IMAGEM: MAURÍCIO AR AÚJO


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