Card Player Brasil 120

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POKER

ESPORTE E ESTILO DE VIDA

aNO 10 - N.120


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Editor Marcelo Souza

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Diretor de Arte Faytter Fabiano Webmaster Bernardo Benevides Jornalista Diego Scorvo Tradutor Igor Lins Colunistas Nacionais Cláudio Davino, Devanir “DC” Campos, Dr. Fabiano, Fabiano “Kovalski1”, Fábio “F1oba”, Felipe Mojave, Fellipe Nunes, Guilherme Chenaud, Ivan ”RoyalSalute” Santana, Ramon Sfalsin, Khatlen Mitzi Guse, Moacir Martinez, Thiago Decano, Vinicius Perri, Yuri Dzivielevski Colunistas Internacionais Alan Schoonmaker, Dusty Schmidt, Ed Miller, Jeff Hwang, John Vorhaus Suporte / SAC Heliana de Souza Endereço Raise Editora Ltda Rua Stela de Souza, 54, Sagrada Família CEP 31030-490 - Belo Horizonte - MG Tel.: (31) 3225-2123


Carta ao Leitor

DEZ ANOS, UM FIM E UM NOVO COMEÇO

Marcelo Souza - Editor @MarceloCPBR @MarceloCPBR Marcelo Souza

Julho de 2017 ficará marcado para sempre em nossa história. É aqui que completamos dez anos de existência, e é aqui também que trazemos a notícia que nossa edição impressa está encerrando suas atividades. A Card Player Brasil agora é uma revista 100% digital e gratuita. Toda a qualidade e conteúdo que você conhece agora estará em seu celular, tablet ou desktop. O mundo da comunicação, seguindo o fluxo da internet, tem mudado em uma velocidade impressionante nos últimos anos. Gigantes da área, que antes se apoiavam em suas mídias impressas, hoje têm a maior base de leitores e assinantes no ambiente digital. É o caso da Folha de São Paulo e do New York Times, para citar apenas dois exemplos. Os motivos são variáveis, sendo custos, questões ambientais e praticidade apenas alguns fatores. Mas a grande verdade é que os nossos consumidores exigem informações mais rápidas e de fácil acesso, o que apenas a internet pode fornecer. Agora, todos os nossos recursos, antes usados para a versão impressa, serão alocados para o ambiente digital. Então, podem aguardar muitas melhorias e novidades para o futuro. Enquanto isso, aproveitem para ler a nossa primeira parte do nosso “Especial 10 Anos”, com as melhores matérias já publicadas em nossa extinta edição impressa. Vai deixar saudade? Claro! Um ciclo maravilhoso se encerra, mas uma nova história, ainda maior, começa. Boa leitura.


SUMÁRIO 18

ALEXANDRE GOMES

Relembre os títulos de Alê Gomes no World Poker Tour e na World Series of Poker.

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ESPECIAL 86. CADERNO PARTYPOKER Saiba como jogar no partypoker e conheça os principais torneios do site.

CHRISTIAN KRUEL E RAUL OLIVEIRA

As entrevistas que marcaram época com os dois pioneiros do poker nacional, a dupla CK e Raul.

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LEANDRO BRASA

A primeira mesa final do Brasil na WSOP não poderia ficar de fora da nossa coleção de especiais.

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E MAIS 108. CARD CLUB Clubes de poker.

110. CARDPEDIA Destaques do Mês.

MARCOS SKETCH

Em 2011, a Card Player Brasil conversou com uma das mentes mais brilhantes do poker brasileiro. Reveja essa entrevista histórica.

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FULL TILT – ASCENSÃO E QUEDA DE UM GIGANTE

Encerrando a primeira parte do nosso “Especial de 10 anos”, uma das melhores matérias sobre a fatídica Black Friday.

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UM PASSEIO RÁPIDO PELO MUNDO DO POKER

SCOTT BLUMSTEIN DOMINA MESA FINAL DO MAIN EVENT DA WORLD SERIES OF POKER E É O NOVO CAMPEÃO MUNDIAL DE POKER Clique aqui para ler a matéria completa.

LENDA CHRIS MONEYMAKER CONFIRMA PRESENÇA NA 100ª ETAPA DA BRAZILIAN SERIES OF POKER Clique aqui para ler a matéria completa.

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Casal Igor Kurganov e Liv Boeree vencem torneio por equipes da WSOP e leiloam braceletes da WSOP 2017 Clique aqui para ler a matéria completa.

RAFAEL MORAES FAZ MESA FINAL EM TORNEIO DO BELLAGIO E FATURA QUASE UM MILHÃO DE REAIS Clique aqui para ler a matéria completa.

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UM PASSEIO RÁPIDO PELO MUNDO DO POKER

POKERSTARS ANUNCIA NORTE-AMERICANO JEFF GROSS COMO NOVO EMBAIXADOR DA MARCA Clique aqui para ler a matéria completa.

Elior Sion vence um dos torneios mais prestigiados do mundo, o $50,000 Players Championship da WSOP Clique aqui para ler a matéria completa.

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ESPECIAL

10 ANOS

Primeiro brasileiro a vencer a World Series of Poker (WSOP) e o único a ganhar o World Poker Tour (WPT), quase 10 anos depois, Alê Gomes ainda permanece como o maior jogador de torneios ao vivo da história do Brasil. Ele foi capa da nossa edição de número de 12, em 2008, e de número 25, em 2009, graças aos seus títulos em dois dos mais importantes torneios do poker mundial.

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ALEXANDRE GOMES

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Por Leo Bello Pelo terceiro ano seguido tenho passado os meses de junho e julho em Las Vegas. Tive a oportunidade de visitar a cidade em outras ocasiões fora do período da WSOP, e é possível perceber como ela se transforma. É uma invasão de jogadores de todas as partes do mundo e, claro, várias poker rooms lotadas pela cidade. A oferta de torneios jamais foi tão grande quanto este ano. Além dos mais de 50 eventos oficiais da World Series, temos satélites e torneios “second chance” todos os dias nos pavilhões do Hotel Rio, que sedia a festa. No Venetian, o Deep Stack Stravaganza começou no primeiro dia da WSOP e vai até o último, com eventos entre $330 e $5000, sempre com muitas fichas e blinds longos. O Caesar’s realiza a 20

sua série do início da WSOP até o dia 10 de julho, com eventos mais baratos do que os do Venetian, mas com o mesmo número de fichas. Seu Evento Principal chama-se Mega Stack Series tem buy-in de U$1.000 (para fins de comparação, o Venetian tem dois eventos de U$1.000 por semana). No dia 2 de julho começou a Bellagio Cup, com buy-ins variando entre U$2.000 e U$15.000. O Binions promove a Mini Series of Poker, composta por torneios que custam 10% do buy-in do evento da World Series – por exemplo, se for acontecer um evento de U$2.000 na WSOP, na véspera o Binions realiza um de U$200 na mesma modalidade. E pela cidade inteira acontecem outros torneios com buy-ins menores.

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Ok, mas quando vocês estiverem lendo este artigo, todos esses eventos já terão acontecido e o verdadeiro motivo pelo qual estou repassando este calendário é comentar como os brasileiros arrebentaram em Vegas. Foram vários bons resultados, provando que o nível do poker no Brasil vem só crescendo. Um ano atrás eu conversava com o Leandro Brasa, logo após ele ter ficado em 4º lugar no evento #49 da WSOP 2007, sobre a possibilidade de outros resultados como aquele. Ainda, se levarmos em conta que os fields dos torneios da Série Mundial estão ultrapassando a casa dos milhares de jogadores, qual a chance de um brasileiro chegar novamente no topo? Bem, a resposta veio através de fatos. Mas isso todos os leitores já sabem, e chegaremos lá neste artigo. Mas o resumo da idéia é: quanto mais participarmos dos eventos, mais veremos brasileiros no topo. Pelas minhas contas, há pelo menos uns 70 brasileiros em Las Vegas este ano – muitos marinheiros de primeira viagem, e um punhado de veteranos. A interação entre os dois grupos é uma das coisas que torna este período interessante, e este ano as pessoas me pareceram ainda mais próximas. Muitos tinham reservas em hotéis diferentes, alguns no próprio Rio, onde a WSOP acontece. Porém, logo após a chegada dos primeiros brasileiros, a grande maioria se mudou para o Venetian. Os quartos são enormes e modernos, e a tarifa para os jogadores de poker fazia valer a pena cada centavo. Um quarto simples no Venetian deve ter uns 80 metros quadrados, com dois ambientes. Em um deles é possível encontrar uma TV de LCD, frigobar, fax e impressora, uma mesa de jantar e outra para o computador, além de um sofá que pode virar uma cama. No segundo ambiente, duas opções: uma cama king size ou duas camas Queen, com outra TV de LCD (de pelo menos 42 polegadas e programação em High Definition – HDTV). No banheiro, uma banheira e detalhes em mármore, e mais uma televisão (sim, no banheiro). E todo esse luxo custa cerca de 140 dólares a diária. Se você pensar que um quarto assim pode ser tranqüilamente dividido por três pessoas, basta fazer as contas e ver que não é tão caro para o padrão de Vegas. O Venetian ainda tem a vantagem de ficar na Strip, com a maioria dos cassinos a uma distância em que é possível ir a pé. Com mais de 40 brasileiros no Venetian, não demorou muito para que alguns pontos de encontro e diversão fossem criados. Um deles é o quarto do Thiago Decano, Felipe Mojave e Marco Aurélio Salsicha. O lugar ficou muito freqüentado porque em cada televisão foi ligado um console diferente. Em uma delas, um WII com competições de golfe; na outra, um Playstation 3 com Winning Eleven rolando quase o tempo todo. Quando todos cansavam de poker, as competições de videogame começavam. Outro ponto em que era fácil encontrar os brasileiros nos finais de noite era na mesa de craps. O jogo de

Leo Bello

dados era uma festa para muitos, mesmo aqueles que não colocavam uma aposta sequer, pois havia garantia de risadas e algazarra. Christian Kruel, Omar, Federal, Juliano Maesano, Thiago Decano, Kima, Brasa e Felipe Mojave eram figurinhas fáceis de encontrar por lá, sempre em grupo. Vocês devem estar curiosos para saber de poker. Já falamos dos hotéis, das diversões e até mesmo da programação de torneios, mas como foram os brasileiros nesta temporada? Vale lembrar que estou escrevendo este artigo antes do Main Event, e mesmo assim já temos muitos destaques. Na WSOP, temos que começar pelo Giovanni Davids, de Porto Alegre. Ele conseguiu ficar ITM em quatro eventos da Série Mundial. Um desempenho fabuloso, comparável ao dos melhores jogadores da série. Muitos brigam para ficar na grana pelo menos uma vez, e Giovanni conseguiu isso em quatro oportunidades, sendo uma mesa semi-final. Não muito atrás, Maridu conseguiu chegar na faixa de premiação três vezes, e também foi destaque. Outro jogador do Sul, conhecido na WSOP como Anderson Silva, quase fez mesa final no evento #49, o mesmo em que Leandro Brasa chegou em 4º lugar no ano passado. Anderson ficou na 10ª colocação, após cair com KK para o chip leader Rasmus Nielsen, que tinha AA. No dia seguinte ele viria a ser vice-campeão, deixando o título nas mãos de J.C. Tran, que conquistou seu primeiro bracelete. E, como não poderia deixar de ser, o destaque absoluto foi Alexandre Gomes, que trouxe o histórico primeiro bracelete da WSOP para o Brasil! cardplayer 10 anos

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“Rádio”

Mas vamos segurar a ansiedade mais um pouquinho. Quero encerrar este especial falando da vitória do Alê. Primeiro, vou comentar um pouco sobre os torneios disputados no Venetian. Antes mesmo que eu chegasse a Vegas, Giovanni, Salsicha e Akkari já haviam ficado na faixa de premiação de um dos eventos do Deep Stack Extravaganza. E depois que eu cheguei aqui, pude presenciar vários brasileiros com desempenhos brilhantes. No dia em que chegaram a Las Vegas, Christian Toth e Marcelos Dabus participaram do torneio de U$1K e arrebentaram logo de cara, pegando 2º e 3º lugar respectivamente. Da mesma maneira, Eduardo Marra na sua primeira noite em Vegas conseguiu o 6º lugar no torneio de U$330 do Deep Stack. Nesse mesmo evento, Rubens Bicalho, o “Bokinha”, de Belo Horizonte, ficou em 4º lugar. Dias antes, Federal fez mesa final do torneio de Omaha, fechando um acordo entre quatro jogadores. Leandro Brasa também entrou na premiação desse torneio. Eu entrei duas vezes na faixa de premiação, ambas em torneios de U$540, mas não consegui chegar às mesas finais. De uma maneira geral, fiquei contente com os resultados. No poker, existe uma maneira indefectível de mostrar que seus resultados foram bons, que é vendo o retorno financeiro. Ganhar um único torneio durante este período em Vegas pode representar muito mais do que vários torneios em que você apenas belisca um prêmio por estar na mesa semi-final. Mas existe outro aspecto a ser levado em conta: para nós, brasileiros, esses eventos são excelentes para dar experiência e “horas de vôo”. Passei por torneios em que dei sorte no início, logo acumulei um stack considerável e pude jogar mais solto. Mas a situação oposta é bem mais difícil: em um torneio com buy-in de U$2.500, que começava com 20 mil fichas, me vi no final do primeiro nível de blinds com apenas 5K em fichas. Por um momento quase desisti. Então parei e pensei: “com blinds 50-100 no segundo nível, eu ainda tinha 50 big blinds, jogar a toalha por quê? Só porque os adversários têm em média quatro vezes o meu stack?” Ainda havia muito jogo pela frente. Seis horas depois, no intervalo para o jantar, eu estava com 40K em fichas. E eu e o Christian Kruel éramos os únicos brasileiros ainda vivos, dentre os 12 que disputaram o torneio (Eu e CK, além de Cinthia, Rafael Vieira, Federal, Brasa, Akkari, Kima, Decano, Omar, Firaz e Thiago Boita). Foi preciso muita paciência para passar um longo tempo dando fold, e entrando nas mãos com agressividade 22

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Rafael Caiaffa

Marco Aurélio “Salsicha”

e reraises. Acabei sendo eliminado desse torneio após jogar mal um AK, quando encontrei KK pela frente. Pareceu-se bastante com a mão que me tirou do LAPT – Rio, em que também fiz um overplay com AK (preciso me lembrar de evitar confrontos grandes com essa mão). Uma das maiores vantagens das estruturas “deep stack” é poder treinar nas várias fases de um torneio. Reparei que muitos brasileiros vêm dominando as fases iniciais, Giovanni Davids mas as dificuldades surgem quando os blinds estão mais altos, perto de 1K-2K. Neste ponto, eu mesmo senti dificuldade em alguns eventos. O segredo nesta altura é soltar o braço; o que me faz voltar ao Alê Gomes e ao bracelete. O que poucos sabem é que, no dia anterior à mesa final, no momento da bolha do torneio, Alê estava abaixo da média com pouco menos de 30 mil fichas. Naquele instante nada estava garantido e Alê, com muita coragem, foi de all-in com 99, e deram call com AQ. Um 9 no flop dobrou suas fichas e o fez entrar bem na primeira faixa de premiação. A coragem para colocar todas as fichas no centro, faltando apenas um jogador cair para estourar a bolha, é fator determinante para se formar um vencedor. Essa coragem apareceu em várias outras mãos em que Alê, sem medo de ser feliz, dava reraises nos adversários – muitas vezes sem jogo algum. Quem assistiu o seu caminho até a mesa final pôde comprovar um jogo quase sem falhas. Algumas pessoas no Brasil ficaram sabendo de certas mãos nas quais a sorte sorriu para o Alexandre na mesa final. O que poucos sabem é que, antes de chegar lá, poucas vezes ele tinha colocado seu stack inteiro em risco. Vimos esse brazuca jogar um poker de primeiro mundo, e boa parte do tempo na mesa do adversário contra quem acabaria fazendo o heads-up decisivo, Marco “CrazyMarco” Johnson. Acho que a pior parte foi passar para a mesa final e ter que esperar até o dia seguinte. Porém, recarregar as baterias era fundamental. E nesse dia decisivo para o 53


O bracelete é nosso!!!

Brasil lá estava eu novamente assistindo, dessa vez fotografando a final table. A emoção no ar era gigantesca. “Rádio” ajudava a passar as mãos via nextel para a cobertura no Brasil, o Poker News também estava por lá fazendo a cobertura, e havia muitos brasileiros passando pelo local e torcendo. Era uma situação curiosa, pois muitos estavam disputando outros torneios. Federal no Omaha; Akkari, Juliano, Mojave e Brasa no HORSE. Ainda assim, a cada intervalo, todos lá assistindo – a energia positiva era incrível. E na mesa final a sorte ajudou. Quando restavam cinco jogadores, uma mão decisiva: Alexandre vai de all-in préflop com 6♠7♠, e o adversário paga com AQ. As primeiras cartas do bordo já pareciam acabar com o sonho: A-Q-x. Dois pares para o oponente. Para ganhar a mão, apenas duas cartas de espadas seguidas, ou dois seis ou dois setes seguidos. O turn trouxe um 6; o river, outro 6. E a trinca improvável quebrou os dois pares! A torcida foi à loucura! Os momentos entre a eliminação dos adversários e o heads-up decisivo foram tensos. Alê estava com mais de 6 dos 9 milhões em fichas em jogo. Parecia fácil? Não existe batalha fácil. Ainda mais contra “Crazy Marco”, na WSOP, valendo um bracelete. Trinta minutos após o início, Marco já tinha virado e chegado aos 6 milhões em fichas. Nada parecia dar certo, até que aquela coragem de que falei entrou em jogo. Alê subiu pré-flop com J3. O flop trouxe T-8-K e ambos deram check. No turn, uma Q. Alê apostou e Marco apenas chamou. No river, uma carta de paus abrindo chance para seqüência e flush na mesa. Marco dá check. Alê conta seu stack e decide apostar o seu all-in de mais 1,6 milhões em fichas. Crazy Marco pensa por um longo tempo, faz perguntas para Alê (que não 54

as responde) e acaba dando fold. Pensem bem: todas as suas fichas no meio da mesa em um blefe puro, valendo um bracelete. Para completar, Alexandre mostra suas cartas e coloca Crazy Marco em tilt – momento de alívio para o Brasil e de extrema coragem de Alê. Pouco tempo depois, a mão milagrosa. Alê vai de all-in com A♠T♠, com cerca de 3 milhões. Marco chama instantaneamente com AA. A torcida tenta acalmar Alê, dizendo que ele fará uma seqüência ou acertará dois dez. O flop traz o primeiro T e um J, junto com uma terceira carta baixa. Em coro, a torcida começa a dizer em voz alta: “DEZ! DEZ! DEZ!” E no turn: “DEEEZ!!!” O salão da WSOP se assusta com a gritaria que começa. Com este T no turn, Alê vira o heads-up decisivo e Crazy Marco, que tinha no AA a certeza de ter faturado o bracelete, fica desolado e desorientado. Tanto que apenas alguns minutos depois vai de all-in com JQ apenas para encontrar Alê Gomes com AK chamando imediatamente. O flop trouxe 2-3-4. O turn, um A. Apenas um 5 poderia empatar o pote. Mas nessa hora não havia mais jeito. A torcida já pulava comemorando, e o river só confirmou: o primeiro bracelete da WSOP é nosso! Ou melhor, é de Alexandre Gomes, do Brasil! O primeiro sul-americano a levar para casa o tão sonhado prêmio da Série Mundial. A energia era fabulosa, e conter o choro era difícil. Quatro anos depois de começar a jogar, pude ver a história sendo escrita diante dos meus olhos. Tive ainda mais orgulho de ser brasileiro e ver nossa bandeira estendida atrás do campeão. Parabéns, Brasil, pela linda temporada em Las Vegas. Que cada vez mais os brasileiros mostrem ao mundo que nós podemos ser os melhores naquilo que nos dedicamos a fazer bem. ♠ cardplayer 10 anos CardPlayerBraSIl.Com

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Alexandre Gomes e o Primeiro Bracelete do Brasil Há apenas 6 meses Alexandre Gomes, de 25 anos, deixou a advocacia para se tornar jogador profissional de poker. E no evento #48 da WSOP (no-limit hold´em de $2.000) ele superou um field de 2.317 concorrentes e fez uma mesa final formidável, apresentando um poker de nível mundial. Ainda no calor da vitória, nossos colegas da CardPlayer americana entrevistaram o Alê. E já como primeiro brasileiro a ganhar um bracelete da World Series of Poker, ele falou um pouco sobre sua estratégia na mesa final, sobre orgulho de voltar para casa com o primeiro bracelete de ouro para o Brasil e muito mais. Veja como foi. Card Player: Você entrou para a faculdade para se tornar advogado e acabou virando jogador de poker. Como foi essa história? Por que uma mudança tão radical? Alexandre Gomes: Sou advogado desde 2005, mas há cerca de seis meses resolvi jogar profissionalmente. Na verdade, comecei jogando torneios de poker e só depois decidi me tornar um jogador profissional. CP: E você joga poker há quanto tempo? AG: Jogo há cerca de dois anos e meio, mas como profissional há apenas seis ou sete meses. CP: É óbvio que você tem muitos fãs brasileiros aqui com você... Não é comum ver tanta comemoração de jogadores de outros países. O que faz do Brasil um lugar tão especial?

AG: Eles são fãs, mas são também amigos. É o jeito do povo brasileiro. Existem muitos jogadores de poker no Brasil, mas este é o primeiro bracelete que um brasileiro ganha na WSOP. CP: Agora você está $700.000 mais rico. Qual é a sensação? Você já tem planos para o dinheiro? AG: A sensação é boa. Muito boa! Mas ainda não tenho planos para o dinheiro CP: Qual foi sua estratégia a caminho da mesa final? AG: Havia jogado com os mesmos adversários no dia anterior, durante todo o tempo, e já era capaz de ter algumas boas leituras deles. Minha estratégia era ser agressivo. Acreditava que a diferença nas premiações criaria certa pressão, então resolvi entrar para decidir. CP: Havia algum jogador em particular que lhe preocupava a caminho da mesa final? AG: Sim, Marco Johnson. Comecei o torneio jogando com ele e o enfrentei um dia antes da mesa final também. Ele me preocupava muito. CP: Qual mensagem você quer deixar para os brasileiros que estão começando a jogar poker agora? AG: Para ser um jogador de poker, você não pode apenas querer ser um jogador. É preciso estudar o jogo e se preparar mentalmente. Não é uma vida fácil, então recomendo que procurem outros profissionais para conversar. Há muitos bons jogadores no Brasil, mas você não pode simplesmente vir e jogar a Série Mundial. É necessário começar de baixo e construir seu bankroll primeiro. ♦ Alexandre Gomes

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Q

uem conversa com esse simpático curitibano de 27 anos, não imagina a fera que se esconde por trás dos olhos azuis. risonho e brincalhão, o menino que teve de amadurecer à força por circunstâncias da vida começou a demonstrar seu talento com as cartas ainda nos tempos do truco. Há cerca de um ano, começou a escrever seu nome na história do poker nacional e, de lá pra cá, não parou mais. em sua galeria de resultados estão os maiores feitos conquistados por um jogador brasileiro no circuito live internacional. Sua mais recente vitória eleva seu nome à esfera dos grandes vencedores do feltro mundial, e não é exagero afirmar que o país já possui sua primeira lenda viva do poker. Mas isso não afetou o seu jeito de ser. alexandre gomes manteve sua simplicidade e continua fiel às origens. Homem de família, ele demonstra a todo instante sua preocupação e o seu carinho com as mulheres de sua vida: sua esposa, Priscila, e sua mãe, Ivelise. De volta à terra natal, alexandre nos recebeu em seu escritório, onde contou à CardPlayer Brasil um pouco de sua vida, desde sua infância, passando pela fase de jogador de truco, seu início no poker e seus melhores resultados. Coroando este registro histórico, fechamos o especial com as impressões do campeão sobre sua conquista do WPT, narradas por ele mesmo. Amúlio Murta: Como era a vida do garoto Alexandre Gomes? Alex andre Gomes: Eu nasci e cresci em Curitiba. Quando eu era criança, tive a oportunidade de morar dois anos fora do país. Então, dos 4 aos 6 anos, meu pai foi estudar e fazer a sua especialização em medicina em Londres e eu fui alfabetizado, digamos, na Inglaterra. Fora isso, passei toda a minha vida em Curitiba, estudei aqui a minha época de colégio, faculdade etc. Minha adolescência foi um pouco tumultuada. Perdi meu pai quando eu tinha 15 anos. Foi um momento marcante na minha vida e na da minha família. Meu pai recebeu uma proposta de trabalho e, após muito relutar, decidimos nos mudar para o interior de Santa Catarina. Era uma cidade pequena e seria uma mudança radical nas nossas vidas. Compramos apartamento, fizemos tudo o que tínhamos que fazer e, na viagem de ida, sofremos um grave acidente de carro, e meu pai acabou por falecer. Isso foi um marco na minha adolescência CARDPLAYERBRASIL.Com

porque me levou a enxergar a vida sob uma nova ótica. Eu fiquei com minha mãe e minha irmã e de certa forma me tornei a única figura masculina em casa. Esse momento me fez amadurecer e enxergar as coisas sob outra perspectiva, que talvez eu só viesse compreender mais tarde, caso isso não tivesse ocorrido. Graças a Deus, conseguimos reconstruir nossas vidas e hoje estamos felizes. Minha irmã está casada e feliz, e eu já tenho uma sobrinha. Minha mãe também encontrou uma pessoa maravilhosa, que se mostrou um pai para mim. Também estou muito feliz ao lado da Priscila. Coincidentemente, alguns meses depois do acidente eu a conheci, quando eu ainda tinha 15 anos. AM: Dizem que você era um ótimo jogador de truco. É verdade? AG: No acidente em que perdi meu pai, eu tive uma fratura muito séria na bacia. Quebrei um pedaço do fêmur também. Tive que passar por duas cirurgias muito complexas,

que me deixaram afastado de qualquer atividade física por um ano, e foi nessa época que eu conheci o truco. Lógico que era uma grande brincadeira, sem pretensões econômicas, mas eu gostava muito. Me afiliei à Federação Paranaense de Truco e comecei a jogar os torneios, viajar para jogar etc. Era uma coisa muito bacana. Esse foi meu primeiro contato com baralho. Tive muito sucesso no truco, ganhei vários torneios, fui campeão Paranaense, vice-campeão curitibano, campeão interclubes (um torneio por equipes). Pra você ter uma idéia, quando eu mudei de apartamento em Curitiba e fui morar sozinho, tive que jogar fora 120 troféus de truco. Não tinha onde guardar no meu novo apartamento, só fiquei com os mais expressivos. AM: E o poker, como você conheceu? AG: Eu tinha um amigo que jogava truco. Ele um dia chegou falando que existia um torneio de poker. E eu já imaginei um torneio cardplayer 10 anos

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Ivelise, Alê e Priscila

de poker fechado, aquela coisa que eu já conhecia, mas nunca gostei. Eu tinha amigos que jogavam, já tinha jogado algumas vezes, mas não me atraía muito. Foi então que ele me explicou que se pagava um valor fixo de entrada e que a coisa funcionava como os torneios de truco. Aí, num belo sábado chuvoso, depois de um torneio de truco, ele me convenceu a ir até o torneio de poker. Fomos eu e outro amigo meu, o Negrelli. Eu já conhecia o valor das mãos, o que não sabia era como funcionava a dinâmica do jogo, o lance das duas cartas, das apostas etc. Mesmo assim, aprendendo na hora, decidi jogar. Eu me lembro que o buy-in era de R$100,00, um valor caro para a época. Joguei o torneio e acabei achando muito legal. Gostei muito da perspectiva do jogo, de como era a competitividade dos jogadores na mesa. Achei muito interessante e caí próximo da bolha da mesa final. Daí em diante, a gente ensinou outros amigos a jogar, e a gente passou a se reunir nas segundas-feiras à noite para jogar. Geralmente era um sit-and-go de dez reais por pessoa, 42 28 CardPlayer.com.br

com direito a um rebuy. Era pura diversão. Lógico que a cada segundafeira chegava um com uma novidade: “Você viu o novo blog do C.K.? O Clube do Poker? O PokerStars?” AM: Sabemos que é longo e difícil o caminho entre a empolgação natural com a descoberta do Texas Hold’em e a decisão de se profissionalizar. Como se deu sua evolução enquanto jogador? AG: Depois que eu descobri o que era o poker fora do Brasil, aquilo me deixou incomodado. Eu me perguntava: “Como é que pode? Como existem pessoas que vivem disso?” Aí eu comecei a me informar, ler revistas, livros. Daí pra frente, comecei a tomar gosto pelo jogo. Ainda sem pretensões profissionais, eu me lembro do dia que encomendei meus primeiros livros de poker. Me recordo dos meus amigos tirando um sarro com a minha cara, quando fomos buscar os livros no correio. Eles falavam: “Para! Você vai ler isso aí?” Eram quatro ou cinco livros. Comprei os do Dan Harrington, o “Teoria do Poker”, do Sklansky, os “Super/System” 1 e 2 — e olha que nem precisava ter

Alê em família, aos 12 anos

comprado o segundo, porque é uma atualização do primeiro, mas eu não sabia [risos]. O curioso é que, antes disso, eu me lembro de ter tirado sarro com outro amigo que comprou um livro de poker. Eu não entendia, né?! Eu me lembro de falar com ele: “Para! Tá querendo aprender o que? Matemática?” Agora era eu quem estava comprando os livros [risos]. Aí fui estudando, aprendendo. Eu me lembro que eu acompanhava muito o blog do C.K. e do Raul no Clube do Poker. Eu achava muito legal as viagens que eles faziam, os torneios que eles jogavam. Fora os valores que eles falavam, uma coisa impensável naquele tempo. AM: Você já jogava poker online nessa época? AG: Nessa época eu tinha uma resistência muito grande quanto ao jogo online. Eu tinha muita desconfiança sobre a credibilidade dos sites, essas coisas. E eu me lembro que o momento em que eu resolvi dar um voto de confiança para os sites se deu quando eu fiz uma viagem para São Paulo para jogar o BSOP. Fiz a viagem de carro e fui com CARDPLAYERBRASIL.Com


HU contra “CrazyMarco”, na WSOP 2008

meu amigo Zezão. Ele já tinha sido Campeão Sul-Brasileiro e, na época, era o jogador mais experiente que tínhamos perto da gente. Nessa viagem, nós fomos conversando sobre poker na ida e na volta, e, dentre as coisas que falamos, uma delas foi o poker online. Em São Paulo, joguei o BSOP e acabei fazendo a mesa final, terminando em 7º lugar. Eu me lembro que fiquei até emocionado porque eu só tinha jogado os torneios locais aqui de Curitiba, mas não tinha muitos resultados. Então fiquei muito feliz com a mesa final no BSOP. Na volta, o Zezão me convenceu a comprar 100 dólares e começar a jogar no PokerStars. Só que eu não tinha tempo para jogar, porque eu estava numa rotina muito corrida de trabalho, faculdade etc. Então voltamos para Curitiba e eu só fui jogar novamente no sábado seguinte. Eu me lembro que estava na casa da Priscila, e estava emocionado. Só falava daquilo, e ela naquele negócio de “calma, vamos devagar”, com aquele receio que é normal, das pessoas que não têm contato, e o primeiro impacto do jogo é uma CARDPLAYERBRASIL.Com

coisa que assusta um pouco. Naquele dia ela estava fazendo um trabalho da faculdade e eu me sentei no computador dela e comecei a jogar uns SnG no PokerStars. Joguei também um torneio de $3 com rebuy e acabei ficando em 4° lugar. Ganhei US$1.400,00! Aí eu não acreditava! Fiquei deslumbrado com o negócio. Liguei para o Zezão, porque eu queria realizar o lucro, né?! Ele me ensinou como fazer retirada. Deixei $400 na conta, saquei o resto e aproveitei para tirar um sarro com os amigos que falavam: “Vai, fica pondo dinheiro lá... Vai passando cartão pra você ver...” Peguei o dinheiro, mostrei para eles e falei: “Aqui, ó, vocês falaram que esse negócio de jogo não existe!” [risos] Logo depois, conheci o outro lado da moeda. Descobri que não era tão fácil assim ganhar dinheiro jogando na Internet. Muito pelo contrário. Os $400 dólares que eu deixei lá acabaram sendo pulverizados. Foi assim que eu descobri que era muito difícil ser um ganhador constante no poker online. Aí eu fui jogando aos pouquinhos. Não era fácil porque eu não tinha

bankroll e, além do que, foi uma época em que eu estava sem tempo para jogar. Eu estava dando aula, fazendo monografia, estudando para o Exame da Ordem. Então comecei a fazer umas loucuras. Por mais que eu não tivesse tempo, meu interesse pelo jogo aumentava a cada dia. Eu chegava em casa 10, 11 horas da noite e ia para o computador jogar. Jogava até duas, três da manhã e ia dormir. Acordava estragado no dia seguinte e ia trabalhar. Até que um belo dia meu bankroll deu o primeiro salto: foi em um torneio de $11 com rebuy no PokerStars, que eu acabei ganhando. Cravei o torneio e meu BR, que era de $500 dólares, subiu pra 13K. Com isso, comecei a jogar uns torneios mais caros e obtive alguns bons resultados. A coisa começou a acontecer e eu fui subindo aos poucos. AM: Com a regularidade e os bons resultados no poker online, surge o inevitável momento de se perguntar: “Devo ou não me tornar profissional?”. Conte-nos um pouco sobre como foi esse momento para você. AG: Em julho de 2007, ganhei um megassatélite do Stars, que dava uma vaga para a World Series. Eu fui para Vegas, mas não cheguei a jogar o main event. Como o Stars depositava a grana e você tinha a opção de jogar ou não o evento, optei por entrar em eventos menores. Quando eu voltei, o segundo semestre foi o momento crítico de indecisão, em que eu comecei a cogitar a possibilidade de me profissionalizar. Eu vinha com resultados muito bons. Embora pequenos, eu acreditava que na medida em que tivesse mais tempo para me dedicar, os grandes resultados iriam aparecer. Eu tinha vários receios. Além disso, eu gostava muito da advocacia e já cardplayer 10 anos

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vinha, de certa forma, encaminhado: possuía meu escritório próprio, estava muito feliz com a minha atividade e tinha perspectivas muito boas. Foi muito difícil para mim abrir mão disso. É diferente de quando você está insatisfeito com a sua atividade. Eu gostava mesmo do que fazia, o fato foi que eu conheci outra situação. Quando o poker entrou na minha vida, percebi que eu poderia extrair frutos. A coisa que começou como um hobby tinha ganhado uma proporção muito maior. No final do ano, em dezembro de 2007, numa reunião de final de ano no trabalho, eu cheguei para os meus sócios e avisei que estava me desligando do escritório. AM: Imagino que você tenha se sentido pressionado após tomar essa decisão. AG: Quando você se profissionaliza, é comum sentir aquele receio nos seus amigos, principalmente aqueles que estão mais de fora. As pessoas não fazem por mau, eles fazem isso porque se preocupam com você. Eu sentia isso e, de certa forma, criou-se uma pressão. Mesmo tomando a decisão de forma tranquila, com um bankroll bem razoável, que poderia suportar as oscilações, me senti pressionado por aquela situação. Eu queria que as coisas acontecessem para poder mostrar às pessoas que eu havia tomado a decisão mais acertada. Mesmo com a pressão, eu estava convicto de minhas decisões. Para confirmar isso, em fevereiro eu ganhei o maior torneio online da minha vida: faturei quase 65 mil dólares. Parece que foi um sinal de Deus, dizendo: “Fica tranquilo!” AM: No meio de 2008, você foi para Las Vegas, dessa vez para fazer história. Agora, um 44 30 CardPlayer.com.br

ano depois, como você se recorda dessa experiência? Houve alguma situação ou mão que lhe tenha dado confiança, ou mesmo um sentimento, de que você poderia vencer o torneio? AG: Até então eu não tinha conseguido um grande resultado fora do Brasil. Eu já tinha jogado nas Bahamas, em Monte Carlo, em Manchester, na Inglaterra, e também em Las Vegas, no ano anterior. É claro que eu estava um tanto quanto desanimado. Claro que você percebe que não é tão fácil assim ganhar um torneio internacional. Já é difícil chegar, quanto mais ganhar. Então eu fui pra Las Vegas e, nesse período, eu estava colhendo bons frutos no poker online. Fui para lá tentando ajustar no meu jogo alguns fatores que estavam me travando fora do país. Nessa temporada, joguei vários eventos e optei por entrar em dois torneios da World Series. Um $3K, e o $2K, que acabei ganhando. Esse foi um torneio mágico. Eu me lembro que era muito acelerado, que você começava com quatro mil fichas e blinds 25/50. Então minha estratégia era fazer fichas logo no começo, para poder me colocar na disputa e jogar o torneio. E acabou acontecendo o contrário... As coisas foram dando errado, e eu cheguei a ficar com 2.200 fichas com blinds 100/200. Quando chegou o intervalo, eu me lembro de ter encontrado o Giovani “Tr3cool”. Eu estava muito desanimado. Ele, que vinha bem no torneio, me incentivou, me pôs pra cima e, depois do intervalo, as coisas voltaram, e voltaram acontecendo. Eu dobrei, dobrei de novo e consegui um stack razoável, e me coloquei no jogo. A primeira vez que eu pensei que poderia chegar nas cabeças do

torneio foi quando faltavam cerca de 90 jogadores. No dia anterior, ganhei um coinflip na bolha com 9-9 contra A-K. Com isso, entrei no 2º dia na média. Começaram 198 e, quando restavam mais ou menos 100 jogadores, eu estava muito grande, tinha mais que o triplo da média. Foi quando comecei a perceber que havia chance de vencer o torneio. AM: Após aquela vitória, você concedeu uma entrevista em que dizia que, naquele horário, sua mãe, que tinha ficado em Curitiba, deveria estar dormindo. Isso me veio à memória por ser um momento curioso, um instante que uniu o melhor dos dois mundos: a família e a fama. Como foi a recepção na sua volta ao Brasil? E como você lida com o fato de ter entrado para a história do poker nacional? AG: Eu estava muito curioso para ver como seria a reação das pessoas no Brasil. Até então, alguns me conheciam por alguns resultados na Internet, alguma coisa live, mas eu não era um nome conhecido. Então, foi muito emocionante quando eu voltei para o Brasil e me encontrei com as pessoas. Os caras me abraçando, dando parabéns, falando: “Pô, cara, obrigado pelo que você fez!” Os caras agradeciam por eu ser brasileiro, uma coisa muito bacana. Recebi vários e-mails que diziam exatamente isso: “Obrigado por você ser brasileiro! Obrigado por você representar as nossas cores!” Para mim isso foi motivo de muito orgulho. Poder jogar com aquela bandeira nas costas, para o mundo inteiro ver, foi algo que eu nunca tinha imaginado, uma emoção imensa. Sobre ter entrado para a história do poker nacional, isso é uma coisa CARDPLAYERBRASIL.Com


que me falam, e é muito séria. É impressionante, quando você para pra pensar na importância que isso teve realmente. É difícil de pensar, é difícil de falar, porque as palavras fogem um pouco para explicar o que representa como realização pessoal o fato de ter sido o primeiro cara a ter conseguido fazer isso. Qualquer coisa em que você seja o primeiro já é motivo de grande alegria. Além disso, o fato de trazer um título para o Brasil, num momento em que estão todos brigando pela regulamentação do poker, é muito importante porque traz reconhecimento, não só pela comunidade do poker, mas por toda uma massa que está em volta. Saber que eu contribuí com isso é muito bacana, muito legal. AM: Após a conquista de 2008 você foi convidado a fazer parte do PokerStars Team Pro. O que mudou na sua vida desde então? AG: Minha vida pós-bracelete mudou muito, principalmente em função do meu trabalho com o PokerStars. Eu tive o privilégio de assinar um contrato com eles. Para mim, isso foi uma realização pessoal absurda. Comecei jogando online lá, então sempre CARDPLAYERBRASIL.Com

tive uma relação muito próxima com o site. Minha rotina de vida também mudou 100%. Eu tinha outra rotina, outros compromissos e isso me levou a ter uma vida completamente diferente. Tive a oportunidade de conhecer e conviver com outras pessoas do Team Pro do PokerStars. Aquela coisa, né? Um ano atrás eu estava vendo os caras na TV, e agora eles estão aqui, do meu lado, conversando comigo. Isso foi uma experiência fantástica, um aprendizado muito grande. Acho que isso foi crucial para os resultados que eu acabei alcançando pós-bracelete. AM: Depois de ter sido o primeiro brasileiro a vencer um evento da World Series, você parece que gostou dessa coisa de ser primeiro: foi um dos primeiros brasileiros em uma mesa final de LAPT, em que seu 4º lugar foi nosso melhor resultado até hoje, sem falar da mesa final no PCA das Bahamas, onde conseguiu outro 4º lugar. Agora você foi novamente o pioneiro com a conquista de um bracelete do WPT. Conte-nos um pouco sobre esses eventos. AG: O primeiro evento que eu joguei quando voltei de Vegas foi o LAPT de Punta del Este. Foi um torneio muito legal porque foi meu primeiro como profissional do PokerStars. Minha família estava lá comigo e eu consegui o melhor resultado de um brasileiro em um LAPT. Foi muito bom. O PCA das Bahamas foi uma coisa mágica. Um lugar maravilhoso, um evento com uma estrutura perfeita, e eu tive o privilégio de fazer um torneio muito bom. Pelo fato de ser muito longo, eu tive que adotar algumas estracardplayer 10 anos

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tégias, cada uma para um determinado momento, e foi lá onde eu consegui fazer uma estratégia perfeita. Comecei o torneio em uma mesa duríssima, com o Dario Minieri a minha direita, e foi um momento em que minha paciência foi colocada à prova. O Dario é um cara duríssimo de enfrentar, mas, como eu estava com ele a minha direita, ainda consegui me mexer, e fui me acalmando, subindo aos pouquinhos. Fiz um segundo dia muito bom, um terceiro também. O dia anterior à formação da final table foi o que eu mais oscilei. Tive altos e baixos e joguei aquela famosa mão contra o Kevin “BeL0WaB0Ve” Saul. Essa mão ficou marcada e, até hoje quando eu entro no PokerStars, os jogadores falam comigo sobre ela. Foi marcante porque ele é um 46 32 CardPlayer.com.br

cara renomado, que foi chip leader durante boa parte do torneio, e eu consegui extrair o máximo de valor na mão. Consegui atraí-lo para o pote e fazer com que ele colocasse todas as suas fichas no centro da mesa. Com essa mão, acabei virando o chip leader e comecei a final table na primeira posição. Infelizmente, acabei caindo numa armadilha do baralho, com um par de ases que encontrou uma quadra de valetes, mas isso aí é do jogo. O torneio de Bahamas possui uma estrutura muito boa e um nível muito alto, com uma particularidade: a WSOP, o EPT e o WPT só permitem jogadores acima de 21 anos, e em Bahamas o torneio é aberto para jogadores a partir de 18 anos. Com isso, além de todos os profissionais, estava lá

toda a molecada do online. Quem já jogou com esses caras sabe como é difícil enfrentá-los. Eu consegui montar uma estratégia boa e chegar na reta final. (Confira as impressões de Alexandre Gomes sobre sua vitória no WPT no especial da pág. 52) AM: Geralmente, quando eu faço esta pergunta, quero saber de meus entrevistados qual torneio eles sonham em vencer. No seu caso, a pergunta é: Ainda há algum evento que você sonhe em vencer? [risos] AG: [Risos] Antes de ir para o WPT, eu dei uma entrevista para o pessoal de lá, falando sobre vários aspectos. Dentre eles, um foi o que me motivava a jogar poker. Comecei a pensar sobre isso, e é muito difícil encontrar uma resposta que consiga expressar realmente tudo que eu penso a respeito. Acho que o fascínio do poker, pelo menos para mim, é a questão do desafio. Cada etapa é um novo desafio. Eu, por exemplo, quando me profissionalizei, tinha o objetivo de conseguir um resultado expressivo, conseguir regularidade em torneios, aprimorar meu jogo. Em resumo, tinha o desafio de vencer um torneio grande. Claro que não imaginava que seria uma World Series, mas acabou acontecendo. Depois do bracelete eu tinha um novo objetivo, que era conseguir uma mesa final ou um bom resultado na Europa. Acabei conseguindo um bom resultado nas Bahamas, que não é na Europa, mas é um torneio representativo, e que até o ano passado valia pelo EPT. A mesa final do PCA foi importante porque tirou da boca das pessoas aquela história de: “Ganhou uma vez só... Quebrou par de ases no HU...” e toda aquela coisa. CARDPLAYERBRASIL.Com


Passado o PCA, eu queria muito um resultado expressivo em um WPT. Eu te falo, do fundo do meu coração, é três vezes mais fácil vencer um bracelete da World Series do que um World Poker Tour. No WPT o field é muito mais qualificado, a estrutura é muito mais técnica e o buy-in muito mais caro. Agora eu lanço para mim mesmo um novo desafio, que é continuar na briga por um título na Europa. Acho que é isso que faz a chama estar sempre acesa: a busca de novos desafios que fazem com que eu tenha que ficar estudando, atualizando, lutando pra estar sempre crescendo. Realmente, conquistei muitos resultados em um curto período de tempo, mas acho que eu tenho muito a conquistar ainda. Ainda tenho muito a crescer, aprimorar meu jogo, desenvolver aspectos sobre algumas deficiências que eu tenho. AM: Quem vivencia o universo do poker de forma profissional, independente de ser jogador ou não, percebe que a “convergência” parece ser a tendência desse nosso mercado. E com você não tem sido diferente, pois você tem ampliado seus horizontes para além do jogo em si. Conte-nos um pouco sobre TV Poker Pro, seu projeto com o Akkari. AG: O TV Poker Pro é uma idéia que surgiu no ano passado, em uma viagem minha com o Akkari. É um portal que une entretenimento e conteúdo. A ideia do site partiu dos vídeos que mostram como é a vida de um jogador profissional de poker. O que nós fazemos, os bastidores das nossas vidas etc. O outro lado do site é a Pro School, onde são produzidos vídeos didáticos de torneios, análises de mãos, vídeos didáticos com instrutores etc. Além disso, existem as promoções, torCARDPLAYERBRASIL.Com

neios especiais, ranking interno e outras coisas para o assinante. Graças a Deus, o site está no ar há alguns meses e a aceitação tem sido acima da expectativa. AM: Alê, abrimos este espaço para você fazer os seu agradecimentos e deixar um recado para a “turma do F5” — a torcida da internet. AG: Eu gostaria de agradecer a todos vocês pela oportunidade, pela seriedade com que a CardPlayer leva o poker brasileiro, não só do ponto do jogador em si, mas do ponto empresarial. A gente só tem a agradecer a vocês porque isso só valoriza o nosso trabalho. Então eu gostaria de agradecer pela oportunidade de estar aqui mais uma vez. Quero falar também que a capa da outra edição deu sorte, porque aqui estou eu de novo [risos]. Quero agradecer, lógico, a minha família, a minha mãe, a Priscila, que estão comigo desde o começo, e isso foi fundamental para que eu conseguisse ter equilíbrio emocional e chegasse até aqui — principalmente na carreira do poker, em que lidamos com umas questões cruciais, como dinheiro, viagens, e somos obrigados a abrir mão de algumas coisas. O equilíbrio emocional e familiar foi fundamental, e eu acho que isso me ajudou muito a chegar aonde eu cheguei. Quero agradecer também aos grandes amigos, não só do poker, mas meus grandes amigos que já me acompanham me dando suporte. São todos esses que estiveram comigo desde o início da caminhada. Eu não vou falar nomes para não cometer injustiças e deixar de citar alguém. Quero agradecer também a toda a equipe do TV Poker Pro que está na estrada com a gente. Para a turma do F5, que sofre

na torcida, vocês não têm ideia da importância e da ajuda que vocês nos dão em nossa caminhada. É impressionante. Você chega em casa cansado, três, quatro, cinco dias de evento, e olha o computador: centenas de mensagens, aquela torcida no Orkut... Isso dá uma injeção de ânimo na gente. É uma coisa que eu não tenho palavras para agradecer. Quero dizer, do fundo meu coração, que eu espero um dia poder fazer o mesmo por cada um de vocês que já torceu por mim. Isso não tem preço. Não tem como expressar a alegria que isso passa. E tem mais, isso incomoda o pessoal lá fora, essa energia, essa vibração, essa garra que nós brasileiros temos. Isso é uma das nossas armas para, cada vez mais, estar atrapalhando os caras lá fora. Muito obrigado a todos vocês. Eu realmente não tenho nem palavras para agradecer isso que você fazem. ♠ cardplayer 10 anos

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ESPECIAL

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Pioneiros. É impossível falar da história do poker brasileiro sem falar de Raul Oliveira e de CK. Eles foram os primeiros brasucas a desbravarem o universo do poker online no início dos anos 2000. São praticamente “patronos” do poker nacional e criadores da primeira “escola de poker” brasileira, o lendário site Clube do Poker. Eles foram capas da Card Player Brasil nas edições de número de 16, em 2008, e de 32, em 2010.

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CHRISTIAN KRUEL E RAUL OLIVEIRA cardplayer cardplayerbr 10 anos

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Por Amúlio Murta

De que são feitos os campeões? Dentre as características comuns aos vencedores, as duas do título se destacam em nosso entrevistado. Ele, que já foi chamado de tudo um pouco: de ídolo a “produto da mídia”, foi do Céu ao inferno, e está (muito) vivo para contar a história. Quando nada disso existia no Brasil: sites, eventos, patrocínios, ele já quebrava a cabeça encarando feras como Gus Hansen de igual pra igual. Ídolo? Ele não se considera. “Produto”? Definitivamente, não. Christian Kruel é o retrato da juventude impetuosa,

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da energia vital que reinventa a realidade, e que aprende que toda mudança tem um preço. Em uma conversa emocionante, CK conta à CardPlayer Brasil como foi o início, a ascensão, a queda e o renascimento de sua carreira de profissional do poker. Esta, caro leitor, é daquelas matérias que já nascem “clássicas”, antológicas, e que ecoarão pelas gerações futuras como referência aos pioneiros do nosso esporte. Com vocês, Christian Kruel, com toda a dignidade e superação de que são feitos os campeões.

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Amúlio Murta: o Brasil inteiro conhece o CK do poker. É verdade que você também foi um grande jogador de gamão? Christian Kruel: Sim. Conheci o gamão quando tinha 14 anos, por intermédio do meu pai. Ele era separado da minha mãe e, nos finais de semana em que eu me encontrava com ele, começamos a jogar. Com o tempo, conhecemos a ABG – Associação Brasileira de Gamão, cujo Presidente era muito amigo do meu pai. Num dos primeiros torneios organizados pela ABG existia uma categoria iniciante. Eu não possuía idade mínima para participar, mas consegui me inscrever. Acabei ganhando o torneio, mas, como não tinha idade, não pude jogar os outros. Quando completei a idade mínima, sem o apoio de meu pai (que desde o começo me dizia que eu teria que me virar com os buy-ins), comecei a disputar os torneios de gamão e a conquistar alguns resultados. um ano depois disso, decidi que iria morar sozinho. Nesse período eu trabalhava no Jockey Club, no desenvolvimento e manutenção do site deles. Com alguns resultados mais expressivos nas categorias intermediárias do gamão e o meu emprego no Jockey, eu conseguia custear as minhas despesas. Nessa fase, descobri o gamão pela internet, abri uma conta a dinheiro e comecei a jogar. Só que isso foi em 1999, e naquela época era uma loucura jogar gamão online. Ao contrário de hoje em dia, em que a transferência de premiação é imediata, em 99 a gente tinha que contar com a sorte do jogador transferir o valor previamente combinado, caso você conseguisse vencer o jogo. Não existia nenhuma garantia de que os jogadores iriam efetuar a transferência. Porém, mesmo com todas as dificuldades, era possível se fazer algum dinheiro jogando pela internet. Meu sonho sempre foi trabalhar com Bolsa de Valores e Mercado Financeiro. Sempre fui muito ligado nesse negócio de números e tudo mais. Nesse período eu trabalhava praticamente 12 horas por dia e sem folgas, porque no jockey tem corridas nos finais de semana e feriados, então eu ralava muito – foi quando conheci o Raul. Conheci o Raul em uma semifinal de um campeonato de gamão. Eu perdi para ele, que acabou vencendo o torneio. Ficamos amigos, e nessa época eu me mudei para Ipanema: estava ficando muito caro morar sozinho, então convidei o Raul para dividir o apartamento comigo. Isso foi mais ou menos nove anos atrás. Ele trabalhava de assessor financeiro no Flamengo. Nossa rotina era faculdade-trabalho, e há noite tínhamos uma conta única no gamão, onde a gente jogava rachado. A gente sempre foi meio maluco, eu em especial sempre fui muito louco com esse negócio de conta. Sempre peitei as coisas. Pra você ter uma idéia, se meu salário era de R$1.500,00, meu custo de vida era de R$3.000,00. Ou seja, essa diferença tinha que vir do gamão, não tínhamos muita opção. AM: em que momento o Texas Hold´em entra nessa história? CK: Foi exatamente nesse período que surgiu o poker, meio que por acaso. lembro como se fosse hoje. Eu es62 CardPlayer.com.br 40

tava trabalhando, e o Raul me ligou dizendo que havia pego um filme que a gente precisava assistir: “Rounders” (Cartas na Mesa). Depois que assistimos ficamos loucos. Queríamos descobrir onde e como se jogava aquele jogo. Procuramos na internet e descobrimos um site onde era possível jogar online, e foi aí que tudo começou. AM: assim como a grande maioria dos jogadores, vocês devem ter sofrido bastante até os bons resultados chegarem. Como foi o começo? CK: Nossa, Murta, foram tempos difíceis. Nesse período, o lucro que eu obtinha jogando gamão, e que custeava o meu estilo de vida, eu acabava entregando no poker. Naquela época não existiam mil pessoas conectadas num site. Poker não era nada no mundo, que dirá na web: eu não sabia jogar e perdia o tempo todo. um dos meus parceiros do gamão, um alemão que tinha virado meu amigo, me contou que estava jogando Texas Hold’em e que era ganhador. Eu não entendia como era possível ganhar dinheiro com aquele “jogo”. Aí, ele me deu umas dicas e comecei a pesquisar na internet. uma das primeiras coisas que encontrei foi a “Tabela do Sklansky” (Small Stakes Hold’em, publicado em português pela Raise Editora). Só depois dessa fase de pesquisas é que percebemos, eu e o Raul, que não se jogava todas as mãos e que de fato existiam estratégias e técnicas para se tornar um ganhador no poker. Quando descobri que existia solução matemática e estratégia para vencer no Hold’em, aí a coisa virou um desafio pra mim. Comecei a acompanhar os rankings, ver os jogadores que estavam no topo, ver como eles jogavam e passei a empatar meus resultados. Fiquei uns três meses empatando ou ganhando muito pouco. Com isso, o que eu ganhava no gamão voltou a “sobrar” para que eu pudesse voltar a pagar as minhas contas – o que me deu um certo alívio, porque as coisas não estavam sendo fáceis. AM: o que você jogava nessa época? CardPlayerBraSIl.Com


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CK: Curioso é que o jogo do momento, na época, era o Limit Hold’em. Hoje em dia existe muito preconceito com limit e as pessoas desconhecem que foi daí que surgiu a essência de vários conceitos aplicados hoje em dia no No-limit. Conceitos com Value Bet e muitos outros. Naquele tempo não se falava em No-limit. Eu jogava SNG de uS$33 e, para conseguir resultado real, eu precisava fazer muito volume de jogo: eu me forçava a jogar várias horas por dia. lembro de uma época em que eu tinha a meta de jogar 500 SNG em um mês. Foi uma fase em que eu ia de manhã para a faculdade, à tarde para o jockey e às noites e madrugadas eram do poker. Eu praticamente não tinha vida social, engordei muito e foi aí que decidi largar o jockey e encarar o poker a sério. AM: Não deve ter sido fácil tomar esta decisão? Como seus pais reagiram? CK: Meus pais ficaram loucos e me chamaram de maluco pra baixo. Eu encarei isso como mais um desafio e fiquei mais neurótico ainda com isso. Depois da faculdade, eu engatava no online pra provar pra mim e também para os meus pais que a minha decisão tinha sido a mais acertada. Os resultados começaram a aparecer e eu comecei a subir de nível nos SNG. Quando dei por mim, já estava jogando sits de uS$100,00 e disputando ranking com os jogadores que eu admirava e acompanhava lá no início. AM: um dos episódios mais interessantes da sua trajetória no poker foi a série de heads-ups contra o dinamarquês mundialmente famoso gus Hansen. Conte-nos um pouco sobre essa história. CK: Acho que foi entre 2003/2004, fase em que a minha carreira começou a crescer muito. Eu me recordo que fiquei um longo período jogando HU contra o Gus Hansen, e por muito tempo eu nem sabia que ele era o Gus Hansen. Começamos jogando 30/60, depois 100/200, e comecei a derrubar o cara. O nick dele era “Brosque”, e todo dia a gente se enfrentava em HU na Internet. Existiam poucas pessoas que gostavam de jogar HU, então, jogávamos juntos direto. Eu só fui descobrir que ele era o Gus Hansen em um fórum na internet, e aí eu não acreditei. Depois acabei tendo a confirmação em uma conversa com ele. AM: Pelo seu relato, o poker tomava muito do seu tempo. o fato de não possuir uma vida social não lhe incomodava? CK: Quando cheguei ao topo do ranking do Party Poker minha vida financeira se estabilizou. Consegui trocar de carro mudei pra um apartamento maior. Mas foi uma fase complicada, porque eu deixei de me cuidar, deixei de praticar atividade física, engordei muito e não tinha nenhuma vida social. Jogava muitas horas por dia. Foi um tempo em que ganhei muitas coisas e perdi outras. Ganhava a liderança do ranking e estabilidade financeira, mas perdia outros aspectos da vida. Sempre fui um cara muito ligado a esportes, qualidade de vida e tudo mais. O fato de ter me tornado sedentário, engordado, etc., estava me incomodando muito. Portanto, assim que eu consegui concretizar minha vida financeira, a primeira 64 42 CardPlayer.com.br

coisa que fiz foi me dedicar a mim mesmo. Voltei a praticar esportes e passei a priorizar a minha saúde, e a medida em que eu vou voltando para meu peso de origem e me cuidando, vou me sentindo melhor comigo mesmo e meus resultados vão melhorando. AM: Como um dos pioneiros do poker nacional, você teve a oportunidade de vivenciar fatos que a grande maioria dos jogadores brasileiros só conhece pelos livros, revistas e DVD`s. Como foi presenciar o boom do poker mundial depois do “efeito moneymaker”? CK: O boom do poker mundial acontece com a vitória de Chris Moneymaker no Main Event da WSOP de 2003. A partir daí, as coisas começam a acontecer em uma velocidade enorme – fica até difícil mensurar. O No-Limit passa a virar moda e dominar o cenário. Surgem livros, programas de TV e a coisa começa a tomar corpo no mundo. Para mim, que já estava no negócio, foi um sonho. Depois do “Moneymaker” a quantidade de patos que surgiu na internet foi uma coisa absurda e era muito bom estar, eu nem digo um, mas vários níveis acima dos novatos. AM: Nessa altura, o poker online era absolutamente familiar para você. Quando foi que começou a jogar ao vivo? CK: O poker ao vivo surge nessa época. Eu descobri os satélites que dão vagas para os torneios fora do Brasil e, na primeira tentativa, ganhei uma vaga para o Party Poker Million. Esse torneio era um cruzeiro com buy-in de uS$ 600,00, uma coisa incrível para a época. A partir daí, comecei a tentar vaga em todos os satélites que aparecessem. Não eram muitos, mas o que tinha eu abraçava. Em seguida me classifiquei para o Poker Stars Caribean Adventure, nas Bahamas. um torneio em que foram 450 pessoas, dentre elas Phil Ivey, Daniel Negreanu e muitas outras estrelas. Gente que eu admirava. Pra mim foi um sonho, porque além de jogar com esses grandes nomes eu tive a oportunidade de fazer mesa final e terminar em oitavo. logo depois eu fui pra las Vegas, e joguei um torneio com buy-in de uS$2.500,00, em que peguei um quarto lugar. De Vegas fui para los Angeles e consegui outro quarto lugar, em um torneio preliminar do WPT, com buy-in também de uS$2.500,00. A partir daí eu comecei a emendar uma viagem na outra. AM: e a idéia de criar um dos primeiros sites sobre poker do país, como se deu? CK: Em um desses satélites para torneios live eu consegui uma vaga para o Aruba Classic: foi lá que nasceu o Clube do Poker. Estávamos em Aruba, eu e o Raul, e conhecemos o pessoal do Party Poker. Tivemos uma conversa com eles, sobre montar um site de poker em português e tudo mais. A idéia ficou nisso, trocamos cartões e a vida seguiu. Algum tempo depois demos andamento no projeto e, aos poucos, o site foi ganhando a dimensão que tem hoje. AM: Milhares de jogadores no país ficaram conhecendo o Texas Hold´em durante os programas que você comentava na eSPN. Como foi que você veio a se tornar um dos comentaristas de poker mais populares do Brasil? CardPlayerBraSIl.Com


CK: Com esses resultados, minha carreira começa a bombar muito, e quando eu volto para o Brasil, não sei como, mas a mídia passa a me procurar, e meu nome estava ficando conhecido no país. Eu saí em muitas revistas e jornais e, não muito depois disso, recebo um telefonema da ESPN. Eles me dizem que estavam tendo muitas reclamações com as narrações das transmissões de poker no Brasil, e que os programas estavam com muita audiência. Assim, surgiu o convite para eu começar a comentar as transmissões, e eu acabei ficando lá por três anos. Tenho muita satisfação de ter participado desse projeto e contribuído para a evolução das transmissões de poker no Brasil. AM: Sua carreira estava em ascensão. Seu nome era a referência quando se falava de poker no país, porém, a partir de 2006 seu desempenho começa a cair. o que aconteceu? CK: No final de 2006 eu comecei a me perder um pouco em valores. O jogo começou a crescer muito na internet e a minha ganância cresceu junto também. Como te falei, eu sempre estava ali, entre os High Stakes. Estava entre os Big Players da internet. Aí surgiu o jogo 200/400, 300/600, e eu comecei a me aventurar com meu BR nessas mesas. Minha vida passou a ter uns “up and downs” loucos. lembro que fui pra Vegas e, no quarto do hotel, eu não jogava nada mais barato que 200/400. Era muito caro para época e, se você pensar bem, é muito caro para hoje também. Fiquei muito ganancioso com meus resultados. Isso é uma coisa que eu enxergo muito claramente hoje. Além disso, o assedio repentino da mídia me subiu à cabeça. Era muita coisa muito focada só em cima de mim e eu não soube lidar com isso. Não foi uma coisa positiva. Nessa inconstância de resultados eu acabei, novamente, perdendo qualidade de vida. Voltei a engordar, fiquei mal de cabeça e comecei a entrar em parafuso. Perdia muito dinheiro em uma sessão, até o dia em que tomei uma pancada gigante e só não quebrei porque tive um “estalo” CardPlayerBraSIl.Com

de sacar o que tinha restado do meu BR e dei um tempo. Tentei colocar a cabeça no lugar e, quando voltei a jogar, fiquei muito tempo perdido na Internet. Eu queria jogar em um limite acima do que o meu BR comportava e tive que tentar ajustar o meu jogo em mesas baratas adequadas ao meu BR. Além disso, tinha que me manter motivado pra jogar em nessas mesinhas, e isso acabou me fazendo perder ainda mais dinheiro. Eu não consegui me adaptar, estava jogando extremamente mau e sem a menor paciência. Fiquei assim até o final de 2006, quando comecei a namorar minha vizinha. O inicio de meu namoro marca o começo da minha reestruturação. Minha relação com ela foi muito intensa. Com pouco tempo de namoro já estávamos completamente apaixonados. Comecei a me reencontrar e consequentemente os resultados voltaram a aparecer, só que agora em Multi-Table Tournaments: eu estava vivendo um sonho. No começo de 2007, quando eu estava prestes a me levantar de vez, uma tragédia acabou me derrubando por completo. Estava em São Paulo, gravando para a ESPN, quando recebi um telefonema de madrugada – era minha namorada. No telefone ela me disse que sua mãe havia sido brutalmente assassinada, na sua frente, em um sinal de trânsito no Rio de Janeiro. Eu estava em SP e, ainda atordoado com o que tinha acontecido, embarquei para casa. Quando cheguei, não consegui me encontrar com ela. O enterro já tinha acontecido e eles tinham decidido sair do país para se afastar do Rio e da mídia. A partir daí eu tive muita dificuldade de falar com ela até por telefone. Emagreci 7 quilos em duas semanas, não me alimentava, e entrei em depressão profunda. Eu não acreditava no que estava acontecendo: simplesmente o sonho tinha virado pesadelo. Eu sabia que isso acabaria terminando meu relacionamento com ela. E foi o que aconteceu, aos poucos. E o resultado disso eu não preciso te contar. Tem jeito de ganhar vivendo uma situação como essa? Então o cardplayer 10 anos

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ano de 2007 foi um dos piores de toda a minha vida e eu acabei quebrando completamente na internet. Pulverizei o que restava do meu BR e não fiquei com um único dólar em nenhum site. Comprovando a teoria de que nada está tão ruim que não possa ser piorado, comecei a ficar devendo a todo o pessoal que vende dólares nos sites. Jogava sem foco, perdia, pegava mais dólares, jogava displicentemente, perdia, e o ciclo parecia não ter fim. Para complicar, comecei a ser massacrado em todos os fóruns de discussão da internet. Fui chamado de farsante, de perdedor “criado” pela mídia. E isso me magoou profundamente, afetando ainda mais o meu jogo. Percebi que os caras começaram a pegar meus resultados de 2007, quando eu estava ladeira abaixo, e postavam nos fóruns de discussão, no orkut e por aí vai, ignorando todo o meu passado. Eu parava e pensava, “Mas espera aí, estão pegando meus resultados de 2007. Onde estão os outros nove anos da minha carreira?”. Percebi que muitos deles não têm a mínima idéia da minha vida e da minha história. Olha que situação, Murta, você deve a doleiros na internet, perde a mulher da sua vida, está todo mundo te criticando, ou seja, você tá perdido. Aí você acorda, vai ver seus emails, sua caixa postal está lotada de insultos, esculacho e o escambau... Como é que a gente consegue ter cabeça fria pra administrar isso tudo e conseguir bons resultados? AM: Como foi que você deu a volta por cima? CK: Nisso o ano vai passando. Tive alguns momentos de lucidez e consegui até fazer alguns resultados, mas nada significativo. No final de 2007 decidi mudar de apartamento para tentar esquecer a minha namorada. Meu apê havia sido decorado por ela e em tudo que eu olhava, onde quer que eu fosse dentro de casa, acabava me lembrando de alguma coisa da nossa relação. Com a mudança, comecei uma nova fase, em que eu tinha bem definido o que eu queria, e por onde recons-

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truiria minha vida. E esse caminho começava a partir de MTTs – sempre fui bom em multi-table tournaments, mas era onde eu estava mais sendo criticado. Então decidi recomeçar. Voltei a estudar torneios (coisa que não fazia há muito tempo), analisar onde estava errando e trabalhar nisso. Hoje em dia eu tenho uma rotina bem clara: acordo, dou uma corrida, mantenho a dieta, procuro me manter saudável – estou nessa maratona desde o fim do ano passado. Tenho jogado MTTs e colhido resultados excelentes. AM: o reconhecimento do seu talento aconteceu em nível internacional há alguns meses, quando você, juntamente com o raul e o Brasa, foram contratados por um dos mais poderosos sites de poker. Conte um pouco sobre sua entrada para o time do Full Tilt. CK: O contrato com o Full Tilt foi um presente. Eles já haviam me sondado antes, porém, o que me foi oferecido à época não compensava largar o Party Poker. No início do ano, obtive uma série de bons resultados no 100+R e logo depois eu fui para a Áustria. lá tinha muita gente do site e eles me reconheceram. Foi quando eles vieram conversar comigo. Trocamos emails e a partir daí começou a negociação, que não demorou muito. O contrato acabou me dando um impulso extra e sendo ótimo pra mim. Após o contrato, consegui dois excelentes resultados, um segundo lugar no 500K Garantidos e um quarto lugar no evento #20 da WCOOP (World Cup of Online Poker) do Poker Stars – esse, um torneio com mais de 3.467 inscritos, dentre eles muitos brasileiros, e um buy-in de uS$1.000+50. AM: agora que conseguiu retomar a sua carreira, que tipo de lição você tira de sua história? CK: Eu acho que as pessoas devem parar de julgar os outros: e isso não é só no poker. O brasileiro tem a memória muito curta. As pessoas têm que saber que, para uma pessoa chegar a ser reconhecida e admirada pelo que ela faz, teve que abrir mão de muita coisa. Ninguém chega ao topo sem luta. É preciso saber que é muito fácil julgar os outros. Muitos dos que me esculacharam hoje estão me elogiando, nos mesmos locais onde antes me crucificaram. Será que em oito meses consegui mudar todos os conceitos deles? Eu não estou dizendo que eu sou o ideal, a referência como ídolo ou o melhor jogador. Estou distante de tudo isso, mas também estou longe de ser aquilo de que me chamaram e do que escreveram sobre mim. O que eu digo é que cada um tem que procurar entender cada um. Ninguém fica 10 anos no poker por acaso. A maior lição que tiro da minha história é que não devemos julgar e nem pré-julgar as pessoas. E que na vida, respeito é fundamental. ♠ CardPlayerBraSIl.Com


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NÃO T EM CAÔ Por Bruno Nóbrega de Sousa

Sinceridade, tranquilidade e experiência: três palavras que definem bem Raul Oliveira. Verdadeiro “desbravador” do Texas Hold’em no Brasil, ele já quebrava a cabeça para entender a sutileza do jogo quando praticamente ninguém por aqui conhecia aquele poker com duas cartas na mão. Raul vivenciou o que, para muitos de nós, não passa de história: o surgimento dos principais sites, o efeito Moneymaker, o despertar do poker no Brasil. Ninguém permanece tanto tempo no mainstream por acaso. Portanto, toda atenção é pouca diante do que esse carioca tem a dizer. E com ele não tem caô. É tudo na lata. Confira a entrevista exclusiva que Raul Oliveira concedeu à CardPlayer Brasil.

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Bruno Nóbrega: Como um dos pioneiros do Texas Hold’em nacional, você vivenciou um período de informações escassas sobre o jogo, num cenário completamente diferente do que temos hoje. E você teve que, sozinho, assim como Christian Kruel, procurar entender o jogo e vencer. Eu gostaria que você falasse um pouco sobre esse começo, para o pessoal da CardPlayer Brasil ter uma noção de como tudo evoluiu num intervalo de apenas 10 anos. Raul Oliveira: Isso que você falou é curioso, porque, assim que começamos a jogar, muito tempo atrás, eu e o Christian não pensávamos em ser jogadores profissionais de poker. A gente descobriu o jogo, gostou e imediatamente começou a jogar. A gente imaginava menos ainda que o poker pudesse tomar essas proporções. O que a gente realmente fez de diferente na nossa trajetória foi ter decidido virar jogador de verdade. No princípio, só havia aquela imagem de jogador como o cara que perde tudo: fazenda, dinheiro da família etc. Acho que o estágio em que a gente assumiu que iria ser jogador de poker profissional foi o nosso diferencial, porque a gente encarou mesmo, entrando num meio que não sabíamos muito para onde estava indo. A gente realmente acreditou ali. Os dois gostavam muito do que estavam fazendo e a gente apostou numa coisa em que, até então, ninguém que a gente conhecia jamais tinha apostado. Como você falou, a informação era praticamente zero. Nem sei se o Google já existia na época, mas na ferramenta de busca disponível, quando você pesquisava “Texas Hold’em”, apareciam 10 páginas – hoje vêm 10 milhões. Não tinha nada. Eu nunca tinha jogado, o Christian nunca tinha jogado, então foi com certeza uma atitude corajosa. BN: Eu imagino como tenha sido a questão do preconceito na época. RO: Como com qualquer coisa diferente que alguém faz tende a ter um preconceito meio que instantâneo, as pessoas em volta que ficaram sabendo diziam: “Pô, vocês são loucos. Como é que vocês vão fazer isso? Como assim? Vão perder tudo!” e coisas do tipo. Eu até brincava e dizia: “Eu não tenho nada para perder. Como é que eu vou perder tudo?” [risos] Agora, o mais impressionante disso tudo, que eu e ele [CK] pudemos acompanhar, foi esse crescimento: até jogadores famosos, que já ganharam a World Series e tal, não tiveram esse tempo todo que a gente teve de participar do crescimento do jogo. Tem campeões aí que surgiram depois da gente. Não me lembro a data exata, mas acho que a gente descobriu em Texas Hold’em em 2001.

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BN: E quando foi que vocês descobriram o poker online? RO: Eu assisti a um filme, o “Rounders – Cartas na Mesa”, então a gente foi para o site de gamão em que sempre jogávamos, e lá perguntamos no chat se alguém conhecia o tal do Texas Hold’em. Ficamos perturbando mesmo, perguntando toda hora, até que um cara falou: “Conheço. Tem um site que você pode entrar”. Era o Paradise Poker, o maior da época, com 2.000 jogadores. A gente começou a jogar lá e ficamos sabendo que existia o PokerStars, que tinha 800 jogadores online e, mais tarde, ficamos sabendo do Party Poker, onde havia 500 jogadores. O Full Tilt, site que me patrocina, nem sonhava em existir ainda – seria lançado em 2004. Então esse era o cenário: você somava todos os sites de poker da época

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e tinham 3.000 caras online. Isso por volta de 2001, quando a gente começou no jogo. BN: Vocês já conseguiam enxergar as proporções que esse mercado iria tomar? RO: Quando a gente começou, nem a gente, nem os donos dos sites, nem ninguém poderia imaginar que isso iria virar uma febre mundial. Mas sei que a gente gostou de cara. E eu tive o prazer também de jogar a World Series 2003, a do Moneymaker, que gerou o boom do poker. Ganhei a vaga num satélite live em Vegas. O Main Event teve, se eu não me engano, uns 800 jogadores, o que já era considerado muito expressivo na época. BN: Sua formação é praticamente autodidata. Quando você começou, quase não havia material, e tudo era meio na base do instinto. De repente, viu-se disputando uma World Series em Vegas. Quais são as qualidades que você enxerga em si mesmo que lhe permitiram

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atingir essa realização até então improvável? RO: Acho que as minhas maiores qualidades são duas. Primeiro, eu tenho um raciocínio lógico bom para o jogo. Talvez isso venha um pouco daquela história do dom: tem gente que entende qualquer jogo em meia hora e tem gente que leva uma vida e não consegue pegar a manha. Eu sempre tive esse lado de ter facilidade em aprender os jogos. A segunda, é que eu rapidamente aprendi que toda jogada tem que ter um motivo (sempre falo isso em meus artigos). Quando você entende isso de verdade, começa a pensar o jogo, e aí começa a aprender. O cara dá um raise de 3x, mas não sabe o porquê daquilo. Dá um call, mas não sabe por qual motivo, e vai jogando. O grande jogador tem motivo para todas as jogadas que executa. Mesmo que diga que foi feeling, ele tem um motivo interior que imaginou. Nem que o cara tenha coçado o joelho na hora e tenha sido a razão de ele ter

O MAIS IMPRESSIONANTE DISSO TUDO, QUE EU E ELE [CK] PUDEMOS ACOMPANHAR, FOI ESSE CRESCIMENTO: ATÉ JOGADORES FAMOSOS, QUE JÁ GANHARAM A WORLD SERIES E TAL, NÃO TIVERAM ESSE TEMPO TODO QUE A GENTE TEVE DE PARTICIPAR DO CRESCIMENTO DO JOGO.

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ido all-in, mas ele tem um motivo para cada movimento. Isso me fez ver a complexidade do jogo: saber que tem que pensar em cada movimento me fez enxergar que o jogo era muito difícil e fez com que eu quisesse entender mais o jogo, aprender mais. BN: Um ponto curioso é que você e o CK têm uma amizade desde antes do poker, começaram a estudar o jogo juntos, tiveram, por assim dizer, o mesmo ímpeto e a mesma formação. Em que momento o seu jogo passou a diferir do do CK? RO: Antes de responder, preciso explicar uma coisa: o que acontece é que eu na verdade tive um erro de cálculo. Se eu tivesse a visão, há dez anos, de que o poker seria o que se tornou hoje, eu teria me especializado em multitable. Só que, na época em que a gente começou, os multitables não eram tão interessantes; os prêmios eram de 2 a 3 mil dólares, ou seja, você jogava horas, como hoje, mas com prêmios dez vezes menores que os atuais. Outra coisa é que o Christian sempre teve um lance muito de competição, de querer estar à frente dos rankings. Já eu tinha mais um lado de querer disputar mais comigo mesmo, querendo estar sempre onde era mais lucrativo financeiramente. Então o CK foi para os multis e eu fiquei mais na área dos cash games limit, que na época eram muito mais fortes do que os no-limit. O no-limit era muito mais fraco, tinha muito menos mesas, e eu tinha uma vantagem muito boa em limit. Quanto ao jogo em si, eu diria que o Christian sempre teve uma agressividade maior do que a minha. Às vezes, eu o questionava por ser agressivo sem justificativa. Mas hoje, ele realmente está num nível muito forte de jogo, porque já justifica a agressividade. Se você me der uma explicação sobre porque teve que ir all-in blefando, ou dar 3-bet ou 4-bet, aí sim eu concordo, mas desde que me explique o motivo, e não tenha feito isso só porque deu vontade. Acho que hoje ele chegou num nível em que está conseguindo entender a própria agressividade, mas na época ele partiu mais para o lado agressivo acho que por instinto mesmo, e eu fiquei um pouco menos agressivo que ele. Acredito que a diferença de ele ter seguido um caminho e eu outro foi essa: ele foi para onde havia competição e eu para onde conseguisse mais rentabilidade. BN: Quase ninguém no Brasil tem tantos anos de experiência no Texas Hold’em. Se você pudesse voltar no tempo, faria alguma coisa diferente? RO: No cenário atual, caso eu começasse a jogar poker hoje, provavelmente me dedicaria aos multitables. Atualmente, nos cash games, para se chegar a uma ren50 60 CardPlayer.com.br

tabilidade compatível com a de multitable, você tem que jogar muito duro, é muito difícil. Não que torneio seja fácil, mas você vê jogadores de medianos a bons dando tacadas em multitables que eles não conseguiriam em cash games. Hoje, eu sinto que tenho um degrau a subir em relação aos jogadores brasileiros top players de multitable. Eu jogo bem, lógico, conheço, mas, por treino mesmo, acho que tem uma turma que está um degrau acima. Eu estou aqui, já vi que o multitable é um caminho excelente para se ter uma rentabilidade boa no poker, então tenho me dedicado mais. Ano passado, fiquei um pouco afastado devido ao nascimento da minha filha, mas agora estou de volta, jogando com mais força, tanto online quanto ao vivo. Mas, olhando para trás, meu maior erro com certeza foi a administração de bankroll. Se eu começasse a jogar hoje, faria um esquema totalmente diferente nesse sentido. Quando eu comecei, tinha uma vantagem por

ACHO QUE O ESTÁGIO EM QUE A GENTE ASSUMIU QUE IRIA SER JOGADOR DE POKER PROFISSIONAL FOI O NOSSO DIFERENCIAL, PORQUE A GENTE ENCAROU MESMO, ENTRANDO NUM MEIO QUE NÃO SABÍAMOS MUITO PARA ONDE ESTAVA INDO.

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entender o jogo mais rápido do que a maioria das pessoas, então já tinha um lucro. Depois que me profissionalizei, tive 29 meses seguidos de lucro no poker – eu tinha uma vantagem muito grande. O que eu não soube fazer foi administrar bankroll para subir de valor: eu não conseguia subir porque não conseguia juntar. Eu ganhava e gastava, ganhava e gastava, então nunca conseguia ter um giro que me possibilitasse subir de nível. Quando eu subia sem capital de giro, apanhava e tinha que descer, que é o que normalmente acontece: você não consegue nem testar se tem habilidade para jogar num nível acima porque rapidamenCARDPLAYERBRASIL.COM

te é engolido pela falta de bankroll, e tem que descer. Esse foi meu maior erro. BN: Com o nível técnico dos jogadores cada vez mais equili-brado, os especialistas dizem que, num futuro próximo, talvez a única vantagem que vai existir entre um jogador e outro é o bankroll. Você concorda? RO: Bankroll é uma coisa relativa, ninguém sabe qual é o valor que você tem que ter, mas a verdade é que precisa ter mais do que acha que é o suficiente. Se você for jogar um torneio de $10, e acha que com $300 dólares está bem, então suba esse valor para mil. Não é muito. Jogue para mil, aguente a oscilação, aguente seis meses de azar, que seja, para você realmente ter certeza se tem jogo ou não para esse valor. Eu acho que o principal hoje em dia é o cara ter isso, bankroll. E respeitá-lo – o que é dificílimo–, pois um cara com mil dólares para jogar torneios de $10 tende a rapidamente dar um tiro num de $100. É normal no jogo. É preciso cardplayer 10 anos

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LINHA DO TEMPO Os eventos mais importantes da história recente do poker, por Raul Oliveira 1998 Lançamento do filme “Rounders – Cartas na Mesa”, instigando pessoas no mundo inteiro a conhecerem o Texas Hold’em. 1999 O programa de TV britânico Late Night Poker passa a mostrar as cartas ocultas dos jogadores na mesa, causando uma revolução nas transmissões televisivas de poker. 2001 Os sites de poker começam a ganhar corpo. O maior na época era o Paradise Poker, com 2.000 jogadores simultâneos. O PokerStars tinha 800, o Party Poker, 500, e o Full Tilt sequer existia. 2002 Acontece a primeira grande fusão entre sites de poker: o Party Poker compra outros dois sites e passa a ser líder de mercado, com mais de 8 mil jogadores. Raul e CK se profissionalizam. 2003 Chris Moneymaker vence o Main Event da WSOP, superando 839 jogadores: é o boom do poker. Essa foi a primeira World Series de que Raul participou. 2004 Nasce o Full Tilt Poker. Surgem os satélites online, possibilitando a participação de muito mais jogadores em torneios com buy-in alto. O Main Event teve 200% de aumento no field em relação à edição anterior. 2005 Raul e CK lançam o Clube do Poker, primeiro site brasileiro dedicado exclusivamente ao poker. 2006 Com mais de 8.000 jogadores inscritos, o Main Event da WSOP tem o maior field de todos os tempos e pulveriza os recordes de premiação esportiva individual, concedendo US$ 12 milhões ao vencedor (Jamie Gold). No Brasil, surgia o BSOP. 2007 O UIGEA força a saída dos sites de poker do mercado americano, estremecendo o poker mundial e gerando repercussões até hoje. São lançadas as revistas CardPlayer Brasil e Flop. 2008 Sites alcançam a marca de 200 mil jogadores. Akkari é contratado pelo PokerStars. Alexandre Gomes se torna o primeiro brasileiro a conquistar um bracelete da WSOP. Raul Oliveira (junto com CK e Brasa) se torna Red Pro do Full Tilt. 2009 Alê Gomes se torna o primeiro brasileiro a vencer uma etapa do WPT. Brasileiros começam a ser presença constante nas mesas finais dos principais torneios online. Sites alcançam a marca de 300.000 jogadores simultâneos. 2010 Etapa de São Paulo do BSOP 2010 alcança a marca recorde de 788 jogadores inscritos e tem cobertura da ESPN. Com o Poker das Estrelas, o Texas Hold’em chega à TV aberta do Brasil. 52 62 CardPlayer.com.br

estudar muito para chegar ao nível de um Christian, um Caio Pimenta, um Akkari ou um Bruno GT, ou até ao meu nível mesmo. Você precisa meter a cara, estudar, comprar livros, participar de fóruns, sempre tirar dúvidas com os amigos. Tem que dar uma ralada mesmo. BN: Como você avalia a importância da família para o seu equilíbrio enquanto pessoa e enquanto jogador? RO: Eu penso que a família lhe deixa mais centrado. A gente que tira o sustento do jogo vive muito no limite, digamos assim. Porque realmente a gente faz por prazer, é gostoso, traz satisfação, mas tem o stress, as perdas e ganhos, mexe muito com o emocional, e eu acho que a família lhe ajuda a botar meta no jogo, botar foco, disciplina. Quando é você sozinho, se você perder seu bankroll todo, o problema é só seu, depois você dá um jeito e se vira, mas quando você tem que comprar fralda, leite, isso não pode acontecer. Mesmo que esteja em tilt, você tem que parar um pouquinho antes para poder salvar algum. Eu acho que, nesse sentido, a família diminui bem a taxa de tilts grandes que acontecem. O Akkari cita sempre o exemplo de que colocava as contas do colégio das filhas atrás do computador, num quadro de cortiça, e que, quando ia tiltar, pensava que tinha que pagar tanto de colégio, tanto disso, tanto daquilo, então desligava o computador e ia dormir, que era mais barato [risos]. BN: Depois de tantos anos de estrada, quais são seus sonhos no poker? RO: Um dos sonhos já foi realizado: ser contratado pelo Full Tilt – isso com certeza é a realização de um sonho. Imagina: a gente começa a jogar, eu e o Christian, dez anos atrás, estamos jogando ali sem nem saber direito por que ainda. Estamos lá, começamos a ganhar CARDPLAYERBRASIL.COM


dinheiro – “pô, que legal!” –, daqui a pouquinho começa a cres-cer, fica gigante, faz um site, começa a ser reconhecido no Brasil, as pessoas têm muito respeito, admiração, tanto por mim quanto por ele, acham legal e tal, só que no cenário internacional, até então, não tínhamos esse reconhecimento. E, de repente, a gente consegue fechar com um dos maiores sites do mundo um contrato oficial para ser jogador Red Pro do Full Tilt. Satisfação enorme. Você vê que somos eu, Christian, Brasa e Caio Pimenta. Quer dizer, só fera. Pelo mundo afora tem vários outros nomes, quem quiser pode entrar lá na página do Full Tilt, são vários nicks, nomes famosos como Red Pro, então é um sonho realizado. Outro sonho, que não tem como negar, é o de quase todo mundo que está no poker, e que o Alê Gomes

NA FERRAMENTA DE BUSCA DISPONÍVEL, QUANDO VOCÊ PESQUISAVA ‘TEXAS HOLD’EM’, APARECIAM DEZ PÁGINAS – HOJE VÊM DEZ MILHÕES. CARDPLAYERBRASIL.COM

já conseguiu: trazer um bracelete, poder botar um braceletezinho ali na estante. Acho que todo mundo que joga poker – a não ser o jogador que é exclusivamente de cash – tem o sonho de trazer um bracelete. Não precisa nem ser do Main Event, qualquer evento já é bem vindo [risos]. Sim, tem outro sonho também: sempre quis ser capa da CardPlayer Brasil. E tô falando na vera. Não é bajulação [risos]. BN: Então fique a vontade para mandar uma mensagem para os leitores da CardPlayer Brasil. RO: Quero mandar um abraço para todo mundo que acompanha a revista e o podcast com o Kalill e o Lanza. Quero deixar registrado meu abraço para o Bruno, que está fazendo esta entrevista. Aos leitores, quero falar que, independente de você decidir jogar poker por hobby ou por profissão, é legal que entenda o que está fazendo: jogar por jogar faz com que você acabe perdendo e se desiludindo com o jogo, pois ninguém gosta de perder. Ainda que o dinheiro não faça falta, perder é chato. Então, a CardPlayer Brasil, por exemplo, é um lugar excelente para você dar uma melhorada no seu jogo, crescer com vários artigos inte-ressantes. Fora isso, treinar. Não tem jeito: meta a cara. Se não tiver dinheiro, jogue freeroll; se tiver pouco dinheiro, jogue torneios de $1 ou $2. Mas é isso, meta a cara, corra atrás, leia sempre tudo que puder e vire um bom jogador mesmo, nem que seja por diversão. Você vai se divertir muito mais se estiver jogando e ganhando, com certeza. ♠ cardplayer 10 anos

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ESPECIAL

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Leandro “Brasa” Pimentel marcou seu nome na história do poker nacional ao se tornar o primeiro campeão do ranking do BSOP (Brazilian Series of Poker) e principalmente por ser o primeiro brasileiro a chegar à uma mesa final da WSOP. Quarto colocado no Evento #49 da WSOP 2007, ele foi a estrela da edição de número 18, dois anos depois do seu inesquecível feito.

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Quando paramos para observar grandes jogadores de poker, percebemos que alguns parecem já ter nascido com uma vocação natural para o feltro. Leandro “Brasa” Pimentel é daqueles cujo talento para as cartas lhe parece ser inerente. Com o brilhante 4° lugar no evento #49 da World Series of Poker, Brasa se tornou o primeiro brasileiro a fazer uma mesa final de um torneio da Série Mundial. Além disso, possui ainda uma vasta galeria de títulos live e online, bem como vários ITMs em alguns dos mais importantes eventos de poker do mundo.

Como se não bastasse, ele foi também um dos primeiros empresários a apostar suas fichas no poker como negócio. Sócio da Nutzz Eventos, sob sua chancela está a organização de dois dos maiores circuitos do país: o BSOP e o Circuito Paulista. Com quatro anos dedicados ao esporte, ele já possui um capítulo especial reservado na história do Texas Hold’em nacional. Agora, com exclusividade para os leitores da CardPlayer Brasil, apresentamos uma parte da biografia deste que pode ser considerado o arquétipo do jogador brasileiro de sucesso: Leando “Brasa” Pimentel.

Amúlio Murta: Como começa a história do “Brasa” com o Poker? Leandro Brasa: Bem, para falar a verdade, eu sempre gostei de jogar baralho. Desde criança eu sempre jogava em família: buraco, canastra etc. Quando fui para o colégio, fiquei conhecendo o truco, que virou uma febre. Fui ter contato com o poker somente na faculdade, em Brasília. Nesse período, tínhamos uma mesa de poker bem legal, somente de colegas de faculdade, em que jogávamos uma vez por semana. Quando eu me formei, fui contratado por uma empresa multinacional do ramo de telecomunicações, para trabalhar em Campinas. Com a mudança, não tinha nenhum conhecido na cidade, que dirá alguém que jogasse poker. Com isso, fiquei um período sem jogar. Porém, dentro da empresa, no horário de almoço, o pessoal jogava truco. Como era apaixonado por cartas, comecei a me entrosar com o pessoal que estava jogando. Aí, o destino colocou novamente o poker no meu caminho. Como truco é um jogo muito barulhento, a empresa acabou proibindo os jogos no intervalo do almoço. Mas todos gostavam muito de baralho, então, ensinei o Texas Hold´em ao pessoal e começamos a jogar. A coisa virou mania na empresa, tanto que acabamos por criar uma mesa fora, onde fazíamos disputas animadas toda semana. O crescimento não parou por aí. Com o aumento do número de jogadores, decidimos organizar um torneio entre o grupo de amigos. Conseguimos divulgar nosso torneio na internet e convidamos também pessoas de fora. Para nossa surpresa, apareceu gente de outras cidades, como São Caetano, São Paulo e de toda a região próxima a Campinas. Com cerca de 25 jogadores, esse

torneio acabou se tornando a primeira etapa do que viria a ser o Circuito Paulista. AM: Nessa época você ainda não era profissional. Como se deu esse processo? LB: O que aconteceu foi que eu comecei a me dar bem nesses torneios. Além disso, a idéia de organizar um evento sempre me fascinou. Com isso, acabei – juntamente com o meu amigo Leo Bello – criando uma empresa especializada na realização de torneios de poker. Essas atividades paralelas começaram a tomar muito do meu tempo. Comecei a receber um grande feedback das pessoas que jogavam os eventos e isso acabou me atrapalhando no trabalho. Eu gastava muito tempo respondendo emails, organizando site e isso culminou em um momento em que eu, recémpromovido no meu emprego, fui obrigado a pedir demissão. Foi quando me dei conta que minha paixão havia mudado: não era mais minha formação acadêmica, e sim o poker. Mas não só como jogador, também como empresário em um país que ainda não possuía nada neste sentido. AM: Quais foram os aspectos mais importantes que levaram você a tomar esta decisão? LB: O brasileiro sempre gostou de baralho – algo que considero cultural. Além disso, eu percebia o crescimento exponencial do esporte no país. Então, quando eu olhava para o exterior e via o sucesso que o Texas Hold’em havia alcançado lá fora, para mim, era óbvio que ele se tornaria uma paixão também no Brasil. Além desse potencial comercial, do lado empresário do poker, como jogador, eu vinha alcançando resultados

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pessoais muito bons. Assim, o retorno financeiro me fez acreditar que o caminho era esse. AM: Mesmo conseguindo bons resultados, provavelmente seu jogo deveria ser bem limitado nesta época. Como se deu a sua evolução técnica enquanto jogador, até chegar ao nível em que está hoje? LB: Na medida em que o poker foi ganhando mais e mais adeptos no Brasil, para se diferenciarem, as pessoas buscaram estudar e se informar melhor. Eu não sou exceção a essa regra. Comecei a descobrir os livros, revistas e toda a literatura especializada. Fui atrás e ainda hoje eu sei onde estão as fontes de informação e sempre me mantenho atualizado. Outro aspecto importante foi a troca de informação entre os jogadores. Uma coisa muito bacana neste começo, foi que nunca houve uma concorrência pessoal entre os jogadores. Meu grupo de amigos na época eram Akkari, Federal, Leo Bello e muitos outros que hoje estão entre os ícones do esporte no país. Sempre que um jogador encontrava um artigo

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ou texto bacana, indicava aos amigos, e assim a coisa foi sendo formada. No começo, eles eram apenas os meus amigos do poker e um sempre buscava ajudar o outro. Acredito que isso foi decisivo para a carreira de cada um de nós. AM: Falando em amigos “do poker”, como nasceu a amizade com o seu sócio, Leo Bello? LB: Para mim, o Leo é mais do que um sócio, mais do que um amigo: é um irmão. Nós nos falamos todo dia e, como irmãos, a gente discute, briga, se abraça e faz as pazes. Ele opina em uma série de coisas que eu faço e eu também faço críticas construtivas a uma série de coisas que ele faz. Acho que nós temos uma complementaridade muito grande, mesmo tendo cabeças totalmente diferentes. Pensamos de forma muito diferente, mas nossos estilos acabam se complementando, dando cara à Nutzz de forma universal. Quem também contribui muito neste sentido é o D.C., que eu não posso deixar de citar aqui. Ele é quem faz a “liga” que une as duas cabeças tão diferentes, formando o que é a Nutzz.

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“ É muito difícil falar do Brasa porque, se ele não fosse meu sócio e melhor amigo há mais de 5 anos, seria fácil dizer que ele é o melhor jogador de poker do Brasil. Mas já que ele é esta pessoa superimportante na minha vida, amigo para todas as horas e grande profissional, posso falar com tranquilidade, pois se alguém achar que é exagero, vai me perdoar e entender. O Brasa é um jogador que vi evoluir como poucos. Foi o primeiro Campeão Paulista, Campeão

Brasileiro, pioneiro em tudo que fez pelo poker. Foi o primeiro numa mesa final da WSOP, primeiro a cravar um torneio de mais de um milhão na internet e o primeiro a conseguir o Triple Crown do Pocket Fives. Mas além disso tudo, sempre manteve a humildade ajudando quem está começando e estudando para melhorar. Falar dele então é difícil, acaba caindo em clichês, mas é um dos meus ídolos e tenho orgulho de chamá-lo de irmão. ” Leo Bello

AM: Seus resultados iniciais eram todos em torneios ao vivo. Como o poker online entrou na sua vida? LB: Na primeira etapa do circuito paulista eu fiquei conhecendo o Leo Bello – médico carioca que morava em campinas e tinha ficado sabendo do torneio pela internet. Nessa época, ele nunca tinha jogado ao vivo, só online. Além disso, havia uma história curiosa à época: ele nunca tinha feito nem um depósito e mesmo assim construiu o seu BR, através de freerolls. Foi ele quem me apresentou o mundo online e foi também quem transferiu meu primeiro crédito. Eu me lembro de ter ido até a casa dele, uns dois ou três meses após a gente se conhecer, e ele me apresentar alguns sites. Aquilo caiu como uma bomba na minha cabeça. Eu, que vivia tendo que telefonar para amigos para conseguir montar uma mesa para poder jogar, agora poderia simplesmente ligar o computador e fazer isso de casa, a qualquer hora do dia. AM: Assim como no poker ao vivo, no online seus resultados já começaram para cima? LB: Não. Na verdade eu passei por todos os momentos que a maioria dos jogadores que se iniciam no online passam. Eu não administrava BR e foi um começo que considero “normal”: perdedor, mas não muito. Até que depois de certo tempo, com estudo, entendendo as situações, eu passei a ser um vencedor. A partir daí, não me lembro de ter ficado negativo. AM: O ano de 2007 foi inesquecível para você e toda a comunidade do poker no país. Quais são as melhores e piores recordações que você guarda da mesa final do Evento #49 da World Series? LB: De fato, foi sensacional. Foi um torneio inesquecível para mim. Eu tive muito domínio do jogo, e em vários momentos estive entre os líderes. Dominei praticamente todas as mesas em que joguei. Fiz um torneio tão sólido que, para você ter uma idéia, no momento do estouro da bolha, eu não estava nem aí. Estava tão à frente que joguei muito tranqüilo, pressionando o pessoal que estava short e fazendo muita ficha. Meu pior momento foi quando restavam apenas duas mesas e eu tomei minha maior bad beat de todo o evento. Foi quando senti, pela primeira vez, que eu

não iria chegar à mesa final. Isso foi terrível para mim, que havia feito um torneio fantástico. Pensar que, após uma luta imensa, eu não iria chegar. Para piorar, o meu oponente, que havia me aplicado a bad beat, não teve uma postura legal no momento da jogada – comemorou, etc. E isso me deixou ainda mais para baixo. Eu lembro que após essa mão eu me levantei, olhei para o pessoal do Brasil que estava torcendo, me acompanhando, e falei: “Acho que acabou...” Só que o pessoal não me deixou desanimar – gritaram, incentivaram com essa energia que só nós, brasileiros, sabemos como é, e me colocaram novamente pra cima. Realmente, em seguida, eu ganhei um all-in, cresci e cheguei à FT.

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A final table foi um momento maravilhoso. Jamais vou me esquecer, foi muita alegria. Sentar em uma mesa final da World Series, tirar as fichas do saquinho, colocar o microfone da TV, foram momentos de que não dá para descrever, foi uma realização pessoal incrível. E muita, muita satisfação. AM: Como surgiu a idéia de organizar um circuito nacional de poker – o BSOP? Fale também um pouco das dificuldades enfrentadas no início do circuito e do momento atual do mesmo. LB: O BSOP surgiu da idéia do André Akkari – que, na época, era meu sócio em alguns negócios – de criar um campeonato brasileiro ao vivo. Eu e o Leo, que já estávamos empolgados com o Circuito Paulista, abraçamos a idéia. A primeira temporada do BSOP foi muito difícil. Aqui no Brasil, torneios de mil reais de buy-in eram quase inexistentes. Muitas etapas deram prejuízo. Mas nós acreditamos na idéia, e o BSOP se tornou isso que todos nós estamos vendo: mais do que uma realidade. E com muitas novidades para 2009. AM: Quais são as surpresas para a 4ª temporada do circuito? LB: O BSOP sempre inovou – foi o primeiro torneio a apresentar dealers em todas as mesas, o que hoje é quase uma exigência para todo evento de maiores proporções realizado no país. Além de muitas outras coisas, como regulamento internacional, estrutura deep stack, que permite o bom jogo, e por aí vai. Analisando ano a ano, eu diria que o primeiro do BSOP foi de tentativas; o segundo, de amadurecimento, e que em 2008 tivemos um ano de realidade. Para 2009, e os que estão por vir, serão de expansão planejada. Teremos novas praças e estamos com um excelente problema, que é o de um calendário de 10/11 etapas e 20 cidades querendo sediar o circuito. Então eu acredito que a tendência é que a gente consiga patrocínios mais fortes, aumente o número de jogadores e também a premiação. AM: Como um jogador experiente, que já jogou em várias partes do mundo, como você avalia o nível dos players brasileiros em relação aos de outros países com maior tradição no esporte? LB: Hoje, existe uma elite de 15 a 20 jogadores brasileiros que podem enfrentar, de igual para igual, praticamente qualquer jogador do mundo. Guardadas algumas situações específicas, em que alguns jogadores de outros países têm certas vantagens em relação aos nossos. Eu acredito que essa elite nacional esteja um nível acima da média geral, e eles já estão provando isso. Não preciso citar os nomes, mas todo mundo sabe quem são: os resultados estão aí e falam por si.

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Já a média nacional ainda não pode ser comparada com a de outros países com maior tradição, como os Estados Unidos, por exemplo. Mas isso é questão de tempo. Sempre quando encontro com algum jogador iniciante e ele me diz que gostaria de jogar como eu, eu respondo: “Amigo, a minha diferença pra você é tempo. Eu possuo mais tempo dedicado ao poker. Quando você tiver dedicado o mesmo tempo que eu, terá resultados iguais ou até melhores”. É claro que isso é um modo simplório de dizer que ele tem que correr atrás e estudar – eu acredito fielmente que esse seja o caminho. De um modo geral, o poker brasileiro amadureceu muito e a minha expectativa é a melhor possível. AM: Você, juntamente com Raul Oliveira e Christian Kruel, faz parte do time de um dos maiores sites de poker do planeta, o Full Tilt. Fale um pouco sobre isso? LB: A história começou na WSOP de 2008. Eu fui procurado por um empresário de jogadores, ainda em Vegas. Em nossa conversa, houve uma sondagem e eu acabei jogando o Main Event com a logo do Full Tilt. Como não obtive um grande desempenho no ME, acabei voltando para o Brasil sem grandes esperanças. Alguns dias após a minha volta para casa, fui surpreendido com um email deste mesmo empresário.

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Ele me dizia que as portas ainda estavam abertas e que o Full Tilt tinha interesse em investir no Brasil. Logo em seguida surgiu a notícia do contrato do C.K. e do Raul, e eu imaginei que estaria encerrado o ciclo de investimento no país. Mas tive uma grata surpresa uma semana depois, quando fui informado que, mesmo com a contratação dos dois grandes jogadores brasileiros, meu nome também estaria entre os que formariam o time brasileiro do site. AM: Menos de um mês após o anúncio da contratação, você venceria o torneio de $1 milhão garantidos do próprio Full Tilt, fazendo o heads-up contra outro brasileiro, o mineiro Caio Pimenta. Como foi a satisfação por essa conquista? LB: Com certeza foi sensacional. Não poderia ter acontecido em uma hora melhor. Eu tinha acabado de ser contratado e ganhei o maior torneio do site, coisa que nenhum jogador do time ainda tinha feito. Isso para mim foi muito gratificante do ponto de vista profissional – e também financeiro! Mas, em minha opinião, não existe valor econômico que se iguale ao meu ganho pessoal, de ter provado para os meus novos chefes que eu não estou aqui por acaso. Além disso, teve outro aspecto muito gratificante: fazer o HU contra outro jogador brasileiro, uma coisa incrível! AM: Além do Texas Hold’em, sabemos que você tem jogado Omaha. Quais outras modalidades de poker você pratica e qual a importância de se conhecer outras variantes para sua formação como jogador? LB: Apesar de ter me destacado em torneios, minha origem é nos cash games, desde as nossas primeiras mesas em Campinas e Brasília. Então, sempre fui muito interessado em cash games. Percebi que, na internet, no cash game de Omaha, existem muitos jogadores “fishes” – que simplesmente não sabem o que está acontecendo. Por isso, decidi me especializar em cash games online de Omaha. Tenho estudado bastante e lido vários livros sobre essa modalidade, e os resultados já estão chegando. Já torneios de Omaha na internet não são muito frequentes, e os que existem não são muito rentáveis. A maioria possui buy-in baixo, por isso prefiro o cash. Mas, sempre que encontro um evento de Omaha mais caro, tenho jogado, e já consegui bons resultados em alguns torneios de Omaha na internet. Sobre o estudo de outras modalidades, em minha opinião, um jogador de poker completo não pode se formar somente no Hold’em. Penso que as outras modalidades trazem diferentes visões de jogo, o que pode ser aproveitado também no Texas Hold’em. Eu tenho sempre corrido atrás disso: já fiz mesas finais das mais variadas modalidades, destacando uma no maior

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torneio de H.O.R.S.E. do Full Tillt. No ano passado, joguei também um evento de Omaha na WSOP. AM: Como funciona a sua rotina? Hoje, ela é muito diferente de quando você começou? LB: Sim, bastante. No começo era muita loucura. A gente se empolga, principalmente quando aparecem os resultados. Você fica querendo jogar qualquer torneio, a toda hora. Além disso, como a maioria das pessoas que leva uma vida “normal” trabalha durante o dia, eu acabei jogando à noite, para poder jogar com amigos que trabalhavam durante o dia. Com isso, quando eu conseguia ir longe nos torneios, acabava jogando até às seis/sete da manhã, e isso começou a me atrapalhar. Mesmo eu não tendo um trabalho formal, estava tendo problemas de relacionamento – acordar entre duas e três da tarde não é normal para a maioria das pessoas. Como eu voltei a namorar, e minha namorada tinha uma rotina “convencional”, eu passei a tentar me adaptar a uma rotina parecida com a dela. Hoje eu me forço para acordar um pouco mais cedo. Minha rotina atual é acordar por volta das nove ou dez da manhã. Minhas manhãs estão reservadas para os negócios da minha empresa, a Nutzz. Eu só começo a jogar por volta da uma da tarde e procuro não me inscrever em torneios que se iniciem após as 17h,

para que eu consiga parar por volta das sete/oito horas da noite. Essa nova rotina tem sido muito boa. Assim, a partir das oito, eu consigo ter uma vida social normal, pegar um cinema, assistir um filme em casa, jantar com a minha namorada, etc. AM: Como um jogador realizado, quais são os títulos e as metas que você ainda pretende atingir? LB: Com certeza eu quero buscar um bracelete da World Series: esta é minha maior meta. Eu já raspei nesse objetivo uma vez, e a vitória do Alexandre Gomes me fez ter a certeza de que é possível. Se acontecer no Main Event, melhor ainda (risos). Mas não precisa necessariamente ser no Evento Principal, qualquer um da WSOP representa uma conquista pessoal imensa. Fora isso, também pretendo disputar algumas etapas do WPT e outros circuitos como o APPT e LAPT, que são recentes, mas já possuem um peso muito grande. Esses são torneios internacionais que eu tenho uma expectativa e vou correr atrás para tentar ganhar. AM: Parece que sua carreira foi se construindo em uma linha crescente constante. Em algum instante você passou por um momento complicado, em que chegou a pensar que havia tomado a decisão errada quando decidiu largar a sua vida de executivo?

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“Quando conheci o Brasa, uma característica que me chamou a atenção foi a velocidade com a qual ele se adapta a novas situações. Agressivo, ele ignora receios e supera obstáculos para alcançar seus objetivos. Foi assim antes do poker e está sendo assim agora. Com muita inteligência, perspicácia e coragem, o Leandro abandonou um futuro brilhante em uma multinacional para alcançar o seu sonho: ser profissional de torneios de poker. Seus resultados não mostram mais do que puro suor, estudo e dedicação. E sua carreira mal começou.” D.C., diretor de torneios da Nutzz LB: Não, juro que não – graças a Deus! Toda vez que eu comecei a ter um momento ruim, a coisa iluminava e eu acabava ganhando um prêmio, ou recebendo uma proposta que me tirava do que seria um momento para eu repensar a minha decisão. AM: Em muitas conversas com diversos jogadores que hoje estão entre os Top Players do Brasil, quando perguntados sobre um “ídolo” no poker, muitos deles apontam o seu nome. Como é ser uma referência no poker do Brasil? LB: A idéia é engraçada porque eu nunca pensei em ter status de ídolo. Não me vejo dessa forma. O que faço é tentar conversar com todo mundo, atender ao pessoal que me procura etc. Eu fico mais satisfeito por essa palavra “ídolo” estar existindo sob o ponto de vista de “ser um cara que foi lá e fez algo que eu gostaria de fazer” do que ser alguma coisa em um pedestal, inalcançável. Mas eu fico muito feliz com essa forma de reconhecimento. Como já falei, a intenção é sempre mostrar que a minha condição e os meus resultados são, muito mais, em função do meu tempo e do meu comprometimento dedicado ao Hold’em. Uma das coisas que me deixa muito satisfeito é ver garotos que me tinham como ídolo jogando comigo, empurrando ficha, brincando e dando risada junto. AM: Que tipo de mensagem você deixa para esses garotos que enxergam em você um exemplo a ser seguido? LB: Um rapaz que joga poker em São Paulo me fez essa pergunta recentemente. E o que eu respondi para ele é o que respondo para todo mundo: virar um profissional de poker não é coisa que se decide em um dia. Na verdade, quando você escolhe ser médico, não se torna um médico da noite para o dia – tem que passar um período na faculdade, depois fazer residência, especialização. Tornar-se um profissional de poker não é diferente disso. É claro que você não precisa gastar seis anos numa faculdade para se tornar um jogador profissional, mas é preciso estudar, se preparar. Então,

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minha primeira dica para essas pessoas é: estudo, estudo e estudo. Hoje em dia não existe mais a desculpa de que não há informação disponível no país. Nós temos livros traduzidos, a CardPlayer Brasil, com vários artigos técnicos nacionais e internacionais, existem vários sites e diversas formas de se informar sobre o assunto. Então o primeiro passo é o estudo. Com o estudo vêm os resultados. Porém, só com resultados constantes é que você pode tomar a decisão de dedicação exclusiva. Então minha segunda dica é: tenha disciplina para estudar, e paciência para aguardar os resultados. AM: O Brasa “ídolo” possui ídolos no poker? LB: Outro dia eu estava preenchendo meu perfil em um site de poker e lá perguntava: qual seu ídolo no poker, aí eu parei para pensar nisso. No começo, quando eu era novato, tinha ídolos normais, como todo mundo: Doyle Brunson, Jonnhy Chan, etc. Algum tempo depois, na medida em que comecei a ter acesso à literatura, fui descobrindo que existiam outros jogadores. Então, você passa a querer se diferenciar da maioria dos novatos e começa a admirar jogadores mais técnicos, como Barry Greenstein e o falecido Chip Reese, dentre outros. Hoje em dia, não tenho acompanhado o jogo desses nomes. Mas um jogador que eu admiro e gosto

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da forma como ele joga é o Daniel Negreanu. Já tive a chance de estar com ele algumas vezes, conversamos e – mais do que um excelente jogador, que faz moves muito bem trabalhados – ele é um cara educado, alegre e que interage bem com as pessoas. É alguém que admiro muito. AM: Brasa, obrigado pela entrevista. Este espaço está aberto para que você possa usá-lo como quiser. LB: Em toda essa minha trajetória no poker, nos últimos quatro anos, desde que me tornei um profissional, foi muito importante o apoio das pessoas que considero mais próximas e que eu amo de verdade.

Entre elas, eu gostaria de destacar aqui a minha mãe, que sempre me apoiou desde o dia em que eu decidi largar o meu emprego – mesmo não entendendo até hoje sobre poker, ela sempre esteve ao meu lado. Gostaria de agradecer também à minha namorada, Patrícia – ela é quem me incentiva, torce por mim e me apóia nos bons e maus momentos, e eu considero esse apoio decisivo. Gostaria de agradecer também a todos os meus amigos e a todos os que torcem por mim. Além de você, Murta e toda a equipe da Card Player Brasil, por tudo o que têm feito pelo nosso esporte no país. ♠

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ESPECIAL

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Sketch é sem dúvidas um dos maiores nomes do poker nacional. Não por seus resultados ou por seu conhecimento técnico, mas por ser um dos grandes responsáveis pela criação do maior time de poker do mundo, o 4Bet. Capa da edição 47 da Card Player Brasil, Sketch foi quem abriu caminho para profissionalização dos times de poker no País. Referência em todo mundo, o 4Bet tem hoje centenas de jogadores espalhados pelos quatro cantos do Brasil e fatura milhões de dólares por ano.

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MARCOS SKETCH POKER, MÚSICA E OUTRAS VIAGENS por Marcelo Souza Fotos: Daryan Dornelles

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acilidade na exposição de ideias. Raciocínio empresarial vanguardista. Vasto conhecimento sobre poker e música. Graças ao sucesso obtido em esferas tão distintas, Marcos Sketch vem constantemente sendo chamado de “gênio”. Isso, no meio do poker, é ainda mais raro do que no mundo real. Bastam cinco minutos de conversa com esse carioca de 31 anos para se tornar mais um dos que se convencem de que o termo é justo. Devorador voraz de livros de poker e audiófilo inveterado de bandas clássicas

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de rock, Sketch vem se mostrando um livre pensador, uma personalidade diferenciada em uma fauna povoada por idiossincrasias. Ele é um dos responsáveis por um dos projetos de maior sucesso no Brasil, a Poker Villa, que reúne algumas das principais promessas do pano verde nacional em uma casa no Guarujá, litoral de São Paulo. Lá, esses jogadores são patrocinados, treinados e depois entregues ao campo de batalha com uma mentalidade técnica e profissional do jogo. Com vocês, Marcos Sketch, falando de poker, música e outras viagens.


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“MUITA GENTE CONTA AQUELA VELHA HISTÓRIA: ‘AH, DEPOSITEI UMA VEZ E DEPOIS NUNCA MAIS’. EU QUEBREI VÁRIAS VEZES” Você tem uma carreira como produtor musical. Imagino que isso tome grande parte do seu tempo. Onde foi que surgiu o poker em meio a isso tudo? Há três anos e meio, mais ou menos, eu estava muito focado no trabalho. Respirava música o dia inteiro. Todos os meus amigos e as pessoas que eu conhecia eram do meio. Depois de um tempo, você começa a buscar coisas diferentes. Na música, você trabalha com pessoas muito parecidas, que gostam das mesmas coisas. Já no poker, impera a heterogeneidade. Você se senta à mesa com pessoas que possuem histórias e culturas completamente diferentes, e acaba fazendo diferentes tipos de amizade. Uma hora com um ginecologista, outra com um policial, outra ainda com um jogador de futebol. Então, eu já tinha a vontade de buscar coisas diferentes para ocupar meu tempo. Meu primeiro contato foi com uma série de TV chamada Professional Poker Tour (PPT). Era uma liga de profissionais, e só participavam craques como Doyle Brunson, Eric Seidel, Daniel Negreanu etc. Eu assisti a três temporadas inteiras em um mês: uns três episódios por dia antes de dormir. Paralelamente, baixei o Party Poker. Pouco depois, descobri que um clube de poker seria inaugurado ao lado do meu escritório.

Existem alguns jogadores que parecem ter nascido sabendo o caminho das pedras do poker, com uma espécie de compreensão natural do jogo. Alguns chamam isso de dom. Você se considera um desses sujeitos? Muito pelo contrário. Eu não achava que levava jeito para o jogo. Tive que ralar muito para entender o poker da forma que eu entendo hoje. Muita gente conta aquela velha história: “Ah, depositei uma vez e depois nunca mais”. Eu quebrei várias vezes. Depositava $50 dólares e ia jogar SNG de $30. Quebrava mesmo. Por sorte, eu podia me dar a esse luxo de fazer alguns depósitos online. Então, descobri que uns amigos estavam organizando torneios. Na segunda vez que fui lá, ganhei. Fiz várias jogadas bizarras, mas fiquei muito feliz por superar 30 pessoas. Na época, faturei uns 600 reais, uma fortuna. Aí vem aquele sentimento de que você vai ganhar sempre. Decidi estudar o jogo, levar a sério. Foi quando comecei a jogar no La Torre. Foi lá que conheci Danilo Montiel, meu mentor no início, que acabou se tornando um grande amigo. Ele me dava várias dicas, me deixava sentar ao seu lado para observá-lo, contava histórias de mãos de torneios etc. Foi quando eu comecei a premiar grande parte das vezes. Nessa época, eu comprei o Super System, livro do Doyle Brunson. Li muito rápido. E isso me deu certa vantagem sobre a concorrência. O poker ainda estava no começo, a galera ainda não tinha noção nenhuma e não havia tanto material disponível. Depois, eu comprei os três volumes do Harrington no Hold’em. A essa altura, eu já tinha aprendido os fundamentos. Estudei muito. Isso, aliado ao fato de eu ter me dado bem, fez com que meu começo no poker live fosse lucrativo.

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Pouco depois, comecei a frequentar os fóruns de poker: TwoPlusTwo, MaisEV e por aí vai. Foi quando li uma série de artigos do Tony “Bond18” Dunst chamada “Things it took me a while to learn”, algo como “Coisas que levei um tempo para aprender”. Eu então me senti pronto para vencer online. Até então, eu não tinha jogo para vencer na internet, nem tinha muito costume de “grindar” online. É uma leitura que eu recomendo, que derruba vários mitos de torneios. Ali eu comecei a entender um dos principais conceitos do poker, o EV. Esse desenvolvimento foi o que me permitiu elevar meu nível de jogo, tanto live quanto online. E esse lance de “Sketch1967”, que história é essa? Sketch é um apelido que eu criei em 1995. Eu trabalhava com uns grupos de design, desses que faziam arte em ASCII, e era o único que não tinha um nick. E como Sketch tem a ver com desenho, eu gostei da palavra e peguei. Poucos anos depois, eu comecei a trabalhar com música e passei a assinar “Marcos Sketch”. Muita gente já me conhecia como Sketch, e

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eu achava que precisava mesmo de um nome forte para a carreira. Meu nome é Marcos Henrique Neves da Silva, muito comum. Assinando Marcos Sketch, as pessoas se lembrariam. E isso foi bem útil na minha carreira. O “1967” eu uso porque foi um grande ano na música mundial. Vários discos brilhantes foram lançados, como o Sgt. Peppers, dos Beatles, e o Pet Sounds, dos Beach Boys. Quando eu era adolescente, tinha uma fixação por esse ano. Até fiz uma música chamada “1967”. Entre tantos jogadores brasileiros de talento, as pessoas normalmente usam a expressão “gênio” para se referir a você. NA sua opinião, a que se deve isso? Acho que tem a ver com a postura pessoal. Aprendi isso de forma muito clara no meu trabalho com a música. Para mim, o verdadeiro gênio do poker não sou eu, e sim Will Arruda, mas ele não trabalha o marketing pessoal. No meio artístico, você tem que aprender a se tornar uma pessoa mais aberta, precisa ser capaz de fazer amizades com facilidade, coisas desse tipo.


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“EU NÃO VOU TILTAR SE UM SHOW DO FORFUN FOR CANCELADO, SABENDO QUE AMANHÃ EU POSSO PERDER UM COIN FLIP NO EPT VALENDO MILHÕES DE DÓLARES. O POKER LHE ENSINA A DIMENSIONAR MELHOR AS COISAS”

Eu não vou tiltar se um show do Forfun for cancelado, sabendo que amanhã eu posso perder um coin flip no EPT valendo milhões de dólares. O poker lhe ensina a dimensionar melhor as coisas. Você desenvolve muitos projetos ao mesmo tempo. Como anda sua rotina hoje em dia?

Com a música, por exemplo, eu percebi que o conteúdo de uma banda é muito menos determinante para o seu sucesso do que a forma como ela vai apresentar esse conteúdo. Assim, o carisma de um artista, a maneira como ele se porta e a maneira como ele concede uma entrevista são determinantes para o seu sucesso. É por isso que eu sempre instruo as bandas a agirem dessa forma. E eu mesmo procuro agir assim em tudo que eu faço. Mesmo quando o poker era só uma recreação para mim, eu sempre procurava trabalhar esse lado, a apresentação do conteúdo. Deve ser por isso que acabaram me chamando de gênio. Já ficou bem claro que a música exerce muita influência nas suas ações dentro do poker. Mas e o poker, influencia sua música? Com certeza. O poker influencia não só minha música, como também minha vida. Volta e meia, eu solto no meu Twitter frases no estilo “coisas que eu aprendi com o poker”. Variância, EV e controle psicológico são conceitos que nos ajudam no dia a dia. Quando sua televisão quebra, por exemplo, você fica puto da vida e desconta em meio mundo. Mas quando você comprou, sabia que existia o risco de quebrar: isso é variância. No meu caso, o poker me tornou uma pessoa muito mais serena.

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Bem desgastante, mas boa. Eu estou me dividindo entre empresário do Forfun, compositor, jogador de poker live e online, e gerente e treinador do projeto. Graças às pessoas que trabalham comigo, tenho flexibilidade para cumprir todas as minhas funções. Talvez seu principal projeto hoje seja a Poker Villa, com Caio Brites e Will Arruda. Como começou tudo isso e como se deu aproximação com eles? Meu primeiro contato com Caio foi no satélite em que eu havia puxado a vaga para o torneio. Eu notei que um tal de “CaioDream” estava infernizando a mesa, jogando muito mesmo. Lá no Nordeste Poker Fest, acabamos ficando na mesma mesa e, mais tarde, fizemos mesa final juntos. Chegamos a trocar porcentagens no prêmio. Mas nossa parceria mesmo começou depois que Vitor Brasil, que jogava ao vivo comigo na época, falou de mim para Caio. Eu era usuário do fórum MaisEV, e começamos a conversar. Foi então que decidimos criar nosso próprio fórum, o 4Bet.


Eu conheci Will através de Caio. Eles já tinham o SNG Team Pro. E foi aí que meu jogo deu outro salto de qualidade. Will é o maior estudioso de poker no Brasil. Ele respira o jogo. Se ele não está dando aula, está jogando. Se não está jogando, está estudando. Ele assina todas as escolas de vídeo. Se está jogando contra alguém que faz uma jogada boa, ele vai atrás do cara e questiona o porquê daquela jogada. Eu passava horas – e ainda passo – conversando com ele sobre o jogo. Foi uma época bastante interessante. Juntos, vocês três estão patrocinando 23 jogadores, incluindo os da Poker Villa. Como surgiram esses projetos de “cavalagem”? Começou através de Caio e Will. Eles já tinham o SNG Team Pro, que era um projeto de coaching e cavalagem, mas queriam fazer algo relacionado a torneios. Então, nós três decidimos pegar uma grana e investir em alguém. O escolhido foi Fabiano “Kovalski”. Ele era do time de SNG, estava muito bem, e nós achávamos que ele poderia bater os torneios high-stakes da internet. Resolvemos cavalar Kovalski em uma grade de torneios mais caros, com buy-ins acima de $100 dólares, e ele foi muito bem. Em dois meses, lucrou mais de US$ 50 mil, enquanto nossa

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expectativa era de 8 ou 10 mil. Foi então que chamamos Vitor Brasil, que também é um jogador fantástico, um dos melhores conheço. Vitor também começou muito bem. Como as coisas vinham dando certo, decidimos colocar mais uns 8 cavalos. Aí vieram Thiago Crema, Rafael Moraes, “Tuba” e “Japa”. O projeto cresceu, virou referência no Brasil e hoje, se você olhar, os principais jogadores online do Brasil são cavalos nossos. Quanto ao 4Bet Team, em que vocês selecionaram jogadores para disputar torneios live, o projeto deu certo? Que avaliação você faz? A ideia surgiu como uma maneira de divulgar o fórum, mas precisava ir além. A gente já tinha o projeto dos cavalos online, mas queríamos fazer algo mais. Quero deixar claro que muito do que fazemos é pensando no crescimento do poker nacional como um todo. Não é porque nós somos bonzinhos ou filantropos, mas porque acreditamos que o crescimento do esporte vai trazer mais torneios e mais investimentos e, consequentemente, um retorno maior para todos que trabalham no ramo, inclusive nós mesmos. Então, juntamente comigo, Will e Caio, entraram no projeto Igor Federal e Jorge Breda. O time era bem mesclado, com 12 jogadores. Colocamos uma mulher, Larissa Metran, alguns jogadores da nova geração do online e uns caras mais conhecidos do circuito live, além de um sujeito da mídia, Guilherme Kalil, que não era grinder, mas na época apresentava o podcast da CardPlayer Brasil. Era um investimento arriscado, de R$ 200 mil, mais ou menos. Sabíamos que não ganharíamos muito dinheiro com aquilo, mas também não queríamos perder. Vocês conseguiram recuperar o investimento? Há chances de uma “segunda edição”? Conseguimos sim, mas só aos 45 do segundo

tempo, com a cravada do Stetson na penúltima etapa do BSOP 2010, em Salvador. Tivemos mesas finais e ITMs durante o ano, mas o lucro foi bem pequeno. No final das contas, atingimos nosso objetivo, que é o que importa. Nós nos divertimos muito, divulgamos o fórum, e só não fizemos de novo esse ano porque estamos muito focados no projeto do online. No futuro, quem sabe não pinta alguma coisa de novo? Mas, a princípio, não há nada de concreto. Você disse estar bastante focado no projeto online. Pode adiantar alguma coisa sobre isso? Bem, nós temos nos preparado bastante para o crescimento desse projeto. Hoje, a maioria dos nossos jogadores disputa os torneios mais caros da grade. Se não tem como crescer mais em relação aos buy-ins, temos que crescer no número de jogadores, mas sem deixar de lado a qualidade. O grande trunfo do nosso projeto são as aulas, a formação técnica que damos aos jogadores. No mundo inteiro, existem apenas três ou quatro projetos maiores que o nosso, no que diz respeito ao valor médio do buy-in e ao número de jogadores. O maior deles, de Cliff “JohnnyBax” Josephy e Eric “Sheets” Haber, que inclusive patrocinou Joe Cada, campeão da WSOP 2009, coloca cerca de 50 jogadores só no Main Event da WSOP. Ou seja, eles investem meio milhão de dólares.

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“ESTAMOS ANALISANDO A VIABILIDADE DE CRIAR UM PROJETO NO ESTILO POKER VILLA, SÓ QUE NO SUL DO PAÍS”

Em breve, haverá mais jogadores entrando para o time. Já estamos pensando em algumas maneiras de selecionar. Por enquanto, os jogadores entram por indicação ou quando nós achamos alguém com talento por aí. O que posso adiantar é que estamos analisando a viabilidade de criar um projeto no estilo Poker Villa, só que no Sul do país.

Nosso projeto é diferenciado por oferecer todo o treinamento para o jogador. Por que um cara como Kovalski, que já forrou uma nota preta, ainda não saiu? Porque ele sabe que vai aprender muito mais conosco, e que vai ter oportunidade de jogar torneios mais caros totalmente dentro da sua zona de conforto, sem ter que se preocupar em ganhar para pagar as contas no final do mês. Para a WSOP desse ano, levaremos “Kovalski”, “Zareta” e “disgueh” para disputar alguns torneios. Tem jogador no time que já chegou a ficar US$ 100 mil negativo, mas como o bankroll é do projeto e não de um jogador apenas, conseguimos arcar com essa variância. Há todo um suporte para cada jogador. É como a formação de um atleta.

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Você tem se mostrado um profundo conhecedor do poker, um livre pensador do jogo. O que você julga ser realmente necessário para vencer? Aprender a jogar não é tão difícil. Em três horas, eu lhe ensino tudo que sei, falo todos os conceitos. Se você vai aprender ou não, é outra história. Agora, é possível pegar um desses conceitos, “balancear o range”, por exemplo, e falar cinco horas sobre ele. Faço isso nas minhas aulas na Poker Villa e, mesmo assim, não é o suficiente. Algum tempo depois, tenho que voltar lá e falar novamente sobre “balancear o range”. Se você ler os livros e acompanhar os fóruns, aprenderá tudo sobre o jogo. O poker é limitado: só permite apostar, pedir mesa ou correr. Quando você joga em um nível alto, todo mundo sabe o que você sabe. Então, para lucrar, não basta jogar certo, é preciso jogar melhor do que o seu adversário. E como você faz isso? Explorando os pontos fortes do seu próprio jogo. Se você é melhor pré-flop, por que levar a briga para depois do flop? Poker é isso. Às vezes você vai estar por baixo, aplicar uma bad beat, mostrar uma feiúra. Apenas jogar corretamente não é o bastante para ser vencedor no poker. ♠


“Para lucrar, não basta jogar certo, é preciso jogar melhor do que o seu adversário”

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O partypoker é um dos sites de poker pioneiros no mundo e vem investindo cada vez mais para trazer a melhor experiência para seus jogadores — seja ao vivo ou online.

COMO EU CRIO UMA CONTA? Para começar a sua experiência no partypoker basta acessar o site partypoker.com e clicar no botão “Baixar Gratuitamente”. 1

A partir daí, basta criar sua conta e usufruir de todos os benefícios que só o partypoker pode oferecer.

BÔNUS

O partypoker disponibiliza um bônus único para os jogadores que estão começando a jogar no site. Qualquer valor (até US$ 500) que o usuário colocar em seu primeiro depósito, ele receberá o dobro para poder jogar. Por exemplo, caso você faça um primeiro depósito de $10, o partypoker dá outros $10 para você utilizar nas mesas do site.

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SISTEMA DE RECOMPENSAS

O partypoker oferece um sistema de recompensas exclusivo para seus usuários, que é dividido em quatro categorias: Bronze, Prata, Ouro e Palladium. Para atingir uma categoria, você precisa acumular determinado número de pontos por mês. A cada $1 de rake, você ganha dois pontos. Por exemplo, ao jogar um torneio de $22 — em que $20 vão para a premiação e $2 correspondem à taxa administrativa do site (rake) —, você acumula quatro pontos. Os pontos podem ser trocados por entradas de torneios (tíquetes) ou por dinheiro. BRONZE – 0 ponto/mês Recompensas: tíquetes de até $22 PRATA – 50 pontos/mês Recompensas: tíquetes de até $109 OURO – 750 pontos/mês Recompensas: tíquetes de até $530 e até $100 em dinheiro. PALLADIUM – 2.000 pontos/mês Recompensas: tíquetes de até $1.000 e até $500 em dinheiro.

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MISSÕES

No partypoker, o jogador ainda tem a opção de realizar “Missões”. As missões dão ao usuário objetivos que o desafiam a experimentar novas coisas e aprimorar o próprio jogo. Mas não existem obrigação. É possível completá-las em um ritmo tranquilo. Mas aprimorar as suas habilidades no poker é apenas um dos benefícios aqui. O partypoker dá recompensas extras para cada missão concluída, que incluem tíquetes para torneios, dinheiro, bônus etc. Para escolher uma missão, basta entrar em “Missions”, depois clicar em “Overview” e encontrar uma Missão que você goste. As missões que você pode iniciar terão um ícone “jogar” (play) ao lado. Missões com um ícone de cadeado estão bloqueadas. Para liberá-las é preciso cumprir algum tipo de missão antes. Depois de começar uma missão, o jogador ainda tem a opção de pausar a mesma e começar uma outra.

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TORNEIOS

O partypoker conta com uma das melhores grades de torneio da internet, atendendo jogadores de todos os limites, dos mais baixos até aqueles que gostam apenas de high rollers. Múltiplas Fases Nos torneios de múltiplas fases, você pode jogar um evento de até US$ 250.000 garantidos. Esses torneios consistem em duas fases. As Fases 1 estão disponíveis ao longo da semana e se você durar 16 níveis, se classifica para a Fase Final, que acontece no domingo. Se for eliminado, basta tentar novamente — você pode jogar a Fase 1 quantas vezes quiser. Caso se classifique e não esteja satisfeito com seu stack, você pode se classificar novamente e levar seu melhor stack para o Fase Final. Com buy-ins entre US$ 5,50 e US$ 109 e torneios de segunda a domingo, eventos de múltiplas fases lhe dão a chance de pagar pouco para tentar ganhar muito dinheiro.

Nível

Fase 1

Fase 1

Fase Final (Domingo)

BUY-IN

Premiação Garantida

Peso Pena (Featherweight)

Segunda a sábado (a cada 2 horas, das 14h às 4h)

Domingo (a cada hora, das 10h às 17h)

Às 18h30

$5,50

$50.000

Peso Médio (Middleweight)

Segunda a sábado (a cada 2 horas, das 14h às 4h)

Domingo (a cada hora, das 10h às 17h)

Às 18h30

$22

$100.000

Peso Pesado (Heavyweight)

Segunda a sábado (a cada 2 horas, das 16h às 2h)

Domingo (a cada 2 horas, das 10h às 16h e também às 16h)

Às 18h30

$109

$250.000

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Torneios PESO PENA (Featherweight)

O partypoker trabalha com três frentes de buy-in em seus torneios regulares, classificadas em: Peso Pena (Featherweight), Peso Médio (Middleweight) e Peso Pesado (Heavyweight). Além dos torneios de múltiplas fases, existem também aqueles de fase única, mais conhecidos pelo público. No Peso Pena, você encontrará mais de 170 torneios com buy-ins de $5,50 a $11. O principal deles é o The Jab, um torneio diário de $5,5 com premiação garantida de $7.500, de segunda a sábado, e de $10.000 aos domingos. Você pode jogar os torneios Peso Pena diariamente entre 10h e meia-noite.

Torneios Peso Médio (Middleweight)

Entre os Pesos Médios são oferecidos mais de 230 torneios semanais, com entradas entre $22 e $55, sendo mais de US$ 850 garantidos pelo partypoker. O The Contender, com buy-in de apenas $22, garante $15.000, de segunda a sábado, e $25 mil aos domingos. Já o The Cournterpunch tem buy-in de $55 e premiação garantida de $7.500. Ele também acontece diariamente. Você pode jogar os torneios Peso Médio todos os dias de 6h às 4h.

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Torneios Peso Pesado (Heavyweight)

Com mais de US$ 1 milhão distribuídos durante a semana, os mais de 60 torneios Peso Pesado do partypoker têm buy-in entre $109 e $215. Carro-chefe da categoria, o Title Fight ocorre aos domingos, às 19h. Com buy-in de $215, o Title Fight tem premiação garantida progressiva. Começando em $300.000 garantidos, toda vez que o garantido for batido, o partypoker aumentará em US$ 25.000 a premiação garantida da próxima semana. O Title Fight ainda possui a melhor estrutura da internet, com stack inicial de 30.000 fichas e subida de blinds a cada 20 minutos. Por quase metade do preço do Title Fight, você pode jogar o Main Event. Com buy-in de $109, o Main Event é jogado também aos domingos, às 19h, e tem premiação garantida de US$ 150.000. Por fim, o Uppercut e o Weigh-In. Enquanto o Uppercut ocorre de segunda a sábado, com buy-in de $109 e garantido de US$ 50.000, o Weigh-In é um torneio diário. Com entrada também de $109, ele tem premiação garantida de US$ 25.000 todos os dias, exceto aos domingos, quando esse valor sobe para US$ 50.000. Os torneios Peso Pesado podem ser jogados diariamente entre 10h e 1h.

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High Rollers

Para quem gosta de jogos ainda mais caros, o partypoker oferece mais de 20 high rollers semanais, que distribuem mais de um milhão de dólares. Os valores das entradas variam entre $530 e $2.600. Confira a grade:

Data*

Buy-in

Garantido

Domingo (15h)

$530

$150.000

Domingo (13h)

$530

$100.000

Domingo (18h)

$530

$25.000

Domingo (15h)

$2.600

$100.000

Segunda-feira, quarta-feira, quinta-feira e sábado (15h)

$530

$50.000

Segunda-feira a Sábado (17h)

$530 (Turbo)

$20.000

Segunda-feira a Sábado (13h)

$530

$20.000

Terça-Feira (15h)

$530

$20.000

Terça-Feira (15h)

$530

$100.000

*Sujeito a alterações

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ESPECIAL

10 ANOS

O encerramento da nossa primeira parte do “Especial 10 anos de Card Player Brasil” é também uma das matérias mais bem escritas e sombrias já publicadas em nossas revistas. Foi em uma sexta-feira, mais precisamente no dia 15 de abril de 2011, que o mundo do poker mudou para sempre. O FBI interditou nos Estados Unidos três dos maiores sites de poker online da época, o PokerStars e os extintos Full Tilt e Absolute Poker. A cicatrizes da chamada “Black Friday” nunca se cicatrizaram completamente e a história completa desses eventos que abalaram os alicerces do poker online foram tema da edição 51 de nossa revista, em outubro de 2011.

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FULL TILT

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embro-me como se fosse hoje. 15 de abril de 2011. Meu amigo, jogador de poker e coautor do primeiro livro de Texas Hold’em lançado em português no Brasil, André “Dedeh7L” Reis, me chama no MSN. Eram pouco mais de cinco da tarde, e estávamos perto do fim do expediente na editora: “Já viu isso?”, pergunta ele, enquanto cola um link para uma matéria do New York Times recém-saída do forno. Chocante, para dizer o mínimo: “Departamento de Justiça dos Estados Unidos indicia fundadores das três maiores empresas de poker online do país”, estampava um trecho. “Domínios dos sites FullTiltPoker.net, AbsolutePoker. com e PokerStars.com são interditados

pelo FBI. Onze prisões são feitas”, lia-se em outra parte. Há algumas dezenas de quilômetros dali, meu amigo digitava em ritmo frenético e em tom de desespero que iria retirar todo seu dinheiro do PokerStars e do Full Tilt Poker. Ainda sem acreditar no que lia, corri para acessar os dois sites a fim de conseguir alguma informação. Ao invés de me deparar com a pequena foto de um sorridente Daniel Negreanu, ou com a expressão enigmática de Chris Ferguson, o que vi em ambos os sites foi um brasão do F.B.I., lado a lado com o símbolo do Department of Justice (DoJ). Logo abaixo, uma extensa mensagem, que começava como um soco no estômago: “Este domínio foi apreendido pelo F.B.I.” Era surreal.

@CardPlayerbr cardplayer cardplayerbr 10 anos 97

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Em questão de horas – ou seriam minutos? Não sei precisar bem –, notícias sobre o possível fim dos dois maiores sites de poker online do mundo já explodiam nos principais portais de conteúdo especializado. E aquele dia ficaria conhecido como “Black Friday”, a “SextaFeira Negra do Poker Online”. Como vocês sabem, dentre os sites indiciados, apenas um sairia sem maiores prejuízos. E não seria o Full Tilt. Com orçamento inicial de US$ 5 milhões, o FTP foi fundado em meados de 2004. Seu grande trunfo para ganhar espaço num mercado ainda incipiente estava em seus proprietários: Chris Ferguson, Phil Ivey, Howard Lederer, Erik Seidel, John Juanda, Andy Bloch, Erick Lindgren, Phil Gordon e Clonie Gowen, que também foram os primeiros integrantes do “Full Tilt Team”.

jun/2004 Com orçamento de us$5 milhões, howard lederer e outros oito profissionais lançam o full tilt Poker. 46

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Era esse o esquadrão de elite responsável por representar o site nos feltros. Nos bastidores, o grande nome era o CEO da Tiltware LLC, empresa responsável pelo FTP, Ray Bitar, até bem pouco tempo, tido como um dos homes mais poderosos do poker mundial. Com campanhas de marketing agressivas, o Full Tilt aos poucos conquistava seu lugar ao sol. E em 2006, a sorte sorriu para o site. Nos Estados Unidos, foi promulgado o Unlawful Internet Gambling Enforcement Act (UIGEA), polêmica lei sancionada pelo então presidente, George W. Bush, proibindo instituições financeiras de processarem pagamentos online para cassinos e sites de apostas na internet.

ago/2006 Com oito eventos e cerca us$2 milhões em premiações, estreia a full tilt online Poker series (ftoPs).

set/2006 Party Poker encerra suas atividades nos eua após o uigea, e deixa o mercado livre para o full tilt e o Pokerstars.


Em razão do UIGEA, empresas como o Party Poker, líder de mercado à época, encerraram suas atividades na terra do Tio Sam. Melhor para Full Tilt e PokerStars, que, alheios a eventuais empecilhos legais, decidiram apostar as suas fichas em terras norte-americanas. O resultado foi um crescimento pantagruélico, monstruoso, dos dois sites. Estávamos diante da versão tecnológica da corrida do ouro.

jun/2008 o finlandês Patrik antonius é contratado pelo full tilt.

ago/2008 o software ganha versões em francês, alemão, espanhol e holandês. CK e raul se tornam “red Pros”.

Para se ter uma ideia, a Full Tilt Online Poker Series (FTOPS), série de torneios online criada em 2006 e realizada a cada três meses, distribuiu em sua primeira edição cerca de US$2 milhões ao longo de oito eventos. Porém, a última FTOPS antes da Black Friday, em fevereiro de 2011, chegou perto da marca de 40 milhões de dólares em 45 eventos. Em 2004, o número de usuários conectados oscilava entre 1.500 e 3.500. Em 2009, era possível encontrar mais de 150.000 jogadores lotando as mesas do software nos horários de pico – um crescimento de quase 10.000%. Diante de um banquete tão farto, o site passa a contratar alguns dos principais nomes do poker mundial. Gus Hansen, Patrik Antonius e Tom Dwan foram alguns dos que se juntaram ao time. Visando fortalecer ainda mais sua marca, o Full Tilt fecha acordos de patrocínio com o World Poker Tour, o popular programa de TV Poker After Dark e até com uma equipe de Fórmula 1, a Virgin Racing. Foram incorporados ainda ao site mais três times: o The Hendon Mob, formado por quatro jogadores da Inglaterra; o CardRunners, composto por 10 instrutores da mais tradicional escola de poker do mundo; e o Team Limpers, que reunia seis dos melhores jogadores da França. Várias celebridades também associaram seus nomes à marca. Caso da “voz do UFC” Bruce Buffer, do tenista James Blake e do ator Don Cheadle. Eles eram apenas três dentre as mais de 50 personalidades que ficaram conhecidas como “Friends of Full Tilt”.

set/2008 WtP enterprises, criadora do World Poker tour, e o fulltiltPoker.com firmam novo acordo de patrocínio. @CardPlayerbr 47 cardplayer 10 anos 99


Como se não bastasse, o site criou ainda o maior time de profissionais do poker online do mundo, os chamados “Red Pros”, formado por mais de 150 jogadores notadamente talentosos na arena online. Dentre eles, os brasileiros Christian Kruel, Raul Oliveira, Felipe Mojave, Caio Pimenta e Leandro Brasa. Esses dois últimos, aliás, chegaram a fazer o heads-up decisivo no maior torneio do site em 2008, o US$1.000.000 Guaranteed. O Full Tilt ainda foi responsável por implementar em seu software modelos inovadores de disputa. Alguns fizeram sucesso imediato, caso do Rush Poker; outros agradaram, mas causaram polêmica, como os torneios com “multientradas”. E o rol de invenções não

noV/2009 Patrik antonius vence um pote de $1.356.947 contra Viktor “isildur1” Blom, o maior da história da internet. 48

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parou por aí. Foi lá também que surgiu a expressão “nosebleed stakes”, mesas de cash games com limites altíssimos, de “sangrar o nariz”. Numa delas, foi disputado o maior pote da história do poker online: Patrik Antonius ganhou a bagatela de US$1.356.947 em uma única mão contra o até então misterioso “Isildur1”, o sueco Viktor Blom. No Brasil, o site patrocinava o BSOP, principal circuito de poker nacional, sem maiores ameaças de concorrência. Em canais fechados de TV, comerciais do FTP podiam ser vistos com relativa frequência, algumas vezes em horários nobres. O Full Tilt parecia realmente disposto a brigar de igual para igual com seu maior rival e líder de mercado, o PokerStars.

aBr/2010 lançamento do “rush Poker”, modalidade em que o jogador é trocado de mesa assim que sua ação na mão for finalizada.

14/03/2011 full tilt anuncia a onyx Cup, série de torneios live com buy-ins mínimo de us$ 100 mil.


“lamentÁVel o que aConteCeu Com o full tilt. Para mim, era o melhor softWare do merCado. se a emPresa se mostrasse sÉria em uma PossíVel Volta, eu não teria ProBlemas em jogar lÁ de noVo”. joão Bauer, campeão no WCooP em 2010.

Em sua ação mais agressiva até então, o Full Tilt anuncia a Onyx Cup, primeira série de torneios live exclusivamente high stakes do mundo. O buy-in mínimo previsto era de 100 mil dólares, cerca de 180 mil reais. E já havia fila de espera. Com datas, locais e valores definidos, o site levaria ao extremo a experiência do poker milionário. Àquela altura, ninguém poderia supor que a derrocada do Full Tilt seria mais rápida que a sua ascensão. Então, vem a “Black Friday”. Seria o início do fim de uma era para o site. Porém, o que poucas pessoas poderiam imaginar era a sucessão de catástrofes que estava por vir. Os primeiros indícios de um desastre apareceram logo após o site celebrar um acordo junto ao DoJ para recuperar seu domínio FullTiltPoker.net, o que aconteceu poucos dias após a fatídica sexta-feira negra.

15/04/2011 BlaCK fridaY Pessoas ligadas ao full tilt Poker são indiciadas. site é proibido de operar nos eua e tem seu domínio confiscado pelo fBi.

17/04/2011 full tilt diminui as premiações garantidas de seus principais torneios.

À semelhança da quebra da bolsa de Nova York em 1929, uma multidão de pessoas apreensiva com o futuro incerto de seu bankroll decidiu sacar um grande volume de dinheiro simultaneamente, temendo pelo pior. E o pesadelo acabou se tornando uma dura realidade. Estranhamente, o processamento dos cash outs no Full Tilt fora interrompido. Notas oficiais do site eram liberadas apenas esporadicamente, e quase nada diziam a respeito da situação. Os jogadores estavam à deriva no mar de incertezas que tinha se tornado o Full Tilt. De nada adiantavam declarações de jogadores respeitados como Tom Dwan e Phil Galfond, afirmando que tirariam um milhão de dólares do próprio bolso caso o site não pagasse aos seus jogadores. Dwan chegou a dizer que a chances de o FTP não cumprir com seus compromissos eram menores do que 10%. Com base em quê? Provavelmente, jamais saberemos.

19/04/2011 retiradas de dinheiro cessam no ftP. Phil galfond e tom dwan garantem que o site vai honrar seus compromissos. @CardPlayerbr 49 cardplayer 10 anos 101


Entretanto, os escândalos envolvendo o gigante do poker online estavam apenas começando. Phil Ivey, considerado o melhor jogador de poker do mundo e um dos principais acionistas da companhia anunciara, às vésperas da WSOP, que não disputaria a série mundial de poker – supostamente, em solidariedade aos usuários que estavam sendo lesados. De quebra, entrou com um processo contra a TiltWare LLC devido aos problemas de pagamento. Diante dessa mobilização, parte dos jogadores se mantinha otimista quanto ao recebimento de seus fundos, mas um balde de água fria veio logo em seguida. No final de junho, a Alderney Gambling Control Commission (AGCC), órgão responsável pela regulamentação de apostas eletrônicas e através do qual quatro empresas da Tiltware LCC eram licenciadas, caçou todas as licenças de funcionamento do site. Inicialmente, a medida seria apenas temporária. Uma reunião foi marcada para agosto, em Londres, depois adiada para setembro. Todos os interessados aguardavam ansiosamente por esse encontro, que poderia selar o destino do Full Tilt.

20/04/2011 full tilt celebra acordo com departamento de justiça do estados unidos e recupera seus domínios. 50

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01/06/2011 Phil ivey anuncia que não jogará a WsoP e que processará a tiltware llC.

29/06/2011 agCC suspende licença de funcionamento do full tilt.


Ainda em junho, especulações acerca do futuro do site eram o assunto principal em fóruns online e portais de poker mundo afora. Em um desses veículos, advogados do FTP divulgaram a informação de que o site estava em processo de venda e que todos os jogadores seriam pagos. Além disso, como parte do acordo, Phil Ivey desistiria do processo contra a TiltWare. Mas o clima de indefinição continuava, e usuários, funcionários e imprensa permaneciam às escuras. Tudo o que se sabia era que determinado jogador tinha vários milhões presos no site, ou então que uma enxurrada de processos estava sendo aberta contra a companhia. Nada além de boatos ou do óbvio ululante. Em alguns momentos, porém, o site ensaiou um retorno. Após pagar 250.000 libras à AGCC, o Full Tilt renovou sua licença secundária de funcionamento. Isso, juntamente com a aproximação da tão aguardada reunião, deu novo fôlego aos jogadores. A audiência correria em segredo de justiça e só permitiria o acesso dos envolvidos diretamente.

“eu aCho difíCil a Volta do ftP Por Causa toda a situaÇão da liCenÇa, da multa, etC. Caso Voltem, não reCuPerarão a CrediBilidade de antes. Perderam muito do seu marques, apresentador Prestígio”. Vini da tV Poker Pro.

01/07/2011 surgem os primeiros rumores sobre a venda do ftP.

14/07/2011 agCC marca para o dia 26 de julho, em londres, audiência para analisar situação do full tilt.

26/07/2011 full tilt pede, e agCC adia reunião sobre licença. @CardPlayerbr 51 cardplayer 10 anos 103


Eis que, pouco antes da decisão da AGCC, uma nova bomba explode sem aviso: em letras garrafais, sites do mundo inteiro – inclusive dois dos maiores portais brasileiros, UOL e Globo.com – estampavam em sua página principal: “Full Tilt é um ‘Esquema Ponzi’ de proporções globais”. Em bom português, um “golpe em pirâmide”. Pelo menos era o que dizia o promotor de Manhattan, Preet Bharara, responsável pelo enquadramento penal. Segundo ele, “o Full Tilt não era uma companhia de poker legítima, mas um ‘Esquema Ponzi’ no qual seus proprietários embolsavam fundos retirados seus usuários, enquanto descaradamente mentiam para os jogadores e para o público sobre a segurança do dinheiro depositado na companhia”. A declaração do promotor vinha junto com a notícia de que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos acusara os membros do conselho do Full Tilt – Howard Lederer,Chris Ferguson e Rafe Furst – de trabalhar junto com o CEO da empresa, Ray Bitar, para fraudar jogadores de poker do mundo todo em mais de US$440 milhões ao longo dos últimos quatro anos. O DoJ também alegou que o Full Tilt, em 31 de março, tinha apenas US$60 milhões em caixa, mas a quantia depositada no site por seus usuários ultrapassava 400 milhões de dólares, sendo 150 milhões apenas de usuários norte-americanos.

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01/08/2011 mike matusow afirma que daniel “jungleman12” Cates tem mais de us$6 milhões congelados no site.

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A lista de problemas envolvendo o site era extensa. Segundo o DoJ, o FTP pagava cerca de US$10 milhões por mês aos diretores do conselho, e periodicamente emprestava dinheiro a vários jogadores de poker profissionais. Em agosto de 2010, contudo, a companhia começou a perceber dificuldades de coletar fundos das contas de seus clientes. Assim, secretamente passou a colocar “créditos fantasmas”, sem liquidez, nas contas dos usuários, e continuou a operar normalmente, pagando milhões à diretoria e aos sócios.

05/09/2011 agCC remarca audiência para o dia 19 de setembro.

14/09/2011 site enfrenta processo coletivo de usuários do Canadá.


“nenhuma emPresa deVe tratar funCionÁrios ou Clientes da maneira que fizeram. ninguÉm daVa informaÇÕes soBre nada. tenho minhas dÚVidas se eu assoCiaria meu nome noVamente À marCa”. felipe mojave, especialista em mixed games e ex-red Pro.

À medida que os jogadores faziam depósitos no site e eventualmente perdiam, US$130 milhões em “fundos fantasmas” passaram a existir nas contas do site. Apesar da alegada preocupação de Ray Bitar no início de 2011, a companhia não possuía lastro para quitar suas dívidas. Mas, ainda assim, continuava a fazer pagamentos aos acusados. De acordo com o DoJ, os donos da Tiltware LLC receberam mais de US$440 milhões em pagamentos, sendo 41 mi para Bitar, 42 mi para Lederer, 11,7 mi para Rafe Furst e 85 mi para Ferguson, que teria recebido “apenas” $25 milhões desse valor – o restante seria pago depois. Os mais de US$250 milhões restantes teria sido dividido entre os demais sócios. 19/09/2011 audiência privada com agCC é realizada. nada é divulgado para a imprensa.

21/09/2011 departamento de justiça afirma que o ftP é “esquema Ponzi” de proporções globais.

Outro ponto que pesou contra o Full Tilt após a Black Friday é que site levou os jogadores a acreditar que seus negócios internacionais eram separados de suas operações nos EUA. Consequentemente, não seriam afetados por eles. Entretanto, em junho, Lederer reportou que o FTP tinha apenas US$6 milhões em suas contas. A repercussão do “Caso Full Tilt” teve consequências imediatas, inclusive de ordem familiar. Annie Duke, irmã de Howard Lederer e criadora da Epic Poker League, que reúne apenas os top players do mundo em um torneio sem rake, anunciou a suspensão do próprio irmão e de Chris Ferguson da EPL. Logo em seguida, foi a vez do F.B.I. bloquear contas em nomes de Ray Bitar, Lederer, Ferguson e Rafe Furst.

22/09/2011 lederer e ferguson são suspensos da epic Poker league, torneio idealizado por annie duke, irmã de lederer. @CardPlayerbr 53 cardplayer 10 anos 105


Em meio a uma turbulência que parecia não ter fim, surge a notícia de que um grupo francês estaria interessado na aquisição do Full Tilt. Naturalmente, isso renovou a pálida esperança dos usuários de reaver seu bankroll. Blair Hinkle, norte-americano que ganhou $1,2 milhão ao sagrar-se campeão do Main Event do FTOPS XIX, foi um dos primeiros a se manifestar. Com sete dígitos congelados no FTP, ele se matinha otimista em receber pelo menos parte de seu dinheiro e, assim, poder comprar sua casa. “As coisas seriam diferentes se eu tivesse o dinheiro que guardava no Full Tilt. Mas ao mesmo tempo, estou contente com a minha situação (Hinkle possui mais de $1 milhão em prêmios apenas em torneios live) – só estou tentando manter o pensamento positivo”, disse ele. A esperança de jogadores como Hinkle era de que o Full Tilt reencontrasse seu caminho caso a AGCC reativasse a licença de funcionamento. Infelizmente, no dia 29 de setembro, veio a definição que muitos esperavam: a licença do Full Tilt Poker estava revogada em definitivo.

Segundo a Comissão, após seis dias de audiência concluiu-se que “ao relatar continuamente um balanço de fundos líquidos que havia sido tomado ou restringido pelas autoridades dos EUA, ou que de outra forma não estava disponível para movimentação, o FTP ludibriou a AGCC acerca da integridade de suas operações”. Ainda de acordo com agência de Alderney, o Full Tilt cometeu outros delitos graves, que incluíam relatórios falsos, fornecimento não autorizado de créditos e falha em informar sobre eventos materiais. A AGCC também deixou claro que os casos de não pagamento dos jogadores não eram de responsabilidade da Comissão, mas sim das autoridades judiciais. Em um último release, o FTP lamentou a decisão da AGCC, afirmando que a revogação da licença era um duro golpe nos jogadores de todo o mundo. A perda da licença, no entanto, não impediria uma posterior reativação do site, desde que a situação com os jogadores fosse resolvida e todas as multas em decorrência do processo fossem pagas. E um dia depois do avassalador anúncio da AGCC, o “Caso Full Tilt” ganharia mais um capítulo.

Para mim, houVe imProBidade. eles usaram os fundos dos jogadores enquanto esse dinheiro deVeria estar seguro. e se todo mundo não tiVesse tentado saCar de uma Vez, jamais desCoBriríamos. Caio Brites, idealizador do Poker Villa.

22/09/2011 grupo francês cogita compra do full tilt. CardPlayer.Com.br CardPlayer.Com.br 106 CardPlayer.com.br

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23/09/2011 doj autoriza f.B.i. a confiscar contas em nomes de howard lederer, ray Bitar, jake furst e Chris ferguson.

28/09/2011 ganhador de us$ 1,2 mi no main event da ftoPs afirma estar otimista quanto ao recebimento do prêmio.


Segundo os advogados da TiltWare, o diretor do grupo francês “Groupe Bernard Tapie”, Laurent Tapie, fechara um acordo para a aquisição do Full Tilt Poker. O negócio incluía o pagamento de todos os jogadores. Inclusive, afirmouse ainda que discussões legais com o DoJ já teriam começado. O “Groupe Bernard Tapie” é conhecido pelo sucesso em recuperar empresas em situação de falência. Ao longo de 30 anos de atuação, eles adquiriram e gerenciaram mais de 40 empresas, dentre elas, a Adidas, gigante alemã do segmento de material esportivo.

29/09/2011 licença do full tilt é revogada em definitivo

29/09/2011 til Poker divulga comunicado repudiando decisão da agCC.

Recentemente, o grupo anunciou o lançamento do International Stadiums Poker Tour (ISPT), um megatorneio no estádio Wembley com US$ 30 milhões garantidos. Isso reacendeu os rumores de que a venda do FTP estaria encaminhada. O “Caso Full Tilt” ainda não terminou, mas parece se aproximar de um final. É possível que Ray Bittar seja condenado à prisão, muito embora Howard Lederer e Chris Ferguson devam escapar do processo criminal, o que não redime o prejuízo à imagem de ambos. Difícil imaginar que os veremos novamente nos feltros dos principais torneios do mundo. Quanto aos milhares de jogadores lesados, resta a possibilidade de um final feliz. As odds podem até ser pequenas, mas quem nunca acertou aqueles dois outs no river? ♠

30/09/2011 advogados do full tilt confirmam acordo com grupo francês para venda do full tilt Poker. @CardPlayerbr 55 cardplayer 10 anos 107


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Card Pedia FERAS DO ONLINE Top 10 – Resultados Brasileiros em JULHO

Pablo Brito

SITE

Torneio (Buy-in)

Data

Nome

Posição

Prêmio

Sunday Million ($215)

11/06

“nestoneto”

$84.398

Super High Roller ($2.600)

25/06

“Azkabante”

$44.533

The Title Fight ($215)

25/06

Pablo “Britz1” Brito

$30.800

Sunday Million ($215)

18/06

“rrrui”

$65.909

Sunday Million ($215)

18/06

“alweinmann”

$46.982

The Title Fight ($215)

18/06

Thiago “dinovaldo” Napoleão

$37.305

Thursday Trill ($1.050)

22/06

Felipe “lipe piv” Boianovsky

$27.928

Bounty Builder ($109)

11/06

“Brauliocsp”

$26.848

Sunday Supersonic ($215)

11/06

Rafael “konnh4nd” Garcia

$25.991

Sunday Grand ($1.050)

11/06

“lima442200”

$25.327

Top 10 – HIGH STAKES DE JULHO*

Jens Lakemeier

TOP 5 - VENCEDORES** Site

Jogador

Sessões

Mãos Jogadas

Lucro

Viktor “Isildur1” Blom

132

38.038

$1.142.745

Andres “Educa-p0ker” Artinano

211

9.582

$270.887

“Mongano”

12

2.068

$221.994

Jens “Fresh_oO_D” Lakemeier

111

14.595

$85.816

“BERRI SWEET”

85

4.052

$79.193

Jogador

Sessões

Mãos Jogadas

Prejuízo

“RaúlGonzalez”

47

29033

$563.139

Sami “Lrslzk” Kelopuro

50

3.471

$321.775

Mikael “ChaoRen160” Thuritz

39

3.977

$183.800

“Grazvis1”

80

3.657

$122.211

“bustoville”

49

2.514

$110.012

TOP 5 - PERDEDORES** Site

*Fonte: highstakesdb.com

110

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OS MELHORES BARALHOS DO MUNDO


112

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