Cultura afrobrasileira e identidade nacional

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EMBALAR, MOQUECA DENGO, BALANGANDÃS, JABACULÊ, SARAPATEL, ENCABULAR, MOCORONGO, JABÁ, MANGAR, ESCANGALHAR ZO, CANGA, MIÇANGA, MORINGA, CAFUNÉ, ABACA, AFOXÉ, ANGÚ, CATINGA, GANDAIA ZOEIRA, NENÊ, PERRENGUE, PITOCO, MOCHILA, CACUNDA, IMPALA, BOLOR, A, DENDÊ, IAIÁ, JILÓ, MUVUCA, QUILOMBO, CAZUMBÍ, BOROCOXÔ, QUENGA, MBADA, GANZÁ, MUCAMA, CALANGO, FUZUÊ, QUINDIM, SAPECA, MOCOTÓ




MOQU EC A , C A PO E I R A , L A M B A N Ç A , CALOMB O, CAMUND ONGO, MOLE NGA LENGA , BA GU NÇA , P I M B A , C A LU N G A, TAGAR E LA, ZOMB AR , F UR DUNCI O MOLEQU E , BA NZO, G A M B É , SA R A PATE L, E NCAB ULAR , MOCOR ONGO, JAB REQUE NGUE L A, L E R O - L E R O, C A R U R Ú, CAF UÁ, MALUCO, MAR ACUTAI A PITO, TU ND A , BA M B E R Ê , B O C A - D E- PI TO, QUI TUTE , MAX I X E , B AB ACA, AF CUÍCA , M AC U M B A , D I A M B A , C A P E N G A, AZOE I R A, NE NÊ , PE R R E NGUE , M GAR APA , XEPA, G O R O R O B A , PA M O N HA, DE NDÊ , I AI Á, J I LÓ, MUVUCA, PI FUX IC O, L AM BUJA , A B A R Á , A N G Ú, MOR I NGA, B ÚZI OS , MUX I B A, LAMB AD SAPECA , A GOGÔ, M O N D O N G O, M O C OTÓ, B ANTOS , CATI NGA, GE R I NGONÇ PEN DE NGA, S O VA , M U Q U I FO, C A FUNDÓ, B I R I TA, F UZAR CA, S AR AV TUTÚ, BO M BA , , B A O B Á , A B A D Á , B AB Á, S AR AR Á, B AMB A, CHI LI QUE , MONGO, C APOE I R A , L A M B A N Ç A , C ALOMB O, CAMUNDONGO, MOLE NGA, LENGA , BA GU NÇA , P I M B A , C A LU N G A, TAGAR E LA, ZOMB AR , F UR DUNCI O MOLEQU E , BA NZO, G A M B É , SA R A PATE L, E NCAB ULAR , MOCOR ONGO, JAB REQUE NGUE L A, C A R U R Ú, A FOX É , C AF UÁ, MALUCO, MAR ACUTAI A, GUI MB TUN DA , BA M BER Ê , B O C A - D E- P I TO, QUI TUTE , MAX I X E , B AB ACA, AFOX É MACU L E L Ê , BA N Z É , C A X A N G Á , M O L A MB O, MANHA, E NGAB E LAR , CAPAN PINDA ÍBA , XA RÁ , ZO E I R A , M A R A C ATÚ, CANJ I CA, I NHAME , MANDI NGA, MANO, M ILO NGA , Q U I LO M B O, B A M B OLÊ , J E R E R Ê , FOFOCA, B OB Ó, F MACU M BA , D IAM B A , C A P E N G A , A ZO E I R A, NE NÊ , PE R R E NGUE , MOCHI LA, XEPA, GOROROB A , PA M O N H A , D E N D Ê , I AI Á, J I LÓ, MUVUCA, PI TOCO, CA LAMB U JA, ABA R Á , A N G Ú, M O R I N G A , B ÚZI OS , MUX I B A, LAMB ADA, GANZ CAZUM BÍ, BO RO C OXÔ, Q U E N G A , Q U I ZI LA, J ONGO, F UÁ, MI NGAU, F UX I GAN ZÁ , C AFUNÉ , M U C A M A , C A L A N G O, F UZUÊ , QUI ND I M, CAX UMB A, S A MUTRE TA , M A M O N A , A X É , M A N D R AQUE , B I TE LO, S AMB A, B R UACA, ANGOL A, TUND A , B A M B E R Ê , B O C A - D E-PI TO, QUI TUTE , MAX I X E , B AB AC MOCA M B O, M A C U L E L Ê , B A N Z É , C A X ANGÁ, MOLAMB O, MANHA, E NGAB E L


A , D EN GO, BA L ANGA N D Ã S, JA B A C U L Ê , MAR AFA, MAMULE NGO, LE NGAO, BANCAR, M A NGUE , M UA M B A , E M B A L A R , UR UCUB ACA, LAR I CA, JAB Á, B Á , B UGIGANGA , M AN G A R , E SC A N G A L H A R, E S PANDONGAD O, S E R E LE PE , , GUI MBA, E M PAC AR , C A F U ZO, F U L E I R O, CANGA, MI ÇANGA, TR I B UF Ú, FOXÉ, QUE NGO, FUTU M , C AT I M B A , C O Q U E , CAX AMB Ú, TANGO, GANDAI A, M O CHILA, C AC U ND A , I M PA L A , B O LO R , Z U NZUM, DE NGOS O, TR AMB I QUE , I TOCO, CAZ UM BÍ, B O R O C OXÔ, Q U E N G A , Q UI ZI LA, J ONGO, F UÁ, MI NGAU, D A , GANZÁ , C AFUNÉ, M U C A M A , C A L A N G O, F UZUÊ , QUI NDI M, CAX UMB A, Ç A , M UTR E TA , M A M O N A , A X É , M A N D R A Q UE , B I TE LO, B R UACA, ANGOLA, VÁ , CAX AMB Ú, S AMB A, CAR I MB Ó, AX É . C AXIX Í , GO GÓ, MATUTO, PI R ÃO, PI NGA, , D EN GO, BA L ANGA N D Ã S, JA B A C U L Ê , MAR AFA, MAMULE NGO, LE NGAO, BANCAR, M A NGUE , M UA M B A , E M B A L A R , UR UCUB ACA, LAR I CA, JAB Á, B Á , B UGIGANGA , M AN G A R , E SC A N G A L H A R, E S PANDONGAD O, S E R E LE PE , B A , EMPAC A R, C AFUZO, F U L E I R O, C A N G A, MI ÇANGA, TR I B UF Ú, ANGOLA, , Q U ENGO, FUTU M , C AT I M B A , C O Q U E , C A X AMB Ú, B ATUQUE , MOCAMB O, N G A , QUI ZU M BA , C AC I M B A , C A N D O M B L É , ZANZAR , CAF UNGAR , CAFOFO, , XODÓ, M A RIM B ONDO, Z A N G A R , C U B ATA, CATUPÉ , ALUÁ, B E R I MB AU, F U NG AR , A C ARAJ É , Z A B U M B A , M O Q U ECA, TANGO, GAND AI A, CUÍ CA, , C ACUN DA , IM PA L A, B O LO R , Z U N Z U M , D ENGOS O, TR AMB I QUE , GAR APA, A Z UMBÍ, BOROC OXÔ, Q U E N G A , Q U I Z I L A , JONGO, F UÁ, MI NGAU, F UX I CO, Á , C AF UN É, M U C AM A , C A L A N G O, F U Z U Ê , QUI NDI M, CAX UMB A, S APECA, C O, LAMB UJA, ABA R Á , A N G Ú, M O R I N G A , B ÚZI OS , MUX I B A, LAMB AD A, P ECA, AG OGÔ, M OND O N G O, M O C OTÓ, B ANTOS , CATI NGA, GE R I NGONÇA, A N G OLA, PE ND ENGA , SO VA , M U Q U I FO, CANGA, MI ÇANGA, TR I B UF Ú, C A , AFOX É , Q U E NGO, F U T U M , C AT I M B A , COQUE , CAX AMB Ú, B ATUQUE , L AR, CAPANGA, Q U IZ U M B A , C A C I M B A , C A ND OMB LÉ , ZANZAR , CAF UNGAR


Cultura afrobrasileira e identidade nacional 1a. edição Publicação do projeto FORMAÇÃO DE AGENTES SÓCIOCULTURAIS COM ENFOQUE NA CULTURA AFROBRASILEIRA E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL Autores Advane Silva Braga Andreia Roseno da Silva Diogo Linhares Fernandes Elaine Maurício Bezerra Iyalê Tahyrine Moura Correia José Leidiano Peixoto Farias Lorena Carneiro Almeida Andrade Coordenação do projeto Tatiana Ribeiro Velloso Produção Executiva Arte em Movimento Arte gráfica Bernardo Amaral Vaz

CULTURA AFROBRASILEIRA & IDENTIDADE NACIONAL

Lua Marina Moreira Guimarães Marina Leite Suzart Mario Roberto de Moraes Barbosa Pablo Almeida Bandeira Raíssa Almeida Fonseca Suzany Ludimila Gadelha e Silva Thays Santos Carvalho


APRESENTAÇÃO cafin Ao longo da caminhada, o projeto “Formação de agentes sócioculturais com enfoque na cultura afrobrasileira e a formação da identidade nacional”, foi apelidado de CAFIN: contribuição africana na formação da identidade nacional. processo formativo

dez encontros

É um processo formativo para preparar jovens homens e mulheres (em sua maioria negros, educadores populares, professores, militantes sócio culturais) que atuam direta ou indiretamente nas escolas, seja como professores formais, educadores populares e mesmo jovens estudantes. Construindo um caminho para a compreensão e multiplicação da cultura africana na formação da identidade brasileira.

São 10 encontros que traçam um caminho de descobertas e reflexões que buscam na nossa raiz Africana os elementos de força e resistência que nos conduzem ao reconhecimento da nossa identidade como povo, como nação.

caderno de apoio Este material é em si um convite para continuar esse caminho de descobertas, para multiplicação dessa experiência. É um roteiro amplo com pontos elementares para este início deste debate que pode ser enriquecido pela contribuição de cada monitor e cada turma. É um apoio para todos aqueles que quiserem se somar à esta conversa.


OQUECA, CAPOEIRA, LAMBANÇA, CALOMBO, CAMUNDONGO, MOLENGA, DENGO ALUNGA, TAGARELA, ZOMBAR, FURDUNCIO, BANCAR, MANGUE, MUAMBA, EMBALAR OCORONGO, JABÁ, BUGIGANGA, MANGAR, ESCANGALHAR, ESPANDONGADO, SEREL MPACAR, CAFUZO, FULEIRO, CANGA, MIÇANGA, TRIBUFÚ, PITO, TUNDA, BAMBERÊ OQUE, CAXAMBÚ, TANGO, GANDAIA, CUÍCA, MACUMBA, DIAMBA, CAPENGA, AZOEI

módulos 1 e 2

A história da formação do povo brasileiro

pág. 11

módulo 3

módulo 4

sincRetismO pág. 30

A ordem patriarcal, raça e gênero. pág. 23

módulo 5

A literatura brasileira e a construção de “um” olhar sobre o povo negro.

O sincretismo religioso brasileiro e a resistência cultural africana

módulo 6

pág. 38

O papel do teatro brasileiro na construção de uma estética negra. pág. 53


O, BALANGANDÃS, JABACULÊ, MARAFA, MAMULENGO, LENGA-LENGA, BAGUNÇ R, URUCUBACA, LARICA, JABÁ, MOLEQUE, BANZO, GAMBÉ, SARAPATEL, ENCABULA LEPE, REQUENGUELA, LERO-LERO, CARURÚ, CAFUÁ, MALUCO, MARACUTAIA, GUIMB Ê, BOCA-DE-PITO, QUITUTE, MAXIXE, BABACA, AFOXÉ, QUENGO, FUTUM, CATIMB IRA, NENÊ, PERRENGUE, MOCHILA, CACUNDA, IMPALA, BOLOR, ZUNZUM, DENGOS

módulos 7

módulos 8 pág. 67

O cinema e a TV na construção e massificação de "uma" imagem sobre o povo negro: da reificação do mito da democracia à transformação em sujeito marginal

A história da música brasileira e sua indissociabilidade dos ritmos africanos: dos tambores nas senzalas ao funk pág. 77

módulos 9

A formação da classe trabalhadora no Brasil e a questão racial.

pág. 87

módulos 10

pág. 94

História do movimento negro no Brasil: das rebeliões nas senzalas à luta contra o genocídio da população negra


APENGA, AZOEIRA, NENÊ, PERRENGUE, MOCHILA, CACUNDA, IMPALA, BOLOR, Z IÁ, JILÓ, MUVUCA, PITOCO, CAZUMBÍ, BOROCOXÔ, QUENGA, QUIZILA, JONGO, AMBADA, GANZÁ, CAFUNÉ, MUCAMA, CALANGO, FUZUÊ, QUINDIM, CAXUMBA, SA AMONA, AXÉ, MANDRAQUE, BITELO, SAMBA, BRUACA, ANGOLA, PENDENGA, AGUNÇO, PATOTA, SONGAMONGA, CARIMBÓ, TUTÚ, BOMBA, BUNDA, BAOBÁ, C

GUIA METODOLÓGICO

Os Módulos podem ser realizados em diversos

formatos, mas o ideal é dedicar um final de semana (2 dias) para cada tema. NÚCLEOS

A Turma será dividida em núcleos que trabalharão juntos até final do projeto. Os núcleo terão a função do estudo coletivo, desenvolvimento de tarefas práticas e pedagógicas dentro da turma. As tarefas devem ser rotativas de maneira que todos os núcleos experimentem as diversas funções dentro da turma. Cada núcleo deve ser batizado com o nome de uma personalidade negra ou referência de luta dos negros importante de nossa história. ANIMAÇÃO E NOITE CULTURAL Trazer de forma lúdica (teatro, música, performance, poética) elementos simbólicos e culturais da Cultura Africana e sua contribuição para a formação do povo brasileiro.


ZUNZUM, DENGOSO, TRAMBIQUE, GARAPA, XEPA, GOROROBA, PAMONHA, DEND , FUÁ, MINGAU, FUXICO, LAMBUJA, ABARÁ, ANGÚ, MORINGA, BÚZIOS, MUXIB APECA, AGOGÔ, MONDONGO, MOCOTÓ, BANTOS, CATINGA, GERINGONÇA, MUTRET SOVA, MUQUIFO, CAFUNDÓ, BIRITA, FUZARCA, COCHILAR, SARAVÁ, CAXAMB CACHAÇA, ABADÁ, BABÁ, SARARÁ, BAMBA, CHILIQUE, CAXIXÍ, IMPLICAR, GOG

ESTÍMULO AO ESTUDO E MOBILIZAÇÃO Estímulo ao estudo, bem como outras leituras e vídeos complementares, a fim de garantir a reflexão do tema entre módulos, facilitando a apreensão do debate por toda a turma. COORDENAÇÃO Responsabilizar pela coordenação do dia, diálogo com assessores e os tempos de debates coletivos e em grupo. ORNAMENTAÇÃO Ornamentar o espaço e mantê-lo limpo e organizado, propiciando um espaço saudável e tranquilo de estudo e reflexão.


Cena de “Barravento”, 1962 - Glauber Rocha


Módulo 1 e 2

A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DO POVO BRASILEIRO EMENTA Estudo dos principais pensadores que

contribuíram para a construção de uma noção de Povo Brasileiro, enfatizando a contribuição do povo negro na construção da identidade nacional e nos convidam a refletir sobre processos contraditórios da formação econômica e social cultural brasileira, como forma de explicar o Brasil e seu sentido como nação.

INTRODUÇÃO O Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. Essa diversidade é resultado da mistura de vários povos na formação da nossa identidade de Brasileiros. Ao caminhar pela origem étnica do povo brasileiro, pelas representações culturais e pela história do Brasil, desvendamos traços fundamentais que caracterizam “ser Brasileiro” e explicam as contradições e potencialidades do Brasil de hoje. O povo brasileiro tem uma longa experiência no combate permanente que trava com as classes dominantes, visando obter o triunfo da democracia (não a democracia burguesa formal, mas aquela que mais de perto diz respeito à realidade econômico-social) e, simultaneamente, objetivando chegar ao aniquilamento do imperialismo e do latifúndio. [Carlos Marighella, Por que resisti à Prisão]

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rOteirO De DebAte 1. O POVO BRASILEIRO

2. ENFRENTAMENTO DOS MUNDOS

O Território brasileiro foi ocupado, ao longo de aproximada­mente 40 mil anos, por povos que vieram da Ásia e aqui se repro­duziram em agrupamentos sociais, clãs familiares e tribos que se constituíram como povos originários. Eles povoaram quase todo o território, em especial a região litorânea e margens dos rios, e viveram durante esses anos todos sob a formação socioeconômica do comunismo primitivo. Alguns se mantiveram nômades, outros se consolidaram em territórios definitivos. Em 1500 havia aproxi­madamente 5 milhões de nativos, divididos em aproximadamente 300 povos diferentes, com culturas distintass.

A dominação do território brasileiro pelos portugueses, no século XVI, expressou um confronto entre duas formações sociais diferentes: a sociedade feudal ibero-lusitana, pioneira do mercanti­lismo, diante da sociedade tribal e comunista primitiva dos povos indígenas. Ao encontrar aqui os povos originários, o colonizador europeu estabeleceu tensas relações marcadas pelo conflito e pela luta entre as duas forças que tinham interesses opostos.

Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, só assimilável em sua visão mítica do mundo. Maiores terão sido as esperanças do que os temores daqueles primeiros índios. Tanto é que muitos deles embarcaram confiantes nas primeiras naus. Tantos que o índio passou a ser, depois do pau-brasil, a principal mercadoria de exportação para a metrópole. Para os que chegavam, o mundo em que entravam era a arena dos


seus ganhos, em ouro e glórias. Para os índios que ali estavam, nus na praia, o mundo era um luxo de se viver (Darcy Ribeiro (1995):

Após perderem as ilusões do primeiro contato com os colonizadores, perceberem o projeto de desumanização do seu povo, os índios lutaram com todas as suas possibilidades na defesa do seu modo de ser e viver. Porém os invasores além da superioridade de armas e tecnologias, trouxeram consigo doenças e pragas jamais vistas no novo continente. O contágio foi a arma mais letal deste DESencontro. Ao longo de quase quatro séculos, o projeto de exploração das terras brasileiras pelo conquistador europeu trouxe aprisionados da África aproximadamente 7 milhões de africanos. Como resultado das práticas desumanas e escravistas do modelo invasor, em meados do século 19, a população estimada em todo o território brasileiro era de 5 milhões, dos quais a metade constituída por trabalhadores escravizados.

3. MATRIZES ÉTNICAS

Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos. (DARCY RIBEIRO, 1970)

Num contexto de constante conflito social e enfrentamento se formou um povo novo a partir dos grupos que o co­lonizador português (mestiço) encontrou neste território (povos originários) ou transplantou para cá (africanos).

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MATRIZ LUSA • Os avanços e descobertas, em tempos de ideais renascentistas, geraram o interesse em desvendar os mistérios do mar; • O estímulo à disputa e alargamento de territórios levou Portugal a encarar as aventuras nas viagens do além mar e estabelecer-se como potência ao estabelecer uma colônia baseada na exploração, pilhagem feitorias e escravidão; • A presença da Igreja Católica com a intenção de divulgar os ideais e propagar o nome da Igreja, catequizando povos politeístas à fé do cristianismo. MATRIZ TUPI • Os povos indígenas ou originários já ocupavam o território denominado Brasil antes da colonização Portuguesa; • Os povos Tupi davam os primeiros passos da revolução agrícola; • Agricultura rudimentar e extrativismo; • A escravidão de índios prevaleceu no século XVI e os jesuítas passaram a usá-los como soldados de um exército a lutar contra os invasores protestantes aqui no Brasil; • Quando muito dizimados e já incapazes de agredir ou de defender-se, os sobreviventes fugiam para além das fronteiras da civilização.


MATRIZ AFRICANA • A participação desses povos escravizados, trazidos de diversas regiões do continente Africano como Moçambique, Congo, da Nigéria, dentre outros, formaram a força de trabalho para construção do país, contribuindo na constituição da língua, da cultura, da religião e da sociedade em geral. Esse foi o principal elemento de força e resistência para sermos a sociedade brasileira que somos atualmente. • Povos africanos de origens distintas do continente africano; • Vasta diversidade de línguas, dialetos, cultura e religião; • Possuíam conhecimento do comércio, da moeda, das divisões de estados e conheciam a escravidão; • Criavam gado, produziam objetos de cerâmica, cultivavam plantas e possuíam noções de metalurgia. O povo brasileiro se constituiu, portanto, na contradição e na luta contra o projeto de dominação do conquistador europeu. Compreendemos as caracte­rísticas fundamentais desse contingente humano filho da moderni­dade. Vimos que ele é também um povo-nação, reconhecendo-se como tal, falando uma mesma língua e habitando um território bem definido.

Toda a cultura brasileira está impregnada da cultura Africana (Darcy Ribeiro)

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4. POVO NAÇÃO Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um povo x nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Ao mesmo tempo em que se aprofundava a escravidão, multiplicavam-se os levantes e enfrentamentos. Nossas revoltas foram intensas e marcaram cada momento de nossa história. A violência e a postura genocida dos invasores europeus constituem uma característica marcante no processo de formação da sociedade brasileira. É este o legado que a classe dominante tem para oferecer ao povo brasileiro: o esmagamento de nossa identidade, o massacre de nossas raízes históricas.

A maioria dos estudiosos dessas revoltas, no entanto, procura situá-las como revoltas religiosas, especialmente a última. Mas para nós a religião foi um (ou o) elemento ideológico mediador entre a situação objetiva que existia, na qual esses negros estavam estruturalmente engastados como escravos, e a consciência dessa situação alienadora. Somente através da forma religiosa ela podia se expressar em níveis de inteligibilidade coletiva. (MOURA, 1981, pg 57 - Analisando a Revolta dos Malês.)

A memória coletiva de nosso povo traz a marca da lembrança de uma repressão implacável a que foram submetidos todos aqueles que foram à ação e tiveram iniciativa de lutar. Esse é um elemento forte e presente em nosso imaginário coletivo. Não podemos desconsiderá-lo na construção de uma estratégia trans­formadora. Exatamente por isso é fundamental identificar onde residem nossas energias. Em todos os momentos importantes da história brasileira, as negras e negros se colocaram em marcha e não ficaram imóveis esperando a chegada da redenção. Num primeiro momento, a resposta coletiva para tamanha exploração era dificultada devido ao não conhecimento do território e por serem propositalmente de etnias, línguas, costumes e tradições diferentes.


O fato de não ter vínculos com os que se encontram no plantel e, às vezes, de não falar a mesma língua acaba dificultando as relações, emperrando o desenvolvimento de ações coletivas e a transmissão da experiência da luta acumulada. (GENNARI, 2008, p.29)

Várias revoltas e insurreições sacudiram o Brasil entre os séculos XVII e XVIII e XIX. A considerada mais importante aconteceu 1835, conhecida como Revolta do Malês. As suas lideranças estavam envolvidas com a religião islâmica, no entanto, isso não era um fato segregador. Nos apontamentos feitos por Moura (1981), a religião foi usada como unidade ideológica entre as várias etnias de escravos. Essa revolta foi um processo iniciado em 1807 e tinham povos de várias etnias africanas. É interessante observar na Revolta dos Malês, a articulação entre cativos dos engenhos e quilombolas da periferia (MOURA, 1981, p. 64). No planejamento dessa revolta foi pensado até a questão financeira no qual se organizou um fundo para sustentar o movimento. Faz –se destacar aqui a presença marcante das mulheres negras nessa revolta: Luiza Mahin e Negra Zeferina, e tantas outras. Apesar de tanta opressão e de enfrentarmos constantemente a tentativa de eliminação da nossa identidade, o povo brasileiro construiu uma cultura rica, criativa e potente. Uma cultura de síntese que nos

permite recordar quem somos. Uma cultura que representa a potência e a energia que constroem nossa identidade e autoestima. Contemporaneamente, nosso povo é portador das raízes do Brasil, um patrimônio cultural que se manifesta cotidianamente nos hábitos, costumes, tradições, artes e manifestações de rebeldia frente à exploração da classe dominante. Uma cultura que é nossa razão de existir.

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`5. CLASSE E RAÇA Resgatar a importância do conceito de povo brasileiro não significa negar a divisão da nossa sociedade em classes sociais como elemento central de nosso processo histórico. Ao contrário, estamos reforçando a compreensão de que nos­sas classes dominantes sempre privilegiaram compartilhar, de forma associada e subordinada, com as classes dominantes internacionais, a pilhagem de nossas imensas riquezas e a exploração do nosso povo. Ou seja, jamais tiveram interesse em construir um projeto de nação que não fosse apenas uma mera caricatura. Nosso povo, que sempre contou apenas com sua força de trabalho, expressa nas suas lutas o melhor da tradição proletária. Nossa identidade, valores e cultura se unem à tradição revolucionária. Pátria e nação somente adquirem sentido num Projeto concebido a partir do processo histórico de nosso povo e de suas raízes. Compreender o conceito de povo brasileiro não é uma questão secundária. É central para a formulação de um Projeto para o Brasil. E representa, por si só, uma demarcação com a cultura eurocêntrica.

Uniformidade cultural e a unidade nacional são a grande resultante do processo de formação do povo brasileiro, porém não deve nos cegar para as disparidades, contradições e antagonismos que subsistem debaixo delas. (DARCY RIBEIRO, 2009, p. 67);

A burguesia usou para suavizar as disparidades provocadas por uma abolição sem abolição, o mito da democracia racial que permitiu a elite amoldar-se diante das mazelas provocadas pelas heranças vindas da escravidão e pela manutenção do racismo como estrutura associável à reprodução capitalista. Esse mito atribuía ao negro a incapacidade de resolver os seus problemas e ao branco a isenção de qualquer responsabilidade ou solidariedade da espoliação abolicionista (FERNANDES, 2008, p. 310).

A classe tem de ser forçosamente o componente hegemônico, nem por isso a raça atua como um dinamismo secundário (FERNANDES, 1989, p. 62).


A historicidade brasileira permitiu o alinhamento desses dois componentes e para um rompimento estrutural capaz de gerar uma nova sociedade. Faz necessário fortalecer essas duas forças motrizes.

....mais do que preconceitos de raça ou de cor, têm os brasileiros arraigado preconceitos de classe. As enormes distâncias sociais que medeiam entre pobres e remediados, não apenas em função de suas posses mas também pelo seu grau de integração no estilo dos grupos privilegiados - como analfabetos ou letrados, como detentores de um saber vulgar transmitido oralmente ou de um saber moderno, como herdeiros da tradição folclórica ou do patrimônio cultural erudito, como descendentes de famílias bem situadas ou de origem humilde - opõe pobres e ricos muito mais do que negros e brancos.

conservado enorme entre a casa-grande e a senzala”, Darcy Ribeiro tinha claro que para existir a democracia racial era preciso, antes, vivermos numa democracia social. O abismo entre as classes sociais que se reproduziu no Brasil apresenta uma profunda distância entre as classes ricas e as pobres que marcaram a formação social do Brasil.

Distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas, agravando as oposições para acumular, debaixo da uniformidade étnico-cultural e da unidade nacional, tensões dissociativas de caráter traumático. Assim, as elites dirigentes, primeiro lusitanas, depois luso-brasileiras, e afinal brasileiras, viveram e vivem sob o pavor do alçamento das classes oprimidas. (RIBEIRO, 1995, pag.23)

(DARCY RIBEIRO, 1995, pag.237)

Diferente de Gilberto Freire que acreditava “que a miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que de outro modo se teria

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6. O SENTIDO DO BRASIL Debruçados em ampla visão da nossa formação histórica, nos percebemos como um povo que ainda está no começo de sua própria história e cuja identidade – por sua gênese e sua trajetória – não se pode basear em etnia, religião, vocação imperial, xenofobias

ou vontade de isolar-se. Historicamente, a classe dominante brasileira sufocou e não permitiu o direcionamento das potencialidades do nosso povo para a construção do Brasil nação-para-si. Eis porque falamos em uma crise de destino de uma nação

inacabada, de uma crise de destino do povo brasileiro enquanto necessidade de viver-para-si. Completar esse processo, ou ainda, na linguagem de Caio Prado, realizar a Revolução Brasileira nos impõe uma dura luta pelo poder político na sociedade brasileira.

“Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.” (RIBEIRO,1995, Pag.120) “A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ele é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar, e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária. “ (RIBEIRO,1995, Pag.120)


INDICAÇÕES livro

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 e 1996

filme

O POVO BRASILEIRO. Direção: Isa Grinspum Ferraz, 2005

livro

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Editora Record: Rio de Janeiro, 1998, cap. IV, 34ª edição .

livro

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros. Prefácio de Antônio Cândido. Rio de Janeiro:José Olympio, 1987, 19ª edição.

livro

MOURA, Clovis. Quilombos e a rebelião negra. São Paulo, 1981

livro

JÚNIOR, Caio Prado. Formação do Brasil Contemporâneo. 1942

livro

VILLEN, Patrícia. Amilcar Cabral e a crítica ao colonialismo. Expressão Popular: São Paulo.

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cena de “A negação do Brasil”, 2001 de Joel Zito Araújo


Módulo 3

PATRIARCADO, RAÇA E GÊNERO EMENTA

Compreender a ordem patriarcal na formação social brasileira e sua relação com o racismo e a opressão de gênero.

INTRODUÇÃO

O patricarcado é uma categoria fundamental para compreender o movimento histórico que conformou o capitalismo e nele a situação de desigualdade e opressão de gênero e raça. O sexismo e o racismo são relações de dominação anteriores à organização da sociedade em classes, mas esta as reeditou potencializando a exploração do sistema capitalista. Como um empreendimento do moderno modo de acumulação, a formação brasileira se dá impregnada da dominação patriarcal que conta com o racismo e a opressão de gênero como elementos estruturais de marginalização social até os dias atuais.

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rOteirO de debAte 1. GÊNERO • Gênero é a construção social do masculino e do feminino (SAFFIOTI, 2004, p. 45) • Não implica necessariamente desigualdade ou poder nem aponta a parte oprimida (SAFFIOTI, 2004, p. 112); • O sexismo (preconceito em relação a gênero) é tão antigo quanto racismo (p.124). Na gênese do escravismo constava um tratamento distinto dispensado a homens e a mulheres – quando um povo conquistava outro, os homens eram eliminados e as mulheres preservadas As mulheres serviam a três propósitos: força de trabalho, reproduzir a força de trabalho e prestar serviços sexuais aos homens • Gênero não é tão somente social, nele participam também o corpo quer como mão de obra, quer como objeto sexual, quer, ainda, como reprodutor de seres humanos • Patriarcado é uma expressão específica das relações de gênero: explicita o vetor de dominação e exploração dos homens sobre a mulher - relações hierarquizadas entre seres socialmente desiguais


2. PATRIARCADO • Gênero é a construção social do masculino e do feminino (SAFFIOTI, 2004, p. 45) • O patriarcado é o “regime da dominação-exploração das mulheres pelos homens” (SAFFIOTI, 2011, p. 44); • Dois fatores explicam o surgimento das relações patriarcais: 1) a produção de excedente econômico e 2) a descoberta de que o homem era imprescindível para geração dos filhos (SAFFIOTI, 2011, p.59); • A divisão sexual do trabalho é a base material da dominação patriarcal • Produção e reprodução são dois elementos do mesmo processo de produção da vida. O capitalismo inaugura a separação entre a esfera pública e a privada, fazendo que a sociedade pense que uma não possui relação com a outra.

A divisão sexual do trabalho é uma forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade(KERGOAT, 2009, p. 67); Tem dois princípios norteadores: o da separação (há trabalho de homens e de mulheres) e o da hierarquia (um trabalho de homem vale mais do que um trabalho de mulheres) (KERGOAT, 2002);

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• Características do patriarcado (SAFFIOTI, 2011, p. 57-58); 1. Trata-se de uma relação civil, não apenas privada 2. Dá direitos sexuais aos homens sobre as mulheres praticamente sem restrição 3. É um tipo hierárquico de relação que invade toda a sociedade (Estado, Igreja, Escola, etc..) 4. Tem uma base material (a divisão sexual do trabalho) 5. Corporifica-se 6. Representa uma estrutura de poder baseado tanto na ideologia como na violência • O patriarcado serve a interesses dos grupos/classes dominantes (SAFFIOTI, 2011, p.123) • O patriarcado funciona como uma máquina “bem azeitada” e além de fomentar a guerra entra as mulheres ele funciona como uma engrenagem que pode ser acionada por qualquer um, inclusive as mulheres, se reproduzindo sem a presença do sujeito que domina:

“Quer se trate de Pedro, João ou Zé Ninguém, a máquina funciona até mesmo acionada por mulheres (...). Imbuídas da ideologia que dá cobertura ao patriarcado, mulheres desempenham, com maior ou menos frequência e com mais ou menos rudeza, as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras crianças ou adolescentes, segundo a lei do pai. Ainda que não sejam cúmplices deste regime, colaboram para alimentá-lo” (SAFFIOTI, 2011, p. 102).


3. PATRIARCADO NA FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA O modo de produção capitalista potencializa a marginalização de certo setores da população do sistema produtivo. Os caracteres raciais e de sexo operam como marcas sociais que permitem hierarquizar, segundo escala de valores, os membros de uma sociedade historicamente dada.

“Não apenas durante o período de constituição da sociedade de classes, mas também no seu funcionamento, enquanto sociedade competitiva plenamente constituída, interferem fatores aparentemente desvinculados da ordem social capitalista (aparentemente, meras sobrevivências de formações sociais já superadas) e em contradição com ela (também aparentemente). Fatores de ordem natural, tais como sexo e etnia, operam como válvulas de escape no sentido de um aliviamento simulado de tensões sociais geradas pelo modo capitalista de produção; e no sentido,

ainda, de desviar da estrutura de classes a atenção dos membros da sociedade, centrando-a nas características físicas que involuntariamente, certas categorias sociais que possuem” (SAFFIOTI, 2013, p. 58-59)

O Brasil é um território que foi invadido pelos portugueses para ser colônia de exploração para fora. Esse processo se deu às custas do extermínio das populações originárias (indígena) e a escravização dos povos africanos. A escravização cumpriu uma dupla função no Brasil: a venda de escravos e a exploração da sua força de trabalho como formas de acumular riqueza (SAFFIOTI, 2013, p. 206); O tipo de estado que se desenvolvia no início da colonização esbarrava com a existência de uma “dominação patriarcal representada pelos que se beneficiavam da sua condição de funcionários patrimoniais e por aqueles que queriam tirar vantagens de sua posição em detrimento do Estado patrimonial (SAFFIOTI, 2013, p. 231-232) Se forma um patrimonialismo de tipo patriarcal em detrimento do estamental (SAFFIOTI , 2013, p. 231-232).

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A miscigenação que ocorreu no Brasil foi fruto de um processo de violência, porque a colonização nasce das relações de estupro dos homens brancos sobre as mulheres negras, prioritariamente. A exploração da mulher escravizada era mais elevada: utilizada como força de trabalho, como objeto sexual e como reprodutora da força de trabalho .

Cabia à escrava, além de uma função no sistema produtivo de bens e serviços, um papel sexual (... ). A exigência de prestação de serviços sexuais, que o senhor fazia em relação a negra escrava, tornava-a, pois, simultaneamente res e pessoa humana (SAFFIOTI, 2013, p.237):

O fruto da miscigenação – o mulato – era foco das tensões sociais e cultu-

rais no Brasil. Enquanto contrato social (através do casamento) era abominado entre pessoas de castas diferentes, a miscigenação era permitida. Havia papéis diferentes para as mulheres negras e brancas. As negras foram consideradas mulheres fortes (que poderiam aguentar tudo), disponíveis ao sexo e ao prazer dos senhores homens brancos, além do que dispostas ao labor nos espaços privado e público. As mulheres brancas foram consideradas frágeis, ociosas, castas e confinadas ao espaço privado, de acordo com a moral e os bons costumes da época. (SAFFIOTI, 2013, p. 237): A organização familial do branco supunha a não organização de uma família escrava (SAFFIOTI, 2013, p. 240) A castidade das mulheres da camada senhorial foi possível graças aos abusos sofridos pelas mulheres negras (SAFFIOTI, 2013, p. 243).

INDICAÇÕES livro

DAVIS, A. Mulher, Raça e classe. Plataforma Gueto (Tradução Livre), 2013.

livro

LÉLIA GONZALES e CARLOS HASENBALG. Lugar de negro Rio de Janeiro: Editora Marco Zero, 1982.

livro

HIRATA, H. & KERGOAT, D. A classe operária tem dois sexos. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n.1, 1994.


livro

KERGOAT. D. A relação social de sexo: da reprodução das relações sociais à sua subversão. Pro-posições, v.13, n. 1 (37), 2002.

livro

MARCONDES, M.M (Org). Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: IPEA, 2013.

livro

SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2011.

livro

SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. 3. ed. São Paulo, Expressão Popular, 2013.

longa

12 anos de escravidão. (EUA, 2013, 133 min – Direção: Steve McQueen).

longa

A cor Púrpura. (EUA, 1985, 154 min – Direção Steven Spilberg).

longa

A fonte das mulheres. (França, 2012, 130 min - Direção: Radu Mihaileanu).

longa

Doméstica. (Brasil, 2012, 75 min – Direção: Gabriel Mascaro).

longa

Flor do deserto. (Reino Unido, Áustria, Alemanha, 2009, 127 min - Direção: Sherry Hormann).

longa

Histórias Cruzadas. (EUA, 2011, 146 MIN – Direção: Tate Taylor).

longa

Lanternas vermelhas. (China, 1991, 125min - Direção: Yimou Zhang).

longa

O mordomo da casa branca. (EUA, 2013, 132 min – Direção: Lee Daniels).

curta

Que horas ela volta? (Brasil, 2015, 11 min - Direção: Anna Muylaert).

curta

Acorda, Raimundo acorda! (Brasil, 1990, 15 min - Direção: Alfredo Alves).

curta

Vida Maria. (Brasil, 2006, 8 min – Direção: Marcio Ramos).

curta

Mulheres Invisíveis. (Brasil, 2011, 15 min – Direção: Bruna Provazi).

curta

O dia de Jerusa. (Brasil, 2014 - Direção: Viviane Ferreira

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cena de “Santo Forte”, 199 de Eduardo Coutinho


Módulo 4

O SINCRETISMO RELIGIOSO BRASILEIRO E A RESISTÊNCIA CULTURAL AFRICANA EMENTA Compreender a importância da

religiosidade africana como elemento de resistência cultural do povo negro e a sua habilidade para influenciar a religiosidade oficial brasileira, transmutando valores e simbologias.

INTRODUÇÃO As religiões afro brasileiras se constituem em elementos que são parte da nossa formação histórica enquanto povo brasileiro. As matrizes que fizeram parte no processo de colonização do país influenciaram diretamente no processo de formação cultural de uma nova identidade. Elementos foram recriados principalmente como forma de resistência popular para enfrentar o período de exploração colonial. Entendendo a religião como parte da cultura de um povo, são nas manifestações de expressões religiosas que encontramos signos que nos levam a compreender as influências na identidade de um determinado grupo. Podemos compreender o sincretismo religioso como uma expressão popular carregada de resistências e recriações mitológicas com o objetivo de preservar a memória coletiva dos grupos envolvidos. 31


rOteirO de debAte 1. SINCRETISMO RELIGIOSO Todas as religiões são sincréticas porque são resultados de múltiplos contatos culturais.

Em nossa sociedade o sincretismo é mais discutido, principalmente em relação às religiões afro-brasileiras, consideradas religiões sincréticas por excelência, por terem sido formadas no Brasil com a inclusão de elementos de procedências africanas, ameríndias, católicas e outras. O chamado mito da pureza africana tem sido defendido principalmente por estudiosos e praticantes do candomblé Ketu, difundido no Brasil a partir da Bahia, como comentou o antropólogo Peter Fry em diversos trabalhos. Em texto a respeito da II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e Cultura, ocorrida em Salvador, em 1983, o autor comenta documento, assinado pela Yalorixá Mãe Stella de Oxóssi, do Ilê Axé Opô Afonjá, uma das mais importantes mães-de-santo baianas que lideraram o movimento contra o sincretismo, segundo o qual, se o catolicismo foi útil aos escravos, hoje os praticantes da religião dos orixás, que têm liturgia e doutrina próprias, não necessitam mais desse disfarce. Para Peter Fry (1984, p. 40), a polêmica demonstra que “o conceito de ‘pureza’ e o seu oposto, a ‘mistura’ ou o ‘sincretismo’ são sempre construções essencialmente sociais e


tendem a aparecer em ocasião de disputa de poder e hegemonia”. O autor conclui que o sincretismo religioso remete a uma discussão mais ampla sobre o pensamento brasileiro em relação ao negro e à sua cultura. “Durante mais de um século, através de correntes teóricas diferentes, muita coisa foi escrita sobre o sincretismo entre nós. Alguns acham que se deve evitar falar em sincretismo. Outros falam em anti-sincretismo, dessincretização, ou africanização e reafricanização, em relação às religiões de origens africanas no Brasil. Historiadores preocupados com as mentalidades e a vida cotidiana discutem esse problema, que era considerado específico da Antropologia. A trajetória desse conceito permite visualizar disputas acadêmicas e políticas, que acompanham análises da realidade social. Sincretismo, cultura, identidade, etnicidade, hibridismo, multiculturalismo e outras categorias sociais complexas, necessitam continuar a serem pensadas e repensadas, com a colaboração de diferentes ciências e correntes de pensamento. É importante lembrar que a própria definição dessas diversas categorias, como do fenômeno do sincretismo, continua constituindo um desafio para os especialistas. (Ferreti, Sergio)

O sincretismo nas religiões afro-brasileiras não representa assim um disfarce de entidades africanas em santos católicos, mas uma “reinvenção de significados” e uma “circularidade de culturas”. Trata-se de uma estratégia de transculturação refletindo a sabedoria que os fundadores também trouxeram da África e, eles e seus descendentes, ampliaram no Brasil. Em decorrência do sincretismo, podemos dizer que as religiões afro-brasileiras têm algo de africanas e de brasileiras sendo, porém diferentes das matrizes que as geraram.

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2. A RELIGIÃO AFROBRASILEIRA:

“O Candomblé é para mim muito interessante por ser uma religião de exaltação à personalidade das pessoas. Onde se pode ser verdadeiramente como se é, e não o que a sociedade pretende que o cidadão seja. Para pessoas que têm algo a expressar através do inconsciente, o transe é a possibilidade do inconsciente se mostrar” (Verger) Como forma de valorização dos saberes populares, compreender o pensamento de uma liderança de uma comunidade de terreiro faz parte do processo de acúmulo de conhecimentos para além dos pesquisados e organizados pela academia. Podemos compreender em algumas considerações feita pela Mãe Stella, em entrevista, sobre a sua visão a respeito do sincretismo religioso e a sua forma de organização em seu terreiro para além da dinâmica religiosa.


Veja bem, eu vou falar do Brasil e da Bahia, de algumas casas onde o valor, a liderança feminina é maior. Isso se deve às pioneiras do candomblé no Brasil, três mulheres que depois da libertação tiveram condições de abrir uma casa para culto aos orixás. Elas é que formaram a primeira casa que se tem conhecimento da nação Iorubá no Brasil. Isso vem do tempo de Mãe Aninha, a fundadora, que naquela época de repressão procurou apoio até com o presidente da República e se integrou na Igreja Católica. Naquele tempo, ser da Igreja Católica era ter status, porque quem mandava era o branco e essa era a religião do branco. Daí foram fundadas as irmandades, como a do Rosário dos Homens Pretos, a Irmandade da Barroquinha e outras mais, onde a mulher negra podia fazer os seus cultos. Era proibido adorar os orixás. Quem era espiritualizado precisava encontrar qualquer coisa espiritual para se apegar e foi por isso que surgiu o sincretismo, quando se faziam as coisas meio mascaradas. Se adorava o orixá de uma forma velada, como se estivesse cantando para os santos. Fundamos uma escola, num convênio com a prefeitura, que tem 300 crianças. As professoras fazem um serviço muito bom e que a prefeitura reconheceu, tanto que ela já passou a ser escola referência. É uma escola da rede pública e atendemos à lei que diz que a liberdade de culto deve existir. Ali não se ensina candomblé nem iniciações, mas muita coisa relacionada com a cultura africana iorubá. Nós não somos africanos, somos brasileiros, afro-brasileiros. É fanatismo dizer que somos africanos. Somos afro-brasileiros, descendentes de africanos”. Entrevista disponibilizada na página “História do Povo Negro, 06 de Janeiro de 2001)

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3. DIFERENTES MATRIZES A religião afro-brasileira teve no Brasil seu espaço de formação, deu frutos a outras formas de manifestações que têm como centralidade referências a elementos de origem dos países africanos. No período de colonização e exploração de povos escravizados, países como o Benin, Nigéria e Angola foram quem trouxeram na memória de seu povo as tradições, crenças e mitos que faziam parte das suas múltiplas identidades. Tais países que foram colo-

cados em contato para se somarem ao processo de escravidão diluíram entre si as suas diversidades culturais inclusive como forma de resistência e sobrevivência à tão cruel condição que estavam expostos que era a de escravizados. As tradições indígenas que já existiam em solo brasileiro com suas ricas manifestações religiosas e culturais também se encontraram em contato com as de matrizes africanas. Assim como a cultura de países europeus também in-

fluenciaram na formação de uma nova identidade popular. Mas uma influência gerada como forma de imposição cultural e religiosa com o objetivo de fazer com o que todas as origens indígenas e africanas fossem esquecidas. A religião cristã católica como religião obrigatória a ser seguida foi um espaço ocupado por povos escravizados como forma de preservar seus conhecimentos tradicionais, originários de seus povos africanos. Assim nasceram as fes-

INDICAÇÕES livro

MUNANGA, Kabengele. Origens Africanas do Brasil Contemporâneo: histórias, línguas, culturas e civilizações. São Paulo: Global, 2009.

filme

SANTO FORTE. Direção: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro, 1999

teatro

CASALDÁLIGA, P.; TIERRA, P. NASCIMENTO, M. Missa dos quilombos. Disponível em: http://bit.do/missaquilombos


tas populares, as irmandades religiosas, mitologias, reconhecimento de elementos sagrados Católicos comparados com os de origem africana. Alguns exemplos de manifestações culturais com representações cristãs católicas, mas com traços culturais afro-brasileiro:

Exemplos de festas: » » » » » » » »

Festa do Bonfim Festa de Yemanjá Escolas de Samba de Carnaval Blocos de Afoxés Festa de São Jorge São João Caruru de São Cosme e Damião Festa de Finados

Exemplos de Irmandades: » Espaço de organização e resistência da população negra » Nossa Senhora do Rosário » Irmandades Negras de Salvador » São Benedito dos homens pretos » Nossa Senhora do Parto » Nossa Senhora da Boa Morte

livro

entrevista

artigo

VERGER, Pierre F. Orixás: Deuses Iorubás na África e no Mundo, Salvador: Corrupio, 2009. MARIANO, Agnes. Entrevista Mãe Stella de Oxossi. 2011. http://bit.do/ stella2011 FERRETI, Sergio. Sincretismo e religião na Festa do Divino, [Blog] Histórias do Povo Negro, 2007. Disponível em: http://bit.do/ferreti

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cena de “Vidas Secas�, 1963 de Nelson Pereira dos Santos


Módulo 5

A LITERATURA BRASILEIRA E A CONSTRUÇÃO DE “UM” OLHAR SOBRE O POVO NEGRO. EMENTA Compreender as influências da litera-

tura brasileira na formação da imagem do negro em nossa sociedade e suas implicações na construção da identidade cultural do povo brasileiro. Trazendo para o debate uma visão histórica geral e o estudo de obras produzidas por autores negros (as), bem como, a literatura brasileira e a construção de “um” olhar sobre o povo negro.

“Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens”. (Provérbio africano)

INTRODUÇÃO

É fundamental a apresentação da literatura enquanto alicerce na formação da identidade nacional, principalmente porque esta arte possui uma função humanizadora no sentido da compreensão subjetiva e social a partir de elementos ficcionais. Uma vez que a formação social brasileira esteve hegemonizada pelo racismo, a literatura também se tornou um meio para estabelecer e ampliar a divulgação das ideias de desumanização e a naturalização resultante da exploração com base racial que persiste na desigualdade social brasileira. Assim, o 39


destaque para a produção da representação de gente negra no Brasil a partir de obras literárias é muito importante no processo de constituição de povo brasileiro e para a luta antirracista. O acesso às produções de autoras e autores negros bem como de personagens negras permite subjetiva, política e objetivamente conhecer os danos que o mito de fundação de uma nação e o mito da democracia racial determinaram enredos difundidos pela elite brasileira que estabeleceu enormes barreiras no acesso a direitos e à justiça social com uma dinâmica de representação negativa em relação à população negra. Seja de forma subjetiva ou coletiva, as histórias na História de resistência de povo brasileiro, sem dúvida foram cantadas e contadas, com a contribuição da cultura afrobrasileira e ainda hoje são escritas, utilizando a literatura para apresentar a construção de mundo com base em compreensões e intervenções que são possíveis, partindo da ficção para ação transformadora diante das violências/violações, denúncias, vivências e desejos contidas nos encontros com as narrativas que versam sobre possibilidades, diversidades e revoluções expressas na consciência de ser e saber-se negro.


“Primeiro o ferro marca a violência nas costas Depois o ferro alisa a vergonha nos cabelos Na verdade o que se precisa é jogar o ferro fora e quebrar todos os elos dessa corrente de desesperos”. Ferro - Batuque de Tocaia – Cuti

“Veio-me a ideia, ou antes, registro aqui uma ideia, que me está perseguindo. Pretendo fazer um romance em que se descrevam a vida e o trabalho dos negros numa fazenda. Será uma espécie de Germinal Negro, com mais psicologia especial e maior sopro de epopeia. Animará um drama sombrio, trágico e misterioso, como nos tempos da escravidão”. (BARRETO, 1986, p. 84)

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rOteirO De DebAte ORALITERATURA E LITERATURA Considerar a inspiração da contação da história oral é fundante na narrativa dos afrodescendentes e constituição do povo brasileiro. Uma prática comum de recitar ditados e provérbios, a oralidade desde o território africano e enquanto tradição indígena em terras brasileiras foi muito valorizada nas relações sociais, pois produziu no Brasil religiosidades, histórias de resistência, ludicidade e coletividade, uma vez que cada história contada apresenta vivências e situações motriz para inspiração e resistência diária. SABER-PODER Não é de hoje que a discussão sobre acesso à educação de qualidade faz parte das reivindicações históricas dos movimento sociais, principalmente movimento negro no Brasil, na busca por equidade para o conjunto da população brasileira. Ao recuperar a dinâmica cruel do despojamento da humanidade

ocorrido na realidade do período escravista, destaca-se que a língua e posteriormente a escrita, também foram instrumentos de dominação. Pesquisas recentes apontam a limitação nos registros contados em primeira pessoa sobre ser escravizado no Brasil, a visão do colonizador é a versão dominante dos fatos, das representações sociais e da História brasileira. É a partir do século XVIII e, principalmente, no século XIX que registros de pessoas negras alfabetizadas são encontrados. A versão negra de mundo é registrada, seja fazendo coro com a dominação, sustentando um ideal de sociedade, seja ocupando brechas e ecoando rebeldia e liberdade com foco na experiência cotidiana da negritude nas atividades laborais, na moradia, família, nos quereres, as narrativas são pensadas e escritas por pessoas negras, bem diferente do que era retratado nos esteriótipos dos livros didáticos e na versão oficial, provando que existe uma produção de boa literatura.


NARRATIVAS Diante de um vasto universo literário constata-se que a referência de personagens e produções que expressam a identidade brasileira de forma hegemônica se dá pelo perfil do colonizador e das elites dominantes, os africanos e seus descendentes pouco foram/são referenciados no sistema literário brasileiro. A produção literária que disputa essa representação positiva a partir de personagens potentes, conquistadores e admiráveis tem sido evidenciada desde os tempos da luta abolicionista, seguido pela luta antirracista do Movimento Negro no Brasil e até hoje enquanto ação de afirmação e enfrentamento à invisibilidade social e na luta por equidade, seja nas periferias, em pleno século XXI, com a retomada da cultura de saraus e recitais, seja nos estudos acadêmicos e na ampliação do acesso das mídias digitais e rede sociais na ocupação da comunicação virtual. A literatura não pode seguir invisibilizando a relevância e as referências de escritores e editores negros e negras, é

por meio da identidade que são criadas e vividas nestas obras que maiores possibilidades de compreensões, seja pela comunicação quanto pelo conhecimento de mundo, são evidenciadas para os processos de superação de desigualdade racial com a educação para as relações raciais. LITERATURA AFRO-BRASILEIRA OU LITERATURA NEGRA? Este é um conceito em construção, em processo. Debatido acadêmica e canonicamente. “Ao mesmo tempo dentro e fora da literatura brasileira. Constitui-se a partir de textos que apresentam temas, autores, linguagens mas, sobretudo, um ponto de vista culturalmente identificado à afrodescendência, como fim e começo.” Sua presença implica redirecionamentos no sentido da história literária em seus primórdios. A referência inicial está em Domingos Caldas Barbosa, Luís Gama, Cruz e Sousa, Lima Barreto e segue com muitos outros como Solano Trindade, Joel Rufino dos Santos, Abdias do Nascimento, Cuti.

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ESCRITORAS NEGRAS

JORNAIS E REVISTAS:

A produção literária das mulheres negras apresenta a denúncia das invisibilidades como marca principal para retratar a condição da mulher negra, seja pelo padrão de beleza centrado na branquitude e que rejeita a mulher negra enquanto criadora de arte e conhecimento no sistema literário brasileiro. Lembrar de Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de Jesus, Mãe Beata de Iemanjá, Conceição Evaristo, Miriam Alves, Cidinha Silva, Jarid Arraes dentre tantas outras é trazer a referência das vozes e letras de história de mulheres lutadoras que apresentaram suas narrativas num mundo tão masculino e embranquecido como o campo erudito da literatura.

Utilizados como instrumento de divulgação e debates sobre a questão negra, estes materiais foram veículos fundamentais para registrar e apresentar as movimentações do movimento negro e expressões antirracistas, ainda hoje são veículos para apresentação das produções literárias. Existe uma grande dificuldade de manter e acessar editoras que possam difundir com qualidade uma produção que resgata a contribuição da cultura afrobrasileira na literatura e que mantenha em seu acervo o registro destas obras. Divulgar e referenciar poesias, contos, crônicas e romances é imprescindível; destaca-se a relevância dos Cadernos Negros, coleção Oguns Toques Negros,


INDICAÇÕES livro

BARRETO, Lima.Diário íntimo. São Paulo: Brasiliense, 1989.

livro

CANDIDO, A. A literatura e a formação do homem. Ciência e Cultura. 24 (9): 803-809, set, 72.EVARISTO, C. Literatura negra: uma poética de nossa afro-brasilidade. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2º sem. 2009

livro

IANNI, O. Conciência e literatura Rev Inst. Est. Bras, SP n. 28 (1988)

livro

HORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional.

livro

COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e Sociedade no Brasil.

livro

MUNANGA, K.; GOMES, L. N. O Negro no Brasil de Hoje.

livro

Literafro – Portal da literatura afro-brasileira, FALE-UFMG http://150.164.100.248/literafro/

livro

Formação da literatura Brasileira: momentos decisivos - Antônio Cândido,

livro

ALVES, Castro, Navio Negreiro , 1869

livro

ANDRADE, MÁRIO, Macunaíma,1928.

livro

SANTOS, C. L.; GALAS, M.; TAVARES, U. Antologia da poesia negra brasileira: o negro em versos. Salamandra, 2005.

livro

Luiz Gama: O libertador de escravos e sua mãe libertadora, Luíza Mahin. São Paulo, Expressão Popular, 2006

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SOU ENCHENTE

das águas profundas, escuras poço sem fundo fatal para os desavisados farta para os que com cuidado se agacham para pedir: “sua benção, minha mãe!” ora rio yê, yê ô, rio ora yê yê ô, yalodê sou por vezes maré de vazante com vontade de tirar tudo de dentro os desatentos pensam até que vou secar... mas é só o sol descer que volto a encher enchente, profunda, escura fatal e farta sou água OMIN - Mel Adún, pág 91


VOZES-MULHERES

A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta No fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem - o hoje - o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade.

A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou lamentos De uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo.7 recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem - o hoje - o agora. Na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. Cadernos Negros, vol. 13, São Paulo, 1990 Conceição Evaristo

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BODARRADA

QUEM SOU EU?

Nome popular do poema “Quem sou eu?”, escrito por Luís Gama e editado em 1859. “Bode” é o apelido com que tentavam ridicularizar os que, tal qual Gama, eram negros.

Quem sou eu? Que importa quem? Sou um trovador proscrito, Que trago na fronte escrito esta palavra “Ninguém!” A.E. Zaluar - “Dores e Flores” Amo o pobre, deixo o rico, Vivo como o Tico-tico; Não me envolvo em torvelinho, Vivo só no meu cantinho; Da grandeza sempre longe Como vive o pobre monge. Tenho mui poucos amigos, Porém bons, que são antigos, Fujo sempre à hipocrisia, À sandice, à fidalguia; Das manadas de Barões? Anjo Bento, antes trovões. Faço versos, não sou vate, Digo muito disparate, Mas só rendo obediência À virtude, à inteligência: Eis aqui o Getulino


Que no pletro anda mofino. Sei que é louco e que é pateta Quem se mete a ser poeta; Que no século das luzes, Os birbantes mais lapuzes, Compram negros e comendas, Têm brasões, não - das Kalendas; E com tretas e com furtos Vão subindo a passos curtos; Fazem grossa pepineira, Só pela arte do Vieira, E com jeito e proteções. Galgam altas posições! Mas eu sempre vigiando Nessa súcia vou malhando De tratante, bem ou mal, Com semblante festival Dou de rijo no pedante De pílulas fabricante Que blasona arte divina Com sulfatos de quinina Trabusanas, xaropadas, E mil outras patacoadas. Que, sem pingo de rubor Diz a todos que é DOUTOR!

Não tolero o magistrado, Que do brio descuidado, Vende a lei, trai a justiça - Faz a todos injustiça Com rigor deprime o pobre Presta abrigo ao rico, ao nobre, E só acha horrendo crime No mendigo, que deprime. - neste dou com dupla força, Té que a manha perca ou torça. Fujo às léguas do lojista, Do beato e do sacrista Crocodilos disfarçados, Que se fazem muito honrados Mas que, tendo ocasião, São mais feros que o Leão Fujo ao cego lisonjeiro, Que, qual ramo de salgueiro, Maleável, sem firmeza Vive à lei da natureza Que, conforme sopra o vento, Dá mil voltas, num momento O que sou, e como penso, Aqui vai com todo o senso, Posto que já veja irados 49


Muitos lorpas enfurnados Vomitando maldições, Contra as minhas reflexões. Eu bem sei que sou qual Grilo, De maçante e mau estilo; E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamar-me Tarelo Bode, negro, Mongibelo; Porém eu que não me abalo Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente, Pondo a trote muita gente. Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isto pode? Bodes há de toda casta Pois que a espécie é muito vasta... Há cinzentos, há rajados,

Baios, pampas e malhados, Bodes negros, bodes brancos, E, sejamos todos francos, Uns plebeus e outros nobres. Bodes ricos, bodes pobres, Bodes sábios importantes, E também alguns tratantes... Aqui, nesta boa terra, Marram todos, tudo berra; Nobres, Condes e Duquesas, Ricas Damas e Marquesas Deputados, senadores, Gentis-homens, vereadores; Belas damas emproadas De nobreza empantufadas; Repimpados principotes, Orgulhosos fidalgotes, Frades, Bispos, Cardeais,


Fanfarrões imperiais, Gentes pobres, nobres gentes Em todos há meus parentes. Entre a brava militança Fulge e brilha alta bodança; Guardas, Cabos, Furriéis Brigadeiros, Coronéis Destemidos Marechais, Rutilantes Generais, Capitães de mar-e-guerra - Tudo marra, tudo berra Na suprema eternidade, Onde habita a Divindade, Bodes há santificados, Que por nós são adorados. Entre o coro dos Anjinhos Também há muitos bodinhos. O amante de Syringa

Tinha pêlo e má catinga; O deus Mendes, pelas costas, Na cabeça tinha pontas; Jove, quando foi menino, Chupitou leite caprino; E segundo o antigo mito Também Fauno foi cabrito. Nos domínios de Plutão, Guarda um bode o Alcorão; Nos lundus e nas modinhas São cantadas as bodinhas: Pois se todos têm rabicho, Para que tanto capricho? Haja paz, haja alegria, Folgue e brinque a bodaria; Cesse pois a matinada, Porque tudo é bodarrada! Torvelinho =Corrupção; Pepineira = Roubo do dinheiro público; Arte do Vieira = Enganar; Blasonar = Mentir; Feros = Ferozes; Lorpas enfurnados = Vacilões; Jove = Júpiter;

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cena do musical “Arena conta Zumbi�, 1965 de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal


Módulo 6

O PAPEL DO TEATRO BRASILEIRO NA CONSTRUÇÃO DE UMA ESTÉTICA NEGRA. EMENTA

Compreender as influências do teatro brasileiro na tentativa de construir um retrato estético do povo negro em nossa sociedade e suas implicações na construção da identidade cultural do Povo Brasileiro. Trazendo para o debate uma visão histórica geral e obras que buscaram realizar este retrato.

INTRODUÇÃO

Numa sociedade onde o racismo é estrutura, as representações culturais expressam esta ideologia excludente. A imagem, a fala e demais ações expressam o imaginário de desvalorização e subalternização das contribuições dos negros e das negras para as diversas linguagens culturais que apontamos enquanto identidade do nosso repertório nacional. Afirmar que no campo da dramaturgia e do teatro a presença negra é construtora de movimentos importantes, não só para o desenvolvimento de uma estética brasileira para as artes cênicas, mas principalmente para a afirmação do combate às desigualdades raciais e para a democratização do acesso a espetáculos. Estes movimentos fortaleceram sobretudo a promoção de cultura brasileira para o povo brasileiro. Outro aspecto fundamental referente às artes cênicas protagonizadas por negros e negras no Brasil é o papel pedagógico para romper com o mito da democracia racial. Onde as personagens encenadas apresentam conteúdos, histórias e possibilidades para além dos estereótipos que este mito a todo custo tenta reforçar desde o período pós-abolição, seja por meio da objetificação da mulher negra, o perfil suspeito/bandido do homem negro ou até mesmo do negro que assume uma “alma branca”. A perspectiva que de uma estética negra no teatro brasileiro é fundamental para o processo de identidade nacional e de criação das artes brasileiras, não é possível ignorar os afrobrasileiros como elementos formadores da sociedade, da cultura e da civilização brasileira.

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rOteirO De DebAte A linguagem cultural do teatro esteve presente no Brasil desde o período colonial e ao longo da história brasileira ocupou diversos espaços e territórios de forma amadora e profissional. Artistas, diretores e temáticas negras ao produzir narrativas constituem o teatro negro. De outra forma as narrativas dramatúrgicas que trazem as contribuições afrobrasileiras fundamentam um teatro popular, brasileiro, que abarca esse protagonismo de carreiras artísticas e de conteúdo social apresentado em palcos com referências de homens e mulheres negras.

TEATRO COLONIAL O teatro foi utilizado como linguagem para evangelização dos jesuítas nos territórios por eles administrados no Brasil utilizando-se de costumes de indígenas, negros e europeus. Desta forma, a integração das matrizes culturais fundadoras do Brasil estava em cena para fins religiosos. Como forma de distração em datas festivas para a igreja católica, alguns folguedos populares como o reisado, congada e a marujada eram as atrações principais das grandes festas do calendário religioso. Com os elementos cênicos das vestimentas (figurino), das danças e músicas completando o enredo da apresentação. Em um segundo momento, na metade do século XVII até o XVIII a presença de negras e negras no espaço teatral era representativo, umas vez que este espaço artístico não era valorizado pelas elites por se apresentar enquanto espaço marginalizado. A maioria dos atores eram denominados de mulatos e interpretavam as pessoas brancas pintando seus corpos, bem como negros libertos ou não desenvolviam tais personagens. Deste período é possível falar de do “precursor da ópera brasileira”, o mulato Padre Ventura no Rio de Janeiro com a montagem de clássicos europeus referenciados na música clássica e no luxo de cenário e figurinos. Outro mulato, Manuel Luís, dono de uma das primeiras companhias permanentes da época, foi prestigiado em seus espetáculos pela realeza brasileira. Particularmente, destacam-se outros nomes de


Benjamim de Oliveira, (Geledes, 05 Dezembro 2009)

afrobrasileiros com carreiras artísticas nesta época: a atriz, Chica da Silva; os atores Vitoriano, Xisto Bahia, Caetano Lopes dos Santos, Maria Joaquina, José Inácio da Costa (conhecido como, o capacho) e o palhaço Benjamim.

Benjamim de Oliveira, tem o destaque nacional e internacional por ser o primeiro palhaço negro. Dentro de uma trajetória de vida marcada pela criatividade e devoção ao circo, mesmo passando por violências e luta pela sobrevivência, típica de uma afrodescendente brasileiro. Benjamim é aclamado mundialmente por ser também o criador de mais uma linguqagem dramatúrgica, o circo-teatro, ao criar espetáculos utilizando clássicos da literatura juntamente as paródias, com muita música e versatilidade que revolucionaram as artes cênicas e circenses numa época de inovação dado o apogeu do cinema que se espalhava no Brasil no inicio do século XX.

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COMÉDIAS DE COSTUMES E O TEATRO REALISTA No século XIX serão as expressões utilizadas para garantir a presença de atores, atrizes e temáticas negras, pois é neste período que as artes são apropriadas por um ideário e estigmatização da ótica dos brancos sobre a vida e relação com os negros. É por estas linguagens teatrais que se discute política e socialmente a inserção, a exploração e as relações raciais dado o conteúdo das sátiras sociais que caracterizam estes estilos teatrais. Contudo, é neste momento que se cristaliza a visão dos negros e negras como aptos para a exploração escravista, pois de uma forma diferente do período anterior, agora as personagens negras figuram o pano de fundo retratando o escravismo e os esteriótipos calcados no mito da democracia racial, seja no sentido da naturalização da exploração ou na referência de mulheres e homens com as características sociais e subjetivas bem aceitas pela branquitude da época, a exemplo do que foi visto na literatura deste período. Alguns autores como Castro Alves (Calabar em 1856 e Gonzaga / A revolução de Minas em 1867) e Arthur de Azevedo (O Escravocrata em 1882), ousaram trabalhar a realidade das personagens negras com enredos dramáticos e com trajetórias potentes com anseios, desejos, tragédias e tramas que todo ser humano passa em sua vida. São obras fundamentais para quebrar com o modelo racista baseado de exaltação do mito da democracia racial colocado de forma hegemônica para a época da disputa abolicionista.


TEATRO DE REVISTA Esse é o período de popularização das artes cênicas e de ocupação artística de dançarinos, músicos, cantores, comediantes, produtores negros e negras de forma a abordar a situação de vida de parte da população brasileira. A questão negra no início do século XX, aliada à música e dança ocupam o palco com as relações raciais no período de urbanização e desenvolvimento do capitalismo nesta época. Assim, experiências e vivências de ser negro no Brasil são encenadas e constam como enredo oficial das apresentações que diante de uma plateia e no palco abordavam questões sociais e políticas do momento, seguindo exemplos de companhias francesas e estadunidenses. As companhias de maior destaque nesta linguagem são: Companhia Negra de Revistas (1926), Companhia Bataclan Negra (1927), Companhia Mulata Brasileira (1930).

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COMPANHIAS COM FOCO NA QUESTÃO NEGRA Durante todo século XX é possível destacar que a questão negra foi debatida como elemento central para caracterizar a identidade nacional também nos palcos. Ape-

sar de alguns grupos teatrais apresentarem uma exacerbação na figura da mestiçagem, outros grupos fortaleceram tramas eruditas e outros ainda se voltaram a cultura popu-

lar como linguagem para narrar a força e o vigor brasileiro também ancorados nas contribuições dos afrobrasileiros para o cenário da dramaturgia.

1926 - COMPANHIA NEGRA DE REVISTAS Foi idealizada e fundada por João Cândido Ferreira (1887-1956) – artista, mulato, conhecido no mercado revisteiro por “De Chocolat”. Artistas talentosos trabalharam na Companhia, como Pixinguinha e Grande Othelo.


1944 - TEATRO EXPERIMENTAL DO NEGRO (TEN): Com a idealização de Abdias do Nascimento, tornou-se referência histórica na busca da função artística mas também política da linguagem teatral, pois inaugura uma série de atividades que acumulam para uma estética própria e que enriquece a dramaturgia nacional. Uma dramaturgia negra, num país hegemonicamente negro, com elementos cênicos, enredos, narrativas e personagens que trazem essa relação étnica, político cultural muito presente de forma a denunciar o racismo na sociedade brasileira. Com diversas atividades sociais como concursos de beleza, concursos de artes plásticas, escola de al-

Ironides Rodrigues ministra aula de alfabetização para jovens e adultos inscritos no Teatro Experimental do Negro. Rio de Janeiro, 1945. foto: José Medeiros/Acervo Ipeafro

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fabetização, congressos políticos, escola de teatro e de comunicação social a partir do Jornal O Quilombo, se colocando enquanto uma estratégia coletiva para a cidadania ao aliar as linguagens que excluem de forma significativa à população afrobrasileira. Torna-se influência e é destaque no Brasil todo por estética negra no teatro ao fornecer um arsenal para diversas companhias em outros estados brasileiros, que de certa forma, também se aliam à denúncia do racismo e se aliam à luta por cidadania de negras e negros. O conteúdo bastante abarcado por esta companhia foi a questão da identidade nacional ser parte na questão fundamental com a integração da identida-

de afrobrasileira, a negritude fazendo parte do povo brasileiro e não apenas de parte dele. Assim, este grupo compôs a militância do Movimento Negro no Brasil, pois estimulou e desenvolveu uma identificação nas lutas políticas aliadas às linguagens artísticas. Uma referência no conjunto da luta antirracista, pois promoveu uma articulação com processos pedagógicos e de mobilização social, ao longo dos anos com esta luta no teatro e com as manifestações internacionais como o movimento Black Power, em 1978 é também desaguada na criação do Movimento Negro Unificado Contra o Racismo (MNUCR, que virou Movimento Negro Unificado – MNU).


DÉCADA DE 50 - TEATRO POPULAR BRASILEIRO (TPB) Fundado por Solano Trindade, almejava levar ao palco a herança cênica e performática das tradições culturais brasileiras, principalmente aquelas formatadas pelas matrizes de origem africana. Fazia uma leitura séria de danças como maracatu e bumba-meu-boi. Também promovia cursos de interpretação e dicção. Era formado por operários, estudantes, empregadas domésticas, gente do povo. E os espetáculos elabo-

Ziembinski dirigiu a histórica montagem de Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues e cenários de Santa Rosa (TEN), com o Grupo de Teatro Os Comediantes

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rados com recriação de batuques, caboclinhas, jongos, congadas, lundus, caxambus, cocos, capoeiras. A primeira montagem foi “Orfeu da Conceição”, de Vinícius de Moraes. Em 1955, turnê à Tchecoslováquia e à Polônia. A iniciativa do grupo foi inibida durante a ditadura militar. O TPB mostrou seu trabalho em vários países. Geraldo Campos de Oliveira funda também um Teatro Experimental do Negro, que se mantém em atividade durante mais de quinze anos e monta, entre outros, O Logro, de Augusto Boal, 1953; O Mulato, de Langston Hughes, 1957; Laio Se Matou, de Augusto Boal, direção de Raul Martins, 1958; O Emparedado, de Tasso da Silveira; e Sucata, de Milton Gonçalves, ambos em 1961. Outros teatros com a influência do TEN foram: o Teatro Folclórico Brasileiro com

Haroldo Costa e o Teatro Profissional do Negro, com Ubirajara Fidalgo. Visando a continuidade da luta antirracista e o enfrentamento à inviabilização da carreira artística dessas personagens negras da história do teatro brasileiro que muitos grupos seguiram a mesma tradição produzindo conhecimento e os estudos da estética negra, são exemplos desses grupos: Os Crespos (SP), Cia. As Capulanas (SP); Cia. Étnica de Teatro (Carmem Luz - RJ); Cia. Dos Comuns (Hilton Cobra RJ); Grupo de Teatro Atual (PE); Movimento de Teatro Popular (PE); Grupo Caixa Preta (RS); Cia. Seraquê (Rui Moreira – MG); Teatro Negro e Atitude (MG); Cia. De Teatro Popular da Bahia (BA) e Bando de Teatro Olodum (Márcio Meireles – BA).


ESTÉTICA Os elementos de cena, preparação de atores, música, dança e cidadania. Todas essas dimensões artísticas da dramaturgia negra são pontos de aprofundamento e muito estudo. Dada a complexa contribuição dos ritos e tradições afrobrasileiras que inspiraram e demarcaram fortemente a construção desses enredos. Nas palavras de um dos primeiro cenógrafo teatrais brasileiro Tomás Santa Rosa Junior: Tomás Santa Rosa Junior - primeiro cenógrafo moderno brasileiro e ilustrador de livros.

“E bem poderá o TEN dar-nos um teatro caracteristicamente brasileiro, dentro da universalidade de seus propósitos: um teatro que, saído das profundezas da alma negra, faça surgir o rico conteúdo nacional, através do mais legítimo espírito popular” (A Manhã, 27/4/1947)

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ARTISTAS NEGRAS/ATOR/ATRIZ: A restrita participação do artista negro no nosso teatro em tempos atuais ainda é uma forte presença do racismo e do ideário do mito da democracia racial. Tanto pela força do capitalismo que coloca o setor da arte num campo elitista e é operado um embranquecimento na formação de artistas, quanto pelas oportunidades de trabalho que são oferecidas e que nem sempre os fomentos garantem uma sustentabilidade para as companhais teatrais. A autonomia financeira ocorre de forma esparsa que busca uma complementação com colaborações e assim, existe a sobrecarga do trabalhador nas artes cênicas no sentido do tempo para ensaios e produções junto a outras formas de trabalho. Como declarou a atriz de teatro moderno brasileiro, artista do TEN, Ruth de Souza:

“O ator negro quase não está no palco e, quando está, tem papel subalterno. Ora, quem quer fazer um teatro com atores negros é logo classificado de alternativo. Eu sei, porque já tentei realizá-lo, e as pessoas me diziam que só patrocinavam o teatro convencional. E por quê? O negro é uma coisa alternativa? Sem produção, como montar um espetáculo?” (Entrevista de DOUXAMI, C. com Ruth de Souza, em sua residência, no Rio de Janeiro, no dia 28. 07. 1998.)


INDICAÇÕES livro ABDIAS, do Nascimento, Teatro experimental do Negro: testemunhos. In: http://bit.do/

Teatro-Negro

livro CARVALHO, Iná.NEM UMA LÁGRIMA Teatro épico em perspectiva dialética.São Paulo:Ex-

pressão Popular, 2012

livro ARRUDA CAMPO, Claudia, Zumbi Tiradentes - e outras histórias contadas pelo Teatro de

arena de São Paulo, Perspectiva, 1988,

livro RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da

TV. Rio de Janeiro /São Paulo,Record, 2000.

teatro GUARNIERE, G.; BOAL Augusto. Arena conta Zumbi. teatro NASCIMENTO, Abdias - Espelho 3ª Parte. http://bit.do/Espelho3parte teatro DIONYSOS. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, n. 28, 1988. Número especial

sobre o Teatro Experimental do Negro.

livro DOUXAMI, C. Teatro negro: a realidade de um sonho sem sono. Revista: Afro-Ásia 2001

(26) (2001), 313-363

livro LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo, Selo Negro, 2004. artigo MAGALDI, Sábato. Aruanda. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 22 jul. 1950. livro MENDES, Miriam Garcia. O negro e o teatro brasileiro (1889 e 1892). São Paulo: Hucitec,

1993. p. 51.

livro NASCIMENTO, Abdias do. Teatro negro no Brasil: uma experiência sócio-racial. Revista

Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, n. 2, 1968. Caderno Especial.

artigo ROSA, Tomás Santa. (A Manhã, 27/4/1947) citado por Cássio Emanuel Barsante, A vida

ilustrada de Tomás Santa Rosa, Rio de Janeiro, Fundação Banco do Brasil, Bookmakers, 1993, p.79

tese SILVA, Ermínia. As múltiplas linguagens na teatralidade circense - Benjamim de Oliveira

e o circo-teatro no Brasil no final do século XIX e início do XX”

artigo Teatro Experimental do Negro – TEN. In: http://www.geledes.org.br/

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cena do filme “Cinco Vezes Favela”, 1962 do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE.


Módulo 8

O CINEMA E A TV NA CONSTRUÇÃO E MASSIFICAÇÃO DE “UMA” IMAGEM SOBRE O POVO NEGRO: DA REIFICAÇÃO DO MITO DA DEMOCRACIA À TRANSFORMAÇÃO EM SUJEITO MARGINAL EMENTA

Compreender a influência do cinema e da TV na “ampliação” e “modernização” do imaginário popular sobre o povo negro. Analisar por meio de seções de filmes e de programas televisivos como foi a construção deste imaginário e quais as mudanças verificadas atualmente.

INTRODUÇÃO Este tópico busca compreender o papel do cinema e da

TV na construção e massificação de “uma” imagem sobre o povo negro: da reificação do mito da democracia à transformação em sujeito marginal.

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rOteirO De DebAte CINEMA NEGRO

POR ONDE COMEÇAR?

Constata-se que o cinema negro é uma postura conceitual para expressar o discernimento da nova posição sócio-cultural da população negra, na construção da imagem afirmativa do negro e de sua cultura. Em um país multiétnico, de economia dependente, o modo de produção social elege um modelo racial, tendo em vista a matriz da força hegemônica e imperialista, portanto anglo saxônica. Com isso, outros traços raciais e étnicos diferentes do hegemônico são expostos a toda sorte de marginalização e do estereótipo da inferioridade racial.

• Trata-se de estudar a formação e construção das imagens dos negros no cinema; • Definir imagem como um agente que mobiliza os sujeitos ao redor dos padrões sociais pelos quais os negros foram e são vividos/pensados/ representados no Brasil; • Definir quais os padrões sociais são mobilizados e mobilizadores das imagens (negritude, racialidade, etnicidade, nacionalidade, etc.) e como se dão suas disputas; • Implica no enfrentamento da ambiguidade do Arquivo Cinematográfico Negro; ARQUIVO CINEMATOGRÁFICO NEGRO • É o conjunto de imagens disponíveis nas quais o negro aparece; • Tratam-se das imagens originais e suas sucessivas apropriações com uma espessura de sentido gigantesca; • Envolve uma tentação sincrônica de ignorar as superposições de apropriações ocorridas no tempo; • O historiador deve entender como o arquivo foi formado.


PADRÕES SOCIAIS • São formas de partilhar a experiência social; • Marca fronteiras de identificação e diferenciação entre os sujeitos; • No caso do negro, podem ser partilhas raciais (racialidade), étnicas (etnicidade), de cor (negritude), espaciais (nacionalidade/regionalidade/natividade); • Nestes padrões as nomeações e visualizações (negro, afro, afro-brasileiro, afrodescente, povo, raça) podem assumir vários sentidos conforme o momento e contexto; HISTORIA DO CINEMA • O status do cinema como entretenimento dificultou seu reconhecimento como objeto de atenção do historiador; • Foram poucas as manifestações sobre a importância do cinema pelos historiadores até 1970; • Apenas no final dos anos 1960 o cinema torna-se objeto da historiografia; • A partir de finais dos anos 1980 ocorreu a aplicação das novas tendências da história cultural. O filme deixa de ser reflexo e passa a ser concebido como uma representação, um recorte e visão de mundo social. O foco se volta às práticas sociais relacionadas ao cinema como a produção, apropriação e as relações sociais ao seu redor. O pioneiro Marc Ferro estabeleceu alguns princípios: a) O filme não é mero reflexo do social, mas agente da história; b) O filme realiza interpretações da sociedade e história – por vezes, contra-análise; c) O historiador deve realizar uma leitura histórica da cinematografia; d) O historiador deve observar a leitura cinematográfica da história; O filme tornou-se fonte para compreensão do mundo social.

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COMO PENSAR A HISTÓRIA DO NEGRO NO CINEMA? Com a ascensão internacional do movimento de massas, a luta dos negros pelos direitos civis nos EUA, liderada por Martin Luther King, foi um marco da década de 1960. Isso somado ao processo revolucionário de descolonização dos países africanos, nos idos dos anos 1970, formou um conjunto de fatores conjunturais significativos que concorreu para o surgimento do Movimento Negro Unificado, em meados dessa década. Esse movimento, se notabilizou pela desmitificação do Brasil, como paraíso da democracia racial e, também, na mobilização pelo fim do bonapartismo, configurado no regime de autoritarismo militar. Nesse espectro, surgiu no Brasil o cinema negro, como uma tendência que deita raízes no cinema novo. Aliás, cumpre observar, que o termo cinema negro nasce com Glauber Rocha, ideólogo do cinema novismo. No filme “Leão de sete cabeças”, Glauber mostra uma hermenêutica, na qual a africanidade se traduz em um terreno fértil, para a visão revolucionária do socialismo internacional. Percebe-se nesse projeto

cinematográfico glauberiano um sentimento Afro-Latino-América. O “Leão” de Rocha, rodado no Congo de Brazaville, narra a luta pela descolonização e as dificuldades que se dão na trajetória consubstancial pela libertação. O NEGRO NO CINEMA BRASILEIRO Os estudos da história cultural e da história social que usam o cinema problematizam a representação do negro, mas raramente tornaram-no objeto principal da pesquisa e narrativa. Há dificuldade em se afirmar uma escrita da “história do negro no cinema brasileiro” no sentido pleno da expressão. O negro é, por vezes, uma parte da questão na maioria das abordagens sobre o campo cinematográfico brasileiro; Aparece nas diferentes polarizações dos trabalhos: a)Abordagens da representação da história nos filmes; b)Análise das manifestações da cultura popular; c)Investigações sobre movimentos culturais (cinema novo, tropicalismo, udigrundi, etc.) ; d)Estudos sobre as identidades nacional, regionais ou locais.


Para analisar a emergência do negro no campo cinematográfico podemos considerar três recortes e principais: a) O negro no filme histórico como escravos ou rebeldes: - Sinha Moça, 1950; - Ganga Zumba, 1964; - Xica da Silva, 1975; b) O negro na marginalidade urbana como sambista, malandro ou bandido: - Também Somos Irmãos, 1948; - Rio Quarenta Graus, 1955; - Rio Zona Norte, 1957; - Assalto ao Trem Pagador, 1964; c) O negro e sua cultura, seja como folclore ou religiosidade: - Terra é sempre Terra, 1950; - Caiçara, 1952; - Orfeu do Carnaval, 1958, - Bahia de Todos os Santos, 1961; - Barravento, 1961; - O Pagador de Promessas, 1962; - Anjo Negro, 1972.

Uma das hipóteses considera que quando o negro começa a ser alvo de disputas diversas ocorre sua emergência como questão no campo cinematográfico: - Até os anos 1940: havia bloqueios à sua aparição, mas não uma interdição; - Dos anos 1950 em diante: surge o negro como sinal de várias coisas além de si próprio: é quando emerge como questão; - Nos anos 1960 consolida-se a tematização do negro por sua politização nacionalista; - Dos anos 1970 em diante, começa a lenta autonomização do negro como tema próprio e sua etnicização; - Hoje é reivindicado pelos ativistas dos movimentos negros como um cinema de identidade negra

Focalizou-se estereótipos, arquétipos e caricaturas – questionou-se o racismo do cinema e a identidade do negro;

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NA ERA DO TEN OU ENTRE VARGAS E JK • Importância de Alinor Azevedo, José Carlos Burle, Grande Otelo e Nelson Pereira dos Santos; • Filmes de destaque: Eles Vivem (1941), Moleque Tião (1943), Também Somos Irmãos (1948), Carnaval Atlântida (19), Sinha Moça (1950), Rio 40 Graus (1955), Rio Zona Norte (1957), Orfeu do Carnaval (1959). • Temas de destaque: favela, samba e escravidão; • Tema incômodo - a religiosidade, vista pelo viés da feitiçaria ou necromancia: Caiçara( 1952) e Orfeu do Carnaval (1959). • Nos anos 1950 ocorre a glamourização e politização da favela: Orfeu do Carnaval; Rio 40 Graus e Rio Zona Norte. • Filmes que problematizam com dificuldade a noção de raça: Também Somos Irmãos - Direção: José Carlos Burle / Roteiro: Alinor Azevedo, 1948. • A negritude dos personagens é estruturante da trama; • Quando a classe é mobilizada no enredo, há oposição entre negros e brancos;

• Quando não há desnível de classe, permanece certa igualdade de tratamento – mito da democracia racial; • O conflito racial aparece, mas raça não é nomeada; • Racialidade misturada com negritude – tratadas em chave moral e de classe: Rio Zona Norte - Direção: Nelson Pereira dos Santos/ Roteiro: Alinor Azeved, 1957. • A negritude e “brancura” dos personagens não é conflituosa; • Há tensões de classe, mas não tensão racial, embora haja alguma estruturação racial do mundo social; • Não há menção étnica e racialidade é misturada com negritude, também tratadas em chave moral e de classe; • A cultura (samba) e o espaço (favela) são definidores da negritude;


DO CINEMA NOVO AO UDIGRUNDI OU DE JÂNIO AO AI-5 • Emergência definitiva do negro e sua cultura como questão política no campo cinematográfico; • Discussão das relações raciais e do preconceito – filme anti-racista: Integração Racial; • Temas: - A religiosidade: Bahia de Todos os Santos, 1961; Barravento, 1961; O Pagador de Promessas, 1962, - A história: Aruanda, 1961; Ganga Zumba, 1964; - As relações raciais e o preconceito: Integração Racial, 1964; Esse Mundo é Meu; - A favela e exclusão: A Grande Feira, 1961; Cinco Vezes Favela, 1962; A Grande Cidade, 1966. A raça surge como função da classe social e a religiosidade como alienação; O Negro politizado com símbolo da brasilidade e da resistência do povo – Cinema Novo coloca-se como mediador da (e com a) África no Brasil;

• Barravento - Direção: Glauber Rocha/ Roteiro: Luiz Paulino, G. Rocha,1961. - A negritude é fonte de tensão, oposta a uma posse branca dos meios de produção e as tensões de classe fazem funcionar as tensões de raça; - A cultura é definidora da negro, em geral tida como fonte de alienação social; - Inserção do negro como sinal de uma potência revolucionária brasileira.

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INDICAÇÕES

FILMES

JUNIOR. F. Santiago, Departamento de História - UFRN, História do negro no cinema brasileiro? NUNES, Joseli Mendonça. Cenas da abolição: escravos e senhores no parlamento e na justiça. São Paulo, 2001 RODRIGUES, João Carlos, O NEGRO BRASILEIRO E O CINEMA, 2011 SIDNEY, F.Leite, Cinema Brasileiro - das Origens à Retomada, 2005 Artigo: CELSO, Prudente, CINEMA NEGRO: Pontos reflexivos para a compreensão da importância da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora

1. Assalto ao trem pagador. (Roberto Farias, 1962) 2. Pedreira de São Diogo. (Leon Hirzsman, 1962) 3. Aruanda (Linduarte Noronha, 1960) 4. A negação Do Brasil. (Joel Zito Araújo, 2000) 5. Em quadro - A história de 4 negros nas telas. (Luiz Antonio Pilar, 2009) 6. Xica da Silva. (Cacá Diegues, 1976) 7. Quilombo (Cacá Diegues, 1984) 8. Ganga Zumba (Cacá Diegues, 1964) 9. Joana Francesa. (Cacá Diegues, 1973) 10. O amuleto de Ogum (Nélson Pereira Dos Santos, 1974) 11. O papel e o mar (Luiz Antônio Pilar, 2008) 12. Rio Zona Norte (Nélson Pereira Dos Santos, 1957) 13. Rio 40 graus (Nélson Pereira Dos Santos, 1955) 14. Amei um bicheiro (Paulo Wanderley, 1952) 15. Filhas do vento (Joel Zito Araújo, 2005) 16. Branco sai, preto fica (Adirley Queirós, 2014) 17. Cinco vezes favela (5 Diretores, 1962) 18. Orfeu negro (Marcel Camus, 1959) 19. Orfeu (Cacá Diegues, 1999) 20. Macunaíma (Joaquim Pedro De Andrade, 1969) 21. O homem que copiava (Jorge Furtado, 2003)


22. Meu tio matou um cara (Jorge Furtado, 2004) 23. Madame Satã (Karim Ainouz, 2001) 24. A rainha diaba (Antônio Carlos Fontoura, 1974) 25. Aleluia (King Vidor, 1929, EUA) 26. A cor púrpura (Steven Spielberg, 1985, EUA) 27. Django Livre (Quentin Tarantino, 2012, EUA) 28. 12 anos de escravidão (Steve Mcqueen, 2013, EUA) 29. Quase dois irmãos (Lúcia Murat, 2004) 30. Tsotsi-Infância roubada (Gavin Hood, 2005, África do Sul) 31. O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962) 32. Quanto vale ou é por quilo? (Sérgio Bianchi, 2005) 33. O povo brasileiro - episódios 3 e 5 (Isa Ferraz, 2000) 34. Chico Rei (Walter Lima Jr, 1985) 35. Sinhá Moça (Tom Payne, 1953) 36. A deusa negra (Ola Balogun, 1979) 37. Também somos irmãos (José Carlos Burle, 1949) 38. Compasso de espera (Antunes Filho, 1973) 39. O rei do baralho (Julio Bressane, 1974) 40. Bahia de Todos os Santos (Trigueirinho Neto, 1960) 41. Barravento (Glauber Rocha, 1962) 42. Tenda dos milagres (Nelson Pereira Dos Santos, 1977)

43. Parceiros da aventura (José Medeiros, 1980) 44. A menina e o estuprador (Conrado Sanches, 1982) 45. Na boca do mundo (Antonio Pitanga, 1979) 46. Uma mulata para todos (Roberto Machado, 1975) 47. A grande feira (Roberto Pires, 1961) 48. A grande cidade (Cacá Diegues, 1966) 49. Abolição (Zózimo Bulbul, 1988) 50. Anastácia escrava e santa (Joatan Berbel, 1987) 51. O Anjo Negro (José Umberto Dias, 1972) 52. Castro Alves (Silvio Tendler, 1999) 53. Cruz e Souza - poeta do desterro (Silvio Back, 1999) 54. Um crioulo brasileiro (Joaquim Teodoro, 1979) 55. O crioulo doido (Carlos Prates Correa, 1971) 56. Escrava Isaura (Eurides Ramos, 1949) 57. Yaô (Geraldo Sarno, 1976) 58. (Pierre Barouh, 1969) 59. Pedro Mico (Ipojuca Pontes, 1985) 60. Gimba (Flávio Rangel, 1963)

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cena do filme “A Batalha do Passinho”, 2013 de Emílio Domingos


Módulo 8

A HISTÓRIA DA MÚSICA BRASILEIRA E SUA INDISSOCIABILIDADE DOS RITMOS AFRICANOS: DOS TAMBORES NAS SENZALAS AO FUNK EMENTA Compreender a influência africana na música brasileira e a sua importância na construção da identidade nacional e como expressão principal de nossa diversidade cultural. INTRODUÇÃO A música brasileira é mais um elemento importante no processo da formação sociocultural do povo brasileiro. É impossível ouvir a sonoridade das canções brasileiras e não perceber a cadência rítmica dos tambores findos do além mar. Essa diversidade musical que permeia o país do sul ao norte tem uma tradição arraigada de ritos das matrizes étnicas que constituíram o povo brasileiro. A música perpassou da tristeza e resistência do banzo ao ritmo frenético e sensual do funk carioca nas comunidades periféricas do país. Os ritmos percussivos brasileiros permitiram consolidar um tipo de musicalidade que é reconhecida com brasileira em qualquer parte do mundo que é o samba. Cada brasileira e brasileiro traz impactada na sua memória cantigas populares que traduzem uma brincadeira, uma dança ou simplesmente um adormecer sereno. De fato, como a música também é o reflexo da sociedade que se vive, ela carrega em si aspectos machistas e racistas, no entanto, tem na criatividade e percepção de mundo, de quem compõem, uma gênese revolucionária. Ou seja, a música pode ser um elemento transformador e reflexivo no romper com velhos paradigmas. Ao debater a função da arte ao longo do processo histórico, a música brasileira e apontar onde tudo começou, esse módulo tem a tarefa de refletir e valorizar o papel da influência africana na construção da nossa musicalidade. 77


rOteirO De DebAte Pião no chão (domínio público) Exercício de relaxamento Chegada (2005) de Naná Vasconcelos.

FUNÇÃO DA ARTE • Arte é um conjunto de expressões que manifesta através do cinema, da música, da pintura, teatro, poesia, cordel, repente dentre outras, a tradução de um determinado tempo histórico Ernest Fischer (1973). • A arte deve ser compreendida como uma função social. Exemplos: os povos primitivos usavam a arte nos seus rituais de magia e na Grécia servia para exaltação dos deuses. Assim “a arte não só precisa derivar de uma intensa experiência da realidade como precisa ser construída, precisa tomar forma através da objetividade” (Fischer, 1973:14). • No modo de produção capitalista as relações sociais se transformaram em relações mercadológicas e se dividiram em duas classes antagônicas: nos que detêm os meios de produção e nos que vendem a sua força de trabalho.

A tarefa exclusiva da arte é a de tomar posição nas lutas do tempo, da sociedade, das classes sociais; de favorecer a vitória social de uma determinada tendência, a solução de um problema social. Tudo que ultrapasse essa finalidade já pertence à ‘arte pela arte’, à retirada para a ‘torre de marfim’, etc., e deve ser – como tal – incondicionalmente rejeitado. Lukács (1968: 256)

• O capitalismo transformou a arte em mercadoria e o acesso submetido aos que podem ou não comprar. Mesmo quando a expressão nasce como


oposição daqueles e daquelas que não podem consumir, quando há o interesse do capital, os mesmos se apropriam e dão o sentido de mercado para aquela expressão de resistência. • A arte está intrinsecamente ligada ao modo de produção em que se encontra a sociedade, ou seja, ela é a manifestação do tempo histórico vivido. Por se encontrar dialeticamente no campo da objetividade/ subjetividade, entender a arte como um instrumento de transformação torna-se uma tarefa complexa diante da necessidade humana de materializar a vida.

O desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais do que um indivíduo. Sente que só pode atingir a plenitude se apoderar das experiências alheias que potencialmente lhe concernem, que poderiam ser dele. E o que um homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo que a humanidade, como um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo como o todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e de ideias (Fisher, 1971, p. 13).

Ainda que esse mundo esteja transfigurado pelo próprio desenvolvimento da sociedade capitalista, com seu mecanismo de aprisionamento e alienação, o efeito pretendido de suprimir as desigualdades sociais e o componente de luta de classes é paulatinamente reinterpretado no sentido da superação. Com efeito, “a obra de arte deve apoderar-se da plateia não através da identificação passiva, mas através de um apelo à razão que requeira ação e decisão (Fisher, 1971, p. 15).

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• As mazelas, as opressões dentro da sociedade capitalista são naturalizadas, a arte como expressão do sistema vigente, serve em certa medida para alienar massivamente, ou seja, atua em larga escala internalizando nos sujeitos essa alienação. Assim, temos uma arte que cultua e incita a violência contra a mulher nas músicas, mercantiliza o corpo da mulher nas propagandas de cerveja, incita o racismo e inferioriza a população negra colocando na televisão os mesmos para atuarem em serviços subalternizados, padroniza um modelo de beleza de mulher etc. • Nesta sociedade em que a individualidade está sendo cada vez mais estimulada e a fragmentação do todo exacerbada, na coletividade, a arte configura-se como uma ferramenta com o poder de promover a totalidade do ser humano. Exercício Musical: ler a letra do Canto das três raças – Paulo César Pinheiro – Interpretado por Clara Nunes Caetanopolis.

A MÚSICA BRASILEIRA • A cultura que não é somente as expressões artísticas culturais, mas o jeito de se comunicar, a comida, a escrita, o mercado, os múltiplos elementos que determinam e possibilitam perceber no cotidiano da construção da identidade do povo brasileiro a complexidade do seu processo de formação sócio-cultural-econômico-político. • A música brasileira é influenciada pelos tambores e vozes trazidos do continente africano. • O canto oriundo das tradições populares sempre foi a reflexão dos saberes e vivências do povo bra-


sileiro vinculados à cultura mais predominante da formação sócio –cultural oriundo da Diáspora Africana. Cantamos a Diáspora. • Exercicio Vocal : Cangoma me chamou (canto de Liberdade) – Domínio público – Clemente de Jesus: A canção “Cangoma” é um vissungo, e está cantada originalmente no disco “Canto dos Escravos”. O vissungo, nome dado ao canto dos escravos das lavras de mineração em Diamantina - MG, faz parte de uma coleta etnolinguística feita em 1928. • No Brasil, falar de cultura é compreender as relações de poder existentes no país. Por ser uma expressão societária, a música não é compreendida como a representação social e sim como o espelho do desenvolvimento capitalista brasileiro que é demarcada pelos interesses da indústria do entretenimento e dos meios de comunicação de massa. Portanto, uma sociedade marcada pelo racismo não admite a gênese da sua musicalidade. • Os ritmos e gêneros da música brasileira têm sua origem no samba. • Para além dos tambores, outros instrumentos como cuíca ou puíta, o berimbau, o ganzá e o reco-reco fez com se tecesse no Brasil uma musicalidade própria. • A música popular brasileira nascida nas senzalas não está condicionada ao indivíduo a sua maior riqueza é ser coletiva.

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• A música afro-brasileira tem uma característica baseada em um coro fixo, a estrofe solista improvisada e a disposição coro-solo • O samba tornou-se a simbologia da brasilidade. O samba tornou-se elemento constituinte na identidade nacional. • O papel relevante da música na relação cultura e política. Em 1930, com a Era Vargas diante da perspectiva nacionalista e populista de peculiaridades do seu governo, várias manifestações artísticas da negritude são aceitas, como samba e a capoeira. • No século XX, tanto a esquerda como a direita cortejavam os sambas nos pagodes cariocas: - Samba patriótico x samba crítico. - Simbologia do Malandro – aquele que fica em cima do muro. • Para a direita, o samba poderia se tornar a expressão da identidade nacional desde que “higienizado” e disciplinado”. • 50 anos em 5 – primeiros momentos da bossa-nova: necessidade da elite brasileira adentrar na modernidade. • Na década de 60, colocar elementos marxistas nas músicas mesmo não entendendo muito os conceitos foram fundamentais para a compreensão da realidade e atuação sobre a mesma. • Segundo Tinhorão, é preciso preservar o que vem das camadas populares.


ONDE MESMO QUE TUDO COMEÇOU?

Exercício Vocal: Benguelê – Pixinguinha (Rio de Janeiro, RJ, 1897 – 1973)

• (Video Tia Ciata) • (Vídeo Documentário Samba de Roda) • “Pequena África era denominada uma região na Exercício Vocal: cidade do Rio de Janeiro que se estendia da Pedra do Sal, morro da Conceição até a Cidade Nova, Ondequé – Sérgio Perere (músico Mineiro) onde se encontra o Sambódromo. • O samba, no primeiro momento era mais instrumental • Conscientes do poder do samba a negritude que morava nos morros cariocas instituíram e organizaram as primeiras escolas de samba • Primeiro samba gravado “Por Telefone 1917 – Ernesto dos Santos – Donga • A primeira Escola de Samba foi a Deixa Falar – 1927 • Cartola, devido ao racismo, passou por várias dificuldades financeiras ao longo da sua vida artística • Clementina de Jesus foi reconhecida como cantora aos 63 anos • Jovelina Perola Negra em 1985 lança um disco onde aparece caracterizada de empregada doméstica fazendo referências as suas raízes. • Martinho da Vila foi um divisor de águas na década de 60 popularizando o partido do alto (Casa de Bamba, Pequeno Burguês) • O Ilê Ayê foi o primeiro bloco afro do Brasil demarcando nas composições do bloco a denúncia e protesto sobre a condição do negro brasileiro – 1974

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• Em 1975, o sambista partideiro Antônio Candeia Filho, mais conhecido como Candeia (Rio de Janeiro,17 de agosto de 1935 — Rio de Janeiro, 16 de novembro de 1978) junto com outros sambistas e compositores criam o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo - enfatizando principalmente a identidade cultural afro-brasileira • João do Vale, reconhecido pelo sucesso do Teatro Opinião e Músicas como Carcará, cantada por vários interpretes famosos como Chico Buarque e Maria Bethânia, morreu pobre, na sua cidade natal no estado do Maranhão • Elza Soares, reconhecida como cantora do milênio, lançou em 2015, o cd a Mulher do Fim do Mundo

Sugestão de Exercício Criativo 1. Dividir a turma em grupos 2. A partir da reflexão sobre a arte e a originalidade da musicalidade brasileira compor uma canção e ensaiar para apresentação em plenária. INDICAÇÕES DE ÁLBUNS: • • • • •

A Mulher do Fim do Mundo, Elza Soares Chegada, Álbum de Naná Vasconcelos. Percuciência, Carlinhos Ferreira Akopalô, Pereira da Viola Coral das Lavadeiras, Carlos Farias

• Vozes da Purificação, D. Edith do Prato • Ciranda de todos os ritmos, Lia de Itamaracá • A Rosa do Povo, Martinho da Vila • Carcarás da Cidade, João do Vale


INDICAÇÕES livro TINHORÃO,J, Ramos.História social da música popular brasileira.Edit. Caminho, 1990 livro TINHORÃO,J, Ramos. Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos: origens

(1988)

livro TINHORÃO,J, Ramos. A Música Popular que Surge na Era da Revolução, Edit.34, 2009; livro TINHORÃO,J, Ramos.Festa de Negro em Devoção de Branco, Edi.UNESP,2012; teatro ROCHA, J., Domenich, M., & Casseano, PHip hop: A periferia grita. São Paulo, SP, Brasil:

Editora Fundação Perseu Abramo.

teatro FISCHER, E. A necessidade da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1971 teatro LUKACS, Gerg. Introdução a uma Estética Marxista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1978.

livro Braz, Marcelo (Org.). Samba, cultura e sociedade: sambistas e trabalhadores entre a

“questão social” e a questão cultural no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2013

livro GALVAO, W. N. . Ao som do Samba – Uma leitura do carnaval carioca,2009 artigo Brasil, Mito Fundador e Sociedade Autoritária. São Paulo, Fund.Perseu Abramo, 2001Su-

gestão de Filmes

livro A Filha de São Sebastião. – Documentário DISPONÍVEL: http://bit.do/Filhasdesaobas-

tiao. DIREÇÃO: José Francisco Duarte e Raquel Alvarez

livro João do Vale – Muita Gente Desconhece,DIREÇÃO: Werinton Kermes artigo Samba.DIREÇÃO: Theresa Jessouroun,2000 tese 80 Anos de Candeia 37 de SaudadeVISSUNGO - FRAGMENTOS DA TRADIÇÃO ORAL -

Confra Filmes 2009

artigo Cantos de Trabalho - Bahia Singular e Plural, TVE BAHIA, DIREÇÃO: JOSIAS PIRES

Lavadeiras do Jequitinhonha - Projeto Cantos de Trabalho, Produção do SESC-TV para a série Coleções. Cantos de Trabalho - Mutirão DIREÇÃO:Leon Hirszman gravado em 1975-76

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cena do filme “A Pedra da Riqueza�, 1976 de Vladimir Carvalho.


Módulo 9

A FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALAHDORA NO BRASIL E A QUESTÃO RACIAL. EMENTA

Compreender como a nossa herança escravista marcou de forma definitiva as relações de trabalho em nosso país e seus desdobramentos atuais na luta de classes.

INTRODUÇÃO As origens da formação da Classe trabalhadora no Brasil nos levam necessariamente ao período escravocata, e às grandes batalhas travadas no processo que culminou na abolição. A estrutura social brasileira é definitivamente marcada pela transição do escravismo para o capitalismo. Florestan Fernandes afirma que as desigualdades sociais brasileiras pautadas na subordinação do negro e das classes oprimidas existentes no Brasil são resquícios da sociedade escravista.

(...) a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar- se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e capitalista (FERNANDES, F. )

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rOteirO De DebAte (...), o regime escravista não preparou o escravo ( e, portanto, também não preparou o liberto ) para agir plenamente como “trabalhador livre” ou como “empresário”. Ele preparou- o, onde o desenvolvimento econômico não deixou outra alternativa, para toda uma rede de ocupações e de serviços que eram essenciais mas não encontravam agentes brancos. Assim mesmo, onde estes agentes apareceram ( como aconteceu em São Paulo e no extremo sul ), em conseqüência da imigração, em plena escravidão os libertos foram gradualmente substituídos e eliminados pelo concorrente branco. Florestan Fernandes

Durante quase 400 anos o povo negro proveniente de diversas regiões do continente africano foram submetidos à escravidão. As principais etnias que foram forçadas a vir para o Brasil eram Bantos e Sudaneses. Tiveram sua força de trabalho superexplorada e submetida ao regime de trabalho escravo. Séculos de escravidão, lutas e resistências deixaram profundas marcas na sociedade brasileira. A contribuição africana na formação social brasileira não foi um processo pactuado e harmônico. Pelo contrário, tal contribuição se deu no conflito e nas revoltas contra seus opressores voltados para a acumulação de riqueza às custas do trabalho escravo. Até 1850, constatamos uma hegemonia do trabalho escravo na sociedade brasileira, particularmente no latifúndio de monocultura, portos, transportes, comércios, assim como nas primeiras fábricas. Assim, o Rio de Janeiro possuía, em 1849, uma população total de 266.466 pessoas, sendo 155.854 livres


(muitas das quais libertas, ou seja, ex-escravizadas)e 110.602 escravizadas. Com o fim oficial e a repressão ao tráfico negreiro, em 1850, esse número caiu nas décadas seguintes. Mas, em 1872, os trabalhadores escravizados ainda representavam quase 20% da população da capital do Império, somando 48.939 entre os 279.972 habitantes da cidade. Em Salvador, a população total da cidade era estimada em 66 mil pessoas, com 42% delas escravizadas. O movimento histórico que culminou na abolição da escravatura no Brasil é marcado pela formação do Estado Burguês. Nesta perspectiva, o fim oficial da escravidão (1888) juntamente com a proclamação (1889) e Constituição de 1891 são os fatores estruturantes da formação do Estado Burguês no Brasil. A formação do Estado burguês no Brasil é parte fundamental da transição da formação social escravista para o capitalismo no final do século XIX e início do século XX. A transição para o capitalismo foi marcada pela gradativa substituição da força de trabalho escravizada por formas pré capitalistas de exploração da força de trabalho pautadas na dependência pessoal, como o colonato e o meeiro, assim como pela introdução do trabalho assalariado. Este processo de transição foi marcado pela convivência entre trabalhadores livres e escravizados. Esta convivência ampliou a luta pela abolição, atraindo setores médios da sociedade, setores da classe operária e levando as ideias abolicionistas para o parlamento

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e a imprensa. Constituiu-se até jornais dedicados à causa, como o jornal carioca “O Abolicionista”. É verdade que a vinda dos imigrantes para o Brasil tem duplo objetivo: suprir a necessidade de força de trabalho e ao mesmo tempo dar conta do projeto da classe dominante que defendia o branqueamento da sociedade brasileira. Entretanto, apesar das contradições, a convivência entre trabalhadores imigrantes e trabalhadores negros é parte importante desse processo de compartilhamento de culturas e formas de luta. O estrangeiro aparecia,(...), como a grande esperança nacional de progresso por saltos.(...). Desse ângulo, onde o “imigrante” aparecesse, eliminava fatalmente o pretendente “negro” ou “mulato” , pois entendia-se que ele era o agente natural do trabalho livre. [4] Muitas fábricas empregavam grande quantidade de trabalhadores escravizados. Ou seja, além de compartilharem espaços e experiências de trabalho, escravizados e livres acabavam por compartilhar formas de luta. Os centros urbanos se constituíram no centro de gravidade do processo de formação da classe trabalhadora no

Brasil. Nestas cidades, a inserção do povo negro no mercado de trabalho se deu em condições precárias, particularmente nos serviços domésticos, transporte, comércio e portos. Formou-se importante rede de apoio aos caifazes, abolicionistas radicais que levavam a luta até as ultimas consequências. Os caifazes receberam apoio de ferroviários, charuteiros e tipógrafos. Constituíram-se importantes iniciativas em favor da abolição da escravatura como se registrou no Círculo Operário Italiano e nas Irmandades Negras. Portanto, a luta pela liberdade do povo negro escravizado é parte do processo de formação da classe trabalhadora no Brasil. Ao povo negro que estava inserido no regime de trabalho assalariado, o Estado negou inicialmente o direito de se organizar nas associações de ajuda mútua que se constituíram no final do século XIX como embriões dos primeiros sindicatos. Isto não evitou que ainda no final do século XIX surgissem importantes inciativas organizativas como Associação Beneficente de Socorro Mutuo dos Homens de Cor. Também destacou-se a Sociedade Beneficente da Nação Conga. O Estado brasileiro não reconhecia estas


iniciativas organizativas do povo negro, chamando-os de “horda de bárbaros”. A primeira greve de trabalhadores no Brasil, registrada em 1858, teve forte participação de negros. Foi a greve dos tipógrafos do Rio de Janeiro contra os jornais da classe dominante como o Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro e o Jornal do Comércio. Os primeiros sindicatos no início do século XX tinham forte participação de trabalhadores negros. Portos, estradas, fabricas têxteis, etc. As greves, instrumento típico de reivindicação dos trabalhadores assalariados, foram em alguns momentos utilizadas como forma de luta pelos trabalhadores escravizados das cidades, apresentando demandas específicas, porém demonstrando que os intercâmbios de experiências entre os que viviam e trabalhavam no mesmo espaços poderiam ter dimensões mais amplas do que o esperado pelos senhores e patrões. Portanto, o início da formação da classe trabalhadora no Brasil se dá antes da própria abolição da escravatura em 1888. A abolição da escravidão ocorrida em 1888 não veio acompanhada de conquistas sociais e de pleno exercício

da cidadania política. O povo negro, jogado nas grandes cidades e no interior do Brasil, passou a enfrentar problemas estruturais como a pobreza, a imposição de baixos salários e o preconceito racial. Ou seja, a integração do povo negro no mercado de trabalho da sociedade de classes capitalista foi marcada pela superexploração da força de trabalho, piores empregos e piores salários. Esta situação perdura até hoje e é certamente uma herança colonial.

(...) o preconceito e a discriminação racial apareceram no Brasil como conseqüências inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e discriminação após a destruição do escravismo não é ligada ao dinamismo social do período pós-abolição, mas é interpretada como um fenômeno de atraso cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das várias dimensões dos sistemas econômico, social e cultural. (...) após a abolição do escravismo, argumenta Fernandes, a sociedade herdou do antigo regime um 91


sistema de estratificação racial e subordinação do negro. A persistência desta estratificação após a emancipação é devidamente atribuída aos efeitos do preconceito e discriminação raciais. Apesar da compreensiva e meticulosa dissecação das relações raciais brasileiras, a principal debilidade interpretativa resulta dessa conceituação do preconceito e discriminação raciais como sobrevivências do ancien regime . Essa perspectiva, relacionada à teoria de caráter assincrônico da mudança social, explica os arranjos sociais do presente como resultado de “arcaísmos” do passado. Assim, o conteúdo “tradicional”

ou “arcaico” das relações raciais, revelado pela presença de preconceito e discriminação raciais, é considerado como um remanescente do passado. O modelo tradicional e assimétrico de relações raciais, perpetuado pelo preconceito e pela discriminação, é considerado uma anomalia da ordem social competitiva. Em conseqüência, o desenvolvimento ulterior da sociedade de classes levará ao desaparecimento do preconceito e discriminação raciais. A raça perderá sua eficácia como critério de seleção social e os não-brancos serão incorporados às posições “típicas” da estrutura de classes. (HASENBALG, 1979).


INDICAÇÕES livro FERNANDES, F. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. vol. 1 e 2. São Paulo:

Àtica, 1978. p. 20.

livro

SKIDMORE, T. Fato e Mito Descobrindo um problema racial no Brasil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, 1991

livro

TELLES, E.,Contato Racial no Brasil Urbano: análise da segregação residencial nas quarenta maiores áreas urbanas do Brasil em 1980. HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 73, 75

livro FERNANDES, F. O Negro no Mundo dos Brancos. São Paulo, Difel. 1965 teatro FERNANDES, F. O Significado do Protesto Negro. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo;

v.33. São Paulo: Cortez e Autores Associados, 1989

teatro

ORSO, P. JOSÉ, Educação e Luta de Classes , São Paulo, Expressão Popular; 2008.

teatro

BOGO, Ademar, IDENTIDADE E LUTA DE CLASSES, São Paulo, Expressão Popular, 2008

livro

PASSOS, Eridan, João Cândido: Herói da ralé, São Paulo, Expressão Popular Ano: 2008.

livro

Paulo Freire:vida e obra, Ana Inês Souza, São Paulo, Expressão Popular, 2006

filme

Pedreira De São Diogo, Leon Hirzsman), 1962.

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cena do filme “Alma do olho”, 1973 de Zózimo Bulbul.


Módulo 10

HISTÓRIA DO MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL: DAS REBELIÕES NAS SENZALAS À LUTA CONTRA O GENOCÍDIO DA POPULAÇÃO NEGRA EMENTA Compreender o processo de constituição

do movimento por igualdade racial, em seus diversos momentos históricos. Identificando conquistas e os futuros desafios.

INTRODUÇÃO A finalidade deste módulo é uma aproximação da história do movimento negro, sua trajetória como movimento negro organizado na luta pela inclusão social do negro e superação do racismo na sociedade brasileira e a sua relação com as lutas gerais do povo brasileiro.

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rOteirO De DebAte Movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural.1 Para o movimento negro, a “raça”,2 e, por conseguinte, a identidade racial, é utilizada não só como elemento de mobilização, mas também de mediação das reivindicações políticas. Em outras palavras, para o movimento negro, a “raça” é o fator determinante de organização dos negros em torno de um projeto comum de ação.

HISTÓRICO DO MOVIMENTO NEGRO De 1538 a 1888: Estima-se que de 3,5 milhões a 4 milhões de pessoas negras foram trazidos da África para o Brasil, escravizados, como força de trabalho. Neste período havia o Movimento de Resistência Negra contra a escravidão e se manifestou através da quilombolagem e o bandoleirismo. O quilombo constituía de um povoado, um território para acolhimento dos fugitivos. O quilombo era também um lugar em que se acolhia índios ameaçados de extermínio e brancos perseguidos e injustiçados da sociedade escravocrata. O bandoleirismo se organizava para promover guerrilha de grupos de negros escravizados, fugidos para atacar povoados e viajantes nas estradas. No artigo Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. Petrônio Domingues divide o movimento negro nas três fases a seguir. Cf. Regina Pahim Pinto, O movimento negro em São Paulo: luta e identidade, São Paulo, Tese de Doutorado, FFLCH-USP, 1993. 2 O conceito de raça é definido como uma construção social, com pouca ou nenhuma base biológica. A raça é importante porque as pessoas classificam e tratam o “outro” de acordo com as idéias socialmente aceitas. Referenda-se, aqui, a posição de Edward Telles: “o uso do termo raça fortalece distinções sociais que não possuem qualquer valor biológico, mas a raça continua a ser imensamente importante nas interações sociológicas e, portanto, deve ser levada em conta nas análises sociológicas [e históricas]”. Cf. Edward Telles, Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica, Rio de Janeiro, Relume Dumará-Fundação Ford, 2003, p. 38. 1


DA PRIMEIRA REPÚBLICA AO ESTADO NOVO (1889-1937) Um ano após a abolição da escravatura, foi proclamada a República no Brasil, em 1889. O novo sistema político, entretanto, não assegurou profícuos ganhos materiais ou simbólicos para a população negra. Ao contrário, esta, segundo Andrews, foi marginalizada, seja politicamente, em decorrência das limitações da República no que se refere ao sufrágio e às outras formas de participação política; seja social e psicologicamente, em face das doutrinas do racismo científico e da “teoria do branqueamento”; seja ainda economicamente, devido às preferências em termos de emprego em favor dos imigrantes europeus. Para reverter esse quadro de marginalização no alvorecer da República, os libertos, ex-escravos e seus descendentes instituíram os movimentos de mobilização racial negra no Brasil, criando inicialmente dezenas de grupos (grêmios, clubes ou associações) em alguns estados da nação. Após a abolição da escravatura, os grupos negros se incorporam

aos diversos movimentos populares, como o de Canudos e da Revolta da Chibata. No âmbito cultural, surgiram as primeiras manifestações como o samba e grupos teatrais negros, como a Companhia Negra de Revista, em 1927 e a Companhia Batata Preta, em 1928, que tratavam a mistura de raças como a essência da alma brasileira. Em 1931, nasceu a Frente Negra Brasileira – FNB de ideologia eclética e foi à primeira organização a desenvolver o mito da democracia racial brasileira. DA SEGUNDA REPÚBLICA À DITADURA MILITAR (1945-1964) Os anos de vigência do Estado Novo (1937-1945) foram caracterizados por violenta repressão política, inviabilizando qualquer movimento contestatório. 1937 a ditadura de Getúlio Vargas passou a reprimir o movimento negro extinguindo a Frente Negra Brasileira. Somente em 1941 o movimento negro voltou a se manifestar com a fundação do Teatro Experimental Negro – TEM, através de Abdias Nascimento, antigo membro da FBN.

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Mas, com a queda da ditadura “Varguista”, ressurgiu, na cena política do país, o movimento negro organizado que, por sinal, ampliou seu raio de ação. Na concepção de Guimarães, o protesto negro aumentou por diversas razões: Primeiro, porque a discriminação racial, à medida que se ampliavam os merca-dos e a competição, também se tornava mais problemática; segundo, porque os preconceitos e os estereótipos continuavam a perseguir os negros; terceiro, porque grande parte da população “de cor” continuava marginalizada em favelas, mucambos, alagados e na agricultura de subsistência. Esta fase do movimento negro, entretanto, não teria o mesmo poder de aglutinação da anterior. Dessa época, um dos principais agrupamentos foi a União dos Homens de Cor. Também intitulada Uagacê ou simplesmente UHC, foi fundada por João Cabral Alves, em Porto Alegre, em janeiro de 1943. Já no primeiro artigo do estatuto, a entidade declarava que sua finalidade central era “elevar o nível econômico, e intelectual das pessoas de cor em todo o território nacional, para torná-las aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os setores de suas atividades.

Em 1945 foi fundado o Comitê Democrático Afro-brasileiro, dando início à discussão na esfera política sobre o acesso do negro à educação, sobre os direitos trabalhistas e a necessidade de implementar a reparação pelos anos da marginalização sofrida pelos afrodescendentes. A partir de 1950, o movimento negro inicia sua rearticulação com a fundação em 1954, da Associação Cultural Negra – ACN, surgindo como movimento de reivindicação ideológica. DO INÍCIO DO PROCESSO DE REDEMOCRATIZAÇÃO À REPÚBLICA NOVA (1978-2000) O golpe militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária, para a luta política dos negros. Ele desarticulou uma coalizão de forças que palmilhava no enfrentamento do “preconceito de cor” no país. Como conseqüência, o Movimento Negro organizado entrou em refluxo. Seus militantes eram estigmatizados e acusados pelos militares de criar um problema que supostamente não existia, o racismo no Brasil. De acordo com Gonzalez, a repressão “desmobilizou as lideranças negras, lançando-as numa espécie de semi-


clandestinidade”. A discussão pública da questão racial foi praticamente banida. Cunha Jr. aponta as dificuldades que havia para superar o desmantelamento do movimento negro naquela época: o isolamento político, ditadura militar e o esvaziamento dos movimentos passados. Podemos dizer que em 1970 era difícil reunir mais que meia dúzia de militantes do movimento negro. A ditadura militar inviabilizou as manifestações de cunho racial e passou a utilizar do mito da democracia racial em propaganda oficial. Na década de 1970, o movimento negro norteamericano, a oposição de esquerda à ditadura militar no Brasil e a luta anticolonialista dos países africanos de língua portuguesa, inspiraram o movimento negro brasileiro a consolidar seu projeto reivindicativo a atingir o auge, nomeando Zumbi dos Palmares, como o herói da resistência negra e instituindo o dia 20 de novembro como o dia nacional da Consciência Negra. Em 1978, diversos grupos do movimento negro fundaram o Movimento Negro Unificado – MNU, tendo como bandeira o reconhecimento dos seus direitos e pela criminalização do racismo. O MNU foi o começo de uma nova fase de luta dos negros por seus

direitos, deixando de ser apenas manifestação cultural ou articulação isolada contra a desigualdade racial, para se tornar movimento social politizado. A Constituição Federal de 1988 explicita em seu artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No campo dos direitos sociais, proíbe a Carta Magna a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (artigo 7º, inciso XXX). Isto se deve à intensa mobilização e pressão dos movimentos sociais organizados, como o movimento negro no processo constituinte, em defesa da consagração dos direitos humanos na Carta Magna.

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Trajetória do movimento negro na República

1889-1937

1945-1964

1978-2000

Primeira Fase

Segunda Fase

Terceira Fase

Discurso racial predominante

Moderado

Moderado

Contundente

Estratégia cultural de “inclusão”

Assimilacionista

Integracionista

Diferencialista (igualdade na diferença)

Princípios ideológicos e posições políticas

Nacionalismo e defesa das forças políticas de “direita”, nos anos 1930

Nacionalismo e defesa das forças políticas de “centro” e de “direita”, nos anos 1940 e 1950

Internacionalismo e defesa das forças políticas da esquerda marxista, nos anos 1970 e 1980

Conjuntura internacional

Movimento nazifascista e pan-africanista

Movimento da negri- Afrocentrismo, movitude e de descoloni- mento dos direitos civis zação da África nos EUAe de descolonização da África

Principais termos de Homem de cor, auto-identificação negro e preto

Homem de cor, negro e preto

Adoção “oficial” do termo “negro”. Posteriormente, usa-se, também, o “afro-brasileiro” e “afro-descendente”

Causa da marginali- A escravidão e o zação do negro despreparo moral/ educacional

A escravidão e o despreparo cultural/ educacional

A escravidão e o sistema capitalista

Solução para o racismo

Pela via educacional e cultural, eliminando o complexo de inferioridade do negro e reeducando racialmente o branco, nos marcos do capitalismo ou sociedade burguesa

Pela via política (“negro no poder!”), nos marcos de uma sociedade socialista, a única que seria capaz de eliminar com todas as formas de opressão, inclusive a racial

Pela via educacional e moral, nos marcos do capitalismo ou da sociedade burguesa


1889-1937

1945-1964

1978-2000

Primeira Fase

Segunda Fase

Terceira Fase

Métodos de lutas

Criação de agremiações negras, palestras, atos públicos “cívicos” e publicação de jornais

Teatro, imprensa, eventos “acadêmicos” e ações visando à sensibilização da elite branca para o problema do negro no país

Manifestações públicas, imprensa, formação de comitês de base, formação de um movimento nacional

Relação com o “mito” da democracia racial

Denúncia assistemática do “mito” da democracia racial

Denúncia assistemática do “mito” da democracia racial

Denúncia sistemática do “mito” da democracia racial

Capacidade de mobilização

Movimento social que chegou a ter um caráter de massa

Movimento social de vanguarda

Movimento social de vanguarda

Relação com a “cultura negra”

Distanciamento frente alguns símbolos associados à cultura negra (capoeira, samba, religiões de matriz africana)

Ambigüidade valorativa diante de alguns símbolos associados à cultura negra (capoeira, samba, religiões de matriz africana)

Valorização dos símbolos associados à cultura negra (capoeira, samba, religiões de matriz africana, sobretudo o candomblé)

Como concebiam o fenômeno da mestiçagem

De maneira positiva De maneira positiva (discurso pró- mesti- (discurso pró- mesçagem) tiçagem)

De maneira negativa (discurso contra a mestiçagem)

Dia de reflexão e/ou 13 de Maio (dia da as- 13 de Maio (dia da protesto sinatura da Lei Áurea, assinatura da Lei em 1888) Áurea, em 1888)

20 de Novembro (dia de rememoração da morte de Zumbi dos Palmares)

Principais lideranças Vicente Ferreira, José José Bernardo da Correia Leite, Arlindo Silva, Abdias do Veiga dos Santos Nascimento

Hamilton Cardoso, Lélia Gonzalez

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ANOS 2000: UMA NOVA FASE DO MOVIMENTO NEGRO? Alguns elementos sinalizam que no início do terceiro milênio está se abrindo uma nova fase do movimento negro, com a entrada em cena do movimento hip-hop, por vários motivos. Trata-se de um movimento cultural inovador, o qual vem adquirindo uma crescente dimensão nacional; é um movimento popular, que fala a linguagem da periferia, rompendo com o discurso vanguardista das entidades negras tradicionais. Além disso, o hip-hop expressa a rebeldia da juventude afro-descendente, tendendo a modificar o perfil dos ativistas do movimento negro; difundem o estilo sonoro rap, música cujas letras de protesto combinam denúncia racial e social, costurando, assim, a aliança do protagonismo negro com outros setores marginalizados da sociedade. Podemos elencar alguns passos institucionais importantes:Em 2001, o Brasil participou da Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, organizada pela ONU e sinalizou um compromisso internacional do país ante a redução das desigualdades raciais.

Em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, com status de ministério e em 2004 foi criado o Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial – CNPIR, em 2005, o governo federal instituiu o Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial – ANPIR. Em 2004 o Projeto de Lei 3627 instituiu reservas de vagas para alunos negros de escolas públicas, nas universidades federais e em 2005 foi criado o PROUNI pela Lei 11096/2005 que permite Programa Universidade para Todos e que favorece os negros. Em 2011 passou a funcionar a Universidade Federal da Integração Luso-afrobrasileiro – UNILAB. Apesar dos avanços no nível institucional, é na luta, no enfrentamento cotidiano e organizado dos negros e negras no seio das lutas populares, na construção de uma nova sociedade que os verdadeiros avanços são produzidos na sociedade. Conhecemos cedo a lógica da mercadoria cravada na própria pele. Nossa


resistência negra e quilombola representava já a luta contra um regime de mercantilização da vida. A resistência negra segue ecoando no maracatu, no samba, presente em nossas lutas. As fugas de nossas senzalas para formar quilombos ecoam nos versos de rebeldia de nossa juventude negra massacrada pela violência de Estado nas periferias de nossas grandes cidades. Seguimos sendo a quebra de nossas correntes, somos filhos de Xangô, somos nação nagô ecoando seu batuque. Somos negras e negros fujões, somos Zumbi e somos Dandara. Sendo um dos povos mais miscigenados do mundo, também reconhecemos que é da memória histórica desses homens e mulheres, que chegando nestas terras escravizados, violentados, contrariando o projeto colonial, se fez uma nova gente e imprimiu elementos de força e resistência na luta do povo brasileiro, único capaz de construir uma projeto de sociedade verdadeiramente democrático e popular.

INDICAÇÕES: FERNANDES, F. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. vol. 1 e 2. São Paulo: Àtica, 1978. CARVALHO, José, Mato, palhoça e pilão: o quilombo, da escravidão às comunidades remanescentes São Paulo, Expressão Popular, 2005 ORSO, P. jOSÉ, Educação e Luta de Classes , São Paulo, Expressão Popular; 2008. BOGO, Admar, IDENTIDADE E LUTA DE CLASSES, São Paulo, Expressão Popular, 2008 Paulo Freire:vida e obra, Ana Inês Souza, São Paulo, Expressão Popular, 2006 O que é Movimento Negro. In: http://bit.do/o-que-movnegro

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Cordel CAFIN Turma BA 2015

Minha gente, como começar? Não quero palavra cara Quero fácil de entender me faça uma rima rara No céu da bocado povo Que um foguete dispara Não adianta apagar Marcas da luta do povo Você tenta negar a história Mas nós contaremos de novo Somos índios, brancos, negros E nessa força eu me renovo Reunidos no CAFIN Construindo identidade de povo brasileiro Em luta por liberdade Avançando no projeto De uma nova sociedade E pra não perder o costume Volto aqui de enxerido Quando pensar em duvidar Compa, conte comigo Pra não esquecer o poema Que desafia o inimigo Antes de ir embora Deixo mais um recado Esse poema não é muito Pra quem deixou legado Zumbi, Dandara, Mahin Escudos, fuzil e machados.



Quando não souberes para onde ir, olha para trás e saiba pelo menos de onde vens, Provérbio africano

CULTURA AFROBRASILEIRA & IDENTIDADE NACIONAL

BAGUNÇA, CALUNGA, TAGARELA, FURDUNCIO, BANCAR, MANGUE, MUAMB MAMULENGO, URUCUBACA, LARICA, JABÁ, MOLEQUE, BANZO, GAMBÉ, REQUENGUELA, LERO-LERO, CARURÚ, CAFUÁ, MALUCO, GUIMBA, CAF TRIBUFÚ, PITO, TUNDA, BAMBERÊ, BOCA-DE-PITO, QUITUTE, MAXIXE, GOGÔ, COQUE, CAXAMBÚ, TANGO, CUÍCA, MACUMBA, DIAMBA, CAPENGA, ZUNZUM, DENGOSO, AXÉ, GARAPA, XEPA, GOROROBA, PAMONHA, ZIQUIZIR QUIZILA, JONGO, FUÁ, MINGAU, FUXICO, LAMBUJA, ABARÁ, BÚZIOS, LA


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