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Ney, a mil

Enquanto continua em turnê, a mais longa de sua carreira, um dos nossos mais ecléticos cantores já trabalha num novo álbum e é celebrado no Prêmio da Música Brasileira

por_ Kamille Viola ■ do_ Rio

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Ney Matogrosso tem apenas um dia para encaixar esta entrevista. Na véspera, voltou veloz de seu sítio, no interior do Estado do Rio de Janeiro, onde passou um feriado prolongado de pouco descanso encaixado entre duas viagens, a Portugal, em abril, e a Uruguai e Argentina, em maio. Em todos esses países, apresentou, mais uma vez, o repertório do disco “Atento aos Sinais”. Há meses, ultrapassou a marca dos 200 shows desse disco de 2013, que derivou em um CD e um DVD ao vivo, lançados em 2014, e na mais longa turnê da sua carreira. Em julho passado, foi homenageado no Prêmio da Música Brasileira pelo conjunto de sua obra vasta, rica, camaleônica. Já trabalha num novo disco, com inéditas, ainda sem data de lançamento cravada.

Com três álbuns lançados pela sua banda de estreia, o Secos & Molhados, e 34 em carreira solo, Ney tem espaço garantido na história da música nacional. Foi eleito pela revista “Rolling Stone” uma das três maiores vozes brasileiras de todos os tempos. É inventor de um estilo cênico único, inspirador de gerações depois dele. Um showman a toda prova, com experiência também nas letras, na cenografia, na iluminação e até mesmo na direção de cinema.

Ney está a mil. “Mas sem pressa”, define, enquanto celebra seus 76 anos de vida, 46 de carreira. “Este show vai até outubro, e aí, depois disso, vou ver o que vou fazer da vida. Por enquanto, estou selecionando repertório. Não estou preocupado em lançar agora, mas (o disco) tem músicas inéditas”, adianta.

A ideia inicial era gravar um álbum só com compositores ‘malditos’: Itamar Assumpção (1949-2003), Jards Macalé, Jorge Mautner e Luís Capucho. Porém, um desentendimento com um dos autores (ele não revela quem) o fez desistir. Apenas um dos inicialmente planejados continua no disco, que agora terá músicas de Chico Buarque, Milton Nascimento, Roberto Carlos e Sérgio Sampaio. “Itamar sempre estará”, garante Ney, que até hoje gravou 13 canções do paulistano. Se, nos últimos anos, o Nego Dito vem sendo lembrado e celebrado com mais frequência, ele acredita que ainda é pouco: “Não é um reconhecimento à altura do que ele merecia, porque acho Itamar um dos mais originais compositores.”

Sou transgressor, mas tenho bom senso, não sou porra-louca. Não sou aquele que vai atear fogo ao circo.”

Ney Matogrosso

O mesmo pode se dizer de Ney Matogrosso,artista de trajetória incomparável. Transgressor desde o início de sua carreira, com o grupo Secos & Molhados, nos anos 1970, ele conta que se assusta com o conservadorismo do mundo atual: “Quando eu achei que estava tudo liberado, que era permitido que as pessoas fossem diferentes, cada um à sua maneira, vi que o mundo estava regredindo. A evolução não é contínua e linear. Quando você observa o mundo, chega à conclusão de que são dois passos para a frente e um para trás.”

Ele conta que sua visão sobre a atualidade acaba influenciando sua obra. “Não posso separar as coisas: atrás do artista, está a pessoa, que pensa, que raciocina. Coloco no meu trabalho a minha conclusão sobre o que me incomoda e aquilo de que gosto, que eu também não sei só reclamar”, explica. Mas não acha que a onda planetária de conservadorismo deva levá-lo a quebrar mais tabus: “Se eu transgredir mais, não sei o que vou fazer (risos)... Sou transgressor, mas tenho bom senso, não sou porra-louca. Não sou aquele que vai atear fogo ao circo. O que faço é me posicionar, me colocar.”


Há três anos, Ney também acabou mudando os planos em relação a um desejo antigo: gravar um disco dedicado à obra de Caetano Veloso. “Essa ideia não se perdeu, mas, depois que falei (sobre a vontade) em entrevista, saíram dois trabalhos com cantores interpretando só Caetano. Achei que não precisava do terceiro. Mas não descarto, tudo tem o momento certo.” Ele cogita ainda outras homenagens: “Tem muita gente que admiro e que ainda não gravei. Gonzaguinha, por exemplo, cantei no Prêmio da Música (em 2016), nunca tinha interpretado. E muitos nomes do samba dos quais eu gosto. Eu faria o disco novo só com músicas que já tinham sido cantadas por outros artistas, daria a minha versão, mas estão surgindo coisas novas que estão me agradando, e eu vou botar também”, diz.

Outra coisa que causa espanto ao cantor é a agressividade nas redes sociais. “Não tenho nenhuma além do Instagram, porque não quero bater boca. As pessoas são muito agressivas, muito radicais. Eu preservo minha integridade emocional e mental. Demorei até a ter celular, comprei depois de que todo mundo tinha, porque viviam me enlouquecendo tanto... Eu não tinha interesse em ser achado a todo tempo, eu posso ficar quieto. É um modo de viver, e me deixa mais concentrado, claro. Não vou queimar neurônios e gastar energia. Prefiro ficar no meu canto, procurando disco voador”, diverte-se ele, que garante ter visto OVNIs diversas vezes. “Acho que eles nem querem mais contato com essa gentalha que acha que é o ápice da criação divina. E, quando falo ‘essa gentalha’, me incluo”, faz graça. “É tudo transitório.”

O raciocínio o leva a falar sobre a longevidade de sua carreira. “Parece que foi ontem (que comecei). Antigamente, quando eu pensava no ano 2000, imaginava: ‘Não vou viver até lá, é muito longe’... Enquanto eu conseguir, vou cantar. Porque (a corda vocal) é um músculo também e que, com a idade, se torna flácido. Eu sei que tem um limite, mas, enquanto eu não chegar ao limite, vou cantar”, promete. Sorte a nossa.

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Reviva alguns momentos da homenagem a Ney em ubc.vc/UBCnoPMB