NAIS: o caminho da recuperação

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Douglas Valle Elias Arcanjo Vanessa Soares


Douglas Valle Elias Arcanjo Vanessa Soares

NAIS: O Caminho da Recuperação

1ª EDIÇÃO

Gráfica: TCC Mais Cópia SOROCABA – SÃO PAULO 2015 1


Sumário 5 6 11 17

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edicamos este trabalho aos nossos familiares que, em todos os momentos de nossas vidas, estão ao nosso lado, fortificando as nossas estruturas e nos auxiliando a galgar degraus mais altos.

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Agradecimentos Apresentação As oportunidades —Conhecendo o Clube do Nais Leis e normas —Discorrendo sobre o Estatuto da Criança

e do Adolescente —O Sinase —Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo

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Mudando o paradigma —Sorocaba: as razões das mudanças

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O funcionamento do NAIS —O processo de acolhimento —Outras etapas do acolhimento —Os serviços oferecidos —Atribuições da equipe multidisciplinar

Mudanças à vista —Avaliando o Clube do Nais —Reorganização dos convênios com o Terceiro Setor —Sai o Clube, fica o Nais —Recursos financeiros Vs atendimentos no Nais

A importância do Nais para Sorocaba

Referências Bibliográficas

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Agradecimentos

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hegar até o fim de uma corrida não é fácil. Empecilhos tentam tirar o atleta de seu percurso: cansaço, fome, sede, falta de preparo físico, nível de dificuldade maior que aquele normalmente esperado, calor ou frio... Inúmeros são os desafios que se colocam no caminho do atleta, mas se este estiver realmente sedento de vitória e de realização pessoal, nada o deterá. Da mesma forma se deu a realização deste trabalho científico que sela uma fase de nossas vidas. Várias foram as adversidades durante todo o curso de jornalismo, contudo elas não detiveram o ímpeto de vencer a corrida a qual nos propusemos a enfrentar. Inicialmente, agradecemos a Deus, que nos auxilia desde o momento em que nos dispusemos a entrar na universidade. Somos gratos também aos nossos familiares que sempre nos apoiaram naquilo de que precisávamos. Sem essa base estrutural, seria difícil alcançar a linha de chegada. Nossos agradecimentos e votos de estima aos nossos professores. Todos, desde o primeiro semestre do curso, plantaram sementes em solos férteis. Prova disso é que estamos aqui, frutos da boa semeadura de vocês. Ao orientador deste trabalho, um agradecimento especial pela confiança depositada e pelas sugestões feitas durante todo o processo de elaboração deste livrorreportagem. Não podemos nos esquecer daqueles que fizeram os nossos dias mais felizes e prazerosos no ambiente acadêmico: os nossos amigos. Os momentos até aqui vividos jamais se perderão na história de nossas vidas, pelo contrário, ganharão páginas de destaque pois, sem amizade, passar quatro anos na universidade seria monótono e sem graça. Por isso, nossa imensa gratidão a vocês. A corrida foi dura, contudo, o pódio que nos espera após a linha de chegada recompensará todo esse esforço.

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Apresentação

O

número de adolescentes internados em instituições de ressocialização (por causa de atos infracionais) cresceu 38% nos últimos cinco anos. Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2008, 16.868 jovens cumpriam a medida socioeducativa da privação de liberdade. Já em 2013, esse número saltou para 23.221 adolescentes. As infrações penais que os jovens mais cometem são as de roubo (40.01%), tráfico de drogas (23,46%), homicídio (8,81%), ameaça de morte (5,65%) e furto (3,30%). De acordo com o estudo do órgão do Governo Federal, os estados com o maior número de adolescentes internados no ano de 2012 eram: São Paulo (8.497), Minas Gerais (1.411), Pernambuco (1.400), Ceará (1.080) e Rio de Janeiro. Um dos meios de se evitar que os atos infracionais cometidos por adolescentes resultem na penalidade mais rígida imposta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é intervir junto aos mesmos para que estes sejam recuperados, saindo da criminalidade para uma vida de respeito aos deveres legais de cada cidadão. Sorocaba é um município que buscou efetivar tal ideia. As autoridades ligadas ao atendimento do menor infrator na cidade resolveram se mobilizar no instante em que os índices de reincidência dos jovens nos atos infracionais cresciam exponencialmente. Essa preocupação foi imprescindível para que a cidade cumprisse com sua obrigação legal perante o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) de criar um Núcleo de Atendimento Integrado (NAI), responsável por acolher e prestar atendimento socioeducativo aos jovens que estão em conflito com a lei. Esse acolhimento, feito por meio de conversas com os adolescentes e suas famílias, através de atividades psicopedagógicas e recreativas, aliado ao engajamento dos profissionais envolvidos com a causa, deve criar 6

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um mecanismo de defesa que dê aos jovens condições para crescerem pessoal e profissionalmente. Para isso ocorrer, é necessário que o Ministério Público, a Vara da Infância e Juventude, a rede de serviços básicos ligados à educação, saúde, assistência social, desenvolvimento econômico e promoção de empregos funcionem conjuntamente. Isso demanda esforço das autoridades no sentido de priorizar o atendimento a essas questões, investindo recursos financeiros nas atividades, realocando pessoal para essas áreas, agilizando, assim, o processo de acolhimento do infrator logo que este é apreendido pelas forças policiais. E no que se refere ao trabalho da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal, as quais agem nas rondas ostensivas – assegurando a integridade física e moral dos cidadãos e na preservação dos seus bens –, este não deve ser apenas coercivo. É necessário que as corporações vejam a questão do ato infracional do ponto de vista social, compreendendo que esses jovens não se enveredam pela criminalidade por desejo próprio, mas, sim, porque as circunstâncias da vida os levam a trilhar esse caminho. É por essas e outras circunstâncias que os órgãos públicos, quando não conseguem impedir que os adolescentes cometam atos infracionais, devem compensar essa falha realizando um acolhimento de primazia com os jovens que já infringiram os códigos normativos. Esta ação pode não ser eficaz com todos os acolhidos nas unidades do NAI (como a de Sorocaba), mas impactarão positivamente na maioria dos adolescentes, impedindo que reincidam enquanto aguardam a estipulação da medida socioeducativa, dando a estes motivações e condições de batalharem pela vida que tanto desejam.

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AS OPORTUNIDADES

Sexta-feira, três da tarde, o Fórum com seu expediente normal, pessoas indo e vindo, buscando solução para seus problemas, sejam eles criminais ou cíveis. No prédio, localizado no Alto da Boa Vista, em Sorocaba, funcionam varas criminais, de família e sucessões, da fazenda, pública e cível. Nessa estrutura fria e cinzenta, dividida em dois blocos, são ouvidos os criminosos, as testemunhas e outros cidadãos, pessoas querendo a defesa de seus direitos. Nas salas de audiência, juízes proferem sentenças, promotores articulam suas alegações sobre os réus e as famílias assistem a tudo, muitas vezes atônitas, outras vezes aliviadas. Em uma sala, ao final do longo corredor ainda do primeiro andar, a Promotoria da Infância e Juventude, do Ministério Público, atende os adolescentes que são citados em atos infracionais e respondem a processos judiciais. Enquanto se aguardava a chamada para a entrevista com a promotora de justiça Ana Alice Mascarenhas, notaram-se três mulheres: uma senhora e duas jovens, todas cabisbaixas e com seus semblantes preocupados. O tempo passa e, com ele, há muitas cenas comuns ao local, mas que nada têm de comum às pessoas que não conhecem o dia a dia do Fórum. Jovens custodiados pela Fundação Casa eram conduzidos para a sala de audiência, algemados, olhos marejados, muitas vezes chorando, talvez com vergonha ou sentindo a falta de seus familiares e amigos. 10

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Contudo, a cena que mais marcou a espera de mais de duas horas foi a chegada de um adolescente, filho daquela senhora acompanhada das jovens que esperavam ao lado. Um encontro que gerou olhares, choro e comoção. Mas por qual motivo esses jovens chegam a essa situação? Segundo José Augusto de Barros Pupin, titular da Delegacia da Infância e Juventude de Sorocaba, assim como qualquer ser humano, o jovem também quer ter seu tênis de marca, sua vida social mais regrada. E se a família não tem condições para lhe oferecer isso, ele busca outros meios, caindo no submundo do crime. “O adolescente vê a propaganda na televisão. Nela, uma mulher bonita, atrás um tênis bonito, uma camisa da moda, e ele pensa: ‘por que só rico pode ter? Eu também quero!’ Só que esse adolescente não tem dinheiro, a família é humilde, muitas vezes desestruturada. Com isso, acaba indo buscar dinheiro fácil – e vai para o crime.” A partir desse ponto, os adolescentes que cometem ato infracional, seja ele de natureza grave ou leve, acabam sendo encaminhados ao Fórum para serem ouvidos na Vara da Infância e Juventude, e acabam, muitas vezes, sendo as personagens das cenas descritas acima. Mas vê-los dessa forma, em alguns momentos indefesos (ou, pelo menos, parecendo indefesos) e outros com aqueles olhares vazios, dizendo: “eu fiz, eu assumo”, tentando mostrar uma autonomia ainda ineficiente (já que diante do relatado, são apenas crianças que por algum motivo desviaram o seu caminho), nesse momento uma pessoa comum pode pensar: “Mas como são tratados ao chegarem ao local?” De acordo com a promotora Ana Alice, ao chegarem, eles são ouvidos em mais de um momento pelo Ministério Público. “Na oitiva informal, quando estão em liberdade e nós ouvimos esse adolescente, colhendo por tema suas declarações, e ainda na chegada ao MP custodiado, ou seja, apreendido em flagrante delito, seja por roubo ou por infrações do gênero, este atendimento acaba sendo diferente,” analisa. Ainda segundo ela, no momento em que o jovem chega à promotoria, o intuito é entender os motivos que o levaram até ali. “Nós ouvimos o adolescente e tentamos não dar um choque de realidade. A gente tenta, na verdade, entender por que ele cometeu aquele ato, por que ingressou na vida do crime e ver se é o caso de aplicar uma medida 12

socioeducativa ou a remissão sem medida”. Ana Alice explica que, quando o adolescente está diante dela, acontecem várias reações. “Notamos que, quando eles chegam à oitiva informal soltos, acabam confessando mais. Chegam despreocupados, alguns até zombando, já vêm com perfil de rebeldia, de enfrentamento, principalmente se o promotor não está junto”. Ela conta que, quando eles já chegam custodiados, tendem a falar mais da infração. “Alguns, quando é a primeira vez, confessam mais e, quando vão para a audiência, que já estão reiterados (provavelmente já sabendo que vão para a medida e que a medida final é a internação) negam, mas assim você vai percebendo que os jovens confessam bastante”. E qual será a outra medida, já que a final é internação e, neste caso, a Fundação Casa? O ingresso em uma unidade de ressocialização que aplique a medida socioeducativa aberta, reconhecida pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), denominada NAI – Núcleo de Atendimento Integrado. Em Sorocaba, há o Clube do Nais, que, desde 2007, integra esses jovens com medidas socioeducativas, avaliando-os e colocando-os novamente em contato com as práticas educacionais, esportivas, de saúde e assessoria jurídica. — Conhecendo o Clube do Nais Sabendo que Sorocaba conta com este serviço (e é para lá que os jovens são encaminhados a cada ano), é preciso entender quais os procedimentos adotados pelo programa, em que momento o adolescente pode ser encaminhado ao local e como será atendido. Estas são algumas das perguntas que pais, parentes e sociedade fazem sobre as atividades desenvolvidas no Clube do Nais e que motivaram a pesquisa e a produção deste livro. Ao longo deste capítulo, a obra apresenta informações sobre as instalações da entidade e o primeiro atendimento ao jovem. O que vem nos capítulos seguintes são informações sobre sua estrutura organizacional, de funcionamento, dados sobre o atendimento e a sequência do trabalho para os próximos anos, além de entrevistar autoridades de diferentes áreas, 13


equipe técnica e de suporte, ou seja, pessoas envolvidas com a idealização, a implantação e a manutenção do Clube do Nais. Esta obra também traz, ao longo de suas páginas, dados, registros e normas do serviço, resultados da apuração colhidos ao longo de pesquisas de campo e a colaboração das fontes consultadas. A proposta deste livrorreportagem, portanto, também é documentar a experiência de Sorocaba no atendimento aos jovens encaminhados à medida socioeducativa a ser cumprida no Clube do Nais. Busca-se, desta forma, poder contribuir com futuras pesquisas e com a preservação dessas informações que podem ser úteis para a própria cidade ou para outros municípios e órgãos envolvidos e interessados no tema. Localizado na Avenida Comendador Pereira Inácio, 2.239 (antiga sede da AABB - Associação Atlética do Banco do Brasil), o clube tem, em sua estrutura, salas de aula, de acupuntura, atendimento social, campos e quadras de esportes, horta e espaço de convivência. Segundo Miriam Yasuda, coordenadora do programa, isso serve para que o jovem que chega ao local, muitas vezes marginalizado, sinta-se acolhido. “Por que o espaço de um clube? Não porque ele mereça, mas porque ele talvez necessite desse acesso e desse sentimento de pertencimento”, salienta. A coordenadora deixa claro que a sociedade tem o direito de questionar o fato de esses jovens serem beneficiados pelo serviço, mas é preciso entender que, muitas vezes, essa é a única forma de se ter algo de qualidade por meio lícito. “Daí a sociedade vem com questionamentos: ah, mas meu filho não comete ato infracional e não tem acesso ao judô, não tem acesso à acupuntura, não tem acesso à música. A resposta é ‘graças a Deus que ele não cometeu ato infracional.” De acordo com o promotor Antônio Farto Neto, antes de Sorocaba, apenas Americana e São Carlos tinham unidades do NAI instaladas. “O Clube do Nais não é nenhuma criação de Sorocaba: nós já tínhamos um sistema muito parecido com o Nais na cidade de Americana e outro sistema semelhante em São Carlos. Nós fomos visitar aquelas duas unidades e o que eles faziam era tentar cumprir um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, que determinava a proximidade dos mecanismos de proteção quando se tratava de um ato infracional, se possível no mesmo espaço”. Diante desses fatos apresentados e das fontes consultadas para este livrorreportagem, a conclusão é que o Clube oferece um serviço de extrema 14

relevância para a cidade, pois, conforme o promotor Farto Neto acentua em sua fala, mesmo o adolescente não sendo obrigado, ele busca o acolhimento no programa. “O que é interessante é que esse acolhimento passou a existir de forma voluntária: o adolescente era encaminhado para ser atendido pelo Nais, mas não havia, em princípio, algo que determinasse ou que obrigasse esse adolescente (ou sua família) a procurar a entidade porque não havia ainda ocorrido uma intervenção judicial, não havia uma ordem judicial para que ele tomasse tal atitude. E o desafio de fazer um atendimento bem feito foi vencido na medida em que a grande maioria dos adolescentes, autores de atos infracionais, acabava sendo encaminhada para o Nais e se vinculava aos programas que estavam previstos lá. E essa vinculação permitia, num momento oportuno do processo, que o promotor e o juiz, muitas vezes, deixassem de aplicar uma medida socioeducativa para aquele adolescente porque ele já havia compreendido a natureza do seu ato infracional e já havia sido ressocializado de certa forma. Então, o Nais veio em um momento muito importante da cidade de Sorocaba – da comarca de Sorocaba – e prestou um serviço de relevante valor social para a cidade”. Após uma análise sobre os dois momentos apresentados, é possível entender o porquê deste adolescente, mesmo não sendo obrigado, procurar o atendimento do Clube do Nais em Sorocaba: entre ser atendido em um local frio e cinzento, chegando algemado e ver sua família sofrendo, e estar em uma estrutura preparada para um acolhimento a ele e sua família, é óbvio que, mesmo sabendo da gravidade de seus atos, o jovem, sendo encaminhado, estará presente. Ao longo desta obra, será possível conhecer e entender um pouco mais sobre o que originou o serviço por meio de um conteúdo expositivo a respeito das leis que abrangem os adolescentes, dos fatos que levaram à criação do Clube do Nais e dos métodos de trabalho utilizados pela equipe que atua na execução das medidas socioeducativas. No decorrer do texto, não será exposta a visão do jovem que é atendido no Núcleo de Atendimento Integrado de Sorocaba, mas sim, das autoridades legais e sociais que trabalham para que este saia das margens da Lei e trilhe um caminho melhor para a sua vida. Além disso, em meio a tantos rumores a respeito do futuro do Clube do Nais, o livro irá revelar qual fim terá esse programa de atendimento a adolescentes infratores na cidade de Sorocaba. 15


LEIS E NORMAS

Discorrendo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), código normativo que defende os direitos dos menores de idade no Brasil, foi criado pela Lei 8.069/1990 oferecendo maior proteção aos interesses dos infantes e adolescentes, dando a estes um tratamento mais apropriado às condições psicossociais em que essa faixa etária se enquadra. Ele também passa a tratar o menor que infringe a legislação de maneira diferenciada, não se limitando à penalização de reclusão, mas visando à reestruturação desse indivíduo. De acordo com Saraiva (1999, p. 15), “houve a partir daí um rompimento com os procedimentos anteriores, com a introdução no sistema dos conceitos jurídicos de criança e adolescente, em prejuízo da antiga terminologia ‘menor’. (...) Pelo novo ideário norteador do sistema, todos aqueles com menos de 18 anos, independentemente de sua condição social, econômica ou familiar, são crianças (até doze anos incompletos) ou adolescentes (até 18 anos incompletos), segundo o art. 2º da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), qualificando-se como sujeitos de direito e obrigações. O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 103, configura ato infracional como a conduta caracterizada por crime ou contravenção penal. De acordo com Saraiva (1999, p. 31), “na própria definição da espécie inclui a garantia da observação do princípio da tipicidade, que exige subsunção da conduta àquela descrita pela norma penal.” O tipo penal, de acordo com Heleno Cláudio Fragoso, é um Modelo 16

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Legal de comportamento proibido; ou seja, a descrição pelas normas judiciárias vigentes do cometimento de um ato proibido por lei. Já Mirabete “(...) define tipicidade como a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural, concreto, e a descrição contida na lei, ou seja, a realização de conduta (positiva ou negativa) proibida em lei.” (SARAIVA, 1999, p. 31). Partindo dos princípios expostos, o ato infracional só pode ser considerado se houver uma tipificação penal que o preveja em um código de leis normativo. Sobre o tema, Saraiva (1999, p. 32) discorre que Assim, por exemplo, para haver consumo de substância tóxica passível de configurar o tipo penal previsto no art. 16 da Lei 6.368/76 (Lei antitóxicos), e consequentemente haver ato infracional, há a mencionada substância listada entre aquelas relacionadas pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia como proibida e ilegal. Também assim o simples fato de o jovem andar na rua não constitui ato infracional, ao contrário, seu recolhimento seria uma violação de seu direito de ir e vir, passível de ser protegido por habeas corpus, que é uma garantia constitucional, de conteúdo processual penal, a qual pode o jovem socorrer-se, podendo impetrá-lo em nome próprio ou alguém fazê-lo em seu favor, cabendo, a toda evidência, o seu deferimento de ofício pelo juízo.

O tratamento da criança e do adolescente difere quando ocorrem atos de conduta descritos como delitos ou contravenções penais. “(...) A criança infratora fica sujeita a medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA, que implicam um tratamento através de sua própria família ou na comunidade, sem que ocorra privação de liberdade. Por sua vez, o adolescente infrator pode ser submetido a um tratamento mais rigoroso, como são as medidas socioeducativas do art. 112. que podem implicar privação de liberdade. (...)” (SARAIVA, 1999, P. 28). As medidas de proteção podem ser aplicadas a crianças entre 8 e 11 anos de idade quando seus direitos forem ameaçados ou violados pela omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais e responsáveis; e em razão de ato infracional. (MILANO FILHO, MILANO, 2004). O encaminhamento aos pais ou responsáveis por meio de termo circunstancial deve ser aplicado de acordo com dois fatores: a medida 18

deve ser ministrada quando os acontecimentos que envolveram a criança não forem de natureza grave; já a família deve ser evidenciada na questão, para que esta também seja assistida pelo Estado em programas de orientação social (ECA, art. 101, IV). A obrigação de a criança estar matriculada e frequentando uma instituição de ensino fundamental é uma medida de extrema valia para que o menor venha a adquirir estrutura cultural. Destaca-se aqui a relevância da família e da escola no acompanhamento da frequência e das notas do menor, pois, somente assim, a medida protetiva terá o efeito desejado. (MILANO FILHO, MILANO, 2004) Dependendo do quadro de saúde da criança, a medida protetiva que dispõe sobre o tratamento médico, psicológico e psiquiátrico em regime ambulatorial ou hospitalar deve ser posta em prática (ECA, art. 101, V). Para isso, o aparelhamento da rede pública de saúde deve dar prioridade para esse atendimento, quando, é claro, a instituição não conta com tais recursos. Quando o menor se encontra em situação de vulnerabilidade à dependência do álcool ou drogas, o juiz da Vara da Infância e Juventude pode incluí-lo em um programa de auxílio, orientação e tratamento dos efeitos do alcoolismo ou de entorpecentes. (ECA, art. 101, VI) Segundo Milano Filho e Milano (2004, p. 108), “com relação ao abrigo em entidade e colocação em família substituta (incisos VII e VIII), temos que a primeira, preservando seu caráter excepcional, seria uma forma de passagem para a segunda, como dispõe o § único do artigo 101; contudo, sabemos que, na prática, muitas crianças e adolescentes acabam em casas de abrigo por lapso temporal superior ao devido, justamente por falta de família, quer a de origem, quer substituta. Inexistindo pessoas interessadas em tê-los, restará a casa de abrigo e seus ocupantes como a própria casa e família do menor.” Já no que toca aos adolescentes, a primeira medida socioeducativa estipulada é a advertência verbal ao infrator e aos seus pais ou responsáveis (ECA, art.115, II). A segunda ação, que é vista com grande valia em razão de seu valor reeducativo, é a reparação de dano, na qual o menor corrige o seu ato reavendo o bem material ou físico a que ele trouxe dano, além da 19


possibilidade de ele prestar serviços à comunidade de forma assistida pelo Estado (ECA, art. 116, III). A liberdade assistida, terceira medida socioeducativa prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, consiste no acompanhamento do menor infrator por um agente público, o qual irá disciplinar e conduzir o jovem no âmbito educacional e social (ECA, arts. 118 e 119, V). A quarta medida consiste na semiliberdade, na qual o menor é liberado para trabalhar e estudar durante a manhã e à noite ele é recolhido à entidade de ressocialização (ECA, art. 120, VI). Já a internação, quinta e última medida socioeducativa, retira o direito à liberdade do menor quando este é apreendido em função da prática de delito grave ou hediondo, o qual coloca em risco a vida das demais pessoas, em casos de reincidência em um ato infracional de menor gravidade ou no caso do descumprimento de uma medida estipulada anteriormente pela Justiça (ECA, art. 122, VII). Quando internado em uma instituição de ressocialização, o adolescente deverá ter acesso à educação e à profissionalização. Este não poderá ficar no regime de restrição de liberdade por no máximo três anos e, quando aos vinte e um anos, este ganha a liberdade compulsória. —

O SINASE

O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo foi criado por meio da Lei 12.594, a qual foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em janeiro de 2012. A esse novo sistema era atribuída a tarefa de organizar a execução das medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes que cometeram o ato infracional. Coordenado pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Sinase também é regido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pela Resolução 119/2006 do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) e pelo Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo. 20

O principal objetivo desse sistema é fazer a articulação entre os governos estaduais e municipais, o judiciário e a rede de serviços básicos (saúde, educação, assistência social e cultura), de modo que as medidas socioeducativas cumpram com sua finalidade essencial: ressocializar os adolescentes que cometeram delitos. O Sinase atribui a cada ente federativo a sua responsabilidade para que as ações de ressocialização dos jovens infratores sejam implementadas. De acordo com o texto, à União cabe formular e coordenar a aplicação da política nacional de atendimento socioeducativo, prestar assistência técnica e financeira para que Estados e Municípios desenvolvam seus sistemas de aplicação de medidas socioeducativas. Ao Estado brasileiro também cabe a função de estabelecer diretrizes para o funcionamento das unidades e dos programas que trabalham com esse público-alvo, além de divulgar os recursos financeiros empregados no sistema socioeducativo. Às unidades federativas, além de alinharem-se com a normativa nacional, estas devem criar programas de atendimento para a execução de medidas socioeducativas em semiliberdade ou internação. Os Estados também precisam garantir defesa técnica ao adolescente que está respondendo judicialmente pela prática do ato infracional. Já os municípios devem elaborar seus Planos Municipais de Atendimento Socioeducativo, criar e manter programas de aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto. A Lei 12.594/2012, que estabeleceu o Sinase, também determina que os governos municipais devem informar os dados dos atendimentos realizados ao Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, visando manter o sistema atualizado da realidade local. —

Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo

O município de Sorocaba, visando atender ao que preconiza o Sinase, buscou desenvolver um plano que sistematizasse e orientasse as diretrizes de atendimento ao jovem infrator que está cumprindo me21


didas socioeducativas estipuladas pelo Judiciário. Para empreender esse trabalho, a atual gestão do governo municipal da cidade reuniu a rede que atua com esses adolescentes das mais diferentes formas. Participaram da elaboração do texto as equipes do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), das Organizações Não Governamentais que operam os sistemas de Liberdade Assistida (LA), Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e Semiliberdade, além das Unidades de Atendimento Inicial (UAI) e de Internação Provisória (UIP) da Fundação Casa. Coube a essa união de saberes reunir as determinações nacionais e estaduais que se referem à aplicação das medidas socioeducativas e evidenciar como as secretariais municipais de Sorocaba, órgãos sem fins lucrativos e a sociedade civil podem agir de modo a promover o atendimento integral aos adolescentes infratores e suas famílias. Esse processo se deu em três etapas. A primeira consistiu em um evento da Secretaria de Desenvolvimento Social no qual a chefe da pasta, Edith Di Giorgi, explanou a respeito da importância de fortalecer as medidas socioeducativas aplicadas em meio aberto. Posteriormente, foi realizada a proposição das ações, objetivos e metas do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, sendo que esta deveria abranger os temas de educação e profissionalização, saúde, cultura, esportes e lazer, passando também pelos conceitos sociais de abordagem familiar e comunitária, além da prevenção do ciclo da violência. Para realizarem essa etapa, as pessoas que compunham o grupo de trabalho responsável pelo plano foram divididas em subgrupos, sendo que cada qual ficou incumbido por uma área específica, submetendo as ideias aos parâmetros estipulados pelo Sinase. Essa fase de discussões durou sete semanas, resultando em eixos estratégicos que foram incorporados ao texto preliminar do plano. Por fim, após a conclusão do texto, o Plano foi colocado para consulta pública da população sorocabana entre os dias 03 e 05 de novembro de 2014. Naquele momento os cidadãos tiveram a oportunidade de conhecer quais eram as propostas elencadas pelos grupos de trabalho responsáveis pela elaboração do projeto. Após isso, foi realizada uma apresentação final do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo 22

e a submissão da obra ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente para apreciação e deliberação. Após o conselho aprovar os ajustes necessários ao texto, o Plano foi colocado em vigência e consolidou a municipalização da política de atendimento às medidas socioeducativas em meio aberto em Sorocaba. Segundo a obra aprovada pela Prefeitura de Sorocaba, a prática das infrações penais cometidas por adolescentes (principalmente as que se originam da desigualdade social) pode ser extinguida e modificada através de intervenções preventivas e também por meio da ampliação e da integração das políticas públicas de educação, saúde, trabalho, cultura, esportes e lazer. O desenvolvimento de tais ações precisa atender às carências, aos anseios e às habilidades dos adolescentes. (SOROCABA, 2014). De acordo com os técnicos envolvidos na elaboração do texto, uma das principais formas de mudar o curso da vida dos jovens envolvidos com a criminalidade é por meio da formação social. Através deste recurso, os executores dos objetivos do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social de Sorocaba, podem “fomentar o exercício da autonomia e da responsabilidade a partir da exigência e da compreensão, primando pelo respeito à diferença e à diversidade, a fim de que possam relacionar-se consigo e com os outros, sem reincidir na prática infracional.” (SOROCABA, 2014.)

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MUDANDO O PARADIGMA

Sorocaba: as razões das mudanças

A morosidade do judiciário em executar as sentenças dos casos de atos infracionais era notória no início da década de 2000. Os casos que envolviam menores de idade apreendidos em flagrante eram registrados pelas delegacias da cidade, as quais eram responsáveis por encaminhar os boletins de ocorrência para o Promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude de Sorocaba. Entretanto, a Promotoria dava prioridade aos casos mais graves e, com isso, os casos de atos infracionais mais leves ficavam parados nos cartórios de execução penal, aguardando sua execução, que era feita após o prazo médio de oito meses. Esse período de espera tornou-se um empecilho para a aplicação de medidas socioeducativas. Além disso, quando os jovens eram ouvidos pela Justiça e esta propunha a aplicação de medida socioeducativa, os procedimentos jurídicos ficavam novamente parados. Isso ocorria pelo acúmulo de ações à espera de execução, tendo casos em que os adolescentes eram chamados em juízo, para o início do cumprimento da medida, somente após dois anos da prática do ato infracional. Esse cenário de lentidão acabava por influenciar a reincidência dos menores na criminalidade, já que eles poderiam cometer atos ilícitos de menor potencial sem se preocupar em pagar por tal ação. Essa situação foi se agravando até que, em 2005, ficou evidente o aumento dos índices de criminalidade envolvendo crianças e adolescentes. De acordo com o deputado federal Vitor Lippi, prefeito da época, um dos 24

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fatores que influenciaram no crescimento da apreensão de infratores na cidade foi a mudança nas diretrizes de trabalho da Guarda Civil Municipal de Sorocaba: “(...) então a GCM, que anteriormente tomava conta dos prédios dos próprios municipais, passou a ter uma ação muito mais ostensiva, fazendo vigilância dos parques da cidade, e isso aumentou, inclusive, o número de flagrantes de jovens fazendo tráfico de drogas.” Com isso, a GCM passou a realizar ações de combate ao crime apreendendo os infratores, drogas, objetos alvos de furto e roubo, além de apreender menores em ato infracional. Ainda segundo Lippi, o aumento do número de adolescentes apreendidos pelas forças policiais foi o estopim para que um grupo de pessoas preocupadas com a situação se unisse na busca de uma solução viável para este problema, de modo a reverter o quadro de ascendência da ilicitude entre os menores: “Então a equipe de Sorocaba foi até lá e nós resolvemos montar um núcleo de atendimento a estes jovens para que, antes do julgamento deles, já fosse criada uma primeira oportunidade de abordagem de ressocialização, de orientação, de apoio a esse jovem. E aí eu, com o idealismo que a gente gosta de ter, pensei comigo: se a gente criar isso, temos que criar um ambiente bom, um ambiente saudável, um ambiente de motivação, que não tenha grades, mas que possa ter oportunidades, que a gente possa acolhê-los da melhor forma possível.” A Promotoria da Infância e Juventude, do Ministério Público do Estado de São Paulo, então chefiada pelo promotor Antônio Farto Neto, em conjunto com o Poder Executivo de Sorocaba e a Delegacia da Infância e Juventude, além da Deputada Estadual Maria Lucia Amary e de vereadores da cidade, como o edil Hélio Godoy, lançaram a proposta de se criar um serviço para atuar junto aos jovens por meio de ações preventivas, rápidas e efetivas. Para isso, seriam colocadas em prática intervenções de cunho técnico e social àqueles que aguardavam uma posição da Lei. Visando implementar tal ideia na cidade, foi criado um grupo de trabalho com a participação dos representantes já mencionados, além do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil. Uma das bandeiras levantadas pelo grupo na defesa por novos rumos na aplicação de penalidades aos menores foi a de que o Estado 26

O delegado José Augusto de Barros Pupin, foi uma das autoridades locais que colaboraram na criação do Clube do NAIS.

deveria se mobilizar logo no primeiro sinal relevante da violação de leis. O objetivo da proposta era que alguma ação fosse tomada logo após o jovem infrator ter seu ato infracional lavrado nos plantões policiais. Com isso, mesmo que a natureza da intervenção a ser imposta ao infrator fosse leve, ele já teria a convicção de que o Estado estaria agindo de modo a acompanhar sua situação de vida e trabalhar aspectos socioeducativos. Isso resultaria na reversão da ideia “o adolescente infrator não é punido”. Com essa propositura, a equipe trabalhou para que o projeto que estava sendo levantado fosse realizado na perspectiva da prevenção de criminalidade. Sobre essa ideia de prevenção, Saraiva (2002) explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente se estrutura com base em um tríplice sistema de garantias: primário, secundário e terciário. Segundo ele (2002, p.24): Esse tríplice sistema de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidas sócio-educativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapar ao sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com a lei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceiro sistema de pre27


venção, operador das chamadas medidas socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justiça (Polícia/Ministério Público/Judiciário/Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas).

Para efetuar essa prevenção, o grupo desejava que fosse implantado na cidade um programa de assistência aos jovens vulneráveis, de modo a cumprir, a partir daí, o disposto no Artigo 88, inciso V do ECA, que recomenda o atendimento imediato ao adolescente e jovem infrator. Porém, a interpretação do Inciso I, do art. 35 da Lei do Sinase (Brasil 2012): “ Art.35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: I - Legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto”, permitia que os mecanismos de inclusão social existentes não fossem aplicados. Contudo o Art. 38 da lei 9099, de 26 de setembro de 1995 diz que “Art.88. Além das hipóteses do Código Penal e da Legislação Especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas” (BRASIL, 1995). Assim, criou-se um certo atrito entre as leis. Segundo Vanderlei da Silva (2013), desde a edição da última lei supracitada, nenhum adulto poderia ser processado por crimes como lesões leves, ameaças ou danos se não houvesse um pedido expresso da vítima, fato que não acontecia com os menores de 18 anos, ou seja, estes deveriam cumprir suas “penas”, independentemente de ser dada ou não queixa por parte da vítima. Em 2006, uma mudança ocorrida no Estado de São Paulo contribuiu para que Sorocaba visse com outros olhos a questão envolvendo o menor infrator. A Fundação Casa, órgão estadual responsável por executar a medida de internação dos adolescentes em conflito com a lei, iniciou um processo de compreensão e execução dos entendimentos estipulados pelo Sinase, entre eles estava a municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto. A alegação feita pelo órgão para justificar tal alteração era de que os municípios tinham plenas condições de operar a execução dessas medidas, já que ele está mais próximo da realidade dos menores infratores. Essa mudança dos gestores das medidas socioeducativas em regime aberto consta do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo 28

do Sinase, o qual, em uma de suas metas, estabelece que todas as capitais estaduais, o Distrito Federal e municípios das Regiões Metropolitanas implantem uma unidade do NAI – Núcleo de Atendimento Integrado. Esse núcleo seria responsável por acolher os adolescentes que cometeram ato infracional e aplicar a eles uma série de atendimentos psicossociais, além de atividades socioeducativas. E para Sorocaba cumprir com esse entendimento da União, o grupo de trabalho focado em encontrar uma solução para a questão da aplicação de medidas socioeducativas passou a defender a implantação de um projeto que atendesse essa população jovem vulnerável, objetivando cumprir o que está disposto no Artigo 88, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente. O código normativo recomenda o acolhimento imediato aos adolescentes e jovens com idade entre 12 e 18 anos, que aguardam os trâmites legais do processo no qual estão envolvidos, visando impedir ou diminuir a reincidência de ato infracional e dar a estes menores a possibilidade de construírem vidas melhores com o auxílio de uma equipe multidisciplinar. Os integrantes da equipe passaram, então, a procurar modelos de projetos que assistiam menores infratores que aguardavam decisão judicial. Com isso, foram visitados os Núcleos de Atendimento Integrado dos municípios de Americana e de São Carlos, ambos no interior do estado de São Paulo. Além disso, os trabalhos desenvolvidos pela Fundação Criança, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, também serviram de base para o grupo de Sorocaba formular um escopo daquilo que seria implantado na cidade. Em 2005, a Câmara Municipal de Sorocaba realizou uma audiência pública para debater os problemas e as soluções para a questão da aplicação de medidas preventivas com os menores infratores. O encontro serviu para fortalecer ainda mais a ideia da criação de um Núcleo de Atendimento Integrado no município. A primeira proposta que surgiu para a implementação do projeto sorocabano foi uma parceria com o Lar Escola Bethel, instituição não governamental que desenvolve projetos socioeducativos com crianças e adolescentes na cidade e que mantém um abrigo para a defesa de menores expostas a riscos sociais (abandono, violência e exploração). Entretanto, as negociações entre o poder público municipal e a enti dade não avançaram (MARTINS, 2012). A partir daí, novas buscas e conversas 29


foram realizadas a fim de encontrar um meio de concretizar o projeto almejado. Em 2006, um convênio foi firmado entre a Prefeitura de Sorocaba e o Serviço de Obras Sociais – SOS, organização não governamental que trabalhava, até então, com o acolhimento de moradores de rua, tornando a ONG responsável pela aplicação do projeto do Nais em Sorocaba. Com a definição do operador do mecanismo de ações preventivas, o Município e o SOS passaram a buscar locais que pudessem abrigar o projeto. De início, a proposta era de que o Nais fosse implantado na Associação Atlética Scarpa (Clube Scarpa), a qual já havia sido um complexo de lazer, com campos de futebol, pista de atletismo, piscinas e sede social. Outro fator que pregava a favor do Clube Scarpa era sua localização: em uma travessa da rua Comendador Oeterer, no Além Linha, próximo ao terminal de ônibus Santo Antônio, o que facilitaria o acesso dos adolescentes e jovens ao projeto. Contudo, as negociações foram paralisadas já que os moradores da região se mobilizaram a fim de impedir a instalação do Nais. E eles conseguiram (SILVA, 2013). Outra possibilidade colocada em discussão foi a de implantar o projeto em uma casa que estivesse ao lado ou próxima a um centro esportivo. Contudo, a propositura não avançou já que o grupo instituidor do Nais entendia que o projeto necessitava de uma sede com características próprias, que viesse identificá-lo, torná-lo referência para a juventude, em especial nos aspectos esportivos e recreativos. Em razão desse fato, o local que surgiu como a alternativa mais viável aos objetivos do grupo foi um imóvel localizado na Avenida Juvenal de Campos, próximo ao aceso à Rodovia Raposo Tavares. O espaço particular, com 25 mil metros quadrados, tinha um amplo salão de eventos, salas para atendimentos, quadra poliesportiva, campos de futebol e vestiários. Como o imóvel (que foi a antiga sede da Associação Atlética do Banco do Brasil) estava fechado há bastante tempo, foi necessária uma ampla reforma da estrutura. A Prefeitura de Sorocaba fez a locação da propriedade e os custos da reforma e implantação do Nais foram arcados com verbas do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente, com recursos próprios da instituição gestora (SOS) e com receitas do orçamento do Município de Sorocaba (SILVA, 2013). A intenção dos idealizadores era de que o Nais fosse um espaço difer enciado, atrativo aos adolescentes. De acordo com o ex-prefeito Vitor Lippi, a 30

ideia do poder público municipal era dar aos jovens meios que assegurassem a participação dos mesmos nas atividades. “A ideia era dar a esse jovem algo que eles nunca tiveram porque a maioria desses jovens vinha, muitas vezes, de famílias carentes, desestruturadas, com grandes dificuldades, dos bairros mais difíceis e com maior risco social da cidade. Então oferecer um clube, um lugar bom e bem estruturado para esse jovem, iria motivá-lo a vir para o Clube do Nais, já que ele não teria a obrigação de vir ao projeto”, conta.

O então prefeito de Sorocaba, e hoje Dep. Federal, Vitor Lippi, conta que a ideia dos envolvidos na criação do NAIS era de instalar o serviço em um local que fosse atraente para os adolescentes.

O promotor de justiça Antônio Farto Neto conta que aquele novo modelo de atendimento visava oferecer para o adolescente autor de ato infracional um acolhimento diferenciado: “nós tivemos um apoio muito grande, na época, da deputada Maria Lucia Amary e do prefeito Vitor Lippi, que entendeu a necessidade de dar um acolhimento não repressor, não policial, judicial, para o adolescente autor de ato infracional, mas um atendimento socioeducativo, um atendimento acolhedor desde o primeiro momento, da prática do ato infracional até a finalização da medida socioeducativa”. No espaço do clube, o viés socioeducativo seria o carro-chefe das atividades a serem realizadas nas dependências do local. No dia 8 de outubro de 2007 foi inaugurado o Clube do Nais, um espaço destinado a oferecer atendimento multidisciplinar ao jovem que 31


cometeu um ato infracional de menor potencial ofensivo, de modo que este tenha o apoio necessário para reconduzir os caminhos de sua vida, não voltando a cometer novos delitos. A sistematização dos trabalhos do Clube do Nais foi oficializada por meio da Lei Municipal 8.627, de 04 de dezembro de 2008, que trata da proteção integral à criança e ao adolescente, com o objetivo de assegurar seus direitos fundamentais. Entre os principais destaques abrangidos por esta legislação está o Fundo da Criança e do Adolescente, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar, além do Nais. Na legislação promulgada pelo então prefeito Vitor Lippi, o Nais torna-se responsabilidade do governo municipal, vinculado às secretarias da Cidadania, da Juventude e de Governo e Planejamento. O texto diz que, enquanto não houver a integração operacional de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Segurança Pública e Assistência Social em um mesmo local, as medidas imediatas de acolhimento social ao adolescente infrator e à sua família deverão ser realizadas junto ao Clube do Nais – Núcleo de Acolhimento Integrado de Sorocaba. Segundo o disposto no Artigo 9 da Lei 8.627/2008, caberá ao Nais oferecer aos menores infratores e a suas famílias: I - Orientação jurídica acerca da responsabilidade decorrente da prática de ato infracional; II - Orientação psicológica, com investigação das razões que levaram o adolescente à prática, em tese, de ato infracional; III - Orientação social, quando se verificar que o adolescente se encontra em situação de risco social, ou de vulnerabilidade social, em decorrência da situação social de sua família, ou de seus responsáveis; IV - Orientação pedagógica, quando se verificar deficiência do adolescente em sua escolarização, encaminhando-o, por ofício, para imediata matrícula escolar, quando assim se fizer pertinente; V - Acompanhamento do adolescente e sua família, junto à rede social de proteção, se assim se fizer pertinente; VI - Acompanhamento do adolescente autor de ato infracional não considerado grave, junto ao Distrito Policial e mesmo nos Plantões 32

Policiais, quando da lavratura de boletim de ocorrência; VII - Acompanhamento do adolescente junto ao IML - Instituto Médico Legal e ao IC - Instituto de Criminalística; VIII - Acompanhamento do adolescente junto ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Fundação Casa e às entidades responsáveis pelas medidas sócio-educativas de Semiliberdade, Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade; IX - Encaminhamento do adolescente e sua família para a rede pública de saúde, se assim se fizer pertinente; X - Encaminhamento do adolescente para a rede pública de ensino, requisitando, por ofício, seus últimos boletins escolares; XI - Inclusão do adolescente e sua família em programas internos e externos de geração de renda, de profissionalização, de esporte e lazer, culturais e outros que evitem a marginalização indicada pela prática, em tese, de ato infracional; XII - Acompanhamento do adolescente para regularização de sua documentação, requisitando-se dos órgãos públicos, por ofício, documentos pertinentes. (SOROCABA, 2008) A lei estipula que sejam feitos relatório trimestrais e anuais dos atendimentos e das atividades realizados pelo Nais para o controle interno da atual Secretaria de Desenvolvimento Social, contudo essas informações não devem identificar os atendidos, nem expor características que possibilitem o reconhecimento do caso em questão. O último artigo da lei em questão dá aos agentes públicos (autoridades policiais, Ministério Público, Guarda Civil Municipal e Polícia Militar) a possibilidade de recomendar ao adolescente autor de ato infracional não considerado grave, e à sua família, o comparecimento à sede do Nais para o acolhimento previsto nessa legislação. Essa orientação pode ser feita, independente do encaminhamento feito pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu art. 174.

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O FUNCIONAMENTO DO NAIS

O processo de acolhimento

O Clube do Nais, Núcleo de Atendimento Integrado de Sorocaba, oferece atendimento aos adolescentes que cometeram uma infração penal e que estão aguardando a determinação de uma medida socioeducativa por meio do juiz da Vara da Infância e Juventude. O principal objetivo do projeto é trabalhar para que os jovens atendidos não reincidam nos 34

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atos infracionais que os levaram à entidade, evidenciando-se como um mecanismo de proteção aos infratores, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente e atendendo às diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o Sinase. De acordo com a coordenadora do projeto, Miriam Yasuda, o Nais realiza suas atividades por meio de intervenções junto aos atendidos. Segundo ela, quando os infratores chegam ao projeto, a equipe do Clube procura identificar qual é a história de vida do jovem e quais são as áreas que devem ser trabalhadas com ele. “Onde houver lacuna, a gente faz as intervenções, quer seja no aspecto familiar, assistencial, de saúde, educação, política de lazer, tudo”, conta. Essa etapa da recepção dos jovens autores de atos infracionais faz parte do processo de acolhimento e é chamada de escuta inicial. Nessa oportunidade, o adolescente e sua família conhecem a proposta do atendimento da unidade e a equipe multidisciplinar conhece a história de vida desse jovem, dando ênfase ao reconhecimento de suas potencialidades, aptidões, sonhos e anseios. Nesse primeiro momento, o contato entre as partes não focaliza a discussão do ato infracional, mas, sim, busca esclarecer as possíveis dúvidas sobre o cumprimento da medida estipulada pelo Judiciário e quais serão os encaminhamentos iniciais que o projeto irá fazer. Entre os procedimentos que podem ser adotados na escuta inicial, estão a entrevista pessoal com o adolescente, a conversa separada com os pais ou responsáveis pelo menor ou, ainda, a entrevista conjunta com a participação do jovem e de sua família. (SOROCABA, 2014). Esse primeiro encontro do adolescente com o Nais costuma ser envolto de muita apreensão. Miriam relata que alguns chegam agressivos; outros negam a contravenção que fizeram; outros, quando são encaminhados por tráfico de drogas, falam que a quantidade de entorpecentes encontrada com eles não era a mesma relata nos boletins de ocorrência ou dizem que não portavam aqueles materiais. Segundo a coordenadora do Clube do Nais, nesse atendimento inicial ela procura escutar a história dos adolescentes, de modo que eles 36

se sintam ouvidos e não acuados com aquela situação. “Não é check-list: qual o seu nome, por que você pratica ato infracional. Não faço nada disso. Eu só vou conhecer um pouquinho mais de você (infrator) quando te der liberdade e eu perceber como você age na liberdade”, relata. E conhecer esse adolescente infrator não é algo fácil, já que sua participação no programa é voluntária, ou seja, ele frequentará o Clube do Nais se assim o quiser. Isso acontece porque o jovem não foi julgado, sendo assim ele não pode ser obrigado a cumprir uma pena à qual ele não faz jus. Sobre isso, Mirian explica que “o NAI existe num contexto entre o ato praticado e a ação do sistema de justiça. Nesse intervalo entre o que você cometeu e o sistema de justiça, existe um crivo: até que haja julgamento, você é considerado inocente. Então você não pode ter a imposição do sistema de justiça dentro do espaço em que a ação ocorre. Até que se prove o contrário, não cometi absolutamente nada. Então não existe essa obrigatoriedade, esse crivo de atendê-los conforme um processo judicial. É um cidadão que pode ser que ele tenha cometido um ato infracional, mas ele não foi julgado por isso. Então ele não é considerado ainda um infrator, ele não pode ser responsabilizado.” Ainda nesse contexto, a coordenadora do Nais fala que, apesar de ser uma participação voluntária, a ida ao projeto não é necessariamente espontânea. Mirian relata que há casos nos quais a equipe de técnicos do Núcleo de Atendimento Integrado de Sorocaba precisa entrar em contatos com as famílias, a fim de destacar junto a elas o porquê do jovem frequentar as atividades. “Eu vou buscar (o adolescente) em casa? Não. Mas eu ligo: a senhora é a mãe dele, a senhora sabe que ele cometeu ato infracional, a gente precisa conversar com ele porque ele está respondendo por um processo, a gente precisa orientar a senhora. É um trabalho cansativo, de busca ativa, de ir lá, conhecer, trazer para cá”, conta. É em razão desses fatores que o processo de acolhimento inicial é decisivo para a permanência do jovem no Nais. Quando este decide participar das atividades desenvolvidas no local, os técnicos passam a controlar a frequência do mesmo e, quando o adolescente dá sinais de evasão, os profissionais entram em contato com as famílias para ressal37


tar a importância da permanência deles no Clube. —

Outras etapas do acolhimento

Após a escuta inicial e a aceitação do jovem em participar das atividades desenvolvidas no Clube do Nais, a equipe de trabalho coloca em prática outras modalidades de atendimento, de modo a acompanhar o adolescente durante seu período de permanência no projeto. As conversas em grupos com adolescentes ou suas famílias visam despertar o protagonismo juvenil, visam à construção da cidadania, sem contar o fortalecimento dos vínculos entre os membros familiares e o engajamento dos participantes em questões comunitárias (SOROCABA, 2014). Outro modo de avaliação dos jovens assistidos pelo Nais são as visitas domiciliares e institucionais. Nelas são mapeados e listados quais os recursos existentes na comunidade local que podem ser acionados para atender o adolescente, bem como reconhecer quais são as condições de vida que o jovem e sua família possuem (SOROCABA, 2014). Um procedimento que possibilita o aprofundamento das questões levantadas na escuta inicial é a entrevista individual. Por intermédio desse método, a equipe técnica da unidade consegue esclarecer pontos relevantes da vida do adolescente que facilitarão a construção do Plano Individual de Atendimento (PIA). (SOROCABA, 2014). Para a elaboração do PIA, os técnicos do Nais precisam fazer um estudo de caso de cada adolescente atendido. Nessa análise, são levantadas informações com o jovem autor do ato infracional, com sua família e também com as instituições com as quais esses jovens mantém vínculo. Esse estudo traça metas concretas que os atendidos podem atingir durante o cumprimento da medida estipulada pelo Judiciário, sempre levando em conta as capacidades que o adolescente tem. Nessa etapa do acolhimento, também são identificados quais familiares e/ou membros da comunidade formarão a rede de apoio que auxiliará o jovem durante essa fase (SOROCABA, 2014). 38

De acordo com o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo (SOROCABA, 2014, p.33), além dessas modalidades, também podem ser utilizados, pelo executor das pré-medidas e das medidas socioeducativas, os acolhimentos realizados por meio de: • Encaminhamentos para o Sistema de Garantia de Direitos: são providências necessárias para a efetivação do Plano Individual de Atendimento e dizem respeito à garantia e proteção dos direitos dos socioeducandos. Alguns encaminhamentos têm um caráter formal, elencados no Estatuto da Criança e do Adolescente, tais como: escolarização, profissionalização, diligências quanto a programas de assistência social e auxílio comunitário. Outros tipos de encaminhamentos também são possíveis nos eixos de saúde, esporte, cultura, lazer, abordagem familiar e comunitária e prevenção ao ciclo da violência; • Articulação com a rede de serviço: o serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) deve estar articulado e comprometido com a rede de cuidados, envolvendo, especialmente, os seguintes atores: serviços socioassistenciais, Cras e Creas, entidades socioassistenciais, órgão gestor, sistema de garantia de direitos, educação, saúde, esporte e lazer, cultura e sociedade civil; • Contrato: a mobilização da família bem como de pessoas de referência na vida do adolescente será importante no acompanhamento da medida, logo, nesse momento, diante do adolescente e das pessoas que têm significado em sua trajetória, o PIA será explicitado, sendo identificados os possíveis entraves e dificuldades para o cumprimento do compromisso assumido; • Relatório: esta primeira etapa do atendimento deve durar, no máximo, vinte dias. Ao final desta etapa, será elaborado o primeiro relatório a ser encaminhado à Vara da Infância e da Juventude, conten39


do o Plano Individual do Adolescente. Importa salientar a relevância da documentação na execução do programa, tanto no que diz respeito à coleta de dados, que auxiliam na elaboração do PIA, como na emissão de pareceres enviados ao Judiciário. Toda informação coletada ou prestada pelos demais profissionais que atuam no programa deve ser considerada e registrada na pasta individual dos adolescentes; • Relatório de Reavaliação da Medida: a medida socioeducativa de liberdade assistida deverá ser reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, tendo por base o relatório da equipe técnica de atendimento sobre o desenvolvimento do PIA ou qualquer outro parecer técnico requerido pelas partes e deferido pela autoridade judiciária. Este relatório contém informações sobre os aspectos familiar, escolar, profissionalizante, de saúde, de participação em atividades esportivas, culturais e de lazer, encaminhamentos ou participação na rede de serviços, apontando avanços e retrocessos, de acordo com as metas estabelecidas conjuntamente (equipe técnica interdisciplinar, técnico de referência, adolescente e sua família); • Relatório Informativo: o relatório informativo é utilizado pela equipe técnica para a apresentação, junto à autoridade judiciária, das interocorrências e fatos relevantes constatados durante o acompanhamento, tais como:

a) paradeiro ignorado; b) descumprimento da medida; c) internação em unidade de privação de liberdade; d) detenção (maiores de 18 anos); e) encaminhamento para tratamento de questões de saúde mental; f ) transferência de domicílio; g) óbito; h) outras situações consideradas relevantes.

• Registro das atividades desenvolvidas: o serviço de atendimento

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deverá manter atualizado mensalmente os dados referentes a: a) entradas e saídas de adolescentes no Serviço/Programa de MSE; b) relação nominal dos adolescentes atendidos, por gênero e faixa etária; c) número de atendimentos individualizados realizados mensalmente; d) número de atendimentos coletivos, identificando os tipos (grupos, palestras, campanhas ou outros eventos), temas abordados e participação dos usuários; e) número de encaminhamentos realizados, bem como para quais instâncias ou órgãos e quais os resultados obtidos; • Construção da Pasta Técnica: são fundamentais, na organização do trabalho realizado como garantia de segurança, transparência e eficiência. Fornece ao adolescente e sua família organização clara e objetiva dos trabalhos desenvolvidos durante o período de cumprimento das medidas, além de conter cópias das principais peças processuais, documentos pessoais, material de apoio, de avaliação e monitoramento. Esta pasta deverá ser composta por: a) documentos de caráter pessoal dos adolescentes existentes no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem sua idade; b) cópia da representação; c) cópia da certidão de antecedentes; d) cópia da sentença ou acórdão; e) cópia de estudos técnicos realizados durante a fase de conhecimento; f ) Plano Individual de Atendimento; g) Relatório Inicial – homologação do PIA; h) Relatório Informativo (quando houver); i) Relatórios de Reavaliação da Medida; j) previsão das ações pós-medida; k) outros documentos considerados importantes: avaliação interdisciplinar; avaliação de saúde etc. 41


Os dados registrados e mensalmente arquivados poderão auxiliar como indicadores para a atualização do Plano Municipal Decenal de Atendimento Socioeducativo, bem como para as avaliações do Sistema Socioeducativo previstas no período de cada 03 (três) anos. —

no crime. Atualmente, 150 jovens recebem esse atendimento. O Clube do Nais também realiza a aplicação de duas medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais beneficiam 300 jovens: a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC). Estas devem possibilitar aos jovens a formação de valores positivos de participação na vida social, envolvendo-os com a família e a comunidade em atividades que respeitem o princípio de não discriminação e que os impulsionem a superar as dificuldades na sociedade. (SOROCABA, 2014). A Prestação de Serviços à Comunidade, prevista no artigo 117 do ECA, é caracterizada pelos seguintes aspectos:

Os serviços oferecidos

Como parte executora do Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo de Sorocaba, o qual é originado a partir das diretrizes do Sinase, compete ao Clube do Nais realizar os seguintes atendimentos: a pré medida e a aplicação de medidas socioeducativas. A pré-medida é a razão da criação do projeto. Como já discorrido anteriormente, essa ação é um importante recurso para dar apoio ao jovem que cometeu ato infracional enquanto este aguarda a determinação, por parte do judiciário, da medida socioeducativa que o mesmo irá cumprir. Nesse período, o adolescente estará sendo acompanhado por uma equipe multidisciplinar, participando de atividades educativas e recreativas, as quais visam identificar as razões que levaram rapazes e moças a cometerem a infração penal, a fim de evitar a reincidência deles 42

• Consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral; • Deve ser executada junto às entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros, bem como em programas comunitários ou governamentais; • Deve considerar as aptidões do adolescente; • Não deve exceder a carga horária de 08 (oito) horas semanais, por período não excedente a 06 (seis) meses; • Não deve prejudicar a frequência escolar ou a jornada de trabalho; • Deve ter a aprovação do adolescente e dos pais ou responsáveis, contudo, a impossibilidade de obtenção de consentimento destes últimos não impede sua aplicação pela autoridade Judiciária. (SOROCABA, 2014, p.24). Já a Liberdade Assistida se baseia no acompanhamento do jovem infrator por um programa de atendimento socioeducativo que objetiva promover valores sociais junto aos adolescentes e suas famílias, acompanhar a frequência e o desenvolvimento escolar do menor de idade, direcionar esforços para profissionalizar e inserir os assistidos no mercado de trabalho. Por fim, cabe também ao executor da LA encaminhar o relatório descritivo do caso às autoridades responsáveis. — 43


Atribuições da equipe multidisciplinar

A equipe técnica do Clube do Nais é capacitada para lidar com jovens oriundos de infrações penais. De acordo com informações da Secretaria de Desenvolvimento Social de Sorocaba e do Serviço de Obras Sociais, organização não governamental que opera o projeto, integram o corpo de funcionários do Nais: quatro assistentes sociais, três psicólogos, um pedagogo, dois educadores físicos, um psicopedagogo, dez educadores sociais, uma arteterapeuta, um acupunturista, além de uma coordenadora geral. Já a equipe administrativo-operacional é composta por auxiliares administrativos e de serviços gerais e motoristas. Os profissionais disponíveis no Nais atuam de acordo com as necessidades de cada medida socioeducativa. Segundo o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo (SOROCABA, 2014, p.25), na medida de Prestação de Serviços à Comunidade, a equipe de trabalho deve: 1. Mapear as entidades para prestação de serviço nas comunidades onde existe maior incidência de adolescentes em cumprimento de PSC, em observância ao princípio da territorialidade; 2. Contatar e visitar as entidades para apresentação da proposta e possível parceria; 3. Elaborar uma ficha de informação da entidade: quem é, o que faz, oferecimento do serviço, horários de funcionamento, possível referência e orientador socioeducativo, etc.; 4. Formalizar um convênio de colaboração; 5. Receber o termo de audiência da autoridade judiciária; 6. Zelar pelas informações encaminhadas pela autoridade judiciária resguardando-as em espaço adequado e seguro; 7. participar de reunião periódica com a autoridade judiciária para verificação do processo do adolescente; 8. produzir relatórios de acompanhamento e avaliação da medida para a autoridade judiciária; 44

9. Realizar avaliação da execução da medida de PSC com o adolescente e com o orientador socioeducativo por meio de instrumentais específicos. 10. Acolher o adolescente e sua família, explicando as condições de cumprimento da medida e como se dará o acompanhamento; 11. Realizar visita domiciliar a fim de conhecer o contexto sociofamiliar e comunitário do adolescente; 12. Realizar entrevista inicial a fim de coletar informações que subsidiem a construção do Plano Individual de Atendimento – PIA; 13. Elaborar e monitorar o PIA por meio de intervenções técnicas junto ao adolescente e sua família nas áreas social, psicológica, pedagógica, jurídica e de saúde; 14. Encaminhar o adolescente para a entidade designada para a PSC e apresentá-lo à referência socioeducativa e ao orientador socioeducativo; 15. acompanhar periodicamente o adolescente na entidade; 16. realizar, periodicamente, visitas domiciliares, visitas às escolas, atividades grupais com os adolescentes e suas famílias e outros encaminhamentos necessários. Já em relação ao local onde o jovem irá cumprir a medida PSC, o grupo de profissionais deve: 1. Elaborar documentos que orientem a instituição quanto aos objetivos, características e procedimentos próprios à PSC; 2. Realizar capacitações e formações para os orientadores socioeducativos e referência socioeducativa, quando necessário; 3. Encaminhar para a entidade um roteiro sugestivo para o acompanhamento do adolescente no cumprimento da medida, de acordo com suas aptidões e interesses e considerando seu PIA; 4. Realizar encontros quinzenais com a referência socioeducativa a fim de acompanhar a execução da PSC na entidade; 5. Realizar reuniões mensais com os orientadores socioeducativos para discussão dos casos e recebimento dos relatórios e frequência dos adolescentes (SOROCABA, 2014, p.27). 45


A referência socioeducativa do executor da PSC, no caso em questão, a coordenação do Clube do Nais, na pessoa da Mirian Yasuda, tem a incumbência de gerir o planejamento das ações e acompanhar os atendimentos realizados pelos orientadores sociais. A coordenação da unidade é responsável tanto pela parte operacional dos serviços, como delegar as funções dos funcionários, assessorar os novos profissionais que chegam ao projeto, de modo a vinculá-los aos objetivos da instituição. No que toca às questões pedagógicas e sociais, cabe também à coordenadora Mirian receber o adolescente na entidade, designar o orientador social que o acompanhará em seus afazeres e monitorar o desenvolvimento do mesmo. No Nais, os orientadores sociais, psicólogos e psicopedagogos, além dos educadores físicos, são os profissionais que estão em contato direto e rotineiro com os adolescentes que estão cumprindo as pré-medidas e as medidas socioeducativas. São eles que executam com os jovens as atividades planejadas pela equipe técnica, controlam a frequência e diagnosticam o rendimento de cada assistido, elaboram os relatórios de desempenho que serão analisados pelo técnico responsável por cada medida. A execução da Liberdade Assistida, da mesma forma que a medida PSC, tem peculiaridades que devem ser seguidas. De acordo com o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo (SOROCABA, 2014, p.29), cabe à equipe profissional:

8. Zelar pelas informações encaminhadas pela autoridade judiciária resguardando-as em espaço adequado e seguro; 9. Participar de reunião periódica com a autoridade judiciária para verificação do processo do adolescente; 10. Produzir relatórios de acompanhamento e avaliação da medida para a autoridade judiciária. 11. Acolher o adolescente e sua família, explicando as condições de cumprimento da medida e como se dará o acompanhamento; 12. Realizar visita domiciliar a fim de conhecer o contexto sociofamiliar e comunitário do adolescente; 13. Realizar entrevista inicial a fim de coletar informações que subsidiem a construção do Plano Individual de Atendimento – PIA; 14. Elaborar e monitorar o PIA por meio de intervenções técnicas junto ao adolescente e sua família nas áreas social, psicológica e pedagógica; 15. Realizar, periodicamente, visitas domiciliares; 16. Realizar visitas às escolas, a fim de acompanhar a frequência e o rendimento escolar do adolescente; 17. Realizar os encaminhamentos necessários para a execução da MSE: escola, cursos, documentação, inclusão em programas socioassistenciais e outros necessários; 18. Realizar atendimentos coletivos por área com os adolescentes; 19. Realizar atividades grupais com os adolescentes e suas famílias; 20. realizar encontros ou seminários nas comunidades para tratar sobre a temática e envolver a comunidade nas atividades do atendimento.

1. Mapear o município por bairros ou comunidades; 2. Identificar os equipamentos sociais disponíveis; 3. Sensibilizar lideranças ou pessoas para a proposta de orientador social; 4. Realizar periodicamente capacitação para os orientadores sociais; 5. Realizar mensalmente roda de conversa com os orientadores sociais para estudo de caso dos adolescentes e partilha de informações; 6. Apresentar ao adolescente o seu orientador social por meio de visita domiciliar; 7. Receber o termo de audiência da autoridade judiciária; 46

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MUDANÇAS À VISTA

Avaliando o Clube do Nais

Para a promotora da Infância e Juventude, do Ministério Público, Ana Alice Mascarenhas, a qualidade dos serviços do Clube do Nais caiu quando a Prefeitura de Sorocaba repassou à unidade a execução das medidas socioeducativas, que antes eram operadas por outras entidades do Terceiro Setor, o que acabou prejudicando a aplicação das pré-medidas com os adolescentes que aguardam a determinação das medidas socioeducativas que irão cumprir. Segundo ela, a existência de um NAI na cidade não é para ser encarada como um privilégio, apesar de Sorocaba ser um dos poucos municípios que contam com o serviço, mas, sim, uma obrigação. “O Sinase, que é o Sistema Nacional, prevê esse atendimento. A lei prevê, então é obrigação ter. E aqui, em Sorocaba, vamos além. Nós temos uma lei municipal prevendo esse serviço que até está sendo objeto de inquérito civil nosso aqui, do Ministério Público, para acompanhamento em relação a isso. Um assunto que chegou à Promotoria da Infância e Juventude (e é alvo de acompanhamento), é o possível fechamento do Clube do Nais. Ana Alice é enfática ao dizer que isso não pode acontecer. “Primeiro, isso está previsto em duas leis, uma federal e uma municipal. Então não pode acabar. Se acabar, caso a prefeitura resolva realmente fazer isso, eu vou ter que entrar com uma ação de obrigação de fazer com que ela dê continuidade ao serviço que sempre existiu. Desde quando surgiu, ele nunca teve nenhuma interrupção”, explica. Ana diz que existem duas razões que impedem a Prefeitura de encerrar as atividades do serviço: a legalidade, já que o Nais é embasado em duas leis; e a existência de demanda. “Eles dizem ‘agora não tem mais demanda’, porque 48

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como atende rápido, a gente já insere eles (jovens) diretamente na medida socioeducativa e não na pré-medida. E um segundo ponto, um que eu acho mais importante ainda, é o seguinte: esses adolescentes que estão aí, quando houve uma prática, seja de qualquer ato infracional, já houve uma violação de direito. Seja por parte dele, dos pais ou de alguém, alguém se omitiu e alguma violação está ocorrendo com aquele adolescente, com aquela família. Essa família já deveria estar sendo atendida dentro do equipamento público social, que seria o Cras ou o Creas e nós não temos isso, infelizmente. Você vê que eu estou só no ‘infelizmente’ porque eu já cansei, mas, assim, em Sorocaba nós não temos esses equipamentos em número suficiente”, desabafa.

ra, segundo a Prefeitura de Sorocaba, mais transparência na relação entre poder público e as entidades sem fins lucrativos. Para isso se concretizar, foi realizada uma desburocratização do processo, o que refletirá em mais agilidade na contratação dos serviços. De acordo com Pannunzio, os novos editais serão publicados até o final deste ano. Cada secretaria terá que encaminhar as propostas recebidas na sua área para a Secretaria da Administração, responsável pela análise de contratos e processos licitatórios, que aprovará os editais dentro do enquadramento orçamentário previsto pelo Comitê de Otimização do Gasto Público (Cotim), encaminhando-os para publicação na Imprensa Oficial.

Reorganização dos convênios com o Terceiro Setor

Criado em 2007 com o objetivo de atender jovens autores de atos infracionais que aguardavam, por parte do Judiciário, a determinação da medida socioeducativa a ser cumprida, a unidade do Clube do Nais deve fechar as portas até o começo de 2016. Essa medida faz parte do processo de reorganização dos convênios entre a Prefeitura de Sorocaba e organizações do Terceiro Setor que prestam serviços para o Município. Em entrevista coletiva para a imprensa no dia 05 de novembro deste ano, o prefeito da cidade, Antônio Carlos Pannunzio, disse que R$ 126 milhões serão repassados para as entidades parceiras, dentro da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA) de 2016. Os recursos garantirão o atendimento de mais de 440 mil pessoas em áreas atendidas pelas secretarias de Esportes e Lazer, Saúde, Educação, Cultura, Desenvolvimento Econômico e Trabalho e a pasta do Desenvolvimento Social, responsável pela parceria que mantém o Clube do Nais. Os novos convênios ou contratos que serão firmados com o Terceiro Setor cumprem o marco regulatório, que é a Lei Federal 13.019/2014 – a qual estipula diretrizes para a política de fomento e colaboração com as organizações da sociedade civil – e institui o termo de colaboração e o de fomento. Essas parcerias serão feitas por meio de edital de chamamento, baseado em critérios claros de julgamento das propostas, o que assegu50

Sai o Clube, fica o Nais

A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) é responsável por 51 convênios ligados às atividades socioassistenciais e educativas na cidade, incluindo o que mantém os serviços de execução das medidas socioeducativas e as pré-medidas, por meio do SOS. Essa parceria firmada em 2007 para colocar em funcionamento o Clube do Nais deverá ser desfeita após oito anos, isso porque este contrato é um dos que serão encerrados pela Prefeitura de Sorocaba nos próximos meses. Segundo a Chefe da Divisão de Gestão Territorial Norte, Valéria Baso, responsável pelo acompanhamento das atividades executadas com os jovens autores de ato infracional no Nais, essa mudança de gestão foi planejada pelos técnicos da Prefeitura de modo a aperfeiçoar os serviços prestados pela municipalidade, sem prejudicar os atendimentos realizados com os cidadãos. Valéria conta que a unidade-clube do Núcleo de Atendimento Integrado de Sorocaba (Nais) deixará de existir, contudo, o novo convênio que será firmado nos próximos meses prevê a abertura de três novas unidades do Nais nas regiões estratégicas da cidade: Norte, Oeste e Sudeste. Essa divisão é a mesma adotada nas políticas executadas pelo governo municipal nas áreas da Saúde e Segurança Comunitária, onde 51


os equipamentos públicos são agrupados de modo a melhorar a gestão dos serviços oferecidos. De acordo com as informações da Sedes, a intenção do edital de chamamento é que três organizações sem fins lucrativos assumam o serviço de proteção social de média complexidade destinado aos adolescentes que estão cumprindo as medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. Mas a chefe da divisão de Gestão Territorial Norte ressalta que pode haver a contratação de uma única entidade para gerir os três territórios, o que dependerá dos resultados do chamamento público. Já as medidas preventivas, também chamadas de pré-medidas, que foram a razão da criação do Nais em Sorocaba, deixarão de ser executadas nesses locais. A rede de proteção básica do Município passará a realizar esses atendimentos. “Nós estamos conversando sobre a possibilidade dos Cras e Creas estarem atendendo as famílias por conta da vulnerabilidade social, fragilidade de vínculo ou da violação de direitos”, conta Valéria. Nesse novo modelo de gestão, segundo Valéria Baso, haverá a ampliação do número de atendimentos feitos pelo Nais, saindo das atuais 450 vagas para 600. Essas serão divididas entre as três regionais da seguinte forma: 220 para a região Norte, 280 para a região Oeste e 120 para a Sudeste. Com isso, o governo municipal estará priorizando o cumprimento das medidas socioeducativas, as quais têm uma demanda alta na cidade. O objetivo da Sedes, de acordo com Valéria, é que os adolescentes cumpram as medidas estabelecidas pelo Judiciário próximos de suas casas, porque é nesse território que ele mantém seu círculo de amizades, vínculos familiares e frequência escolar, quando esta existe. O diretor da área de suporte e gestão da pasta de Desenvolvimento Social, da Prefeitura de Sorocaba, Márcio Sousa, destaca também que a escolha dos locais onde o Nais será implantado levará em conta os bairros que respondem pelos maiores números de encaminhamentos para as medidas socioeducativas. Em meio a essas alterações, um procedimento praticado até o momento será modificado. Os plantões policiais e a Delegacia da Infância e Juventude, que hoje, ao autuarem um jovem por ato infracional, encaminham-no diretamente para o Nais, deverão direcioná-los à rede do Sistema Único de Assistência Social, o Suas. 52

O Creas será o responsável por receber esses encaminhamentos e fazer a coordenação regional do cumprimento das medidas socioeducativas. Cada uma das unidades do órgão existente na cidade, que no total são três e localizadas exatamente nos territórios onde as novas unidades do Nais serão implantadas, será responsável por fazer o elo entre o Judiciário e as delegacias policiais com o Núcleo de Atendimento Integrado de Sorocaba. “Com isso serão mais pessoas pensando em uma realidade menor, diferentemente do que acontece hoje, onde a coordenação do Nais tem que fazer o planejamento das ações para a cidade inteira”, diz Márcio. As mudanças na operação do Nais estão previstas para acontecer até o final de janeiro de 2016. “Se nós conseguirmos fazer as análises, as classificações, com os prazos para as controvérsias, defesas e impugnações, pretendemos assinar (o contrato) no começo de janeiro para ver se, até o final do mês, as organizações comecem suas atividades”, conta Márcio. Ele destaca ainda que, nessa transição, não haverá a interrupção dos serviços prestados no Clube do Nais até que as mudanças sejam concluídas. —

Recursos financeiros Vs atendimentos no Nais

Um dos fatores que influenciou nas mudanças que acontecerão com o Nais, em Sorocaba, foi a constante solicitação, por parte da Promotoria da Infância e Juventude, do Ministério Público, do aumento de vagas para o cumprimento de medidas socioeducativas. De acordo com Ana Alice Mascarenhas, promotora de justiça do MP, os prazos de espera pela medida socioeducativa que antes levavam cerca de dois anos, hoje, após mudanças em procedimento internos, levam, em média, 30 dias. Com isso, o número de encaminhamentos de adolescentes para cumprirem medidas socioeducativas no Clube do Nais é alto. A partir desse crescimento na demanda pelo serviço prestado pela Prefeitura de Sorocaba, o Ministério Público, por meio de Ana Alice, passou a cobrar do governo municipal o aumento no número de atendimentos no Nais. Esse pedido foi atendido no início de 2015, quando a unidade passou a realizar 300 atendimentos por mês, ao invés de 180, como em 2014. Isso foi 53


possível em razão da disponibilidade de recursos orçamentários para arcar com tais custos. Entretanto, o número de encaminhamentos continuou a crescer e a cobrança persiste até hoje. Contudo, de acordo com Márcio Sousa, diretor de área da Sedes, não foi possível realizar uma nova ampliação nos atendimentos em razão da falta de verbas. Segundo ele, os recursos provenientes dos outros entes da federação (Estado e União) não estão sendo repassados aos cofres do município com a frequência que deveriam, principalmente as verbas oriundas do Governo Federal. “Os recursos dos demais entes só são repassados quando caem em nossas contas. O correto seria o repasse mensal. Hoje estamos esgotando os valores de algumas contas para ver ser se isso força o governo federal a mandar novos recursos”, diz Márcio. O diretor de área da Sedes reconhece o valor dos trabalhos desenvolvidos pelo Ministério Público Estadual, mas lamenta não poder atender às solicitações da promotoria. “Ela (Ana Alice) tem razão, claro, cada um fazendo o seu papel. E é obvio que ela queria que nós chegássemos na plenitude daquilo que eles encaminham. Infelizmente, nós, enquanto poder público, não vamos conseguir. Nós trabalhamos e nos esforçamos para ter um serviço de qualidade. Só que aí a gente se depara com as limitações da administração, da legislação, dos próprios recursos, e com isso vai se moldando – é claro, não se conformando com a situação – mas trabalhando naquilo que é possível”, pontua. Para tentar se adequar às necessidades da Promotoria da Infância e Juventude, é que a Sedes estará ampliando para 600 o número de atendimentos que serão realizados nas três futuras unidades do Nais. Essa ampliação nas vagas para o cumprimento das medidas so cioeducativas será possível por causa da readequação dos valores que serão repassados às executoras do projeto. Segundo Márcio Sousa, o governo federal preconiza o investimento de R$ 112 mensais por jovem atendido nas unidades do NAI em todo o país, valor esse divido em 50% para a União, 25% para o Estado e outros 25% para o município. Em Sorocaba, esse custo por adolescente vai além do piso estabelecido pelo governo federal, chegando a R$ 297 mensais. Márcio diz que foi feita uma pesquisa com municípios que pos suem um serviço semelhante ao de Sorocaba e, neles, o repasse feito às organizações que executam as medidas de LA e PSC seguem pratica54

Segundo Marcio, atrasos dos repasses de verbas da União e do Estado para o Município não permitem a ampliação do atendimento do NAIS.

mente o estipulado pela União. Ele ressalta que os serviços prestados pela SOS são de qualidade, que a política salarial da entidade é boa, ultrapassando, até mesmo, os valores de mercado, mas que existem “organizações que prestam um bom serviço com um custo menor”. Márcio salienta que a ação da Prefeitura não está visando ao bom preço em detrimento da qualidade do atendimento, mas adotando a conduta própria da administração pública. “Eu abri um edital e tenho um valor X para repassar, você consegue executar as atividades? Então, está bem. Vamos acompanhando o trabalho feito, a prestação de contas para ver se isso vai se mantendo. Esta é a lógica que nós estamos tentando colocar em prática com o Terceiro Setor”, diz ele.

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A IMPORTÂNCIA DO NAIS PARA SOROCABA

Resolver um problema: esse era o principal objetivo do grupo de trabalho composto pela Promotoria de Infância e Juventude, Prefeitura de Sorocaba, vereadores da Câmara Municipal, organizações da sociedade civil – como a Ordem dos Advogados do Brasil de Sorocaba e o Serviço de Obras Sociais, Delegacia da Infância e Juventude, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, além da deputada estadual Maria Lucia Amary. Em razão da morosidade do Judiciário em estipular a medida socioeducativa que o jovem autor de ato infracional deveria cumprir, este grupo procurou uma solução para impedir que o adolescente reincidisse em um delito enquanto aguardasse a decisão judicial. Assim, surge o Clube do Nais, com a responsabilidade de trabalhar com esse público por meio de medidas preventivas, executadas com acolhimentos psicossociais e atividades socioeducativas. Embora tenha sido criado para executar as pré-medidas em um espaço diferenciado, com características de um clube recreativo, o Nais, segundo apontamentos da promotora da Infância e Juventude, Ana Alice Mascarenhas, do delegado responsável pela Diju, José Augusto de Barros Pupin e da atual coordenadora do projeto, Miriam Yasuda, perdeu a sua essência. Desde sua criação, o Clube do Nais era um mecanismo destinado apenas a um serviço. Contudo, entre 2012 e 2013, o projeto absorveu, também, a aplicação das medidas socioeducativas. Isso aconteceu 56

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porque a demanda por essas atividades estava baixa na cidade e, com isso, o governo municipal encerrou os contratos que mantinha com as três organizações não governamentais que aplicavam tais medidas, transferindo essa responsabilidade ao Nais. De acordo com a promotora Ana Alice, isso acabou restringindo o sucesso da medida: “Existia a pré-medida, feita pelo Nais, e existia a medida, que eram prestadas por outras entidades. Então, quando caiu muito a inserção de adolescentes nessas medidas em aberto, a prefeitura, que é responsável pelo serviço, cortou o contrato com elas. E aí transferiu tudo para o Nais, achando que a demanda seria pouca. Isso acabou sobrecarregando os técnicos, aí você teve que limitar o atendimento na pré-medida, houve uma redução de investimento e a demanda aumentou muito, assim, você não tem um bom trabalho na pré-medida”. Embora hoje as atividades do Nais estejam a contento das autoridades ligadas ao jovem que cometeu uma infração penal, Sorocaba ainda é uma das poucas cidades brasileiras que cumprem o que preconiza o Sinase, o qual diz que até 2022 todas as capitais federais e regiões metropolitanas

Farto Neto Destaca que os atendimentos realizados no Clube do NAIS não se limitam apenas ao jovem infrator, mas alcançam toda a família do adolescente.

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deverão contar com uma unidade do NAI. O promotor de justiça Antônio Farto Neto, que estava à frente da Promotoria da Infância e Juventude na época da instalação do Clube do Nais, acredita na eficiência do projeto. Segundo ele, é possível que os atendimentos realizados na unidade não impeçam os jovens de se envolverem em outros atos infracionais, mas isso não diminui o valor do Nais. “O fato é que, dado o sistema de educação que nós temos, dada a divisão de classes que nós temos e outras questões sociais, só o trabalho do Nais não consegue evitar que um adolescente envolvido com atos infracionais deixe de praticar novas condutas”, relata. Farto Neto explica, também, que os acolhimentos realizados pelo Nais, aliados às orientações que são feitas durante as atividades socioeducativas e ao convívio com os demais adolescentes no local, fazem com que o jovem tenha uma introspecção da sua conduta e abandone as antigas práticas infracionais. Segundo ele,tas atividades realizadas no Clube do Nais têm a capacidade de influenciar não só o adolescente que frequenta o local nas diversas áreas da vida, mas toda a sua família. “Muitas vezes o atendimento não evitou que o adolescente se envolvesse com novos atos infracionais, mas ajudou um irmão do adolescente, ajudou os pais do adolescente, ajudou o adolescente na escola, em um relacionamento, em namorar, em casar, em constituir uma família, em aprender mais e a conseguir um emprego”, destaca. Neto complementa dizendo que “se o único índice que nós formos medir for o número de adolescentes envolvidos com atos infracionais na cidade, pode-se dizer que o investimento do Nais não valeu a pena, mas se a gente fizer uma análise mais detalhada da evolução pessoal de cada um dos adolescentes atendidos lá, o programa Nais foi um sucesso”. Miriam Yasuda, coordenadora do Clube do Nais, resume em poucas palavras as razões que levaram o serviço a ter o reconhecimento que ele tem hoje. “O motivo de ter dado certo? Porque a gente trata os jovens como seres humanos”, finaliza.

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Referências bibliográficas MARTINS, Marcos Francisco. História dos Movimentos Sociais de Sorocaba e Região. Holambra: Editora Setembro. MILANO FILHO, Nazir David; MILANO, Rodolfo Cesar. Estatuto da Criança e do Adolescente. Leud, 2004. PLANALTO: Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 24.08.2014. PLANALTO: SINASE. Disponível em <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12594.htm>. Acesso em 02.09.2015. SOROCABA, Prefeitura: Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo. Sorocaba: 2014. SARAIVA, João Batista da Costa. Adolescente e o ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. SILVA, Vanderlei da. O Terceiro Setor e a Escola – Serviço Social nas escolas por meio de parcerias com organizações da sociedade civil. 166f. Tese. Programa de Pós Graduação em Educação, da Universidade de Sorocaba.

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Após quatro anos de estudos, chegamos ao final de mais uma etapa. Juntos, unidos e mais fortes que nunca. Foi trabalhoso, mas aqui está o resultado. Mais que uma obra que nos deu muito orgulho, este livro é fruto do nosso aprendizado, algo que fica para toda a vida. Para a produção, foram horas de entrevistas, leituras, pesquisas, a busca pela melhor ou mais completa informação, o entender dos resultados e a transformação deles em texto. Esperamos que você, leitor, sinta-se satisfeito com as informações que reunimos aqui. Tendo a certeza de que esta é a realização de um sonho de três jovens jornalistas, te convidamos a mergulhar neste universo e conhecer um pouco mais sobre o Clube do Nais, um dos mais importantes serviços existentes para socialização e recuperação de crianças e adolescentes que, por algum motivo, passaram pelo submundo do crime. Nais: O caminho da recuperação busca mostrar que o Clube do Nais é apenas um dos muitos caminhos que o jovem pode trilhar para se recuperar das práticas ilícitas. Os autores.


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