Ocupação Flávio Império

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OCUPAÇÃO FLÁVIO IMPÉRIO O Itaú Cultural chega à nona edição do projeto Ocupação com uma homenagem ao artista Flávio Império (1935-1985), autor de especial grandeza nas expressões da arte em que atuou: arquitetura, cenografia e figurino, artes visuais. Parte da Ocupação Flávio Império, esta publicação integra a mostra e traz depoimentos daqueles que compartilharam com o artista trajetórias, escolhas, desafios e afetos. Há também dois textos assinados por ele. Com uma produção múltipla, Império voltava seu olhar em direção aos modos de vida, de sobrevivência e de diversão do brasileiro. Deixava-se impregnar pela manufatura, pelo artesanato desenvolvido nos rincões do país. Ao seu modo, exerceu importante papel na crítica social e política por intermédio da arte. Reflexões sobre o seu trabalho estão nos textos a seguir, numa reverência a esse artista que deixou desenhos de cenários e figurinos, serigrafias, pinturas, projetos arquitetônicos — material que compõe o Acervo Flávio Império, formado com o apoio da Sociedade Cultural Flávio Império, parceira nesta exposição. A Ocupação Flávio Império também marca o início da digitalização dos documentos e das obras de autoria do artista, iniciativa que conta com o apoio do instituto – que construirá um site no qual essas informações ficarão acessíveis ao público. Itaú Cultural


sumário 12 16 22 30 36 40

AUTOBIOGRAFIA Em texto poético escrito por Flávio Império, sua origem, vida e escolhas

EXPOSIÇÃO O ateliê e a festa, recortes dessa Ocupação Flávio Império. Por Vera Hamburger

CARTA A FLÁVIO IMPÉRIO Helio Eichbauer escreve ao amigo e artista

MATERIAIS SIMPLES PARA UM TEATRO VERDADEIRO O início do cenógrafo no teatro, em testemunho de Maria Thereza Vargas

TECIDOS AO VENTO Experiências compartilhadas ao lado de Flávio Império na casa da Aclimação. Por Loira

CARNE-SECA Texto de 1979, assinado por Flávio Império


TRANSBORDANTE E VISCERAL Maria Bonomi responde a quatro perguntas sobre quem, para ela, foi o primeiro artista multimídia do Brasil

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A ARQUITETURA O projeto da casa de Ubatuba

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HOMENAGEM Texto de Amélia Império Hamburger escrito em 1995

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ATRAVÉS DO ACERVO Em três depoimentos, a presença do artista nos dias atuais

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PROGRAMAÇÃO Ciclo de debates e mostra de filmes completam a Ocupação Flávio Império

Ilustração Estevan Pelli, a partir da serigrafia Papa Vivo (1981), de autoria de Flávio Império

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Sou Pedro, 1972 Serig ra fia sobre pap el Acervo Flávio Imp ério

Sou Jo ão, 1972

Ser i gr af ia sob re pap e l

Ace r vo Flávi o I mp ér io

10 Acervo Fláv io I mp é ri o

Serigra fia sobre pap e l

Sou Ant ônio , 1972


De Renina Katz para Flávio Império. Esse texto foi utilizado no convite da exposição Pintura e Muita Bandeira, individual do artista realizada no Spazio Pirandello, em São Paulo, em dezembro de 1980.


auto biografia


Autorretrato, 1973 Serigrafia sobre papel, dimensões 48 x 65 cm Acervo Flávio Império

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Autorretrato, 1973 Esboço para elaboração de telas, dimensões 46,6 x 66 cm Acervo Flávio Império


Trecho extraído do poema escrito por Flávio Império, publicado no álbum de pintura Caras, Cascas e Máscaras, lançado na exposição Alegres Pintores do Bexiga (1977), no Teatro Igreja. Acervo Flávio Império

desenho desde criança o teatro me ensinou a vida; a arquitetura o espaço, o ensino a sinceridade, a pintura a solidão. o teatro me fez amigo da multidão a arquitetura me fez amante da terra, da água, do ar, da lua, da cor, da matéria, do fogo, do som. o ensino me fez aluno da mansidão. a pintura é meu diário, sem segredos, da peça em que sou atuante e autor. pinto só o que sinto pinto só o que vejo com todos os meus sentidos. não pinto em vão, sonho com a hora de alguém sonhar junto, livre, o que quiser, como quando reconhece num canto o seu canto e canta. pinto pra me acompanhar, no fantástico show que a vida me dá. desde 1970 pinto mais

constantemente, arquiteto meu quarto dentro do quarto que moro (ele é calmo e claro) arquiteto meu jardim sobre o piso de lajotas que alugo, barato. arquiteto meu sonho de uma arquitetura simples e clara, e calma, com jardins de flores caipiras que, pelas estradas, não custa nada a muda além de uma boa conversa e uns bons conselhos sobre a vida da plantinha, quebradinha que espera na minha mão. ela não fica assustada. Eu não mato, só planto e o que colho? ao longo do meu caminho, muitos agradecimentos, conselhos, bons tratos de gente que gosta de gostar das coisas que a terra dá. planto e colho pra plantar, pra rimar. meu pai: Domingos Império minha mãe: Helena Fausto filhos dos tantos italianos que no Brasil procuraram seu novo céu. no Bexiga, 42 anos em dezembro, sob o mesmo céu escolhido por meus avós. “respirando o mesmo ar…” 15

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nasci no Bexiga e lá me criaram, por certo, um dia, eu virei “arquiteto”. depois “professor”. depois “cenógrafo”. depois “pintor”.


A exposição Por Vera Hamburger

A Ocupação Flávio Império é uma instalação em homenagem ao artista e marca o início dos trabalhos de digitalização do Acervo Flávio Império, assim como a construção do site sobre sua vida e obra – projetos a ser postos em andamento por meio do apoio do Itaú Cultural. ultura Artista brasileiro reconhecido nacional e internacionalmente, Flávio Império (1935-1985) tem a multidisciplinaridade como característica primordial de sua atuação. Arquiteto, professor, desenhista, gráfico, pintor, cenógrafo e figurinista, atuou com destaque em cada uma das formas artísticas que experimentou. Entrelaçando-as, propôs renovações de linguagem nos diversos campos da expressão, numa visão original do papel do artista e de sua ua obra. obr Inspirados pelo artista e pelas exposições que realizou, propomos a transformação do espaço da Ocupação em um lugar onde o espírito de festa se mistura ao ateliê de trabalho artístico e a experiência prática coloca-se como forma de aprendizado fundamental, chamando a atenção para a importância do compartilhar a criação humana com liberdade. iberd Num recorte radical, diante da multidisciplinar e vasta obra de Flávio (e dos 120 metros quadrados disponíveis 16

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para o evento), optamos por centrar foco na serigrafia, atividade que perpassa sua produção nas diversas formas de linguagem em que atuou. Através da visualização das telas matrizes originais e da experimentação ao vivo da ação artística em ateliê, esperamos trazer um pouco do espírito desse artista à esquina da Avenida Paulista, em 2011. Criadas, produzidas e utilizadas por Flávio na elaboração de inúmeras gravuras, bandeiras, pinturas e cenários, as telas figuram hoje como quadros pintados, sem querer, ao longo do tempo e por conta do acaso criativo. Peças que guardam as marcas da ação das impressões realizadas, do oscilar entre a tinta e a lavagem. Meio de produção, as telas ganham aqui outro status – obras as do do me meio. No ateliê, o visitante, com ajuda dos monitores, terá a liberdade de manipular cópias de telas de Flávio, reproduzidas em diferentes dimensões, e realizar sua leitura através da criação/confecção de novas experiências. Na escolha da tinta, na forma de passá-la sobre a tela, o traço do visitante irá sobrepor-se ao de Flávio e criará, no varal de secagem, uma exposição de peças realizadas em conjunto. Quatro mãos pintam e se lambuzam. Autores se multiplicam sobre uma mesma ma obra. obr A edição dos filmes em super-8, realizados pelo artista e seus parceiros de toda hora, imprime caras e bocas de uma época que nos parece importante resgatar. As imagens foram feitas na casa da Aclimação, em São Paulo, comunidade de amigos reunidos em moradia nos anos 1970, nas inúmeras viagens pelo Brasil, na casa do Bexiga e arredores, sua residência/ ateliê da virada da década de 1980. Registros que, como cadernos de anotação, destacam pontos de seu interesse ao mesmo tempo em que nos trazem um pouco desse tempo compartilhado. mpartilh Bom foi ter Helio Eichbauer como parceiro desta empreitada, sua delicadeza, clareza e dedicação. Com mãos que se encaixaram, organicamente, às do artista na concepção de um espaço expositivo original. Um projeto a quatro mãos fraternais, colocando em diálogo a obra e o pensamento do artista com o espaço, o tempo e o visitante de hoje. Cenógrafo nóg contemporâneo de Flávio Império, Helio bebeu de fontes próximas; compartilhou diretores, atores, grupos produtores e prêmios do teatro brasileiro desde os anos 1960. Um, descendente de italianos da Bela Vista; outro de família ítalo-alemã nascido e criado no Rio de Janeiro. Os dois encontram-se hoje na esquina da Avenida Paulista para fazer um ateliê em celebração. 17

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Essencial também o apoio de Amélia Império Hamburger, Ernst Hamburger e Renina Katz, além do trabalho de Humberto Pio Guimarães e Yuri Quevedo na pesquisa. Fazendo parte da exposição, em ambiente virtual, o site Ocupação Flávio Império (itaucultural.org.br/ocupacao) traz depoimentos de parceiros de trabalho, de pesquisadores e de familiares. O espaço do auditório dá lugar a um ciclo de encontros que discutem o papel do artista nas diversas áreas de atuação – no espetáculo, no plano do objeto, na arquitetura e na sala de aula. Diferentes pontos de vista sobre o homem contribuem para a compreensão do artista e seus trajetos. ajetos. Um ciclo de filmes traz exemplos da diversificada atuação de Flávio. Absurdos, registro do espetáculo do Balé da Cidade de 1981 e 1984, no qual colaborou na concepção-geral, no roteiro e na direção e também nos cenários, nos figurinos e na iluminação, tendo a seu lado Susana Yamauchi, Loira Cerrotti e Cacá Andreatta; o longa-metragem O Profeta da Fome, de Maurice Capovilla, de 1969, cenografado por Flávio; o documentário Bixiga, de Inês Cardoso, que utiliza, postumamente, imagens do filme super-8 A Pequena Ilha da Sicília, de autoria do artista; e Doces Bárbaros, cenografia de Flávio, documentário sobre a turnê dos baianos, dirigido por Jom Tob Azulay. zula A realização deste evento só foi possível graças à existência do Acervo Flávio Império. Produto da dedicação de familiares, amigos e parceiros do artista, reunidos pela Sociedade Cultural Flávio Império. Através do apoio de instituições como Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, Fapesp, CNPq, IEB/USP e FAU/USP, essa associação, sem fins lucrativos, deu o respaldo necessário à implementação do Projeto Flávio Império, com o objetivo de preservação e divulgação de sua obra e seu pensamento. Sob coordenação-geral de Amélia Império Hamburger, importantes ações de divulgação da obra ganharam espaço – como a exposição retrospectiva Flávio Império em Cena, no Sesc Pompeia, em 1997, e o livro Flávio Império, organizado pela parceria Amélia e Renina Katz, publicado pela Edusp em 1999, entre outras – e o acervo tomou forma. Seu rico conteúdo é de completude rara, tanto no que permite a visualização e compreensão sobre a trajetória de um artista, sua obra multidisciplinar e seu pensamento, quanto no que diz respeito à historiografia das manifestações artísticas do país num período de efervescência cultural (1955-1985). Catalogado, acon18

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dicionado e organizado, este material oferece subsídios à pesquisa acadêmica, em diversas áreas, assim como apoio à realização de eventos expositivos plurais – exposições, instalações, vídeo e cinema – como este que se apresenta. Flávio Império, um artista de mil suportes de linguagem. Pesquisador da poesia do espaço, da poesia da cena do quadro. Estudante dos costumes. Amante da festa, do fazer. Mês de junho… junina. Aí vai nossa festa! Este trabalho é dedicado à minha mãe, querida Amélia.

Vera Império Hamburger

fez a concepção e a coordenação de conteúdo da Ocupação Flávio Império. Arquiteta, formada pela FAU/USP, é diretora de arte, cenógrafa e professora. No cinema, vem realizando trabalhos ao lado de diretores como Hector Babenco, Walter Lima Jr., Monique Gardenberg, Cacá Diegues, Cao Hamburger, Eliane Caffé, Philippe Barcinski, Sérgio Rezende e Tata Amaral. Participou de montagens como as óperas Tosca e Il Trittico, de Puccini; da Ópera dos 500 Anos, de Naum Alvez de Souza; e de espetáculos de dança como Nazareth (Grupo Corpo). Cenografou peças dirigidas por José Celso Martinez Corrêa e João Falcão, por exemplo. Na área de exposições, fez parcerias com Paulo Pederneiras, na Brasil 500 anos – Arte Indígena e Arqueologia.

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Pa p a V i vo, 19 81 Se r i gr a f ia so b re pap el , di mensõ es 62 x 8 7 cm Ace r vo Flávi o I mp é r i o Rep ro d u ção fo t o gr á f i ca Renat o Cury


Ace rvo Flávi o I mpé ri o

Esbo ço, se m da ta

CARTA A

FLÁVIO IMPÉRIO


São Sebastião do Rio de Janeiro, outono 2011.

Caro amigo, Cá estamos, imersos na Mata Atlântica úmida e perfumada a recordar os tempos de luta e vitória de nossa juventude. Procuro a fragrância de uma flor esplêndida, ou, por memória involuntária, reconstruir nossos passos perdidos. As bananeiras em flor (que você tanto pintou e seus mangarás) tentam revelar-me alguns segredos inconfessos de nossas andanças (danças) pelo Brasil. A amizade entre artistas é sempre secreta. A partitura matinal da floresta e a dos pássaros da madrugada despertam minha imaginação. Teríamos sonhado nossas vidas? Em que vazio, em que campo realizamos nosso trabalho? La vida es sueño. Hoje, você habitante de outra Galáxia será mais uma vez evocado em exposição (e muitas outras serão necessárias para redescobrir sua belíssima obra!). Escrevendo para o catálogo: Festejar Flávio Império é celebrar a vida em seu mistério em seu esplendor. SER JOÃO SER PEDRO SER ANTÔNIO Recebi, pela Sociedade Cultural Flávio Império, o convite honroso para desenhar a exposição, através de sua querida sobrinha e muito artista Vera Hamburger, hoje importante cenógrafa e diretora de arte, de grande talento e sensibilidade. 23

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Teria eu habilidade suficiente para apresentar, como cenógrafo, parte tão expressiva de sua obra? Acervo Fláv io I mp ério

Esboços pa ra confecção de tela

Ma nga rá s , sem da ta

Que família ilustre e amorosa, hein, rapaz!? Convite que me deixou atônito.

Embarquei, temeroso, nesse Bateau Ivre, e aqui estou aportado, náufrago numa ilha grande tropical e mágica. Estamos acampados num terreiro e preparamos o ritual. Para festejar sua presença, ocupamos a área da exposição como uma festa de São João (a mais bela festa brasileira!), na qual se instalou (constelou) um ateliê de serigrafia, aberto ao público – espaço livre de criação artística, artesanal, de encontros e ideias. Teto embandeirado, São João em festa ou preces budistas, “As bandeiras me libertam do plano fixo da pintura”. Prisma com três santos juninos: João, Pedro e Antônio, de sua autoria. Janelas com seus desenhos de folhagens, jardim tropical e filtros verdes, biombos que sustentam telas originais de serigrafia, utilizadas diversas vezes por você, Flávio, com marcas de registros cromáticos (por onde andou a cor...), lonas coloridas a ser manchadas aleatoriamente pelos artesãos impressores, ao centro uma escultura aérea – A Árvore da Vida, revoada de pássaros impressos sobre seda, por sua grande

amiga Loira Cerrotti (aqui na janela os pássaros responderam assanhados). Pensamentos impressos sobre estruturas/chassis, forrados com tecido rústico, o avesso de um cenário, cercam as paredes da área de exposição. Filmes em super-8 de suas viagens, andanças brasileiras, amigos e lugares (Road Movie). Sua viagem pelo Brasil, como você mesmo observou, semelhante (e dessemelhante) à de Mário de Andrade, revelou a extensão de um país magnífico, barroco e popular, inventivo, cheio de Humor – Amor para dar. 24


Não é muito (nunca o bastante), mas o suficiente para armar o circo dos artesãos e a festa das cores. Fazer a tribo conviver intensamente. Os meninos que fomos participaram “de espetáculos de fundo de quintal”, construções improvisadas “com cortinas de cobertor e pregadores nos varais”; escapamos dos videogames, das musiquinhas eletrônicas, da parafernália digital, que têm levado a imaginação para o brejo. O teatro nos acompanha desde a infância, o de cartão, os bonecos, os fantoches de praça. Foi nessa Caixa de Mágico que você exerceu seu enorme talento de arquiteto, cenógrafo, artista plástico e professor. Aprendemos com Leonardo da Vinci a enxergar nas paredes manchadas o princípio da paisagem apenas esboçada pela natureza; e, na pedra bruta, a escultura oculta. Você foi um daqueles jovens florentinos do ateliê de Andrea del Verrocchio (da Bottega del Verrocchio), aprendizes que exerciam diversas atividades com as mãos e discutiam filosofia, música e poesia, ali mesmo onde pernoitavam. Você sabia, sabiá, da grande importância de trabalhar com as mãos, que a revolução do pensamento grego foi a mão, o respeito pelo trabalho manual, e que alguns dos mais excelentes pensadores gregos eram filhos de marinheiros, fazendeiros e tecelões (sacerdotes e escribas de outras paragens, criados na opulência, relutavam em sujar as mãos). Os operários sujam as mãos. Contava com o vento... Varais para secar os panos pintados. Contava com as pedras para segurar esse vento... Os panos manchados, com defeito de fabricação, a “carne-seca”, sucata da indústria de estamparia – “aos poucos decifrei sua linguagem” –, serviam como suporte para suas criações. Seu profundo contato com o desenho, pensamento 25


gráfico, permitiu grande variação de formas, “seguir os rastros dos desenhos e padrões originais. O escorrido das tintas dissolvidas de maneira aleatória...”. Hoje, o projeto digital, cirúrgico, asséptico, frio, sem erros e mistérios, onde a sombra é separada da luz por camadas de contorno predefinidas. Onde já se viu? Onde estão os calígrafos japoneses? Para estudar a luz, Leonardo penetrava em cavernas escuras, e procurava na obscuridade o desconhecido, o maravilhoso, no profundo estudo da sombra. Que maravilha termos participado de um tempo hippie, da contracultura, das comunidades (ateliês comunitários de artistas, cama/mesa/cozinha – ateliês de fundo de quintal). paz (quando possível) e amor (sempre): colchão e almofadas no chão, panos indianos e estampados, gravuras de deuses desconhecidos, índios e músicos, Diógenes, São Francisco de Assis, Buda, o Nature Boy, incensos e outros baratos + fauna e flora brasileiras, nossa musa paradisíaca – a bananeira, nosso pavão misterioso –, araras e papagaios. “Nossas roupas comuns dependuradas na corda qual bandeiras agitadas pareciam um estranho festival.” Seus 7 (sete) cabalísticos trabalhos para a deusa Maria Bethânia, seminais, necessários (cenários, trajes, panos e adereços), iluminaram a música brasileira para sempre! “Nossa vida, nosso palco iluminado...” “A arquitetura me fez amante da terra, da água, do ar, da lua, da cor, da matéria, do fogo e do som”, também o levou aos desenhos mais belos de cenário, às plantas

Est u d o pa r a realização d e l i t o g r afia, sem dat a L áp is d e co r so b re papel Ace r vo Flávi o I mp é r i o

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mais nítidas, às mais límpidas formas, essenciais, e a lecionar de uma forma muito especial, na FAU/USP e na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, para sorte de seus afortunados alunos, assim livres do rigor acadêmico. Quando em nossa mocidade nos encontramos – mercuriais, na encruzilhada paulistana dos anos de 1960 e 1970, em tempos políticos arbitrários de ditadura, quando perdemos amigos, mestres, sonhos –, o tempo era de luta, o tempo era de guerra, como foi o de nossa infância. Estávamos acostumados e lutávamos por um futuro melhor, com os nossos instrumentos de trabalho, pranchetas e maquetes. Nossos soldados eram os cenotécnicos, os carpinteiros, as costureiras, as camareiras, os eletricistas, as bilheteiras. E nossa área de exercício o palco vazio – espaço de liberdade de todas as possibilidades. “O teatro me fez amigo da multidão”, você disse, é essa anônima e poderosa mão de obra que mantém acesa a chama do teatro, há mais de 25 séculos. Cá estamos, seus amigos, parentes, admiradores e um grupo de jovens – essa confraria preparando a festa para mais uma vez falar de você e sua arte, seu legado para o futuro. Somos exceção à impostura do mundo contemporâneo. Aqui ainda estão as crianças abandonadas, nações massacradas, a ignorância truculenta dos dirigentes e o descaso com o planeta. Guardo sua imagem e seu sorriso, suas obras que vi de perto, no fundo de mim, onde moram a saudade e a infância (a esperança e o entusiasmo). primavera não nos deixe pássaros choram lágrimas no olho do peixe Matsuó Bashô (1644-1694) tradução de Paulo Leminski Até um dia, Helio Eichbauer Helio Eichbauer fez a cenografia da Ocupação Flávio Império. É cenógrafo e figurinista de óperas, balés, teatro de prosa e concertos de música popular brasileira. Realizou mais de 180 trabalhos em 48 anos de profissão e obteve 28 prêmios nacionais e internacionais. Participou de 15 exposições e 11 conferências. Foi professor em instituições de ensino livre e universitárias. Em 2006, realizou uma exposição retrospectiva dos seus 40 anos de cenografia no Centro Cultural Correios, Rio de Janeiro. Estudou em Praga sob orientação de Josef Svoboda. Estagiou no Berliner Ensemble e na Ópera de Berlim. Em 1967, trabalhou no Teatro Studio de Havana, Cuba.

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MAQUETE DA OCUPAÇÃO FLÁVIO IMPÉRIO Um ateliê de artes compõe o espaço expositivo. Projeto de Helio Eichbauer, com assistência de Humberto Pio Guimarães.

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Fo t o g r a f i a M a r c e l o d a C o s t a

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Por Maria Thereza Vargas Flávio Império, Reprodução fotográfica Renato Cury

R o d r i g u e s C r u z , Te a t r o P o p u l a r d o S e s i , S ã o P a u l o , 1 9 7 7, A c e r v o

Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, direção de Osmar

Desenho de Flávio Império para cenário do espetáculo Noel

MATERIAIS SIMPLES PARA UM TEATRO VERDADEIRO


“Cantei, dancei, toquei piano”, “recitei nas festas escolares”, declarava Flávio Império em conversas e depoimentos. Anunciava assim seu pluralismo artístico e intensa curiosidade pelas letras, sons e movimentos. Não me disse que desenhava, nem que pretendia pintar quadros. Mas certamente não era contrário às artes plásticas, porque vi uma vez um desenho seu em uma seção juvenil – não me lembro em que jornal. No entanto, o gênero humano e suas histórias o atraíam. E por que não seus ambientes? Formou-se em arquitetura em 1961, mas já nessa época fascinava-o a aventura de juntar a ficção com a realidade, ainda que no caso ela fosse efêmera. Volta-se para o teatro, que já conhecera no tempo de colégio, atuando em alguma peça do dramaturgo Martins Penna (1825-1848), sob a direção do futuro grande homem de teatro Geraldo Mateus. Suas primeiras experiências datadas de 1956/1957 como encenador, cenógrafo e figurinista principiaram em volta de uma capelinha, com murais de Volpi, em um jardim planejado por Roberto Burle Marx. Tratava-se da Comunidade de Trabalho Cristo Operário, na então longínqua Estrada do Vergueiro, em São Paulo. Em um núcleo orientado pelo dominicano João Batista dos Santos, vindo de uma experiência como padre-operário de Saint Étienne, na França, Flávio montou com as crianças da pioneira Escolinha de Arte, criada por Cynira Stocco e Sabá Gervasio, Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado. Se já não era louvável crianças representando, esse modesto espetáculo proporcionou ao cenógrafo/figurinista diálogos sui generis. O que era o mar, já que estavam tão longe dele? O que era um pirata, de que cor era esse mar? Azul? Verde, alguns responderam. E a cor verde, via Flávio, dominou o espetáculo. Se faço esse preâmbulo é porque julgo as experiências nesse pequeno palco (4 x 3 metros?) fundamentais em sua carreira. Com operários e pequenos funcionários, Flávio aprendeu novos mundos. Com a exiguidade do teatrinho, a exigência da síntese e do essencial. Com a pobreza de meios, a riqueza transmutável dos materiais em volta. Assim foi que em uma brincadeira de Jean Anouilh (1910-1987), dramaturgo francês, um parque foi sugerido por bolas de gás coloridas, presas a um gradil de arame retorcido. A delicadeza das bolas não abandonava sua verdadeira condição, mas emprestava sua flexibilidade e suas cores para fazer parecer um jardim florido. 31

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Espetáculo Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, direção de Osmar Rodriguez Cruz, Te a t r o P o p u l a r d o S e s i , S ã o P a u l o , 1 9 7 7, A c e r v o F l á v i o I m p é r i o , Fo t o g r a f i a S i l v e s t r e S i l v a

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exiguidade dos palcos perseguia-o nos primeiros ambientes de trabalho. Flávio Império inventou uma cenografia para o pequeno espaço cênico do Teatro de Arena de São Paulo, no qual utensílios, adereços, objetos de cena e figurinos tivessem tal potencialidade, também dramática, que interagissem com as palavras dos textos e seus atuantes. Para Morte e Vida Severina (1960) no Teatro Natal (São Paulo), o fortalecimento visual apoiouse em materiais nunca antes utilizados na cena brasileira: estopa, algodão cru engomado, papelão corrugado e cola de madeira, usados no cenário, nos figurinos e nas máscaras. Mente criativa aguçada, no primeiro esboço tudo lhe vinha à cabeça. Tubos de aço da marca Mannesmann em Um Bonde Chamado Desejo (1962), num Teatro Oficina (São Paulo) de duas plateias, não demarcavam somente territórios. Eles atenuavam, pela aparente leveza, a atmosfera opressiva ao redor da ultrassensível personagem Blanche Dubois. Se os palcos de pouco espaço, a pobreza de meios e a falta de técnicos especializados nos primeiros tempos suscitaram em Flávio Império o artista/ artesão manipulador dos mais variados materiais, as viagens pelos interiores do Bra32

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sil, o contato com nova gente e suas artes também acrescentaram ao seu poder criativo novas luzes, novos tons e tecidos simples de flores singelas. randes achados iluminando uma nova fase, trazendo uma alegria de viver (a mesma procurada pelo artista) aos seus personagens e seus ambientes, tristemente fictícios.

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MARIA THEREZA VARGAS

é pesquisadora de teatro. Formada em dramaturgia e crítica pela Escola de Arte Dramática (EAD), integrou a primeira turma de pesquisadores do Idart (órgão de pesquisa ligado à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo). Desenvolveu alguns dos mais significativos títulos da bibliografia teatral contemporânea. Recebeu, em 1984, o Prêmio Jabuti – Biografia ou Memórias e, em 1998, o Prêmio Shell – Categoria Especial. É umas das autoras do roteiro do espetáculo Balanço de Vida, protagonizado por Walmor Chagas em 1973.

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Desenho de Flávio Império para cenário do espetáculo N o e l R o s a , o P o e t a d a V i l a e S e u s A m o r e s , Te a t r o Po pu la r d o Se s i , São Pau l o, 197 7, Ace r vo Fláv i o Império; Reprodução fotográfica Renato Cury


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Espetáculo Noel Rosa, o Poeta da

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Vila e Seus Amores, direção de

Desenhos de figurino feitos por

Flávio Império para o espetáculo

Osmar Rodriguez Cruz, Teatro

Flávio Império, 1960

Roda Viva, direção de José Celso

Popular do Sesi, 1977, São Paulo

Nanquim sobre papel

Martinez Corrêa, 1968

Acervo Flávio Império

Acervo Flávio Império

Acervo Flávio Império

Fotografia Silvestre Silva

Reprodução fotográfica Renato Cury

Reprodução fotográfica Renato Cury

Desenho de figurino feito por


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6 Desenho de estudo de cenário de

Desenho de estudo de cenário de

Flávio Império para o espetáculo

Flávio Império para o espetáculo

Noel Rosa, o Poeta da Vida e

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Depois da Queda, direção de Paulo

Seus Amores, direção de Osmar

Projeto de cenário de Flávio

José, 1964

Rodrigues Cruz, 1977

Império para o espetáculo

Hidrocor e lápis sobre papel

Lápis de cor sobre papel

Reveillon, direção de Paulo José,

milimetrado

milimetrado

1975, Nanquim e lápis sobre papel

Acervo Flávio Império

Acervo Flávio Império

Acervo Flávio Império

Reprodução fotográfica Renato Cury

Reprodução fotográfica Renato Cury

Reprodução fotográfica Renato Cury


T E C I D O S V E N T O Por Maria Cecília Cerrotti (Loira)

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uando ele morreu pensei que minha vida tinha acabado, mas estava enganada! Tudo estava começando. Eu só tinha caído do céu! Conheci o Flávio Império na FAU/USP, quando eu imprimia gravuras em serigrafia. O [artista] Claudio Tozzi trouxe da pop art as gravuras em silk-screen e nós, que imprimíamos cartazes para o grêmio da FAU, fomos transformados, por ele, em impressores. Assim fui apresentada ao Flávio. E o Flávio à serigrafia.

Seu primeiro projeto conosco foi Sou Pedro, Sou Antônio e Sou João. Fizemos uma pequena tiragem. O Flávio, não satisfeito, invadiu nossa oficina e mudou o jogo. Primeiro procurou suportes diferentes, como plástico, metal e tecido. Meteu a mão na massa, foi jogando tintas de cores diferentes diretamente na tela, passando o rodo de forma anárquica. Foram apare cendo bandeiras únicas, lindas.

O

O Flávio estava fazendo o cenário de A Cena Muda (1974), de Maria Bethânia. Fui com ele para o Rio de Janeiro imprimir desenhos de pombas nos tecidos que faziam o cenário do show. Ele sempre incorporava tudo o que gostava. Incorporou a mim e à serigrafia em seus projetos. Nunca mais abandonou o silk.

s santos, as pombas, as bandeirinhas e outras telas que achou na oficina (ele não tinha pudor nenhum em se apropriar do que gostasse) acabaram virando a exposição Festa de São João, de inauguração do Centro de Estudos Macunaíma (1973). Foram expostos quadros, bandeiras e roupas que eram para ser penduradas na parede quando não estivessem sendo usadas. Tudo isso regado a cafezinhos e bolo de fubá da Das Dores. 36

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A O

Das Dores era nossa mãe no bairro da Aclimação, em São Paulo. Morávamos numa casa dividida por gente legal. Tinha vagado um quarto e fui morar lá. Era a febre do super-8. Filmávamos tudo! Todos filmavam tudo! Era só o que tinha. Não tinha vídeo, muito menos celular, computador. Por um tempo não tínhamos nem telefone! E não precisava. Quem queria ia até lá e era bem recebido com cafezinho e bolo de fubá! A pura felicidade! A máxima simplicidade!

s móveis da casa tinham sido feitos pelo Flávio com restos de madeira de construção que ele encontrou por lá mesmo. A única coisa comprada foram os tambores de óleo que serviam de pés de mesa e bancos. Algumas bandeirinhas e nuvens pintadas voavam pelas paredes. O paraíso no Paraíso! Morávamos paralelo à Rua Paraíso, com direito à nascente com peixinhos

vermelhos e um riozinho fedidinho que passava pelo fundo do quintal, que fazia um barulhinho e estilhaçava os raios de sol, tingindo a jabuticabeira, o pitangão, a mangueira. Descíamos da rua por um barranco de manacás da serra. Nossos cachorros, Tunico, Gogoia e Ursinho; nosso papagaio; as pombas de leque: tudo isso a apenas alguns metros da Paulista! Um luxo.

Flávio Império, amigos e familiares, na casa da

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Aclimação, São Paulo, 1973, Acervo Flávio Império


escoberta sua plasticidade, a malha virou matéria de quase todos os cenários que o Flávio projetaria daí para a frente. Malha de fardo crua, no começo, depois tingida em casa nos panelões, transformou-se em cicloramas: asas celestiais como no Pássaro da Manhã, espetáculo de Maria Bethânia de 1977. O fardo cru não era ideal para tingir e começamos a usar meia malha de algodão alvejada, que resultava num colorido mais limpo. Conforme os patrocínios e apoios, íamos nos adaptando a outros materiais, como a laicra: a peça Othello (1982) tinha apoio da TDB (Têxtil David Bobrow), que a fa-

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bricava. O fundo da Ilha de Chipre foi fabricado com uma laicra para lingerie, cor da pele clara, impressa em silk com folhas de palmeiras em branco. Depois tudo foi tingido em degradê tons terra. O tingimento após a impressão dava uma tonalidade especial ao branco da tinta.

Rep rodução fotográ fica Rena to Cury

Acervo Flávio Imp ério

di reção d e Fauzi Arap, 1977

espetáculo Pá ssa ro da Ma nh ã , de Ma ria B ethâ nia ,

D

Maquete do cená rio de Flávio Imp ério pa ra 0

A malha eu não sei onde o Flávio arrumou. Já tinha levado uns pedaços para as aulas da FAU, feito uns quadros/esculturas. Quando o [diretor teatral] Fauzi Arap o chamou para fazer o cenário de A Cena Muda, peça em que os atores viviam na cabeça do autor, a malha se transformou num cérebro gigante que envolvia o palco e o público.


A malha, a impressão e o tingimento se tornaram nossos parceiros ideais! Às vezes havia um toque de brocal e lantejoulas. Trabalhar com o Flávio Império era muito bom!

Eu o comparava a Miguel Ângelo. Enérgico, às vezes malcriado, trabalhador incansável, acordava cedinho e às 9 horas já estava gritando pela casa e abrindo as janelas para acordar nossas almas boêmias e preguiçosas! Um dia, conversando no ateliê, ele estava com um pedaço de vergalhão nas mãos e, de repente, para meu deleite, entortou aquilo como se fosse manteiga! Enquanto manipulava um material ia percebendo sua essência e num golpe fatal o dominava e transformava docemente em seu comparsa. Assim era com as pessoas também. Era impossível não amá-lo e fácil odiá-lo às vezes, pois sua mente admirável não deixava nada para o dia seguinte.

E

nfim, viver com o Flávio no Paraíso, o Henrique Magalhães, a Das Dores e outros amigos; conviver com ele no teatro, nas viagens que fazíamos com o Henrique; ter contato com os amigos Isamara, Turco, Quim, Myrian Muniz, entre outros que nos visitavam; com bandeiras e sem elas... Tudo era muito bom!

Quando morreu, sua alma contaminou seus amigos, alunos, companheiros de trabalho. Ele foi a semente e o adubo do meu ser. Sua presença em exílio ainda hoje é difícil e um prato cheio para mim.

Maria Cecília Cerrotti (Loira) é cenógrafa formada pela FAU/USP. A partir de sua convivência com Flávio Im-

pério, enveredou pelas vertentes da cenografia e continua até hoje trabalhando nas áreas de eventos, exposições, festas e, com mais parcimônia, no teatro.

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Texto de Flávio Império para catálogo da exposição Matrizes, Filiais e Companhias (com obras de Flávio Império, Claudio Tozzi, Flávio Motta e Renina Katz), no Sesc Anchieta (hoje Sesc Consolação), São Paulo, 1979.

Logotipo “carne-seca” para catálogo da exposição Matrizes, Filiais e Companhias


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rocuro meu próprio equilíbrio entre o acaso e o improviso. Essa é uma chave que me acontece desde sempre e com a qual me acostumei ir vivendo. As bandeiras em pano “carne-seca” são a experiência mais próxima desse encontro possível, onde o incidente e o acidente se cruzam na criação de novas realidades. Vira e mexe, eu me perco de mim. Nessas, perambulando pelo Nordeste, acabei por me identificar com os tabuleiros de “carne-seca” dos mascates do Mercado de São José, no Recife. Ali, excluídas da convivência dos tecidos “normais”, a “carneseca” é vendida a quilo como “pano manchado”, “pano com defeito de fabricação”, sucata da indústria de estamparia, tanto do Sul como do Nordeste mesmo. Aos poucos decifrei sua linguagem. Resultante das operações de limpeza do equipamento industrial de impressão serigráfica de estamparia, os retalhos “carne-seca” retêm o rastro dos desenhos e padrões originais e o escorrido das tintas dissolvidas, de maneira aleatória.

Por Flávio Império

Combinados no puro jogo do azar, até os “padrões” mais pueris tornam-se interessantes. A nova imagem é a do largo gesto do trabalho de limpeza. Procurei encontrar, perguntando, uma possível origem para o nome. Acabei por supor que “carne-seca” traga sua conotação analógica ligada ao fato dos retalhos de pano, muitas vezes, ficarem grossos e duros de tinta, quase um couro, e serem vendidos em tabuleiros nas lojas e nas feiras. O “clima” em torno desses tabuleiros é de indisfarçável competição entre os interessados, pela sorte de se encontrar um retalho mais “melhorzinho”, que ainda dê uma roupa nova, relativamente decente. Isso se repete em qualquer cidade grande do Brasil: em Madureira, no Rio de Janeiro, na 25 de Março, em

Muitas vezes os “padrões” de estamparia aparecem decupados em suas matrizes componentes justapostas, superpostas, falhas ou contrapostas aos borrões e manchas das sobras de tinta. Tudo isso impresso “fora de registro”.


Acervo Flávio Império

Coleção particular

Serigrafia sobre tecido “carne-seca”, dimensões 200 x 80 cm

Cacho de Banana, 1979

São Paulo, por exemplo. Uma vez identificado o meu único interesse pelos “piorzinhos”, acabo contando com a colaboração divertida das minhas companheiras de tabuleiro. É muito raro um homem comprando pano... e os poucos, encabulados, vão logo explicando que é presente pra mãe ou pra namorada. Invariavelmente questionado quanto à minha estranha preferência, acabei encontrando na hipótese de fantasias de Carnaval a explicação mais simples e plausível. Fico com a impressão que “carne-seca” veste a miséria que se veste. Trabalhar impressões serigráficas sobre “carne-seca” passou a ser um treino do improviso, exigindo movimentos e decisões rápidas e atentas, na manipulação das matrizes, tintas, cores, técnicas de impressão. Uma estranha dança de preparações e limpeza, onde através de lances e relances as imagens vão se adequando aos fundos preexistentes.


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Na verdade, cada impressão no pano é somente um instante entre todos os movimentos e operações necessárias. A água para as tintas e para as assíduas lavagens das matrizes acaba por se tornar uma companhia constante nos pés e nas mãos e pela roupa toda, sempre úmida. O sol e o vento se combinam na secagem de cada fase de impressões, muitas vezes substituídos por chuvas que ameaçam dissolver até a alma. Aos poucos fui me familiarizando com a ação de imprimir, manipular as telas, cores e rodos; lavar, estender o pano pra secar, segurando o vento com pedras na ponta; sei lá, um conjunto infinito de ações, movimentos, momentos, jeitos de ver e usar especificamente cada um dos objetos em questão, coordenando essa dança sozinho, sem mordomia nem interferência. As bandeiras me libertam do plano fixo da “pintura”, conservam sua transparência real e mantêm Fo l h a d e B a n a n e i r a e M a n g a r á , 1 9 8 0

Serigrafia sobre tecido “carne-seca”

Coleção particular

Acervo Flávio Império


Serigra fia sobre tec ido “ca rne-seca ”, 1978, dimensões 184 x 76 c m Coleção pa rticula r Rep rodução fotográ fica Acervo Flávio I mp ério

Serigrafia sobre tecido “carne-seca”, 1978, dimensões 182 x 79 cm Coleção particular Reprodução fotográfica Acervo Flávio Império

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Co le ção pa r t i cu la r Compa nh ia s, Sesc A nc h ieta , 1979

pa ra a exp os ição Ma t rize s, F il ia is e

As s ina tura do a rtis ta publicada em ca tálo g o

d i me nsõ e s 81 x 85 cm

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dos artistas plásticos sonhadores e suas bandeiras maravilhosas.

quando, nos anos 80, Flávio Motta era o “porta-estandarte”

re-versões re-invenções re-lembranças das festas da Praça General Osório de Ipanema

os movimentos livres do pano ao vento ou nas mãos. Ao mesmo tempo teatrais e arquitetônicas, lembram os estádios lotados e o Carnaval, e o jeito antigo de fazer separações e “cortinas” nas casas do sertão. Se r i gr a f ia so b re t eci d o “carne-seca”, 1978 ,

Re p ro d u ção fo t o g ráfi ca Acervo Fláv i o Impér i o


Ma ria da s Dores, sem da ta Másca ra pa ra serigra fia ou p intura , dimensões 44 x 32,6 c m Acervo Flávio Imp ério



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Gravurista, pintora, escultora, cenógrafa e figurinista, a artista ítalo-brasileira Maria Bonomi guarda admiração e “uma saudade imensa” de seu parceiro e amigo Flávio Império. Nesta entrevista, ela conta do trabalho obstinado e determinante daquele cuja obra estabelece “uma sintaxe intimista como o único caminho possível a ser transmitido: uma generosa, serena e infinita aula de liberdade”.

ENTREVISTA MARIA BONOMI

e VISCERAL

Litografia sobre papel, sem data

Flávio Império, Renina Katz e Maria Bonomi,

dimensões 50 x 35 cm

Acervo Flávio Império

Por Mariana Lacerda


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Na sua opinião, qual foi a contribuição de Flávio Império para a história das artes no Brasil? Eu o destaco como o primeiro e único artista multimídia do Brasil. O Sábato Magaldi [crítico e historiador do teatro], num artigo publicado na Folha de S.Paulo (9 de outubro de 1999, “A Invenção do Cenógrafo”), o coloca também como primordial e norteador de todas essas tendências. Há, em momentos posteriores, outros novos artistas. Mas Flávio Império comparece de maneira mais completa e visceralmente multifacetada pela multimídia, dominando uma quantidade de atividades complexas do lado visual (como faziam os grandes homens artistas-artesões da renascença) e, ao mesmo tempo, indagando e reinventando o lado humano da nossa história da arte. Defino claramente a questão do seu operar múltiplo como de importância básica na arte brasileira. Totalmente autônomo e original.

Como o trabalho de Flávio Império se insere no período em que atuou, nas décadas de 1960, 1970 e 1980? Foi uma trajetória espelho da questão política, estética e social do fazer artístico brasileiro de cada década, respectivamente. É importante ver que Império arquiteto utiliza sua formação para construir e desconstruir questões. Ele opera conforme o tema ou o momento com a mesma comoção de Michelangelo, a exuberância de Leonardo e Goya, a exatidão de Escher e a safadeza anedótica de um Guido Crepax ou Egon Schiele. Ele renova o espaço teatral e o conceito de cenografia. Ele inaugura a participação do coletivo na criação do ateliê para um espetáculo, como um profundo observador de nossos rituais, de nossas essências comportamentais, alegrias, escabrosidades, facetas kitsh e folclóricas. Sua participação é polêmica nas grandes montagens cênicas que tivemos dos anos 1960 até os anos 1980. E também sua imagética. É impressionante como ele conduz a questão da cenografia e figurinos, como nela insere seus comentários pessoais, seu ponto de vista pela experimentação profunda de materiais e efeitos inovadores, sempre no sentido do coletivo – quando todos podiam participar de uma criação. Nunca é servil ao texto nem à direção, mas lhes agrega valores. Flávio Império foi um artista muito avançado que se firmou à margem de toda e qualquer moda estética importada. Por isso ele desfila uma porção de negativas, rejeita questões, tudo o que lhe é colocado “em cima”: o abstrato, o figurativo, o concreto, o neoconcreto e o conceitual. Ele não é adepto de nenhum rótulo, não é subjugado pela mídia de massa – numa época em que todos se mimetizavam para ser bem-sucedidos. É importante citar isso porque ele, quando jovem, já tinha independência e coragem – traços que se adquirem ao longo de uma carreira. Mas ele afirmava questões, já tinha propostas totalmente pessoais. Foi um artista sem intervalos, nem vazios, nem distâncias entre uma coisa e outra. O que acontecia no presente era vinculado ao que já havia acontecido antes, favorecendo o que surge depois. Isso ao longo das três décadas em que


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Você conviveu com Flávio Império. Que impressões guarda dele como amigo, como artista? Fui uma amiga assídua. Antes, durante e depois. Estou falando assim porque me coube montar o cenário que ele tinha iniciado para a comemoração dos 25 anos de carreira de Maria Bethânia, no Canecão do Rio de Janeiro, com direção de Bibi Ferreira (1990). Ele faleceu um pouco antes e me sobrou a herança de montar esse espetáculo, que retomei como cenógrafa a pedido dele. Montei uma pequena exposição com tudo que ele havia feito para Maria Bethânia e para o tropicalismo brasileiro. Fizemos um espetáculo-museu. Na noite de estreia (eu terminei supertarde, praticamente emendei o ensaio de luz com a estreia), cheguei

atuou. Sua obra é aberta no mais completo e rigoroso sentido da palavra. Artista completo, não aquele que busca surpresas, mas que faz uma proposta que não larga até ter sido percebida, vivenciada, tanto no plano aplicado ao teatro, quanto na pintura, na arquitetura. Ele também dominava a questão da perspectiva, o que o torna um descobridor. Esbanjava inventividade e inventava símbolos, ícones e associações consideradas espúrias e intolerantes pelos artistas oficiais daquela hora. Eu acredito que Flávio Império reuniu a maior habilidade de captar o clima psicológico da visualidade e do tempo que ele estava vivendo, nesses anos de 1960, 1970, 1980, chegando a viver tematicamente o seu momento histórico, social e afetivo; colocando isso em todas as superfícies do papel, dos tecidos, das telas ou dos palcos. Ele agrega fatores fisiológicos muito fortes, porque consegue retratar em temas com realismo em cores e gestos extremamente ousados. Ele é um artista transbordante, não se mantém do lado externo do tema, entra e atua dentro dele, busca o visceral da imagem e para isso vale tudo: o lápis, a serigrafia, a cola, a tesoura, o pincel. Vale o rigor também da arquitetura e o de uma informação alternada que ele captava em tempo curto, investigativo, em forte “antropologia”.

a ver Flávio andando e acenando que sim, que tava bom, que ele estava gostando, me aprovando, me sinalizando com o boné na cabeça. Nós mantivemos uma amizade longa, um convívio profissional muito estreito, trabalhávamos juntos muitas vezes. Acompanhei as produções dele, foi uma época em que eu também fazia muita cenografia. Fizemos até umas obras conjuntas. Uma delas está na Pinacoteca Municipal de São Paulo, referenciada na página 151 do catálogo das obras do Centro Cultural São Paulo. É uma litografia sobre papel feita em colaboração, cada um desenhava um pedaço. Uma pequena tiragem de 85 unidades, Flávio Império, Renina Katz e eu. Brincávamos, dizíamos que iríamos fazer uma litografia chamada Bundas ao Vento, uma obra protesto ao status quo da ditadura. Fizemos a quatro mãos outra litografia, que aparece em duas versões: A e B, de um trabalho chamado Ovos Fritos. Era uma brincadeira infinita, o lúdico nos unia dentro dessa cozinha fantástica que é o ateliê, onde acontecem coisas. Como amigo, Flávio era extremamente fiel e honesto. E como artista


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Que propostas especiais estão contidas no conjunto da obra de Flávio Império em serigrafia? Ele usou a serigrafia como forma de pintar, de realizar imagens, como uma linguagem do possível, para fixar e aproveitar “um residual pervertido” em telas diretamente ou aplicando panos sobrepostos. Serigrafava tecidos que poderiam ser usados como roupas ou aplicados. A serigrafia era mais um processo de expressão e conhecimento (que ele dominava muito bem) porque tinha essa questão do reproduzir e isolar questões que o interessavam, dando-lhe uma possibilidade de repetição e usando métodos como a tatogra-

ele abria o jogo completamente, trabalhava com a maior transparência e ficava continuamente iniciando questões e as colocando de uma maneira obsessiva, quase religiosa, litúrgica. Os materiais se tornavam sagrados. Isso foi o que ele me transmitiu ao trabalhar com ele: era realmente celebrar uma missa.

fia [impressão digital] e também à mão livre (desenhos primorosos). Era um grande enriquecimento para o pictórico. Que eu saiba ele não fez tiragens de serigrafia. Mas usava o sistema, o método, a técnica da serigrafia dentro das obras dele adicionada a outras superfícies. Para mim, o traço dominante da obra de Flávio Império, olhada no seu conjunto, é que ele nunca foi um ser tranquilo no resultado. Ele usava traços de desenho, ocupava-se com imagens reproduzidas, fotos e clichês somados através da serigrafia como palimpsestos. Ele misturava pintura, gravura, serigrafia, desenho. Há algo também de muito clássico nas suas obras. Ele revelava sua preocupação além de um só resultado, nunca uma permanência numa direção pura. Tudo valia no jogo de fazer, de agregar sua obra com nova distribuição de cores ou linhas numa grande mescla. Enfim, ocupava o espaço com todo seu talento, mas com qualquer meio que rendesse “linguagem”. Misturava tudo num profundo equilíbrio final, o que o torna super-contemporâneo profeticamente. Vejo como ele foi importante para mim na questão da cor. Ele tratou a cor de uma maneira lírica, quando permitia até situações absurdas, pouco naturais, pouco claras, porque o dominante era sempre a busca. Ele não falava de certos temas, ele criava o tema no próprio espaço-suporte e aí predominava e atendia uma diversidade de provocações. Ele era totalmente aberto para um infinito de descobertas que o faziam descarrilhar na hora certa, mas numa só direção. Portanto o valor de Flávio Império através dessas três décadas é inquestionável pela força da indagação e pela liberdade do exercício, raro nos demais artistas. Cabe ressaltar sua presença na revitalização de temas surrados. Estou me referindo a certas formas decorativas, flores, frutas, animais e signos, certas questões simbólicas e questões do corpo. Tudo isso era revitalizado pela forma como era tratado e inserido na obra. Digamos que tudo fazia parte por não fazer parte. Continuar a ver Flávio surpreende. Mas Flávio também domina e estabelece uma sintaxe intimista como o único caminho possível a ser transmitido: uma generosa, serena e infinita aula de liberdade.


A ARQUITETURA os últimos anos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, entre 1960 e 1961, Flávio Império já era conhecido como cenógrafo. Morte e Vida Severina [1960] foi para nós uma espécie de confirmação: materiais simples (saco de estopa engomado, papel e cola nas caveiras de boi) transfigurados pela invenção lúcida convinham realmente mais ao nosso tempo que a contrafação de modelos metropolitanos. A ousadia do desvio no uso habitual de coisas e materiais, propondo metáforas e faz de conta real, abria picadas para a nossa arquitetura”, escreveu Sérgio Ferro em texto publicado no catálogo da exposição Flávio Império em Cena (Sesc Pompeia, São Paulo, 1995).


érgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império eram amigos, dividiram ateliê (na Rua Marquês de Paranaguá, em São Paulo) e pranchetas. Juntos, formaram um grupo de arquitetos cujas propostas espaciais e construtivas têm sido indentificadas como uma “nova arquitetura”. m 1961, Flávio Império construiu “o seu primeiro projeto importante, a residência Simão Fausto, em Ubatuba”, escreveu Ferro. Sobre a casa, o historiador Boris Fausto, filho de Simão, escreveu (no livro Memórias de um Historiador de Domingo; Companhia das Letras, 2010): “De fato, a estrutura da casa é muito bonita, com a sucessão de voûtes [abóbodas], assim como o jardim suspenso, em lugar de uma laje ou de um telhado. A ampla sala conjugada à cozinha, as mesas de concreto, o chão de cimento pigmentado de vermelho, a sucessão de janelas de vidro comuns, sem proteção de grade, as voûtes pintadas de branco na parte interna, em contraste com o azul da parede do fundo, o teto em arco, de tijolos firmes, fabricados na praia de Maranduba, dão à construção um encanto que perdura na memória”.

Uba tuba, S P, 19 6 1 Fo to g r afia Re na t o Cu r y

(Por Mariana Lacerda)

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Resid ê nc ia S i mão Fau s t o, e m

m dos poucos exemplos de projetos arquitetônicos de Flávio Império, a casa de Ubatuba contém elementos que irão se repetir em seus projetos. “A densidade espacial, por exemplo, que aproveita a experiência teatral nos estritos palcos do Vergueiro, do Cacilda Becker, do Arena. Não é maneirismo: por falta de verdadeira experimentação em arquitetura [...], nos acostumamos a utilizar os projetos para os amigos coniventes como ocasiões para testar procedimentos apropriados para o que nos parecia fundamental – casa e equipamento popular”, escreveu Sérgio Ferro sobre o projeto de seu amigo e parceiro de trabalho.


HOMENAGEM

Por Amélia Império Hamburger

Escrever hoje uma coisa simples sobre o Flávio só pode ser dizer da imensa saudade. De sua presença atenta às nossas vidas, de sua força e alegria de compartilhar os pensamentos sensatos e insensatos, de sua gargalhada que pontilhava as absurdas ciladas das coisas sérias, de seus pequenos presentes sempre com significado e beleza, de sua solidariedade profunda e confortadora. Sua percepção era tão aguda que parecia se moldar às coisas e às pessoas. Sua inteligência fazia distanciamento, às vezes com generosidade, às vezes em versão cortante, mas sem intenção destrutiva. Ao contrário, sacudia e favorecia a renovação.

O kitsch e a violência, de forma e de sentimentos, em geral não tinham vez com ele, porque os aceitava como integrantes de nosso mundo. Ao aceitá-los, então, moldava-os e, quem sabe se poderia dizer, transformava-os, dandolhes o movimento de seu gesto e pensamento. Quando ele morreu, notei um fenômeno que me impressiona. Seus quadros, desenhos, gravuras, cenários, que sempre ele nos fazia ver e apreciar, nos pareceram mais fortes. Antes olhávamos também com seus olhos, e hoje, de forma um tanto misteriosa, sem a sua presença, os traços dizem mais. As cores e as formas contam, com mais viAMÉLIA IMPÉRIO HAMBURGER vacidade e coerência, da limpidez e da compleé irmã do artista. Foi uma das criadoras do xidade dos ramos e das harmonias de sua alma. Projeto Flávio Império e da Sociedade Cultural Flávio Império, inciativas de salvaguarda do seu acervo. Este texto foi originalmente escrito para publicação no catálogo da exposição Presente, no Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo, em 1995.

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Tem sido uma experiência gratificante ver como os jovens que hoje trabalham no levantamento e na catalogação de sua obra e da documentação, sem nunca tê-lo visto, o reconhecem também como pessoa. São Paulo, 8 de novembro de 1995


Esbo ço, 1978, d ime nsõ e s 6 6 x 2 4 c m Ace r vo Flávi o I mp é r i o


Fláv i o I mp é r i o ( em p é) e aluno s, na Facul dad e d e Arqui t e tura e Urba nis mo da Univers idade de São Pau lo, 1973/1974 , Acer vo Fláv i o Impér i o


ATRAVÉS DO ACERVO Por Maria Eduarda Arruk

Em meados dos anos 1990, ainda estudante do terceiro ano da FAU/USP, fui convidada a fazer parte da equipe que daria início ao trabalho de resgate da produção de um dos mais fecundos artistas brasileiros. Quase duas décadas se passaram. Ao revirar a memória, o que me lembro? Fragmentos de desenhos de cenários e figurinos, serigrafias, cartas e notas que não formam uma obra completa, mas que revelam o traço, as texturas, os coloridos, as perspectivas espaciais e a caligrafia de Flávio Império. E foi ali, na pequena garagem da casa de Amélia Hamburger, a Amelinha, irmã de Flávio Império, rodeada do mistério que eram aquelas mapotecas, arquivos e caixas e mais caixas de papelão que guardavam uma profusão de trabalhos, bem como objetos pessoais dele, que aprendi sobre a importância de manter uma relação íntima e afetiva com a obra de artistas na montagem de um cenário ou de uma exposição. Foi ali que também percebi quanto é fundamental o resgate, o cuidado e a preservação de toda e qualquer produção artística, assim com a criação de acervos abertos ao público. Naquele momento, tomei ainda conhecimento da necessidade, na formação do arquiteto, do contato com diferentes linguagens e áreas de atuação. Na época, a liberdade com que Flávio Império transitava pela arquitetura, pela cenografia, pelas artes plásticas, pela direção de arte e pelo ensino; a liberdade como ele experimentava diferentes materiais e técnicas apaziguou minha angústia de estudante que já sonhava em ser cenógrafa, mas que tinha de lidar diariamente com a rigidez da academia (na FAU, cenografia não fazia parte da grade curricular). Eu saía da faculdade lá pelas 5 da tarde e seguia para a casa de Amelinha, onde trabalhava até as 22 horas. Nessas longas horas, as portas de entrada ao universo artístico de Flávio Império, que havia morrido há não mais de dez anos, eram abertas pelas mãos cheias de generosidade e ternura, como também de força e determinação, de sua irmã. Ela nos convidava a tatear sem discrição cada detalhe dos figurinos do artista, as cores vibrantes das bananeiras de seu quintal, as linhas oníricas de seus cenários e as inusitadas perspectivas desses espaços poéticos – rompendo com preconceitos, com a ideia de arte confinada, mantida num pedestal e a certa distância. Seguíamos uma metodologia nada cronológica, mas que começou com as obras em suporte de papel do acervo pessoal de Flávio Império (mais tarde foram catalogadas as pinturas e as gravuras e documentadas fotograficamente as obras que estavam nas mãos de colecionadores e instituições). A cada dia, Amelinha retirava daquelas mapotecas arquivos e caixas de papelão que ficavam ali ao nosso redor na garagem de sua casa, com extremo cuidado e delicadeza, as peças sobre as quais deveríamos nos debruçar. Entre os desenhos e as serigrafias, aparecia um par de 57

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óculos, um relógio e, ainda, textos manuscritos e notas do artista. Amelinha não fazia distinção. Tudo era Flávio Império. Sendo assim, tudo deveria ser tratado com igual respeito, carinho e devoção. E tivemos o privilégio de fazer uma catalogação manual, não digital ou fotográfica (essas vieram mais tarde). Reproduzíamos um a um os desenhos de Flávio Império. Refazíamos seus traços nas fichas de papel sulfite e anotávamos onde o original estava danificado. A ideia era documentar, naquele exato momento em que era manuseada, o esMARIA EDUARDA ARRUK tado de conservação da obra. E era assim que é cenógrafa e diretora de arte. Arquiteta fordesbravávamos ainda mais a intimidade e a inmada pela FAU/USP, foi aluna do curso de dividualidade de Flávio Império como artista. cenografia do Centro de Pesquisa Teatral e coordenadora do departamento de cenografia do escritório de Felippe Crescenti. Assinou a cenografia de dezenas de espetáculos. Já recebeu os prêmios Pananco de melhor cenografia em teatro infantil e jovem (2005) e o Prêmio Femsa de melhor espetáculo (2010). Em 2011, foi premiada pela APCA como melhor direção de arte de espetáculo infantil. Foi professora do Instituto Tomie Ohtake para o projeto Ópera Estúdio.

ENTRE AS TELAS

No desafio de escrever este texto, deparei com a seguinte questão: de que forma Flávio Império influenciou o meu desenho de cenografia? O que posso dizer é que acredito e tenho projetado cenários pensando sempre na construção de um espaço poético, não realista. Na investigação de materiais, procuro transformar, assim como reinventar, objetos do cotidiano, a fim de construir um espaço onírico. É isso o que eu vi, ou senti, ou lembro ter vivido nos desenhos de Flávio Império.

Cruzando os gramados da USP, chegava-se à Sociedade Cultural Flávio Império. A pé. Lá, éramos recebidos pelo Pingo e pela Chuva, os cachorros da Por Andres Sandoval casa da Amélia Hamburger, irmã do Flávio Império. Depois do jardim, na garagem, ficava o acervo: uma grande mesa central, mapotecas ao fundo e três computadores laterais. O ambiente caseiro não nos impedia de ficar duplamente atentos: um olho aproveitava a oportunidade de tomar contato com a obra do artista, o outro se dedicava a cuidar dela. Não era fácil. Tínhamos de usar luvas, encontrar pequenas manchas e ao mesmo tempo aprender a ver – nós, que buscávamos uma formação visual. Na garagem do marido da Amélia, aprendemos a fazer estrelas de mandacarus com Maria das Dores, a musa de várias pinturas do Flávio. Enquanto recortávamos as famosas estrelas de papel forradas de tecido, alinhavávamos mentalmente as conversas, objetos e desenhos que tínhamos visto no acervo. Dava-nos vontade de imprimir folhas de bananeiras, de viajar para o Recife, de fazer cenários.

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Em 1995, começou a documentação do acervo que se encontrava fora dos arquivos da sociedade. Na visita à casa da Rua Marquês de Paranaguá, em São Paulo, onde Flávio Império teve um ateliê na edícula, nossa missão era fotografar as telas de serigrafia que estavam misturadas ao depósito geral da família. Como as telas eram grandes, fomos quatro catalogadores. Dois armavam o set: montar refletores, arrumar as paletas, nivelar a luminosidade. Os outros montavam a câmera: tripé, filmes, cartela de cinza médio e ficha descritiva. Registramos as marcas de tinta, a emulsão, a fita crepe descolada. Identificamos rugas e rasuras. Até que um dia nos ocorreu dançar atrás das telas. As cores, a contraluz, a transparência nos animaram a fotografar nossa coreografia improvisada. O tempo todo procurávamos formas de fazer experimentações com o que descobríamos. Mas foi na exposição Flávio Império em Cena, em 1997, no Sesc Pompeia, em São Paulo, que demos nossa primeira resposta gráfica e espacial ao que tínhamos aprendido. Quase todos os estudantes que haviam participado da catalogação foram convidados pela curadora Glaucia Amaral a integrar as diferentes equipes de trabalho que cuidariam da museografia, das instalações, A N D R E S S A N D O VA L das maquetes autômatas e das oficinas. Participei é ilustrador desde 2001. Participou da Bienal de da equipe coordenada pela arquiteta Maria Cecília Ilustração da Bratislava (Eslováquia) e do Salão Cerrotti, a Loira, que produziu a ambientação da do Livro de Montreuil (França). Desde 2006 ilusárea de convivência. A Loira foi amiga e assistente tra a seção Esquinas, da Revista Piauí. Publicou do Flávio. ilustrações pelas editora Companhia das Letras, No Sesc Pompeia, fizemos um Flávio Editora 34 e Planeta Tangerina. Seus murais já Império d’après, como Renina Katz simpatizou em coloriram o Sesc Pinheiros e o Pompeia, a galeria chamar, naquele que é um espaço desenhado por Melissa e o Edifício Simpatia, em São Paulo, além Lina Bo Bardi: não poderia haver melhor encontro. da Mostra de Ilustração de Zurique, a Illustrative.

APRENDI A APRENDER COM VOCÊ

Tenho pra mim que os homens pertencem de modo atemporal a dadas famílias espirituais e que as sincronicidades do cotidiano permitem, aos atentos, prazerosos encontros com seus pares, sempre vivos. Por Humberto Pio Guimarães E lá se vão 20 anos de paixão... Chovia a cântaros naquele dia do ano de 1991, em São Paulo. Desci correndo, mãe e tia impacientes no carro. Era uma exposição de Sérgio Ferro na Galeria São Paulo, olhos nas grandes telas rasgadas, ouvidos na reverberação do zetaflex. Naquele tempo eu morava em Mococa e tinha aulas de pintura com Maciel, ex-aluno do Flávio Império na Escola de Belas Artes, que guardava na cabeceira o livro Futuro Anterior. Dois anos depois ingressei na FAU/USP e no primeiro trabalho de história da arquitetura estudei a casa de Boris Fausto, no Butantã, projeto do Sérgio, com maqueta de papel encimada por claraboias-cotonetes.

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Projeto de figurino feito por Flávio Império para o espetáculo Sol do Meio-Dia, do Corpo de Baile de São Paulo, 1981, Acervo Flávio Império Reprodução fotográfica Renato Cury

Descobri na biblioteca da faculdade uma velha revista Acrópole e, nela, o trabalho em conjunto, nos anos 1960, de Sérgio, Flávio e Rodrigo Lefèvre. Nesse mesmo ano, inauguramos com os professores Battaglia, Betta e Érica um canteiro experimental de construção. Ali edificamos diminuta abóboda, forma perfeita pesquisada por aqueles três. No início de 1995, meu amigo Andres encontrou-me nas rampas da FAU com a notícia: estão procurando estagiário no acervo Flávio Império, quem me disse foi a Duda, do quarto ano, que está de saída. Dias depois eu tocava a campainha da casa da professora Amélia, que recebeu com delicadeza e atenção incomuns um jovem inseguro em sua primeira entrevista de trabalho: pois venha e traga os amigos! E fomos eu, Adriano, Cássia, Cláudio, Luana, Mayumi e Zé; e pouco depois o próprio Andres e a Márcia. Quase três anos de intenso trabalho na Sociedade Cultural Flávio Império, sediada em estúdio no quintal da casa da metafísica Amelinha e do Wolf, de quem privamos do amor e da inteligência. Dona Helena espreitava tudo, sem esconder o sorriso. Coordenados pela Dô, passávamos tardes identificando, organizando, descrevendo, condensando, documentando, recolhendo. Aprendemos a fotografar obras de arte e a reconhecer pontos de foxing. Ainda em 1995, celebramos os 60 anos do artista com a exposição Um Presente: Flávio Império, idealizada por Loira e Márcia, evento paralelo à mostra de teatro universitário Presente, promovida pelo Tusp no Centro Universitário Maria Antônia. Varamos uma noite lá na montagem, aprendemos a fazer boneca e a tensionar pano. 60

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Ficha catalográfica feita por Maria Eduarda Arruk Ace r vo Flávi o I mp é r i o

No começo de 1996, junto com a Cássia, fiz meu primeiro cenário, esticando malhas num café do Bexiga, à maneira de Flávio. Procurei sem êxito naquela rua por algum vestígio do velho Teatro Treze de Maio, o qual ele havia entulhado de vestígios de outros teatros, 20 anos antes, em Pano de Boca. Tempos depois, surpreso, descobri tratar-se do mesmo endereço. Em 1997, o Sesc Pompeia promoveu uma grande retrospectiva da obra do artista, com curadoria-geral de Glaucia e Renina. Nós, estagiários, fomos convidados a participar. Eu e Mayumi desenhamos com Andres e Guilherme a exposição Flávio Império em Cena. Desde então, trabalho com expografia. Tendo feito duas bolsas de iniciação científica sobre Flávio Império durante a graduação, resolvi anos depois de formado prosseguir meus estudos em São Carlos, investigando no mestrado as especificidades da obra de Rodrigo Brotero Lefèvre. Em 2009, a pedido da Vera, retornei à Sociedade Cultural Flávio Império para ajudar na organização do acervo do artista para doação. E com imenso prazer recebi o convite para trabalhar com Helio no projeto desta festa do trabalho aqui no Itaú Cultural, 2011.

HUMBERTO PIO

38 anos, é arquiteto (1999, FAU/USP) e mestre em arquitetura e urbanismo (2006, EESC/USP). Integra o Estúdio Risco (estudiorisco.com.br).

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Agradeço ao Flávio pelas congregações e evoco o mestre Flávio Motta, com quem estive em três oportunidades, para falar dele: “Penso no poder de ligar, nos recursos da lucidez de estar presente no futuro mais distante e no passado mais envelhecido, nessa presença de todos e de tudo num mesmo instante”.


OCUPAÇÃO FLÁVIO IMPÉRIO quinta 2 junho a domingo 17 julho 2011 terça a sexta 9h às 20h sábado domingo feriado 11h às 20h piso térreo

ATELIÊ DE SERIGRAFIA OCUPAÇÃO FLÁVIO IMPÉRIO quinta 2 junho a domingo 17 julho

terça a sexta 10h30 às 19h30 sábado domingo feriado 11h às 19h30

SEMINÁRIO

[indicado para crianças a partir de 6 anos]

piso térreo

sala itaú cultural 247 lugares

quinta 2 19h30 No Espetáculo com José Celso Martinez Corrêa, Susana Yamauchi e Márcio Medina mediação Marcelina Gorni

sábado 4 17h No Plano do Objeto com Loira, Rafic Farah e Jacopo Crivelli mediação Marcelina Gorni

sexta 3 19h30 Na Arquitetura com Sérgio Ferro e Carlos A. Ferreira Martins mediação Ana Paula Koury

domingo 5 17h Na Sala de Aula com Márcia Benevento e Paulo von Poser mediação Marcelina Gorni

MOSTRA DE FILMES

sala vermelha 70 lugares – ingressos distribuídos às 14h30

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quinta 2 15h Doces Bárbaros, 17h Bixiga, a Bela Vista do Palco Brasileiro e 17h30 Flávio Império em Tempo

sábado 4 15h Doces Bárbaros, 17h Bixiga, a Bela Vista do Palco Brasileiro e 17h30 Flávio Império em Tempo

sexta 3 15h Absurdos e 16h10 O Profeta da Fome

domingo 5 15h Absurdos e 16h10 O Profeta da Fome


SINOPSE DOS FILMES

DOCES BÁRBAROS é um registro de ensaios, show e conversas entre Maria Bethânia, Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso, artistas que formavam esse grupo, criado em 1976 para comemorar os dez anos de carreira de seus participantes. A cenografia para o show de Doces Bárbaros é de Flávio Império. L

O PROFETA DA FOME é um filme de ficção que conta a história de um faquir que trabalha em um pequeno circo do interior. Com cenário e figurino de Flávio Império, o filme representou o Brasil no Festival de Cinema de Berlim de 1970 e, no mesmo ano, ganhou os prêmios de melhor roteiro, argumento, montagem e atriz coadjuvante (Julia Miranda) no Festival de Cinema de Brasília. 16

ABSURDOS (OU OS DOZE TRABALHOS DE FLÉRCULES) é um registro de espetáculo de dança pertencente ao acervo do Teatro Municipal de São Paulo. Produzido em 1984, tem roteiro e coordenação-geral de Flávio Império, Susana Yamauchi e Julia Ziviani. A coreografia é de Susana Yamauchi. Os cenários, os figurinos, a trilha sonora e a iluminação são assinados por Flávio Império. L FLÁVIO IMPÉRIO EM TEMPO é um documentário que aborda a vida e a obra do artista e sua importância no cenário artístico brasileiro. Depoimentos de familiares, amigos e expoentes da cultura brasileira do século XX (Renina Katz, José Celso Martinez Corrêa, Maria Bethânia, Paulo Mendes da Rocha, entre outros), fornecem um panorama de sua atuação como artista múltiplo nas artes visuais e cênicas, na arquitetura e também como professor. L

BIXIGA, A BELA VISTA DO PALCO BRASILEIRO Centro de resistência e vanguarda, as ruas do Bexiga abrigaram uma das paisagens cênicas mais significativas da cultura nacional. Curta homenagem ao teatro, seus artistas e suas obras, este documentário conta com a participação de Antunes Filho, Cleyde Yáconis, Jefferson Del Rios, José Celso Martinez Corrêa, Juca de Oliveira, Maria Thereza Vargas, Nydia Lícia, Paulo César Pereio, Renato Borgui, Sábato Magaldi, Sérgio Mamberti, entre outros nomes. O filme traz imagens em super-8 captadas por Flávio Império para seu documentário A Pequena Ilha da Sicília. L 63

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PARTICIPANTES ANA PAULA KOURY é arquiteta e urbanista pela USP (1991). Autora do livro Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro, Romano Guerra (Edusp, Fapesp, 2003), é professora dos cursos de graduação e pósgraduação em arquitetura e urbanismo da USJT, em São Paulo. É pesquisadora do grupo de pesquisa (CNPq-FAU/USP) liderado por Nabil Bonduki sobre habitação social brasileira entre 1930 e 1964.

CARLOS A. FERREIRA MARTINS é arquiteto. Professor, pesquisador e orientador dos cursos de mestrado e doutorado do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP/São Carlos. Coordena a Coleção Fontes da Arquitetura Moderna (Editora Cosac Naify) e organizou, pela mesma coleção, o volume Depois do Cubismo, de Amedée Ozenfant e Le Cobusier; e a coletânea Textos sobre Arte e Arquitetura do Século XX, de Gregory Warchavchik.

JACOPO CRIVELLI VISCONTI é crítico e curador de arte contemporânea. Nascido em Nápoles (Itália), em 1973, é doutorando em arquitetura pela FAU/USP. Como curador da Fundação Bienal de São Paulo, foi responsável pela participação oficial brasileira na 52ª Bienal de Veneza (2007), além das bienais de Cuenca (Equador, 2004, 2007 e 2009), Lulea (Suécia, 2005 e 2007) e Nova Délhi (Índia, 2005).

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA é diretor, autor e ator. Lidera o Teatro Oficina, em São Paulo. Encena espetáculos considerados antológicos, como O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, 1967. Nos anos 1970, vivenciou as experiências da contracultura, transformando-se em líder de uma comunidade teatral e das montagens de suas criações coletivas. Ressurgiu nos anos 1990, numa nova organização da companhia, propondo uma interação constante entre vida e teatro. Algumas das mais importantes encenações desse período – Hamlet, de Shakespeare (1993), As Bacantes, de Eurípedes (1996), e Cacilda! (autoria do diretor, 1998) – propõem a desestruturação e reescritura dos textos originais, em prol da incorporação de material autobiográfico dos integrantes ou do próprio Oficina. Em 2002, inicia a realização de um antigo sonho, a montagem na íntegra da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. Em 2011, realiza um ciclo de peças chamado Dionizíacas Urbanas Antropófagas em Sampã.

MARCELINA GORNI é arquiteta. Fez mestrado em arquitetura e urbanismo pela USP/São Carlos, com dissertação intitulada “Flávio Império – Arquiteto e Professor”. Atualmente é professora efetiva do curso de arquitetura e urbanismo da UEG.

MÁRCIA BENEVENTO é arquiteta e professora universitária. Em 1975, recém-formada, participou do grupo da Casa da Aclimação, onde compartilhou experiências com Flávio Império, despertando o seu interesse pela cenografia. Em 1982, foi convidada pela arquiteta Lina Bo Bardi a colaborar nas exposições temáticas de cunho cenográfico no Sesc Pompeia. Em arquitetura, desenvolve pesquisa voltada para estética e percepção na arquitetura lúdica.

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MÁRCIO MUNHÓZ MEDINA é cenógrafo e figurinista. Já foi diretor de arte do centro de pesquisa teatral em Pontedera, na Itália, lugar que segue os princípios do diretor teatral polonês Jerzy Grotowski. No Brasil, iniciou seu trabalho como cenógrafo e diretor de arte em 1978. Já trabalhou em parcerias com Companhia do Latão, Grupo Galpão, Cacá Carvalho, Cia. Balagan, Denise Fraga, Teatro da Vertigem, entre outros. Em 2003, representou o Brasil na Quadrienal de Cenografia de Praga.

MARIA CECÍLIA CERROTTI (LOIRA) é arquiteta e cenógrafa. A partir de sua convivência com Flávio Império, enveredou pelas vertentes da cenografia e continua até hoje trabalhando nas áreas de eventos, exposições, festas e teatro.

PAULO VON POSER é arquiteto e artista visual. Professor das faculdades de arquitetura da Escola da Cidade, em São Paulo, e da FAU/Unisantos, onde leciona desde 1986. Um importante trabalho de Poser foi a pintura no Theatro Guarany, em Santos (SP). Em 2010, lançou seu primeiro livro, A Cidade e a Rosa, em que apresenta sua trajetória artística nos últimos 25 anos.

RAFIC FARAH é arquiteto. Fundador e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade. Designer e fotógrafo desde 1981 no seu próprio escritório, São Paulo Criação, onde atua nas áreas culturais, editorias e institutionais. Entre seus trabalhos, destacam-se o cartaz da Eco 92 no Rio de Janeiro e a criação do logo e da escultura do Museu da Língua Portuguesa, em 2006, para a Fundação Roberto Marinho. Representou o seu país em várias exposições coletivas: Brazil Designs, na Art Directors Club em Nova York, 1988; 12 Brazilianer, em Von Oertzen Gallery, Frankfurt, 1989; Graphistes Autour du Monde, Paris, 2000. Participou da publicação Gráfica Vê o Brasil, na Ginza Graphic Gallery, Tóquio, em novembro de 2002. Também fez parte da 16th International Poster Festival em Chaumont, França: Le Brésil en Affiche (Posters do Brasil), uma exposição com cem pôsteres contemporâneos. Publicou em 2001 o livro Como Vi.

SÉRGIO FERRO é arquiteto, nascido em Curitiba. Diplomou-se em arquitetura pela FAU/USP em 1961. Trabalhou em parceria com Rodrigo Lefèvre e Flávio Império em diversos projetos de arquitetura, até que o período da ditadura militar o obrigou a deixar o Brasil. Vive na França desde 1972, tendo sido professor na Escola Nacional Superior de Arquitetura de Grenoble e na Escola de Belas Artes, na mesma cidade. Em 1992, recebeu a comenda de Chevalier des Arts et des Lettres.

SUSANA YAMAUCHI é coreógrafa, bailarina, professora e diretora. Sua formação inclui a Escola Municipal de Bailados, o Teatro Galpão, o Balé Stagium, além das escolas de Alvin Ailey e Merce Cunningham. Profissional desde 1975, acumulou vasta produção coreográfica em grupos e companhias brasileiras, como o Balé da Cidade de São Paulo e o Teatro Castro Alves, além dos prêmios APCA, por Kiuanka, e Molière por Certas Mulheres. Em 1984 recebeu bolsa de estudos da Capes-Fullbright para aperfeiçoamento em dança moderna com Jeniffer Muller, em Nova York. Dançou na companhia de Larry Richardson, em Nova York, e em turnê pela Itália e Espanha. Atualmente, é diretora da Escola Municipal de Bailados.

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FICHA TÉCNICA OCUPAÇÃO FLÁVIO IMPÉRIO Coordenação-geral e organização Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural: Sonia Sobral, Cristina Espírito Santo e Débora Carillo Concepção e coordenação de conteúdo Vera Hamburger Cenografia Helio Eichbauer Assistência de cenografia Humberto Pio Guimarães Pesquisa Humberto Pio Guimarães e Yuri Fomin Quevedo

Produção e montagem do espaço expositivo Cristiane Zago, Edvaldo Inácio, Erica Pedrosa, Henrique Soarez, Melissa Contessoto, Paula Falco e Wanderley Bispo

Consultoria para reprodução de gravuras e telas Loira

Colaboração em pesquisa Fernando Timba e Paloma Elisa Cassiano

Cenografia de auditório para ciclo de debates Loira

Filmes super-8 Flávio Império e amigos

Agradecimento especial Renina Katz

Impressão artística Árvore da Vida Loira

Edição de imagens em super-8 Raimo Benedetti

EXPEDIENTE PUBLICAÇÃO OCUPAÇÃO FLÁVIO IMPÉRIO Concepção e coordenação editorial Núcleo de Comunicação do Itaú Cultural

Produção editorial Maria Clara Matos

Coordenação de conteúdo Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural e Vera Hamburger

Revisão Ciça Corrêa, Nelson Visconti e Polyana Lima

Edição Mariana Lacerda

Imagens Acervo Flávio Império

Direção de arte Jader Rosa

Reproduções fotográficas Ding Musa, Hideo Hayachiguti e Renato Cury

Projeto gráfico Estevan Pelli

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Agradecimento Yuri Fomin Quevedo



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Capa e quarta capa Tela matriz para serigrafia 1978; dimensões 161 x 108 cm Acervo Flávio Império Reprodução fotográfica Ding Musa


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