Ocupação Ballet Stagium

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Por que danรงar? Onde danรงar? Para quem danรงar?


Itaú Cultural revela ao público, na 11ª edição do programa Ocupação, a trajetória de uma das principais companhias de dança do Brasil, o Ballet Stagium, que completou 40 anos de atividade em outubro de 2011. A exposição, com curadoria de Edgard Duprat, Carlos Gardin e Pedro Markun, traz centenas de registros audiovisuais coletados por Duprat ao longo da história do grupo, entre ensaios, viagens, apresentações e a vivência dos bailarinos. O projeto cenográfico, criado por Gardin, em parceria com Marcelo Larrea, não poderia ser outro, em se tratando de uma companhia autenticamente mambembe: o interior de um ônibus. Outros elementos compõem a expografia: a sala de ensaio, primeiro ambiente do percurso, espaço sagrado para todo bailarino, lugar de experimentação, disciplina e aprendizado; e as praças e arquibancadas, afirmação de que todo artista tem de ir aonde o povo está Criado e ainda hoje coordenado pelos bailarinos Marika Gidali e Décio Otero, o Ballet Stagium foi escola, direta ou indiretamente, de toda uma geração de bailarinos brasileiros em atividade atualmente. Pioneiro na concepção de uma dança com as feições da nossa arte e cultura, representativa das pessoas e das assimetrias territoriais brasileiras, o grupo é um exemplo de dedicação e perseverança no meio artístico. Desde seu início, rompeu fronteiras, tanto físicas quanto estéticas, ao desbravar o país, nutrindo-se do que vivenciava e contribuindo para a democratização da dança, ao se apresentar não só em teatros, mas em qualquer lugar, bastando apenas estender o tecido que fazia as vezes de palco

Esta

publicação,

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que oferece ao público uma extensão do que é apresentado na exposição – bem como no site (itaucultural.org.br/ocupacao) –, abre espaço para que profissionais que fizeram (ou ainda fazem) parte dessa trajetória deem seu depoimento e façam reflexões sobre os aspectos que permeiam a história do Stagium: sua filosofia, resumida nas perguntas-chave por que dançar?, onde dançar? e para quem dançar?; seu caráter vanguardista, ao apresentar temáticas e práticas nunca antes vistas na dança brasileira; os bailarinos, cenógrafos, músicos e figurinistas que colaboraram nos vários projetos; além da capacidade excepcional de manutenção e sobrevivência da companhia Uma galeria de fotos de autoria do fotógrafo Emidio Luisi, que registrou grande parte dos espetáculos ao longo dos anos, mostra imagens dos bailarinos em cena, muitas vezes desafiando os limites do corpo e da gravidade. Um infográfico, especialmente concebido para este momento, pretende mostrar com palavras e conceitos a enorme teia de referências que compõe o processo criativo do Stagium e reitera a influência que o grupo exerceu sobre o que foi e ainda é feito na dança brasileira

A Ocupa-

ção é mais uma das iniciativas do Itaú Cultural para recuperar e preservar a memória artística brasileira. Criado em 2009, o programa apresentou exposições de Nelson Leirner, Chico Science, Zé Celso, Regina Silveira, Abraham Palatnik, Rogério Sganzerla, Paulo Leminski, Haroldo de Campos, Flávio Império e Cildo Meireles, além de apoiar a digitalização, organização e edição de acervos desses artistas,

Itaú Cultural

ação que se repete com o Ballet Stagium

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Sumário

Texto institucional

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Nunca antes na dança brasileira Um tempo que não se extingue Helena Katz

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Utopia Um balé brasileiro Sonia Sobral

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Depoimentos

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Apresentação Marika Gidali

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Filosofia Um modo de viver Oswaldo Mendes

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Gente Todas as gentes do Stagium Cássia Navas

Bailarinos

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É muito emocionante, neste momento, escrever algo para a exposição dos 40 anos do Stagium. Parece que tudo começou ontem. Vamos tentar recordar um pouco: nós nos conhecemos no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1956. Foi uma antipatia mútua. Mesmo assim tivemos a experiência de dançar juntos em uma coreografia de Leonide Massine e Igor Schwezoff que, na verdade, não foi nada má

Voltei para

São Paulo e criei coreografias para teatro convidada por Claudio Petraglia [então diretor da TV Cultura] e pelo diretor teatral Ademar Guerra. Este mais tarde se juntaria a nós na fundação do Ballet Stagium. Décio continuou a dançar no Rio de Janeiro por mais alguns anos. Depois foi para a Europa a convite de Serge Golovine, tendo participado de várias companhias importantes na Suíça e na Alemanha Resultado dessa preliminar: tive uma experi-

Apresentação

ência fundamental em técnicas teatrais e Décio voltou com grande vivência da Europa. Reencontramo-nos em Curitiba para dar aulas no Curso do Teatro Guaíra. O momento foi histórico: paixão à primeira vista! Resultado, casamento! Logo depois, em 1971, criamos o Ballet Stagium

Só pensávamos em dan-

çar, coreografar e juntar mais bailarinos com o intuito de formar um grupo. Várias experiências aconteceram, como quando Claudio Petraglia escolheu o grupo para participar do programa Convite à Dança, na TV Cultura. Ao terminar, propusemos, junto com a bailarina Geralda Bezerra, continuar o grupo que passaria a ser o Ballet Stagium

A luta começou,

pois vários pontos deveriam ser resolvidos. A parte filosófica principalmente,

8


que resultaria na estética das coreografias. Sobrevivência, que levaria às viagens pelo Brasil. Discutir conteúdo das coreografias com a análise e a pesquisa do momento social muito complicado da década de 1970

As viagens

acabaram nos mostrando um Brasil problemático, mas maravilhoso, que excitava a criatividade: origens, paisagens, raízes e pessoas simples e dançantes. Enfim, tudo novo e instigante. Nascimento de brasilidade. Coreografias escritas para ser entendidas por todos; simples, criativas, ricas em movimentação. Aprofundamos o estudo da dança-teatro, e ao mesmo tempo nos recusamos a qualquer estilo imposto, misturando tudo sem preconceitos Marika Gidali

São 40 anos de desafios, conquistas, derrotas, prêmios e mais prêmios... Porém, o prêmio maior e o mais importante é sem dúvida a formação de multiplicadores, cada um com sua leitura sobre o próprio trabalho

O

Stagium continua na resistência, abrindo vários caminhos e possibilidades a todos. Éramos três: eu, Décio e Geralda; somos hoje centenas de bailarinos e seis filhos, também envolvidos na dança, cada um de uma maneira diferente. Nosso filho Edgard Duprat, que por vários anos trabalhou ao nosso lado em várias funções, inclusive a de bailarino, registrou e registra todas as ações do Stagium, salvando assim um gigantesco acervo de acontecimentos

Só temos a agradecer

a Deus por ter nos dado a oportunidade de viver cada segundo desses 40 anos sempre em plenitude; e por saber que contribuímos para que outros sonhadores pudessem mergulhar nos caminhos da cultura. Certamente alguma coisa ficará para o futuro, mesmo que seja somente a história.

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Um tempo que n達o se extingue

Helena Katz


Foram 40 anos muito especiais, que

nhia de dança a percorrer todo o ter-

começaram em pleno AI-5 e viram a

ritório brasileiro, costurando-o com

ditadura se transformar em demo-

seus espetáculos, palestras, aulas e

cracia e a globalização se instalar em

workshops. Bandeirantes desbrava-

um país com distorções sociais tão

dores em um tempo em que não exis-

gigantes quanto o seu tamanho. E

tiam as condições atuais de financia-

nele construíram não somente a sua

mento para a circulação, aculturavam

história, mas uma nova história para

a proposta béjartiana de fazer a dança

toda a dança: no Brasil do século XX,

de seu tempo à sua maneira, sempre

o Ballet Stagium divide o que existiu

educando aqueles com quem entra-

em antes e depois

vam em contato

Em tempos

Era um tempo em

de obsolescência programada por um

que as informações não podiam ser

consumismo desenfreado, o que não

googladas tampouco youtubadas. A

se apresenta como novidade tende a

solidez dos rastros que iam produzin-

não durar. Ou a ser invisibilizado por

do era o que contava nessa teia que foi

um conjunto de fatores associados,

sendo construída em um movimento

que, no caso da dança, estão relacio-

de auto-organização: das premissas

nados com a deficiência na sua educa-

do balé para o encontro com a cultu-

ção e com o silenciamento da mídia.

ra e a diversidade brasileira; dos es-

Sem acesso ao que acontece e acon-

petáculos para se comunicarem com

teceu, porque rareiam cada vez mais

todos para a necessidade de formali-

as oportunidades de se encontrar com

zar um processo de educação de sen-

essas informações, tendemos a pen-

sibilidades; deste para a urgência em

sar o mundo a partir de nós mesmos –

atuar na educação mais diretamente;

com todos os riscos aí implicados

e dessa percepção para a identificação

A importância de uma exposição para

de que seria indispensável atuar na

celebrar os 40 anos do Ballet Stagium

formação dos professores. A mesma

aumenta ainda mais quando se tem

filosofia transbordando de uma para

clareza desse contexto. Trazer à luz

outra iniciativa. Muito antes da época

um pouco do tanto que o Stagium

das contrapartidas, o Stagium dilatou

vem fazendo tem sabor de construção

o alcance social de seu trabalho artís-

de cidadania em um campo que não

tico, desenvolvendo projetos pedagó-

cultiva a sua memória. Espalha-se a

gicos na Fundação Estadual para o

esperança de que algumas utopias

Bem-Estar do Menor (Febem) [atual

podem dar certo. A do Stagium var-

Fundação Casa], nas escolas públicas

reu o país como exemplo de um tipo

– eco na educação do que já faziam

de artista que dedica a vida a fazer o

quando buscavam se apresentar fora

que escolheu, com ou sem boas con-

dos teatros, seja dançando nas areias

dições para levar seu trabalho adiante

ribeirinhas das populações do Rio

Foi o Stagium a primeira compa-

São Francisco, no Parque Nacional do

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Xingu, seja desfilando em escola de

Brasil e no restante da América Lati-

samba, ou se apresentando em pre-

na. Hoje, contudo, o significado dessa

sídios, hospitais, quadras, pátios etc

postura, infelizmente, mal pode ser

Ano após ano, suas missões ex-

dimensionado por quem não o viveu.

ploratórias iam tecendo um novo per-

Ocorreu um percurso que merece re-

fil para a dança no Brasil. Os lugares

flexão: as danças até então feitas por

eram os mais distintos, mas a missão

Décio Otero e Marika Gidali antes do

era a mesma: mostrar como fazer uma

Stagium transformaram-se no pas-

dança que falasse um “português”

sado das outras danças, que logo co-

que todos entendessem

Nos

meçaram a gestar. Elas ainda se dese-

anos 1970, esse “português” era não

nhavam em Dessincronia, Impressions

somente o corpo formado na técnica

e Alegretto, todas de 1971, seu primei-

do balé, mas sobretudo certo modo

ro ano de existência, mas em seguida

de pensar a dança como uma lingua-

deram lugar a Diadorim (1972), Das

gem artística que fala de algo. Fala

Terras de Benvirá (1975), Quebradas

sobre acontecimentos, sentimentos e

do Mundaréu (1975), Mulheres Argen-

emoções; é uma dança que comunica

tinas (1977), Kuarup ou a Questão do

para mobilizar, com a sua proposta,

Índio (1977), Dança das Cabeças (1978),

quem a vê. Aí está o chão que susten-

Coisas do Brasil (1978), A Mi América

ta o balé moderno, tão bem enraizado

(1979), Santa Maria de Iquique (1982),

entre nós, um enraizamento no qual o

Estatutos do Homem (1983), Missa dos

Ballet Stagium tem papel de destaque

Quilombos (1984), Pantanal (1986), Cé-

Décio Otero costurou um jeito seu

sio 137 (1987), Que Saudade, Elis! (1988)

de fazer a dança falar sobre qualquer

e A Floresta do Amazonas (1989)

que seja o assunto eleito. Nos tempos

Depois da abertura do país à demo-

da ditadura, os temas que escolhia

cracia, a inserção do Stagium muda,

mobilizavam multidões. Espetácu-

mas seu compromisso permanece:

los do Stagium eram possibilidades

Sair pro Mar (1990), Shamaim (1992),

de encontrar e reconhecer outras vo-

Choros – os Estudos Brasileiros (1993),

zes silenciadas pelo mesmo medo de

Anjos da Praça (1995), Pátio dos Mi-

uma repressão violenta e assassina.

lagres (2001), Stagium Dança Chico

Tornavam visíveis – para aqueles

Buarque (2005), Mané Gostoso (2010)

que não conseguiam torná-las audí-

e Adoniran (2011)

veis – as questões que mais impor-

e Marika Gidali foram apurando o

tavam. Nessa época, não se assistia

ponto da mistura entre dança, teatro e

a um espetáculo do Stagium: você se

música e acabaram por transformá-lo

filiava ao que lá estava sendo mostra-

na sua marca. Esse é o eixo principal

do. Era uma senha de pertencimento

do legado do Stagium, que irrigou o

Um sobrevoo pelo seu repertório

país e fez moderno o Brasil, produ-

evidencia o foco no que acontecia no

zindo outro tipo de “corpo nacional”,

Décio Otero

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diferente do proposto no Ballet do

a trilha sonora é marcado pela música

Theatro Municipal do Rio de Janeiro

popular, ela também opera como mais

e, como ele, ligado à questão do nacio-

uma plataforma de acesso;

nalismo que atravessa a nossa moder-

compreensão de teatro como espaço

nidade

Algumas das proposições

de representação de personagens, que

do Stagium na configuração do balé

se traduz em caracterizações gestuais

moderno no Brasil foram:

e no emprego de adereços que os su-

um

jeito de ocupar o espaço, distribuin-

blinham

do nele as sequências de frases, que

outros traços, o Stagium vai refinando

foram ganhando tamanhos e formas

a sua habilidade em construir danças

variadas de inserção. Nelas, o final

que falam sobre temas. Décio torna-se

em pose foi sendo retrabalhado, o que

o mestre da dança narrativa moderna

tem um valor simbólico importante,

que continua a se espalhar pelo Bra-

por indicar o reprocessamento da li-

sil

nhagem em balé clássico da qual tanto

40 anos gestaram artisticamente com

Décio quanto Marika vieram;

a

o nome Stagium, não se compreende o

utilização de materiais triviais (jor-

país hoje, em termos de dança. Todos

nais, fios, retalhos, cordas etc.) para

os que estão, agora, fazendo algo com

cenografia e figurinos, colaborando

dança, saibam ou não, devem alguma

para aproximá-los ainda mais de um

coisa ao Ballet Stagium. Quando isso

Brasil que não tinha familiaridade

ficar claro para a maioria, um pouco

com a dança e que, com o Stagium,

da dívida que temos com quem pa-

encontrava uma linguagem mostrada

vimentou um caminho que pôde se

em imagens que “falavam português”;

pluralizar em tantas outras rotas co-

o uso da música como um maestro que assegura o pulso dos movimentos. E, quando tal modo de produzir

14

uma

Com esses, em meio a

Sem desvendar o que esses

meçará a ser paga.


Helena Katz é professora no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica e no Curso Comunicação das Artes do Corpo, na PUC/SP, professora na Escola de Dança da UFBA e crítica de dança do jornal O Estado de S. Paulo.

15


Começamos eu, Décio e Geralda na Sarandi querendo dançar. Era só isso no começo. A vontade de dançar. Não sabíamos aonde ia chegar.” Marika Gidali


17


Filosofia Oswaldo Mendes

Um modo de viver

“O renascimento da dança como forma de cultura e de vida é parte de uma luta mais geral por um modo novo de vida, por um novo regime econômico e político, por um homem novo. A escolha existe – é preciso repetir sempre – e nós somos responsáveis por ela: civilização do confronto ou civilização do coral.” Roger Garaudy


A dança não é apenas uma arte, mas

e por acompanhar a sua trajetória an-

um modo de viver.” O filósofo Roger

tes mesmo de outubro de 1971, sempre

Garaudy resumia assim seu pensa-

me desinteressaram as observações

mento no livro Danser sa Vie, publi-

críticas e/ou acadêmicas pautadas na

cado em 1973, na França, quase ao

discussão puramente estética desse

mesmo tempo que, no Brasil, dois

trabalho. Mais que a arte, o Stagium

bailarinos se lançavam à louca aven-

perseguiu a vida. Ele sempre enten-

tura que é, ainda, criar e manter uma

deu que, como dizem as palavras de

companhia de dança sem o apoio de

Garaudy, “a dança só reencontra seu

nenhuma forma de mecenato, público

grande estilo quando é a expressão,

ou privado, permanente. Nada poderia

ou a esperança, de uma vida coletiva,

sugerir longevidade a um projeto que

como de fato foi, há milênios, nas so-

não contava senão com a vontade e a

ciedades não ocidentais”. Daí a incom-

determinação de seus criadores. Não

preensão daqueles poucos que torciam

sobram exemplos de companhias de

o nariz à dança do Stagium por sua

dança, mesmo no tal mundo desenvol-

preocupação às vezes ostensivamente

vido, que tenham se mantido, stricto

política, como nos obscuros anos 1970,

sensu, com suas próprias pernas. Por

e sempre social, a partir do reconheci-

que, então, isso seria possível aqui,

mento da sua identidade. Acontece que

num país em que a dança, privilégio de

ao Stagium nunca interessou apenas a

poucos, vivia trancafiada em guetos e

qualidade da sua dança – e nenhuma

redomas? As reflexões desse pensador

outra companhia radicalizou tanto a

francês respondem à surpresa que é

preparação física e intelectual de seus

uma companhia independente, como

bailarinos –, mas, sim, a razão de dan-

o Ballet Stagium, existir há tanto tem-

çar, o que dançar e para quem dançar.

po

Agora, convidado a escrever

Isso fez do Stagium a mais brasileira

sobre esses 40 anos de história, recor-

das nossas companhias. Porque, tam-

ro ao prefácio que escrevi para o livro

bém, ele foi atrás do seu público, for-

que registraria os 25 anos do Stagium

mou plateias, aprendeu a ser brasilei-

e que, por razões que não interessam

ro. Entre fazer carreira internacional

neste momento, acabou não sendo

e embrenhar-se pelo Brasil adentro,

publicado. Percebi que, passados 15

escolheu a opção menos glamourosa e

anos, não há o que tirar nem pôr no

mais difícil. Ao som da nossa melhor

que se refere a conceitos e objetivos,

música popular, dançou em todos os

que permanecem intocados. Marika e

palcos do país, nos grandes teatros e

Décio insistem em fazer da dança, e do

em beira de rio, morros, praças e fave-

Stagium, um modo de vida. Por isso,

las. A marca de seu pioneirismo está

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doáveis. Talvez se faça justiça a todos ao

suas pegadas e que elevaram a dança

sintetizar essas muitas contribuições na

no Brasil a um patamar de excelência.

lembrança de um personagem emble-

“Lições de perseverar”, assim Helena

mático da história do Stagium: o diretor

Katz sintetizou com precisão poética

de teatro Ademar Guerra (1933-1993).

esses 40 anos, ao constatar “o silencia-

Amigo e parceiro de Marika em espetá-

mento da mídia” sobre o Stagium, que,

culos memoráveis nos anos 1960, como

ela diz, dividiu a história da dança bra-

Oh, que Delícia de Guerra!, Marat/Sade,

sileira em antes e depois de 1971, ano

Missa Leiga, O Burguês Fidalgo e Hair,

em que Marika Gidali e Décio Otero

Ademar foi o primeiro a dizer a ela e ao

fundaram a companhia que dirigem

Décio que, se quisessem viver a dança,

até hoje

É esse o Stagium que

teriam de criar suas próprias condi-

sempre me apaixonou. É esse Stagium

ções de trabalho, com uma escola e uma

de rosto definido, com traços de uma

companhia permanentes. A influên-

identidade assumida, que inspira esse

cia de Ademar Guerra, entretanto, foi

meu depoimento. Eu sei, é um depoi-

muito além. Antes que alguns concei-

mento parcial, de alguém comprome-

tos como o de teatro-dança (ou dança-

tido com o Stagium há mais de quatro

-teatro, como preferir) surgissem, eles

décadas. Entretanto, o que nos une não

já estavam presentes nos seus trabalhos

é apenas o afeto de uma convivência

com o casal. Basta lembrar o balé A In-

quase familiar, e sim, principalmente,

fanticida Marie Farrar, criado por Mari-

a cumplicidade de uma identificação

ka sobre um poema de Bertolt Brecht,

ideológica. Por isso convido o leitor a

com participação da atriz Aracy Bala-

percorrer a história do Stagium não

banian. Ou os balés criados e dançados

apenas com os olhos embriagados pela

por Décio e Marika na série Convite à

beleza das imagens e das conquistas

Dança, da TV Cultura, no início de 1971.

obtidas. Que o (re)conhecimento dessa

A contribuição intelectual e prática de

história, espero, possa ajudar os que

Ademar para uma dança com forte tea-

virão depois de nós, como queria Ber-

tralidade seria, entretanto, minimizada

tolt Brecht, a entender os tempos difí-

pelo diretor, característica marcante de

ceis que vivemos e a saber que se pode

sua modéstia. Para desmenti-lo, recor-

construir um sonho. Se o registro do

ro a uma carta que ele escreveu a Ma-

sonho possível que é o Stagium cum-

rika e Décio, em 1975, após a estreia de

prir minimamente esse objetivo, valeu

Quebradas do Mundaréu (versão para

a pena conhecê-lo

Entretanto,

balé da peça Navalha na Carne, de Plínio

Marika e Décio não construíram sozi-

Marcos). Na carta, ele dizia que seu tra-

nhos essa história. Tantos foram, e são,

balho no Stagium estava terminado (o

os seus companheiros de viagem e de

que não era verdade), pois “a consciên-

sonho que nomeá-los aqui seria impos-

cia teatral foi assimilada”. Modesto, ele

sível, além do risco de omissões imper-

concluía:

20

nos grupos e companhias surgidos nas


“Eu não tentei ensinar nada. Não passei técnica nenhuma a vocês. Apenas tentei, e acho que consegui, passar essa automatização. Até pela minha presença física. O fato de eu existir dentro do grupo dava a ilusão a todos de que eu realmente tinha ensinado a eles (bailarinos) a serem atores. Eu não fiz isso. E sabia que não podia fazer, mas deixei que eles acreditassem porque essa confiança abria as portas da procura que eles mesmos tinham vontade de fazer. Me vendo na coxia eles lembravam que era necessário interpretar os seus personagens e dar sentido interior aos seus passos. Sem isso, representar em dança torna-se algo bobo, é apenas uma novidade, uma frescura, um modismo sem sentido. Se um bailarino dançar bem, ele pode ser perfeito. Mas se ele dançar de verdade, totalmente, pode parecer loucura, mas é um fato, a pele dele muda de cor conforme o passo, os músculos mudam de consistência, ficam mais suaves, adquirem nuances imperceptíveis a olho nu mas concretíssimas para quem assiste. Não sei explicar, só posso afirmar que a Marika para mim tem a pele branquíssima quando dança Eurídice e, sem mudar a maquiagem, ela fica morena, de pele gasta e escura em Navalha na Carne. E agora? Sou louco? Eu vejo isso, juro por Deus. Esse subjetivismo da dança existe no teatro também. Portanto, não basta querer representar, não basta se propor a representar. É necessário que a representação seja uma necessidade natural e inconsciente no intérprete para que isso aconteça. Marika, pela vizinhança com o teatro, já fazia isso a maior parte do tempo. Não sempre. Mas já fazia. Ela ainda separava balés. Os de dançar, os de interpretar. Na verdade, era uma atriz técnica apenas. Não natural. Entendem a sutileza?”

Oswaldo Mendes é ator e dramaturgo. Escreveu Bendito Maldito – uma Biografia de Plínio Marcos e foi editor dos jornais Última Hora e Folha de S.Paulo e da revista Visão. Recebeu os prêmios APCA e Jabuti de 2009.

21


Nascemos na ditadura. Só podíamos ser um grupo focado no social. Começamos brigando pelas coisas e pelas pessoas.” Marika Gidali



Sonia Sobral

Utopia


Um Balé brasileiro Quando propus os nomes Décio Otero

revolução diária. Eles representaram

e Marika Gidali para a Ocupação do

o talho na mesmice (expressão retirada

Itaú Cultural, foram aceitos imedia-

de O Brasil Descobre a Dança Descobre

tamente. Parti de uma antiga e per-

o Brasil, Helena Katz, DBA, 1994). O

sistente sensação de que tudo o que

que faziam e como faziam não se pa-

acontece até hoje na dança no Brasil

recia com nada que estava sendo feito

teve direta ou indiretamente influên-

por aqui. Penso que o Stagium tem

cia do Ballet Stagium. Desde então,

a vocação do Brasil, uma sabedoria

perguntei a cada bailarino que encon-

que parte da natureza das coisas. O

trei qual a importância do Stagium

grupo dançou, com a mesma afei-

para eles, e minha tese se confirmava

ção e profissionalismo, nos grandes

a cada resposta dada

Comecei

teatros do país assim como nos seus

a estudar sua história e, a partir daí,

cantos mais recônditos. Não havia dentro e fora, tudo pertencia.

não parei de me surpreender com o tanto de picadas que eles abriram para o cam-

“O Stagium

Sem produtores especializados ou editais de circulação, aprendia-se

a oportunidade de co-

pavimentou o seu próprio caminho.”

ordenar essa exposição

Marika Gidali

de trabalhar no Stagium

po da dança. Considero

um ponto alto na minha carreira de gestora cultural. Essa realização é um prazer e uma

fazendo. A experiência profissionalizou

gente

muita

Tudo registrado

por Edgard Duprat, filho de Marika

obrigação. Nosso intuito, que vai ao

e à época bailarino da companhia, que

encontro do objetivo da Ocupação, é

ganhou, de Décio, uma câmera su-

de que as novas gerações percebam

per-8 e passou a filmar espetáculos,

que seus professores e a maioria dos

viagens e bastidores. Ainda bem, por-

criadores da atualidade foram in-

que agora esse material é preciosida-

fluenciados de forma decisiva por

de histórica. Desde o primeiro balé, a

esse grupo. Muitas das frentes inau-

plateia, ao chegar ao local de apresen-

guradas por eles são praticadas hoje

tação, assistia à companhia se aque-

sem que se saiba que Marika, Décio

cendo para o espetáculo. O objetivo

e seus companheiros próximos as

era mostrar a rotina e a preparação de

fizeram, pela primeira vez, décadas

um bailarino, assim como aproximar

atrás

Conheci o Stagium como

artista e público. Se hoje isso parece

plateia e como aluna há uns 25 anos,

banal não o era há 40 anos. Foram

quando ingressei na dança. Havia 15

eles que apresentaram o linóleo para

anos de seu início e ainda faziam uma

a dança brasileira. Décio Otero, au-

25


tor de mais de 70 balés só para o Sta-

ensaios e no palco. Pode-se dizer que

gium, muitas vezes assinou as trilhas

ali era um centro cultural

sonoras das suas criações. O uso de

se saiba: é a primeira companhia que

música popular brasileira em balés e

entende a dança como dispositivo

a colagem de música popular e erudi-

educacional. Assim, dançam e ensi-

ta tornaram-se uma marca do artista.

nam, já na década de 1970, em regiões

Outra fonte importante foi a literatu-

com pouquíssimo acesso ao ensino e à

ra e a história do Brasil

Criaram

arte. A partir dos anos 1990, portan-

o famoso curso intensivo nas férias de

to muito antes da moda da promoção

janeiro. Durante um mês, bailarinos

social e da invenção da contrapartida,

de todo o Brasil se encontravam na

estruturam projetos como Dança a

sede da companhia, na Rua Augusta,

Serviço da Educação, Projeto Escola,

em São Paulo. Além de oferecer ensi-

Professor Criativo, Projeto Escolas

no de excelência, tratava-se de criar

Vão ao Teatro, SOS Criança, Proje-

um ponto de encontro e de reconhe-

to Stagium-Febem e Projeto Joani-

cimento entre bailarinos dos quatro cantos do Brasil.

A pro-

nha

Que

Décio e Marika já tinham uma carreira destacada,

apoiada

pósito, não havia

numa formação ri-

grupo no país com

gorosa, antes de se

elenco

tantas

encontrar, e isso se

diferen-

refletiu na qualida-

cidades

de

tes. Não era comum, numa mesma companhia, ter bailarinos de Ma-

de técnica e artística do grupo. Criaram um balé brasileiro, ou talvez

naus, São Paulo, Recife, Fortaleza,

seja mais correto dizer um balé mes-

Belém, João Pessoa , Teresina etc

tiço. O grande interesse pelo Brasil e

Convidavam artistas, pesquisadores

pelo restante da América Latina, suas

e jornalistas para ministrar palestras

questões culturais, sociais, ambien-

na sede da companhia. Citarei al-

tais e políticas, foi tratado como dança

gumas palestras às quais eu mesma

por Décio. O encontro da dupla com

assisti e que jamais teria visto não

Ademar Guerra – primeiramente

fosse o Stagium nos aproximar de

com Marika, que desde os anos 1960

seus autores: Maria Bonomi, Mau-

coreografava seus espetáculos – le-

rício Kubrusly, Marilena Ansaldi

vou o diretor teatral a dirigir alguns

e Helena Katz. Essa ação vinha da

espetáculos do Stagium ao lado de

convicção de que a formação de um

Décio. Esta seria mais uma singula-

bailarino deveria ser maior do que a

ridade: a mistura das técnicas clássi-

técnica aprendida na sala de aula, em

ca e moderna com o teatro, proposta

26


pela primeira vez

Foram eles também os primeiros a lutar pela desti-

nação de verba pública e privada para a dança. Tiveram um fundamental patrocínio da Klabin Papel e Celulose na pessoa de Vera Lafer entre 1990 e 1997, que evitou o fechamento da escola e da companhia. As inúmeras viagens pelo país, primeiramente de ônibus e posteriormente de avião, com apoio da Varig, e depois novamente de ônibus, espalharam um modo de compreender a dança e fazê-la. Vê-los era contundente. Ao mesmo tempo tudo o que eles viam e conheciam do país entrava no seu modo de fazer mestiçando ainda mais sua linguagem

Essa experiência criou uma

escola de espectadores para a dança praticamente em todo o país. É incontável a quantidade de pessoas que assistiu à dança pela primeira vez com o Stagium O que os move, desde o princípio, são as pessoas, este país, este continente. Seus valores são humanistas, por isso seguem realizando com dinheiro ou não

Eu jamais imaginaria,

enquanto fazia minhas aulas de balé morrendo de medo da Marika, que 25 anos depois eu voltaria a subir as escadas da sede na Rua Augusta para dizer a eles que o Itaú Cultural gostaria muitíssimo de lhes prestar uma homenagem. A emoção deles me tocou como quando os vi pela primeira vez. Espero que todos desfrutem da exposição e com ela aprendamos ainda mais sobre nós mesmos.

Sonia Sobral é gerente de Artes Cênicas do Itaú Cultural

27


Os professores da rede pública são os meus eleitos. Trabalho para o professor renascer com o despertar do corpo e da criatividade. Nesse momento, a menina dos meus olhos é a companhia, porque ela corre risco, é a minha maior preocupação.” Marika Gidali



Gente Cรกssia Navas

30


Que gente é essa que viaja sem cessar

todos ao seu redor, pois, se para eles a

por mais de 40 anos, levando arte aos

dança pode em si se bastar, devemos

quatro cantos? É a gente do Stagium,

ir além: ser gente da dança em busca

seus diretores, artistas, professores,

de uma cidadania ampliada, gente de

alunos – gente de dança

Rostos,

muitas faces e habilidades, lutando

nomes, gestos sucedem-se ao longo de

por uma arte plural em um país plural

uma trajetória ímpar na cultura brasi-

Em face dessa arte matizada de

leira, estruturando as feições da com-

Brasil, estiveram todas as plateias do

panhia

Se hoje juntos

pudessem estar, teríamos uma dança de celebração, grande e poderosa. Uma dança da história do Stagium, de renascimento-morte, começo-fim, continuidade-ruptura,

Stagium, que vendo a compa-

Todas as gentes do Stagium

resis-

nhia (uma vez, duas vezes, muitas vezes) trouxeram para si os vários conteúdos da modernidade brasileira

São 40

anos de estética, ética e

afeto. Nesse período o Sta-

tência e coragem, para sagrar o tem-

gium nos fez gente melhor, olhando

po cotidiano, constelando aqui todos

passado e presente, na construção

os solos da cena por onde a compa-

de um tempo que colheremos no fu-

nhia passou – um imenso Kuarup

turo, quando mais uma vez (daqui

Para a gente do Stagium sempre foi

há 10, 20 ou outros 40 anos) sere-

proposto um combate – para além da

mos chamados para, através da arte,

dança há muito a fazer. Desde sempre,

rever-fazer história

Décio Otero e Marika Gidali desafiam

Todas as suas gentes o saúdam.

Evoé, Stagium!

Cássia Navas é professora de dança da Unicamp

31


DEP OIMENTOS

“Tive a felicidade de estar no palco com Marika Gidali, Ademar Guerra e “Não há como rever minha vida sem

Bertolt Brecht! Guardei o Stagium no

a presença do Stagium tatuada em

meu coração e fiquei da plateia acom-

mim. Nas salas do Stagium aprendi o

panhando de perto todos esses anos.”

que é disciplina, respeito à profissão,

Aracy Balabanian é atriz

aos colegas. Aprendi que é preciso ousar e, mais ainda, mostrar o fruto do

“Meu aperfeiçoamento artístico deve-se

trabalho em cada esquina possível de

aos estudos rigorosos com Marika

se pisar com a certeza inabalável do

Gidali durante cinco anos de minha

poder da dança, do teatro, da música,

adolescência, quando participei de

enfim, da arte. Juntei-me a eles quan-

seu grupo Amigos da Dança. A práti-

do tinha 16 anos e fiquei para sem-

ca da dança, porém, ficou em segundo

pre. Hoje, além da companhia, vejo o

plano quando resolvi seguir forma-

Stagium servir de exemplo, com suas

ção acadêmica em psicologia. Aos 30

atitudes de solidariedade, irmandade

anos, já com três filhas e uma carreira

e crença absoluta na importância da

promissora, voltou-me o desejo impe-

dança na vida das pessoas. Os proje-

rativo de dançar. Procurei Marika e

tos sociais falam por si. Não é sempre

Décio no Ballet Stagium, que me con-

que uma companhia no Brasil come-

vidaram para participar da criação de

mora 40 anos de estrada. Ainda há

Kuarup. Fui também convidada para

muito o que aprender e desfrutar com

dançar com o grupo no Parque Na-

o Stagium. Minha gratidão e amor,

cional do Xingu, experiência trans-

para sempre.”

formadora: causou-me um profundo

Clarisse Abujamra é coreógrafa, bailarina e atriz

impacto emocional e modificou meus valores estéticos. A essas vivências com Marika e Décio devo em grande

“Tive a sorte de acompanhar o cresci-

parte meu respeito e minha dedicação

mento – e até de participar um tiqui-

à arte da dança. Disciplina rigorosa,

nho dele – dessa companhia brasilei-

aliada à criatividade, e o imenso pra-

ra. Ou melhor: Brasileira. Sim, letras

zer de compartilhar emoções com o

grandes para saudar o nascimento de

público foram aprendidos nas aulas,

um sotaque inconfundível e até inédi-

nos ensaios e nas apresentações com

to por aqui. Que sorte!

o Ballet Stagium.”

Maurício Kubrusly é jornalista

Marília de Andrade é bailarina

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“Cheguei ao Stagium em 1980. Era então uma menina bailarina cheia de sonhos. Ali aprendi a exercitar meu ofício com dignidade, a questionar e criticar a realidade com responsabilidade e esperança, a conhecer meu país e a buscar um mundo melhor para todos por meio da arte a qual tanto me dedico desde criança... Valores como solidariedade, fraternidade e colaboratividade foram os que aprendi com Marika, Décio e todos os companheiros, amigos até hoje, dessa companhia artística que mudou o panorama da dança no Brasil e no mundo. Sou eternamente grata por ter integrado, aprendido e efetivamente participado com minha arte.”

Tatiana Cobbett é dançarina, cantora e compositora “Comecei minha carreira profissio-

“Que privilégio acompanhar esses

nal de bailarina no Ballet de Câmara

40 anos de jornada ao lado de Décio e

Stagium. Essa companhia estava em

Marika. Parece que foi ontem que eles

seu início, pouco mais de dois anos

se encontraram em Curitiba e traçaram

de existência, e já gozava de enorme

seus primeiros planos desbravadores,

prestígio. Eu, que nem pensava que

que mudaram os rumos da dança no

a dança seria a minha profissão, fa-

Brasil. Já em São Paulo, a convite da TV

zia um curso de férias na escola do

Cultura, participei do programa Convite

Ballet Stagium e fui convidada pela

à Dança. Dançar vários estilos, sempre

Marika para fazer parte do grupo.

dirigida por Marika e Décio, foi o come-

Aos 19 anos, lancei-me naquela aven-

ço do meu despertar para uma dança

tura de cruzar o Brasil e além, nas

mais abrangente e emocionante. Com a

pontas dos pés (e de barco, avião, car-

colaboração do diretor Ademar Guerra

roça, ônibus, Kombi), que aqueles vi-

nos trabalhos do Stagium descobri que

sionários, Marika e Décio, ofereciam

bailarina e atriz não poderiam mais se

a quem quisesse segui-los. Dançar

separar. Além de tudo isso, viajar o Bra-

onde houvesse alguém: praças, ruas,

sil inteiro, a América Central, o México,

clubes, cinemas e até palcos! Dois

a Argentina, os Estados Unidos... Tive

anos intensos de aprendizado pessoal

a oportunidade de conhecer o povo, a

e profissional que me nutriram pela

cultura e as estruturas sociais. A dan-

vida toda.”

ça do Ballet Stagium foi se modifican-

Mônica Mion é bailarina

do, rasgando corações. Olho para trás e digo: não teria conseguido viver sem

“Marika. Décio. Heroicos. Ilumina-

tudo isso. Agradeço a Marika e Décio

dos. Luz na escuridão.”

o que fizeram e fazem por mim e por

Marilena Ansaldi é bailarina, coreógrafa, autora, produtora e atriz

todas as plateias do mundo.”

Geralda Bezerra de Araújo é bailarina 33


“Tenho certeza de que o destino ja estava se programando para receber Marika, antes mesmo de ela ter nascido, pois nossos pais – Buci (Elizabeth) e Bela – se conheceram numa escola de dança muito popular em Budapeste, Hungria, no começo dos anos 1930, que frequentavam assiduamente. Quando éramos crianças, nossos pais, para nos divertir, faziam demonstrações de charleston, black-button, suingue, quick step, bolero, valsa e tango, ritmos populares da época. Na verdade, os dois foram, até o fim de suas vidas, verdadeiros e ótimos bailarinos, um fato que influenciou especialmente Marika

Eu, sendo a mais velha, fui matriculada

numa escola de balé clássico, mas Marika tinha de esperar a idade mínima para poder ser aceita. Os planos de nossos pais para as duas futuras melhores bailarinas do mundo foram interrompidos pela Segunda Guerra Mundial e pela perseguição nazista aos judeus. Sobrevivi à guerra por milagre e fiquei doente por muito tempo. Assim, minha carreira, que eu nem havia iniciado, terminou sem dramas, pois eu jamais tive talento para o balé. Mas Marika sim. Ela me imitava sem mesmo ir à escola, e como me imitava! Flexível, persistente, dedicada, ela mesma foi forjando a grande artista que viria a ser

Devo registrar que o apoio de nossos orgulhosos

pais jamais lhe faltou, nem o meu aplauso e torcida, bem como a de nosso irmão Peter. Passamos a ser os maiores admiradores e fãs, primeiro da bailarina Marika Gidali, depois, do novo membro da família, Décio, e por fim do Ballet Stagium. Nossos pais, quando vivos, tinham uma cadeira cativa em todas as apresentações, às quais jamais faltaram

Esses 40 anos de vida do Stagium são a prova de que

a persistência e a dedicação da infância de Marika permanecem e se tornam cada vez mais fortes na luta por um ideal, e na resistência em todos os momentos. Prova disso é que Marika e Décio aprenderam não apenas a sobreviver, mas a sobreviver com dignidade em todas as situações.”

Agnes (Ines) Gidali Buchwald é irmã de Marika Gidali, integra a equipe do Ballet Stagium

“Sou suspeito, confesso. Conheci o Stagium em 1984, por causa de três bailarinas que vi dançando lindas, leves e soltas, numa casa noturna. Casei com uma delas, Tatiana Cobbett, mas antes disso passei a acompanhar a trupe liderada por Marika e Décio por vários cantos deste país. Assisti às montagens de vários espetáculos inesquecíveis, como Pantanal, que tive o privilégio de ver ainda sem a música de Egberto Gismonti. Outros elencos entraram no Stagium, e acabei fazendo bons amigos. Viva a persistência!”

Paulo Markun é jornalista

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“Tenho muito respeito pela Marika e pelo Décio. Acho que por causa do Stagium ainda existe dança em São Paulo. É surpreendente como eles conseguem se manter há 40 anos, sem estabilidade e segurança financeira.”

Ruth Rachou é bailarina, atriz , coreógrafa, diretora e professora de dança “A Marika significa para mim o momento da adolescência, em que você está na corda bamba. Num período de ditadura, com falta de perspectiva, comecei a fazer dança com ela. Eu a vejo uma educadora como poucas. Ela nos colocava o exercício da vocação. Estimulava em todos nós aprendizes a construção de um instinto de vida. Sempre foi um símbolo que eu persegui mesmo quando me separei dela. Era muito raro o trabalho híbrido, e por isso mesmo brasileiro, que eles faziam. Dança das Cabeças e Xingu são obras notáveis. Eu a levarei sempre no meu coração.”

Ivaldo Bertazzo é coreógrafo “Celebrar 40 anos de um trabalho contínuo na arte da dança, que surgiu do sonho de dois grandes artistas, Décio Otero e Marika Gidali, é algo muito importante. Ainda mais quando fazemos uma reflexão sobre a trajetória dessa companhia e constatamos que serviu e continua a servir de exemplo, pela competência artística, pela formação de uma sólida escola, por uma persistência diária diante das inúmeras dificuldades. E, além disso, pela criatividade em articular conteúdos e temas relevantes de nossa cultura por meio de gestos e movimentos de sua dança, levada a tantos lugares dentro e fora do Brasil. Hoje, ao recordar meus primeiros dias no Ballet Stagium, vejo-me como uma jovem cheia de entusiasmo, admiração e respeito por ambos e pela dança da companhia. Com o orgulho de ter pertencido a esse grupo, posso dizer que esses sentimentos não só permaneceram, mas a eles agreguei outros. Nunca perdi a sensação de ser parte, talvez por ter sido sempre acolhida ao procurá-los, por ter tido o apoio em outros passos da minha carreira. À minha alegria deste instante adiciono o meu muito obrigada a você, Décio, e a você, Marika, por todos os momentos e preciosos ensinamentos recebidos!”

Julia Ziviani é bailarina e atua na Cia. Dançaberta, Campinas (SP) 35


“O Ballet Stagium foi fundamental na minha formação. No início dos anos 1970, ainda muito moleque, assumi a produção da primeira turnê da companhia pelo Brasil. Vale lembrar que naquela época não existiam leis de incentivo, celulares, e-mails e muito menos redes sociais. Parte da nossa comunicação com as cidades era feita por telefone e até rádio amador – acho que muita gente não tem a menor ideia do que é isso. Com a direção da Marika Gidali e do Décio Otero, nós nos embrenhamos pelo Brasil adentro e isso foi fundamental para balizar futuras turnês de grupos de dança e de teatro. Se o Ballet Stagium é fundamental na história da dança brasileira, com certeza também o é para um bando de brasileiros que, como eu, passou por essa oficina de formação de malucos e bons profissionais das artes cênicas de nosso país.”

Celso Curi é produtor, administrador cultural e crítico de teatro “Ao voltar de uma turnê pela Alemanha, fui apresentado por Marilena Ansaldi aos diretores de um grupo de balé que dançava periodicamente num programa na TV Cultura de São Paulo, Mari-

“Stagium... saber dança em dilatação,

ka Gidali e Décio Otero. Com o convite

que salta para o invisível e que conhe-

de ambos para pertencer ao grupo que

ce pelo contato direto as coisas e os

tinham recentemente formado, vislum-

acontecimentos. Submersão em todas

brei a possibilidade de dançar profis-

as coisas passadas, presentes e futu-

sionalmente. Assim começou o Ballet

ras. Espalhando o que se oculta nas

Stagium, e fui parte do elenco fundador

profundidades do tempo, revelando

do grupo. Dancei por dois anos com eles,

em forma de gesto, de encantação e de

atuando em diversas capitais brasileiras.

oráculo uma verdade essencial, de es-

Para mim foi um crescimento artístico

paço/tempo. Assim, toda dança que se

fenomenal, pois o grupo era formado

brinda é, ao mesmo tempo, do Stagium

pela nata do balé de São Paulo. Com Dé-

e dos outros, já que o homem é, inteira-

cio, comecei, de fato, a entender a neces-

mente, eu e outro, um modo de práxis

sidade de aprimorar minha atuação tan-

fundamentalmente social. A própria

to técnica como artística, em ensaios mi-

história tecida de forma poética.”

nuciosos. Adquiri bastante experiência

Fábio Villardi é bailarino

dançando um repertório eclético ao lado de bailarinos e coreógrafos que muito contribuíram para minha carreira. Tenho imenso orgulho de ter sido parte da história dessa companhia.”

Pedro Paulo Kraszczuk é bailarino 36


Cenógrafos, Figurinistas, Iluminadores e Músicos

Todas as coreografias exibidas em vídeo no espaço expositivo são de autoria de Décio Otero, exceto a coreografia Duetto composta em 1977 por Ismael Guiser para Décio Otero e Marika Gidali. O diretor Ademar Guerra tem presença direta ou indireta em todo o percurso e nas criações do Ballet Stagium. Trilhas sonoras especialmente compostas: Almeida Prado, André Abujamra, Aylton Escobar, Egberto Gismonti, Isaías e os Chorões, Marcelo Petraglia, Milton Nascimento e William Sena. Figurinos: Ana Maria Stekelman, Carlos Gardin, Clodovil Hernandes, Darcy Penteado, Domingos Fuschini, Donna M. Larsen, Fabio Brando, Fabio Villardi, João Elias Júnior, João Santa Ella Júnior, Leda Senise, Lois Bewley, Luiz A. Martins, Luiz Rossi, Marcio Tadeu, Maria Bonomi, Marika Gidali, Murilo Solla, Ney Galvão, Oscar Arraiz, Patrício Bisso e Ugo Castellane. Cenários: Ademar Dornelles, Ana Maria Stekelman, Darcy Penteado, Fabio Brando, Fabio Villardi, Jussara Gomes, Luiz Rossi, Marcio Tadeu, Marco Antonio Silva, Marcos Weinstock e Maria Bonomi. Iluminação: Décio Otero, Domingos Quintilhiano, Edgard Duprat, Erondino Loretto, Giba, Guilherme Bonfante, Inezito, Jean Carlo, Jeanzinho, Marcial Perez, Oswaldo Vieira e Romulo Righi. 37


BAILARINOS

Ademar Dornelles • Adriana Almeida • Adriana Bonfati • Adriana Roda • Aguinaldo Bueno • Aleksandro Pereira • Alessandra Gidali Jannuzzi • Alessandra Lia • Alicia Rosado • Amanda Santos • Amarildo Cassiano • Ana Claudia Bjornberg • Ana Lúcia Coutinho • Ana Maria Mondini • Ana Paula Camolese • Ana Paula Tavares • Ana Paula Tavernaro • Andrea Maciel • Anette Leite • Angela Borges • Anton Garcez • Antônio Carlos Sousa • Arnaldo Batista • Áurea Ferreira • Beatriz Cardoso •Bernardette Miranda • Bernot Sanches • Bete Oliveira • Camila Lacerda • Carla Kubrusly • Carlos Campos • Carlos Demitre • Catherine Kodama • Chu-Fa-Ching • Cida Borges • Clarisse Abujamra • Clarita Colombiana • Claudia Lisboa • Claudia Mendonça • Claudio Garrido • Claudio Ribeiro • Cleide Milane • Cleusa Dias • Cleusa Fernandes • Daniel James • Décio Otero • Delphino Nunes • Danielle Guimarães • Denise Almeida • Denise Gaiolli • Denise Panessa • Denise Maçãs • Dino Brasil • Djair Alexandre Goes / Djha • Dora Mendez • Doris Giesse • Edgar Dias • Edgard Duprat • Edílson Ferreira • Edinaldo Nascimento • Eduardo Augusto / Sô • Eduardo Fraga • Eduardo Mascheti • Elaine Piavone • Eliana Karim • Elizabeth Oliveira • Elsa Mochen • Ethel Marcelino Dias • Eugênio Gidali • Everson Rocha Nascimento • Fabio Villardi • Felipe Vinicius • Fernando Lee • Flávia Costa • Flávio Coelho • Franco André / Frank Ejara • Gabriela Hernandez • Geralda Bezerra • Geraldo Lachine • Glaucia Fonseca • Graciela Rodriguez • Gustavo Leite • Helena Bastos • Henrique Belling • Hugo Lavrac • Idovar Stahl • Igor Vieira • Iracity Cardoso • Isa Kokay • Ismenia Rogich • Ivaldo Bertazzo • Jaime Amaral • Jane Blauth • Jessica Fadul • Ji Von Shin • João Carlos Fucci • Joffre Santos • John Santos • Jordana Paulista Belém • Jorge Lima • Jorge Luiz Fernandes • José Antonio Abac • José Luis da Silva • José Luiz Sultan • Juan Castiglionne • Juan José Soares • Julia Ziviani •

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Juliana Figueredo • Jurandir Rodrigues • Kátia Castanheira • Kaká da Boa Morte • Kênia Genaro • Lalo Fleytas • Liliane Benevento • Lívio Lima • Lorena Merlino • Lúcia Weber • Luciana Madeira • Luciana Porta • Lucianita Farah • Luis Arrieta • Manuel Messias • Marcelo Jannuzzi • Marcelo Mike • Marcelo Pereira • Márcia Freire • Márcio Morais • Márcio Rongetti • Marcos Palmeira • Marcos Veniciu • Maria Clara Merchan • Maria Eduarda Gonçalves • Maria Emília Clark • Maria Helena Alemany • Maria Vidal • Maria José Sommer • Marika Gidali • Marilda Fontes • Marília Oswald de Andrade • Marina Athié • Marina Costa • Marina Ricci • Marina Salgado • Mário Alves • Mário Enio • Mário Jarry • Michelle Briseno • Michelle Calegari • Miguel Trezza • Mílton Carneiro • Mílton Coatti • Mônica Mion • Nádia Luz • Nestor Ragadali • Noeli Praxedes • Olivia Maciel • Osmar Zampieri • Pamela Hutchinson • Patricia Sardá • Patty Brown • Paula Perillo • Paulo Magalhães • Paulo Barreto • Paulo Vinícius • Penha Pietra • Pedro Paulo Kraszczuk • Poti Ara Bolzan • Rafael Carrion • Renata Botta • Renata Colin • Renata Drumond • Renée Bolehovsky • Ricardo Gomes • Ricardo Ordonez • Ricardo Iazetta • Rober Tainan • Roberta Botta • Roberta Maziero • Roberto Aguiar • Roberto Amorim • Roberto Fazenda • Ron Sequoio • Rubens Pires • Sebastião Freitas • Sérgio Cruz • Sérgio Marchal • Sheyla Silva • Sidney Campos • Silvana Lenke • Silvana Marquina • Sílvia Altiere • Sílvia Antunes • Sílvio Dufrayer • Simone Coelho • Solange Lucatelli • Soren Niewelt • Susuki Tamin • Suzanna Yamauchi • Tama Rivero • Tania Tonezzer • Tânia Wolkof • Tatiana Cobbett • Tatiana Portela • Tatiana Rocha • Thaís Ferreira da Graça • Tony Abbott • Ulisses Nogueira• Umberto Silva • Vahram Asdurian • Valéria Magalhães • Vanderley Falcão • Vanessa Guillén • Vinicius Rodrigues Anselmo • Vivian Araújo • Viviani Ribeiro • Wagner Alvarenga • Wladimir Reche • Wellerson Minucci • Xica Timbó • Yann Seabra • Yasser Guillén • Yolanda Gidali • Zetta Casalena

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ficha técnica

Ocupação Ballet Stagium

Coordenação-geral e organização Núcleo de Artes Cênicas Sonia Sobral Cristina Espírito Santo Bebel de Barros

Produção Yolanda Gidali

Concepção Edgard Duprat Carlos Gardin

Grupo de pesquisa do Ballet Stagium Ademar Dornelles Décio Otero Marika Gidali Oswaldo Mendes

Curadoria Edgard Duprat Carlos Gardin Pedro Markun Cenografia Carlos Gardin Marcelo Larrea Coordenação de pesquisa Paula Perillo Assessoria Rejane de Abreu Perillo Edição de imagens Edgard Duprat Assistência de montagem Diego Cesário Finalização Hiperaktv Desenvolvimento de site de depoimentos Pedro Markun

Fotos Emidio Luisi

Imagens Acervo Ballet Stagium Edgard Duprat Produção do site Ocupação Duanne Ribeiro Agradecimentos Ademar Guerra (in memoriam), família Plínio Marcos, Fausto Fuser, Maria Bonomi, Mario de Aratanha, Tania Quaresma, A Gazeta de Vitória, A Tribuna (Santos), A Tribuna (Vitória), Diário Catarinense, Diário de Notícias (São Paulo), Diário Popular (Pelotas), Elo – Jornal Interno do Governo de Indaiatuba, Gazeta de Santo Amaro, Gazeta do Tatuapé, Gazeta de Vitória, IstoÉ, Jornal de Brasília, Jornal do Brasil, Tribuna de Araraquara, Tribuna de Vitória, TV Cultura de São Paulo, TV Sesc e TV Uniban

O Ballet Stagium agradece a: Ministério da Cultura, Sesc SP, Secretaria de Estado da Cultura e Sesi SP

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Publicação Concepção e coordenação de conteúdo Núcleos de Artes Cênicas e Comunicação do Itaú Cultural Coordenação editorial Núcleo de Comunicação Produção editorial Lara Daniela Gebrim Maria Clara Matos Direção de arte Estevan Pelli Jader Rosa Projeto gráfico e design Estevan Pelli Edição Marco Aurélio Fiochi Paula Fazzio Roberta Dezan Revisão Ciça Corrêa Nelson Visconti Polyana Lima Imagens Emidio Luisi Bibliografia KATZ, Helena. O Brasil descobre a dança descobre o Brasil. São Paulo: DBA, 1994. OTERO, Décio. Stagium, as paixões da dança. São Paulo: Hucitec, 1999. ___________, GIDALI, Marika. Singular e plural. São Paulo: Senac, 2001. Ballet Stagium – www.stagium.com.br Agradecimento Helena Katz

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