Ocupação Angel Vianna

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fotos da capa e das páginas 8, 9, 16, 17, 22, 23, 28, 29, 34 e 35: André Seiti

Colaboraram nesta edição AnaVitória, Hélia Borges, Joana Ribeiro da Silva Tavares e Márcia Feijó

Produção editorial Luciana Araripe

Revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)

Coordenação de revisão Polyana Lima

Edição de fotografia André Seiti

Projeto gráfico Guilherme Ferreira e Luciana Orvat (terceirizada)

Conselho editorial Ana de Fátima Sousa, Carlos Gomes, Galiana Brasil, Raphael Giannini, Samara Ferreira, Tiago Ferraz e Valéria Toloi

Edição Maria Clara Matos e Thiago Rosenberg

Coordenação editorial Carlos Costa fotos: Márcia Tabajara/acervo família Vianna


São Paulo, 2018


fotos: MĂĄrcia Tabajara/acervo famĂ­lia Vianna


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Angel iniciou sua carreira em Belo Horizonte, cidade em que nasceu em 1928 e onde fez sua primeira formação, em balé clássico. Foi ainda na capital mineira que encontrou seu companheiro de vida e de obra,

nquanto você lê este texto, como está a planta do seu pé esquerdo? Os joelhos estão estendidos ou dobrados? E os ombros, alinhados? Pele, ossos, articulações corporais e como elas se manifestam no espaço têm sido, desde a década de 1950, o foco das investigações realizadas por Angel Vianna – um dos principais nomes da história da dança no Brasil e a 38ª homenageada do programa Ocupação. Apaixonada pelo corpo e por pessoas, a artista – no sentido contrário à noção moderna de dissociação entre corpo e mente – dedicou-se a estudar o ser humano completo, dono de um corpo que sente e pensa por inteiro.

A Ocupação Angel Vianna celebra, por meio de vídeos, fotos e documentos, a energia e a sensibilidade de uma

atuação como bailarina e coreógrafa, inaugurou uma série de iniciativas voltadas para o ensino da dança. Fundamentado na ideia de que todo ser humano é criador e de que as particularidades individuais são a essência dessa criação, o trabalho de Angel estendeu-se para além dos campos artístico e educativo, chegando também ao terapêutico.

Klauss Vianna (1928-1992). Da parceria profissional surgiu a primeira escola de dança; e do amor, o filho do casal, Rainer Vianna (1958-1995) – também devotado ao universo da dança. Depois de uma temporada em Salvador na década de 1960, Angel estabeleceuse no Rio de Janeiro, onde, além de sua

No campo das artes cênicas, o programa Ocupação já homenageou artistas e coletivos como Grupo Corpo, Ballet Stagium e o casal Maria e Herbert Duschenes. Conheça todos os homenageados em itaucultural.org.br/ocupacao.

Funcionando de maneira complementar à exposição, esta publicação aprofunda alguns temas que auxiliam na compreensão de tão vasta trajetória a partir de artigos escritos pela curadora da mostra, a coreógrafa e bailarina AnaVitória; pela psicanalista Hélia Borges; pela vice-diretora da Angel Vianna Escola e Faculdade de Dança, Márcia Feijó; e pela pesquisadora de dança e movimento Joana Ribeiro da Silva Tavares.

artista que, prestes a completar 90 anos, permanece plenamente ativa e deixando-se instigar pelo mundo.




por Joana Ribeiro da Silva Tavares

A incessante trajetĂłria de uma artista apaixonada pelo movimento

foto: AndrĂŠ Seiti

Da montanha ao mar


À revelia dos casamentos arranjados entre primos, tradição entre os Abras, Angel escolheu como marido o amigo e colega de balé Klauss Vianna – com quem desenvolveu suas pesquisas sobre corpo e movimento. Angel teve formação em balé clássico nos anos 1940, na escola do mestre Carlos Leite, em Belo Horizonte, estreando no Ballet de Minas Gerais. Fascinada pelas artes, estudou piano com Francisco Masferrer e desenho e escultura na Escola de Belas Artes, com Guignard e Franz Weissmann. Nesse ambiente, descobriu-se escultora e desenvolveu a percepção tátil e o gesto de tocar – das teclas do piano aos diferentes materiais, como a argila e o cimento.

Nos anos 1950, Angel integrou um grupo de artistas e intelectuais que ficou conhecido como Geração Complemento, colaborou para o teatro de vanguarda, experimentou o hataioga e, estudando anatomia, levou para a dança o conhecimento científico do corpo. Ainda em Belo Horizonte, participou da criação da Escola Klauss Vianna, em atividade entre 1959 e 1963, e assumiu diversas funções na companhia de balé homônima – deu aulas, dançou, coreografou, executou tarefas administrativas e criou figurinos, destacando-se como solista na obra Neblina de Ouro (1959), do marido coreógrafo. O espetáculo estreou no ano seguinte ao do nascimento de Rainer Vianna (1958-1995), único filho do casal. Mas as montanhas de Minas Gerais não restringiram a curiosidade de Angel, sempre afeita a novas descobertas. Após participar do I Encontro de Escolas de Dança do Brasil, organizado por Paschoal Carlos Magno em Curitiba, a artista e sua família partiram, em 1963, para uma temporada em Salvador. Lá o casal deu aulas na pioneira Escola de

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ascida Maria Ângela Abras, em 1928, em Belo Horizonte, Angel Vianna é descendente de libaneses cristãos. Curiosa e observadora, sempre sentiu a necessidade de se movimentar. De Minas Gerais ao Rio de Janeiro, onde edificou sua escola-casa, percorreu uma trajetória rara para as mulheres de sua época.

... as montanhas de Minas Gerais não restringiram a curiosidade de Angel, sempre afeita a novas descobertas.


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1. A bebê Angel, em sua Belo Horizonte natal, durante o Carnaval de 1929 | foto: autor desconhecido/acervo família Vianna 2. Angel e Klauss em 1955, na festa de comemoração do casamento | foto: autor desconhecido/acervo família Vianna 3. Angel e seu filho, Rainer Vianna, em 1958 | foto: autor desconhecido/acervo família Vianna 4. Rainer, no início dos anos 1980, em cena de Reflexões Poéticas de uma Mão Desesperada, performance coreografada por Klauss | foto: Juvenal Pereira /acervo família Vianna


1. Angel, no começo da década de 1950, em Les Silfides, coreografia de Carlos Leite para o Ballet de Minas Gerais 2. Angel (à frente), em 1960, em cena de Caso do Vestido; baseado no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade, o espetáculo do Ballet Klauss Vianna não contava com acompanhamento musical e é tido como a primeira obra de dança moderna de Belo Horizonte 3. Em 1987, Movimento Cinco: Mulher trouxe Angel em coreografia assinada por seu filho, Rainer

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Dança da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Angel ainda integrou, como bailarina, o Grupo Juventude Dança, dirigido por Rolf Gelewski e ligado à mesma instituição de ensino. Em 1965, em vez de retornar para Belo Horizonte, Angel se radicou na cidade portuária do Rio de Janeiro – onde vive e trabalha até hoje. Na capital fluminense, esteve à frente de outras iniciativas voltadas para o ensino da dança, formando gerações de artistas, terapeutas e professores. A primeira delas, chamada Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educação (1975), oferecia cursos livres e foi o berço da “expressão corporal” nos anos 1970. Em seguida, Angel fundou em um sobrado de 1884 o Centro de Estudos do Movimento e Artes – Espaço Novo (1983). Posteriormente rebatizado de Escola Angel Vianna (1985), formou muitos artistas e terapeutas corporais que afluíram para a cena da dança contemporânea e a área da saúde – nos hospitais da rede Sarah Kubitschek, por exemplo. O passo seguinte foi a criação, em 2001, de uma instituição de ensino superior, a Faculdade Angel Vianna (FAV), com cursos de graduação, extensão e pós-graduação lato sensu em dança e movimento. Desde então, egressos da escola e da faculdade de Angel integram o quadro de professores em escolas e universidades do Brasil e de outros países.

Antecipando o futuro Paralelamente à sua atuação como educadora, Angel coreografa no teatro carioca desde 1969, quando foi convidada pelo diretor Luiz Carlos Maciel para assinar a coreografia da peça As Relações Naturais, baseada em texto escrito por Qorpo Santo em 1866. Na década de 1970, ela organizou dois grupos, o Brincadeiras (1975) e o Teatro do Movimento (1976-1978), precursores da dança contemporânea do Rio de Janeiro. Como bailarina, Angel voltou à cena – após 20 anos de ausência – em Movimento Cinco: Mulher (1987), coreografia de seu filho Rainer Vianna. Seguiram-se a isso outras aparições em obras coreográficas e performáticas, como Divina Comédia (1991), Angel, Simplesmente Angel (1997), Memória em Movimento (1998), Inscrito (1999), Impromptus (2002), A Tempo (2007), Qualquer Coisa a Gente Muda (2010), Encontro de Gerações (2012) e Ferida Sábia (2012). Em 2016, Angel estreou o espetáculo Amanhã É Outro Dia, dirigido por Norberto Presta, cujo título evidencia uma de suas características essenciais: antecipar o futuro. Acompanhar Angel exige fôlego. Além de administrar sua escola e sua faculdade, ela coordena cursos como Conscientização do Movimento e Jogos Corporais, sobre a sua metodologia,


e dirige espetáculos, como O que Eu Mais Gosto É de Gente (2016) e Os Ossos Pensam (2017), nos quais coreografa alunos egressos e dança em apresentações coreografadas por outros artistas. Sua atuação como bailarina ainda pode ser apreciada nos filmes Em Três Atos (2015), Figuras da Dança – Angel Vianna (2010) e Movimentos do Invisível (2018). Angel escreve, elabora projetos, participa de bancas, recebe prêmios e homenagens. No momento em que você lê este texto, ela provavelmente está estreando algum projeto ou arquitetando planos. Enfim, como sempre, movimentando-se, em todos os sentidos.

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Angel em cena do espetáculo Ferida Sábia (2012), dirigido e coreografado por AnaVitória (agachada), que também participa da performance | foto: Renato Mangolin

Joana Ribeiro da Silva Tavares é pesquisadora de dança e movimento e professora da Escola de Teatro e dos programas de pós-graduação em artes cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).




O corpo revelado por Angel Vianna

Com abordagem sensível e generosa, as aulas da artista e educadora ampliam o conhecimento de cada um sobre si e sobre o mundo

foto: autor desconhecido/ acervo família Vianna

por Márcia Feijó


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Angel realizou suas pesquisas ao lado de seu parceiro de vida, Klauss Vianna, desde antes da abertura de sua primeira escola de dança, no final dos anos 1950, em Belo Horizonte. De lá seguiram para Salvador, como professores convidados pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e para o Rio de Janeiro. Ainda

possibilidades do corpo humano são os motivos pelos quais – prestes a completar 90 anos de vida plena, ativa – ela ainda dança, coreografa, escreve, integra projetos em cinema, teatro, rádio e televisão, participa de conferências, ministra aulas e está à frente de sua escola e sua faculdade de dança no Rio de Janeiro, como mentora, diretora e mantenedora.

ngel Vianna sempre dedicou um olhar atento ao mundo, às coisas e, principalmente, às pessoas. As expressões, os movimentos, as infinitas

Dos ossos à pele Desde o início de sua trajetória, Angel demonstra vocação para educadora. Sua sensibilidade e seu grande apreço pelo ser humano a impulsionam a abrir,

O trio dos Vianna, composto de Angel, Klauss e o filho do casal, Rainer – também um notável artista e pesquisador –, realizou um trabalho pioneiro com base na consciência corporal, seja no teatro, oferecendo preparação corporal a atores em montagens históricas, seja na gênese da dança contemporânea brasileira e no campo da educação.

que Klauss tenha se transferido para São Paulo no início da década de 1980, Angel permaneceu na capital fluminense, onde vive e trabalha até hoje.

Assim, as aulas de Angel são voltadas para qualquer pessoa que deseje investir em autoconhecimento e na integração entre corpo e mente – um estudo de si mesmo que ainda traz resultados como a regulação do tônus muscular, a organização postural e a facilitação das possibilidades de movimento.

aquisição de um estado sensível e alerta – em relação a si mesmo e ao mundo.

Seguindo uma metodologia que leva em consideração as particularidades de cada indivíduo, Angel busca revelar, para cada um, as inúmeras possibilidades de seu próprio corpo, contribuindo para a

sucessivamente, escolas nas quais pode desenvolver e aplicar sua percepção de que o corpo, mais do que um veículo para viver, é algo para ser sentido plenamente.


e bocejos que liberam as tensões acumuladas no cotidiano, iniciam-se encontros nos quais o corpo – passivo, mas não abandonado – realiza uma conferência minuciosa de cada um dos seus segmentos: estrutura óssea, articulações, musculatura etc. Alguns objetos, como bolinhas de tênis, saquinhos de areia e caules de bambu, são usados para facilitar esse processo. Passo a passo, vai se organizando um esquema corporal mais integrado, que propicia um melhor funcionamento estrutural – inclusive do próprio ato involuntário da respiração, uma vez que o centro diafragmático se livra de tensões desnecessárias.

Com alongamentos, espreguiçamentos

Para experimentar as percepções trabalhadas, a liberdade de uma dança própria vem a ser o princípio e o auge da pesquisa do movimento e da expressividade. Por meio da dança, todo

que ocorrem as trocas de informações entre o mundo interno e o externo das pessoas – e as aulas contam com vários procedimentos, como toques suaves e precisos, massagens e escovações para sensibilizá-la, relaxá-la ou revigorá-la.

A pele é outro elemento fundamental no método de Angel. É por meio dela

Para experimentar as percepções trabalhadas, a liberdade de uma dança própria vem a ser o princípio e o auge da pesquisa do movimento e da expressividade.

Márcia Feijó é vice-diretora da Angel Vianna Escola e Faculdade de Dança e professora dos cursos de graduação e pós-graduação na mesma instituição. Trabalha também como professora de dança, corpo e movimento na educação básica e no ensino médio.

É com essa abordagem sensível, eficiente, profunda e libertadora que Angel Vianna vem, ao longo de décadas, revelando o melhor corpo possível para todos – crianças, jovens, adultos, artistas, pessoas com deficiência, profissionais de todas as áreas, irrestritamente.

inúmeros, com múltiplas possibilidades de expressão na dança e nos jogos corporais propostos por Angel.

o conhecimento adquirido se revela em gestos e movimentos. Trabalhos individuais, em duplas ou em grupos são


foto: autor desconhecido/ acervo família Vianna

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[Foto “Educação – Aula com Angel Vianna]

[Foto “Educação – Aula com Angel Vianna]




por AnaVitória

A folha em branco escolhida por Angel Vianna para sintetizar o uso do objeto em seus trabalhos é uma metáfora sublime da relação do corpo humano com o conhecimento e sua inscrição no mundo

Aula do papel: um movimento performático


Ao fundir em seu trabalho pedagógico o acontecimento artístico com o gesto firme e talhado pelos anos de experiência, Angel nos apresenta um modo próprio de reclamar e declamar a vida. Em um profundo e autêntico entrelaçamento entre arte e vida – como o trabalho inaugural de Lygia Clark e Anna Halprin –, cruzou os limites preestabelecidos de sua linguagem e ousou se relacionar com outros campos do saber ao assumir seus modos singulares de criação e expôlos ao mundo. Contraria, assim, seus formatos e suportes convencionais e nos mostra que um dos papéis da arte contemporânea é justamente desestabilizar nossas crenças e certezas do que foi se engessando e enrijecendo em torno do que entendemos como arte.

O papel em branco que Angel nos coloca à frente a fim de manipularmos em seus jogos corporais ora se apresenta como espelho refletindo nossos traços e marcas, ora como folha retirada do nosso próprio livro da vida, em que inscrições de afetos se instauram, ora como nossa própria pele solta no espaço, ora como a pele do outro que toco e me toca. Em suas três horas de atuação, Angel vai delicadamente nos conduzindo por caminhos exploratórios que nos fazem recuperar e colocar em ação nossos sentidos, convocando-os a trabalhar juntos na busca de um estado de atenção e consciência de corpo.

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acontecimento aula do papel, promovido, dirigido e atuado pela bailarina e mestra da dança contemporânea Angel Vianna, é mais uma mostra de como o advento da arte contemporânea se revela inesgotável e surpreendente. Essa grande artista, que vem mobilizando o universo da dança brasileira desde a década de 1940 – investindo, sobretudo, na formação e na construção de uma consciência crítica e reflexiva sobre essa área –, permanece nos dando prova de como os modos de expressividade artística são constituintes de uma investigação prática e contínua.

O papel, o toque, a dobra e o ritual da vida Muitos foram os objetos que, em sete décadas de pesquisa, Angel levou seus alunos a manipular: bolas de tênis, meias-calças, bambus, bancos de madeira e plástico, escovas, tecidos, ossos, balões de ar e inúmeros outros que eram trazidos para suas aulas. Suportes que saíam do seu uso cotidiano e passavam a ser interface de contato do corpo com o espaço e o tempo, servindo de ponto de apoio e aproximação com o corpo do outro. Pois todo trabalho de Angel parte do sujeito que, individualizado, se desloca em direção ao coletivo.


A atenção se volta para dentro, para o gesto mínimo e preciso, para uma composição geométrica de linhas e formas que se entrecruzam num plissado assimétrico, impregnado de gestualidades e intenções entre sujeito e objeto. A partir dessas dobraduras, como um espelho-tátil em total sinestesia, corpo e objeto passam a ser mediados pela pele, “liberadora de tensões”, como repete Angel a todo instante e insiste: “O contato nos ajuda a encontrar conscientemente a forma do corpo dentro da pele”. 1

Angel lança um novo desafio, um salto em direção à relação construída com o objeto a partir do toque e da memória que se inscreveu durante a experiência. Propõe então que cada um desdobre todo o papel até sua forma primária para, a partir dessa nova perspectiva, reconhecer em seu próprio corpo marcas, cicatrizes, fissuras, arranhaduras, estrias, cortes, traços, sulcos e rugas. Agora, a qualidade do toque, ao desdobrar o papel, afinado pela

O trabalho de Angel Vianna é aberto, precisa a todo tempo entrar em crise para recriar-se e expandir-se. Assim “destrói” as dobraduras e suas linhas retas e, pelo “gesto firme, sem utilizar a força externa, mas sim a força vital”, converte o objeto, marcado por suas dobras, em uma pequena bola de papel, que vai ocupar os espaços vazios do corpo para recolocá-lo em seu eixo vertical. Maléolos, joelhos, assoalho pélvico, axilas e topo da cabeça são responsáveis por conduzir o corpo à sua verticalidade. Usando a bola de papel nos espaços “entre”, o corpo vai sutilmente negociando com o objeto e incorporando-o, a ponto de não mais precisar senti-lo e, ao retirá-lo, resta apenas o ar que assume o lugar da sustentação do corpo no espaço.

experiência multissensorial orientada por Angel, compõe outra musicalidade como fundo para nosso encantamento com o objeto. Uma imagem caleidoscópica de nós mesmos. O ato performativo atuado por Angel Vianna começa com uma espiral, numa menção clara de que se trata de uma experiência coletiva, ritualística, que, composta de ações para descobertas das singularidades, se relaciona com o outro e com a diversidade dos modos de experienciar e fazer arte. O dentro e o fora, o singular e o plural, o vazio, o entre e o cheio, o centro e a extremidade, o profundo e a superfície estão em jogo neste percurso que culmina em um chão de estrelas de todos os papéis picados pelos pés e misturados. Singularidades dissolvidas no comum e constituindo

1 MASSUMI, Brian. A arte do corpo

relacional: do espelho-tátil ao corpo virtual. Galáxia, São Paulo, n. 31, 2016.

um todo coletivo.


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Aula do papel ministrada em 2017 no Museu de Arte do Rio (MAR); as imagens foram retiradas de um dos vídeos disponibilizados no site da Ocupação Angel Vianna, em itaucultural.org.br/ocupacao

AnaVitória é coreógrafa e bailarina. Doutora em artes cênicas pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), integra o conselho diretor e coordena o programa de pós-graduação em preparação corporal para as artes cênicas da Faculdade Angel Vianna (FAV).




Uma contribuição efetiva para alçar novos horizontes existenciais

A sensorialidade corpórea evocada pelo trabalho de Angel Vianna como via propiciadora de novos conhecimentos, percepções e experiências

fotos: Márcia Tabajara/acervo família Vianna

por Hélia Borges


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Chapecó: Argos, 2009, p. 64-65.

1 AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo.

O seu trabalho, além de contribuir para a renovação das práticas de cuidados individuais e grupais, ativa em nós estados de existência que, encarnados, podem resistir às proposições midiáticas que produzem sujeitos alienados. Nesse sentido, pode-se dizer que seu conjunto

ngel destaca-se como uma grande mestra que desafia os horizontes limitados do hoje, na medida em que opera, desde sempre, um gesto revolucionário. Mulher contemporânea no sentido que o filósofo italiano Giorgio Agamben dá ao termo: alguém que, aderida ao presente, consegue vislumbrar no escuro desse presente uma luz que, “dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós. [...] [uma] luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo”1.

Nas experiências propiciadas por Angel – seja em suas aulas, em seus ensaios coreográficos e em sua gestualidade, seja em sua instituição, a Angel Vianna Escola e Faculdade de Dança –, concretiza-se a oportunidade da ultrapassagem do que se constituiu pelo pensamento

de práticas – que se desdobra nas perspectivas artística, educativa e clínica – é político, já que provoca um deslocamento e um descolamento perceptivo, ativando novas formas do sensível e do visível contra aquilo que é consenso, reconfigurando a experiência comum. Ao acordar o corpo, possibilita-se a apreensão de campos diferenciais, retirando-nos de um plácido horizonte de certezas, o que nos permite conviver com a rica qualidade desestabilizante da própria vida.

congrega a Faculdade Angel Vianna, a Universidade Federal Fluminense, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Ceará – e SenseLab, da Universidade Concórdia, no Canadá. Destacam-se também os encontros realizados com a Universidade Sorbonne, na França, a Universidade de Lisboa, em Portugal, a Universidade

Nesse sentido, cabe ressaltar os interesses de tantos centros acadêmicos e instituições parceiras, por meio dos laboratórios CorporeiLabS – linha de pesquisa inscrita no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que

dissociado do corpo, em ruptura com o homem moderno, o homem interiorizado, colonizado, o homem racional, que pensa, logo existe.


Fachada do Centro de Estudos do Movimento e Artes – Espaço Novo, fundado por Angel em 1983, no Rio de Janeiro. Ocupando um imóvel construído em 1884, a instituição foi posteriormente rebatizada de Escola Angel Vianna | foto: autor desconhecido/acervo família Vianna


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A pesquisa de ponta realizada na Faculdade Angel Vianna desafia o modelo tradicional de produção e está em sintonia com outros centros acadêmicos espalhados por diversos países. Essas instituições vêm questionando a falência do modelo tradicionalista para acompanhar os novos achados nas diversas áreas de estudo, principalmente no que se refere à arte e às humanidades.

Federal da Bahia, a Universidade Federal de Pernambuco e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, entre outras instituições, que se manifestam no sentido de realizar atos colaborativos em trocas acadêmicas enriquecedoras, visando a interlocuções com as pesquisas desenvolvidas na Faculdade Angel Vianna.

E o que tem convocado o interesse de instituições e pesquisadores é a possibilidade de, ao passar a teorizar a partir do pensamento prático por meio da sensorialidade, romper com o pensamento tranquilo, sedentário, adquirido pelas certezas e pelas

singular: é o desejo do coletivo que alimenta sua continuidade. Seu corpo docente e discente aposta firmemente em suas composições, pois recebe de modo pleno o diferencial desse saber. Diferindo-se assim fortemente do modelo produtivista que vem imperando nas universidades, está comprometida com o ato criativo, tornando-se resistente às políticas de assujeitamento. Por não ter mais o foco no saber refletido, rompe com a impassibilidade científica e aposta no pensamento movente.

É importante marcar que a Faculdade Angel Vianna tem uma característica

Hélia Borges é psicanalista e professora da Faculdade Angel Vianna (FAV). Pós-doutora pelo Núcleo de Subjetividade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), pesquisa temas ligados à psicanálise, à corporeidade e à arte. É autora do livro O Movimento, o Corpo e a Clínica (2016).

da consciência.

comprovações. Talvez seja este fato – a ameaça de sair do lugar sedentário das certezas – que mantenha essa instituição, depois de tantos anos, ainda numa obscuridade. Ao longo da história da humanidade, temos testemunhado no obscurantismo a marca da ameaça ao senso comum, ao estabelecido que só se revela a posteriori na luz




NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Valéria Toloi Coordenação de projetos especiais Tayná Menezes Produção-executiva Tiago Ferraz Coordenação de atendimento e formação Samara Ferreira Equipe Amanda Freitas, Caroline Faro, Edinho Santos, Elissa Sanitá (estagiária), Gabriela Lima (estagiária),

NÚCLEO DE ARTES CÊNICAS Gerência Galiana Brasil Coordenação Carlos Gomes

Sérgio M. Miyazaki

Diretor-superintendente Eduardo Saron Superintendente administrativo

ITAÚ CULTURAL Presidente Milú Villela

Pesquisa Jan Macedo

OCUPAÇÃO ANGEL VIANNA Concepção e realização Itaú Cultural Curadoria Itaú Cultural e AnaVitória Projeto expográfico Carmela Rocha e Stéphanie Freitas

Captação e edição de imagens André Seiti

Guilherme Ferreira e Luciana Orvat (terceirizada)

Produção editorial Luciana Araripe Identidade e comunicação visual

Revisão de texto Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)

Redes sociais Renato Corch Supervisão de revisão Polyana Lima

Produção e edição de conteúdo Maria Clara Matos e Thiago Rosenberg

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação de conteúdo Carlos Costa

Livia Moraes (estagiária), Luísa Saavedra, Maria Luisa Ramirez, Mariane Souza (estagiária), Raphael Giannini, Renan Jordan (estagiário), Sidnei Junior, Thiago Borazanian, Victor Soriano e Vinícius Magnun

AGRADECIMENTOS Diário de Minas, Dulce Aquino, Estado de Minas (jornal), Folha de S.Paulo, Frederico Morais, Helena Katz, Hélia Borges, Jaqueline Vasconcellos, Joana Ribeiro, Jorge Albuquerque, Jorge Eduardo, Jornal da Dança, Jornal do Brasil, Lucia Murat, Lula Wanderley, Maria Alice Poppe, MultiRio, Neide Neves, O Globo, Produtora Otimistas, Tainá Vianna e TVE Brasil

Coordenação Vinícius Ramos Produção Agenor Neto (terceirizado), Carmen Fajardo, Érica Pedrosa, Juliana Mendes (terceirizada), Wanderley Bispo e Wellington Rodrigues (estagiário)

NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EVENTOS Gerência Henrique Idoeta Soares

e Tomás Franco (terceirizados)

Richner Allan e Sacisamba (terceirizada) Captação de som André Bellentani

Produção audiovisual Paula Bertola Captação de imagens, roteiro e edição

NÚCLEO DE AUDIOVISUAL E LITERATURA Gerência Claudiney Ferreira Coordenação de conteúdo audiovisual Kety Fernandes Nassar


OCUPAÇÃO ANGEL VIANNA ABERTURA quarta 28 de fevereiro de 2018 | às 20h VISITAÇÃO quinta 1 de março a domingo 29 de abril de 2018 terça a sexta 9h às 20h [permanência até as 20h30] sábado, domingo e feriado 11h às 20h piso térreo Entrada gratuita [livre para todos os públicos]

Centro de Memória, Documentação e Referência - Itaú Cultural­­ Ocupação Angel Vianna / organização Itaú Cultural. - São Paulo : Itaú Cultural, 2018. 40 p. : il. ; 18x24 cm ISBN 978-85-7979-103-1 1. Angel Vianna, 1928-. 2. Dança. 3. Artes cênicas. 4. Corpo (dança). 5. Balé. 6. Exposição de arte – catálogo I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 792.80981




/itaucultural


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