revista Oiticica - A Pureza É um Mito

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NC1 - Pequeno Núcleo Nº 1, 1960 | Foto: Edouard Fraipont

Quando a retrospectiva The Body of Colour, do Museu de Belas Artes de Houston, itinerou para a Tate Modern, foi montada uma mostra de acervo intitulada Oiticica in London [Oiticica em Londres]. Estavam incluídas obras de artistas internacionais que tinham, como Oiticica, entrado pela primeira vez no mundo anglófono por meio da galeria Signals London, que teve vida curta (1964-1966). Tropicália, a peça central, era a nova aquisição da Tate. A mostra foi acompanhada de uma publicação que enfocava a presença de Oiticica em Londres, desde a chegada de suas obras lá – um conjunto de bólides de vidro enviados ao curador e escritor Guy Brett – até a organização da exposição/experimento de 1969 na galeria Whitechapel. Gerando um novo arquivo de memórias localizadas, esse livro deu voz não só a críticos estabelecidos e diretores institucionais, mas também a artistas, ativistas, poetas e escritores que tinham vindo a conhecer Oiticica em contextos mais marginais. Entre esses testemunhos diversos está a diferença entre aqueles que apoiaram a permanência de Oiticica em Londres em 1969 e aqueles que apoiam a permanência de Oiticica em um museu tradicional hoje. Como tal, o projeto destacou a distinção entre dois momentos do reconhecimento internacional do artista. Vista de forma cínica, a leitura de Oiticica in London pode ser um gesto de apropriação altamente bem-sucedido; literal e simbolicamente, deu sentido à posse de sua obra pela Tate (ao mesmo tempo que reconheceu a Signals como um precedente da perspectiva internacionalista britânica com a qual a Tate está comprometida). Porém, algo da natureza contraditória de sua posição reinternacionalizada foi revelado por esse projeto. Incentivou uma compreensão de sua obra de acordo com seus múltiplos – e contínuos – pontos de contato e receptividade transnacionais. A aquisição de Tropicália avivou a intensidade do foco sobre a particularidade da obra individual. Em mostras coletivas anteriores realizadas na Tate (Century City: Art and Culture in the Modern Metropolis [Cidade secular: arte e cultura na metrópole moderna], 2001; Open Systems: Rethinking Art c. 1970 [Sistemas abertos: repensando a arte por volta de 1970], 2005), parecia que qualquer obra do artista poderia ser selecionada para ser exposta, como um código de uma afirmação inalterável e isenta de críticas, quer da arte brasileira, quer da prática participativa. Em vez disso, o prolongamento que vai do artista ao processo de conclusão e reformulação de uma obra artística em particular (Tropicália) ou que vai de um artista a um local específico (Londres) constitui modelos históricos que favorecem a descontinuidade, reconhecendo o fato de que o objetivo da obra de um artista pode ser alterado de acordo com o local, e que um artista pode ser incoerente ou contraditório por causa disso. Tal compreensão é, de fato, mais coerente com a forma de concepção de sua própria prática e de sua resposta às demandas de localidades diferentes. Isobel Whitelegg é historiadora da arte, membro do Centro de Pesquisa TrAIN (Transnational, Art, Identity, Nation) na University of the Arts London e doutora em teoria e história da arte pela University of Essex, Inglaterra. É autora, entre outros, de “The Bienal de São Paulo Unseen/Undone, 1969/81” in Afterall, #22 (Antwerp-London-Los Angeles, 2009) e “Signals Echoes Traces” in Oiticica in London, London, Tate Publishers, 2007.

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