Ocupação Inezita Barroso

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O C U PAÇÃO INEZITA BARR O S O



São Paulo, 2017

Realização


EXPEDIENTE _ coordenação editorial Carlos Costa edição Thiago Rosenberg conselho editorial Ana de Fátima Sousa, Andreia Schinasi, Edson Natale, Elaine Lino, Glaucy Tudda, Letícia Santos, Moisés Mendoza Baião, Tânia Rodrigues e Vinícius Murilo consultoria Alexandre Pavan e Aloisio Milani coordenação de design Jader Rosa projeto gráfico e diagramação Estúdio Claraboia digitalização de imagens Laerte Fernandes produção editorial Bruna Guerreiro e Luciana Araripe supervisão de revisão Polyana Lima revisão Rachel Reis (terceirizada) colaboradores Alexandre Pavan, Aloisio Milani, Badi Assad e Nico Prado



Nos últimos 35 anos de sua vida – quase o mesmo tempo em que esteve à frente do Viola, Minha Viola, o mais longevo programa musical da televisão brasileira –, Inezita Barroso (1925-2015) morou em um apartamento localizado na Rua Gabriel dos Santos, no bairro de Santa Cecília, em São Paulo. Paulistana, nutria, desde pequena, profundo afeto pela cultura caipira. Em sua morada, dividia o espaço com uma porção de passarinhos – tinha azulão, galo-da-campina, sabiá, periquito – e com Corisco e Virgulino, os pinschers que, como os outros cães já criados pela artista, ganharam nome de cangaceiro. Objetos como um cocar emoldurado na parede e imagens de santos católicos e de orixás do candomblé faziam referência à diversidade cultural brasileira. E o relógio de pêndulo, os retratos de ancestrais em branco e preto, a canastra herdada do avô, a máquina de escrever que nunca chegou a ser substituída por um computador e a réplica de um lampião a gás – aquele que Zica Bergami transformou em música e que Inezita tanto cantou – davam ao local o ar de uma São Paulo “calma e serena, que era pequena mas grande demais”. Em meio a tudo isso, a “dama da música caipira” ainda arranjou espaço para guardar boa parte da sua própria história, materializada nos mais de 80 discos que gravou, nos bilhetes e nos presentes de fãs, nos inúmeros prêmios que recebeu e em quase 30 álbuns repletos de fotos pessoais e recortes de jornais e revistas – pelo menos um milhar de páginas amareladas que contam a trajetória da artista, desde os 6 até perto dos 90 anos. Agora, a 36ª edição do programa Ocupação Itaú Cultural divulga parte desse material por meio de uma exposição – em cartaz entre setembro e novembro de 2017 –, de um site – que pode ser acessado em itaucultural.org.br/ocupacao – e desta publicação impressa. Além da reprodução de documentos que compõem o acervo da homenagea-


da, as páginas a seguir trazem textos assinados por Nico Prado, último diretor do Viola, Minha Viola; pela cantora, instrumentista e compositora Badi Assad; e pelos jornalistas Aloisio Milani e Alexandre Pavan, criadores do projeto No Gravador de Inezita (inezita.com.br) – realizada com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural, a iniciativa foi responsável pela recuperação e pela digitalização de 39 fitas de rolo, também encontradas no arquivo pessoal da cantora, contendo gravações feitas sobretudo nas décadas de 1950 e 1960. A Ocupação Inezita Barroso integra um ciclo que o Ocupação Itaú Cultural dedica a mulheres fundamentais da arte e da cultura brasileiras. Em 2017, o programa já abordou a trajetória da atriz Laura Cardoso, da escritora Conceição Evaristo e da pesquisadora Aracy Amaral.

Itaú Cultural


M ES TI Ç AG EM , CA IP IR IC ES , T RA JE TÓ RI AS


Nos discos e nos filmes, no rádio e na televisão, Inezita Barroso nunca deixou de lado sua paixão pela música e pelo povo do Brasil

inezita em quadro do programa vamos falar de brasil, comandado por ela e transmitido pela tv record entre 1954 e 1962

por Aloisio Milani e Alexandre Pavan


Ignez era o nome da mãe e da filha. Ignez Magdalena Aranha de Lima – a filha, que acabou ganhando o apelido Inezita – nasceu no dia 4 de março de 1925, num sobrado da Rua Lopes de Oliveira, na Barra Funda, em São Paulo, a poucos metros da casa do escritor Mário de Andrade. Por parte de mãe, descendia de uma família de ricos cafeicultores paulistas, os Sousa Aranha, cuja árvore genealógica tem raízes em Cunha Gago e no cacique Piquerobi. Por parte de pai, dava continuidade a um clã que se espalhara entre Belém e Ubatuba, os Ayres de Lima. Dizia Inezita que guardava na alma um pouco de “terra e mar”. Ela adorava uma história da sua avó paterna, que, como a neta, tinha voz contralto e tocava piano. O avô, professor de grego e latim, ciumento e impositivo, certa vez proibiu a esposa de cantar num recital para um orfanato. O motivo: ela estaria muito bonita para se apresentar. A avó então trancou o piano, jogou a chave fora e calou seu canto enquanto viveu o marido. Se ela não poderia se apresentar, ele também nunca mais a ouviria. “Foi a vingança dela”, dizia Inezita. “Uma história da família muito forte e que eu adorava.”

Dizia Inezita que guardava na alma um pouco de “terra e mar”. A sensibilidade da menina Ignez para a música se desenvolveu sobretudo nas fazendas dos tios maternos, onde colonos violeiros e caipiras entoavam aos montes folias de reis, catiras e modas de viola. Foi nesse contexto que, entre canecas de leite com gotas de conhaque, ela aprendeu “Boi Amarelinho”, uma das composições que deram início ao seu vasto repertório de apaixonada por folclore. Na família, quase todos estudavam música. Só que os tempos eram outros, e profissionalizar-se como artista era malvisto na alta sociedade paulistana. Inclusive na família de Inezita.


A menina fez aulas de violão e piano com a afamada professora Mary Buarque e recebeu ensinamentos do folclorista e professor de educação física Alceu Maynard de Araújo. Aprendeu a tocar viola de ouvido nas fazendas. Jovem, passou a cantar frequentemente entre amigos, ao mesmo tempo que se dedicava aos estudos de biblioteconomia, novo curso da Universidade de São Paulo (USP). Praticante de natação, foi nas piscinas do Club Athletico Paulistano que ela conheceu Adolfo Barroso, estudante de direito da Faculdade do Largo São Francisco, com quem se casaria em 1947 e teria sua única filha, Marta. A família cearense do marido contribuiu para aproximá-la ainda mais das artes. Foi por intermédio do irmão de Adolfo, Maurício Barroso – integrante do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e locutor de rádio –, que ela se tornou amiga dos atores Paulo Autran e Renato Consorte, do radialista Vicente Leporace, do pianista Tullio Tavares, do escritor José Mauro Vasconcelos e do compositor e zoólogo Paulo Vanzolini.

Uma estrela no meio do povo Apesar de cantar semanalmente nos saraus que ela e Adolfo organizavam em casa para os amigos e nos recitais que fazia em teatros paulistanos, Inezita encontrou no cinema sua primeira oportunidade para realizar um trabalho artístico remunerado. Em 1951, fez parte do elenco de Angela, produção da Companhia Cinematográfica Vera Cruz na qual interpretava a cantora Vanju, personagem que rivalizava com a protagonista que dá nome ao filme, papel da atriz Eliane Lage. Na obra, Inezita apresentava dois números musicais: “Quem É”, de autoria de Marcelo Tupinambá, compositor que a artista adorava, e “Enquanto Houver”, de Evaldo Ruy. Naquele mesmo ano também aconteceu sua estreia em disco. Após vê-la cantar na prestigiada boate Vogue, no Rio de Janeiro, o dono


do selo Sinter a convidou para um teste no estúdio de gravação. O resultado foi um 78 rotações no qual a cantora interpretava, em voz e violão, “Funeral de um Rei Nagô” (Hekel Tavares/Murilo Araújo) e “Curupira” (Waldemar Henrique). Com pouca divulgação comercial, o disco passou despercebido ao público e à crítica quando chegou às lojas, em outubro. No entanto, ainda naquele mês a artista realizaria uma temporada de recitais para a Rádio Clube do Recife, em Pernambuco – recebendo, pela primeira vez, cachê para se apresentar. O impulso definitivo para sua carreira veio logo em seguida, em 1952, ao ser contratada para integrar o casting da recém-inaugurada Rádio Nacional de São Paulo. Ao mesmo tempo que participava de variados programas, cantando acompanhada pela orquestra da emissora sob a regência dos maestros Gaó e Spartaco Rossi, Inezita se fazia presente em disco, cinema e televisão. Entre 1953 e 1954, ela participou de quatro filmes – Destino em Apuros, O Craque, Mulher de Verdade (no qual era a protagonista) e É Proibido Beijar –, lançou um novo disco de 78 rotações, com duas músicas que se tornariam clássicos de seu repertório – “Moda da Pinga” (domínio público, mas inicialmente registrada por Ochelsis Laureano) e “Ronda” (Paulo Vanzolini) –, e ainda estreou na telinha com o programa Afro, especial da TV Tupi com músicas e danças afro-brasileiras. A desenvoltura da artista à frente das câmeras e do microfone logo chamou atenção da Record, que pagou a multa pela rescisão do contrato com a Rádio Nacional e a levou para cantar em seus canais de rádio e TV. Vamos Falar de Brasil, sob o comando de Inezita e produzido pelo inovador Eduardo Moreira, foi o primeiro programa da televisão brasileira dedicado exclusivamente à música. Durante os oito anos em que foi a grande estrela da emissora, a artista divulgou a cultura popular em toda a sua magnitude, interpretando de modinhas a modas de viola, de sambas a toadas, de cocos e maracatus a acalantos e pontos de candomblé.


por sua atuação no longa-metragem mulher de verdade

(filmado em 1954 e lançado em 1955),

de alberto cavalcanti, inezita ganhou os prêmios saci e governador do estado de melhor atriz



vamos falar de brasil foi o primeiro programa da televisão brasileira dedicado exclusivamente à música; na atração, exibida semanalmente, inezita interpretava canções do folclore de diversas regiões do país


Essa diversidade ela também levou para seus discos. Trabalhando em colaboração com os principais arranjadores e maestros da época – César Guerra-Peixe, Radamés Gnattali, Gabriel Migliori, Elcio Alvarez e, principalmente, Hervé Cordovil –, Inezita desenhou seu mapa musical a partir das cantigas nordestinas de Zé do Norte, Luiz Vieira e Nelson Ferreira, das lendas amazônicas de Waldemar Henrique, dos sambas urbanos de Billy Blanco e Paulo Vanzolini e das danças gaúchas recolhidas por Barbosa Lessa e Paixão Cortes. Tudo isso somado às canções de inspiração afro-brasileira de autoria de Hekel Tavares e à rica coleção de temas e ritmos populares garimpados pela própria cantora. Para a pesquisadora Inezita, mais do que preservar o folclore em discos, em livros ou nas universidades, era preciso fazer com que ele sobrevivesse em seu ambiente de origem, isto é, no meio do povo.

Imensurável legado Durante as décadas de 1960 e 1970, com as transformações no mercado musical brasileiro decorrentes do aparecimento da bossa nova, da jovem guarda e dos festivais televisivos, Inezita perdeu espaço no rádio, na TV e nas gravadoras. Mas permaneceu fiel ao seu trabalho. Foi nesse período que ela lançou quatro pérolas de sua discografia: Clássicos da Música Caipira (1962), Clássicos da Música Caipira Nº 2 (1972), Joia da Música Sertaneja (1978) e Joia da Música Sertaneja Nº 2 (1980), antologias que reúnem obras dos compositores Anacleto Rosas Jr., Raul Torres, Angelino de Oliveira, João Pacífico, Tonico, Teddy Vieira e outros mestres. Afastada da mídia, batalhou o pão como professora de violão para crianças. Chegou a dar aulas das 8 da manhã às 9 da noite – ironicamente, ensinando a molecada a tocar muitos dos sucessos da jovem guarda, a moda musical do momento. Também aproveitou para dar continuidade às suas pesquisas sobre culturas populares. Tornou-se


habitué de festivais de folclore e de folguedos brasileiros e ainda respirou o sonho de ser dona de um restaurante: localizado no bairro paulistano de Santo Amaro, o Casa da Inezita misturava dentro do mesmo tacho música e gastronomia regional.

Para a pesquisadora Inezita, mais do que preservar o folclore em discos, em livros ou nas universidades, era preciso fazer com que ele sobrevivesse em seu ambiente de origem, isto é, no meio do povo. Mas a década de 1980 traria Inezita de volta à janela da televisão. A TV Cultura, que presenciava a renovação da música rural no embalo dos sucessos de Leo Canhoto e Robertinho e Milionário e José Rico, decidiu criar um programa só de música de raiz. Buscava o sucesso do famoso Linha Sertaneja Classe A, de Zé Russo e Zé Béttio, transmitido pela Rádio Record. Para apresentar a nova atração, foram convidados o radialista Moraes Sarmento e o compositor Nonô Basílio. O Viola, Minha Viola – programa batizado por Eduardo Moreira, o mesmo produtor de Inezita na TV Record – estreou em 1980. Quando Basílio se mudou para Minas Gerais, a atriz Nídia Lícia, então gestora da TV Cultura, convidou a amiga Inezita para apresentar a atração ao lado de Sarmento. A ideia foi certeira. O Viola se tornou o programa de música mais longevo da história da televisão brasileira, completando quase 35 anos de sucesso. O bordão criado por Sarmento marcaria gerações de fãs: “Eta programa que eu gosto!”. Concomitantemente, Inezita virou radialista: primeiro na Rádio USP, entrevistando expoentes da música caipira no seu Mutirão, e depois


na Rádio Cultura – então dirigida pela pesquisadora Maria Luiza Kfouri –, com o programa Estrela da Manhã. Ali, a cantora e apresentadora ampliou o contato com o público de todo o país, recebendo centenas de cartas e pedidos de música. Seu programa tornou-se uma espécie de cozinha onde os ouvintes se encontravam para conversar com a artista. E ela era feliz com isso. Em 2014, apesar da saúde frágil, Inezita gravou 43 edições do Viola, Minha Viola. Também tinha planos de gravar um novo disco e de viajar, queria revisitar suas pesquisas escritas e pretendia tomar posse na Academia Paulista de Letras. Não houve tempo. No ano seguinte, aos 90, faleceu de insuficiência respiratória aguda. Maior do que sua extensa musicografia e seu rico acervo de pesquisas, o legado de Inezita é do tamanho de sua legião de fãs. Um sem-número de amantes espalhados por esse Brasil profundo. •

– Aloisio Milani é jornalista e produtor cultural. Atuou na TV Cultura como roteirista e produtor do Viola, Minha Viola e integrou a curadoria colegiada da Virada Cultural de 2015, que homenageou Inezita Barroso. Em parceria com a filha de Inezita, Marta, trabalha para organizar e difundir o acervo da cantora.

Alexandre Pavan é jornalista e autor dos livros Timoneiro – Perfil Biográfico de Hermínio Bello de Carvalho (2006) e, em parceria com Irineu Franco Perpetuo, Populares & Eruditos (2001). Foi roteirista da TV Cultura e atualmente integra a equipe do projeto No Gravador de Inezita (www.inezita.com.br) – realizada com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural, a iniciativa visa organizar e digitalizar áudios do acervo pessoal de Inezita Barroso.








inezita com sua mãe

– também chamada ignez – e sua filha, marta, na praça da

república, em são paulo




inezita ganhou seis troféus roquete pinto ao longo dos anos 1950

– e, em 1960, levou o roquete pinto de ouro, prêmio oferecido aos poucos que atingiam a marca alcançada pela cantora





R A Í ZE S DE INE ZI TA


No início da década de 1980, Inezita Barroso realizou uma apresentação para comemorar seus 30 anos de carreira. As páginas a seguir trazem o roteiro que a artista preparou para o recital, no qual ela comenta algumas das canções que marcaram sua vida

Na abertura do texto – e em várias outras ocasiões –, Inezita diz ter nascido num domingo de Carnaval. O dia 4 de março de 1925, no entanto, caiu numa quarta-feira.










ao lado inezita aos

2 anos de idade, em 1927 abaixo inezita

(indicada pela seta), em 1933, com sua turma do 2o ano primário da tradicional escola caetano de campos

inaugurada em 1894, na praça da república, em são paulo


ainda criança, inezita fez uma série de apresentações com outras alunas da professora mary buarque; a foto abaixo é de 1933


boletim escolar de inezita

– então com 16 anos de idade





acima inezita em 1950, em teste de fotografia para o filme angela (1951), da companhia cinematogrรกfica vera cruz ao lado revista do rรกdio, 1956



revista intervalo, 1963



O CARISMA

DA

S U Ç U AR AN A


inezita no comando do programa viola, minha viola, da tv cultura foto: cleones ribeiro de novais

| cedoc tv cultura

Ao longo dos quase 35 anos em que comandou o Viola, Minha Viola, Inezita Barroso fez a tela da TV brilhar como o luar do sertĂŁo

por Nico Prado


Quando estreou na TV Cultura, em 1980, o Viola, Minha Viola ainda era um programa de estúdio, sem plateia. Inezita Barroso participou do quarto episódio e, desde então, virou figura carimbada na telinha. A atração logo se tornou um sucesso – e, assim, passou a ser gravada no Teatro Franco Zampari, no bairro paulistano do Bom Retiro, agora como um programa de auditório. Até a última gravação, em 2014, fez com que milhares de fãs se acotovelassem nas filas para garantir um lugar na plateia. E era sobretudo esse público fiel que movia Inezita a se dedicar de corpo e alma ao Viola. Percebi isso claramente em 1988, quando fui convidado para dirigir o projeto Cultura Paulista – série de atrações registradas em espaços públicos de diferentes cidades do interior do estado de São Paulo e exibidas aos domingos pela manhã. O circo eletrônico invadia o “Largo da Matriz” dos municípios e ali gravávamos o Viola e A Cidade Faz o Show, um minidocumentário sobre a cidade visitada. Foi quando senti a dimensão do carisma de Inezita. Chegavam caravanas de povoados vizinhos, gente que vinha da roça, a pé ou em lombo de burro, para assaltar a praça com seu carinho. Era notável a emoção daquelas pessoas, de todas as idades, que ocupavam cada cantinho de chão ou galho de árvore para assistir e prestar reverência à sua rainha Inezita e aos outros grandes artistas que desfilavam por aquele palco sagrado. Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, Vieira e Vieirinha e tantos – ou todos os – outros ícones da música caipira. O Viola retornou ao Franco Zampari em 1990, mantendo intacto o seu objetivo inicial – a valorização da música de raiz. Os artistas eram escolhidos a dedo, sempre com o aval de Inezita. Não havia espaço para modernismos, modismos, guitarras ou teclados. Os que lá se apresentavam faziam uma música simples, genuinamente caipira – como a direção do programa, sem grandes invenções.


Voltei a dirigir a série em 2009 – permanecendo até o final, em 2015 – e, ao lado de uma equipe fantástica, notei que sua popularidade havia crescido ainda mais. Recebíamos dezenas de CDs toda semana. Quantos talentos foram revelados ou resgatados em 34 anos e quase 1.600 programas! Vimos lágrimas nos olhos de Chitãozinho e Xororó, César Menotti e Fabiano, Renato Teixeira. Emoção cristalina também quando perdemos Tinoco, dois dias após sua última participação no Viola. O lampião de gás então se apagou, mas a luz de Inezita seguiu brilhando em cada casa de caboclo como o luar do sertão. Minha amiga e conselheira nos deixou com a garra da suçuarana, altiva como o urutau, suave como a flor do cafezal. Salve, Inezita Barroso. Salve, Viola, Minha Viola. Eta programa que eu gosto!

_ Nico Prado é jornalista e radialista. Diretor de séries musicais desde 1976, atuou em produtoras e emissoras como Abril Vídeo, TV Bandeirantes e TV Cultura. Para essa última, criou e dirigiu os programas Micro Macro, Mosaicos e Manos e Minas, entre outros. Foi o último diretor do Viola, Minha Viola.




UMA PION E I R A APAIXON A D A PELA TRAD I Ç Ã O


Ao mesmo tempo que defendia os valores ligados Ă mĂşsica de raiz, Inezita Barroso viveu como uma mulher Ă frente do seu tempo

por Badi Assad


É graças a Inezita Barroso que os valores da música de raiz ainda se mantêm preservados. Sem ela, talvez o novo sertanejo e suas ramificações que invadiram rádios e rodeios brasileiros com temas romantizados e guitarras elétricas tivessem nos feito perder boa parte do nosso rico folclore. Inezita lutou para – e conseguiu – resguardar a música simples, feita pelas autênticas duplas de violeiros, pelos cantores e compositores do amor puro e da prosa interiorana. Isso não é pouco. No entanto, Inezita é tão mais do que isso... Em 2012 a revista Rolling Stone Brasil publicou uma lista com os 70 maiores mestres do violão no país. Entre eles, somente três mulheres: Inezita Barroso, a eterna Rosinha de Valença e esta que vos escreve. Eu só conhecia o lado caipira de Inezita. Fiquei curiosíssima e fui ler a biografia que Arley Pereira fez da artista, Inezita Barroso – a História de uma Brasileira (2013). E me deparei com o exemplo de uma pioneira. Não imaginava, por exemplo, que ela tinha sido uma das primeiras mulheres a subir ao palco com um violão. Obrigada, Inezita. Quando menina, embora tenha nascido em berço de ouro, a pequena Ignez preferia ficar em meio aos peões e suas violas a assistir em silêncio aos concertos promovidos pelos donos dos casarões que sua família frequentava. Em vez de usar saias comportadas, optava por liderar a turma de moleques da rua. Imagine uma garota naquela época – os anos 1920, 1930 – subindo em árvores, caçando passarinhos com estilingue e jogando futebol. Pois foi com esse espírito livre que ela resolveu viver não somente sua infância, mas toda a sua vida. Inezita nunca se deixou domar pela sociedade, sempre se recusou a seguir os padrões de comportamento impostos às mulheres de sua época. Dessa forma, ela talvez possa ser considerada também uma das nossas primeiras feministas. Gravou mais de 80 discos, atuou no cinema, foi apresentadora de programas de rádio e de televisão, deu


aulas de música e de folclore... E, em álbuns como Inezita Apresenta, fez questão de interpretar e promover o trabalho de outros talentos femininos – lançada em 1958, a coletânea reúne composições de Babi de Oliveira, Edvina de Andrade, Juraci Silveira, Leyde Olivé e Zica Bergami, nomes que não estavam inseridos no mercado fonográfico. Inezita era uma mulher que não se deixava conduzir. Ela conduzia. Em 1956, rodou com um jipe por diversas regiões do país, coletando canções e outras manifestações da cultura popular brasileira. Com a viagem, ou pesquisa de campo, Inezita também tinha o objetivo de se preparar para as filmagens de um longa-metragem sobre Jovita Feitosa, uma moça cearense que, na década de 1860, se disfarçou de homem para tentar lutar na Guerra do Paraguai. O jipe, por sinal, foi apelidado com o nome da heroína do filme – que acabou não sendo produzido. Inezita gravou todos os estilos que a interessaram. Do cancioneiro caipira aos sambas de Noel Rosa, de canções de Ary Barroso a músicas afro-brasileiras... Seria ela a precursora do ecletismo? Certo é que, quando cantava, sua voz altiva e seu sorriso largo – de sábias profundezas e de uma alegria contagiante – sempre nos inspiravam a reverência. Aos 90 anos de idade, em 8 de março de 2015 – Dia Internacional da Mulher –, Inezita faleceu. E aqui ficamos. Quanta saudade você nos traz... • _ Badi Assad é cantautora, violonista e escritora. Lançou, entre outros, os CDs Rhythms (1995) – eleito o melhor álbum do ano na categoria Violão Acústico pela revista norte-americana Guitar Player –, Wonderland (2006) – um dos cem melhores discos do ano de acordo com a BBC de Londres – e Amor e Outras Manias Crônicas (2012) – pelo qual ganhou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) de Melhor Compositora.



ao lado nota publicada em 1956 na revista 7 dias na tv






em 1980, no programa os sons da memรณria, da tv cultura foto: danilo pavani

| cedoc tv cultura


foto: cedoc tv cultura



acima inezita em 1990, no programa ensaio, da tv cultura fotos: jair bertolucci

| cedoc tv cultura

ao lado em 1980, inezita deu aulas sobre o folclore brasileiro no conservatรณrio de pouso alegre, no sul de minas gerais




foto: josé luis da conceição

| estadão conteúdo


OCUPAÇÃO INEZITA BARROSO _ concepção e realização Itaú Cultural curadoria Itaú Cultural e Paulo Freire consultoria Aloisio Milani e Alexandre Pavan expografia Aby Cohen projeto executivo expográfico Aby Cohen e Flávio Marconato instalação sonora Ian Evans (consultoria) pesquisa Itaú Cultural

_ ITAÚ CULTURAL presidente Milú Villela diretor-superintendente Eduardo Saron superintendente administrativo Sérgio M. Miyazaki

NÚCLEO DE MÚSICA gerência Edson Natale coordenação Andréia Schinasi pesquisa e produção-executiva Vinícius Murilo

NÚCLEO DE ENCICLOPÉDIA gerência Tânia Rodrigues coordenação Glaucy Tudda pesquisa e produção-executiva Elaine Lino, Letícia Santos (estagiária) e Moisés Mendoza Baião (estagiário)

NÚCLEO DE AUDIOVISUAL E LITERATURA gerência Claudiney Ferreira coordenação de conteúdo audiovisual Kety Fernandes Nassar produção audiovisual Paula Bertola captação de imagens, roteiro e edição Richner Allan captação de imagens Bela Baderna (terceirizada), Lucas Bassoto (estagiário) e Sacisamba (terceirizada) som direto Rafael Bonifácio (terceirizado) e Tomás Franco (terceirizado)


NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO gerência Ana de Fátima Sousa coordenação de conteúdo Carlos Costa produção e edição de conteúdo Fernanda Castello Branco, Jullyanna Salles (estagiária) e Thiago Rosenberg redes sociais Renato Corch supervisão de revisão Polyana Lima revisão Rachel Reis (terceirizada) coordenação de design Jader Rosa comunicação visual Estúdio Claraboia edição de imagens André Seiti e Marcos Ribeiro (terceirizado) produção editorial Bruna Guerreiro e Luciana Araripe coordenação de eventos e comunicação estratégica Melissa Contessoto produção e relacionamento Simoni Barbiellini e Vanessa Golau Olvera

CENTRO DE MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO E REFERÊNCIA gerência Fernando Araujo coordenação Eneida Labaki digitalização de documentos, pesquisa e produção-executiva Laerte Fernandes

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO gerência Valéria Toloi coordenação de atendimento educativo Tatiana Prado equipe Amanda Freitas, Caroline Faro, Sidnei Santos, Thays Heleno, Victor Soriano e Vinicius Magnun estagiários Alexandre Santos, Aline Rocha, Bianca Melo, Bruna Caroline Ferreira, Bruna Matsuoka, Caique Soares, Danielle de Oliveira, Edson Bismark, Elissa Sanitá, Fernanda Oliveira, Gabriela Lima, Guilherme Wichert, Juliana Cristina do Nascimento, Juliana Ozeranski, Juliane Lima, Kaliane Miranda, Kim Mansano, Lívia Moraes, Lucas Rosalin, Luene Mantovani, Mariane Souza, Mario Rezende, Pamela Camargo, Pamela Mezadi, Patricya Maciel, Rayssa Muniz, Renan Jordan dos Santos, Thiago Rodrigues, Vinicius Escócia, Vitor Augusto da Cruz e Walquíria Amancio coordenação de programas de formação Samara Ferreira


educadores Carla Léllis, Claudia Malaco, Edinho Santos, Josiane Cavalcanti, Lucas Takahaschi, Luisa Saavedra, Malu Ramirez, Raphael Giannini, Thiago Borazanian e Viny Rodrigues

NÚCLEO DE PRODUÇÃO DE EVENTOS gerência Henrique Idoeta Soares coordenação Vinícius Ramos produção Carmen Fajardo, Érica Pedrosa, Isabela Bevilacqua (terceirizada), Wanderley Bispo e Wellington Rodrigues (estagiário)

_ AGRADECIMENTOS Alexandre Pavan, Aloisio Milani, As Galvão, Fábio Maleronka (projeto Produção Cultural no Brasil), Hernani Aparecido Matias, Jornal do Brasil, Marcel Fracassi, Marta Barroso Macedo Leme, Renato Teixeira e Roberto Corrêa

_ O Itaú Cultural realizou todos os esforços para encontrar os detentores dos direitos autorais incidentes sobre as imagens/obras fotográficas aqui publicadas, além das pessoas fotografadas. Caso alguém se reconheça ou identifique algum registro de sua autoria, solicitamos o contato pelo e-mail atendimento@itaucultural.org.br. As imagens não creditadas pertencem ao acervo pessoal de Inezita Barroso.


Centro de Memória, Documentação e Referência Itaú Cultural Ocupação Inezita Barroso / organização Itaú Cultural. – São Paulo: Itaú Cultural, 2017. 84 p. : il. ; 25 x 19 cm. ISBN 978-85-7979-098-0 1. Barroso, Inezita. 2. Música brasileira. 3. Música caipira. 4. Cantora brasileira. 5. Televisão brasileira. 6. Folclore. 7. Exposição de arte – catálogo I. Instituto Itaú Cultural. II. Título.

CDD 780.981

quarta 27 setembro a domingo 5 novembro 2017 terça a sexta 9h às 20h [permanência até as 20h30] sábado, domingo e feriado 11h às 20h

entrada gratuita



Realização


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