Catálogo Oscar Niemeyer - clássicos e inéditos [versão em português]

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S達o Paulo | Rio de Janeiro | 2014


INSTITUCIONAL 8

ITAÚ CULTURAL

ALÉM DO TRAÇO

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FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER

UM PATRIMÔNIO MUNDIAL

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PAÇO IMPERIAL

O LEGADO DE NIEMEYER

SOBRE A EXPOSIÇÃO 14

LAURO CAVALCANTI

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS

ENSAIOS 78

CARLOS A.C. LEMOS

OSCAR NIEMEYER EM SÃO PAULO

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GLAUCO CAMPELLO

ARQUITETURA E AMBIENTE NA OBRA DE NIEMEYER

110 FARÈS EL-DAHDAH

OSCAR EM NOVA YORK: O PAVILHÃO E A ONU


DEPOIMENTOS 134 ALVARO PUNTONI

ESPACIALIDADES INUSITADAS

140 ANGELO BUCCI

A LIBERDADE

146 CIRO PIRONDI

UM ARTISTA POPULAR

152 MARCIO KOGAN

UM CARIOCA NA VIDA DOS PAULISTANOS

158 PAULO MENDES DA ROCHA

O SURPREENDENTE USO DA TÉCNICA NA

ARQUITETURA DE NIEMEYER

166 RUY OHTAKE

SÍNTESE ENTRE ARQUITETURA E URBANISMO

175 FICHA TÉCNICA

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS



INSTITUCIONAL ITAÚ CULTURAL FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER PAÇO IMPERIAL


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

ALÉM DO TRAÇO ITAÚ CULTURAL

Alguns artistas ultrapassam os limites da própria produção e se transformam em símbolos de um tempo, de um lugar, de um sentimento. Entre os brasileiros de nossa época, Oscar Niemeyer (1907-2012) é um dos que melhor representam essa genialidade. Sua arquitetura traduz o moderno. Seu traço revela brasilidade. Suas curvas e esculturas não passam despercebidas, provocam a contemplação. Niemeyer defendia que “a vida é mais importante que a arquitetura” e, por isso, suas obras privilegiaram o lado humano, unindo beleza e funcionalidade. Suas ideias sobre democracia e justiça social também anteciparam o cenário político atual. O arquiteto manteve uma atitude em favor das classes oprimidas até o fim da vida, traduzindo em seu trabalho a militância pelo acesso à cultura e à estética. Em reconhecimento a esse artista, o Itaú Cultural se uniu à Fundação Oscar Niemeyer e, com patrocínio do Itaú Unibanco, realizou a digitalização dos 4.800 desenhos e croquis originais catalogados pertencentes à fundação. Além disso, convidou o curador Lauro Cavalcanti e o expografista Pedro Mendes da Rocha, ambos arquitetos, para construir a exposição Oscar Niemeyer: clássicos e inéditos — uma seleção de projetos inéditos e material raro sobre obras clássicas, além de fotografias e maquetes.

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O conjunto examina o processo de criação de Niemeyer e exibe seu trabalho monumental, possibilitando uma percepção única dessa produção e homenageando a arquitetura brasileira. Outra proposta da exposição é dar continuidade ao projeto do instituto de trazer ao público novas expressões artísticas, como a arquitetura, destacando nomes essenciais dessas manifestações no nosso país. Este catálogo reúne textos produzidos em torno do recorte da exposição e compõe um importante material de referência para a percepção da importância histórica do trabalho de Oscar Niemeyer.

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

UM PATRIMÔNIO MUNDIAL ANA LUCIA NIEMEYER Presidente da Fundação Oscar Niemeyer

A Fundação Oscar Niemeyer é uma instituição sem fins lucrativos criada em 1988 com o objetivo principal de preservar e divulgar a obra do arquiteto. Suas atividades tiveram início com o recebimento de documentos produzidos e acumulados por Niemeyer em seu escritório no curso de sua celebrada e influente carreira. O acervo da Fundação Oscar Niemeyer está dimensionado em cerca de 10 mil documentos arquitetônicos, 30 metros de documentação textual e 8 mil documentos fotográficos, constituindo fonte de informação e pesquisa sobre uma arquitetura precursora de importantes tendências mundiais. O acervo foi declarado de interesse público e social pelo presidente Lula em 2009 e recebeu o registro internacional do Programa Memória do Mundo, da Unesco, um título que o qualifica como patrimônio mundial. Os croquis, álbuns e desenhos do arquivo do arquiteto são o núcleo desse acervo, em que constam mais de 5 mil originais. Dos cerca de 600 projetos arquitetônicos e urbanísticos, mais de 350 estão representados nesses documentos, o que atesta sua relevância para a memória da arquitetura e do urbanismo modernos. A parceria com o Itaú Cultural permitiu a digitalização desses documentos, o que garantirá, além de melhores condições de segurança e preservação, uma acessibilidade mais ampla, não só aos pesquisadores e estudiosos de arquitetura mas também ao público em geral. Esse é o objetivo desta exposição, em que, pela primeira vez, o legado de Oscar Niemeyer é apresentado de maneira mais abrangente.

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O LEGADO DE NIEMEYER LAURO CAVALCANTI Diretor do Centro Cultural Paço Imperial – Iphan/MinC

O Paço Imperial, centro cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), se reúne com o Itaú Cultural e com a Fundação Oscar Niemeyer para celebrar o legado de um dos maiores arquitetos do século XX. Numa operação exemplar de preservação, foi promovida a digitalização do acervo de cadernos inéditos de desenhos e textos, de modo a ampliar o universo de pesquisa, sem prejuízo dos originais. A exposição abrange toda a obra de Oscar Niemeyer, com destaque para um material pouquíssimo conhecido. Trata-se de uma rara oportunidade de mergulhar na produção desse brasileiro que alterou o rumo da arquitetura moderna, num caso excepcional em que nossa vanguarda visual foi, a um só tempo, uma inovação internacional.

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SOBRE A EXPOSIÇÃO LAURO CAVALCANTI


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS LAURO CAVALCANTI

A complexa e extensa obra de Oscar Niemeyer se abre para múltiplas interpretações e pontos de vista. Algumas de suas características, contudo, sobressaem como essenciais. A primeira faceta a ser destacada é a da antecipação com a qual ele previu, ainda no início dos anos 1940, o esgotamento do uso estrito do racionalismo. O segundo ponto importante foi o da liberdade em procurar alternativas para esse impasse que fossem coerentes com os avanços construtivos e com os princípios de uma nova estética modernista.

Niemeyer propôs uma fusão absoluta entre estrutura e arquitetura. Uma vez executada a primeira, a segunda estava pronta.

Brasileiramente, Niemeyer bebeu em fontes consideradas antagônicas em sua origem, como algumas obras do jovem Mies van der Rohe e outras de Le Corbusier. As “miesianas” curvas de vidro que protegem a escada interna e a divisória em mármore ébano da sala de jantar da casa Tugendhat (1928-1930), assim como a sinuosidade dos andares do arranha-céu da Friedrichstrasse (1921-1922), combinaram-se em Niemeyer, sem conflitos, com os volumes puros e autônomos do Pavilhão Suíço (1932). Por meio do domínio estrutural de uma tecnologia de concreto armado, a única então possível em seu país de origem, Niemeyer criou uma revolução de formas a um só tempo regional e internacional. Para fazê-lo, propôs uma fusão absoluta entre estrutura e arquitetura. Uma vez executada a primeira, a segunda estava pronta. Esse caminho o levou a uma depuração e síntese dos elementos de suas construções. E isso teve um efeito direto na recepção de seu trabalho, cujas formas passaram a ser imediata e facilmente apreendidas por todos, e não apenas por especialistas. Produziu também um paradoxo, 14


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pois, muitas vezes, a predominância da forma concisa é tanta que afasta de alguns a percepção da inteligência estrutural que a possibilitou1. Outro ponto importante diz respeito à sua relação com a história; embora sua ênfase fosse a de usar os instrumentos de seu tempo e de construir hoje o passado do amanhã, os vínculos de sua obra com o melhor do barroco brasileiro são tão evidentes que dispensam detalhamento. Além disso, o arquiteto tem uma importante trajetória internacional. Suas numerosas obras na Europa e no norte da África mostram como seus espaços souberam criar contextos, assim como se adaptar àqueles existentes2. Orgulhava-se de que, mesmo em centros mais adiantados, suas obras propunham – e solucionavam – novos desafios de tecnologia construtiva.

A MOSTRA

Várias exposições sobre a obra construída de Oscar Niemeyer foram feitas por ele próprio ou por outros curadores. O propósito de Oscar Niemeyer: clássicos e inéditos é diferente. Sem descartar o registro de um percurso que, por vezes, se confunde com aquele da arquitetura do século XX, o objetivo aqui é revelar projetos inéditos que por vários motivos permaneceram no papel, trazidos a público por um extenso trabalho de pesquisa e digitalização de originais. Esta mostra se tornou possível graças à cooperação entre a Fundação Oscar Niemeyer e o Itaú Cultural.

1 Paulo Mendes da Rocha enfatizou esse ponto em sua palestra no evento Oscar Niemeyer, um Seminário, realizado no Itaú Cultural (SP) em dezembro de 2013. 2 Ver o ensaio de Glauco Campello Arquitetura e Ambiente na Obra de Niemeyer nesta publicação.

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

O objetivo aqui é revelar projetos inéditos que por vários motivos permaneceram no papel, trazidos a público por um extenso trabalho de pesquisa e digitalização de originais.

CLÁSSICOS

O setor dedicado aos clássicos reúne fotografias e maquetes de suas obras emblemáticas e também traz novidades. Pela primeira vez são exibidos os originais do conjunto de 20 croquis (da p. 20 a 34) preparados pelo arquiteto, em 1998, para ser multiplicados e percorrer universidades de todo o país, de modo a transmitir seu pensamento plástico, político e existencial. Inédita também é a série de desenhos que Niemeyer riscou numa bobina de 12,5 metros enquanto discorria sobre cada projeto para a filmagem de O Filho das Estrelas, de Henri Raillard (2001). As cópias heliográficas da sede da Organização das Nações Unidas (ONU), interferidas por traços de lápis de cor, são o registro do momento histórico no qual Oscar Niemeyer, cedendo às argumentações do mestre, abdica de ter seu projeto individual escolhido e propõe a fusão com a proposta de Le Corbusier.

INÉDITOS

Os originais inéditos3 provêm, em sua grande maioria, de cadernos de trabalhos não executados. Eles nos permitem ver a metodologia de Niemeyer, assim como seguir seu modo de conceber, desenhar, escrever e, em alguns casos, acompanhar o desenvolvimento dos projetos. O arquiteto carioca tinha, como sistema de trabalho, o hábito de colocar suas opções visuais por escrito. Caso tivesse dificuldade de clareza ou de síntese, voltava para a prancheta para redesenhá-los, pois algo estaria errado. Chamava esses textos de “Explicações necessárias” (ilustração na p. 36).

3 Farès el-Dahdah chamou a minha atenção para esse material, ordenado em sua pesquisa para a organização futura de um catalogue raisonné de Niemeyer.

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Outro costume seu era o de especular sobre várias decisões possíveis diante do mesmo programa, terreno e local. Cotejava as opções com aquela adotada e barrava com um “x” as hipóteses descartadas. O exame dos cadernos abre inúmeras possibilidades. Permite revelar facetas suas menos conhecidas, como o diálogo franco, no caso de residências, com uma tradição construtiva brasileira. Uma vez estabelecido o moderno, permitiu-se citar ou reproduzir boas práticas das generosas varandas e coberturas de nossa arquitetura rural. A monumentalidade está presente no desenho de mansões projetadas para Bruxelas, Jeddah e Brasília (ilustrações nas p. 38 a 44). O domínio da pequena escala foi exercido na casa que projetou, em 1938, para Oswald de Andrade, assim como na residência circular, sobre pilotis, concebida para si mesmo nos anos 1980 (ilustração na p. 46) e na pequena habitação, de 1979, presenteada a um amigo seu de quem só se sabe o prenome: Salim (ilustração na p. 48). Seus blocos de desenhos nos permitem constatar a perseguição de formatos estruturais que, muitas vezes, se realizaram posteriormente, em programas e locais distintos dos originais. Acompanhamos o uso constante de sinuosas marquises e rampas que propiciam o passeio arquitetural e reconciliam natureza e espaço construído como integrantes de uma só essência. A preferência pelas curvas que o concreto permite se expressa em estruturas que, em diversos tempos e lugares, integram a mesma pesquisa de amalgamar o modo de tornar concreta uma forma com sua própria aparência. Nesse sentido, é possível perceber uma linha de coerência entre, por exemplo, a casca proposta em décadas distintas para a sede social do Jockey Clube Brasileiro no Rio de Janeiro (1976), (ilustração na p. 50) para o Quartel General do Exército, em Brasília (1968), e para o Auditório de Ravello, na Itália (2000). As curvas da igreja da Pampulha (1940) reverberam suas ondas no Centro Técnico da Aeronáutica (1947) e, na década seguinte, no anexo ao Hospital da Lagoa (1952). Uma constante em seu trabalho foi a colaboração com os engenheiros estruturais Joaquim Cardoso, Bruno Contarini e José Carlos Sussekind, seu parceiro mais frequente das últimas décadas. A opinião por eles compartilhada é que os desafios com os quais os confrontou Niemeyer sempre estiveram fundados num rigoroso pensamento 17


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estrutural e, mais que isso, na esfera do possível. Foi contínuo seu experimento com diversas possibilidades de abóbodas: monumentais (Oca, Parque Ibirapuera, 1951), invertidas (Congresso Nacional, 1958), seccionadas (Aquário de Brasília, 2003), suspensas (Catedral Católica no Caminho Niemeyer, 1997), parcialmente enterradas (Partido Comunista Francês, 1965) ou comportando o apoio de rampas que delas partem (Museu Nacional de Brasília, 1999/2006). Nos conjuntos de maior porte, o vazio entre os volumes construídos é um elemento expressivo de sua arquitetura, assim como o contraste dos elementos prismáticos com volumes curvos que tornam mais singular cada uma das formas inventadas em tempos e arquiteturas diversos. A Universidade de Constantine (1969), o clube La Madeleine (1966), (ilustração na p. 52) e o conjunto do Ibirapuera (1951) são alguns exemplos. Entre 1967 e 1979, Niemeyer realiza o plano urbano para as cidades de Grasse, Dieppe e Villejuif, na França. Merece atenção o projeto para Negev, em Israel, (ilustrações nas p. 54 a 56) desenhado em 1964, apenas três anos após a inauguração da capital brasileira. Quase uma “anti-Brasília”, Niemeyer tira completamente o protagonismo do automóvel, adota a verticalidade nas habitações como recurso para uma ocupação rala do terreno e estabelece distâncias entre casa, trabalho e lazer que possam ser percorridas a pé, como numa antiga cidade medieval. A circulação de veículos é limitada a uma via perimetral que daria acesso a uma grande esplanada central, de caráter administrativo; espécie de entrada da cidade e ponto de controle da distribuição do tráfego, contendo no subsolo rodoviária e estacionamento para 10 mil veículos. A cidade livre de automóveis seria “servida de largos caminhos ensaibrados, pitorescos, arborizados, entre os quais se localizariam os blocos de habitação. E as áreas de comércio e distrações seriam distribuídas nas pequenas ruas de pedestres, ora desembocando em singelas praças de província, ora nos gramados que antecedem as zonas residenciais”4.

4 “Explicação necessária”, arquivos da Fundação Oscar Niemeyer.

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Nas torres de habitação de 40 andares estariam determinados apenas os acessos, os jardins e as instalações sanitárias. O restante seria flexível, possibilitando todas as variações, inclusive a construção interna por etapas. Os apartamentos teriam jardins privativos para os quais se abririam salas e quartos, nas disposições que cada um preferisse. “Explicação necessária”, Niemeyer sublinhava que projetara para Israel uma cidade progressista que se antecipasse aos problemas do futuro em um país “predestinado às soluções de vanguarda que outras nações – ricas e industrializadas – ainda se recusam”5. De um desenho para uma publicação dedicada à sua obra na União Soviética em 1975 se originam suas hipóteses para uma cidade do porvir: habitações subaquáticas, novos transportes aéreos e aprendizado durante o sono são algumas de suas apostas nessa curiosa e rara incursão na projeção de formas futuras, uma vez que sua prática costumava trazer o futuro para o presente. Um dos poucos sistemas estruturais irrealizados de Niemeyer foram as diversas versões do Centro da Música (1968) (ilustração na p. 58). Inicialmente projetado para o Parque do Flamengo, próximo ao Museu de Arte Moderna (MAM), o edifício era suspenso sobre um apoio central de modo a permitir a vista para o mar, com vigamento de concreto na cobertura, tirantes metálicos e balanços de 50 metros. Para buscar o dimensionamento adequado, Niemeyer procurou o mestre italiano Pier Luigi Nervi, que propôs a substituição das vigas de concreto por tirantes metálicos – solução adotada na segunda variante do projeto, cogitado de ser implantado às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. Numa terceira etapa, o próprio arquiteto propôs a mudança para um terreno na Barra da Tijuca, bairro onde, nos anos 1990, a prefeitura carioca acabou realizando o projeto de Christian de Portzamparc. Em 1972, Niemeyer propôs uma quarta variante do projeto em balanço com apenas dois suportes centrais destinado a ser o Museu do Conhecimento, a principal atração de uma feira internacional que se pretendia fazer naquele ano, na mesma Barra da Tijuca. Nessa versão, haveria cinco pisos escalonados em ordem crescente, suspensos por tirantes seguros pelo vigamento de concreto da cobertura (ilustrações nas p. 60 a 62).

5 Op. cit.

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NIEMEYER EM SÃO PAULO

Há um vínculo muito especial entre Oscar Niemeyer e São Paulo. Conjunto da Pampulha à parte, foram executadas em terras paulistanas, em 1951, suas primeiras grandes obras públicas: o conjunto do Ibirapuera (1951) e o prédio Copan (1951), primeira megaestrutura dentro do tecido urbano. Esses projetos foram fundamentais no sentido de exercitar uma linguagem de grandes escalas, aplicada depois em Brasília. O Rio de Janeiro é o local que possui mais projetos de Niemeyer. A maior parte deles, de média e pequena escala, está espalhada pela cidade e não se faz presente em sua malha, com as exceções tardias da Passarela do Samba e do conjunto niteroiense da década de 1990. Muito antes, as curvas das montanhas e da mulher amada se fizeram estruturas lógicas, ainda que surpreendentes, nas marquises do Parque Ibirapuera, na sinuosidade do Copan e, mais de 30 anos depois, em 1987, no Memorial da América Latina. Não deixa de ser curioso que alguns dos símbolos incontestes de São Paulo tenham sido produzidos na prancheta do carioca Oscar. Reunimos aqui uma série de projetos para o estado de São Paulo no período de 1938 a 1990. Concomitantemente à sua atuação, com Lucio Costa, no Pavilhão do Brasil em Nova York (1939) e no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro (1936), Niemeyer esboça uma casa de campo para Oswald de Andrade, que emociona pela radicalidade e pela singeleza. Sucedem-se, para citar só alguns, o Centro Técnico da Aeronáutica (1947), o Clube dos 500 (1950) e a fábrica da Duchen (1950), infelizmente destruída. Entre os inéditos está uma versão de 1989 para o Auditório Ibirapuera, muito diversa daquela finalmente construída em 2002. No projeto que fez, em 1979, para a sede da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), (ilustrações nas p. 64 a 68) em dois terrenos na confluência da Alameda Ministro Rocha Azevedo e da Rua São Carlos do Pinhal, podemos acompanhar seu raciocínio no sentido de recriar um espaço urbano com menor adensamento e maior incidência de ar e luz. O arquiteto examina várias hipóteses e termina optando por uma torre esbelta e alta para os escritórios, com uma esplanada, coberta por terraços 20


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e jardins, que a ligaria aos blocos independentes de serviços e controle de operação do sistema, propiciando áreas verdes no espaço livre do térreo. De modo a visualizar melhor o impacto positivo que a solução teria dado a esse trecho da cidade, um modelo digital do projeto está disponível na exposição. Além dos requisitados memoriais e centros de cultura, os planos de Niemeyer para São Paulo nos derradeiros anos deram-lhe a oportunidade de propor mudanças de contexto para confrontar o adensamento dos centros urbanos brasileiros, dos quais a metrópole bandeirante constitui o exemplo extremo. Também lhe propiciaram a chance de incentivar a criação de espaços bucólicos (ilustrações nas p. 70 a 72) em áreas menos privilegiadas e esquecidas, concebendo para a periferia o replantio de bosques integrados a grandes complexos de estar, cultura, esporte e lazer.

Oscar Niemeyer: clássicos e inéditos envolveu um longo processo que buscou, primeiramente, preservar o acervo, digitalizando-o para possibilitar a pesquisa imediata e sua consulta futura por um número mais amplo de estudiosos. Um seminário, reunindo expoentes de várias gerações6, lançou as linhas básicas de aprofundamento para

preparar a exposição e serviu para ultrapassá-la, fornecendo um caráter autônomo à publicação de suas ideias. Oscar Niemeyer inventou um jeito de caminhar num percurso único, impossível (ou, no mínimo, desaconselhável) de ser transposto de modo literal. Já sua postura estabelece um exemplo a ser seguido, no ofício, no exercício de cidadania e na exploração das possibilidades de inovação dentro da tecnologia possível na época e no lugar de cada um. É esse legado que pretendemos celebrar.

6 Paulo Mendes da Rocha, Marcio Kogan, Glauco Campello, Ruy Ohtake, Angelo Bucci, Alvaro Puntoni, Ciro Pirondi e Farès el-Dahdah. A eles se somou o depoimento de Carlos Lemos.

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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AULA [ca. 1997] Fundação Oscar Niemeyer

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CLUBE LA MADELEINE, Pressagny-l’Orgueilleux, França [1966] Fundação Oscar Niemeyer

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CASA PARA PHILIPPE LAMBERT, Bruxelas, Bélgica [1976] Fundação Oscar Niemeyer

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RESIDÊNCIA EM JEDDAH, Jeddah, Arábia Saudita [s.d.] Fundação Oscar Niemeyer

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RESIDÊNCIA EM JEDDAH, Jeddah, Arábia Saudita [s.d.] Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA PARA SEBASTIÃO CAMARGO, Brasília, DF, Brasil [1986] Fundação Oscar Niemeyer

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CASA DO ARQUITETO, Cabo Frio, RJ, Brasil [s.d] Fundação Oscar Niemeyer

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CASA PARA SALIM, s.l. [1979] Fundação Oscar Niemeyer

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JOCKEY CLUB RIO DE JANEIRO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1976] Fundação Oscar Niemeyer

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CLUBE LA MADELEINE, Pressagny-l’Orgueilleux, França [1966] Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PLANO DA CIDADE DE NEGUEV, Deserto de Neguev, Israel [1964] Fundação Oscar Niemeyer

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PLANO DA CIDADE DE NEGUEV, Deserto de Neguev, Israel [1964] Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CENTRO DE MÚSICA, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1968] Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MUSEU EXPOSIÇÃO BARRA 72, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1969] Fundação Oscar Niemeyer

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MUSEU EXPOSIÇÃO BARRA 72, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1969] Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979] Fundação Oscar Niemeyer

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COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979] Fundação Oscar Niemeyer

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COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO | SEDE | 1º PROJETO, São Paulo, SP, Brasil [1979] Fundação Oscar Niemeyer

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CENTRO PARA CULTURA, ESPORTE E LAZER, São Paulo, SP, Brasil [s.d.] Fundação Oscar Niemeyer

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CENTRO PARA CULTURA, ESPORTE E LAZER, São Paulo, SP, Brasil [s.d.] Fundação Oscar Niemeyer

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ENSAIOS CARLOS A.C. LEMOS GLAUCO CAMPELLO FARÈS EL-DAHDAH


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Arquiteto e artista plástico, dirigiu o escritório paulista de Oscar Niemeyer e participou do projeto de criação do Parque Ibirapuera. Professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Membro do Comitê Brasileiro do International Council of Monuments and Sites (Icomos) e do Comitê Brasileiro de História da Arte. Autor de diversos livros, entre eles, Ramos de Azevedo e seu Escritório (Editora Pini, 1993), premiado com o Prêmio Jabuti.


CARLOS A.C. LEMOS

OSCAR NIEMEYER EM Sテグ PAULO


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Em certo dia do início dos anos 1960, recebi em meu escritório uma visita que portava um bilhete de Oscar Niemeyer, dirigido a mim, dizendo o seguinte: “Carlinhos. O portador é o arquiteto alemão Bresman, que está no Brasil por conta da Prefeitura de Berlim. Ele vai a S. Paulo ver algumas obras. Das minhas gostaria que visitasse o Parque Ibirapuera pois as outras não me interessam. Ao contrário. Não considero obras minhas. Para você apelo mais uma vez no sentido de auxiliá-lo no que deseja ver em S. Paulo. Acho que ele poderia visitar a casa do Bratke e mais o que você julgar conveniente. Estou em falta com você, o que muito me constrange pois devo-lhe muitas atenções, mas qualquer dia, quando você menos esperar, estouro aí em S. Paulo. Um abraço afetuoso Oscar.”

I

Nessa mensagem, ele não considerou como suas as obras que projetara para o Banco Nacional Imobiliário. Se não eram dele, de quem teriam sido? Intrigado, até pensei que estivesse se referindo a mim, pois, como seu representante e auxiliar chefiando seu escritório paulistano, poderia ter sido responsabilizado pela fracassada produção. E logo me recordei de seu celebrado depoimento na revista Módulo, em 1958, em que se justifica numa mea culpa repudiando suas obras “após um processo honesto e frio de revisão de meu trabalho de arquiteto”. Alega excesso de projetos malcuidados, de tendência desmedida à originalidade e de desatenção à correção ou à racionalidade. Na verdade, não foi bem assim; o que houve foi um excesso de contratempos próprios da prática profissional; percalços de variadas origens, tanto seus íntimos nos processos de criação quanto externos ou universais na hora da materialização dos planos. 80


oscar niemeyer em s達o paulo | Carlos A.C. Lemos

BILHETE DE OSCAR NIEMEYER A CARLOS LEMOS, S達o Paulo, SP, Brasil [s.d.] Arquivo Carlos A. C. Lemos

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Em seu bilhete, Oscar deveria ter escrito: “Não as considero mais obras minhas”. Esse “mais” é fundamental, porque foram raros os descuidos provenientes de alguma desatenção na concepção do projeto ou na execução das pranchas desenhadas; sempre se teve o máximo cuidado. Sou taxativo: de nosso escritório saíram projetos de Oscar Niemeyer que, durante os trabalhos de construção, sofreram reparos ou alterações nascidos de injunções de ordem legal, circunstancial e, sobretudo, econômica. Neste texto, minha maior preocupação é justamente “explicar” o que aconteceu com os projetos de Oscar em São Paulo, aqueles encomendados pelo citado banco, depois pela Companhia Nacional de Investimentos (CNI) e depois pelo Bradesco. Foram cinco edifícios. Além dessa contratação, ocorrida entre 1950 e 1952, mais dois comissionamentos aconteceram: o projeto do Parque Ibirapuera por parte da prefeitura, em 1952 também, e o projeto do Memorial da América Latina, em 1987, pelo estado. Nestes últimos 60 anos, certamente Oscar fez alguns projetos esparsos para clientes variados, trabalhos, no entanto, sem significados maiores. Lembro-me, por exemplo, do edifício para o Instituto de Resseguros, na Avenida São João, e do Hospital da Gastroclínica do Professor Edmundo Vasconcelos, na Avenida Rubem Berta. Recordo-me, também, da casa de fazenda do então governador Orestes Quércia, cuja pintura teve as cores que escolhi por delegação peremptória de Oscar, em 1989. As contratações dos projetos de Oscar Niemeyer em São Paulo pelo Banco Nacional Imobiliário, presidido pelo deputado federal Orozimbo Otávio Roxo Loureiro, deram-se no auge da carência de habitações para a classe média. Esse apogeu era decorrente de uma série de circunstâncias deflagradas pela celebrada crise de 1929. Depois dessa tragédia, que derrubou a economia cafeeira, os fazendeiros, quase todos, tiveram de sobreviver à custa unicamente de aluguéis de suas propriedades levantadas nas entressafras nos tempos da abastança. Cada qual com a sua quantidade de imóveis remanescentes dos processos de falência. Dez anos depois, veio a Segunda Guerra Mundial. Aqui, a paralisação das construções de concreto armado. Exacerbação das demandas judiciais entre locatários e inquilinos. Em 1942, a Lei do Inquilinato de Getúlio Vargas, o algoz dos senhorios. Resumindo: como sempre, os ricos, sobretudo os emanados do comércio e da indústria, nunca tiveram problemas de moradia; os 82


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pobres viraram-se com a autoconstrução e inauguraram as primeiras favelas. Entre esses dois estamentos, a classe média desguarnecida, impotente e sem onde morar. Após o armistício de 1945, com o horizonte econômico de pós-guerra auspicioso a grandes empreendimentos e com a produção célere da Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, o concreto armado ressurgiu, dando início à verticalização da cidade, aos prédios de apartamentos para o gáudio da classe do meio. Nesses dias surgiu a figura do apartamento condominial, que teve plena aceitação. A novidade trazia consigo, no entanto, pontos obscuros nos aspectos legais e dúvidas ou entraves variados na legislação municipal, principalmente no Código de Obras. Naquele tempo, também não se praticava a consulta popular para saber de que maneira oferecer o que melhor satisfizesse à demanda geral, coisas como área construída (preços), número de cômodos, quantidade de quartos etc. A localização também era de fundamental importância, e duas regiões foram logo intuídas como principais: o Centro e a Avenida Paulista. O primeiro projeto de Oscar Niemeyer foi o do edifício de escritórios do Condomínio Califórnia, imaginado e desenhado no Rio de Janeiro antes da abertura de seu escritório paulistano. Foi lançado à venda em maio de 1951. Sua galeria, que liga a Rua Barão de Itapetininga à Rua Dom José de Barros, foi inaugurada em dezembro de 1953, estando o resto da construção em fase de últimos acabamentos. Os andares de escritório são ótimos, com iluminação e insolação perfeitas dos salões e dos largos corredores de acesso aos elevadores. Áreas comuns generosas, hoje impensáveis. Esse belo edifício, em seus 60 anos de existência, sofreu problemas decorrentes de alterações ocorridas no caráter da Rua Barão de Itapetininga; de via elegante, chiquíssima de alto comércio nos anos das comemorações do IV Centenário, passou a calçadão de frequência eminentemente proletária e império dos camelôs. É claro que houve reflexos na Galeria Califórnia, sobretudo à volta dos robustos apoios estruturais na forma de letra “V”, que, no projeto, eram afastados das vitrines. Hoje, são entraves às armações do comércio popular. A decadência visível de toda a galeria é advinda de mais de meio século de manutenção totalmente alheia às intenções estéticas do arquiteto. 83


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O segundo prédio, já de apartamentos, foi o Montreal, construído na esquina da Avenida Ipiranga com a Avenida Cásper Líbero. Naqueles dias, surpreendente edificação de 20 andares, ainda projetada e desenhada no Rio, em 1951. Sua beleza impositiva, que a todos encantou, foi o fato de Niemeyer ter conseguido isolá-la visualmente dos vizinhos lindeiros, fazendo com que os quebra-sóis de concreto armado da torre descessem verticalmente no início dos recuos às divisas, não se estendendo lateralmente nos andares não afastados. O Montreal foi entregue justamente em janeiro de 1954, nos festejos do IV Centenário, merecendo capa do caderno da edição comemorativa da Folha de S.Paulo, em que aparecem as fotografias de Niemeyer e de Prestes Maia, o presidente da CNI, a sucessora do banco de Loureiro. O terceiro condomínio foi o Edifício Eiffel, na esquina da Avenida São Luís com a Rua Marquês de Itu. É a construção de Oscar que mais aprecio; seus apartamentos dúplex são ótimos e, ali, o arquiteto contornou com maestria, mais uma vez, a questão dos recuos laterais a partir do 10º andar. Ele flexiona para a frente as duas alas laterais mais baixas, criando um espaço, digamos, acolhedor, abraçando o jardim elevado situado acima das sobrelojas. Originalmente, esse jardim sobre a área inferior de lojas tinha amplo acesso pelo salão, que fora comprado no lançamento pelo Clube de Xadrez de São Paulo. Pelas normas dos condomínios, essa sociedade poderia usá-lo ou frequentá-lo livremente, porque possuía exclusividade de acesso, embora não fosse a proprietária, pois o local era flagrantemente área comum. Ocorre que os enxadristas venderam o amplo salão para um restaurante, que aumentou sua área útil cobrindo parte do jardim elevado. O morador do 1º andar dos apartamentos, quando abre a janela, dá com o nariz em um telhado que lhe tira a oportunidade de ver o que restou do jardim. Aliás, os dois proprietários dos últimos apartamentos das alas laterais semelhantemente ficaram “donos” das respectivas lajes ali perpetrando obras não previstas no projeto. Como modesto arquiteto, não entendo da jurisprudência relativa a esses procedimentos invasivos; apenas sei que prejudicaram a inteireza do projeto e lamento muito. O Edifício Eiffel foi lançado em 1952 e entregue aos seus compradores em 1955.

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O Edifício Eiffel é a construção de Oscar que mais aprecio. Ali, o arquiteto contornou com maestria a questão dos recuos laterais.

A quarta construção programada sob a responsabilidade de Oscar Niemeyer foi o Edifício Triângulo. Tal denominação provém da forma do terreno disponível: uma verdadeira ilha sem confrontantes ao lado da Rua Direita, em pleno centro histórico. Não passa de uma torre prismática que originalmente era toda circundada por quebra-sóis horizontais equidistantes, semelhantemente ao Montreal e ao Copan. Aconteceu que Oscar, querendo variar, em vez do concreto armado, usou uma estrutura metálica em balanço, de cerca de 1 metro de profundidade, destinada a amparar réguas de alumínio afastadas entre si por 2 centímetros. Eram azuis. Como o Montreal, foi muito bonito. No primeiro verão, aconteceu algo que o nosso mestre não previra: o barulho ensurdecedor que a chuva produzia batendo nas peças aparafusadas nas mãos-francesas de ferro. A decisão foi unânime: alguns meses após a inauguração, o edifício foi desnudado, ficando os vidros totalmente aparentes. Essa foi realmente uma inadvertência do arquiteto. O Edifício Triângulo foi lançado à venda em abril de 1952, como o Edifício Eiffel, e entregue aos condôminos também em 1955, e continua ostentando as consequências de um descuido na programação – certamente vindo dos promotores – que colocou a portaria e o acesso aos elevadores no subsolo, unicamente acessível por escada, partindo do nível da rua. Isso faz com que os escritórios dali sejam “proibidos” aos cadeirantes. Uma das paredes laterais dessa escadaria acolhe um simpático mosaico de Di Cavalcanti, infelizmente mutilado por uma ombreira metálica da porta de segurança surgida nestes dias de violência generalizada. Falemos finalmente do Edifício Copan, e informo ao caro leitor que esse nome provém da Companhia Panamericana de Hotéis e Turismo, entidade também criada por Roxo Loureiro, visando participar dos festejos programados para comemorar o IV Centenário de São Paulo, em 1954. Ele teve a ideia de se associar a uma grande cadeia norte-americana de hotéis numa megaconstrução denominada “maciço turístico Copan”, não estando descartada a possibilidade de inclusão de um conjunto residencial. Depois de 85


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tentativas mil, de idas e vindas de Loureiro e americanos aos Estados Unidos e a São Paulo, as negociações sobre o desejado hotel de 500 apartamentos fracassaram, e vingou o plano de edifício de 1.116 habitações de variados números de quartos. O resto do programa perdurou. Seu lançamento ao público deu-se em 24 de maio de 1952. O projeto megalômano do Copan foi a fonte do maior número de frustrações de Oscar, fazendo com que ele repudiasse sua obra nos dias em que se mudou para Brasília, em 1956. Passou-me uma procuração me capacitando para qualquer decisão que precisasse ser tomada. Herdei uma série de renúncias. Muitos anos mais tarde, já esquecido do teor das contrariedades, assumiu uma paternidade contrafeita e com muitas ressalvas. Terminada a planta do andar tipo, onde havia apartamentos de variados tamanhos e diferentes acomodações, ficou patente na hora do cálculo do concreto armado o total desordenamento das colunas. Nesse momento, Oscar Niemeyer optou por uma laje de transição à semelhança daquela que seu amigo Le Corbusier estava mostrando em sua Unidade de Habitação de Marselha, obra projetada em 1946 e inaugurada justamente em 1952. Acredito que ele já conhecesse o projeto e, se não, aceitemos uma coincidência. Enfim, essa laje nervurada, de 3 metros de altura, permitia que todas as cargas fossem transmitidas ao solo por pilares equidistantes. Uma ideia puxa outra e, coincidentemente ou não, o nosso arquiteto imaginou um jardim embaixo dessa grande laje, envolvendo toda a colunata sinuosa acompanhando o imenso “S”. Tal qual em Marselha, a ideia de recuperação de um piso livre. Assim, no Copan foi oferecida a todos uma imensa laje, não só embaixo do bloco de apartamentos, mas estendendo-se às divisas do terreno e também para a frente, em direção ao hotel fronteiro que seria alcançado por meio de uma ponte. Desse modo, ele sonhou com duas grandes áreas públicas: a grande galeria térrea de lojas e o jardim elevado, acessível por uma rampa helicoidal externa e por escadas rolantes saindo da galeria. Esse jardim, em tese público, acolheria as bilheterias e as entradas do teatro e do grande cinema; uma vasta floricultura; pequenas lojas nos fundos e instalações comerciais baixas, como cafés e sorveterias. Ali também existiriam bancos de repouso entre canteiros de plantas ornamentais. Todos, absolutamente todos, apoiaram essa ideia; os 86


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FOTOMONTAGEM DA MAQUETE DO MACIÇO TURÍSTICO COPAN, INICIALMENTE PREVISTO POR OSCAR NIEMEYER [1951] Arquivo Carlos A. C. Lemos

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desenhos foram aprovados na prefeitura; a maquete, executada por Zanine, apreciadíssima; e em surpreendente pouco tempo tudo foi vendido, menos o jardim elevado, é claro. O último pedido de Habite-se à prefeitura deu-se em 1974, três anos depois da primeira reunião condominial, ocorrida em 29 de junho de 1971, e 22 anos após o início das obras.

Para mim, o Copan não passou de um grande sonho não acontecido. Digamos, sonhos de Roxo Loureiro e de Oscar Niemeyer, cada qual com o seu. Sonhos, na verdade, incompatíveis com o pragmatismo dos financistas incorporadores diante de fatos consumados com o abandono do programa original.

O Bradesco, banco incorporador final do empreendimento Copan, logo que assumiu suas prerrogativas, teve um trabalho complicado de reunir condôminos inadimplentes para recuperar áreas disponíveis segundo as penalidades contratuais e tratou também de dividir os grandes apartamentos em quitinetes facilmente vendáveis. As plantas resultantes dessa providência argentária são lamentáveis, sobretudo no que diz respeito às circulações horizontais de acesso às unidades. Aquele banco também guardou, sem uso por muitos anos, o jardim suspenso, área de 4.600 metros quadrados aproximadamente. Área comum, a nosso ver. Espaço sem utilidade alguma nesses dias, dado o fato de o teatro não ter sido construído e de o cinema ter tido seus acessos transferidos para a galeria térrea. Somente em outubro de 1975 é que essa área ociosa foi vendida à Companhia Telefônica Brasileira, que nunca a ocupou. Hoje está alugada para escritórios, motivo que justificou a instalação de um elevador na galeria. A rampa helicoidal sem apoios, como Oscar Niemeyer desejava, foi substituída por uma escada por ser inexequível. Outra enorme área comum que sobrou, com cerca de 2 mil metros quadrados, foi aquela destinada ao foyer e às dependências do teatro não construído. Esse espaço livre, situado acima das sobrelojas da ala esquerda da galeria, ficou esquecido até 1992, quando o Bradesco o colocou em leilão. Seu comprador, inexplicavelmente, deixou-o sem uso até 2013. Agora, acessível por meio de uma das lojas, está sendo alugado. 88


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Para mim, o Copan não passou de um grande sonho não acontecido. Digamos, sonhos de Roxo Loureiro e de Oscar Niemeyer, cada qual com o seu. Sonhos, na verdade, incompatíveis com o pragmatismo dos financistas incorporadores diante de fatos consumados com o abandono do programa original.

II

O segundo comissionamento de projetos de Oscar Niemeyer em São Paulo deu-se nos finais de 1951, por meio do amigo Francisco Matarazzo Sobrinho, presidente da Comissão Comemorativa do IV Centenário da cidade. Esse chamado foi decorrente dos desentendimentos daquele conhecido mecenas com Rino Levi e com mais alguns colegas paulistanos na hora da definição de seus honorários. Com o arquiteto carioca não houve problemas nesse sentido. Chamou para trabalhar consigo o colega Hélio Lage Uchôa Cavalcanti e dois paulistas, Eduardo Kneese de Mello e Zenon Lotufo, e, mais ainda, dois colaboradores: Gauss Estelita e Carlos Lemos. Ele trabalharia no Rio elaborando anteprojetos e os companheiros de São Paulo ficariam encarregados de desenvolver as plantas da execução. As chamadas “terras devolutas do Ibirapuera” não possuíam nem divisas precisas, e ali a comissão havia previsto instalar uma grande exposição comemorativa composta de mostras alusivas às nossas atividades industriais, agrícolas, artísticas, intelectuais, enfim, a tudo aquilo que pudesse ser mostrado ao mundo a ser embasbacado com o nosso progresso. No entanto, não havia um programa de necessidades bem definido: alguns edifícios para exposições, um teatro, um local para atividades literárias, um restaurante. Isso fez com que Oscar Niemeyer titubeasse de início, imaginando blocos bem diversificados em suas formas estruturais, à semelhança da Pampulha, arquitetada alguns anos atrás em Belo Horizonte. Esse fato está claramente demonstrado na pequena publicação de outubro de 1952, que traz o anteprojeto da exposição prefaciada pelo calculista Joaquim Cardoso. Certas circunstâncias, no entanto, fizeram com que a área prevista para as construções definitivas fosse diminuída para dar espaço a um grande parque de diversões e a mais pavilhões pré-fabricados 89


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desmontáveis, destinados a restaurantes populares e a exposições suplementares às previstas oficialmente. O anteprojeto se transformou naquilo hoje existente: três edifícios para exposições, a cúpula esférica hoje chamada de Oca e o teatro construído nesses anos, mais a grande marquise, a sacada genial de Oscar Niemeyer, ligando entre si os edifícios ali presentes. A marquise foi mesmo um achado que veio a personalizar o Parque Ibirapuera. Ela é, antes de tudo, um ponto de convergência dos visitantes e área de convívio nos dias bons e nos dias ruins de muita chuva. Niemeyer unificou as características formais e estruturais dos três prédios de exposições; imaginou-os com suas fachadas sustentadas por colunas inclinadas qual mãos-francesas. Lembro-me bem de que justificou a ideia dizendo que aqueles apoios iriam evitar o trânsito de pessoas paralelamente às fachadas, pois queria acessos exclusivos às exposições pelas extremidades da marquise. Os jardins deveriam todos chegar aos vidros. Não foi obedecido; hoje, todas aquelas construções são arrodeadas por calçadas.

A marquise foi mesmo um achado que veio a personalizar o Parque Ibirapuera. Ela é, antes de tudo, um ponto de convergência dos visitantes e área de convívio nos dias bons e nos dias ruins de muita chuva.

Os três edifícios expositivos são verdadeiramente belos, e o da Bienal de São Paulo chega a ser monumental. Acreditem: ele é mais comprido e mais largo que a Rua Barão de Itapetininga. Suas fachadas laterais já não são as originais, em razão da feitura de novo telhado. De início, a cobertura era de pouca altura, por causa da existência de duas calhas de água pluvial paralelas situadas no topo das colunas enfileiradas. O calculista do concreto armado, Gustavo Gam, as fez ocas a pedido dos arquitetos, para que servissem de passagem à água da chuva. Esse duto vertical, ao chegar ao embasamento, fazia um cotovelo de 90 graus para dirigir o fluxo da água à galeria de escoamento. Aconteceu, porém, que pessoas imaginosas, num dia de comemorações quaisquer, instalaram sobre 90


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a fachada principal uma armação metálica para sustentar fogos de artifício que imitariam com toda a veracidade as cataratas do Iguaçu durante uns 15 minutos. Resultado: muita cinza acumulada nas calhas que, devido a um temporal, foi parar no cotovelo das fundações e ali se solidificou. Esse entupimento irreversível fez com que o telhado passasse a ser de duas águas, cuja cumeeira ultrapassou a altura da parede da fachada lateral. Daí o remendo inevitável, e agora a água pluvial desce por dutos aparentes.

III

O terceiro grande contrato de Oscar Niemeyer em São Paulo, concernente ao Memorial da América Latina, teve origem já nos primeiros discursos do senador Orestes Quércia em 1975, propugnando por uma maior atenção do Brasil aos seus vizinhos latinos das Américas em vez de alinhar-se preferencialmente à Europa ou à África. Como governador, em 1987, sempre visando à integração dos povos latino-americanos, anunciou a decisão de construir o Memorial da América Latina como maneira de proporcionar uma união maior do Brasil com seus vizinhos de origem hispânica. E, daí, Niemeyer foi chamado para atender a esse mister, o que fez com a maior satisfação, pois esse tema sempre foi participante de suas preocupações políticas. O arquiteto recebeu o programa arrolando as atividades a ser exercidas no local e, na companhia do saudoso Darcy Ribeiro, imaginou os edifícios básicos: a Biblioteca da América Latina, para abrigar, no mínimo, 30 mil volumes, documentos, filmes e acervo de músicas regionais; o Salão de Atos, para eventos políticos, tendo como pano de fundo o imenso painel de Portinari desenvolvendo a vida política de Tiradentes; o Pavilhão da Criatividade, mostrando peças da arte popular de toda a América Latina; e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos. Além dessas construções, local de exposições periódicas de artistas hispano-americanos, o grande Auditório Simón Bolívar, recentemente incendiado, sede administrativa e restaurante. Nesse grandioso projeto, Niemeyer empenhou-se em definir novas formas ou soluções estruturais que viessem a caracterizar esse Memorial da América Latina. No número 91


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zero da revista Nossa América, do memorial, Oscar Niemeyer narra como chegou a essas formas identificadoras, enfatizando antes de tudo uma redução dos elementos arquitetônicos enquanto exigia o máximo da técnica. Esse desejo ficou consubstanciado no apoio de grandes cascas curvas em vigas de enorme vão livre. “Tudo isso foi um desafio para o calculista. É agradável para o arquiteto sentir que a técnica está presente, que ele pôde utilizá-la em toda a sua plenitude”, afirmou. Realmente, dessa justaposição de dois elementos resultaram amplos espaços impactantes de grande beleza. A biblioteca, por exemplo, tem em seu eixo longitudinal uma viga de 90 metros de comprimento e nela apoiam-se três cascas; a maior para abrigar os livros e, do outro lado, as menores formando uma espacialidade envolvente enquanto monumental. O mesmo se repete no Salão de Atos e no auditório.

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Nesse grandioso projeto, Niemeyer empenhou-se em definir novas formas ou soluções estruturais que viessem a caracterizar esse Memorial da América Latina, enfatizando uma redução dos elementos arquitetônicos enquanto exigia o máximo da técnica. Esse desejo ficou consubstanciado no apoio de grandes cascas curvas em vigas de enorme vão livre.

Sem dúvida, se a arquitetura é também uma arte e quando em sua prática a estética e a técnica se irmanam e se confundem, o seu autor chega ao clímax da criação. Oscar Niemeyer Soares Filho alcançou-o nesse seu projeto paulistano.

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Estudou na Escola de Belas Artes (UFPE) e se graduou na Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro. Integrou a equipe de Oscar Niemeyer a partir de 1957. Foi responsável pelo projeto da Editora Mondadori, em Milão, na Itália. Ocupou o cargo de presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e trabalhou no restauro do Paço Imperial na Praça XV (RJ). Publicou O Brilho da Simplicidade: Dois Estudos sobre Arquitetura Religiosa no Brasil Colonial, pelo Departamento Nacional do Livro e pela Editora Casa da Palavra, em 2001.


GLAUCO CAMPELLO

ARQUITETURA E AMBIENTE NA OBRA DE NIEMEYER


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As construções projetadas por Niemeyer estão, quase sempre, em amplos espaços do tecido urbano ou mesmo fora do perímetro das cidades. Só em poucos exemplos estão inseridas em lotes de zonas urbanas já estratificadas. Em todas elas há, no entanto, uma forte inter-relação com o ambiente à sua volta. Não meramente na acomodação ou na integração do tipo orgânica ou racional, mas no intercâmbio de influências entre o novo objeto e o ambiente onde está inserido. Isso pode acontecer em outros exemplos genéricos da inserção de um objeto arquitetônico qualquer numa determinada paisagem ou num definido aglomerado urbano. Mas, no caso da arquitetura de Niemeyer, a questão é quase sempre mais complexa, quando não extraordinária, transformadora. Nos exemplos niemeyerianos, um contraste dialético pode dar-se entre o objeto e o tecido urbano, entre o objeto e a paisagem e até entre o objeto e a história do lugar. E, sobretudo, o novo objeto pode criar uma situação a partir da qual se requalifica o lugar ou se ativam qualidades subjacentes do tecido urbano ou da paisagem.

Em todas elas há, no entanto, uma forte inter-relação com o ambiente à sua volta. Não meramente na acomodação ou na integração do tipo orgânica ou racional, mas no intercâmbio de influências entre o novo objeto e o ambiente onde está inserido.

Tudo isso pode acontecer conscientemente ou não, o que para a arte não faz diferença. O Edifício Copan, em São Paulo, é o mais notório exemplo de inserção de grande volume edificado cuja forma sinuosa modifica o tecido urbano e, com sua simples presença, dá nova configuração à imagem metropolitana. No caso da Casa das Canoas, no Rio de Janeiro, a construção e a paisagem se entrelaçam delicadamente, dando lugar à criação de espaços e formas que, não sendo parte da natureza, não poderiam, contudo, existir em nenhum outro sítio. E a partir desse conúbio requalificam-se as condições do sítio natural e da paisagem à sua volta. O bloco de rocha granítica que aflora no terreno, em torno do qual se estende a acolhedora sombra da laje sinuosa, transfigura-se, tornando-se casa e natureza. 96


arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | Glauco Campello

Já no projeto do Museu de Caracas, de 1954, que representa um momento importante no desenvolvimento da produção cultural do arquiteto, foram as condições topográficas que conduziram à concepção final de uma forma escultórica simples, um tronco de pirâmide invertido, capaz de reter, numa concentração absoluta, toda a carga retórica e artística do objeto, inclusive a decorrente daquela situação de equilíbrio à borda da encosta. No Museu de Arte Contemporânea (MAC) de Niterói – que é, 40 anos depois, a evolução daquela mesma tipologia, em situação topográfica similar, tendo agora como sítio um promontório na Baía de Guanabara – cria-se com a forma de taça e a linha sinuosa de sua parede curva uma dinâmica visual própria na qual a paisagem é convocada a participar obrigatoriamente do espetáculo da arquitetura. Esses dois exemplos, da Casa das Canoas e do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, em face de duas situações diferentes da paisagem carioca, uma na montanha, a outra no mar, são emblemáticos da arte suprema do arquiteto e de seu apego à terra natal. A Sede Mondadori, nos arredores de Milão, de linhas maneiristas, pela liberdade de uma arcada com vãos desiguais, oferece o exemplo de um contraste dialético entre a nova edificação, a paisagem e o contexto local. Na planície lombarda, riscada aqui e ali pelas fileiras verde-escuras dos álamos, a edificação surge na paisagem, ciosa de sua presença e de seu encanto. Isso nos faz pensar, inevitavelmente, numa vila de Palladio, altaneira em sua inesperada aparição em meio à campina. Essa combinação de substrato cultural, solenidade e elegância faz da Sede Mondadori o mais italiano dos projetos de Niemeyer para aquele país. Já o edifício de apartamentos para o bairro de Hansa, em Berlim, de 1956, levou para a paisagem setentrional de um jardim berlinense a graça e o encanto da arquitetura brasileira de Niemeyer. Hoje aquele edifício se oferece como uma flor exótica, alegremente adaptada ao lugar. Por mais que algumas modificações tenham surgido no desenvolvimento da construção, a sua imagem leve e serena, obtida com os pilares em V e com a elegante proporção de suas varandas, é uma nota de feliz contraste naquele parque frio e longínquo. Nas construções inseridas diretamente na trama urbana das cidades, alguns exemplos mais notáveis da arquitetura niemeyeriana oferecem o abrigo dos embasamentos sobre pilares ou as sutis implantações que liberam parte da área do terreno. Situações 97


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que levam à criação de espaços de sentido estritamente urbano, de uso livre, abertos a todos. Desde a sua participação no projeto do Ministério da Educação e Saúde, de 1936, com a criação de seus pátios e altos pilotis que deram inesperada fluidez àquele trecho da cidade; desde a sua proposta para a sede da ONU, em Nova York, que sugeria a criação de uma praça aberta para uso público. As intervenções modernistas de Oscar Niemeyer, em meio às teias urbanas das cidades, buscam abrir esses espaços democráticos e também sinalizadores das atividades e das funções que estão sendo oferecidas. E muitas vezes se transformam em lugares ativos, com vida urbana própria. Como no caso da praça coberta criada com os pilotis do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Capanema, no Rio, onde os estudantes se reúnem para as suas reivindicações.

As intervenções modernistas de Oscar Niemeyer, em meio às teias urbanas das cidades, buscam abrir esses espaços democráticos e também sinalizadores das atividades e das funções que estão sendo oferecidas. E muitas vezes se transformam em lugares ativos, com vida urbana própria.

Outro desses lugares ativos, o mais notável de todos, digamos, pela sua neutralidade, é a marquise do Parque Ibirapuera, cuja sombra acolhedora quase toda a cidade conhece e sabe que pode fruir e usar de modos diversos. Além de transformar e enriquecer a paisagem com sua ampla proteção, essa marquise, criada com o objetivo de funcionar como ligação coberta entre os edifícios do parque, vive não somente dessa capacidade de receber a todos e se oferecer como abrigo para usos diferentes, mas também de sua representação no imaginário das pessoas. Além de serem vividos, os espaços da arquitetura têm essa virtude de poderem ser renovados, com diferentes narrativas e significados, no pensamento e na lembrança.

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arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | Glauco Campello

SEDE EDITORA MONDADORI, Milão, Itália [1968] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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SAMBÓDROMO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1983] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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arquitetura e ambiente na obra de niemeyer | Glauco Campello

Em alguns casos, porém, as construções e os espaços por elas criados estão já destinados às aglomerações e às atividades extraordinárias. É o caso do Sambódromo, no Rio de Janeiro, cuja especificidade e simbologia foi espetacularmente captada pela arquitetura de Niemeyer – a tal ponto que sua materialidade bruta de estrutura em concreto armado se ilumina e transfigura no momento culminante de seu uso, isto é, na hora dos desfiles carnavalescos. Nesses momentos, os retábulos barrocos dos carros alegóricos e toda aquela gente fantasiada na passarela e sobre os degraus das arquibancadas passam a integrar a própria arquitetura. Uma arquitetura de praça, de teatro e de rua. Mas, além de servir também a shows e outros tipos de espetáculo envolvendo multidões, a arquitetura do Sambódromo oferece outras peculiaridades próprias da temática niemeyeriana quando, nos longos intervalos de tempo entre os espetáculos, o largo espaço do pátio destinado ao desfile, agora vazio e silencioso, permanece em estado latente a ressoar os momentos da festa. E, no caso especial do Sambódromo, os vãos por baixo das estruturas de suas arquibancadas podem ainda, no intervalo entre um Carnaval e outro, ser utilizados como escolas públicas. Um detalhe minucioso e feliz, sugerido por Darcy Ribeiro, de integração com a vida da cidade e sua alma popular. No entrecho que estamos examinando nas obras de Niemeyer, há outros exemplos que estimulam sua revivescência e a elaboração de novas narrativas. É o caso do Centro Cultural do Havre, numa praça rebaixada para se proteger do vento frio no cais à margem do Canal da Mancha, na Normandia, e de onde emergem as formas circulares dos brancos volumes cilíndricos de paredes curvas que se derramam no chão. É um espaço urbano autônomo, dentro do espaço urbano da cidade, o qual se caracteriza por sua uniformidade neoclássica, de construções lineares e acinzentadas, em concreto armado. O contraste é dramático. A interface entre o novo artefato arquitetônico e o ambiente é transformadora. A cidade reconstruída por Perret, após ter sido devastada pela guerra, não é mais a mesma, cinzenta e fria, e o novo espaço urbano, luminoso e surreal, que nela surgiu é de outro tempo ou talvez de outra dimensão da realidade. Inquietante, mas cheia de promessas. Mesmo sendo do futuro e de outra realidade, aquela praça oferece um programa de atividades culturais com locais para lojas e cafés, bem resguardados, e é muitas vezes utilizada de forma concreta pelos jovens que não resistem à tentação de experimentar, com seus skates, as superfícies 101


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das paredes curvas, suas calçadas, suas rampas e seus peitoris. O Centro Cultural do Havre, ao contrastar tão fortemente com o ambiente, transforma a cidade, como que avivando a sua alma, e estabelece uma transição, cheia de luz e encantamento, entre o mar e o núcleo urbano histórico. A composição niemeyeriana típica do volume surpreendente em contraste com o pano de fundo formado pela lâmina de configuração mais neutra repete-se no Havre, onde as novas edificações ressaltam do ambiente formado pelo antigo arcabouço. Um projeto para a Universidade de Brasília (UnB) de 1963, o Instituto Central de Ciências, só parcialmente construído, também oferece cenários e narrativas diferentes em suas galerias, estimulando a nossa imaginação. Os panos de concreto com as formas da arquitetura de Niemeyer seriam, como ele desejava, ditados pelas exigências tecnológicas de cada um dos ambientes de pesquisas e experimentações científicas. Deveriam surgir no jardim, entre as duas alas curvas de quase 700 metros de comprimento, ao longo das quais se alinhariam as escolas de ciência da universidade. Mas isso não aconteceu. Completaram-se as estruturas pré-moldadas das duas alas do arcabouço básico, mas a construção parou por aí. Não surgiram os trechos pergolados do jardim central nem qualquer construção de caráter especial entre as duas alas. Nem a ocupação do complexo limitou-se ao programa de atividades ligadas à ciência no âmbito da universidade. Além do mais, alguns cursos e institutos de ciência providenciaram suas sedes em unidades autônomas, dispersas pelo campus universitário. Elas contrariam o programa que já se achava fisicamente configurado, com a construção rigorosamente planejada por Lelé, o arquiteto João Filgueiras, das duas alas pré-moldadas do edifício concebido por Niemeyer, que os estudantes passaram a chamar de Minhocão. A natureza básica das atividades que vieram a se instalar era, contudo, igual à que se havia previsto. E neste texto é isso que nos interessa. O que queremos salientar é a vivacidade do convívio no espaço criado nas extensas galerias a leste e a oeste do longo jardim que percorre o eixo da edificação imaginado por Niemeyer, com a colaboração de Lelé. Em sua amplitude e em seu desafogo, o espaço das galerias adquire escala urbana e, ao mesmo tempo, leva os usuários a se verem como parte de um grupo em que as diferenças são livremente exercidas, sem hierarquias. A galeria é rua mas é também abrigo. Às vezes é impregnada do significado específico de certas atividades, como 102


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nas ruas e nos locais de espaço fechado. Aqui é o trecho correspondente à escola de química, ali é a calçada da livraria, além é o átrio do auditório etc. A galeria é caminho e local de encontro, é deambulatório e também múltiplos espaços diferenciados com altos canteiros, formando pequenas praças. Por ser varanda ao lado de extenso jardim, posso até, em grupo de alunos e professores, sentar-me à borda dos canteiros para descansar, conversar, discutir, argumentar, aprender. É o espaço de convívio universitário. Numa cidade sem ruas nem esquinas, Oscar fez surgir, no seio da Universidade de Brasília, uma rua coberta, uma galeria que de certo modo nos faz lembrar a escola peripatética do Liceu de Aristóteles. Essa capacidade de impregnar de substância arquitetônica cada parte ou simples componente dos objetos de sua lavra também está presente na solitária e corriqueira marquise de linhas retas e quebradas que dinamiza o espaço da Praça Juscelino Kubitschek, à beira do mar, no Caminho Niemeyer, em Niterói. Aí se repete, sem o lirismo inerente à marquise sinuosa da Casa do Baile, na Pampulha, quase a seco, o milagre de gerar um espaço aliciador, de puro convívio, com uma fita de concreto em zigue-zague sobre pilotis, estendida sobre um largo piso cimentado. No Caminho Niemeyer está previsto um programa de construções para atividades públicas, ao longo da margem da Baía de Guanabara, em Niterói – em oposição aos jardins de Reidy e Burle Marx do outro lado, nas praias do Rio. No caminho, os novos edifícios, formando pequenos conjuntos ou isolados, como no caso do Museu de Arte de Niterói e do Museu do Cinema, estão sempre assentados em praças secas, desnudas. As obras ali reunidas, algumas já prontas e outras em fase de finalização, revelam o estilo tardio de Niemeyer, que ressalta sua tendência à concentração do programa em uma forma unitária, constituída de um pano ondulado de concreto ou, simplesmente, de uma cúpula, além de complementos como rampas, marquises e espelhos d’água, que se constituem nos elementos retóricos dessa arquitetura tão simples quanto densa e concisa. Essa mesma praça desnuda repete-se em Brasília, na esplanada de concreto onde estão o Museu de Arte e a Biblioteca Nacional. Nela surgiram também dois espelhos d’água circulares, em deferência ao clima seco da cidade, mas o espaço vazio permanece, 103


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assim como a vista desimpedida dos edifícios. A cúpula do Museu de Arte tem rampa em balanço à sua volta, como um anel de Saturno, que propicia uma caminhada aérea sobre a Esplanada dos Ministérios. O plano inclinado de acesso, partindo do chão em linha reta até a porta de entrada, reforça conotação arcaizante que foi com o passar dos anos adquirindo mais força no vocabulário de Niemeyer. Nessas praças povoadas com as densas formas unitárias, de acentuada tendência arcaizante, retomada no período tardio do arquiteto, repetem-se os grandes vazios de Brasília, como na Praça dos Três Poderes. Os vazios de Brasília foram criados para ser preenchidos com as manifestações cívicas, como se viu depois, e, fora desses momentos especiais, guardam em seus espaços silenciosos a memória desses eventos e uma perene sensação de solenidade. Nas praças destinadas aos centros culturais e de lazer, também surpreendem os espaços dilatados entre as massas construídas. Eles guardam a memória de momentos festivos e são indispensáveis à fruição do clima onírico e atemporal inerente aos objetos e aos conjuntos arquitetônicos de Niemeyer.

Os vazios de Brasília foram criados para ser preenchidos com as manifestações cívicas, como se viu depois, e, fora desses momentos especiais, guardam em seus espaços silenciosos a memória desses eventos e uma perene sensação de solenidade.

Esses vazios ajudam a estabelecer o caráter explicitamente surrealista dos palácios e dos volumes geométricos puros de que se compõem os conjuntos niemeyerianos. E, em alguns exemplos, são espaços que nem precisam ser penetrados para ser sentidos com emoção. O grande vazio entre o Palácio da Alvorada e o espelho d’água de proteção, onde o turista ou o transeunte deve se deter para admirar sob a luz radiante aquela miragem ao longe em sua aura de residência do chefe de Estado, acrescenta ao objeto arquitetônico um conjunto de atributos inesperados, como tornar aquela imagem etérea, suavemente solene, tremeluzente e distante. O imenso jardim aquático onde se refletem os arcos e as colunas que circundam o Palácio do Itamaraty, obrigando a um respeitoso afastamento entre o edifício e o transeunte, também configura 104


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um desses vazios e é, portanto, um elemento arquitetônico expressivo que assinala o clássico vigor com que foi concebido aquele palácio, destinado às grandes recepções e aos eventos protocolares de caráter internacional. Na Sede Mondadori, em Milão, é o vazio da planície lombarda que se incorpora à composição arquitetônica. Lá, esse vazio é representado pelo chão da campina, que, vinda de um longínquo horizonte, passa ao lado do espelho d’água sob o prisma de vidro suspenso pelas colunatas. Os vazios presentes nas grandes composições, sobretudo depois de Brasília, são ainda mais peremptórios no período do estilo tardio do arquiteto, quando também se acentuam a unidade dos volumes geométricos puros, a simplicidade e a concisão de suas formas arcaizantes. A propósito do estilo tardio de Niemeyer, com a simplificação e o adensamento das composições em sólidos geométricos puros, atemporais, capazes de exprimir as peculiaridades dos programas que abrigam e de expor, com singeleza, a carga simbólica e poética que em si mesmos retêm, ocorre lembrar do exemplo do novo projeto para o Auditório Ibirapuera, apresentado 50 anos depois de sua primeira proposta, não executada. O mesmo tema e a mesma forma de cunha foram agora retomados com grande expressividade, mas a contrapelo da solução inicial, com a vantagem de expor, ao vivo, o processo de evolução do arquiteto. Na primeira solução, quando predominava a preocupação com leveza, a cunha triangular apoiava-se no plano do terreno somente numa aresta do prisma. Era regida em equilíbrio por pilares inclinados aos quais se ligava a rampa de acesso ao foyer, num conjunto de grande eficácia plástica. A imagem desse objeto, que somente tocava no chão ao longo de uma de suas arestas, era leve e surpreendente.

A arquitetura de Niemeyer passou a se exprimir, em sua fase tardia, por meio de uma síntese concisa e de uma forma geométrica simples, eivada de arcaísmos e de muita densidade, sem, contudo, perder seus atributos de leveza e encantamento.

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PALÁCIO DO ITAMARATY, Brasília, DF, Brasil [1962] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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Mas aquela encantadora expressão foi deixada de lado 50 anos depois. O mesmo volume foi estendido de bruços no chão e, ainda assim, continua leve como uma pluma, já que, em decorrência de sua configuração abstrata, as suas alvas paredes parecem diáfanas. A rubra marquise sinuosa que assinala o acesso aos espaços internos do teatro é hoje seu único elemento retórico. O palco democratizou-se, com abertura na parte de trás, de modo a também permitir os espetáculos voltados para uma plateia ao ar livre. Em consequência, o espaço à volta do novo volume se dilatou. Tudo se tornou mais simples, conciso, leve e, ao mesmo tempo, inesperado.

Tudo acontecendo em face do vazio que se oferece para o preenchimento, que, no entanto, não se pode efetivar a não ser metaforicamente, sob pena de romper o equilíbrio cênico do conjunto.

É irresistível observar que, enquanto os exemplos mais notórios da arquitetura contemporânea passaram, com a evolução da técnica e com o surgimento de novos materiais, a se apresentar, em muitos casos, com formas livres quase completamente ligadas aos desejos de cada artista ou aos impulsos de cada temperamento, a arquitetura de Niemeyer passou a se exprimir, em sua fase tardia, por meio de uma síntese concisa e de uma forma geométrica simples, eivada de arcaísmos e de muita densidade, sem, contudo, perder seus atributos de leveza e encantamento.

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Nesse período, a arquitetura de Niemeyer acentuou o confronto entre o objeto arquitetônico e o tecido urbano das cidades, ou a paisagem, ou simplesmente o ambiente onde o objeto está inserido. Talvez porque as suas configurações, ora de caráter nitidamente surrealista, desde os palácios de Brasília, ora de sentido arcaizante, como nas cúpulas e nos volumes geométricos puros, desde a Oca no Ibirapuera e o Museu de Caracas, incluem em sua concepção formal e em sua expressão poética o vazio à sua volta. Um vazio que passa a se constituir também em matéria de sua arquitetura. E que, no caso de Brasília, se estende sem fim no grande vazio que caracteriza a paisagem do cerrado. Esse vazio, como entidade arquitetônica, não pode isentar-se do ambiente no qual surgiu. Assim, antes de o novo objeto ou de o conjunto de objetos adaptar-se ao tecido urbano ou à paisagem, é o arcabouço urbano ou o meio ambiente que, sob a pressão daquele vazio, se ajusta ao novo complexo. Sendo por ele assimilado, como no caso do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, com a paisagem, ou como no Havre, com o antigo casario. Ou ainda estabelecendo uma simbiose com a natureza, como na Casa das Canoas. Ou mesmo num confronto dialético, como na Sede Mondadori, com a paisagem e o contexto histórico. Tudo acontecendo em face do vazio que se oferece para o preenchimento, que, no entanto, não se pode efetivar a não ser metaforicamente, sob pena de romper o equilíbrio cênico do conjunto.

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Professor de arquitetura e diretor do Humanities Research Center na Rice University, Texas (EUA). É mestre e doutor pela Harvard e graduado pela Rhode Island School of Design. Desde 2001, pesquisa a arquitetura e o urbanismo no Brasil. Participou da descrição e organização dos acervos da Fundação Oscar Niemeyer e da Casa de Lucio Costa e atua nesses conselhos. Junto com Lauro Cavalcanti e André Corrêa do Lago, atualmente prepara um livro sobre os croquis de Oscar Niemeyer.


FARÈS EL-DAHDAH

OSCAR EM NOVA YORK: O PAVILHÃO E A ONU


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A prolífica obra de Oscar Niemeyer inclui dezenas de projetos espalhados pelo mundo. Dois deles estão em Nova York e pertencem a casos célebres da arquitetura moderna brasileira1. O primeiro projeto, o pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, em 1939, foi desenhado em colaboração com Lucio Costa, e o segundo, a sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1947, foi desenhado em colaboração com o Board of Design Consultants, liderado pelo americano Wallace Harrison. Nos dois projetos nova-iorquinos, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier estava presente, seja como referência ou antirreferência, no caso do pavilhão, seja como colaborador, em relação à ONU.

I. PAVILHÃO DO BRASIL NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, EM 1939

Foi Lucio Costa quem originalmente ganhou o concurso do pavilhão do Brasil para a Feira de Nova York. Oscar Niemeyer, cuja carreira arquitetônica começara no escritório de Costa dois anos antes, ficou na segunda posição. O júri preferiu a proposta de Costa, justificando que representava melhor o “espírito de brasilidade”, e elogiou o projeto de Niemeyer por sua natureza econômica, técnica e funcional2. O anúncio do concurso alertava contra a busca de detalhes arquitetônicos tradicionais ou nativos e favorecia uma forma arquitetônica, preferencialmente contemporânea, que traduzisse a expressão do ambiente brasileiro3. Embora não fosse fácil determinar o exato significado de uma “expressão do ambiente brasileiro”, é possível presumir que o júri buscava um projeto que pudesse acrescentar uma dimensão nacional a uma arquitetura, paradoxalmente, internacional. A forma pela qual a proposta de Costa representava um espírito de brasilidade é um tanto difícil de determinar, mas seu projeto apresentava um partido que era ao mesmo tempo moderno e acadêmico. Com sua sequência

1 Versões anteriores deste texto foram publicadas originalmente no livro Oscar 102/Brasília 50 – Eight Cases in Brazil’s Architectural Modernity (Houston: RSA, 2010), organizado pelo autor com um grupo de alunos de arquitetura da Rice University, aqui traduzido com a ajuda de Izabel Murat Burbridge (pavilhão) e Elisângela da Silva Tarouco (ONU). 2 Termo do julgamento do concurso de anteprojetos para o pavilhão brasileiro em Nova York. Arquitetura e Urbanismo, mar.-abr. 1938, p. 99. 3 Ibid.

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de hall monumental, pátios e átrios, o pavilhão de Costa tinha a proporção e a escala de um palazzo. O plano era simétrico e não adaptado ao formato do terreno. O edifício inteiro, no entanto, era erguido sobre pilotis, criando um vasto piso térreo aberto formado por um peristilo profundo onde diversas atividades poderiam ser livremente distribuídas. Apenso ao edifício retangular estava o auditório trapezoidal também sobre pilotis e diretamente acessível por uma rampa, que serpenteava pelo edifício. Duas escadarias levavam ao piso superior, onde as exposições eram organizadas en enfilade ao redor do átrio central. Todas as elevações externas eram ocultas, exceto a fachada principal, envidraçada no meio e coberta com quebra-sóis em suas laterais. A parte superior das elevações internas também era equipada com quebra-sóis móveis. Em resumo, o esquema era corbusiano em seu vocabulário, mas mantinha um legado acadêmico em sua gramática formal. Ao contrário da proposta de Costa, a de Niemeyer respondia ao formato do terreno e incorporava a curva lateral do lote. O aspecto particularmente “técnico” notado pelo júri deve ter sido o teto convexo, que posteriormente se tornou um paradigma recorrente em sua arquitetura. O “caráter funcional” do projeto deriva de uma distribuição clara do programa, dividido em duas alas: uma curva, contendo todas as áreas da exposição, e a outra reta, contendo as funções restantes. A dualidade programática é repetida na disposição dos pilotis, que seguem a curva de um lado e uma grade ortogonal do outro. O hall monumental de entrada se conecta com as duas alas e com um jardim nos fundos rodeado por elevações internas, todas envidraçadas. Em abril de 1938, um mês após ganhar o concurso, Costa zarpou para Nova York a bordo de um navio, levando Niemeyer, suas esposas e filhas. Em Nova York, os dois estabeleceram um local de trabalho nos escritórios do arquiteto encarregado do projeto da feira, Wallace Harrison, e trabalharam em uma terceira versão do projeto, que foi apresentada à Comissão de Arquitetura da feira. Para a versão final, Costa abandonou seu projeto vencedor e propôs, com Niemeyer, um esquema híbrido, baseado na planta de Niemeyer para o local, mantendo o piso térreo com os pilotis abertos e a rampa monumental de Costa, que descreveu o projeto anos depois com as seguintes palavras: “desenho e projeto de Oscar Niemeyer – Utilizou apenas de meu partido anterior – pilotis, rampa 113


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e quebra-sol”4. A Comissão de Arquitetura, chefiada por Stephen Voorhees, então presidente do Instituto Americano de Arquitetos, aprovou o plano final por unanimidade e “com muito entusiasmo”5. Costa cita a declaração de um dos membros da comissão sobre o pavilhão do Brasil como uma das melhores coisas apresentadas à feira6. A decisão de adotar a planta em “L” de Niemeyer, suspendendo ao mesmo tempo o edifício sobre pilotis, resultou em um partido capaz de se destacar contra o maciço pavilhão da França, do qual mantinha a maior distância possível ao se conformar à curva do terreno, além de aproveitar a elevação inexpressiva do pavilhão francês como pano de fundo. Ocupar a borda do terreno permitiu criar um jardim no fundo, delimitado por uma calçada ao longo do rio adjacente. Como na proposta de Niemeyer para o concurso, a elevação oeste era opaca, ao passo que as elevações internas, de frente para o jardim, eram transparentes. A elevação principal apresentava quebra-sóis como no primeiro projeto de Costa. A curvatura do terreno se tornou uma forma paradigmática em todo o projeto e foi usada para a rampa, o pórtico e o mezanino, assim como na distribuição do próprio sistema estrutural. Parafraseando Costa: aproveitar a curva elegante do terreno tomou o desenho inteiro7. O arquiteto americano Paul Lester Wiener foi convidado para projetar os interiores do pavilhão e as várias exposições, apresentando uma amostra dos bens de consumo brasileiros que visavam atingir os mercados internacionais. Produtos minerais, agrícolas, animais e industriais foram organizados de forma a impressionar o visitante com o potencial econômico dos recursos brasileiros. Fotos da cidade histórica de Ouro Preto e das esculturas de Aleijadinho também foram expostas, junto com maquetes de portos modernos e edifícios, como o Ministério da Educação e Saúde, ainda a ser completado. Exposições relacionadas com café ocuparam uma posição central, e um bar especial foi dedicado a servir café e erva-mate, conhecida então como “the

4 XAVIER, Alberto (Org.). Lucio Costa – sobre Arquitetura. Porto Alegre: UniRitter Ed., 2007. p. 95. 5 Termo do julgamento do concurso de anteprojetos para o pavilhão brasileiro em Nova York. Arquitetura e Urbanismo, p. 99. 6 Ibid. 7 Ibid.

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delicious Brazilian tea”. A estratégia de Wiener era a de que o “projeto propriamente dito não existe” ou, como ele próprio declarou: “O estilo arquitetônico dos interiores e dos mostruários constitui uma unidade com o estilo do edifício”8. Essa estratégia de homogeneização nas várias marcas representadas no pavilhão coincidia com os desejos do comissário-geral da missão brasileira, Armando Vidal, de transmitir um senso de unidade “sem particularismos”9. A “composição homogênea e integral dos produtos” de Wiener também coincidia com as intenções declaradas de Costa de que os “elementos decorativos” se tornassem “parte integrante da composição”10. Produtos e matérias-primas eram consequentemente expostos como parte de arranjos maiores que, ocasionalmente, faziam referências diretas a obras de outros artistas, como Vladimir Tatlin e Giorgio de Chirico. Do lado de fora, a monumental rampa em curva conduzia do nível térreo a um pórtico e a um terraço no piso superior, do qual se podia apreciar um jardim projetado por Thomas Price. Os visitantes entravam no espaço de altura dupla do Good Neighbor Hall, assim chamado em referência à política do presidente Roosevelt, de 1933, em cujas paredes estavam penduradas grandes pinturas de Candido Portinari. Esses quadros representavam três cenas do Brasil rural: jangadeiros, caipiras e gaúchos. As bandeiras históricas do Brasil se alinhavam ao longo do lado mais curto da galeria, atrás do qual um escritório havia sido decorado em madeira portuguesa no estilo do século XVIII, com proteção dos quebra-sóis corbusianos da elevação principal. No final da perspectiva profunda e do lado oposto ao hall, uma escadaria levava ao mezanino ondulante, que ondulava entre as colunas. No piso térreo havia exposições de produtos brasileiros, além de bares e balcões em que os visitantes podiam degustar vários tipos de café. Eram organizados, de maneira geral, em uma formação de planta livre e aberta dentro e ao redor dos pilotis, com apenas uma área fechada, o restaurante e uma pista de dança no lado oposto.

8 WIENER. Paul Lester (Org.). Pavilhão do Brasil, Feira Mundial de Nova York de 1939. Nova York: H. K. Publishing, 1939. p. 3. 9 VIDAL, Armando. O Brasil na Feira Mundial de Nova York de 1939 – Relatório Geral. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941. p. 23. 10 COSTA, Lucio, citado em: Pavilhão do Brasil, Feira Mundial de Nova York de 1939. p. 2-3.

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PROJETO DE OSCAR NIEMEYER, SEGUNDO COLOCADO NO CONCURSO DO PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, NY, Estados Unidos [1939] Fundação Oscar Niemeyer

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PROJETO DE OSCAR NIEMEYER, SEGUNDO COLOCADO NO CONCURSO DO PAVILHÃO BRASILEIRO NA FEIRA MUNDIAL DE NOVA YORK, NY, Estados Unidos [1939] Fundação Oscar Niemeyer

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Para a monumental rampa que levava ao terraço superior e às escadas que conduziam de volta ao jardim, Costa e Niemeyer pediram uma modificação no código de edificações, de acordo com os padrões do código de Nova York, pois as escadas precisavam de um patamar no meio do caminho e a rampa era íngreme demais. Uma terceira isenção também havia sido solicitada, porque as duas escadarias que levavam ao mezanino estavam muito próximas entre si. O Conselho de Administração de Código de Edificações aprovou duas das três solicitações. A plataforma adicional e as escadarias extras não foram impostas. Apenas a rampa de entrada precisou ser ampliada para atender ao grau máximo permitido pelo código. Para Costa e Niemeyer, a autorização para modificações legitimou o desenho de um projeto que havia sido considerado “perfeito” por John Hogan, diretor de construção do Conselho de Administração do Código de Edificações11. A decisão do conselho de ampliar o comprimento da rampa em 18 pés (5,49 metros) apenas aumentou sua graciosidade. A capacidade do pavilhão do Brasil de intercalar beleza, modernidade e os trópicos resultou em sucesso absoluto entre os críticos de arquitetura da América do Norte e da Europa, que elogiaram o edifício em uma série de periódicos importantes, como Magazine of Arts, Architectural Record, Architectural Forum, Architettura, Casabella e L’Architecture d’Aujourd’hui12. Essa recepção internacional foi posteriormente usada como argumento contra críticas menos favoráveis que foram publicadas no Brasil, em que a batalha da cultura entre acadêmicos, neocoloniais e modernistas ainda estava sendo travada. Em última análise, Costa e Niemeyer conseguiram desenvolver uma linguagem arquitetônica distinta de Le Corbusier, e que ao mesmo tempo se recusa a “subordinar o espírito moderno às conveniências de uma ordem técnica e funcional, ou a fazer uma cenografia ‘pseudomoderna’, do tipo muito em voga nos EUA”13. Por exemplo, o edifício, embora associado aos cinco pontos de Le Corbusier, ainda mantinha sua condição de bloco perimetral. O piso térreo, agora aberto, havia sido transformado em um

11 COSTA, Lucio. Manuscrito sem data (Acervo Casa de Lucio Costa). 12 Magazine of Arts (maio de 1939), Architectural Record (agosto de 1939), Architectural Forum (junho de 1939), Architettura (outubro de 1939), Casabella (setembro de 1939) e Architecture d’Aujourd’hui (setembro de 1947). 13 COSTA, Lucio Costa, citado em: Pavilhão do Brasil, Feira Mundial de Nova York de 1939. p. 2.

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espaço dedicado ao lazer, e não apenas à passagem. O uso generoso de curvas foi uma crítica direta à ênfase que Le Corbusier, na época, dava às linhas retas e aos ângulos retos. A oposição binária entre a ortogonalidade dos pilotis e as divisórias sinuosas foi eliminada. Não apenas as paredes eram curvas, mas também a distribuição dos próprios pilotis. Finalmente, a rampa se tornou uma logomarca da arquitetura de Niemeyer, ao prolongar a exposição visual da beleza do prédio. Uma arquitetura que libera o passo de cada um de uma mecanização indevida por não depender de uma marcha mecanicamente regulada, mudando assim a circulação do quantitativo para o sensorial.

Segundo Niemeyer, rampas alongam o prazer de penetrar em um prédio, prolongando a recepção visual de sua beleza em relação ao entorno.

Em termos de legado internacional e com risco de cometer um crime de lesa-majestade, é possível acrescentar uma quarta versão do projeto da feira construído décadas mais tarde. Trata-se do Carpenter Center, projetado por Le Corbusier entre 1961 e 1963. Para Izabel Gass, aluna que trabalhou nesse assunto, é meio óbvio que os dois prédios são parecidos. Ambos têm uma rampa sinuosa. São suspendidos sobre pilotis, têm formas severamente circulares e quebra-sóis profundos em suas elevações principais, o grande divisor entre essas quatro versões e localizado na geometria latente da arquitetura. A simetria do primeiro projeto (Costa) e do quarto (Le Corbusier) é axial, e suas curvas são radiais e derivadas de círculos, enquanto a geometria do segundo e do terceiro projetos (Niemeyer e Costa) é assimétrica e suas curvas são flexíveis (do tipo spline ou curvas de Bézier). São duas lógicas opostas: para Le Corbusier, o que importa é a modularidade com suas unidades repetidas (por exemplo, quatro quadrantes iguais), enquanto para Niemeyer trata-se de uma continuidade não divisível em partes iguais, uma geometria fluida e não redutível a uma unidade discreta. Mexer em qualquer parte da curva alteraria a própria forma do todo. Incluído nessa oposição é o próprio barroco, que é erroneamente adotado para descrever a arquitetura de Niemeyer, que difere fundamentalmente da arquitetura de Le Corbusier, assim como é distinta da arquitetura de Aleijadinho, visto que o último 123


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limita a continuidade de suas linhas curvas a arcos tangencialmente conectados a outros arcos, enquanto as composições de Niemeyer requerem uma constelação de pontos de referência no espaço, que exercem vários graus de atração ou repulsão a fim de formar superfícies topológicas complexas. Essa dicotomia entre o modular e o fluido explica também o desejo da arquitetura contemporânea de se afastar do racionalismo e do cartesianismo de sua herança moderna ao se aproximar ao mesmo tempo da obra de Niemeyer, deixando para trás o mundo quadrado da ortogonalidade e da ciência newtoniana, a fim de encontrar o mundo excêntrico da concepção de espaço-tempo de Einstein. Tal oposição entre o modular e o fluido pode ser ilustrada no próprio “Poema da Curva”, de Niemeyer, no qual ele se refere ao “mundo curvo de Einstein”, que parece se opor diretamente ao “Poème de l’Angle Droit”, de Le Corbusier, ainda que na época em que Niemeyer escreveu seu poema Le Corbusier já houvesse abandonado a retidão de seus ângulos14. A oposição entre os dois poemas é, todavia, flagrante, da mesma forma que a mudança de pensamento posterior de Le Corbusier é notada pelo próprio Niemeyer quando cita Ozenfant: “Le Corbusier, após ter defendido a disciplina purista e a fidelidade ao ‘ângulo reto’, sobre o qual reivindicava direitos particulares, parece ter decidido abandoná-lo, ao sentir no vento as premissas de um novo barroco, vindas de outro lugar”15. Le Corbusier negava ter injetado qualquer tipo de barroquismo na sua arquitetura, porém, permanece verdade que em seu discurso, enquanto a curva “permite um uso mais sutil do espaço”, um rio sinuoso é acusado de ser “ruinoso, difícil e perigoso; ele paralisa”16. Para o arquiteto franco-suíço, um rio como uma ideia é regido pela “lei do meandro”, que acaba lhe curvando a retidão (ou seja, sua clareza metafórica): “Os laços do meandro transformam algo numa figura como um número 8, e isso é idiotice”, diria ele17. O esboço que ilustra essa “loi du méandre” foi feito enquanto ele voava sobre a América do Sul e foi mais tarde incorporado ao “Poème de l’Angle Droit”, em que é comparado com “a exuberância dos vermes, a sinuosidade dos répteis”, para não mencionar “vermes

14 NIEMEYER, Oscar. “Poema da curva”. Módulo, #96, p. 28, 1987; LE CORBUSIER. Poème de l’Angle Droit. Paris: Editions Connivences, 1989. 15 NIEMEYER, Oscar. A Forma na Arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir Editora, 1980. p. 29-30. 16 LE CORBUSIER. Urbanisme. Paris: Flammarion, 1980. p. 10. 17 LE CORBUSIER. Précisions. Paris: Éditions Vincent, Fréal&Cie, 1960. p. 143.

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e cobras atiçadas pelo potencial da carniça”18. Dentro dessa concepção, o meandro configura o que é velho e irracional versus a linha reta e racional da modernidade. O uso que Le Corbusier faz de tais metáforas provavelmente não soou muito convincente quando o jovem Niemeyer desenhou (supostamente) um tapete cheio de meandros no Ministério da Educação e Saúde. Essa mesma impressão deve ter tido o Roberto Burle Marx, que projetou para aquele mesmo prédio exatamente o que Le Corbusier havia criticado quando voava sobre a América do Sul: um jardim cheio de meandros visto do céu. A curva sinuosa tornou-se a assinatura mais característica da moderna arquitetura brasileira e apareceu oficialmente pela primeira vez no pavilhão do Brasil, que Niemeyer e Costa projetaram para a feira de Nova York. Consequentemente, as rampas de acesso da arquitetura de Niemeyer tornaram-se a própria “arquiteturização” daquele meandro, tão criticado por Le Corbusier. Para Niemeyer, rampas alongam o prazer de penetrar em um prédio, prolongando a recepção visual de sua beleza em relação ao entorno.

18 LE CORBUSIER. Poème de l’Angle Droit. p. 35.

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II. SEDE DA ONU EM NOVA YORK

Deve ter sido em abril de 1947 que Oscar Niemeyer escreveu uma carta entusiasmada a seu mentor, Lucio Costa, na qual contava sua experiência em Nova York como membro do Board of Design Consultants, formado para projetar a sede das Nações Unidas19. Niemeyer informou Costa de que desde sua chegada, um mês antes, esteve se abstendo, a pedido de Le Corbusier, de apresentar quaisquer de seus desenhos. O arquiteto franco-suíço temia que seu próprio projeto, elaborado bem antes da formação do Board of Design, estivesse sendo malcompreendido e que outro projeto da mesma vertente ideológica pudesse acrescentar mais elementos à confusão20. Enquanto isso, Wallace Harrison, que liderava o Board of Design e tinha solicitado que cada membro propusesse um projeto, insistia que Niemeyer fizesse o mesmo, pois “havia sido convidado para participar como membro pleno do time”21. Como Niemeyer relata na carta, ele continuou recusando, já que “não queria fazer nada que pudesse contrariar ou prejudicar o Corbusier”22. Como sugere o secretário do conselho, George Dudley, Niemeyer “sentia-se mais livre para expressar sua opinião” quando Le Corbusier estava ausente23. Apesar de não querer propor um projeto de sua própria autoria, Niemeyer fez sua primeira contribuição real com o projeto número 17, com a ideia de que uma grande praça localizaria todos os edifícios. Significava abandonar a ideia do extenso terraço acima do edifício da assembleia geral, que era um elemento importante no projeto de Le Corbusier. Outros membros do conselho, como Sven Markelius e Ernest Weissman, apresentaram

19 Para evitar o longo processo de competição gerado pela Liga das Nações, no Lago de Genebra, o então secretário-geral, Trygve Lie, nomeou um conselho que reunia Gyle Soilleux (Austrália), Gustave Brunfaut (Bélgica), Oscar Niemeyer (Brasil), Ernest Cormier (Canadá), Ssu-ch’eng Liang (China), Le Corbusier (França), Sven Markelius (Suécia), Howard Robertson (Reino Unido), Julio Vilamajo (Uruguai) e Nikolai Bassov (União Soviética). Wallace Harrison atuou como diretor de planejamento e acabou por ser o responsável pelo projeto. 20 NIEMEYER, Oscar. O Projeto das Nações Unidas. Módulo, #97, p. 26-27, 1988. 21 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace. Cambridge: MIT Press, 1994. p. 137. 22 NIEMEYER, Oscar. Carta a Lucio Costa, sem data. Acervo Fundação Oscar Niemeyer. 23 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 152.

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suas versões, mesmo tendo chegado depois de Niemeyer, o que o deixou, conforme relatado a Costa, “numa situação falsa, onde só falava – nada produzindo”24. “A confusão foi tal”, continuou Niemeyer, “que o próprio Corbusier aconselhou-me a fazer uma sugestão”, o que levou menos de uma semana para se transformar no projeto 3225. Ao ver o projeto, relata a carta, Le Corbusier “ficou até um pouco surpreso” e pediu para Niemeyer “declarar que é preciso uma solução final e que os únicos projetos que são realmente coisa de arquitetura – são os nossos”26. Le Corbusier estava obviamente ficando impaciente com a grande quantidade de projetos sendo propostos e começou a pressionar o conselho para, como ele próprio relata, “concentrar-se em alguns, não em 30 projetos”27. Niemeyer termina a carta com um pedido de perdão pela falta de modéstia (pelo fato de estar “satisfeito com o trabalho”) e com dois pequenos croquis mostrando seu projeto ao lado do de Le Corbusier28. Em 25 de abril, Niemeyer apresentou seu projeto número 32, que consistia em perspectivas elaboradas por Hugh Ferriss, uma maquete e oito pranchas. Um pequeno texto na oitava prancha não somente explica o projeto, mas, surpreendentemente, chama a atenção de seus colegas “para as vantagens oferecidas pelo projeto número 23, tanto no âmbito funcional quanto no estético”29. O tal projeto número 23 era de Le Corbusier, no qual a combinação entre beleza e função era precisamente o que se tentava promover, sem sucesso, enquanto a mesma combinação estava sendo valorizada no projeto de Niemeyer, ou, como Dudley mais tarde observou, “a comparação entre o volume pesado de Le Corbusier e a composição surpreendente e elegantemente articulada de Niemeyer

24 NIEMEYER, Oscar. Carta a Lucio Costa, sem data. 25 Ibid. 26 Ibid. 27 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 240. 28 NIEMEYER. Carta a Lucio Costa, sem data. 29 NIEMEYER, Oscar. Texto na oitava prancha do álbum para a sede da ONU, Projeto 32. Acervo Fundação Oscar Niemeyer.

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foi feita, ao meu ver, por todos os presentes”30. Le Corbusier não poderia ter ficado satisfeito com a recepção positiva dada a Niemeyer, pois há relatos de que ele tenha se referido ao arquiteto brasileiro como sendo “apenas um jovem” cujo projeto “não era o de um arquiteto maduro”31. Mais esclarecedor ainda é um croqui que Le Corbusier fez na mesma época, em seu carnet de poche, comparando os dois projetos: um mostrando o corpo de uma mulher reclinada, marcado com o número 23 e rotulado “hierarquia arquitetônica = belo”, e o outro mostrando partes de um corpo feminino desmembrado, marcado com o número 32 e rotulado “espaço arquitetônico = medíocre”32. Le Corbusier, cujo objetivo desde o início tinha sido o de convencer o conselho a desenvolver o projeto que ele já havia sugerido durante a fase da escolha do local, foi de repente confrontado com um projeto que tinha as qualidades que ele prezava, mas que não era o dele. Em um esforço de resgatar seu próprio projeto, Le Corbusier tentou criar empecilhos na reunião seguinte e, entre outras declarações, argumentou que Niemeyer “sem saber” produziu uma variação do projeto 23, cuja virtude era permitir alterações enquanto mantinha os “conceitos básicos”33. A estratégia funcionou. Apesar de favorecerem a versão “aberta” de Niemeyer, todos estavam convencidos, e Niemeyer também, de que no fundo o projeto tinha de seguir uma ideologia corbusiana da arquitetura. No dia 1º de maio, Harrison achou necessário decidir sobre como proceder, insistindo para um consenso. Também sugeriu ao conselho “que o único projeto satisfatório era aquele elaborado e desenhado por Niemeyer, semelhante à ideia de Le Corbusier”34. Na tentativa de achar um meio-termo, Harrison comparou o projeto de Niemeyer aos croquis feitos por Le Corbusier meses antes, que ilustravam o prédio isolado do secretariado-geral. Na ausência de qualquer objeção, a decisão unânime foi tomada: dar o “sinal verde” ao projeto número 32, de Niemeyer, como base para o projeto final35.

30 DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 236. 31 Ibid., p. 240. 32 Reproduzido em DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 266-267. 33 Le Corbusier, citado em DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 242. 34 Wallace Harrison, citado em DUDLEY, George A. A Workshop for Peace, p. 403. 35 Ibid., p. 252.

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SEDE DA ONU, Nova York, NY, Estados Unidos [1947] foto: Shutterstock

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Em uma carta a Dudley, redigida décadas mais tarde, Niemeyer explica o esquema híbrido como consequência de um pedido feito por Le Corbusier, ao qual ele não poderia recusar ‘por constrangimento’.

Dias depois, uma nova proposta modificava o projeto de Niemeyer e trazia de volta o edifício da assembleia geral à sua localização central, como originalmente sugerido no projeto 23, de Le Corbusier. A nova proposta foi chamada de projeto 23/32, do qual todas as soluções subsequentes se derivaram, inclusive a versão que foi eventualmente construída. Em uma carta a Dudley, redigida décadas mais tarde, Niemeyer explica o esquema híbrido como consequência de um pedido feito por Le Corbusier, que por “constrangimento” foi incapaz de recusar36. Niemeyer explica sua decisão como tendo ocorrido no dia após a reunião, quando todos os membros do conselho aprovaram por unanimidade seu projeto 32. Le Corbusier foi vê-lo e o convenceu de alterar a localização da assembleia geral para a parte central do terreno: “Hierarquicamente, é o elemento principal do complexo. Seu lugar, portanto, está no centro de tudo”37. Apesar de discordar da alteração, que dividiria o terreno em dois e diminuiria seu caráter monumental, Niemeyer consentiu, mesmo que isso significasse, como ele próprio conta, decepcionar Harrison com “uma atitude um tanto contraditória por primeiramente aceitar a escolha do meu projeto para logo depois recusar desenvolvê-lo, por consideração a Le Corbusier”38.

36 NIEMEYER, Oscar. Carta a George Dudley, 26 dez. 1991. Acervo Fundação Oscar Niemeyer. 37 Le Corbusier, citado em NIEMEYER, Oscar. O Projeto das Nações Unidas, p. 29. 38 NIEMEYER, Oscar. O Projeto das Nações Unidas, p. 29.

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A grande ironia desse processo é que o partido da torre alta ao lado de um auditório baixo, isto é, a composição do alto prédio do secretariado e do baixo prédio da assembleia, deve ter sido bem familiar a Le Corbusier e a Niemeyer, pois os dois tinham trabalhado juntos sobre partidos similares (e similarmente divergentes) no Rio de Janeiro, 11 anos antes, no projeto do campus universitário que Le Corbusier projetou e que Niemeyer desenhou; no projeto do campus universitário, em versão mais afastada, que Lucio Costa projetou e Niemeyer também desenhou; e em versão menor no projeto para o prédio do Ministério da Educação, sobre o qual os três arquitetos trabalharam, de uma forma ou de outra. Há outros precedentes, como o Instituto Lenin de Ivan Leonidov, desenhado em 1927, e o partido é repetido por Le Corbusier no projeto de Saint Dié, em 1945, por Costa em seu projeto da Praça dos Três Poderes para o plano piloto de Brasília, finalmente adotado por Niemeyer para o Congresso Nacional em versão dupla, isto é, dois secretariados e duas assembleias para as câmaras de deputados e senadores. Desde então, a tal distância entre prédio alto e prédio baixo mudará várias vezes na própria obra de Niemeyer.

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DEPOIMENTOS ALVARO PUNTONI ANGELO BUCCI CIRO PIRONDI MARCIO KOGAN PAULO MENDES DA ROCHA RUY OHTAKE


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, é mestre e doutor pela mesma instituição. Leciona na FAU/USP e na Escola da Cidade, da qual é sócio-fundador e coordenador do Conselho Pedagógico. É professor convidado da FAU/Mackenzie e do Taller Sudamerica da Facultad de Arquitetura, Diseño y Urbanismo da Universidad de Buenos Aires. Desde 2004 participa do Grupo SP.


ALVARO PUNTONI

ESPACIALIDADES INUSITADAS


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

É impossível escapar de Oscar Niemeyer na cidade de São Paulo. Todo mundo que vive na capital paulista, em algum momento, se deparou com o Parque Ibirapuera, com sua marquise aberta. Aquele é um espaço sem nome que chamamos de “marquise do Ibirapuera”, mas que, em princípio, não tem nenhuma função a não ser nos proteger da chuva, do sol, servir de ligação entre os edifícios. Quando eu era criança, me lembro do estranhamento que a Oca me causava, da atração que exercia sobre mim. Da mesma forma, em passeios ao centro da cidade, olhar o Copan, como se observa a lua em noite clara, continua sendo inevitável, tanto para quem mora quanto para quem não vive em São Paulo. Seus edifícios de alguma maneira iluminam os caminhos dos cidadãos. Niemeyer tem essa importância simbólica. É um arquiteto de desenho apurado, que levou a arquitetura ao limite, amparado por engenheiros, mas principalmente ancorado por uma sabedoria que era dele. Seus edifícios geram espacialidades inusitadas. No Memorial da América Latina, que data do fim dos anos 1980, é possível perceber essa arquitetura: seus vãos geram espaços incríveis. Se viajo a algum lugar onde sei que há uma obra de Niemeyer, sempre a procuro. Gosto, particularmente, da sede do Partido Comunista Francês, em Paris, onde há obras de outro grande arquiteto, Le Corbusier, que influenciou Niemeyer, por exemplo, no uso dos pilotis (conjunto de colunas que sustentam uma construção, gerando grandes vãos). No Partido Comunista Francês, Oscar consegue fazer com que o edifício pareça flutuar sobre o chão de Paris. São muitas as obras de Oscar Niemeyer espalhadas em diferentes cidades do mundo. Cada uma tem uma história, uma peculiaridade, e é muito bacana imaginar que todas elas têm relação entre si, criam um diálogo com a cidade, com as pessoas que nela vivem. Isso, muitas vezes, é silencioso, não tem como anunciar. Só sentindo. Para mim, a espacialidade da vida que a arquitetura de Niemeyer oferta é o mais importante em sua obra.

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espacialidades inusitadas | Alvaro Puntoni

Temos alguma magem para essa página?

SEDE DO PARTIDO COMUNISTA FRANCÊS, Paris, França [1965] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA, São Paulo, SP, Brasil [1987] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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espacialidades inusitadas | Alvaro Puntoni

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, onde também concluiu mestrado e doutorado e atualmente leciona. Foi professor convidado de várias universidades na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. É fellow do American Institute of Architects e recebeu importantes premiações, como International Young Generation, XII International Biennial of Architecture of Buenos Aires e o Prêmio IAB de Melhor Obra Construída.


ANGELO BUCCI

A LIBERDADE


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Meu primeiro contato com a arquitetura de Oscar Niemeyer não foi direto. Conheci representações. Uma delas era a fachada do posto Alvorada, localizado na Via Anhanguera entre Ribeirão Preto e Orlândia, minha cidade natal. Com 7, 8 anos, quando entrei para a escola pública, aprendi sobre Brasília. Entendi que o posto na estrada rendia homenagem ao palácio. Qualquer criança brasileira sabe de cor alguns edifícios de Niemeyer. Basta desenhar traços de giz na lousa e os alunos reconhecem ali o Palácio da Alvorada, a Catedral de Brasília ou o Congresso Nacional. Mais que isso, são capazes de representar graficamente esses edifícios. São obras impressas no nosso imaginário. Mobilizar memórias e reconhecer nessas imagens a fonte para outros projetos é o maior valor do legado de Niemeyer. Não apenas na arquitetura, mas na cultura. Não apenas no Brasil, mas no mundo. Não é por acaso que, quando um arquiteto como Rem Koolhaas visitava o país, fazia questão de ir ao Rio de Janeiro para falar com Oscar Niemeyer. A liberdade em sua obra é uma característica admirável. São os erros – no sentido do desvio do código consagrado que outro arquiteto dificilmente ousaria fazer – que imprimem um resultado incrível. Refiro-me à liberdade de um sujeito que está desenhando edifícios com a coragem de se arriscar na fronteira do que ainda não foi feito. O parâmetro que se estabelece em consequência dessa liberdade passa a ser mais amplo. Oscar Niemeyer é um arquiteto decisivo para São Paulo. Um edifício emblemático é o Copan. Aquela lâmina curva com 35 andares e mais de 100 metros de desenvolvimento horizontal tem tanta liberdade que parece ter sido desenhada com a quadra inteira à disposição. Mas não foi assim. Foi inserida em um polígono irregular, o térreo é uma ladeira e os andares estão perfeitamente em nível. Por isso é surpreendente. Ao mesmo tempo, o arquiteto decidiu abandonar a obra quando foram feitas alterações à sua revelia. O projeto do Parque Ibirapuera, com Burle Marx, foi feito para celebrar o IV Centenário da cidade, em 1954. Recuperou o poluído Córrego do Sapateiro e o tornou parte do parque mais importante da capital paulista. Não era possível, desde aquela época, iniciar um processo similar com todos os outros rios da cidade? É evidente que essas obras injetaram uma dose de estímulo e confiança por gerações na produção cultural brasileira.

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a liberdade | Angelo Bucci

CONGRESSO NACIONAL, Brasília, DF, Brasil [1958] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

PALÁCIO DA ALVORADA, Brasília, DF, Brasil [1957] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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a liberdade | Angelo Bucci

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

É arquiteto e diretor da Escola da Cidade. Atua como conselheiro do Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (Ibac), da Casa de Lucio Costa, do Instituto dos Arquitetos do Brasil e da Fundação Oscar Niemeyer. Autor de uma série de obras arquitetônicas destacadas no Brasil, recebeu diversos prêmios.


CIRO PIRONDI

UM ARTISTA POPULAR


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

O poeta Ferreira Gullar traduz a genialidade de Niemeyer com os seguintes versos: “Com seu traço futuro / Oscar nos ensina / Que o sonho é popular”. Ser popular e, ao mesmo tempo, ser um grande artista é uma combinação difícil, apenas outorgada aos muito grandes. Alguns homens possuem o dom da liberdade, que está geralmente associado a outro dom, o da generosidade. Personalidades como Nelson Mandela, José Saramago e Oscar Niemeyer fizeram de sua ação no mundo um desenho inspirador, que nos instiga a acreditar na possibilidade de uma sociedade mais digna. Eles nos ensinam que, mesmo em tempos sombrios, é possível continuar. Para Niemeyer, a arquitetura é invenção. Por isso, ele e um grupo de intelectuais desenharam um projeto pedagógico com ênfase na dimensão humanista para a formação do estudante de arquitetura. Arte, literatura e história seriam a base da aprendizagem em instituições de Brasília e de Argel. Niemeyer também idealizou, nos últimos dez anos, uma escola em Niterói, na qual incorporou a visão social do arquiteto em relação ao país e à possibilidade de criar beleza para todos, o que seria o inverso da formação com tendências a especializações e centradas no mercado, situação vigente na maioria das escolas de arquitetura atuais. Conviver com a arquitetura de Oscar é uma experiência inspiradora. Eu tive a chance de morar dez anos em um apartamento no Edifício Eiffel, na Praça da República. Depois, vivi três anos no Copan. Nessa convivência, foi possível entender detalhes de sua arquitetura. Por exemplo, uma parede pode parecer de inclinação sem sentido à primeira vista. Mas, ao sair na rua, é possível perceber que aquele ângulo é exatamente a inclinação da rua, que é diferente da inclinação do edifício. A parede está perfeitamente implantada. A Casa das Canoas é outro exemplo. Sua integração com as árvores e com a montanha faz parecer que aquela construção sempre esteve ali.

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um artista popular | Ciro Pirondi

CONJUNTO COPAN, São Paulo, SP, Brasil [1951] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

CASA DAS CANOAS | RESIDÊNCIA DO ARQUITETO NA ESTRADA DAS CANOAS, Rio de Janeiro, RJ, Brasil [1952] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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um artista popular | Ciro Pirondi

A obra de Oscar Niemeyer consegue ganhar essa dimensão humana e ao mesmo tempo onírica, especialmente em São Paulo. Abriga nossos sonhos e os une à realidade do cotidiano de uma cidade extremamente densa. Sua obra nos faz relembrar que é possível viver com mais tranquilidade, mais poesia, mais sonho, mais imaginação. Para mim, o Oscar, intuitivamente ou não, tinha essa dimensão da vida humana tão densa, tão incrustada nele, que chegava até a exalar essa característica. Pensar em Oscar nos leva a refletir sobre que país teríamos se ele fosse desenhado com base não só em sua arquitetura, mas principalmente em seus pensamentos e em suas ações, incluindo as escolas. Seguramente teríamos hoje, no mínimo, um Brasil mais belo e justo.

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Arquiteto paulista, representou o Brasil na última Bienal de Veneza e recebeu mais de 200 prêmios nacionais e internacionais. É membro honorário do American Institute of Architects e foi considerado, pela revista Wallpaper, uma das cem pessoas mais influentes em sua área.


MARCIO KOGAN

UM CARIOCA NA VIDA DOS PAULISTANOS


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Quando eu era estudante de arquitetura, não gostava nada de Niemeyer. Era quase um elemento institucional que praticamente nos obrigava, na escola, a seguir seu pensamento, que contaminou toda uma geração no Brasil. Naquela época, eu pensava em outra arquitetura. Surgia o Centro Georges Pompidou e eu queria pensar novo. Sentia-me perturbado porque todas as obras públicas eram executadas por Niemeyer, quase apagando uma nova geração de arquitetos. Obviamente, isso era um comportamento de rebeldia juvenil. Quando comecei a me tornar arquiteto, passei a dar um valor incrível para todo o seu trabalho e a ficar de joelhos. Aos poucos fui totalmente seduzido. Aprendi a gostar de sua obra e a respeitá-la. Indiscutivelmente, Niemeyer é um dos mestres da arquitetura moderna. A limpeza, a beleza das soluções, a técnica, a força do que é estrutura de engenharia é muito marcante. Tem também essa sensualidade que foi colocada no modernismo, como no Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Com a vinda de Le Corbusier, surge essa história do modernismo que é completamente icônica. De repente, neste fim de mundo, país totalmente isolado e durante a Segunda Guerra Mundial, nasce uma arquitetura espetacular, como já disse Lucio Costa. Na minha opinião, é o melhor modernismo que se viu no mundo, feito não só por Oscar Niemeyer, mas também por uma grande geração de arquitetos. Em São Paulo, percebemos que os cartões-postais da capital paulista foram feitos por um carioca, como é o caso do Copan e do Parque Ibirapuera. Considero a Oca o museu mais bonito do mundo. Tem um impacto no dia a dia das pessoas. Está na vida de todos os paulistanos. Qualquer um que a visitar em um fim de semana passará o tempo todo embaixo da marquise, poderá caminhar, assistir a uma exposição no pavilhão da Bienal. É maravilhoso. Eu gosto muito dessa colaboração com a engenharia que ele convoca. Mas parece que hoje em dia, no mercado, isso foi esquecido. Às vezes, tentamos ser um pouco mais sofisticados em uma solução estrutural, mas ninguém quer apostar “para não perder dinheiro”. Um calculista uma vez me falou: nós fazemos um projeto e ninguém nem lembra que fizemos. Não é verdade. A própria história de Niemeyer vem do cálculo. 154


um carioca na vida dos paulistanos | Marcio Kogan

MUSEU AFRO BRASIL (CONJUNTO IBIRAPUERA), São Paulo, SP, Brasil [1953] foto: André Seiti [2014]

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

EDIFÍCIO DA OCA, São Paulo, SP, Brasil [1951] foto: André Seiti [2014]

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um carioca na vida dos paulistanos | Marcio Kogan

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie e leciona na USP desde 1959. Recebeu o título de professor emérito em 2010. Entre suas obras estão o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, o Pavilhão Oficial do Brasil na Expo 70, no Japão, o Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo, e a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, que lhe valeu o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana, em 2000. Em 2006, recebeu o Pritzker Architecture Prize pelo conjunto da obra.


PAULO MENDES DA ROCHA O SURPREENDENTE USO DA TÉCNICA NA ARQUITETURA DE NIEMEYER


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

A arquitetura de Oscar Niemeyer é marcante na formação do brasileiro, das escolas, do estudo da arquitetura e da minha geração, sem dúvida nenhuma. Seu trabalho exibe uma preocupação, uma angústia, uma convocação que vem da natureza com seu conjunto de fenômenos. Sua obra tem uma grande força lírica. Um exemplo é a Casa das Canoas, no Rio de Janeiro, tanto pela cenografia da horizontalidade da laje independentemente de suas curvas quanto pela pedra, que se torna monumental junto à piscina. É uma obra interessante, que não se pode copiar do ponto de vista formal. Por outro lado, também não é possível abandonar sua sedução. É necessário destacar também a importância da obra de Oscar Niemeyer na cidade de São Paulo, surpreendente em quantidade e relevância. O Edifício Copan é extraordinário. Suas curvas são exigências formais de estabilidade para um edifício esbelto e, ao mesmo tempo, permitem a entrada de luz e de ventilação pelos dois lados. Para mim, é um protótipo que poderia ser adotado, imaginando a arquitetura como forma de conhecimento: a ideia fundamental da cidade que flui no andamento dos pedestres e das habitações, sem distinção prédio por prédio, sem apartamentos grandes e pequenos, riqueza e pobreza. O Parque Ibirapuera é uma maravilha. Sua marquise inaugura um grande promenade, articula os edifícios, organiza os jardins e tudo aquilo que se vê no entorno. São projetos extraordinariamente inteligentes e demonstrativos da arquitetura como uma forma muito peculiar de conhecimento, ligado ao hábitat humano.

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o surpreendente uso da técnica na arquitetura de niemeyer | Paulo Mendes da Rocha

A obra de Niemeyer é de uma imponência eminente, evidente e muito extraordinária quanto à técnica, muitas vezes pela graça, pela sedução das formas não identificadas imediatamente. A Oca, por exemplo, é um pequeno museu erguido de maneira incrível quanto à transformação e à aplicação de técnicas em relação ao solo, à estabilidade da construção. Aquilo que é propriamente a casca, a cúpula, possui uma estrutura totalmente autônoma em si mesma. Há por dentro uma espécie de cilindro, que é um muro de arrimo para baixo da linha do solo. Existe também uma estrutura de lajes e pilares que surge por dentro, todos autônomos, um sem tocar no outro. Isso quer dizer que as soluções foram feitas estritamente com o necessário para cada situação. A forma circular é uma escolha muito inteligente, porque o círculo é indeformável desde que submetido a forças homogêneas. Da mesma maneira, a estrutura da cúpula e a independência dos andares intermediários é belíssima, principalmente porque eles não estão submetidos à forma circular, são figuras livres. Niemeyer é um construtor excepcional. Basta ver o Museu de Caracas, projeto para ser construído na Venezuela, para entender que ele foi capaz de concentrar a carga em um ponto e inverter a pirâmide, sabendo muito bem que as paredes inclinadas tendem a puxar, a solicitar as lajes a uma autocompressão, uma forte tração. É tudo excelentemente preparado para uma construção exitosa. Oscar teve a capacidade de convocar a técnica para que ela pudesse exibir o máximo de seu êxito.

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AUDITÓRIO IBIRAPUERA | OSCAR NIEMEYER, São Paulo, SP, Brasil [1989] foto: André Seiti [2014]

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o surpreendente uso da técnica na arquitetura de niemeyer | Paulo Mendes da Rocha

EDIFÍCIO DA BIENAL (CONJUNTO IBIRAPUERA), São Paulo, SP, Brasil [1951] foto: André Seiti [2014]

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MARQUISE DO IBIRAPUERA, São Paulo, SP, Brasil [1954] foto: André Seiti [2014]

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o surpreendente uso da tĂŠcnica na arquitetura de niemeyer | Paulo Mendes da Rocha

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Realizou mais de 300 obras no Brasil e no exterior. Conquistou, em 2007, o Colar de Ouro, maior condecoração do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Recebeu os títulos de professor emérito da Faculdade de Arquitetura de Santos e de professor honoris causa da Universidade Braz Cubas. Fez parte do 20º Congresso da União Internacional de Arquitetos, em Pequim. Era elogiado por Oscar Niemeyer por conta de sua liberdade plástica.


RUY OHTAKE

SÍNTESE ENTRE ARQUITETURA E URBANISMO


OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

Considero Oscar Niemeyer o arquiteto mais significativo do mundo até a data em que faleceu. Seu trabalho atravessou grande parte do século XX e do início do XXI. Um aspecto muito importante, que provocou reflexos no mundo inteiro, é que ele conseguiu elaborar sínteses belíssimas, unindo arquitetura e urbanismo. Seu desenho de arquitetura sempre levou em conta o espaço da cidade. Provavelmente essa vinculação tão forte seja a única no mundo e está presente desde seus primeiros desenhos. Quando Oscar Niemeyer fez, por exemplo, o Ministério da Educação e Saúde na década de 1940, ajustou o desenho proposto por Le Corbusier: levantou o pé-direito dos pilotis de 4 metros para 10 metros. Não apenas fez uma ligação entre as ruas, mas inseriu um edifício público em um espaço urbano, o que foi muito mais do que simplesmente considerar o entorno. No início dos anos 1950, Oscar desenhou o Edifício Copan. Considero o Copan mais que um prédio, pois julgo que possa ser considerado o articulador para um plano de recuperação da cidade de São Paulo, tamanha a sua importância. Os investidores queriam construir no mesmo espaço três ou quatro edifícios. Oscar refez o projeto com aquela forma que dialoga com a cidade, que provoca a cidade. Logo depois ele projetou, em São Paulo, o Parque Ibirapuera, uma grande aula de arquitetura e urbanismo. Urbanismo no sentido forte, de propor dentro do parque algo que extravasasse o próprio parque. A grande proposta foi a maneira com que ligou os prédios. Não é uma simples marquise. É um espaço que provoca uma rica convivência. Aos fins de semana, milhares de pessoas andam de skate, jogam damas, leem, praticam inúmeras atividades. Tudo ligado com a exuberância plástica. Oscar foi maestro.

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síntese entre arquitetura e urbanismo | Ruy Ohtake

CENTRO CULTURAL LE HAVRE, Le Havre, França [1972] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

AUDITÓRIO NO PARQUE IBIRAPUERA, São Paulo, SP, Brasil [1989] Fundação Oscar Niemeyer

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síntese entre arquitetura e urbanismo | Ruy Ohtake

De suas obras internacionais, gosto muito de Le Havre, na França, e Negev, em Israel. Também destaco a sede do Partido Comunista Francês. Nesse conjunto, a vista flui por tudo. Oscar sempre esmerou-se nas proporções. As surpreendentes relações entre volume e espaço. É o caso da Oca, no Ibirapuera, e do Museu Nacional de Brasília. Nos anos 1980, fez projetos importantes como o Sambódromo, no Rio de Janeiro, e o Museu de Arte Contemporânea (MAC) em Niterói (RJ). Niemeyer, que não se guiou por nenhuma escola específica depois dos 30 anos de idade, foi um grande desbravador. Foi guiado pela intuição, que o levou à vanguarda. Muito polêmico no início. Mas assim é toda vanguarda, porque rompe com uma série de consolidações, gera polêmica. Seus pensamentos ajudaram muito na minha formação, sobretudo na capacidade criativa e na crença no que faz. Estou convencido de que é exercendo a profissão que podemos adquirir esse exercício da proporção, em que se vai trabalhando, desenhando, rabiscando em cima, indo e voltando.

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OSCAR NIEMEYER | clássicos e inéditos

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA, Niterói, RJ, Brasil [1996] foto: Michel Moch | Fundação Oscar Niemeyer

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OSCAR NIEMEYER: CLÁSSICOS E INÉDITOS EXPOSIÇÃO Concepção Fundação Oscar Niemeyer, Itaú Cultural e Lauro Cavalcanti Realização Itaú Cultural e Paço Imperial Curadoria Lauro Cavalcanti Assistência de Curadoria Licia Olivieri Pré-produção e Pesquisa Automática Produção Contemporânea, Lia Gandelman e Lucia de Oliveira Projeto Expográfico Pedro Mendes da Rocha Arquitetos Associados/Arte3 [Carla Seppe, Debora Tellini Carpentieri, Pedro Mendes da Rocha e Thyago Sicuro] FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER (FON) Presidente Ana Lucia Niemeyer de Medeiros Vice-presidente Hélio Oliveira Portocarrero de Castro Diretor Executivo Luiz Mario Camargo Xavier Filho Superintendente Executivo Carlos Ricardo Niemeyer Coordenação de Acervo Angela Maria Vasconcellos Pesquisa e Tratamento do Acervo Emeline Abib Assistência de Produção e Comunicação Rebeca Lira Estagiária Nicole Campos Administração José Carlos Santos da Cruz Secretária Maristela Melo dos Santos Conselho Curador André Aranha Corrêa do Lago, Carlos Oscar Niemeyer Magalhães da Silveira, Cícero Augusto Ribeiro Sandroni, Ciro Felice Pirondi, Farès el-Dahdah, Glauco de Oliveira Campello, Ítalo Campofiorito, Jayme Zettel, João Leão Sattamini Netto, Jorge Ricardo Bittar, José Fernando Aparecido de Oliveira, José Fernando Guitton Balbi, José Simões de Belmont Pessôa, Lauro Cavalcanti, Marcelo Cerqueira, Nelson Laks Eizirik, Paulo Sérgio de Castro Pinto Duarte, Renato Guimarães Cupertino e Sérgio Paulo Rouanet


Conselho Institucional Secretaria de Cultura do Distrito Federal, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Prefeitura Municipal de Niterói, Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro Conselho Fiscal Ana Elisa Niemeyer de Attademo, Jair Rojas Valera, Luiz Marçal Ferreira Neto, Ricardo Wagner Mendes de Medeiros, Sabino Machado Barroso e Maristela Melo ITAÚ CULTURAL Presidente Milú Villela Diretor Superintendente Eduardo Saron Superintendente Administrativo Sergio M. Miyazaki Núcleo de Artes Visuais Gerência Sofia Fan Coordenação Luciana Soares Produção Executiva Jan Balanco (terceirizado), Luciana Rocha e Nicole Plascak Núcleo de Audiovisual e Literatura Gerência Claudiney Ferreira Coordenação Kety Fernandes Nassar Produção Audiovisual Camila Fink e Rodrigo Lorenzetti Núcleo de Produção de Eventos Gerência Henrique Idoeta Soares Coordenação Edvaldo Inácio Silva e Vinícius Ramos Produção Ana Francisca Salles Barros, Daniel Suares (terceirizado), Erica Pedrosa Galante, Fabio Marotta, Maria Zelada (terceirizada) e Wanderley Jamano Bispo Núcleo de Educação e Relacionamento Gerência Valéria Toloi Coordenação Samara Ferreira


Educadores Ana Figueiredo (estagiária), Bianca Selofite, Claudia Malaco, Débora Fernandes, Fernanda Kunis (estagiária), Guilherme Ferreira, Isabela Quattrer (estagiária), Josiane Cavalcanti, Lara Teixeira (estagiária), Maria Meskelis, Paula Pedroso, Raphael Giannini, Samantha Nascimento (estagiária), Sylvia Sato e Thiago Borazanian Núcleo de Comunicação Gerência Ana de Fátima Sousa Direção de Arte Jader Rosa Comunicação Visual Yoshiharu Arakaki Diagramação Serifaria (terceirizado) Edição de Fotografia André Seiti e Marcos Ribeiro (terceirizado) Coordenação Editorial Carlos Costa Produção Editorial Raphaella Rodrigues Edição de Textos Carlos Costa, Maria Carolina Trevisan/Agência Lema (terceirizada) e Thiago Rosenberg Revisão Ciça Corrêa e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução Marisa Shirasuna Fotografias Acervo Fundação Oscar Niemeyer, Casa de Lucio Costa, Domingos de Miranda Ribeiro, Chico Albuquerque, Gala Martínez, Instituto Moreira Salles (tratamento de imagens: Daniel Arruda e Joanna Balabram), Kadu Niemeyer, Leonardo Finotti, Marcel Gautherot, Mauricio Simonetti, Michel Moch, Thomas Farkas e Tyba Agência Fotográfica Maquetes Flavio Papi, Fundação Armando Alvares Penteado Maquete Eletrônica Aleks Braz e Roberto Klein Arquitetos


Catálogo Direção de Arte e Projeto Gráfico Jader Rosa Comunicação Visual Yoshiharu Arakaki Diagramação Serifaria (terceirizado) Produção Gráfica Lilia Góes (terceirizada) Edição de Fotografia André Seiti e Marcos Ribeiro (terceirizado) Coordenação Editorial Carlos Costa Produção Editorial Raphaella Rodrigues Edição de Textos Maria Carolina Trevisan/Agência Lema (terceirizada) Coordenação de Revisão Polyana Lima Revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução John Norman Coordenação e Organização de Conteúdo Núcleo de Artes Visuais Textos Alvaro Puntoni, Angelo Bucci, Carlos A. C. Lemos, Ciro Pirondi, Glauco Campello, Farès el-Dahdah, Marcio Kogan, Paulo Mendes da Rocha e Ruy Ohtake Fotos de Abertura de Capítulo André Seiti PAÇO IMPERIAL Ministra de Estado da Cultura Marta Suplicy Presidente do Iphan Jurema de Sousa Machado Diretor do DAF Luiz Philippe Peres Torelly Paço Imperial Diretor Lauro Cavalcanti Diretor Substituto Eliezer Nascimento Coordenação Técnica Licia Olivieri Setor de Exposições e Patrimônio Sandra Regina Mazzoli, Caroline Lodi e Amaury dos Santos


Equipe de Montagem André Luiz Mendonça da Silva, Edson de Macedo Dias, Francisco Cruz de Souza, Joel Alves, José Carlos de Carvalho, Paulo Roberto Teixeira, Ronaldo Adolfo da Silva, Severino José da Silva, Valde Alves dos Santos (Braz) e Valdecir de Oliveira Silva Setor Educativo Lucia Helena Alves Coordenação Administrativo Rubem Vergeti Leite Setor de Segurança e Serviços Gerais Amarildo Moura Oliveira Associação dos Amigos do Paço Imperial Presidente Ricardo Coelho Taboaço Vice-presidente Armando Mariante Carvalho Junior Diretora Presidente Maria do Carmo Nabuco de Almeida Braga Diretor Vice-presidente Corintho de Arruda Falcão Neto Diretor Tesoureiro Alarico Silveira Neto Diretora Secretária Verônica Mefeiros Nickele Diretores Jones Bergamin e Armando Strozenberg Conselho Fiscal Jose Pio Borges, George Edward Machado Kornis e Luis Patrício Miranda de Avillez Gerência de Projetos Lucia de Oliveira AGRADECIMENTOS Angela Vasconcellos, Carlos Ricardo Niemeyer, Chico Buarque de Hollanda, Elizabeth Pessoa, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Fundação Armando Alvares Penteado, Fundação Oscar Niemeyer, Gávea Filmes, Instituto Moreira Salles, João Moreira Salles, Miriam Lerner, Sandra Mazzoli, Santa Clara Comunicação e Videofilmes


CENTRO DE MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO E REFERÊNCIA - ITAÚ CULTURAL

Oscar Niemeyer : clássicos e inéditos / organização e curadoria Lauro Cavalcanti ; expografia Pedro Mendes da Rocha; desenhos Oscar Niemeyer ; tradução John Norman ; colaboração Fundação Oscar Niemeyer e Paço Imperial ; texto Carlos Lemos ... et al. – São Paulo : Itaú Cultural ; Rio de Janeiro : Paço Imperial, 2014. 186 p. : il. ISBN 978-85-7979-061-4 1. Oscar Niemeyer. 2. Arquitetura. 3. Arquitetura moderna - Brasil 4. Exposição de arte – catálogo. I. Cavalcanti, Lauro, org. II. Fundação Oscar Niemeyer. III Paço Imperial. IV. Lemos, Carlos. V. Campello, Glauco. VI. ElDahdah, Farès. VII. Puntoni, Alvaro. VIII. Bucci, Angelo. IX. Pirondi, Ciro. X. Kogan, Marcio. XI. Rocha, Paulo Mendes da. XII. Ohtake, Ruy. XIII. Norman, John. XIV. Título.


capa: Primeiro projeto para a sede da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), elaborado por Oscar Niemeyer em 1979 | Fundação Oscar Niemeyer Esta publicação utiliza as fontes Gotham e Gotham Narrow sobre os papéis Color Plus Grécia 180g/m² e Pólen Bold 90g/m². Duas mil unidades foram impressas pela gráfica Stilgraf, em São Paulo, em agosto de 2014.





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