Ocupação Ilê Aiyê

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São Paulo, 2018


Expediente coordenação editorial Carlos Costa edição Carlos Costa e Jullyanna Salles colaboração de pesquisa Karina Araújo conselho editorial Ana de Fátima Sousa, Andréia Schinasi, Edson Natale, Ilê Aiyê, Simoni Barbiellini, Sueli Carneiro, Val Benvindo e Vinícius Murilo diagramação e direção de arte Arthur Costa fotografia André Seiti (ensaio fotográfico), Arthur Costa e Richner Allan edição de imagens Gabriel Lopes (estagiário) consultoria Luciana Orvat produção editorial Luciana Araripe e Pamela Rocha Camargo supervisão de revisão Polyana Lima revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)






Notícias do mundo negro

Eram tempos de supressão de liberdades individuais, quando ser negro era (e é) resistir. Usar o cabelo trançado, ostentar símbolos da negritude era malvisto, associado à marginalidade, reprimido pela polícia. Mas o Ilê Aiyê saiu às ruas durante o Carnaval cantando que ser crioulo doido era (e é) bem legal. Hoje, o bairro se chama Curuzu, o Ilê Aiyê é uma marca de sucesso, conhecida internacionalmente, e o que esteve por trás desses carnavais segue sólido: a ação afirmativa da raça e o projeto de pesquisa e informação sobre o valor dos povos de origem africana e suas reverberações

O primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê, traz seu axé

pelo tempo e pelo espaço, na poesia, na música, na dança, no vestuário

de cura e encanto para a Avenida Paulista e faz da

e em outros costumes que unidos formam a cultura e a espiritualidade

42ª Ocupação Itaú Cultural um grito de resistência

do mundo negro.

contra os desmandos históricos que oprimem a liberdade e a majestade que habita cada pessoa.

O programa Ocupação Itaú Cultural resgata trajetórias artísticas fundamentais à percepção do Brasil em um conjunto de ações – exposi-

Neste caso, os negros – os descendentes dos afri-

ção, site e publicação impressa –, a partir de pesquisas em documentos,

canos escravizados durante os três séculos de Brasil

registros de processos criativos e outras fontes de informação que

Colônia e Império, cujas consequências persistem até

constituem a memória viva, uma ferramenta para fruição do presente

hoje no desequilíbrio social e em ideias racistas que

que vivemos.

negam à maioria da população (que é negra) o acesso aos comandos, aos locais de fala e de decisão.

Esta publicação festeja o Ilê Aiyê e repercute seus saberes – não tão conhecidos quanto seu Carnaval – apresentando aos leitores duas

Foi com luz, sabedoria e beleza que o Ilê Aiyê

edições do Caderno de Educação, entre as 24 que o grupo desenvolveu.

teceu sua resposta, seu manto de orgulho e glória.

São elas: a primeira, Organizações de Resistência Negra, de 1995; e a de

Em 1974, sob a inspiração da líder religiosa Hilda Dias

2014, Do Ilê Axé Jitolu para o Mundo. Ah se Não Fosse o Ilê Aiyê!.

dos Santos (Salvador, 1923-2009), Mãe Hilda Jitolu, e a

Há ainda um ensaio fotográfico que retrata parte das pessoas que

atuação de seu filho Antonio Carlos dos Santos Vovô

fazem o Ilê Aiyê, o povo de santo, os diretores, os músicos, rainhas e

(Salvador, 1952), surgiu o bloco, com apoio e força de

associados. A poética visual é simples e não busca discurso de inclu-

Apolônio, Dete, Vivaldo, Ana Meire, Sergio Roberto,

são, mas, sim, a essência dessa comunidade, o olhar dessas pessoas, o

Jailson, Lili, Macalé, Eliete Celestino, Joevandro,

humano. “Não me pegue, não me toque, por favor não me provoque,

Maria Auxiliadora e de muito mais gente da

que eu só quero ver o Ilê passar...”

comunidade que vivia próximo à ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade, na periferia de Salvador.

Itaú Cultural 9



A força da raça negra em busca de seus direitos Como um bloco de Carnaval usou a cultura para reforçar ações afirmativas em favor do povo negro e se tornou uma das entidades precursoras do movimento negro brasileiro

Mãe Hilda Jitolu e seu filho, Antonio Carlos dos Santos Vovô, 1999. Foto: Mario Cravo 11


Nos anos 1970, os blocos de mortalha se popularizavam no Carnaval de

A África em iorubá – Ilê Aiyê foi o nome escolhido por Mãe Hilda

Salvador, exigindo dos candidatos a integrar o grupo que preenchessem

para o bloco que nasceu de seu terreiro, o Ilê Axé Jitolu. Vovô, inspirado

uma ficha com endereço e foto. Moradores das periferias e negros eram

nos movimentos afro-americanos, queria Poder Negro. Mas ficou a

recusados. Até que, em 1 de novembro de 1974, foi fundado no bairro da

vontade da matriarca, ficou a África no nome em iorubá, idioma nigero-

Liberdade o Ilê Aiyê, composto exclusivamente de negros.

congolês usado nos ritos religiosos afro-brasileiros no qual ilê significa

o

Passaram três meses se preparando para o primeiro desfile, cujo

“casa” e aiyê “terra” – o mundo terreno, em contraposição a orum, onde

tema era simples: responder à proibição velada de os negros desfilarem

vivem os orixás. Na tradução de Mãe Hilda, a casa de todos. Na história

no circuito do Carnaval da cidade. Proibição não oficial, nunca escrita em

do bloco, dos versos da música do primeiro Carnaval, o mundo negro

decreto. É assim até hoje, a restrição não se estabelece em regras públicas,

que o Curuzu veio mostrar.

o preconceito age em silêncio.

Os anos seguintes são de crescimento do Ilê, de sua lenda. Em 1976,

Dois amigos carnavalescos que já agitavam um grande grupo de pessoas

surge o primeiro tema relacionado à África, os guerreiros Watusi, e

em festas e viagens, Vovô (Antonio Carlos dos Santos) e Apolônio de Jesus,

o primeiro tecido para fantasia é artesanalmente pintado. Dois anos

chamaram mais gente e criaram um estatuto. Dete Lima pensou a primeira

depois, a primeira rainha, Mirinha, é eleita Deusa do Ébano; surge a

fantasia. Compraram tecidos no comércio da Liberdade, vestiram-se de bran-

identidade visual do bloco e é produzido o primeiro tecido sob medida.

co e se enfeitaram, usando esses panos em torsos, faixas e adereços. Trança-

A identidade visual é obra do artista Jota Cunha: uma máscara afri-

ram os cabelos, invocaram as raízes, as Áfricas em memórias e referências.

cana com quatro búzios abertos formando uma cruz na testa. O autor

À frente do grupo foi uma das maiores sacerdotisas da história das diás-

a chamou de perfil azeviche. As máscaras são objetos ritualísticos e de

poras africanas, Mãe Hilda. Era tempo de repressão militar e ela decidiu

grande importância na cultura dos países africanos, talvez uma das mais

ser abre-alas do bloco porque, se a polícia reprimisse o cortejo – atitude

conhecidas expressões visuais de seus povos, e têm por função ser uma

recorrente com a comunidade negra –, ela estaria ali para defender seus

representação da coletividade. Azeviche é um mineral negro associado

filhos e os filhos dos vizinhos e dos conhecidos que confiaram os filhos a

ao barro preto das terras da Liberdade e à pele negra.

seu filho Antonio Carlos dos Santos Vovô. Havia uma música tema, “Que

As cores do bloco são branco, preto, amarelo e vermelho e represen-

Bloco É Esse”, composição de Paulinho Camafeu hoje gravada e regravada

tam, respectivamente, a paz, a cor da pele, a riqueza cultural e a beleza,

por uma dezena de artistas, que vão de Gilberto Gil a O Rappa, e que muita

e o sangue derramado na luta pela libertação.

gente sabe cantar de cor.

As sementes do projeto pedagógico do Ilê estavam lançadas, geran-

O desfile transcorreu sem incidentes. Quem viu sabe o que foi. Um

do pesquisas anuais sobre os temas para munir a equipe de produção

grupo de negros fazendo política com cultura. Levavam cartazes que de-

do Carnaval – os compositores que vão concorrer com as músicas, o

nunciavam o racismo – para quem não entendesse a evocação da canção.

desenhista do tecido (que de 1980 a 2005 é Jota Cunha; daí em diante,

A reação da mídia de Salvador foi qualificar a problemática racial como

Mundão), a diretora artística Dete Lima, as candidatas a rainha e quem

importação de um costume dos Estados Unidos, pois no Brasil não havia

mais fosse produzir para o bloco.

racismo. O preconceito age em silêncio e não permite ser revelado. 12


A cada ano, após a escolha do tema central da festa, passou a ser feito um extenso trabalho de pesquisa, envolvendo intelectuais, professores e educadores, para levantamento das informações. O resultado da pesquisa é compartilhado com os compositores, que transformam esse caldo cultural e histórico em poesia, ritmo, música e axé. Os Cadernos de Educação – Entre 1995 e 2018 foram produzidas 24 edições do Caderno de Educação. Em 2012, por exemplo, Negros do Sul – lá também tem! foi o tema escolhido. O conteúdo abordou a presença negra no Sul do país, detalhando manifestações culturais, costumes e personalidades históricas, como João Cândido Felisberto, conhecido como Almirante Negro e cujo legado é a luta pela conquista de direitos iguais para a raça negra. Maria de Lourdes Siqueira, Mãe Hilda, Arany Santana e Dete Lima, década de 1990. Foto: Acervo Ilê Aiyê

A mulher negra também tem grande destaque na produção e no conteúdo dos cadernos. Intitulado Candaces – as Rainhas do Império, o 16o volume da série, editado em 2008, conta a história das mulheres de san-

O projeto pedagógico – Em 1995, quando o Ilê completava 20 anos

gue real, corajosas, guerreiras que ocuparam posições proeminentes,

de ampla visibilidade da cultura negra por meio do Carnaval, a casa

status importantes, funções políticas, sociais e culturais, assumindo a

alargou seus braços para abrigar um projeto de formação, conheci-

totalidade do poder durante três gerações sucessivas no Reino Império

mento, autoconhecimento e educação da cultura negra. Organizações

de Cush e Méroe.

de Resistência Negra foi o título que abriu a série Caderno de Educação,

“Nosso propósito com este Caderno de Educação é mostrar a impor-

produzida pelo Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê. O conteúdo

tância da mulher negra para a história da humanidade”, escreveu Antonio

trata das mais importantes organizações negras brasileiras desde o

Carlos dos Santos Vovô no prefácio da edição. O documento é uma interse-

século XVII até a fundação do Ilê, em 1974, costurando história, poesia,

ção entre passado e presente, com narrativas das candaces brasileiras Dete

música, ilustração, dever de casa e um rico glossário.

Lima, Lélia Gonzalez, Ruth de Souza, Leci Brandão e do Grupo de Mulheres

O Caderno de Educação foi idealizado pelo poeta, professor e então

do Alto das Pombas, em Salvador. Os cadernos são instrumentos de poder.

diretor do bloco, Jônatas Conceição (Salvador, 1952-2009), e pela pesquisadora, professora e diretora do bloco Maria de Lourdes Siqueira (Codó,

Mãe Hilda: ação, inspiração e homenagem – Muito da inspi-

1937), a partir de outros cadernos que eram editados anualmente com

ração para criar a série Caderno de Educação veio da vivência das

os temas do Carnaval. A implantação marca uma nova era de produção

crianças na Escola Mãe Hilda desde a sua fundação, em 1988, ainda

intelectual e pedagógica no Curuzu e na Liberdade.

dentro do terreiro Ilê Axé Jitolu, onde os alunos conviviam com os 13


ensinamentos de história, mas ao mesmo tempo aprendiam os ritos sagrados do candomblé. Em homenagem aos 30 anos do Ilê Aiyê e aos dez anos de produção do caderno, a matriarca do Curuzu, guardiã da fé e da tradição africana,

Em 1987, uma comissão formada pelo então secretário de Educação, Edvaldo Boaventura, por técnicos e professores implantou o primeiro curso de especialização em história da África para professores da rede pública e membros de organizações e movimentos negros de Salvador.

Mãe Hilda Jitolu, ilustrou a capa e o miolo do 12o volume da série, em 2004.

Com a mudança do governo estadual em 1991, a disciplina foi tirada

“Mãe Hilda é filha dos grandes reinos, de todas as confluências, de

do currículo das escolas e o projeto perdeu apoios importantes, o que

todos os povos que vêm do Egito, do Sudão, da Etiópia, da Abissínia,

impossibilitou a impressão das últimas cinco edições do Caderno de

da Eritréia, do Golfo do Benim, do Congo, de Angola, de Moçambique,

Educação. Para 2019, o material já está quase pronto e festeja os 45 anos

Zimbabwe, Ghana e Mali”, diz o caderno.

do Ilê Aiyê. Axé!

“Estrela guia / dona da sabedoria / da tradição / da religiosidade / solidifica, multiplica / dando origem à ancestralidade / és guardiã da beleza negra”, dizem os versos da composição “Guardiã da Beleza Negra”, de Jucka Maneiro, Roberto Cruz e Sandoval. “Meus filhos cresceram vendo que eu tenho fé e pratico a tradição do candomblé”, declarou Mãe Hilda ao caderno feito em sua homenagem. Para além do Curuzu – Os resultados foram os melhores. Os índices de aprovação escolar estavam acima dos 80% com a introdução de metodologias e materiais que dialogavam com as histórias e os corpos negros. A publicação da série de cadernos do Ilê antecedeu em quase 20 anos a aprovação da Lei Federal no 10.639/2003, que incluiu a obrigatoriedade dos estudos de história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede pública de ensino. A lei existia na Bahia desde 1987. Coube ao próprio Ilê não só criar os cadernos, mas insistir pela inclusão do conteúdo nas escolas e capacitar os professores da Liberdade e dos bairros vizinhos. O objetivo era garantir a permanência da temática africana nos currículos das escolas públicas da região. Mais de 3 mil alunos foram capacitados, além de 60 professores de seis escolas – Colégio Duque de Caxias, Pirajá da Silva, Abrigo dos Filhos do Povo, Tereza Conceição Menezes, Classe IV e Carneiro Ribeiro, mais a Escola Mãe Hilda. 14



16


Projeto de Extensão Pedagógica Caderno de Educação do Ilê Aiyê

Vol. I – Organizações de Resistência Negra

17



Sumário Crianças Precisam de Horizontes

19

1. Organizações Religiosas

20

2. Organizações Quilombolas

23

3. Organizações Político-Associativa e Recreativa

27

4. Ilê Aiyê nos seus 21 Anos

31

5. As Canções do IIê Aiyê

35

Referências Bibliográficas

42


Associação Cultural

Projeto de Extensão Pedagógica

Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê

Caderno de Educação do Ilê Aiyê

End.: Rua do Curuzu, 233 – Liberdade

Vol. I – Organizações de Resistência Negra

CEP: 40365-000 – Salvador – Bahia Telefax (071) 241-4969

Coordenação: Arany Santana

Diretoria

Jônatas Conceição da Silva

Antônio Carlos dos Santos Vovô – Presidente Aliomar de Jesus Almeida – Vice-Presidente

Equipe de Apoio:

Hildete Valdevina dos Santos Lima

Samuel Aarão Reis (Assessoria Geral ao Projeto)

Elizete Matos dos Santos

Ana Célia da Silva

Vivaldo Benvindo Santos

Jaime Sodré

OsvaIrízio do Espírito Santo

Lindinalva Barbosa

José Carlos dos Santos

Maria de Lourdes Siqueira

Paulo Raimundo Bonfim

Valdina Pinto

Fernando Ferreira de A. Filho

Adelson Evangelista (Ala de Canto)

Jônatas Conceição da Silva

Elisângela da Hora Souza – “Danda” – (Ala de Dança)

Dário da Páscoa

Rosilene Brito de Oliveira – (Ala de Dança)

Paulo Cézar da Costa Cerqueira Wilson Batista Santos

Programação e Editoração:

Arany Santana

Nelson Araújo Conceição Filho

Edson Tobias de Matos J. Cunha

Capa e Ilustrações:

Em memória de

Maria de Lourdes Siqueira

J. Cunha

Eugênia Lúcia Viana Nery


“Crianças Precisam de Horizonte” (Gilson Nascimento)

Mãe Hilda – Yalorixá do lIê Axé Jitolu – ao falar na abertura do Primeiro Encontro de Educação do Projeto de Extensão Pedagógica do llê Aiyê afirmou que “o Candomblé sempre foi casa de ensinamentos e que esta função agora prossegue com as nossas diversas Escolas”. Ao longo dos seus 21 anos de atividades ininterruptas, o Ilê Aiyê não abriu mão de um “trabalho de auto-estima negra, através do passado ancestral, da análise do cotidiano e do estímulo a um projeto transformador”. Para Antônio Carlos dos Santos Vovô – Presidente da Associação – a Educação no IIê Aiyê sempre priorizou o patrimônio cultural africano, pois só assim é que poderemos formar homens e mulheres plenos de cidadania para exercer o Poder Político neste País. O Ilê Aiyê realiza esta Educação através do seu repertório musical e da consolidação de datas importantes para a nossa História como o Dia da Mãe Preta, o Novembro Azeviche, a Festa da Beleza Negra e outros eventos. Este primeiro CADERNO DE EDUCAÇÃO do Projeto de Extensão Pedagógica expõe, para Você, sumariamente, algumas das mais importantes organizações negras brasileiras do século dezessete até a fundação do Ilê Aiyê, em 1974. Depende, exclusivamente, da nossa ORGANIZAÇÃO a transformação que queremos operar neste país que teima em nos marginalizar. A trajetória das nossas organizações nos desafia a avançar-vencer. Nada temos o que temer. Ou melhor, como diz o compositor Gilson Nascimento em “Aos Dezenove Remos”: “Avanças tua barca nas águas / Nação Ilê / Não há que temeres subir / As ladeiras desse mar”.

Salvador, maio, 1995. A Coordenação

1995 ILÊ AIYÊ: 21 anos – MAIORIDADE, DIGNIDADE, INTEGRIDADE.

ZUMBI: 300 anos – CONSCIÊNCIA NEGRA, RESISTÊNCIA, PODER. 21


1. Organizações Religiosas

Das organizações tradicionais criadas pelos povos africanos e seus descendentes no Brasil, destacam-se entre as mais antigas: as Irmandades Religiosas e os Terreiros de Candomblé. Na base da criação destas organizações es-

Núcleos Tradicionais de Resistência Religiosa no Brasil

tão valores e princípios culturais e religiosos, que sintetizam a diversidade do Continente Africano, através das culturas dos dois pólos

Ao longo de quatro séculos nosso país recebeu

africanos, que predominam na formação do

imensos contingentes de africanos, prove-

povo afro-brasileiro: os Sudaneses e os Bantos.

nientes das mais diversas etnias originárias

Mas, é possível identificar-se algumas caracte-

do continente dos negros, nossa Mãe África.

rísticas específicas que marcam a singularidade

Vinham da África Ocidental e do Sul da África:

dos Nagôs, dos Jêjes, dos Angolanos, dos Malês,

sudaneses e bantos.

dos Hauçás, dos Mandingas, dos Minas.

Os sudaneses eram os yorubanos, originá-

As organizações religiosas têm em comum

rios da Nigéria, que foram se estendendo pelos

as entidades espirituais, denominadas Orixás

reinos do Dahomé, hoje Benin, até Togo. Juntos

para os Nagôs, Inquices para os Angolanos, e

constituem o que aqui na Bahia conhecemos

Voduns para os Jêjes.

hoje como Nagôs, Ketus, Jêjes, Minas, Hauçás, Gruncis, Fulas e Mandingas. De outra parte do Continente Africano vieram povos originários

As Irmandades Religiosas

de Angola, Congo e Moçambique. Aqui conhecidos como povos bantos: os congo-angolanos.

As comunidades organizadas de resistência

Esses povos africanos que foram trazidos

negra no Brasil têm nas Irmandades Religio-

ao Brasil desde o século XVI, e continuam a

sas e nos Terreiros de Candomblé referências

chegar até o século XIX, agruparam-se em

essenciais à medida que a dimensão de religio-

diversas organizações negras, todas de re-

sidade dos descendentes de povos africanos

sistência à escravidão, em busca de melhores

no Brasil se constitui, formalmente, a partir

condições de vida, e pela preservação dos valo-

desses dois núcleos tradicionais.

res, da tradição e da cultura, que vem de suas origens: as civilizações africanas. 22


A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário Dos Pretos

próprios negros, um espaço de liberdade,

mente, na valorização profissional e qualifi-

para reunirem-se livremente sem a fiscaliza-

cação social no sistema escravocrata”.

ção direta do Clero, como acontecia quando Os tempos coloniais, com base na escravi-

estiveram abrigados na Igreja da Sé.

Hoje, a Irmandade mantém-se dinâmica, cumprindo suas finalidades, com um traba-

dão negra, marcaram a sociedade brasileira

Foi concedido alvará em 14 de abril de

lho sócio-cultural-religioso adequado ao seu

com problemas dificilmente superáveis. A

1696, doando o terreno, onde hoje se encon-

tempo, e ao momento histórico que se aproxi-

participação dos ex-escravos, do liberto, e

tra construída a Igreja de Nossa Senhora do

ma do 3º milênio, com o século XXI.

do próprio escravo, em busca de condições

Rosário dos Pretos, no Pelourinho, cuja pos-

mínimas de sobrevivência, tinha como ponto

se oficial se concretizou através de Provisão

de partida o direito à sua própria liberdade.

Régia de 27 de janeiro de 1724.

A Resistência dos Terreiros de Candomblé

É nesse contexto que nascem as Irmanda-

Outro ato de resistência configura-se

des Religiosas, criadas e desenvolvidas com

quando, imediatamente após a doação do ter-

o objetivo de prestar serviços de natureza

reno para a construção da igreja, a Irmandade

A proeminência social e cultural dos povos

social, financeira, hospitalar, educacional e

do Santíssimo Sacramento do Passo, uma das

de origem Yorubá, que aqui desembarcaram

funerária aos seus membros associados pela

mais poderosas da época, tenta se apossar des-

quase no final da escravidão, na segunda

sua negritude.

sa tão importante conquista dos negros. Eles

metade do século XIX, cria condições para o

A devoção do Rosário foi particularmente

reagem recorrendo ao Rei de Portugal, sede da

surgimento dos primeiros Terreiros de Can-

praticada pelos negros, inicialmente escravos

Colônia que era o Brasil naquele tempo, e con-

domblé, por volta de 1830, segundo as fontes

e posteriormente, servos e forros. Criada e

seguiram mais um ganho em suas lutas, com

que se tem notícias.

confirmada em 1685, com o título de “Irmanda-

a confirmação da posse do terreno da igreja,

Estes centros religiosos se estruturam em

de de Nossa Senhora do Rosário dos Homens

em 27 de janeiro de 1726. Esse ato estabelece

torno do culto às entidades místico-religiosas:

Pretos”, funcionou inicialmente na antiga

em definitivo a organização, que se iniciará

orixás, voduns e inquices. Há uma unidade

Igreja da Sé. Constituída em sua origem de

sob a denominação de “Devoção do Rosário

em torno de um Deus Supremo – constituído

negros bantos, vindos de Angola e do Congo,

dos Pretos da Porta do Carmo”.

por uma Trindade, exercendo cada um, sua

com o seu desenvolvimento, foi integrada por negros de outras etnias africanas.

Além do objetivo explícito de reunião,

ação específica, criação do homem, da natu-

agrupamento, organização dos negros en-

reza e das relações entre Deus, os homens

Um dos primeiros passos de indepen-

tre si, congregando escravos, forros e livres,

e o Cosmos.

dência da irmandade foi solicitar ao Rei de

a entidade era considerada na época de sua

Obatalá, Olorum e Odudua representam

Portugal a liberação de um terreno, onde

criação – “um canal de ascensão social do ne-

o céu, a terra e a criação. O poder da sabedo-

construíram com sua própria mão de obra, e

gro, pois a imagem do “bom procedimento”

ria e o dom do conhecimento constituem o

recursos adquiridos com trabalho e suor dos

dos seus membros implicava, consequente-

domínio de Ifá, cujo oráculo detém os segre23


dos da Adivinhação sobre a vida. Para estabe-

Candomblés de Orixás, Candomblés de Vo-

Os Candomblés de Angola, remanescen-

lecer a ligação entre o ser supremo e os seres

duns, Candomblés de Caboclos, Candomblés de

tes e representantes do povo Banto, cultuam

humanos, foi confiada aos Orixás a missão

Babá-Eguns ou Egunguns, na Bahia; Xangôs

os Inquices, que correspondem as tradições

de intermediários, dotados de função social,

de Recife, em Pernambuco; Batuque, no Pará

do Sul da África, onde têm origem. A cultura

cósmica e espiritual, que segundo o dom de

e Rio Grande do Sul; Tambor de Minas, no

religiosa dos Congo-angolanos guarda for-

cada um, ajudam a rever o mundo, com o

Maranhão; Babaçuê, no Amazonas; além dos

tes traços característicos de herança africana

equilíbrio necessário para que tudo esteja

Templos de Umbanda, dinamizados em todo o

com a qual se identificam.

em harmonia. Esta harmonia no mundo se

país, principalmente no Rio de Janeiro, organi-

concretiza, no âmbito das comunidades reli-

zados pela Federação Umbandista.

giosas, através do desenvolvimento e fortifi-

Os Candomblés de Caboclos representam a soma de influência religiosa Ameríndia, com marcas da diversidade étnico-cultural

cação de um poder imaterial, que emana da

Entre esta diversidade de organizações

afro-brasileira. Os Candomblés de Orixás,

ancestralidade africana, e é uma força vital

e cultos, transitam livremente Jêjes, Nagôs,

Voduns e lnquices homenageiam em seus

denominada Axé. O primeiro Axé chega ao

Ketus, Minas e Angolas permeados em algu-

calendários rituais o indígena brasileiro,

Brasil com africanos que empreenderam

mas expressões religiosas pela influência da

realizando em seus templos as tradicionais

viagem à África com objetivo de preparar-

cultura indígena, originária do País.

Festas de Caboclo.

se para aqui fundar as primeiras casas de

É assim que os Candomblés de Orixás são

Os Candomblés de Babá-Eguns são cultos

Candomblé. Esse poder e essa força crescem

predominantemente de Ketu e Nagô, entre

prestados aos espíritos de personalidades

e se desenvolvem segundo dom, natureza e

os quais se reforçam, mais acentuadamente,

ilustres, que se transformaram Ancestrais,

conduta individuais, exercidos e ampliados,

as tradições das cidades Yorubanas de Ketu

após sua passagem deste mundo ao outro, do

no âmbito da vivência Comunitária; e trans-

e de Oyó.

Aiyê ao Orun.

formam-se em vida, saúde, prosperidade,

Os Candomblés de Voduns acentuam a

Em todos estes seguimentos denominados

alegria, coragem, para aqueles que assumem

cultura, os valores e a tradição Jêjes, que cor-

Candomblés há pontos fortes, em comum,

com fé, confiança e sinceridade a religião

respondem ao Reino do Dahomé (que por sua

que estabelecem a vinculação entre a neces-

dos orixás.

vez, vivem em seu próprio território, ao lado

sidade de preservação da herança cultural

As Comunidades Religiosas afro-bra-

de grandes representantes do povo Iorubá, ori-

e religiosa africana no Brasil e as lutas do

sileiras são conhecidas como Terreiros

ginários da Nigéria). Por razões históricas os

povo negro no Brasil. Resistindo à opressão,

de Candomblé. Candomblé antigamente

Jêjes deixam suas terras, espalhando-se pelo

à dominação e à exclusão, essa resistência é

significava as grandes festas anuais da Re-

Dahomé, hoje Benin, indo até o Togo, e ao Gha-

uma busca permanente de espaço e de valo-

ligião Negra. As denominações religiosas

na. São considerados representantes dos Can-

rização da especificidade negra, constituinte

dos descendentes dos povos africanos mais

domblés de Voduns os descendentes do povo

majoritária da cultura nacional.

conhecidas são:

FON, aqui genericamente denominados Jêjes.

24


2. Organizações Quilombolas A Resistência Quilombola

O quilombo, no Brasil, toma uma feição

Origem do Quilombo na África

política, social e ideológica. É inegável o caráter de reação dos negros quilombolas ao regi-

Os bantos criaram o termo quilombo, o que,

me escravagista que domina toda a atividade

entretanto, não significa que outros povos

produtiva brasileira em três séculos. Nesse

como os nagôs tenham também, a partir das

sentido, a liberdade é uma das motivações

inter-relações étnicas, constituído esse tipo

para que os escravos procurem os quilombos.

de organização.

Quilombo é um termo da língua banto que

No entanto houve outras formas de re-

Os quilombos bantos partem da região da

quer dizer “acompanhamento guerreiro na

sistência, como suicídio de escravos e o as-

bacia do Congo, ainda antes da queda do Reino

floresta”, sendo entendido em Angola como

sassinato de senhores. Mas, a fuga foi mais

do Ndongo. No século XVII, essa forma de sis-

divisão administrativa.

difundida, assim como a compra da alforria,

tema social de linhagem era muito difundida

tarefa desenvolvida pelas relações mútuas

entre o povo mbundu.

Os quilombos angolanos tinham um tipo de organização nem vertical nem horizontal,

de irmandade.

mas transverso, ou seja, existia uma forma

A historiografia especializada entretanto,

“Segundo a tradição oral, um caçador vindo

de poder eminentemente tirânico ao mesmo

contenta-se em marcar a capacidade de luta

do Este, chamado N’gola, invadiu o território e

tempo que democrático, baseado nas rela-

e resistência dos negros envolvidos nos qui-

impôs aos Mbundus um regime monárquico de

ções de linguagem africana ou parentesco.

lombos e em ampliá-la através dos tempos.

governo. Assim, quando os portugueses chega-

Os quilombos de Palmares possuiam esse tipo

Daí a generalização do termo quilombo para

ram à Angola encontraram um pequeno Reino

de organização política.

indicar variadas manifestações de resistên-

Mbundu em formação chamado Ndongo, cujo Rei

cia, generalização permeada pela postura

era N’gola, nome que os portugueses derivaram

ideológica dos pesquisadores.

de toda região ao Sul do Congo, ou seja, Angola.” Uma hipótese a ser levantada, é que o quilombo se origina nesta tradição mbunda e que no início da colonização foram transferidas para o Brasil linhagens, famílias e etnias diversas que aqui puderam reproduzir, com dificuldades imensas, é claro, a sua vivência africana. Isto é notório no Quilombo dos Palmares que, na constituição de seu processo político e social, assemelha-se ao dos mbundus. Pode-se 25


inferir que o Quilombo dos Palmares era constituído dos povos angolas e jangas.

A terra vermelho-escura, esboroava ao aperto da mão. Ouviam águas correndo sobre

Mundo do Açúcar (da escravidão)

pedras. E havia palmeiras, muitas palmeiras.

O Quilombo dos Palmares

Em 1630, Palmares já era três aldeias no co-

– Monocultura da cana

curuto da serra majestosa e azul à distância.

– Escassez de alimentos

A serra se chama, até hoje, da Barriga. Seus

– Produção para venda no mercado externo

As primeiras notícias de quilombo na capita-

moradores chamavam as três aldeias de AN-

– A terra era a base da riqueza

nia de Pernambuco datam de 1559 e Palmares,

GOLA JANGA, que quer dizer em quimbundo,

– Sociedade dividida em classes

em 1606, já estava em formação. Na língua dos

“Angola Pequena”.

quimbundos, o nome também é N’gola Janga,

Aí por 1640, viveriam já, nos Palmares

dando a impressão de que os povos jangas e

Grandes e nos Pequenos, quase dez mil quilom-

os angolas formaram um só reino no Brasil,

bolas. Não eram só negros fugidos, havia um

de acordo com o que estava acontecendo na

número indefinido de índios e muitos brancos.

e grande desnível social

Palmares – Variedades de culturas agrícolas

África. Os componentes do Quilombo dos

Palmares estava situado na borda do

Palmares devem ter tido, no exílio forçado,

mundo do açúcar. Distava, em média, uns oi-

– Produção para consumo interno

a mesma experiência de luta que os ndongos

tocentos quilômetros do cordão litorâneo de

– A terra só tem valor pela utilidade

e os jangas.

engenhos – os burgos de Serinhaém, Penedo,

– A sociedade não dividida em classe,

Porto Calvo e Alagoas, atual Maceió. O mundo

sem desníveis sociais (apesar de certos

do açúcar e Palmares eram como duas nações

privilégios concedidos aos chefes

vizinhas – e inimigas. Na verdade, não duas

militares e políticos)

Angola Janga

nações completas, mas embriões de nações. Numa noite qualquer do ano 1597, 40 (quarenta)

Eis aqui os primeiros contrastes entre o mun-

escravos fugiram de um engenho no sul de Per-

do do açúcar e Palmares:

nambuco. Fato corriqueiro. Escravos fugiam o tempo todo de todos os engenhos. O número é que parecia excessivo: 40 (quarenta) de uma só vez. Não foi fácil a vida dos primeiros palmarinos. De onde estavam podiam ver perfeitamente quem viesse dos quatro cantos; com boa vista se podia mesmo vislumbrar o mar, além das lagoas. 26

– Abundância de alimentos


As diferenças entre estes dois embriões

“Um dia se saberá bastante sobre ele”, afir-

o cordão litorâneo de engenhos da antiga

de nação – o Mundo do Açúcar e Palmares

ma o historiador negro Joel Rufino dos Santos,

capital de Pernambuco da época. O padre

– que se defrontaram numa guerra total,

no seu livro ZUMBI. Milhares de documentos

achou que devia chamá-lo de Francisco.

durante 100 anos, não acabam aí, porém. A

amarelos, difíceis de ler, guardam a história

Francisco era inteligentíssimo. Estudou

sociedade colonial escravista era por defini-

do negro pequeno e magro que venceu mais

religião, latim e português. Numa noite de

ção, uma sociedade racista. O projeto de nação

batalhas do que todos os generais juntos da

1670, ao completar 15 anos, Francisco fugiu

que se esboçou em Palmares, construído por

História Brasileira. Esses papéis dormem em

para Palmares. Se chamava agora Zumbi.

negros, não podia vingar. Teria de ser, como

Évora, na Ajuda, em Lisboa, Recife e Maceió,

Francisco retornando a Palmares, onde nas-

foi, destruído. Mas, a resistência e o exemplo

aguardando estudos pacientes.

ceu em 1655, com 15 anos, passou a se chamar

de luta de Zumbi dos Palmares jamais será

De onde eram os pais de Zumbi? Do Con-

Zumbi. E constituiu, livremente a sua famí-

esquecido por nós – palmarinos – quilombo-

go, de Mombaça, do Dahomé, do país Ashanti,

lia – um pai, irmãos, tias e tios. O principal

las de hoje.

da terra dos jangas? Teria mulheres, tios e

destes se chamava Ganga Zumba.

Zumbi dos Palmares (Esboço de uma Biografia)

primos? Se sabe que era sobrinho adotivo de

Ganga Zumba que chegou a Palmares no

Ganga Zumba – que significa “Grande Chefe”

tempo da invasão holandesa, em 1624, era, ao

– e que transformou as aldeias palmarinas

contrário de Zumbi, um africano alto e mus-

num Estado.

culoso. Tinha, provavelmente, temperamen-

A história de Zumbi começou quando um

to suave e habilidades artísticas – como em

Zumbi nasceu livre em qualquer ponto dos

tal de Brás da Rocha atacou Palmares em 1655

geral, os nativos de Allada, nação fundada

Palmares em 1655. Talvez no começo do ano

e carregou, entre presas adultas, um recém-

pelo povo ewe, na Costa dos Escravos.

quando a água nas cisternas é pesada e mor-

nascido. Brás o entregou, honestamente, como

Em 1670, quando Zumbi voltou, Palmares

na; talvez no meio ou mesmo no fim, quando

do contrato, ao chefe de uma coluna, e este

eram dezenas de povoados, cobrindo mais de

o chão está coberto de buritis podres.

decidiu fazer um presente ao cura (vigário)

seis mil quilômetros quadrados: Macaco, na

de Porto Calvo, pequena cidade que formava

Serra da Barriga (oito mil moradores); Subupira, nas fraldas da Serra da Juçara; Amaro, perto de Serinhaém (cinco mil moradores); Osenga, próximo do Macaco; aquele que mais tarde se chamou Zumbi, nas cercanias do Porto Calvo; Acotirene, ao norte de Zumbi; Tabocas; Dambrabanga; Andalaquituche, na Serra do Cafuxi; Gongoro, Cucaú, Guiloange, Catingas, Engana-Colomin... Quase trinta mil 27


viventes, no total: Ganga Zumba reinava so-

dio e o negro fugidos esperavam que um dia

crepitou em toda Zona da Mata nordestina,

bre todos eles.

eles chegassem.

sem cessar durante os quinze anos seguintes.

De que maneira Zumbi se tomou sobrinho

Por vezes os caçadores de escravos faziam

Zumbi recusou todas as propostas en-

de Ganga Zumba, isto é, maioral, chefe, do po-

propostas: voItassem aos seus donos por bem,

voado mais perto de Porto Calvo? Zumbi mal

ficava prometido suspender os castigos e as

Ele parecia condenado àquela espécie

completara 17 anos. A instrução que lhe dera

torturas, as crianças nascidas na liberdade

de vitória sonhada pelos grandes generais

o Padre Melo, o prestígio que vinha de saber

dos matos livres ficariam etc. Tudo mentira.

da história.

“coisas de branco”, uma inteligência rápida e

A história guarda alguns casos de acordos des-

Em novembro de 1688, chegou a Recife,

abrangente, um corpo vigoroso – ainda que

sa natureza entre quilombolas e escravistas

contratado pelo Governo Colonial para acabar

pequeno e enxuto – e a vontade de ferro –

– como foi por exemplo, a paz de 1678, entre

com Palmares, Domingos Jorge Velho. Este ban-

talvez foram as matérias-primas que trans-

Ganga Zumba e o Governo de Pernambuco.

deirante assassino de negros e de índios fez as

ganosas de paz dos escravistas.

formaram Francisco em Zumbi dos Palmares.

Para aceitar um acordo com seus algozes,

seguintes exigências para combater Zumbi: ele

Foi Zumbi dos Palmares um caso extremo

e acreditar nas suas promessas, o quilombola

e seus oficiais receberiam sesmarias em Palma-

de resistência ao sistema.

precisava ter alguma ilusão sobre o funciona-

res, a única condição de ocupá-las e povoá-las;

Zumbi se pareceu aos grandes generais

mento do sistema escravista – acreditar, por

receberiam 4 hábitos das três ordens religiosas

da História – Ciro, Alexandre, Aníbal, Chaka,

exemplo, que houvesse senhores maus e bons.

de Portugal; seriam deles todos os negros cap-

Sundjata Keita, a rainha Nzinga Samorce – em

Era preciso, também, que tivesse chegado ao

turados, os quais serviriam como pagamento

muitas coisas. Como para a maioria deles, o

limite de sua resistência.

de imposto ao Rei e ao Governador; anistia pré-

poder máximo lhe chegou muito cedo, aos 23

Zumbi dos Palmares não era absolutamen-

via para todos os seus crimes; cem mil réis em

anos. Como eles Zumbi dos Palmares foi por

te ingênuo: conhecia o mundo do açúcar. Além

dinheiro vivo para ele próprio; entre outros

muito tempo – até hoje no Brasil – recordista

disso, naquele ano em que se sentou no lugar

pedidos. Faltavam poucos dias para o Natal de

de vitórias militares.

de Ganga Zumba, o inimigo é que lhe parecia

1691, quando Domingos Jorge Velho avistou

acuado: Palmares continuaria na ofensiva.

pela primeira vez a Serra da Barriga.

Zumbi, entretanto, era diferente de muitos desses campeões da guerra numa coisa:

A paz de Ganga Zumba e Dom Pedro de

Depois de ser derrotado em diversos ata-

não combateu para conquistar territórios ou

Almeida, Governador da Capitania de Per-

ques, Domingos Jorge Velho mandou buscar re-

glórias. Os negros aquilombados, sobre o seu

nambuco, não durou dois anos, Os interesses

forço em Recife. Vieram cerca de 200 homens e

comando, combatiam em legítima defesa.

dos palmarinos e dos pernambucanos eram

seis canhões. Apenas assim, e com a construção

As autoridades, os fazendeiros e seus

irreconciliáveis. Ganga Zumba acabou enve-

de uma nova contra cerca, ele pode derrubar as

paus-mandados não davam trégua a negros

nenado por adeptos de Zumbi. Os sobrevi-

muralhas palmarinas e penetrar no quilombo.

fugidos. Percorrer as brenhas atrás de caça

ventes da triste experiência feita por Ganga

Zumbi dos Palmares estava mais uma vez

humana era, mesmo, rendosa profissão. O ín-

Zumba foram reescravizados. A guerra total

encurralado e com uma única chance de esca-

28


par. Até quando teria de jogar aquele jogo sem

da Cerca Real do Macaco, a capital do quilom-

fim? Há pelo menos 25 anos, ele, pessoalmente,

bo, fosse o fim de Palmares.

ganhava e perdia batalhas. A guerra tinha no

Zumbi dos Palmares vencera dezenas de

entanto, cem anos – desde que aquele punhado

batalhas aplicando, com engenho, as regras

de negros incendiou a fazenda do amo, no sul

da guerra do mato. A única vez que buscou

de Pernambuco, em 1597, e se abrigou na Serra,

combate frontal, em posição fixa, fracassa-

fundando Palmares.

ra. Perdera, talvez, para sempre o domínio

3. Organizações Político-Associativa e Recreativa Sociedade Protetora dos Desvalidos – Spd(1832)

Zumbi juntou os comandantes e oficiais.

da Serra da Barriga, onde começava a se es-

Possivelmente, então, lhes confessou o

tabelecer agora – entre brigas e equívocos – o

fracasso do plano que urdira: atrair o exército

bando de assassinos vencedores: bandeiran-

Situada na Praça Anchieta, n° 17, Terreiro de

colonial em peso para uma grande batalha às

tes, comandantes militares e aristocratas de

Jesus, há 162 anos a S.P.D. funciona no mesmo

portas da capital e massacrá-lo. Se perdesse,

Pernambuco e Alagoas.

local. Fundada em 16 de setembro de 1832, por

os sobreviventes poderiam recomeçar noutro

Com poucos homens para a luta, Zumbi

Manoel Victor Serra, africano livre, profissão

lugar – eles seriam o novo Palmares. Se ven-

voltou à guerrilha. Um dos bandos ficou sob a

de ganhador no Canto da Preguiça, local onde se

cesse o governo Colonial ficaria de tal forma

chefia de Antônio Soares. Este foi emboscado

reuniam os negros da Bahia em busca de traba-

fraco e desmoralizado que aceitaria Palmares

perto de Penedo e enviado sob forte guarda

lho, a S.P.D. tinha como finalidade principal dar

como nação soberana. Em qualquer dos casos,

para o Recife. Depois de sofrer muita tortura

uma carta de alforria e proteção aos irmãos de

Palmares viveria.

e de ter garantia de vida e liberdade, se falasse

cor. Nos seus primeiros dias de funcionamento

Zumbi, que se postara na retaguarda da

onde era o esconderijo de Zumbi, ele coope-

a S.P.D. era como Junta, uma espécie de sistema

coluna de guerrilheiros que deixou Palma-

rou com o bandeirante André Furtado. Zumbi

rotativo de crédito com que assistia os seus as-

res na madrugada de 06 de fevereiro de 1694,

confiava em Antônio Soares, e quando este lhe

sociados e parentes destes que ainda se encon-

escapou com vida. Tinha naquele momento,

meteu a faca na barriga se preparava para um

travam presos no cativeiro. Portanto, foi com o

apenas 39 anos. Há 18 andava coxo, de um ba-

abraço. Seus olhos devem ter brilhado, então,

intuito de lutar contra a estrutura social vigente,

laço que recebera em combate e foi atingido

de estupor e desalento. Seis guerrilheiros ape-

que um grupo de negros libertos se organizou e

aquela madrugada por duas pelouradas. Não

nas estavam com ele. Cinco foram mortos pela

no dia 16 de setembro foi criada definitivamente

era muito para quem combatia há 25 anos.

fuzilaria que irrompeu dos matos em volta,

a Irmandade de Nossa Senhora da Soledade, em

Antes de completar um ano da queda de

Zumbi, sozinho, matou um e feriu vários.

honra à sua padroeira a Virgem da Soledade. A

Palmares, Zumbi invadiu a vila de Penedo

Foi isso nas brenhas da Serra Dois Irmãos, por

grande preocupação do grupo naquele momen-

atrás de armas. Dois mil quilombolas sobrevi-

volta de 5 horas da manhã de 20 de novembro

to e que perdurou por algum tempo, era onde e

ventes continuavam a combater na região. Só

de 1695.

com quem ficaria o cofre. Afinal de contas, era

os muitos tolos acreditavam que a destruição

Valeu, Zumbi!

uma caixa forte onde os associados depositariam 29


valores para futuras compras de cartas de alfor-

Destacamos, a seguir, algumas cláusulas

ria. Finalmente, em assembleia ficaria decidido

do parágrafo 33 que nortearam os primeiros

que este ficaria sob a guarda do Pe. Joaquim José

dias da organização, discutidos e aprovados

de Santana, a três chaves, achando-se uma em

em reunião do dia 16 de setembro:

mãos do Juiz Manoel Victor Serra, outra na mão

e a S.P.D. foi forçada a prestar assistência em diversos níveis a estes não associados. Só bem mais tarde, em 1956, é que a Sociedade elabora o seu novo estatuto com alterações significativas, alargando a assistência

do escrivão Luiz Teixeira Gomes e a terceira do

–“Essa instituição será composta de nº.

social e incluindo a assistência educacional,

Procurador Geral José do Nascimento.

ilimitado de sócios, que seja exclusivamente

técnica, médico-dentária ao associado e à sua

da cor preta.

família, e o mais importante o atendimento

–Ficaria eternamente eliminado qualquer

ao não associado que, “reconhecidamente

irmão mesário que desse desfalque nas alfaias

necessitado venha a recorrer auxílio a esta

da Irmandade.

Sociedade”. Importante também no novo es-

Vale aqui registrar aqueles que em 1832 fundaram a S.P.D.:

–Ficará expressamente proibida à mesa

tatuto é a abertura para a inclusão de sócios

– Manoel Victor Serra (Juiz Fundador) – Ganhador

revelar a amigo ou parente, o que se tratasse

não negros no quadro da S.P.D. Contudo, a

– Manoel da Conceição (Tesoureiro) – Marceneiro

nas reuniões.

Sociedade ainda mantém o seu quadro com

– Luiz Teixeira Gomes (Escrivão Definido) – Pedreiro

pessoas da cor negra, guardando assim a tra-

– José do Nascimento (Procurador Geral)

mensal dessa devoção seria multado na

– Gregório M. Bahia (Procurador Geral) – Marceneiro

importância de 320 réis”.

–O irmão mesário que faltasse a reunião

Como as Irmandades e outras sociedades que existiram na Bahia do século XVII ao sécu-

– Ignácio de Jesus – Bernardino S. de Souza – (Marceneiro)

dição do século passado.

Com a abolição da escravatura em 1888,

lo XIX, a Sociedade Protetora dos Desvalidos

– Pedro P. de Farias – (Marceneiro)

a S.P.D. passou por mudanças estruturais,

– Gregório do Nascimento – (Carroceiro)

a fim de atender as novas necessidades do

– Balthazar dos Reis – (Marceneiro)

ex-escravo, sem nenhum preparo para en-

– José Maná Vitella

frentar uma sociedade de classes que se for-

– Manoel S. C. Roza – (Marceneiro)

mava, onde o negro seria ainda, por muito

– Barnabé A. dos Santos

tempo, submetido às pressões de classes

Em 16 de setembro de 1931 foi fundada uma

– Theotônio de Souza – (Vinagreiro)

dominantes.

das mais poderosas organizações políticas

– Francisco José Pepino – (Calafetador)

No estatuto que regia a Sociedade Prote-

também foi uma agência de prestígio.

Frente Negra Brasileira (1931)

deste século – A Frente Negra Brasileira.

– Daniel Correia – (Negro de ganho do Canto do Pilar)

tora dos Desvalidos de 1874 a assistência era

Surgiu em São Paulo e proliferou-se pelo

– Roberto Tavares – (Carregador de Água)

restrita apenas aos seus associados e paren-

interior, estendendo-se pela Bahia, Maranhão,

– José Fernandes do Ó – (Vendedor de toucinho)

tes destes. Depois da abolição os problemas

Rio de Janeiro, Sergipe, Espírito Santo, Minas

– Manoel Martins – Trabalhador do Porto da Lenha

com a nova população liberta aumentaram

Gerais e Rio Grande do Sul.

30


Filhos de Gandhi (1949)

1. Levantamento moral da raça

2. Alfabetização do povo negro

3. Reconstrução da família

Segundo alguns especialistas, os afoxés são

4. Formação da elite da mulher negra

reminiscências dos antigos desfiles dos Reis

5. Trabalho

Congos, meio pelo qual os negros africanos podiam participar, do lado de fora, das festas

A Frente Negra mobilizou mais de 200 mil militantes e o mais importante foi o fato

Em janeiro de 1933, instala-se definiti-

católicas do Brasil no período colonial, já que

da Frente ter atraído um alto contingente de

vamente na Rua da Ajuda, nº 12, a sede da

a prática do culto africano era severamente

mulheres (empregadas domésticas) e crian-

Frente Negra, iniciando, dessa forma, as suas

proibida. Mais tarde, a Igreja católica passou a

ças. Enfim, foi um movimento que abarcava

atividades. Cursos de alfabetização, cursos

repudiar essas comemorações nas suas festas,

a classe trabalhadora e homens desemprega-

de música, datilografia e línguas, com cente-

transferindo-as para o período carnavalesco.

dos discriminados pelo mercado de trabalho,

nas de negros ávidos por aprender.

Desvinculados das festas religiosas da igreja

que naquele momento só absorvia o trabalha-

Enquanto em São Paulo a Frente era sus-

católica, os afoxés se tornaram bem mais afri-

dor branco europeu. O país atravessava forte

tentada pelos frentenegrinos com a quantia

canos e nos fins do século XlX já eram muitos

crise econômica o que propiciou um clima de

de mil réis por mês, na Bahia o fundo de sus-

e chegaram a incomodar a racista sociedade

revolta e tensão.

tentação das atividades era conseguido com

baiana. Os afoxés (principalmente os que an-

festas beneficentes e atividades culturais.

tecederam os Filhos de Gandhi), já nasceram

Frente Negra da Bahia

A Frente Negra ao se transformar em Par-

ligados a terreiros de Candomblé e os seus mú-

tido Político não conseguiu seu intento, pois

sicos eram “alabês” – tocadores de atabaques

com o golpe militar de Getúlio Vargas ela foi

nos terreiros.

Um ano depois da fundação da Frente Negra de

destruída junto com os demais partidos exis-

São Paulo, surge a Frente Negra da Bahia, em

tentes na época.

16 de setembro, criada por Marcus Rodrigues

Apesar da sua curta trajetória, a Frente

dos Santos, baiano de Santo Antônio de Jesus,

Negra, segundo Thales de Azevedo, foi a úni-

depois de ter sido sapateiro, adjunto de confe-

ca organização até a década de 1930 que tinha

rente das docas, fiscal de estradas de rodagem

a finalidade expressa na defesa das pessoas de

em São Paulo e professor do Mosteiro de São

cor contra os preconceitos raciais.

Bento, em Santos. Com vasta experiência de vida, Marcus de volta à Bahia funda a Frente Negra nos moldes da Frente Negra de São Paulo, com os seguintes objetivos: 31


O Africano Ideal foi fundado por Aniceto

é o animal símbolo adotado pelos Filhos de

Expressões tipo: Pirajá, São Caetano, Fazenda

(pai de mãe Hilda). O doqueiro José do Gude do

Gandhi. A adoção do camelo pelo Afoxé se dá

Grande, Cosme de Farias, Liberdade e outros

Candomblé do Bate Folha e o Chininha Depois

pela associação entre o animal e o Oriente.

bairros periféricos serem denominados como

do Carnaval colocavam o estandarte do afoxé

Pouco se sabe realmente sobre a história do

“terra de índio”, nesse contexto significava não

exposto no “Armazém Brasileiro”, na feirinha

Afoxé Filhos de Gandhi, contudo muitas ver-

civilizado, arruaceiro, temido. A equivalência

da Liberdade, para que todos vissem, segundo

sões são contadas pelos antigos participantes.

foi criada: índio temido do oeste americano –

o depoimento de Mãe Hilda. Lordes Africa-

A verdade que o afoxé dos lençóis brancos,

negro temido dos bairros proletários.

nos, chefiado pelo babalorixá Manoelzinho de

inspirados na indumentária indiana, sob o

Assim sendo, as “tribos” baianas fizeram

Oxóssi do Pau Miudo, entre outros, são exem-

ritmo e a dança afro, nada mais é dentro do

valer tal significado, infernizando e fazendo ar-

plos de afoxés que existiram aqui em Salvador.

carnaval do que aquilo que Mahatma Gandhi

ruaças nos carnavais, a ponto da polícia baixar

pregou – a paz.

decreto reduzindo o número de componentes

Em 1929 os afoxés desapareceram do cenário carnavalesco. Há quem afirme que a polícia

destes blocos para melhor serem controlados.

baiana proíbe a saída dos afoxés no Carnaval, pois estes feriam os ouvidos da conservadora

Sintomaticamente, na primeira metade da

Apaches do Tororó (1968)

sociedade baiana.

década de setenta, essa violência vai-se reduzindo à medida que a consciência de negritude vai

Em 1949, surge em Salvador o Afoxé Fi-

Na década de 60, bem antes que o processo de

tomando corpo, pincipalmente com o ressurgi-

lhos de Gandhi, coincidentemente no mesmo

“reafricanização” tomasse conta do carnaval

mento do Afoxé Filhos de Gandhi e da fundação

ano do surgimento do Trio Elétrico de Dodô

baiano, as pessoas pobres de Salvador, em sua

do Bloco Afro Ilê Aiyê.

e Osmar. O surgimento do afoxé ocorreu dois

maioria negra, brincavam seus carnavais com

Destacamos dentre os blocos de índios o

meses após o assassinato do pacifista indiano

fantasias inspiradas nos índios norte-america-

nosso co-irmão “Apaches do Tororó”, fundado

MAHATMA GANDHI, grande oposicionista

nos trazidos até nós através dos filmes. A partir

em 1968 por Antônio Belmiro, Edvaldo Góes,

ao domínio colonialista Inglês na Índia. Con-

daí, foi se formando um vasto elenco de blocos

Nelson Rufino, Agildo, Inácio, Ederaldo Gentil,

tam os mais velhos que em seu primeiro ano

de índios, tais como: Navajos, Sioux, Peles Ver-

Nilcéia Campelo, entre outros, e a incansável

do carnaval, o Gandhi desfilou à força em

melhas, Cheyennes, Tupys, Viu Não vá, Apa-

Dona Constança, responsável pelo corte e cos-

meio a tumultos. É que havia navios ingleses

ches do Tororó, Cacique do Garcia, Comanches

tura das fantasias.

no cais de Salvador e as autoridades baianas

e outros. Naquele momento os negros da Bahia

A turma que hoje faz o Ilê Aiyê participou da

queriam impedir a apresentação do Afoxé no

entenderam a sua identidade através da figura

fase áurea dos Apaches não só como folião como

carnaval, vendo naquela homenagem Afro

do índio, o que na verdade retratava a sua insa-

também dos ensaios da quadra, aos domingos,

uma agressão ao Reino Unido e, mais ainda,

tisfação ainda não muito clara. Naquela época a

principal espaço de concentração da população

um Afoxé fundado por pessoas ligadas ao Sin-

palavra índio recebeu um significado especial

negra da época. Inesquecíveis para nós a incon-

dicato dos Trabalhadores das Docas. O camelo

de gíria no vocabulário da “classe média” baiana.

fundível bateria e o seu canto arrepiante:

32


“APACHES DO TORORÓ” (Nelson Rufino)

Mas esse ano eu vou ficar

Ao ver passar

O bloco meu

Quero sentir a sensação

De fora do cordão

Mas se eu não suportar

A empolgação

Vou apanhar meu blusão

Do ano passado

Do outro lado cantando eu vou

Ôôôô

Ôôôô

Apaches tem

Uma coisa diferente

O percurso dos vinte e um anos do IIê tem de-

Como as organizações do passado – de re-

Uma coisa que a gente

monstrado que a proposta de “jovens negros

sistência e convivência – o Ilê cria sua caminha-

Sente e não sabe o que sente

do Curuzu entribados na Zorra”, segue o ritmo

da, perseguindo um “trabalho de auto-estima

Sente e não sabe dizer

de muitas organizações negras que o processo

negra, através do passado ancestral, da análise

O Apaches tem

histórico brasileiro vivenciou.

do cotidiano e do estímulo a um projeto trans-

O amor do desfilar

4. Ilê Aiyê nos seus 21 anos

Nos seus vinte e um anos, o Ilê mostrou-se

formador”, percebeu que a vivência negra no

E quem não segura os olhos

como organização negra contemporânea, sem

Brasil se deu tanto pela via do conflito como

É bem capaz de chorar

perder de vista as formas do viver negro no

pela via da negociação. As nações de candom-

passado e as possibilidades do futuro.

blé, os capoeiras, os quilombos, as irmandades

Na sua trajetória, a organização que é o

de negros e mestiços, as sociedades de auxílio,

Ilê, com o corpo, pelo gesto, pelo canto, pela

os grupos político-culturais e recreativos tive-

dança, pelo trabalho comunitário, conquistou

ram a argúcia de perceber os possíveis encami-

espaços, percebeu brechas e fez valer a histo-

nhamentos de sua luta.

ricidade do negro. 33


Um Pouco da História

pulação negra, através de elementos de sobrevi-

los direitos civis dos negros americanos, da

vência social, desenvolveu um sistema cultural

“onda” do Black Rio, é responsável por um

Os anos setenta indicam um novo comporta-

próprio. Afirmando o novo, dos anos setenta em

novo “renascimento” negro-baiano e por isso

mento da juventude negra de Salvador. Ela

Salvador, a Praça Castro Alves verá no carnaval

o Ilê constitui também o resultado da emer-

passa pela adoção de uma linguagem distintiva

de 1975 um bloco só de negros, “com roupas e

gência de “novas práticas e de novos discursos

até a busca de “territorialização negra” para

cabelos estranhos”, que cantavam:

negros”, decorrentes das características do

alguns espaços. É possível, neste momento,

processo de modernização de Salvador.

ouvir-se falar de uma “blackitude baiana” ou,

“Que bloco é esse

o que tem um alcance maior, de um processo

que eu quero saber

projeto de jovens negros do Curuzu, “entriba-

de “reafricanização” de jovens negros baianos.

é o mundo negro

dos na Zorra” (*), tornou-se realidade.

Em meados dos anos setenta, é possível no-

que vamos mostrar pra você

tencial e histórica: jovens negros buscam uma

Somos crioulo doido

nova postura do “Ser negro”. Desinibindo-se,

somos bem legal

criando ou recriando estética e culturalmente,

temos cabelo duro

inovando. Um inovar que se manifesta: no ver,

somos black power

tar uma nova realidade, ao mesmo tempo exis-

O trajeto de vinte e um anos mostra que o

(*) A Zorra foi um grupo de jovens do Curuzu que promovia atividades culturais e recreativas. Este grupo deu origem à diretoria do IIê Aiyê.

O Espaço do Ilê Aiyê

no dizer, no ouvir, no cantar, no rimar, no vestir, no gesticular, no fazer. Em última análise, ino-

Branco se você soubesse

var na elaboração do construir o “Eu sou e daí?”.

o valor que preto tem

O Ilê Aiyê nasce como construção social,

Pela primeira vez, contrariando padrões

tu tomava banho de piche

como resposta de “jovens negros de bata-

secularmente estabelecidos, ousou–se dizer a

ficava preto também

lha” (trampo), que gostavam de se divertir

var, com Caetano Veloso, “...os negros começa-

Eu não te ensino minha malandragem

ram a delinear a cara de Salvador e a afirmar

nem tampouco minha filosofia

que, com sua maioria populacional, sua cultu-

quem dá luz a cego

como a reivindicação do lazer. Em segundo, a

ra não pode ser admitida apenas ao nível do já

é bengala branca

ideia da “Zorra” era, em fazendo um bloco “só

cristalizado, como capoeira, maculelê etc.”. Em

e Santa Luzia

de negros”’, aproveitar o “brincar” para fazer

verdade, os anos setenta trazem à luz que na rea-

(Ilê Aiyê, de Paulinho Camafeu)

“Bahia é negra” e, mais ainda, foi possível obser-

e que tinham acesso a formas de lazer dos

lidade cultural de Salvador, mesmo nos limites

A entidade aparece em primeiro lugar,

política e cultura. Que política? Que cultura? Política de “mostrar o que é ser negro” e “trans-

traçados pela estrutura dominada racista, na

O Bloco que surge na esteira da formação

sua condição de dominada, mas resistente, a po-

dos Estados Nacionais Africanos, da luta pe-

34

“de qualidade”.

formar negrinhos em negão”. Cultura? “A da Senzala, que a Casa Grande diz que não tem”.


Partindo dos referenciais da “cultura de

A afirmação da “consciência de ser ne-

Quando a Zorra criou a vertente baiana

casa”, “brigar, brincando”, para afirmar uma

gro” é o alicerce da formação do espaço Ilê.

do black, fez a transição no Brasil – do black

(re)visão do Eu negro, para si mesmo e para

E a consciência de “ser negro”, passaria por

para o afro – propôs um novo tipo de com-

os “tinta fraca”.

uma busca de historicidade para definir

prometimento. A turma “que sabia o que

A construção social da entidade se faz

identidade e de (re)descoberta e valorização

queria”, “os cabeças feita” propunham uma

através de uma prática de busca: primei-

do “jeito negro de ser”. O Ilê inova a partir

demonstração efetiva e continuada de que o

ro, daqueles que se sentem negros; depois

do antigo para elaborar o Eu sou... O invocar

“mundo negro existia”, na sociedade baiana

dos que precisam saber que são negros; em

é expressado no vestir, no pentear, no “ver o

que se pensava branca.

seguida dos que necessitam de um “empur-

mundo” (branco e negro), no rezar, no dizer,

rãozinho” para saber o “nível de melanina”.

no gesticular, no fazer.

O Ilê, quando faz da “Senzala do Barro Preto” o “piso da negritude”, inaugura um

Embora se possa pensar que a construção é

Toda essa invocação passa pela ideia do

“espaço socialmente construído” onde, com

meramente epidérmica, ela tem, subjacente-

“Eu me gostar”, apesar de trabalharem sem-

as bênçãos dos orixás – intermediados por

mente, a vinculação de uma “forma de ser”

pre no sentido de “que eu não me gosto”.

Mãe Hilda – ocorresse um trabalho político

(entendida como cultura) com o tom da pele.

educacional consciente que trabalhasse a auto-estima negra através da valorização do seu passado ancestral, da análise do seu cotidiano e estimulando um projeto transformador. Nesses 21 anos de Ilê, a “Senzala do Barro Preto” não tem feito outra coisa. As evidências estão aí para quem quiser ter olhos de enxergar...

Fundadores do Ilê A Zorra era um grupo “que sabia o que queria” e ele faz com consciência a passagem do “black” para o “afro”. O bloco foi pensado como “coisa de negro” e como nativos africanos. Portanto, do estético-lúdico ele nasce com um projeto político: a valorização do negro e 35


afirmação de identidade. Projeto que sabia-se,

gor do chicote” não encontra ressonância en-

passava pela busca de historicidade.

tre os negros felizes do Ilê Aiyê.

Em 1º de novembro de 1974 o Ilê Aiyê es-

Propondo seu trabalho político-educacio-

tava fundado, uma proposta nova para o car-

nal consciente, o lIê o faz através de seleção

naval baiano, porém, mais do que isso, dentro

temática da dança, da gestualidade, de códi-

do quadro baiano e nacional: um dado novo na

gos de linguagem. Ele permeia a transmissão

história do negro.

do passado da ancestralidade africana com

Apesar da “turma que sabe o que quer”, é

o contexto histórico-social do negro escravo

difícil admitir que Vovô, Apolônio, Macalé,

no Brasil, com o cotidiano presente do negro

Jailson, Aliomar tivessem o alcance do signi-

baiano, além de trabalhar o caráter universal

ficado que o Ilê viria a ter na comunidade do

da questão negra.

Curuzu, no plano nacional e internacional.

O Ilê retoma todas as formas expressadas

Talvez só Mãe Hilda, guardiã dos segredos

na evolução dos movimentos de renascimento

dos orixás em convivência cotidiana com Eles,

negro-africano, negro-americano ou afro-ame-

pudesse antever a trajetória cantada “nos de-

ricano, as decodifica para o contexto específico

zoito anos de glória”...

da realidade baiana, mas sem perder de vista a

Depoimentos sobre o Ilê afirmam que o

relação de identificação entre todos “os negros

que o Ilê se impôs foi apropriar-se popular-

que se querem negros”, de qualquer parte do

mente da história africana para trabalhar a

mundo, ressaltando sempre o caráter comum

construção da história do negro no Brasil. Se a

da origem ancestral.

produção acadêmica do saber historiográfico

A Diretoria do Ilê ainda hoje afirma que o

não o faz, se a escola reproduz e perpetua a

principal objetivo da organização é a “expan-

negação ao negro de sua historicidade, o Ilê

são da cultura de origem africana no Brasil”

assume o trabalho. Neste sentido, o Ilê abriu

e tem perseguido este objetivo de formas vá-

caminho para que organizações similares

rias. Além da presença marcante no carnaval,

atuassem de forma semelhante.

onde temática, fantasia, canção e danças tem

O Ilê assumido negro, se propôs a produzir conhecimento, transmitir valores, a trabalhar a auto-estima negra. Convém ressaltar que toda a atividade do Ilê deve ter a tônica do “pra cima”. A negritude “dolorosa” e de “amar36

como referência exclusiva o negro.


5. As Canções do Ilê Aiyê PASSAGEM DO ILÊ AIYÊ

ILÊ É ÍMPAR

(Luiz Bacalhau – música campeã do Festival, categoria Poesia/95)

(De Aloísio Menezes e Alberto Pita música campeã do Festival, categoria Tema/95)

Larga tudo que está fazendo Minha nação é Ilê

Sinhô e Sinhá Pois já é boca da noite

Vem pra cá crioula,

Minha epiderme é negra

Vem correndo me abraçar

Tenho vinte e um, sou maior de idade

É hora do Ilê passar

Lindo é subir o Curuzu Pois já é boca da noite

Sinhô vai limpar a moenda

Difícil é chegar na cidade.

É hora do Ilê passar

Que é pra noutro dia trabalhar

Sensual feminina com a pele divina

Sinhá tira a panela do fogo

Quem ama o Ilê

E bem faz ao ditado merecer

Que é pra não embolar o acaçá

Bota a cadeira na varanda

Aquela moça da praça, ainda espera pelo Ilê

Arruma o torço do cabelo

Começa a cantar ciranda

E continua com graça até o dia amanhecer

Sacode esta saia que está de fubá

Esquece que o dia vai raiar

3 x 7, de glória, seu nome na história

Ao longo da avenida, o coral anuncia

Resultado ímpar vinte e um

Pois já é boca da noite

Como é linda a harmonia

Ímpar é o Ilê, vinte e um fundamento de Ogum.

É hora do Ilê passar

Dos negros bonitos, a cantarolar

África, Bahia, Liberdade, Curuzu

Pois já é boca da noite

Se o fogo do Dragão

Venho do Barro Vermelho

É hora do Ilê passar.

Acendeu o cachimbo do Saci

Nem quero nem saber

Sou Ilê Aiyê, sou negro tu

Eu estou pro Ilê, como a costa está para o Marfim Ilê Vinte e Um Ilê Fundamento de Ogum llê Vinte e Um Ilê, Quilombo é Curuzu.

37


NEGRA TENTAÇÃO (Carlão e Suka)

Foi em 1974. Se lembra Pretinha? Nós dois éramos apenas namorados Apaixonados cheios de prazer

Se não fosse Ilê Aiyê

Quando eu vi o llê passar por mim

Ah, Ah, Ai, Ai ,Ai

Cantando assim:

És minha tentação negra

Que Bloco é esse?

Vem me abraçar com seu tom sutil encantar

Que Bloco é esse?

Ai, ai, ai, oi, oi, oi. Vem me apaixonar

Que Bloco é esse? Que eu quero saber, mamãe Nanã

Suinga, balança esse corpo, seu moço Não seja inibido, nessa passarela negra

Sem querer apertei a sua mão

Ilê Aiyê Curuzu

E com o peito cheio de emoção, gritei:

Tem gente que vem na paleta,

Oh! Que mundo lindo. Negro. Negro

Carona, de pé no buzu

Descobri a força e o poder

Só pra ver esse corpo transado

Comecei a desenvolver

Menina hum, hum, hum.

e daí tudo melhorou

Detalhes do tecido do Carnaval de 1995,

Ai, ai, ai, oi, oi, oi, vem me apaixonar Ai, ai, Pretinha como eu te amo Ai, ai Preta; Pretinha ai, ai.

38

concebido pelo artista J. Cunha (páginas 36, 37, 39 e 40).


ENTRE LAÇOS DA VIDA (Valmir Brito – Rui Poetta – Marcos Alafim)

No compasso da vida Tem um canto pra se libertar No Ilê Aiyê estar

Vou no pulsar da consciência

Com Ilê Aiyê eu vou

Numa nova resistência

Dá a volta por cima

Recordar é viver

Isso o tempo não pode negar

Sábado à noite no Ilê

No Ilê Aiyê estar

E entre laços e magia

Com Ilê Aiyê eu vou.

Mais amado o amor dizia De tanto prazer

Vou lembrar, mas não ficar

Na liberdade Curuzu Aiyê.

No que passou Dê a volta por cima

Ilê líder dessa região

Não sangre a ferida

Livrai-me dessa escravidão mental

Voltando a se escravizar

Faz do meu canto mundial

Transformar seu passado

Olha aí que legal.

Em poesia, diante dessa melodia O Ilê convoca o seu povo

Ilê líder dessa região

Liberal pra vencer

Livrai-me dessa escravidão mental Faz do negro fenomenal.

39


O CHARME DA LIBERDADE

ENCANTERÊ

(Adailton e Valter)

(Guiguio)

Não me pegue não

Ei não, não, não me deixe aqui

Me deixe à vontade

Me leva com você, meninos da Banderê

Deixe eu curtir o Ilê

É tão hipnotizante

O charme da Liberdade

O suingue dessa banda

Ei não não, não

Oh! minha beleza negra

Esse jeito bonito de crescer

Quem não curte não sabe

Aqui é você quem manda

Esse toque levado de suingar

O que está perdendo

Vai exalar seu charme

Miniatura tu és meu bem querer

É tanta felicidade

Para o mundo ver

Me fascina e me leva a cantar

Que o Ilê Aiyê vem trazendo

E provar que você

Ei não não, não

Dezoito anos de glória

É Deusa negra do Ilê O estudo é a glória pra você

Não são dezoito dias Nesta linda trajetória

É sábado de carnaval

O repique e o surdo é o seu prazer

No carnaval da Bahia

Que tremendo zum, zum, zum

Amanhã tu serás homem feliz

Ele está se preparando

Pois você é o futuro do Ilê

Para subir o Curuzu

Ei não não, não

Quem não aguenta chora De tanta emoção

Não se avexe menino eu sou você

Deus teve o imenso prazer

Que encanta e recanta o viver

De criar essa perfeição.

Garotada travessa vim te ver Oh meus negros bonitos da Banderê.

40


AOS DEZENOVE REMOS

ILÊ DE LUZ

(Gilson Nascimento)

(Suka)

És clarão da escuridão

Me diz que sou ridículo,

Ilê Aiyê

Nos teus olhos sou mal visto,

Sustentas teu lume no tempo

Diz até tenho má índole,

E atrairás

Mas no fundo

Paixões de mais lutar

Tu me achas bonito, lindo!

Ânsia de acender

Ilê Aiyê

Todo o acesso do negro Se em tua história confirmas

Negro é sempre vilão

Palavras e gestos eu vou

Até, meu bem, provar que não.

A trilha é um sol

É racismo meu? Não.

Crianças precisam de horizontes Se no transcurso da teima

Todo mundo é negro,

Direcionas bem mais

De verdade é tão escuro,

Que aos carnavais

Que percebo a menor claridade,

Reluz, então

E se eu tiver barreiras?

Já tens dezenove remos

Pulo, não me iludo não,

Avanças tua barca nas águas

“Com essa” de classe do mundo

Nação llê

Sou um filho do mundo,

Não há que temeres subir

Um ser vivo de luz.

As ladeiras desse mar

Ilê de luz!

Avanças tua barca nas águas Nação llê Teu mar de verdades Já podes navegar

41


NEGROS DE LUZ Edson Carvalho (Xuxu)

Eu não tenho a força só porque sou o primeiro É simplesmente por ser Ilê O quilombo dos negros de luz

Se tiver de ser!

Saudando a força de todos os quilombolas

Será assim: nós faremos Palmares de novo

Que lutaram bravamente para manter viva

Vamos escrever a nossa verdadeira história

A nossa história.

Zumbi não morreu, ele está vivo em cada um de nós

Vamos exaltar a heroína Zeferina

Será que eles não vêem?

Acotirene guerreira princesa negra

Será que eles não ouvem o nosso

Negra Dandara rainha da beleza

grito de liberdade

Ganga Zumba outro nosso grande líder

Valeu Zumbi!

A todo povo que a raça negra fez valer Esse quilombo que hoje completa 15 anos

Rei Zumbi d’Angola Nadjanga rei rei Zumbi

Ao líder quilombola Vovô do Ilê Aiyê

Rei Zumbi d’Angola Nadjanga rei rei Zumbi

A epopeia negra hoje é narrada

Madeira o, o, o.

E vai cantando o coral negro Ilê Aiyê

Madeira o, o, o.

42


SEPARATISMO NÃO

NEGRA SINFONIA

CANTO SIDERAL

(Caj CarIão)

(Buziga)

Julinho Leite e Eloi Estrela

Zumbi

Eu que vi você nascer

Hoje proeminente sua cultura

Encarna no Ilê

Crescer e ser Ilê Aiyê

Lapidados ao canto sideral

E luta para esse povo ver

Hoje adulto eu sei você é coberto de axé

Oriundo de força e formosura

Lutar

Quando o Ilê passa

Dessa raça viril e colossal

Se elege Zumbi

Agita a massa com suas canções nagô

O tradutor de Obá

E o estridente som do tambor do Ilê Aiyê

Onde traz toda graça e poesia Quando toda Bahia vem me ver

Ilê Ilê Foi naquela terra Serra da Barriga

No gingado reflete a fantasia

Ilê

Onde ele viveu

Oh meu caudilho negro Ilê Aiyê

Cresce, o seu poder é muito

Onde o rei Zumbi se escondeu

Cante pra me ver

Evolva essa força

Em Palmares

Unifique essa coragem

E em grande água

Gana, Zambézia e Congo

Separatismo não

Em terra canoa o negro navegou

Guiné Angola

O egocentrismo não tece a união

Vindo em nossa direção era escravidão

Tanzânia e Mali Zaire, Zimbabuê saudam a

Não espalha a nobreza Aparta os corações

Para ser força motora de um país colônia

Mãe Áfrjca... África

Chamado Brasil Uá todila ji mujibé

Cem anos sem abolição

Ê Zumbi Gangazumba Dandá

Uo só ua-di-muka

Lê lê lê lê

A beldade da negra Dandara

Udia-ngoé lumoxé

Ê kosi obá kan

Grande Acotirene Dandá

Ganga Zumbi a ecoar.

Afin Olorum

Oh minha linda mãe preta Dandara

Ê Ilê Aiyê odara.

Cante pra me ver

43


Referências bibliográficas ANÁLISE E DADOS. O NEGRO, da CEI: “O Olhar Negro”de Pierre Verger; “Mãe SteIa: Sacerdotisa e Guardiã do Candomblé na Bahia” (Entrevista), e outros artigos. vol. 3, nº 4, Salvador, março/1994. BRAGA, Júlio. Sociedade Protetora dos Desvalidos – Uma Irmandade de Cor; Salvador, lanamá, 1987. BACELAR, Jeferson. “A Frente Negra de Salvador”; in A luta na Liberdade: Negros e Brancos em Salvador – 1889 – 1950, Salvador, 1994. CARNEIRO, Edson. Candomblé da Bahia; Ediouro, s/d. FREITAS, Décio. Palmares, a guerra dos escravos; São Paulo, 3ª edição, Rio de Janeiro, 1978. ILÊ AIYÊ. “Uma Nação Africana Chamada Bahia”; Salvador, 1993. MOURA, Clóvis. Sociologia do Negro Brasileiro; São Paulo, Ed. Ática, 1988. NERY, Eugênia Lúcia V. A “Territorialização de um espaço negro em Salvador: A “Senzala do Barro Preto”; Salvador, 1993. ________________ A “Africanitude” Baiana: Uma (re)construção historiográfica; Salvador, 1993. SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi; São Paulo, Ed. Moderna, 1992. 44




Projeto de Extensão Pedagógica Caderno de Educação do Ilê Aiyê

“Do Ilê Axé Jitolú para o mundo. Ah se não fosse o Ilê Aiyê!”

47



Sumário Caro(a) Compositor(a)

49

Ilê Axé Jitolu – Mãe Hilda Jitolu – Ilê Aiyê Do Curuzu

50

Histórico da Fundação

52

Os Temas do Ilê

55

Os Ensaios / A Quadra

57

Rainha do Ilê / Festa da Beleza Negra

58

Os Mestres de Bateria

59

Ilê Aiyê – Muito mais que um Bloco Afro

60

Ah! Se não fosse o Ilê Aiyê

63


Associação Cultural

Projeto de Extensão Pedagógica

Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê

Caderno de Educação do Ilê Aiyê

Sede: Rua do Curuzu, 228 – Liberdade

Vol. XX - “Do Ilê Axé Jitolú para o mundo.

CEP: 40365-000 – Salvador – Bahia

Ah se não fosse o Ilê Aiyê!”

Telefone: (71) 2103 3400 Telefax : (71) 2103 3400

Pesquisa:

Site : www.ileaiye.org.br

Maria de Lourdes Siqueira

E-mail: ileaiye@ileaiye.org.br Colaboração: Diretoria

Sandro Teles

Hilda Dias dos Santos (Mãe Hilda) (in memorian) Antonio Carlos dos Santos Vovô - Presidente

Ilustrações:

Aliomar de Jesus Almeida - Vice Presidente

Mundão

Fernando Ferreira de Andrade Filho Dário da Páscoa Jônatas Conceição da Silva (in memorian) Hildete Valdevina dos Santos Lima Edson Tobias de Matos Wilson Batista dos Santos Osvalrízio do Espírito Santo Paulo Raimundo F. Bonfim (in memorian) Edmilson Lopes das Neves Roberto dos Santos Rodrigues Oduvaldo de Jesus Santos (in memorian) Arany Santana Neves Santos Elizete Matos dos Santos José Carlos dos Santos Vivaldo Benvindo dos Santos Paulo Cezar da Costa Cerqueira Maria de Lourdes Siqueira


Caro(a) Compositor(a): Estamos lhe fornecendo o material de pes-

“antes os negros só serviam para carregar

e jovens do Ilê Aiyê, no Curuzu-Liberdade.

quisa do nosso tema para o Carnaval de 2014:

alegorias”. O Ilê Aiyê surge dentro do Ilê Axé

Este processo educativo começou com aulas

Do Ilê Axé Jitolu para o mundo. A h! Se não

Jitolu, com as bênçãos da Yalorixá Hilda Ji-

de percussão para meninos como forma de en-

fosse o Ilê Aiyê.

tolu, com a intenção de mudar o paradigma

volvê-los em uma atividade lúdica e, ao mes-

A intenção do Ilê Aiyê é contar e cantar a

do carnaval de Salvador. Ao longo dos seus

mo tempo, propiciar-lhes o acesso ao mundo

história do carnaval baiano antes da criação

40 anos, abordou vários assuntos ligados à

da cultura negra produzido pelo Ilê Aiyê.

do bloco, os desdobramentos que ocorreram

temática negra, nos seus temas de carnaval.

Em 1997 foi criada a Escola Profissiona-

com a criação do bloco e os frutos advindos

Temáticas que nunca estiveram contidas

lizante do Ilê Aiyê que faz parte da estraté-

desse importante fato histórico. Vamos abor-

nos currículos escolares do Brasil. Assim,

gia da Entidade de consolidar o seu projeto

dar o contexto histórico em que o bloco foi

de 1976 a 1988 todos os temas do Ilê contaram

de autossustentação.

criado, os motivos que levaram a união da-

parte da história do continente negro, como

queles jovens do bairro da Liberdade a fun-

por exemplos:

A Criação do Ilê Aiyê, em meados da década de setenta, desencadeou a criação de

dar o sucesso que hoje é o Ilê Aiyê. Um grupo

Watusi, em 1976; Zimbábue, em 1981; An-

outros blocos afro, o que mudou a configu-

de jovens que, imersos no mundo da cultura

gola, na comemoração dos seus 10 anos, em

ração do carnaval de Salvador a partir da

negra tradicional na Bahia – os candomblés

1984 e Senegal, em 1988.

década de oitenta.

e sambas – moradores de um bairro popular

A partir do final da década de oitenta, o

O seu trabalho é de fundamental impor-

e majoritariamente negro apropriadamente

bloco começa a voltar-se para a questão edu-

tância para o Ilê Aiyê que desde a sua funda-

chamado Liberdade, seduzidos pela “onda

cacional. Sobre influência da Yalorixá Hilda

ção tem como objetivo narrar histórias do

soul” que atravessou o país empolgando a

Jitolu, é criado, dentro do seu Ilê Axé Jitolu, a

povo negro, para que através da consciência

juventude negra no final dos anos 70, ins-

Escola Mãe Hilda. As práticas educacionais

e educação conheçamos a verdadeira história.

pirados pelas lutas globais de emancipação

existente na Escola Mãe Hilda, desde 1988 se

Desejamos a todos e todas boas músicas

racial; resolvem formar um bloco só com

torna o foco principal da Lei 10.639/03, pro-

e mais um bom Festival de Música Negra do

negros, o “Ilê Aiyê”, mundo negro numa

mulgada pelo Presidente Lula e que obriga a

Ilê Aiyê que ocorrerá nos meses de outubro,

tradução livre. Este ato inaugural é o ponto

inclusão das histórias de lutas e resistências

novembro e dezembro.

de partida para o início das interpretações

povo negro no currículo escolar.

sobre as mudanças na identidade negra e

Em 1992 o bloco criou a Banda Erê, a prin-

nas relações raciais. Como costumo dizer,

cipal ação educativa voltada para as crianças

Axé, Antonio Carlos dos Santos Vovô 51


Ilê Axé Jitolu – Mãe Hilda Jitolu – Ilê Aiyê Do Curuzu

Em 1942 Mãe Hilda se torna yaô iniciada Manoel Lima, que lhe confere a sua digina de

“… Mãe Preta, 30 anos de fé Dos quais destinados Ao culto do candomblé…”

origem do Gêge Mahi. Em 1952 nasce um novo

Mãe Preta, de Jailson e Apolônio

pelo seu Pai de Santo, o Babalorixá Cassiano

Egbé na Bahia: o ILÊ AXÉ JITOLU. Filha de Obaluayê e Oxum, ela vem do gege

Breves Antecedentes para Relembrar

“Daí segui minha estrada” – Hilda Jitolú

Mãe Hilda Jitolú – Guardiã da Fé e da Tradição

A família, o Egbé, cresceu entre seus filhos

entre nagôs, bantus, zulus, fulas, cabindas, man-

Africana. Eterna guardiã e líder espiritual

e filhas biológicos e espirituais, que seguem a

dingas, wolofs, serres, minas, ashantis, entre

do Ilê Aiyê.

religião da então Iyá, e pouco a pouco vão se tor-

tantas outras nações, regiões, culturas e civili-

nando filhos e filhas de Santos Ogans e Ekedes,

zações africanas, do Continente e da diáspora.

e do nagô. Ela é do Daomé e da Nigéria, com suas nações que aqui no Brasil e na Bahia interagem,

“… Yá Hilda Jitolu, Obaluaê Meu candomblé, meu tripé Minha Mãe Hilda adupé…” Comando Doce, de Juracy Tavares e Ulisses Castro

dando continuidade à história e memórias, de ações religiosas, culturais e educacionais que aí se desenvolvem.

A força do Ilê Axé Jitolu ao Ilê Aiyê

Essa história tem suas raízes desde longos tempos, partindo do tradicional Terreiro Cacun-

Esta é a origem do Ilê Axé Jitolu

Em 1923 nasce uma liderança sócio-cultural-

da de Yayá, de onde após a partida do seu Babalo-

Uma fonte de Educação, Cultura, Religião e

religiosa predestinada, a um especial lugar no

rixá Sr. Cassiano Manoel Lima, ela se torna filha

Cidadania;

mundo. Ela fez história, preservou culturas,

religiosa da Yalorixá Constância, Mãe Tança.

Uma mina de Axé que vai se preparando na

educou gerações: Hilda Dias dos Santos Jitolu,

A então Yalorixá Hilda Jitolu, sempre foi

luta cotidiana;

Mãe Hilda, senhora de saberes, senhora de Ilês.

uma filha e irmã querida, trocando obrigações,

Um nascente;

Em 1950, ela casou-se com Waldemar

visitas, bênçãos, amizade, experiência e fun-

Uma casa geradora, criadora;

Benvindo dos Santos, dessa união nasceram

damentos religiosos entre mitos e rituais com

Uma casa de cultura negra;

cinco filhos: Antonio Carlos Vovô, Hildete

sua família de origem.

Um semeador de vidas, da palavra sagrada,

Valdevina – Dete Lima, Vivaldo Benvindo;

É nesse contexto de sabedoria, acolhimen-

de expressões de fé, entre mitos e rituais, que

Hildemaria Georgina, Hildelice Benta – todos

to, lições de vida e religiosidade, que se forta-

por sua vez, alimentam, fortalecem, recriam

dos Santos, por nascimento e por escolha da

lecem as interações entre Mãe Hilda e seus

processos educacionais, manifestações cultu-

região do candomblé.

antepassados e ancestrais.

rais, e momentos de louvor a quem deve ser louvado, sob a benção e proteção, dos Orixás, Inquinces, Voduns e Caboclos.

52


Do Ilê Axé Jitolu nasce o Ilê Aiyê e transcende para o mundo “… Foi em 1974, se lembra pretinha Nós dois éramos apenas namorados Apaixonados, cheio de prazer Quando vi o Ilê passar por mim Cantando assim, que bloco é esse…” Tentação Negra, de Caj Carlão e Suka

É dessa força e dessa energia vital do ILÊ, AXÉ JITOLU que nasce na Bahia, e transcende para mundo, o Ilê Aiyê em 1974, por iniciativa e liderança de Antonio Carlos dos Santos Vovô, e Apolônio de Jesus – Popó, com o reconhecido grupo de jovens negros do Curuzu. O Axé Jitolu e o Ilê Aiyê sob o comando, inspiração e poderes espirituais de Mãe Hilda, crescem, se ampliam, revigoram esperanças, e ultrapassam horizontes, tornam-se um porto de abrigo, um verdadeiro ancoradouro para milhares de pessoas na Bahia, no país e em alguns espaços no mundo, por onde o Ilê vai passando em diferentes continentes; Africano, Asiático, europeu, americano do norte, sul, Tecido comemorativo de 40 anos do Ilê Aiyê, concebido pelo artista plástico Mundão em 2014.

central, Caribe e Antilhas; Tudo começou do Ilê Axé Jitolu para o Mundo. O Carnaval, desde 1975, parte do Terreiro de Mãe Hilda, o Ilê Axé Jitolu.

53


“Era um dia de domingo, eu mais Apolônio

cia em 1975. Eles fizeram uma espécie de “segu-

blocos de inspiração orientalista como o fa-

sentamos no largo, voltando de Itapuã,

rança particular”. A fama do pessoal da linha

moso “Mercadores de Bagdá” e “Cavaleiros de

ficamos conversando, aí surgiu a idéia de

8, era de não agredir, mas também não levar

Bagdá” entre outros. Haviam ainda os chama-

fazer um bloco e foi a primeira vez que surgiu

desaforo para casa nesse carnaval. A primeira

dos blocos de embalo de inserção territorial

esse termo afro, bloco-afro. Toda a influência

vez que se cantou “Que bloco é esse?” Para que

em determinados bairros como o “Barroqui-

com a questão do black, da música black, do

toda cidade soubesse, que era o Ilê Aiyê, hoje

nha Zero Hora”, “Barrabas” da Liberdade, os

movimento negro americano, da forma de se

sua passagem pelo circuito principal da maior

“Miseráveis” da Cidade Baixa, etc. Além disso,

vestir e tudo isso. E nós descemos, eu desci,

festa da cidade é ansiada, valorizada, elogiada.

despontavam as escolas-de-samba, como os

conversei com Mãe, ela achou a idéia legal.

Salvador. 24.02.2001.

“Ritmistas do Samba” da rua da Preguiça, A

Era final de outubro, começamos a espa-

“Juventude do Garcia”, originária da antiga ba-

lhar a idéia. Aí surgiu o nome. Aí já se voltou

tucada “Filhos do Garcia”. Em 1963, surgem os

tudo para a África, um nome africano. Fize-

Histórico da Fundação

mos uma enquete. O pessoal sempre votando Ilê Aiyê… Aí começou a se pensar em ensaio,

descendentes do cordão carnavalesco “Filhos

deria, começaram a surgir as primeiras mu-

“… Eu sou Ilê, sou Ilê Aiyê Um instrumento da raça Eu sou negro cultura, sou Ilê Aiyê…”

sicas. Lio fazia a música na época. Lio cantava

Instrumento da Raça, de Aroldo Medeiros

instrumento. Os ensaios lá em cima na lavan-

também. Apolônio fez musica também. Buziga apareceu. Paulinho Camafeu quando soube do bloco, aí veio aqui, e fez essa música, uma das três músicas (a gente fazia musica na hora)

“Amigos do Politeama” e os “Filhos do Tororó”,

Mas como era o Carnaval de Salvador antes da criação do Ilê Aiyê?

do Tororó”. Todas estas organizações seguiam convivendo com os tradicionais afoxés e mais uma infinidade de entidades carnavalescas.

“Sorrindo da vida mais linda Vocês tem que ver Os crioulos felizes do bloco Ilê Aiyê…” Vida mais linda, de Buziga e Willians

que é esse clássico hoje, Que bloco é esse?”. (Falas do Presidente do Ilê Aiyê – Antonio Carlos

O Trio Elétrico foi criado em 1949 por Osmar

A reentrada da elite baiana na cena do

dos Santos Vovô)

Macedo e Dodô, desfilando em 1950. Esse fato

carnaval de rua enquadrou-se na esfera de

histórico abriu caminho para o desenvolvi-

lutas por redefinições de identidade de clas-

Esse é o bloco quente que você parou pra ver Ele é o mundo negro, ele é o Ilê Aiyê

mento do chamado “carnaval participação

se/raça, protagonizadas pelo surgimento dos

moderno” em Salvador. Nessa mesma época,

chamados blocos de “barão” – ou de classe

Bloco quente, de Apolônio

surgem outras organizações no carnaval, a

média branca – como “Os Internacionais”,

exemplo do Afoxé Filhos de Gandhi, fundado

“Os Lords” e “Os Corujas”. O primeiro destes

O diretor Vivaldo dos Santos narrou aos

em 1949, que se tornou uma marca da resistên-

blocos de “barão” teria sido “Os Fantasmas”

jornalistas sobre a presença ostensiva da polí-

cia negra no carnaval. Nesse período havia

fundado em 1957 por moradores do bairro do

54


Barbalho. De dissidências deste surgiram “Os

volvimento dos grupos chamados blocos-

Em 1º de novembro de 1974, o Ilê é fundado

Internacionais”, em 1961 e “Os Corujas”, em

afro tem sua origem no Bairro da Liberdade

e tem como (espaço físico) o Terreiro de

1962, que se consolidaram como os principais

e adjacências. Um grupo de jovens formou o

Candomblé Ilê Axé Jitolu, casa de Mãe Hilda

blocos da elite até o surgimento dos blocos de

chamado Zorra Produções, que organizava

e Vovô, dois dos fundadores, junto com

trio nos anos 80.

passeios, campeonatos de futebol e festas. O

Apolônio, Jailson, Dete, Lili, Macalé, Ana

Além de toda esta variedade, a partir do

grupo começou no Ilê Axé Jitolu influenciado

Meira, Auxiliadora, Sergio Roberto, Aliomar,

final dos anos 60 passaram a existir também

pelo Movimento Afro Americano e pelos pro-

Vivaldo e Eliete.

os blocos de índio, que seriam fundamentais

cessos de independência dos países africanos.

O objetivo desses jovens negros, mora-

para a reafricanização, agregando grande

Esses jovens negros elegem a arena do

dores do Curuzu/Liberdade e adjacências,

massa de jovens negros de origem popular.

carnaval como espaço de declinação de um

estudantes, trabalhadores, era se divertirem

Estes blocos de índio tinham uma filiação di-

discurso determinado que fez eco evidente às

no carnaval, com uma proposta de bloco que

reta com as escolas de samba. Integrantes da

reivindicações por justiça presentes no ma-

valorizasse as suas culturas e exaltasse a

“Juventude do Garcia”, por exemplo, passa-

nifesto do “Embaixada Africana” de 1897. O

mãe África. Inicialmente o nome do bloco

ram a constituir a partir de 1966 o “Cacique

Bloco Carnavalesco Ilê Aiyê surge na esteira

era ”PODER NEGRO”, mas como o país vivia

do Garcia”, primeiro bloco de índio de Salva-

da formação dos Estados Nacionais Africa-

na ocasião (1974) um regime de Ditadura Mi-

dor, assim com os “Filhos do Tororó” vieram

nos, da luta pelos direitos civis dos negros

litar, a Polícia Federal, após algumas horas

a constituir os “Apaches do Tororó”.

norte-americanos, da “onda” do “Black Rio” e

de interrogatório e pressão psicológica, obri-

Nos anos 1970, os clubes carnavalescos

é o responsável por um novo “renascimento”

garam os jovens a trocar o nome, a fim de que

não permitiam a entrada de jovens negros,

negro-baiano. Investidos de um discurso emi-

o Bloco fosse inscrito registrado e liberado

não de maneira declaradamente racista,

nentemente político contra a discriminação

para sair no carnaval.

mas utilizando a barreira determinada pe-

racial, eles saem às ruas no carnaval de 1975,

O Ilê Aiyê fez a sua primeira aparição em

los preços altos que os jovens negros pobres

com o propósito de mostrar a cultura negra

fevereiro de 1975, no tradicional circuito do

não podiam pagar. Quando começam as mu-

de origem africana, através da língua iorubá,

Carnaval da Bahia (Campo Grande x Praça

danças na estrutura econômica e social com a

indumentárias, penteados, adornos e ritmos

da Sé) sob olhares assustados, vaias, tímidos

construção do Centro Industrial de Camaçari,

africanos fazendo política e cultura no carna-

aplausos e um aparato policial. Os quase cen-

isso resultou numa melhoria das condições

val, política de ensinar o que era ser negro.

to e cinqüenta jovens negros cantavam uma

de vida da população. Então, jovens com melhores condições procuravam estes clubes e

língua “embolada”, dançavam uma dança até

“Kain osé emim, vou descer de Ilê E para quem não se ligar mogba olorum babá…”

então proibida (ijexá) usavam tecidos estam-

a entrada lhes era negada. Um bom exemplo foi o de Fernando Andrade, que teve negada

Kain osé emim, de Heron

com penteados assustadores!

pados amarrados ao corpo e cabelos naturais

a sua entrada no Bloco “Os Lords”. O desen55


“… Que bloco é esse? Eu quero saber É o mundo negro, que viemos mostrar para vocês. Somos crioulo doido, somos bem legal…! Temos cabelo duro… Somos Black Pau!… Que bloco é esse, de Paulinho Camafeu

“… Todo mundo se envolveu na idéia. Lili vinha fazer inscrição, Auxiliadora, a namorada de Apolônio, Dete aqui do Curuzu, todo mundo se envolveu, começou a vir gente de fora da Liberdade. Depois eu mais Apolônio partimos para convidar os Diretores. Lio mesmo, não andava com a gente, ele veio por causa do bloco,

Mas, na Quarta-feira de Cinzas, o princi-

quem andava com a gente era Ademário, o ir-

pal jornal da cidade, o jornal A Tarde, exibiu

mão dele. Nós chamamos Jailson, convidamos

a seguinte manchete: “… Uma mancha negra

Macalé, Ana Meire, Eliete, Vivaldo, Roberto.

no Carnaval da Bahia… uma nota dissonante

(Antonio Carlos Vovô)

no carnaval...”. A partir desta data, nunca mais Salvador pôde esconder a sua população majoritariamente negra no Carnaval. O

Os carros alegóricos do Ilê Aiyê

vermelho, o amarelo, o preto e o branco passaram a fazer parte do figurino da blacki-

Visando dar um destaque especial ao Tema e

tude baiana. O Ilê impôs uma nova estética,

a Rainha do Bloco, o Ilê Aiye criou carros ale-

abraçada por homens, mulheres e crianças.

góricos que ficaram para sempre na memória

Imprimiu um novo jeito de ser negro,

dos foliões. Quem não se lembra dos carros

mudou o ritmo, o tom e a cor dessa cidade

das Rainhas do Ilê nas décadas de setenta e

de São Salvador.

oitenta? Eram verdadeiras obras de arte feitas por Raimundo Carvalho conhecido como

“… Nós conseguimos reunir uma média de

“Mundinho” e o saudoso Nilton, imbatíveis nas

cem pessoas fundadores do Ilê Aiyê. Muita

suas criações: “O Navio Negreiro”, “A Cabaça”

gente ficou com medo de sair por causa

e o “Opaxorô”.

da Ditadura. Mas a musicalidade, desde o início alavancou o Ilê, chamava-se samba de quadra”. (Antonio Carlos Vovô)

56


Os Temas do Ilê

religiões de matriz africana. Afinal, a maior herança do Ilê Aiyê era ser filho do Ilê Axé

“… Saudando Sonho dos Palmares O Ilê Aiyê se revelou…”.

Jitolu de onde o Bloco as assimilou: valores,

Sonho de Palmares, de Ary e Evilásio

os adereços, o estilo e o respeito ao sagrado.

princípios, o toque, as cores, a indumentária, Anos depois da fundação do Ilê, criou-se

O primeiro ano de desfile do Ilê Aiyê,

uma nova categoria além do samba tema, que

fevereiro de 1975, uma das maiores preocu-

foi o samba poesia, onde o compositor podia

pações dos seus idealizadores, fundadores

se expressar livremente, desenvolvendo con-

do Bloco, era a divulgação do nome, seu sig-

teúdos musicais de protesto, de elevação da es-

nificado, sua mensagem, seus objetivos, sua

tima de homens e mulheres, da cidadania, etc.

afirmação, chamando atenção da população para aderirem àquele novo chamamento: __

1975 Ilê Aiyê

“O grito da raça”! E o desejo de atrair adep-

1976 Watutsi

tos e chamar a atenção era tão grande que os

1977 Alto volta

próprios dirigentes se tornavam, naquele

1978 Congo – Zaire

momento, grandes compositores a exemplo

1979 Rwanda

de Aliomar, Jailson e Apolônio.

1980 Camerun

Atrair adeptos para essa grande causa tinha como apelo principal a MÚSICA.

1981 Zimbabwe 1982 Mali – Dogons 1983 Ghana – Ashanti

“Aquela moça… que tá na praça… tá esperando, o bloco da raça… quem é ele… vou lhe dizer…”

1984 Angola

Aquela Moça, de Nego Tica

1988 Senegal

1985 Daomé 1986 Congo 1987 Nigéria 1989 Palmares

As músicas tema do Ilê Aiyê obrigatoria-

1990 Costa do Marfim

mente tinham um refrão em Yorubá, uma

1991 Revolta dos búzios

marca registrada do bloco, indicativo de uma

1992 Azânia

forte relação dos seus compositores com as

1993 América negra o sonho africano 57


1994 Uma nação africana chamada Bahia

cação de massa” contando a nossa verdadeira

1997 Pérolas negras do saber

“…Cada pedaço de chão Cada pedra fincada Um pedaço de mim Ilê Aiyê, o povo bantu ajudou construir o Brasil…”

1998 Guiné Conakry

Heranças Bantu, de Paulo Vaz e Cissa

e heroínas e lideranças do passado e da con-

1995 Organização de resistência negra 1996 A civilização Bantu

1999 A força das raízes africanas 2000 Terra de Quilombo

história e elevando a nossa estima, resgatando os nossos valores, exaltando as religiões de matriz africana, elegendo os nossos heróis temporaneidade. Para eles a nossa gratidão,

Os festivais representavam tudo para o blo-

agradecimento profundo e reconhecimento

2001 África ventre fértil do mundo

co, pois nele além da música que conduziria os

pelo grande trabalho realizado em prol da afir-

2002 Malês – A Revolução

foliões às ruas no Carnaval, reunia os composi-

mação da identidade do nosso povo.

2003 A rota dos tambores no maranhão

tores que tinham a oportunidade de expressar

Expressões como “Barro Preto”, “Coral Ne-

2004 Mãe Hilda Jitolu guardiã da fé e da

os seus sentimentos africanistas. Os intérpretes

gro”, dentre outras, foram criadas por César

tradição africana

fizeram escola na área, um jeito muito especial

Maravilha. O Ilê Aiyê homenageia todos os

2005 Moçambique vutlare (o saber)

de cantar nunca antes visto; todos queriam que

compositores na pessoa do grande César Ma-

2006 O negro e o poder “Se o poder é bom, eu

a sua música fosse cantada, por isso os Festivais

ravilha, com o nome do troféu do Festival de

também quero o poder”

do Ilê eram muito concorridos e festejados com

Música, o Pássaro Preto, o cantador, como pro-

2007 Abidjan – Abuja – Harare – Dakar –

fogos de artifício, panfletos com as letras das

va da referência e importância que ele e todos

Ah! Salvador se você fosse assim…

músicas e torcidas organizadas. Tudo isso pro-

os compositores tiveram na história do bloco.

2008 Candaces - As Rainhas do Império Méroe

duzido pelos próprios compositores e cantores

2009 Esmeraldas a Pérola Negra do Equador

das músicas concorrentes.

“…Para aqueles que nos criticam por despeito Façam como nós Procurem alguma coisa inventar…”

A importância dos Compositores na história do Ilê Aiyê

Ilê Ilimitado, de Edy Fran

alguns desses poetas do passado e do presente:

Ilê nos seus primeiros anos, além dos ensaios

“… Se me perguntar de que origem eu sou Sou de origem africana Eu sou com muito orgulho, eu sou…”

no Barro Preto, eram os festivais de músicas,

Minha origem, Vicente de Paulo

Fernandes, Mundão, Geraldo Lima, Buziga,

2010 Pernambuco uma nação africana 2011 Minas Gerais – Símbolo de Resistência Negra 2012 Negros do sul. Lá também tem! 2013 Guiné Equatorial – Da herança précolonial a geração atual Umas das ações mais fortes e concorridas do

A seguir uma relação com os nomes de

os quais estavam diretamente ligados aos temas daquele ano.

58

Aliomar (Lio), Jailson, Apolônio, Jorjão Bafafé, Paulinho do Reco, Cesar Maravilha, Nilton Ademário, Môa do Catendê, Beto Jamaica,

Foram os compositores os maiores escrito-

Miltão, Haroldo Medeiros, Valfredo Reluzente,

res, poetas e historiadores que fizeram “edu-

Milton Boquinha, Julinho Leite, Valter


Farias, Suka, Cuiúba, Edifran, Edson Xuxu,

Os diretores fundadores, amigos próximos,

No início, os ensaios aconteciam no Curuzu,

Valmir Brito, Cissa, Nelson Rufino, Paulinho

adeptos da causa eram os compositores. Surgem

no espaço que ficou conhecido como senzala do

Laranjeiras, Guiguio, Marcos Boa Morte,

vários cantores, que na verdade ficaram conhe-

Barro Preto, no meio da Ladeira do Curuzu. Em

Vicente de Paulo, Alberto Pita, Aloísio Menezes,

cidos como “puxadores de bloco”.

meados da década de oitenta, os ensaios passa-

Tote Gira, Marito Lima, Nem Tatuagem,

Eram personagens, verdadeiros atores que

ram a acontecer no Forte Santo Antonio Além do

Itamar Tropicália, Adailton Poesia, Genivaldo

tinham a capacidade de cantar, conduzir o bloco

Carmo, foi lá, em pleno ensaio do Ilê, que foi gra-

Evangelista, Cláudio do Reggae, Guza, Eloi

com animação, conduzir a massa, a bateria, sau-

vado o Canto Negro I, o primeiro LP de música

Estrela, Gilson Nascimento, Zenilton Ferraz,

dar a todos e incansavelmente sozinho, fizeram

afro, em 1985. No final da década de 90, o Ilê Aiyê

Jose Carlos Cabelo, Guellwar, Odé Rufino, De

uma revolução no Carnaval da Bahia. A música

volta para o Curuzu, realizando seus ensaios

Neve, Reizinho, Gibi e Paulo Vaz.

de Gerônimo, apesar de ser de uma época poste-

que eram considerados verdadeiras festas de

rior, retrata bem essa situação. “Eu sou Negão”,

largo. Em 27 de novembro de 2003, é inaugurado

“Meu coração… é a liberdade… Sou do Curuzu…”.

o Centro Cultural Senzala do Barro Preto, local

Os Ensaios / A Quadra

onde acontecem os ensaios do bloco atualmente.

“… O negrume da noite reluziu o dia O perfil azeviche que a negritude criou…”

“… Meu filho onde você estava Já passou da zero hora Você vem chegando agora…”

Negrume da noite, Paulinho do Reco

Pai e Filho, Valfredo Reluzente

mento do Ilê Aiyê houve uma revolução, as mú-

Nos três a cinco primeiros anos do surgisicas produzidas pelo Ilê eram cantadas com

Vale um destaque muito especial, aos en-

o corpo, alma e o coração – elas traduziam a

saios do Ilê Aiyê. Era o espaço de aglomeração

nossa história – nosso canto era o grito de uma

da população negra, espaço de encontro de

raça e o nosso corpo traduzia tudo isso através

confraternização. Era o espaço da alegria pelo

da dança e coreografias que surgiam a cada ano

reencontro, do falar livre, dos falares e trocas de

nas “quadras” dos blocos afro.

saberes, da exibição de modas, estéticas, cabelos,

Miro, César Maravilha, Heron, Lazzo

roupas, danças, gingados, criatividades, coreo-

Matumbi, Bailado, Barabadá, Beto Jamaica,

grafias. Era o espaço da liberdade de criação. E

Guiguio, Adelson, Graça Onashilê, Altair (in

era nesse clima que aconteciam os festivais onde

memórian) e Reizinho são alguns dos maiores

compositores e cantores passavam a ter visibili-

e melhores intérpretes, cantores e puxadores

dade, fama e respeito no mitiê da negrada.

de bloco de estilo próprio de todos os tempos. 59


Rainha do Ilê / Festa da Beleza Negra “… Minha crioula, vou cantar para você Que estais tão linda, no meu bloco Ilê Aiyê Com suas tranças e muita originalidade…” Deusa do Ébano, Geraldo Lima

Quando do surgimento do Ilê Aiyê na década de setenta, negro não era sinônimo de beleza, principalmente as mulheres negras que ocupavam o último degrau de uma sociedade racista e machista. Em se tratando de mulher negra, a situação ainda era (e continua sendo) mais grave. Contudo, desde o seu primeiro ano, o Ilê Aiyê, já pensava em colocar uma rainha no bloco representando a raça, visto que até então só se via e falava em Rainhas brancas, inclusive nos blocos Cruz Vermelha e Fantoches da Euterpe. Assim, em 1976, o Ilê tem a sua primeira Rainha que foi Mirinha, filha de Santo de Mãe Hilda, que muito bem representou a beleza das mulheres negras naquela ocasião. No quinto ano de fundação do Bloco, Sergio Roberto, idealizou a Noite da Beleza Negra que seria uma noite especial somente para a esco-

Arte para a divulgação

lha da Rainha. Este evento ocorreu em 1980,

da 33a Noite da Beleza Negra, em 2012,

uma festa marcante que dentre várias can-

concebida pelo artista plástico Mundão.

60


didatas foi escolhida Sandra, uma referência

bem sucedidas, professoras, outras já com

ocorreu no Carnaval da Bahia – reafricani-

na dança afro, samba duro, samba de caboclo,

mestrado, a caminho do doutorado.

zaram o Carnaval.

uma performance que revolucionou a dança

Mas, o mais importante deste concurso é

Qual seria a origem desses grandes Mes-

afro, sem ferir o sagrado. Todos se lembram até

que ele incentivou essas jovens para o estudo

tres? De onde eles vieram? Com certeza eles

hoje desta Rainha que ficou como referencia

e a pesquisa e motivou as mulheres a conquis-

vieram dos Terreiros de Candomblé, alabês,

para as Rainhas que vieram depois.

tarem o seu espaço no mercado de trabalho, na

tocadores dos 3 tambores sagrados, escolas

academia, na sociedade. Foi a maior política de

de samba, batucadas, afoxés. Oriundos dos

ação afirmativa para as mulheres negras desta

Ritmistas do Samba, Vai Levando, Bafo de

cidade. Esta festa geralmente acontece 15 dias

Onça, Apaches, Filhos da Liberdade, Caci-

antes do Carnaval.

que do Garcia, Comanches, etc. Esses velhos

“… Oh minha beleza Negra Oh minha Deusa do Ébano Cultura negra Ilê Aiyê, escrita no seu corpo nú…” Deusa do Ébano II, de Miltão

Hoje, a festa da Beleza Negra faz parte do

Mestres de Bateria são os verdadeiros inven-

Os Mestres de Bateria

calendário oficial das festas pré-carnavalescas, com repercussão nacional, atrações musicais

tores de uma batida nova, tirada do sagrado e recriada, sem ferir os princípios religiosos. Tudo que veio depois dos anos setenta, foi em consequência, do que estes gênios de percussão reinventaram. Eles deixaram uma

trinta e cinco anos de Festa da Beleza Negra, um

“… Imagina Ilê, tentaram lavar minha consciência Dizendo que nada tem a ver Com esse meu ser revolucionário…”

evento que tem como objetivo maior mostrar a

Jeito de ser, Gibi

como vimos acima, também teve uma passa-

locais e de outros estados e nos últimos quatro anos, com transmissão direta da TVE. São

beleza da mulher negra através da dança, indumentária, adereços, penteados, conhecimento da sua ancestralidade e da sua negritude.

base pronta para a criação e novas batidas, inclusive a do samba-reggae, atribuída sua invenção ao Mestre Neguinho do Samba, que gem pelo Ilê Aiyê.

Bafo, Carneiro, Neguinho do Samba, Mestre Valter, Mestre Prego, Jacó, Mestre Senac,

Passados 35 anos, temos em vários saldos

além dos mais novos Marivaldo Paim e Mario

positivo fruto deste Concurso de Beleza Ne-

Pam Rafael Andrade (in memorian) e Carlos

gra. Hoje as nossas ex-Deusas do Ébano, den-

Kehindê, fizeram história e criaram fama com

“… É tão hipnotizante, negão O swing dessa banda A minha beleza negra Aqui é você quem manda…”

tro do entendimento do Ilê, ainda são majes-

o apito na boca e a baqueta na mão, a frente

Charme da Liberdade,

tades reconhecidas e prestigiadas. Algumas

dos “batuqueiros dos blocos afro, especial-

de Adailton Poesia e Valter Farias

delas estão fora do país – Alemanha, França,

mente do Ilê Aiyê onde tudo começou. Além

Itália. Outras em outros estados. Algumas se

de ficarem famosos, se tornaram um marco,

Dois percussionistas da “velha guarda” da

tornaram empresárias e empreendedoras

uma referência na revolução rítmica que

Band’Aiyê merecem destaque: Valdir Lascada, 61


com passagem em várias entidades, dentre elas Apache do Tororó, Comanche, Secos

Outros personagens que fizeram parte da história do Ilê Aiyê

Ilê Aiyê se tornou um Centro de referência da comunidade do Curuzu/Liberdade e adjacências para solução de vários problemas,

e Molhados, Cacique do Garcia, Ritmistas, Calouros da barra, Filhos da Liberdade, Vai

Jota Cunha, artista plástico que ao longo de 25

como por exemplo, providenciar emprego

Levando, Lords, Corujas, Internacionais,

anos, foi o criador artístico-visual da identi-

aos jovens, vagas nas escolas públicas para as

Orquestra Vivaldo Conceição e Reginaldo de

dade do Ilê Aiyê, Waldeloir Rego, historiador,

crianças, até as mais graves questões sociais.

Xangô. E o grande Deri do Ilê que ainda toca

Radovan, belga que ajudou na escolha do nome

Por conta disso o Ilê Aiyê tem hoje:

com a mesma maestria de outrora.

do bloco e Edno, criador da Inebrás Som e res-

A riqueza e variedades rítmicas que ecoa-

ponsável pelos primeiros carros de som do Ilê,

vam no Carnaval de Salvador, fazia com que,

criador das orelhas dos trios, tendência que

mesmo a distância, pudéssemos identificar as

começou com o Ilê Aiyê e hoje é comum em

batidas do Muzenza, do Ilê Aiyê, do Olodum,

todos os trios elétricos.

do Araketu, da Puxada Axé e do Badauê, inconfundíveis aos ouvidos de qualquer um. Ao longo desses 40 anos, muitas coisas mudaram “batuqueiros”, “ritmistas” ou “percussionistas”, seja qual for o nome, como

Escola Mãe Hilda A Escola Mãe Hilda nasce por iniciativa de Mãe Hilda dentro dos espaços do Ilê Axé Jitolu.

Ilê Aiyê – Muito mais que um Bloco Afro

Em 1988, algumas crianças com dificuldade de aprendizado vieram à filha de Mãe Hilda pedindo aulas de reforço escolar. O resultado alcançado fez com que outras mais viessem.

os Mestres ou Maestro de Baterias (que um

Mãe Hilda, que sempre sonhou fazer de seu

dia também foram “batuqueiros”), fizeram

terreiro também um espaço de educação

uma revolução rítmica nesta cidade. A seguir

formal, conseguiu, junto ao então secretário

Ilê, Tico, Gambá, Anselmo, Jorge Ceguinho,

“… Te adoro Ilê, tenho orgulho Ilê É o mais pleno e invulgar respeito A sua trajetória tornou-se um monumento “Irreverente dessa nossa história…”.

Regi Nigrinha, Ari, Luizinho, Murumba, Val

Ilê para somar, Valmir Brito,

no barracão das festas sagradas.

Caçolão, Baiaco, Dinho Maluco, Bob Cabeça,

Armando Áras e Lavis Meneses

uma relação com os nomes dos grandes ritmistas do início da Band’Aiyê: Deri do

Eron, João Bocão, Papito, Duricão, Caveirinha,

de educação, Dr. Edvaldo Boaventura, o mobiliário necessário para atender às crianças, começando, assim, o funcionamento da escola A Escola Mãe Hilda, ao mesmo tempo homenageia a sua fundadora e incorpora à Educação

Cabeça Branca, Virgílio, Edinho Porquinho,

Antônio Carlos dos Santos Vovô, inúme-

fundamental a cultura religiosidade negra, e a

Tamanca, Deri Neguinho, Valdir Capenga,

ras vezes afirma entre amigos, em palestras e

convivência no interior de um Terreiro de Can-

Valdir Duzentos, Estivador, Calembê Mario

entrevistas que o seu maior desejo ao fundar

domblé, sob o comando de sua própria diretora

Tetetê e muitos outros.

o Ilê Aiyê, era ser apenas um carnavalesco,

Ialorixá, Mãe Hilda Jitolu, incorporando valores

nada mais. Mas, com o decorrer do tempo, o

e práticas de Candomblé no cotidiano da Escola.

62


Hoje a Escola Mãe Hilda oferece educação para os níveis Educação Infantil e Ensino

mo tempo, propiciar-lhes o acesso ao mundo da

cultural. A capacitação é realizada por edu-

cultura negra produzido pelo Ilê Aiyê.

cadores do projeto citado.

Fundamental – Ciclo I, ministrados em dois

A partir de 1995, com a criação do Projeto de

turnos, matutino e vespertino, para crianças

Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, a Banda Erê

na faixa etária de 07 a 12 anos de idade. Tem

passa a ministrar para seus alunos e alunas,

como objetivo principal formar cidadãos

conteúdos de cidadania, história, literatura,

conscientes e capazes, oferecendo conteú-

saúde corporal, percussão, dança, canto e co-

“Elevar a autoestima é a sua missão Consciência negra é a sua sina Fabricando interlocutores de cidadania Mostrando pro mundo desigual, a covardia…”

dos e habilidades necessários à inserção no

ral. A Banda Erê torna-se uma escola de arte e

Diferentes, mas iguais, de Mario Pam e Sandro Teles

ambiente social de forma digna e adota como

educação voltada para o resgate e expansão dos

eixo temático a equidade racial e de gênero.

valores culturais de origem africana.

Escola Profissionalizante do Ilê Aiyê

Nos seus 25 anos de existência, a Escola

Além de dar iniciação ao mundo da arte ne-

Mãe Hilda atendeu aproximadamente 2.000

gra às crianças e jovens, a Banda Erê é a prin-

crianças da comunidade do Curuzu e bairros

cipal fonte de renovação do quadro artístico

Ao observar a crescente dificuldade dos jovens

vizinhos como IAPI, Pero Vaz, Caixa D’Água,

da Band’Aiyê, a banda profissional do Ilê Aiyê.

em capacitar-se para o mercado de trabalho, o

São Caetano, Fazenda Grande do Retiro, Largo

A Banda Erê tem em seu currículo apre-

Ilê Aiyê resolveu ampliar suas atividades na

sentações em cidades brasileiras como Porto

área pedagógica criando uma Escola que permi-

Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, além de

tisse a estes jovens acesso a uma formação pro-

já ter realizado uma turnê internacional na

fissionalizante, de forma gratuita, e dessa forma

Alemanha e na França.

aumentando suas possibilidades de realização

do Tanque, dentre outros.

Escola de Percussão Banda Erê

pessoal e profissional. Permitindo-lhes, inclusive, o exercício profissional como autônomo.

“… Ei não, não, não me deixe aqui Me leva com você Menino da Banda Erê…”

Projeto de Extensão Pedagógica – PEP

Encanta Erê, Guiguio

Foi criado em 1995 com o objetivo de sistema-

E assim, em 1997 foi criada a Escola Profissio-

tizar e ampliar as ações educacionais que o

nalizante do Ilê Aiyê. Ela faz parte da estratégia

Exercício este que os transforma, no decorrer do tempo, em fonte geradora de empregos.

A Banda Erê é a principal ação educativa

Ilê Aiyê já realiza desde a sua fundação. Nas

da Entidade de consolidar o seu Projeto de auto-

voltada para as crianças e jovens do Ilê Aiyê,

escolas da rede pública são desenvolvidos

sustentação. Além das aulas práticas dos cursos

no Curuzu-Liberdade, cidade de Salvador. Este

cursos para professores, supervisores e

profissionalizantes e teóricas de matemática e

processo educativo começou em 1992 com au-

orientadores educacionais, sobre história e a

português são ministradas aulas de cidadania

las de percussão para meninos como forma de

cultura afro-brasileira com aprofundamento

onde a questão da história do negro e do racis-

envolvê-los em uma atividade lúdica e, ao mes-

no estudo de questões étnicas e pluralidade

mo é visualizada. A escola oferece os cursos 63


de Estética Afro e Eletricidade Predial, tendo

ção dos ancestrais, o respeito pelo ser humano,

como pré-requisitos básicos jovens na faixa etá-

pelas pessoas mais velhas, pelos que precisam

ria entre 18 e 29 anos e que estejam cursando o

de incentivo à coragem, à disposição para as lu-

ensino médio ou tê-lo concluído. As aulas são

tas, a partilha, a troca, a solidariedade, a vida

ministradas de segunda a sexta, na sede do Blo-

em comunidade.

co o Centro Cultural Senzala do Barro Preto, na Rua do Curuzu. Outros cursos oferecidos são os de confecção de calçados, bolsas e acessórios, informática, corte e costura e ajudante de cozinha.

“Se não fosse Ilê Aiyê A onda onde mergulhamos e trocamos beijos O que seria de mim o que seria de você…” Romance do Ilê, de Tote Gira

Os valores que orientam as lições de vida do Ilê Aiyê “… A esperança do povo Que vivesse num mundo melhor Liberdade, igualdade e respeito Eu quero direitos, sem preconceito…” Esperança de um povo, de Reizinho

Os valores que orientam a formação das pessoas no bloco são culturais-religiosos, a fé na vida e nas pessoas, a confiança em si e nas outras pessoas, a fé, sobretudo, na força e prote-

Identidade da Escola Mãe Hilda e da Band'Erê, criada por J. Cunha, com grafismos laterais de Mundão. 64


Ah! Se não fosse O Ilê Aiyê

O Ilê Aiyê é referência para o povo negro na Bahia e no Brasil

“A força de nossa cultura vai chegar a qualquer parte do mundo”. Acredita o nosso Pre-

“A semente foi semeada No Barro Preto Curuzu Germinou nasceu Ilê Aiyê…”

sidente Vovô, para ele tempos de dificuldades

Nação Ilê, de Lucinha Ouro Preto.

– Descortinou os nossos heróis e heroínas negros – Recontou a nossa verdadeira história

renova resistência.

– Louvou e ovacionou os verdadeiros heróis e heroínas da nossa história de resistência negra – Cantou a epopéia de Zumbi dos Palmares e ajudou o governo

E nessa perspectiva que estamos cele-

Esta fase retrata as contribuições do Ilê para a

brando nossos 40 anos de resistência no

Bahia e o Brasil a se enxergarem como nações

data nacional de referência da luta

Ilê Aiyê. Entre vida, resistência, trabalho,

negra e mestiça:

negra no Brasil

muita luta de superação dos obstáculos, so-

Reafricanização do Carnaval da Bahia,

bretudo aqueles que dão origem a filosofia

música dança, ritmo, toque, moda, estética,

do bloco: a preservação da cultura negra,

colorido, adereços e figurino;

o respeito e o crescimento das religiões de origens africana e afro-brasileiras, a autoes-

reconhecer o 20 de novembro como

Foi o primeiro Movimento Negro Organizado na Bahia após o golpe da ditadura militar, na década de 60 e deu lastro para o surgimento

Os Trios Elétricos aderiram aos atabaques;

tima, a consciência negra, e principalmente

de muitas outras instituições de caráter sócioracial. Além, de ser palco e plateia principais

os alicerces que constituem a luta do comba-

Abriu espaço para o surgimento de mais

te ao racismo e as desigualdades raciais hoje

de cinqüenta blocos afros e afoxés nos anos 80;

para o MNU difundir as suas diretrizes, objetivos e proposições;

continuadas através das Ações Afirmativas, inclusive a lei 10.639/2003. É essa ancora de forças, que sustenta o Ilê Aiyê, na crença a cada dia renovada nos Orixás, Inquinces, Voduns e Caboclos.

Valorização e respeito através de semi-

Encabeçou o movimento para que a Bahia

nários, debates, campanhas, temas do bloco,

fosse o 1º Estado Brasileiro a incluir nos Cur-

músicas e homenagens:

rículos das escolas de 1º e 2º graus o ensino de

– As religiões de matriz africana

História Africana e Afro Brasileira (1986);

– Baianas do acarajé, feirantes

“… Se escurecer Pode dizer que é o Ilê É tão bonito demais Amanhecer com você…” Argeu Portela

– As yalorixás e babalorixás

Responsável e pioneiro na formação de percussionistas, compositores e maestros de

Através das letras das músicas:

blocos afro;

– Elevou a estima das mulheres e homens negros

65


Responsável por uma escola de puxado-

Nossas línguas ancestrais, de nossos

Os poderes públicos continuariam a rele-

res e cantores de bloco-afro, inimitáveis nas

antepassados continuaram dialetizadas,

gar a um plano inferior as manifestações cultu-

suas formas de cantar e interpretar: Cesar

consideradas crioulos;

rais e religiosas não ocidentais, não europeias;

Maravilha, Heron, Bailado, Barabadá, Lazzo Matumbi, Guiguio; Primeiro bloco afro que oportunizou uma

Nossas belezas continuariam a ser nega-

As gravações de nossas músicas conti-

das, desrespeitadas, desmerecidas, zombadas,

nuariam subjugadas às imposições dos que

descaracterizadas;

detém o poder da mídia, das gravadoras, das

mulher na em sua ala de canto (Graça Onashilê);

empresas que tratam da difusão da música, Nossa feminilidade continuaria a ser es-

Primeiro bloco afro a realizar capaci-

tuprada, explorada, escravizada;

tação para professores da rede pública estadual e municipal na área da temática africana e afro-brasileira;

da cultura e da religião no país; Nossa religião continuaria a ser descon-

Nossa história continuaria negada, distorcida, escondida, colonizadas. Mitos e

siderada, desrespeitada, interpretada como feitiçaria, magia, macumba;

preconceitos esconderam por muito tempo, “Cadernos de Educação do Ilê”, fruto

o verdadeiro rosto da África;

São Inúmeras as contribuições que o Ilê proporcionou com o seu surgimento, teimo-

dos Temas de Carnaval, foram os primeiros materiais didáticos que chegaram às escolas

Nossa cultura continuaria ser folcloriza-

sia insistência e persistência numa cidade tão

para subsidiar os professores para o ensino da

da, relegada a momentos de folguedos, pintada

negra, contudo tão racista. As demais contri-

História e Cultura Africana e Afro-brasileira;

para motivos de divertimentos e zombaria;

buições, desdobramentos e avanços a partir do surgimento do Ilê e outras entidades, fica a cri-

Nossas identidades continuariam

Nossa inteligência continuaria a ser

escondidas, manipuladas, escamoteadas,

considerada menor, desvalorizada, reduzi-

negadas, agredidas;

da, hierarquizada;

Nossas vestimentas não teriam a nossa alegria de vestir vermelho, amarelo, preto; Nossas cores não seriam reconhecidas, respeitadas, vizibilizadas;

66

tério de cada um de nós que poderá traçar uma “linha do tempo”: antes do Ilê e depois do Ilê.

do, negando o nosso gosto pelo ijexá que vem

“… Eu não tenho a força só porque sou o primeiro É simplesmente por ser ilê O quilombo dos negros de luz…”

da África;

Negros de luz, Xuxu e Cuiúba

Nosso ritmo ainda seria ocidentaliza-




Retratos do Mundo Negro ensaio realizado em julho de 2018, no Curuzu, em Salvador (BA)

69


Sem submissão da raça A ideia de que o mundo espiritual e o material são um só e as interseções entre a matéria e o espírito são o ordinário contínuo cotidiano é comum para o povo de santo. Matéria e espírito estão juntos no cotidiano do Curuzu – superando as consequências do escravismo colonial e reforçando os vínculos sociais. São fundamentos do Ilê Aiyê e fazem do Curuzu um lugar único. Sem lágrima nem dor, não há submissão da raça nessa colina. E o Ilê é o monumento que dá sentido a tudo isso. Origem e resultado. Começo e fim.

70


Integrantes do terreiro Ilê Axé Jitolu, identificadas por seus nomes de santo. Da esquerda para a direita, na parte superior: Ekedi Dete de Oxum, Doné Hildelice (Mãe de Santo), Hunsó Alda (Mãe Pequena), Ekedji Marcia de Nanã e Deré Jaci de Aziri Kayà. Da esquerda para a direita, na parte inferior: Vodunsis Micaela de Sogbo, Val de Sogbo e Carla de Oyá; elas voltam a aparecer nas páginas seguintes




Crianças do projeto Band'Erê. Da esquerda para a direita: Ícaro Ruan, Rafael de Jesus, Lavinia Araujo, Pérola Nehanda e Alisson Reyes


Associados do bloco, com fantasias de carnavais anteriores. Da esquerda para a direita: Rodolfo, Vera, Honara e OsvalrĂ­zio do Espirito Santo


Mirinha Cruz e JĂŠssica Nascimento, rainhas do bloco, respectivamente, em 1976 e 2018; elas voltam a aparecer na pĂĄgina seguinte



Band'Aiyê. Da esquerda para a direita: Helder, Jadelson, Kehindê, Edmilson e Ludmila


Band'AiyĂŞ. Da esquerda para a direita: Rivalnildo, Ludmila, Luciano, Willian, Ademilton e Elton Jhon


Diretoria do Ilê Aiyê. Da esquerda para a direita, em pé: Karlos Bamba, Fernando Andrade e Vivaldo Benvindo. Da esquerda para a direita, sentados: Arany Santana, Vovô do Ilê e Elizete Matos


Diretoria do Ilê Aiyê. Da esquerda para a direita, em pé: Edson Tobias, Edmilson Lopes e Osvalrízio do Espirito Santo. Sentados: Dario da Pascoa e Maria de Lourdes Siqueira


Diretoria do Ilê Aiyê. Da esquerda para a direita, em pé: Wilson Macalé, Paulo Cezar, Aliomar de Jesus e Roberto Rodrigues. Sentada: Dete Lima


Diretoria reunida


Nobres negros A festa e a arte são territórios habitados pela beleza e possuem poder de legitimação. A história do Ilê Aiyê é exemplo desse pensamento. Repetindo o óbvio que salta aos olhos, que são belos os negros, a cada saída do bloco essa beleza foi legitimada. Vovô lembra da paixão que o Ilê despertou em músicos da tropicália, como o começo sem volta do movimento que recolocou em lugar de nobreza os negros do Curuzu. Esse fato marca a história do negro baiano. A roupa colorida, o cabelo trançado, o orgulho e a beleza de ser negro – assumir a negritude, depois do Ilê Aiyê, se tornou mais fácil. O boicote às vozes brancas de domínio e exploração não era mais hegemônico. A voz do Ilê cantava outra história. A evolução da raça pode abalar o mundo!

84





ÍNDICE DE IMAGENS

Curuzu, 2018 foto: Arthur Costa

Vista aérea do Curuzu; ao centro, a Senzala do Barro Preto, 2018 foto: Nove Noventa

Senzala do Barro Preto, 2018 foto: Arthur Costa

Terreiro Ilê Axé Jitolu, 2018 foto: Richner Allan

Terreiro Ilê Axé Jitolu, 2018 foto: Richner Allan

Esta publicação foi impressa em quatro cores, e um pantone metálico especial, e utiliza fontes More Pro e Skema Pro sobre papéis offset 90 g/m2 (miolo), couché fosco 150 g/m2 (ensaio fotográfico) e triplex premium 250 g/m2 (capa). Cinco mil unidades foram impressas na gráfica Margraf, em São Paulo, em setembro de 2018.


FICHA TÉCNICA

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO

equipe Amanda Freitas, Andressa Santos Menezes

gerência Ana de Fátima Sousa

(estagiária), Antonio Tallys (estagiário), Caroline

concepção e realização Itaú Cultural

coordenação Carlos Costa

Faro, Edinho dos Santos, Edson Bismark, Elissa

curadoria Itaú Cultural e Ilê Aiyê

produção e edição de conteúdo Carlos Costa, Fernanda

Sanitá (estagiária), Gabriela Lourenzato (estagiária),

consultoria Sueli Carneiro e Val Benvindo

Castello Branco e Jullyanna Salles

Lívia Moraes (estagiária), Lucas Cardoso dos Santos

expografia Érica Pedrosa, Henrique Soares

redes sociais Jullyanna Salles e Renato Corch

(estagiário), Luísa Saavedra, Maria Luisa Ramirez,

e Renato Carneiro

supervisão de revisão Polyana Lima

Monique Rocha (estagiária), Raphael Giannini, Roberta

desenho técnico Heloísa Vivanco e Natiely Santos

revisão Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas)

Suzi Correia (estagiária), Sidnei Junior, Tayna Maria

pesquisa Itaú Cultural

consultoria de design Luciana Orvat

Santiago da Silva (estagiária), Thiago Borazanian, Victor

comunicação visual Itaú Cultural com ilustrações

Soriano, Vinícius Magnum e Vitor Luz

intervenções da fachada Jota Cunha

de Jota Cunha e Mundão ITAÚ CULTURAL

edição de imagens André Seiti

NÚCLEO DE INFRAESTRUTURA

presidente Milú Villela

e Gabriel Lopes (estagiário)

E PRODUÇÃO DE EVENTOS

diretor-superintendente Eduardo Saron

produção editorial Luciana Araripe

gerência Gilberto Labor

superintendente administrativo Sérgio M. Miyazaki

e Pamela Rocha Camargo

coordenação Vinícius Ramos

pesquisa e produção-executiva Simoni Barbiellini

produção Agenor Neto, Érica Pedrosa, Fábio Marotta,

NÚCLEO DE MÚSICA

direção de arte e fotografia Arthur Costa

Heloísa Vivanco (terceirizada), Natiely Santos

gerência Edson Natale

pesquisa Petrônio Domingues (linha do tempo)

(estagiária), Thayná Casasola (terceirizada)

coordenação Andréia Schinasi

e Karina Araújo (textos de apoio)

e Wanderley Bispo

CENTRO DE MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO

AGRADECIMENTOS

NÚCLEO DE AUDIOVISUAL E LITERATURA

E REFERÊNCIA

Moradores do Curuzu, TVE Bahia, Ilê Aiyê, Jota Cunha,

gerência Claudiney Ferreira

gerência Tatiana Prado

Val Benvindo, Antonio Carlos dos Santos Vovô, Vivaldo

coordenação de conteúdo audiovisual

coordenação Eneida Labaki

Benvindo, Arany Santana, Margareth Menezes, Dete

Kety Fernandes Nassar

digitalização de documentos Laerte Fernandes

Lima, Hildelice dos Santos, Luiza dos Santos, Sandro

pesquisa e produção-executiva Vinícius Murilo

produção audiovisual Roberta Roque

Teles, Iana Marucha, Daniela Mercury, Maria de

captação de imagens André Seiti, Nove Noventa

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO E RELACIONAMENTO

Lourdes Siqueira, Paulinho Camafeu, Kehindê Boa

e Richner Allan

gerência Valéria Toloi

Morte, Criolo, Sueli Carneiro, Renato Carneiro, Rita

roteiro, edição e pesquisa Richner Allan

coordenação de atendimento e formação

Maia, Mundão, Macalé, Jéssica Nascimento e Mirinha

captação de som Tomás Franco (terceirizado)

Samara Ferreira


Memória e Pesquisa | Itaú Cultural Ocupação Ilê Aiyê / organização Itaú Cultural. - São Paulo : Itaú Cultural, 2018. 88 p. : il. ; 24x19 cm ISBN 978-85-7979-114-7 1. Ilê Aiyê, 1974-. 2. História afro-brasileira. 3. Negritude. 4. Religião. 5. Cultura afro-brasileira. 6. Bloco de carnaval. 7. Salvador (cidade). 8. Exposição de arte – catálogo. I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 305.896081




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