Continuum 37 - Junho-Julho/2012

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SENTIMENTO MUNDANO COM O PROJETO PIMP MY CARROÇA, O ARTISTA THIAGO MUNDANO DÁ VISIBILIDADE AOS CATADORES DE reciclÁVEIS

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OCUPE TUDO As ruas são o palco de movimentos civis que unem arte, cidadania e bom humor REALIDADE IMAGINÁRIA O goiano Moacir Soares de Farias é uma das mais intrigantes descobertas da arte contemporânea RITO DE PASSAGEM Renomados artistas visuais contam como e por que escolheram seu ofício

jun / jul 2012


Desenho sem título de MOACIR (saiba mais sobre o artista em reportagem que começa na p. 28)



COORDENAÇÃO EDITORIAL

Ana de Fátima Sousa EDIÇÃO EXECUTIVA

Marco Aurélio Fiochi PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTE

Marina Chevrand

ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO DE CONTEÚDOS

Gabriela Rassy Roberta Dezan

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA

André Seiti DESIGN

Lu Orvat Design REVISÃO

Ciça Corrêa Lilian Akemi Chinem Nelson Visconti Polyana Lima PRODUÇÃO EDITORIAL

Cybele Fernandes Melissa Contessoto

APOIO ADMINISTRATIVO

CARTA DO EDITOR “Hoje, todos reclamam dos catadores, buzinam, dizem que estão atrapalhando. A pintura das carroças pretende promover a interação da população com esses trabalhadores. Não é uma causa minha, é de todos. Se posso tirá-los da invisibilidade, colocar o dedo na ferida do descaso com o lixo, vou fazer isso.” A frase do artista visual paulistano Thiago Mundano sobre seu projeto Pimp My Carroça, que acaba de atingir o valor necessário à concretização graças a financiamento coletivo, explicita uma vertente da produção artística, aquela que a coloca a serviço de causas sociais: o artivismo. A história da ação de Mundano e as de outros artivistas Brasil afora você pode ler na matéria de capa. Geralmente intervenções no espaço urbano, essas obras cumprem o papel de abrir os olhos de todos diante da cegueira do progresso. Complementando a matéria, assista, on-line e na versão para iPad da revista, ao vídeo exclusivo gravado durante a Carroceata organizada por Mundano no início de junho. Curiosamente, nesta edição vários perfis de artistas visuais se evidenciaram. Isso é uma prova de que essa linguagem é tão ampla que acolhe propostas e personalidades as mais diversas. Se os artivistas fazem obras para chacoalhar o tecido social, outra é a preocupação de Damien Hirst. Com mais de 20 anos de carreira e a maior retrospectiva de seus trabalhos já realizada, em cartaz na britânica Tate Modern, o talento do artista, bem como a qualidade e as intenções de suas obras, ainda desperta celeumas e comentários ásperos. Seria arte ou seria marketing? Tire suas conclusões na matéria que dedicamos a ele.

Isabella Protta PAUTA

Ana de Fátima Sousa André Seiti Eduardo Saron Gabriela Rassy Jader Rosa Marco Aurélio Fiochi Maria Clara Matos Marina Chevrand Roberta Dezan COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Beto Figueiroa Carlos Costa Carlos Vasconcellos Cia de Foto Cynthia Gyuru Daryan Dornelles Deborah Rocha Moraes Diego Teschi Flávia Pellegrino Ivo Duran Juliana Russo Leonardo Calvano Mariana Lacerda Micheliny Verunschk Natalia Barrenha Patrícia Colombo Pedro França Pedro Marques Roberto Almeida Sabrina Duran Thais Caramico

ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082 (dezembro de 2007) Tiragem 10 mil – distribuição gratuita. Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento continuum@itaucultural.org.br Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554

SENTIMENTO MUNDANO COM O PROJETO PIMP MY CARROÇA, O ARTISTA THIAGO MUNDANO DÁ VISIBILIDADE AOS CATADORES DE RECICLÁVEIS

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Ainda no terreno das artes visuais, outra reportagem fala sobre a escolha por esse caminho. Saiba o que levou os contemporâneos Ernesto Neto, Sandra Cinto, Marcelo Coutinho e Cadu, anos atrás, a dizer para si mesmos “sim, eu sou um artista visual. É isso que quero fazer da minha vida”. A matéria se desdobra em um vídeo especial para nosso site e para iPad, em que Nuno Ramos, Lia Chaia, Claudia Andujar, Alexandre Órion e Manoel Veiga contam como foi esse rito de passagem para eles. E em meio a Hirst, Mundano, Nuno Ramos, Sandra Cinto e tantos outros há Moacir, personagem da reportagem especial da edição. Com um histórico que mistura pobreza, abandono e dificuldades físicas e intelectuais, o artista faz de seu trabalho sua interface com o mundo. Sua produção, com imagens disformes e coloridas, de traço francamente naïf, como a que publicamos nas páginas anteriores, aludem ao sexo, à violência e à origem do universo. Moacir não defende uma causa, como os artivistas, nem defende sua causa, como Hirst, e não escolheu ser o que é, como os outros. Apenas faz arte em estado bruto. *** A Continuum inaugura, nesta edição, uma nova fase. A revista passa a produzir eventos abertos ao público, aqui no Itaú Cultural. É o Festival Continuum. O primeiro deles, que rola entre os dias 14 e 16 de junho, marca a chegada de um exemplar desta edição da revista à sua mão. Um debate, com a participação de Thiago Mundano, do cineasta André D’Elia e do músico Felipe Gomide com mediação do empreendedor social Reinaldo Pamponet, vai tratar de artivismo, produção cultural independente e financiamento coletivo. Shows e uma ação artística de Mundano ao vivo completam o evento.

CARTA DO LEITOR Adorei a edição de abril e maio da revista. Parabéns pelo trabalho. Mas queria registrar que senti falta, na matéria “Livros livres” [páginas 14 e 15], do projeto Ônibus-Biblioteca, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que visita 72 roteiros por semana. Bruno Langeani, via e-mail

Envie seu comentário sobre a Continuum para o e-mail continuum@itaucultural.org.br ou utilize os canais do Itaú Cultural no Twitter e no Facebook. Em caso de publicação na seção Carta do Leitor, a mensagem pode ser editada a critério da redação.

OCUPE TUDO As ruas são o palco de movimentos civis que unem arte, cidadania e bom humor REALIDADE IMAGINÁRIA O goiano Moacir Soares de Farias é uma das mais intrigantes descobertas da arte contemporânea RITO DE PASSAGEM Renomados artistas visuais contam como e por que escolheram seu ofício

Se você é ilustrador, artista ou fotógrafo, envie o link de seu portfólio virtual para <participecontinuum@itaucultural.org.br>. Queremos conhecer o seu trabalho!

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capa: thiago mundano foto: marina chevrand

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Baixe o aplicativo da Continuum em seu iPad e veja todas as matérias desta edição e das anteriores, além de vídeos exclusivos.


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| um pé em cuba, outro no brasil Invadimos os bastidores das apresentações de Marina de la Riva e de Paulinho Moska no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, e mostramos como foram os shows de seus mais recentes álbuns

ACESSO RESTRITO

M I R A D A | cinema no centro O cinema centro-americano dá uma guinada e mostra em festivais em várias partes do mundo uma rica produção, estimulada pelo acesso a tecnologias de baixo custo M e m ó ria | o sermão do padre-poeta Reportagem-homenagem a Daniel Lima, descoberta tardia na literatura brasileira. Morto em abril, aos 95 anos, o escritor deixa um livro premiado pela Fundação Biblioteca Nacional, em 2011

R e p o r t agem | uma batida diferente O afrobeat, estilo musical criado por Fela Kuti, se reinventa com novas bandas, como Bixiga 70

| rito de passagem Uns são arquitetos, outros vendedores, mas por que ser artista? Profissionais das artes visuais contam como foi o momento da decisão pela carreira R e p o r t agem

A G E N D A | uma década de festa A Festa Literária de Paraty completa 10 anos e traz 40 artistas de 14 países, além de uma homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade

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| um cruel admirável Damien Hirst volta a acender a polêmica, com a retrospectiva que apresenta desde abril na Tate Modern, em Londres: qual o sentido de sua obra?

C A P A | sentimento mundano Thiago Mundano mostra com seu projeto Pimp My Carroça que mobilização e transformação social fazem parte do universo da arte C A P A | ocupe tudo O exemplo de Mundano também pode ser visto em projetos que visam trazer de volta o espaço de convivência, do encontro nas grandes cidades. Conheça ações que vêm pipocando em todo o Brasil em resposta a políticas urbanísticas excludentes

E S P E C I A L | realidade imaginária Vida e obra se misturam na história do artista plástico goiano Moacir, que desafia conceitos e preconceitos da sociedade M U S E U s D O M U N D O | libertinagem histórica O Museu do Erotismo de Paris exalta o papel da sexualidade na formação cultural francesa

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R e p o r t agem

R e p o r t agem | para quem ainda quer se surpreender Liderada por Ava Rocha, filha de Glauber Rocha, a banda Ava, do Rio de Janeiro, trabalha seu primeiro disco, Diurno, marcado por uma sonoridade onírica

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e n t r e v i sta | de volta ao começo A mineira Regina Advento é a única brasileira a integrar, há 19 anos, a companhia de dança de Pina Bausch. Ela conta como é levar adiante o legado da coreógrafa alemã, morta em 2009 C E R T I D Ã O D E N A S C i M E N T O | um vestido, uma história Saiba como foi a estreia, em 1943, de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, um marco do teatro nacional, e como o Itaú Cultural vai comemorar o centenário de nascimento do escritor b a l a io | pare e repare Agenda cultural traz dicas que vão da literatura ao teatro, além de páginas inusitadas da internet

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bastidores de shows ACESSO RESTRITO |

Um pé em Cuba, De um lado, música do país caribenho misturada a referências nacionais, de outro, MPB com pegada pop. Marina de la Riva e Paulinho Moska apresentaram canções de seus mais recentes álbuns, Idilio e Muito Pouco, respectivamente, em shows no Auditório Ibirapuera, em São Paulo

TEXTO patrícia colombo FOTOS andré seiti

Marina de la Riva A história de Marina de la Riva é conhecida: o avô e o pai chegaram ao Brasil na década de 1960, fugindo da Revolução Cubana, e, aqui, aquele que viria a ser seu genitor se apaixonou por uma nativa. O casamento teve como fruto a cantora, que acabou por misturar em si mesma o DNA de ambas as culturas. Hoje, ela conta que se entrega de corpo e alma ao repertório de raízes cubana e brasileira – logicamente baseado em seu baú de memórias afetivas –, mas também afirma que não foi tão rápido chegar a tal sonoridade. Em março, Marina apresentou no Auditório Ibirapuera o show de seu segundo álbum, Idilio.

Você iniciou sua carreira em 2000 e, sete anos depois, lançou o primeiro disco, Marina de la Riva. Quando você teve o estalo do mix musical Cuba-Brasil? Eu não entendia meu repertório, e quase desisti. Eu cantava jazz e outros estilos, mas não tinha força ou verdade. Um dia, num show do [pianista cubano] Bebo Valdés, em 2004, em Los Angeles, comecei a chorar e não parei mais até acabar a apresentação. Naquele momento vi que eu era resultado daquilo. Compreendi que estava olhando para fora e não para dentro. Demorei para lançar meu primeiro trabalho, mas acho que o tempo da arte é outro.

Marina de la Riva antes de entrar no palco para apresentar as músicas de Idilio

O que você apontaria como característica comum entre a música brasileira e a cubana? Duas coisas: a mãe África, que liga todos nós no sentido rítmico; e o trovador, que fala das emoções humanas – que são as mesmas. A partir daí, cada país tem tanta identidade própria que se afasta – o que é maravilhoso, já que quem não tem identidade fica nulo. Eu preciso das duas cores. Meu avô falava que eu era “un granito de café brasileño” [risos].

Cinco anos separam os lançamentos de seus álbuns. Acha que esse longo tempo favorece sua elaboração musical? Eu brinco que precisei de uma vida para o primeiro álbum, cinco anos para o segundo e, quem sabe, um ano para o terceiro [risos]! Idilio ficou como eu queria. Não há lógica cartesiana, você tem de ter um termômetro. É um álbum visceral e muito delicado. É a diferença entre nadar de snorkel e mergulhar. Eu mergulhei.


Como foi a elaboração do Muito Pouco, disco que você lançou em 2010, de forma independente? O Muito é um disco com arranjo de banda e o Pouco é um álbum mais silencioso. Comecei a gravar o Pouco em casa achando que o lançaria só depois, mas fui me apaixonando por esse silêncio caseiro das madrugadas e, paralelamente, estava gravando esse outro álbum mais agitado. Mais tarde entendi que os dois haviam sido gerados ao mesmo tempo como irmãos gêmeos. O objetivo era tentar fazer um jogo entre esse excesso que é o mundo de hoje, cheio de informação, e a necessidade de se produzir o seu próprio “pouco”, sua essência, sua desaceleração. Como é passar esse conceito do álbum para o palco? Acho que você tem de contar com o processo do olhar de cada um que está lá. O mais lindo quando falamos de arte é justamente o olhar de quem vê. Trabalhamos um roteiro que vai de um quase silêncio a um grito roqueiro e, depois, volta para o silêncio. É uma tentativa de causar nas pessoas essa experiência de aceleração e desaceleração, essa alternância [do próprio álbum]. Não só através do ritmo das canções, mas também do que é dito e visto.

Aceleração e desaceleração musical é a proposta do show Muito Pouco, de Paulinho Moska

Paulinho Moska Após quase dois anos de estrada com o álbum Muito Pouco – projeto duplo de sonoridades e levadas antagônicas que se complementam –, Paulinho Moska chegou ao Auditório Ibirapuera no mês de maio para uma apresentação registrada em DVD, com ingressos esgotados. Artista da MPB, de linguagem simples e certo apelo pop, hoje se vê livre das amarras das grandes gravadoras e segue transitando por caminhos além da música para expressar sua visão de mundo.

Além da música, você se envolveu e continua a se envolver com outras formas de arte – entre elas, teatro, fotografia e cinema. Sua vontade de se expressar parece ser infinita. Eu acho que a vida é a expressão. Quem não sente está morto e quem sente involuntariamente desperta alguma coisa. Cada um tem um olhar distinto, uma história de encontros. Isso para mim é a verdadeira obra de arte. Uma quantidade imensa de diferenças. Isso é a vida. E eu, que só tenho esta, vou fazer dela a minha obra. Sentir e expressar.

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OUTRO no Brasil


audiovisual na américa central MIRADA |

cinema no centro O emocionante despertar das cinematografias centro-americanas, que entre 2001 e 2011 já produziram o dobro dos filmes de todo o século XX na região

TEXTO natalia barrenha

De um lado, Blacko, lenda do heavy metal. De outro, Don Alfonso, marimbeiro que se encontra em sérias dificuldades para viver de suas apresentações. O cineasta guatemalteco Julio Hernández Cordón imaginou e realizou o encontro dos dois em seu longa Las Marimbas del Infierno (2010), no qual esses personagens formam uma banda cuja sonoridade vem de uma fusão absurda: a doce melodia da marimba e o rock pesado. Em El Hombre de Una Sola Nota (1989), curta do diretor nicaraguense Frank Pineda, um homem caminha por uma cidade destruída e ocupada pelo exército. Após uma viagem cheia de horrores, ele entra em um edifício, onde uma orquestra ensaia. Logo, ele estará sobre o palco e participará da música tocando uma nota só.

Vinte anos separam os filmes de Cordón e Pineda. Las Marimbas narra as situações desesperadoras que envolvem a ideia improvável de mesclar as músicas de Blacko e Don Alfonso. É a odisseia daqueles que pretendem viver de sua arte. No caso do filme de Pineda, a resistência se dá em face do caos da guerra. Apesar das semelhanças temáticas que unem essas produções, muita coisa mudou no cinema centro-americano nessas duas décadas. Uma prova é que Las Marimbas del Infierno viajou o mundo de festival em festival e arrebatou diversos prêmios, seguindo o rastro do primeiro longa de Cordón, Gasolina (2008). Pineda, ainda em 1989, fundou uma produtora com Florence Jaugey. Em 2009, depois de anos fazendo curtas e documen-

tários, eles realizaram La Yuma, o primeiro longa-metragem nicaraguense de ficção em 21 anos, recebido de braços abertos dentro e fora do país. Cinema em Construção

As imagens produzidas na “doce cintura da América”, como Pablo Neruda apelidou o istmo, são enormemente desconhecidas e, como comenta a pesquisadora costarriquenha María Lourdes Cortés, aparecem timidamente na história do cinema mundial. “Poucos sabem que as primeiras filmagens da região datam do começo do século XX e que um diretor guatemalteco, Marcel Reichenbach, ganhou o Prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cannes por duas vezes: em 1957 e 1959”, afirma.

fotos: divulgação

Antes dos anos 1970, a América Central teve uma produção descontínua, que caiu no esquecimento ou foi destruída pelas guerras e desastres naturais. Essa década e a seguinte configuraram-se como uma espécie de “era de ouro” do cinema centro-americano. Naquele momento, o istmo encontrava-se em chamas, mergulhado em conflitos armados. Todos os países iniciaram uma busca pela identidade nacional através do celuloide, acompanhada pelo desejo de desenvolver uma cinematografia própria, crítica, popular. Pela primeira vez na região, refletiu-se sobre a importância do cinema na sociedade, e a produção centro-americana nasceu para o mundo nos documentários que ecoavam as lutas insurrecionais. Esse cinema combativo e prolífico foi se desmantelando com a pacificação da região nos anos 1990. A pequena infraestrutura independente que se armou deu conta da produção de muitos trabalhos para a TV e curtas documentais, e apenas dois longas foram realizados durante a década: El Silencio de Neto, do guatemalteco Luis Argueta, e Alejandro, do salvadorenho Guillermo Escalón. Entretanto, com a chegada do novo século, o cinema da região mergulhou em um momento de entusiasmado despertar: entre 2001 e 2011, produziu-se o dobro dos filmes de todo o século XX na região.

Cena de Água Fría de Mar, da costarriquenha Paz Fábrega

Além do acesso à tecnologia de baixo custo, que no mundo inteiro facilitou a produção e a difusão


As imagens produzidas na “doce cintura da América” são enormemente desconhecidas e aparecem timidamente na história do cinema mundial.

de cinema, há alguns outros fatores que propiciaram esse boom, como explica o pesquisador e cineasta hondurenho Hispano Durón, diretor de Anita, la Cazadora de Insectos (2001): “Desenvolveu-se uma forte relação com a Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antonio de los Baños (EICTV), em Cuba, e também nasceram possibilidades de profissionalização por aqui, com cursos pipocando em vários lugares. Há canais de promoção, como o Festival Ícaro, que é realizado na Guatemala desde 1998, e a Muestra de Cine y Video Costarricense”. Há pouco, no fim de abril, houve a primeira edição do Festival Internacional de Cine de Panamá, impulsionado por um dos fundadores do influente Festival de Toronto. A panamenha Pituka Ortega, diretora de Los Puños de una Nación (2005), celebrou a realização do festival em um momento significativo para o audiovisual do país: “Alguns dias depois da aprovação da nossa lei de cinema!”. Outro marco da explosão do cinema na região foi o nascimento, em 2004, do Cinergia – Fondo de Fomento al Audiovisual de Centroamérica y el Caribe, criado e dirigido por María Lourdes Cortés. “Não é somente uma questão dos fundos, mas é expressivo como proporciona uma estrutura às pessoas, um lugar por onde começar. E acho que, quando alguém se arrisca pela primeira vez, outros percebem e assim a produção vai crescendo”, opina Paz Fábrega, costarriquenha diretora de Agua Fría de Mar (2009).

tumes, que alcançam extraordinárias bilheterias em seus países de origem, como Amor y Frijoles (Mathew Kodath e Hernán Pereira, 2009), em Honduras; e Chance (Abner Benaim, 2009), no Panamá”, explica a diretora do Cinergia. Mas também há espaço para filmes intimistas, poéticos, de estéticas mais arriscadas, que partem da América Central para conquistar festivais mundo afora (apesar de fracassarem com o público local). Paz Fábrega (que prepara seu segundo longa, Todos Nosotros), Ishtar Yasin (cujo debut, El Camino, de 2007, foi o primeiro longa centro-americano a participar do festival de Cannes), Verónica Riedel (Cápsulas, 2011), Sergio Ramírez (Distancia, 2011, que foi apresentado no festival brasileiro Cine Ceará, no começo de junho), Hernán Jiménez (El Regreso, 2011, e A Ojos Cerrados, 2010), Hilda Hidalgo (Del Amor y Ou-

tros Demonios, 2009) e Julio Hernández Cordón são apenas alguns dos nomes imprescindíveis do cinema centro-americano contemporâneo. O contexto ainda é frágil: falta apoio tanto da iniciativa privada quanto do Estado e, principalmente, circulação e trocas internas. Entretanto, não deixa de ser um momento excitante, no qual, como bem descreve Paz, “se pode imaginar todas essas coisas que nunca foram contadas no cinema, e fazê-lo de um modo centro-americano, de um modo que ainda não foi visto. É pensar uma forma de ser e viver que ainda não foi realmente retratada”. Blacko e Don Alfonso não estão sozinhos nessa epopeia.

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Uma incrível pluralidade de propostas faz parte desse cinema em construção. Para Durón, uma tendência forte tem sido a revisão do passado recente, que se centra nos conflitos dos anos 1980 como as guerras civis e o desaparecimento de pessoas: Las Cruces, Poblado Próximo (Rafael Rosal, 2006), El Último Comandante (Vicente Ferraz e Isabel Martínez, 2010) e Polvo (Julio Hernández Cordón, que estreia neste ano) são alguns exemplos. María Lourdes identifica, grosso modo, duas tendências: o cinema comercial e o de autor. “O comercial busca atrair os jovens, acostumados com as imagens hollywoodianas, e há inúmeras produções que imitam filmes de terror ou ação. Há ainda as ‘neocomédias’ de cos-

Cenas de La Yuna (no alto), dos nicaraguenses Frank Pineda e Florence Jaugey, primeiro longa produzido no país em 21 anos, e de Del Amor y Otros Demonios, adaptação ao cinema do romance de Gabriel García Márquez, pela costarriquenha Hilda Hidalgo


daniel lima MEMÓRIA |

Daniel Lima via a poesia como um ato de intimidade

o sermão do padre-poeta Morto em abril passado, aos 95 anos, escritor pernambucano revelou tardiamente a grandeza de sua criação

TEXTO leonardo calvano FOTOS beto figueiroa

“Eu não tenho nada a dizer que valha a pena!” Os poucos presentes, em tom de devoção, discordaram prontamente do enigmático padre-poeta Daniel Lima, como num mantra: “Tem sim, claro que tem!”.

sentado numa poltrona do apartamento onde morava, no bairro da Torre, no Recife, rodeado de alguns amigos e parentes. Parecia um pouco cansado, indisposto, talvez pelo calor daquela tarde de quinta-feira pós-carnaval.

publicado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). O livro Poemas acabou ganhando o prêmio da Fundação Biblioteca Nacional como o melhor de 2011 na categoria Poesia, dando ao escritor notoriedade nacional.

A entrevista que dá base a esta matéria, provavelmente a última concedida pelo escritor pernambucano Daniel Lima, aconteceu em fevereiro passado. Dois meses depois ele faleceu, aos 95 anos, calando involuntariamente sua sabedoria modesta. Naquele dia, ele recebeu a reportagem

Realmente, ele tinha muito a dizer, mas preferiu enclausurar a sua arte, que não havia sido publicada até o ano passado. Saiu do anonimato graças à amiga e ex-aluna, a professora e escritora Luzilá Gonçalves Ferreira, que lhe “roubou” quatro cadernos e os reuniu num único volume,

Padre Lima refletiu assim sobre seu reconhecimento tardio: “Praticamente meu livro não é nada. Não sou importante, não quero ficar acima das pessoas. Minha obra não passou de uma obra. Estou me sentindo mais do que eu! Fico arrasado pela beleza que consegui apanhar na palavra que


“Não sou importante, não quero ficar acima das pessoas. Minha obra não passou de uma obra. Fico arrasado pela beleza que consegui apanhar na palavra que é tão pobre. O que escrevi me comove, passou de mim, transbordou do meu pensamento e da minha forma de configurar os objetos.” Daniel Lima

intelectual é um urubu/que se julga vestido./Mas que está nu,/com pena de pavão/enfiada no cu”. aula de estética

Avesso aos intelectuais, o padre teve importante atuação em setores progressistas da igreja

é tão pobre. O que escrevi me comove, passou de mim, transbordou do meu pensamento e da minha forma de configurar os objetos”. O júri escolheu o autor por unanimidade, desbancando nomes como Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant’Ana. “Ninguém o conhecia e a obra dele é considerada uma descoberta da poesia brasileira”, diz Antonio José Jardim, um dos jurados do prêmio e professor de literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Amiga de padre Lima por 50 anos, a ex-bibliotecária Célia Veloso, responsável por datilografar e encadernar os manuscritos, disse ser impossível calcular o número exato de suas obras. “Ele passou a vida escrevendo, muita coisa se perdeu, se estragou com o tempo”. Ela conta que, quando Lima era mais jovem, editoras lhe propuseram publicar os trabalhos, mas ele sempre rejeitou. “A poesia para ele era um ato de intimidade, e ficava espantado quando via a repercussão.”

“Vocês vieram aqui para ouvir sermão?” Dito isso, seus pensamentos voaram soltos e suas palavras criaram asas, indo longe... Nada premeditado, tudo espontâneo. Ele escrevia desde os 18 anos, época em que frequentava os seminários religiosos da sua terra natal e de João Pessoa, na Paraíba. Enxergava a poesia como seu momento de intimidade e nunca gostou de despi-la para qualquer um. Apenas alguns poucos amigos tiveram o privilégio de conhecer sua obra antes do sucesso. A estes ele distribuía originais com a dedicatória “aos amigos confiáveis, para empréstimo, com espera de devolução”. Foi sempre uma espécie de lenda nas conversas dos bares e confrarias literárias do Recife. Nunca gostou dos intelectuais, a quem se referia como “posudos” e dedicou um poema: “O

As ideias do padre Lima não agradavam aos setores mais conservadores da igreja. Foi afastado da paróquia de Nazaré da Mata, mas não guardou mágoa, apesar de sentir falta de ter uma posição de combate ante o renascimento e o novo tempo da história. Para ele “a igreja não é pioneira em nada. Está toda desencaminhada, é um fedor geral”. Libertário, padre Lima foi um “vivedor”, um boêmio, apesar da espiritualidade laica. Gostava dos prazeres mundanos, como sair pelas ruas e varar a madrugada com amigos em conversas sobre filosofia, regadas a muito vinho. Na entrevista, refletiu sobre a passagem do tempo: “Meu negócio é viver, a poesia é só para passar o tempo. Vou morrer de tempo. Me comove a beleza das coisas”.

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Padre Lima nasceu em Timbaúba, na Zona da Mata de Pernambuco. Nos últimos anos de vida conservou a lucidez e a serenidade. Às vezes, por puro deboche, esboçava uma pequena agressividade. Era um homem risonho, que gargalhava

após as piadas que fazia em meio a algum assunto sério, a ponto de engasgar. Tímido, foi se acostumando com o assédio depois do prêmio. Apesar das dificuldades em se comunicar, fruto da idade avançada, seu raciocínio era rápido e ele, costumeiramente, pregava peças em quem o estivesse ouvindo. Usava metáforas e concluía o pensamento com clarividência. Naquela tarde, ele fez todos se sentirem especiais e em estado lisérgico com suas palavras:

Daniel Lima deixou, pelo menos, 27 livros inéditos de poesia ou assuntos referentes à ética, à estética e à política. Apesar de padre, nunca foi pároco nem se filiou a nenhuma ordem. Dedicou-se ao ensino, em Nazaré da Mata e, no Recife, na UFPE, onde lecionou filosofia. Ligado a setores progressistas da igreja, atuou nas Ligas Camponesas e junto dos sem-terra. Trabalhou com o educador Paulo Freire na revista Estudos Universitários e protegeu muitos estudantes durante a ditadura militar. Com o golpe de 1964, retirou-se de cena. Foi encontrado escondido num sótão com recortes de jornal espalhados pelo chão. “Fazia um estudo de caso para entender por que as Ligas não deram certo”, conta Luzilá. “Chegou a ser interrogado pela repressão, mas deu uma aula de estética aos milicos”, relembra. Foi liberado em seguida sem sofrer nenhuma tortura ou constrangimento. “Eu protestava contra aquela situação de tolerância em relação ao nada. Sozinho, subitamente sozinho. Dói!”, referiu-se à sua militância.


afrobeat Reportagem | foto: leni sinclair

uma batida

diferente No Brasil, boa parte dos nomes envolvidos no afrobeat não surgiu na periferia e conheceu a música na internet

Fela Kuti, o músico nigeriano criador do afrobeat, movimento que se tornou uma arma na afirmação da cidadania negra

TEXTO patrícia colombo

Alma combativa e personalidade marcante, forte relação com as questões sociais e políticas de sua terra e talento para as artes musicais. Grosso modo, foram tais pontos que encaminharam Fela Anikulapo Kuti à elaboração de uma música não só utilizada para festejos, mas também pensada como arma contra as mazelas presentes na Nigéria durante os anos 1960 e 1970. O afrobeat, contudo, foi ainda mais longe: acabou refletindo

questões de uma África fragmentada pela colonização, trouxe a força de Kuti a favor da negritude, ganhou adoradores famosos como Stevie Wonder e Paul McCartney e hoje, algumas décadas mais tarde, vivencia uma valorização e um resgate por parte de bandas que trazem uma boa pitada do gênero em sua sonoridade. Falar sobre afrobeat significa falar sobre o princi-


foto: pablo saborido

Bixiga 70 tenta se desvincular do rótulo de banda de afrobeat e rejeita o papel político dessa música na atualidade

pal idealizador do estilo. Nascido em Abeokuta, em 1938, Kuti teve exemplo de postura política vindo de sua própria casa: a mãe, Funmilayo Kuti, era importante ativista e o pai, Israel Oludotun Ransome-Kuti, pastor protestante e o primeiro presidente da União Nigeriana de Professores. Apesar das boas condições financeiras para se tornar um médico de sucesso – como era o desejo de seus pais –, ao se mudar para a Inglaterra, em 1958, Kuti trocou o jaleco pelas partituras, matriculando-se na Trinity School of Music, em Londres. Nos quatro anos e meio em que permaneceu no país, apaixonou-se pelo jazz. De volta à Nigéria, em 1963, deu início aos períodos de experimentação musical inserindo tal gênero na música africana – e nomeando o material elaborado, em um primeiro momento, de highlife jazz (referência ao já existente highlife). Mais tarde, conheceu o soul e o funk, que seriam igualmente acrescentados à sua obra. Com o estilo já intitulado afrobeat, em visita aos Estados Unidos em 1969 entrou em contato com os conceitos de esquerda dos Panteras Negras [partido que protegia a população negra norte-americana contra a violência da polícia] e com nomes envolvidos em causas antirracistas. Tal vivência viria influenciar fortemente as letras de suas canções e finalizaria a construção do formato de sua proposta musical – presença notável de metais e solos de sax marcantes, guitarra funkeada e bateria conduzindo a levada, músicas de longa duração (algumas com mais de 20 minutos) e letras de protesto. “Kuti sempre disse que o afrobeat era para que as pessoas pensassem. Palavras e ritmos juntos”, conta o cubano Carlos Moore, autor da biografia Fela – Esta Vida Puta, originalmente publicada em 1982, mas só lançada no Brasil no ano passado, pela Nandyala Editora. Conhecimento mundial

A Abayomy Afrobeat Orquestra – que deve lançar seu primeiro álbum ainda neste ano, com produção de André Abujamra – surgiu em 2010, após os músicos se juntarem para um tributo ao nigeriano em uma festa temática no Rio de Janeiro. Formada por 13 pessoas, a banda apresenta em algumas de suas composições o discurso sobre as desigualdades sociais e raciais – e, para eles, pouco importa a classe de seus integrantes. “Cada um sabe o papel que tem no mundo”, aponta o baixista Pedro Dantas. “Se você é um cara consciente do meio em que vive, já tem o direito de protestar da mesma forma que uma classe menos favorecida tem. Não acredito em comparativo nesse sentido. Somos todos de classe média e todos têm a cabeça muito aberta.” O musicólogo e antropólogo da USP Tiago de Oliveira Pinto, atualmente titular da cátedra de transcultural music studies na Universidade de Música Franz Liszt, em Weimar, na Alemanha, discursa sobre os benefícios desse atual destaque da música de Kuti em diferentes posições na sociedade. “Em se tratando de um conceito de africanidade, que aponta para os abusos históricos em relação à África e à sua população, essa música parece dirigir-se a um segmento bem definido”, afirma. “No entanto, o próprio Kuti pertencia à classe dominante do seu país. Por isso não vejo por que o afrobeat brasileiro não possa se popularizar entre brancos ou entre representantes da classe média. Se ela

entender, através dessa música, o sentido da contestação política de Kuti e souber transpor esse sentido ao contexto social brasileiro, todos ganharão com isso.” Logo que lançou seu homônimo álbum de estreia, o Bixiga 70 foi etiquetado, erroneamente, segundo os integrantes, como uma banda de afrobeat. O baterista Décio 7 comenta que o grupo tenta se desvincular desse rótulo por essa ser apenas uma das abordagens musicais, já que misturam ainda outras referências africanas em seu som. Todavia, ele acredita que é possível, sim, abraçar tal sonoridade sem necessariamente assumir o conceito de discurso inflamado proposto por Kuti. “O momento, a nossa criação e a nossa situação são diferentes. Não teríamos uma atuação tão combatente como a do Fela, porque não é o caso. A gente acredita que é possível fazer diferente e melhorar da forma como estamos trabalhando”, argumenta. O baixista Marcelo Dworecki complementa: “É uma opção incluir um discurso político no trabalho musical. Não é porque tocamos um ritmo que tinha uma atitude política forte que também temos de assumir esse discurso”. Carlos Moore, porém, é categórico ao argumentar que não existe afrobeat sem contestação político-social. “É uma música que busca suscitar questionamentos, não o apagamento do sentido crítico. Na ideia de Kuti, é uma música para incitar a rebelião, não a complacência”, sustenta. Letieres Leite, músico, compositor e arranjador da Orkestra Rumpilezz de afrojazz, contudo, salienta que do ponto de vista estético a proposta de bandas com um pé nesse gênero musical é válida. “Pode-se misturar músicas diferentes”, diz ele, que atualmente elabora um projeto sobre afrobeat com Moore, “preparado dentro da óptica mais próxima do pensamento de Kuti”. No entanto, ele revela sentir falta da manifestação do pessoal da periferia – como em Salvador, no bairro da Liberdade, nos anos 1970. “Não estou criticando a classe média que tem acesso ao Kuti. Só gostaria de ver como seria o olhar da periferia nessa música.”

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À frente do África 70, grupo que tinha Tony Allen nas baquetas (vale aqui o crédito ao músico, que teve peso importantíssimo na formatação do gênero), Kuti tornou o afrobeat conhecido mundialmente. O nigeriano morreu em 1997, em decorrência de complicações resultantes

da aids, mas, se estivesse vivo, presenciaria seu estilo em evidência nos dias de hoje, representado no musical da Broadway Fela e também na formação de bandas como a norte-americana Antibalas Afrobeat Orchestra e as nacionais Bixiga 70 e Abayomy Afrobeat Orquestra. No caso específico do Brasil, boa parte dos nomes envolvidos com esse gênero musical não surgiu na periferia – há integrantes de classe média nesses grupos – e o conheceu pela internet. É possível trazer a ideia de contestação de Kuti nesses moldes? Mais ainda: é válido trabalhar com o afrobeat sem o forte discurso, apenas apresentando sua sonoridade característica?


arte como ofício Reportagem |

Como alguns artistas visuais descobriram a vocação para o ofício e o que sentem em seus mergulhos profundos em direção ao desconhecido

Rito de

passagem TEXTO mariana lacerda

Tentar falar com o outro, entender o que é estranho. Atribuir certa lógica ao inexplicável. Viver em poesia, junto ao que é lúdico, com o que é afetuoso. Livrar-se da loucura. Tudo isso é terreno do ofício de artista, profissão escolhida por alguns para dar sentido, antes, à sua própria existência ou mesmo para se sentir acolhido dentro dela. “Muito cedo direcionei o meu caminho para trabalhar com arte”, conta o artista visual Cadu, em um quarto de hotel na Rua Haddock Lobo, na capital paulista. Ele veio do Rio de Janeiro, onde vive e trabalha, para a inauguração das esculturas do Parque Estoril, em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo. Lá, montou uma passarela de alumínio, na qual a ação de um ciclista resulta na emissão de sons, como um instrumento que, tocado por uma bicicleta em movimento, executa uma música. Eis uma obra de arte – e o modo encontrado por Cadu, que ainda neste ano integrará a Bienal de São Paulo, para se comunicar com o público do parque. Mas o que faz alguém escolher a profissão de artista? Como nasce um artista visual? Perguntas simples, cujas respostas parecem ser a própria razão de existência desse ofício tão antigo. Entre os mundugumor, povo da Nova Guiné estudado pela antropóloga norte-americana Margareth Mead (1901-1978), apenas os bebês nascidos asfixiados pelo cordão umbilical possuem o direi-

to nato de exercer a atividade de artista. “Sei que nasci roxo, sem ar, asfixiado pelo cordão que me mantinha vivo”, diz Marcelo Coutinho, artista que vive e trabalha em Camaragibe, Pernambuco.

de exposições, preenchia o campo “profissão” dos folhetos de cadastros de hotéis com a informação “professor”. Cadu leciona na PUC/RJ e no Parque Lage. “De repente, passei a colocar ‘artista’.”

Sandra Cinto, de São Paulo, conta que tornar-se artista foi consequência de um processo vindo de uma “inquietação da vida” e da “necessidade de estabelecer algum tipo de comunicação com o outro”. Ela se formou em artes nas Faculdades Integradas Teresa D’Avila, em Santo André, sua cidade natal. “Tive a sorte de ter bons professores que me ajudaram a perceber a importância da arte na vida das pessoas e de como a gente pode entender o mundo e estabelecer uma relação com ele através dela.” Em abril, Sandra montou a exposição individual Encontro das Águas, no Olympic Sculpture Park Pavillion, do Seattle Art Museum, nos Estados Unidos.

Não era exatamente sua produção que o fazia considerar-se artista − apesar de já ter no currículo exposições coletivas e individuais e uma bolsa de estudos internacional – e sim o fato de estar em um estado de percepção que seria “estar em arte”, como ele próprio diz. “Quando aceito que vejo o mundo através de um lugar em que há mais espaço para mistérios, para ambiguidades, para o que é lúdico, para a poesia, então estou em arte. Faço coisas em nome dessa tradição, para manter isso funcionando, para sustentar essa ideia, esse monumento que inventei para mim mesmo”, explica.

Caminho sem volta

“A artista Louise Bourgeois (1911-2010) disse certa vez que a ‘arte é uma garantia de sanidade’, eu também acredito nisso”, diz Sandra.

“A aproximação definitiva ocorreu na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, onde frequentei aulas de modelo vivo”, conta Cadu. Ele tinha 14 anos, “uma idade frágil, em que estamos muito expostos, em busca de mundos que nos ajudem a construir um próprio”, diz. Reconhecer-se como artista veio depois. “Esse momento, no início de carreira, vem quando parece menos constrangedor para você mesmo afirmar o fato de ‘é, eu sou artista’.” Ele explica que, durante algum tempo, quando fazia pequenas viagens para participar

Para Marcelo Coutinho, selecionado para a próxima edição da Bienal de São Paulo, o ofício de artista seria o trabalho dos “indivíduos inaptos para participar da teia de acordos simbólicos que regem a vida social. Por não ingressar nessa ficção, por não partilhar inteiramente os códigos de convívio, alguns não se sentem pertencentes. A meu ver, trata-se de uma condição”. Talvez esse sentimento de pertencimento tenha a ver com a “garantia de sanidade” de que fala Louise Bourgeois.


“Existe um lugar de estranhamento próprio”, diz Cadu. “Esse estranhamento se dá quando você termina certo trabalho e se pergunta algo como: ‘Eu fiz isso?’. Essa inquisição particular é muito poderosa, muito potente para germinar modificações internas. Morre-se uma só vez. Mas pode-se renascer muitas vezes. A arte permite isso.” Ou, nas palavras de Ernesto Neto, artista visual carioca, “trata-se de questão de conforto e desconforto, onde o tempo é muito curto. Tudo se torna pouco atraente se não houver relação com a arte que faço neste mundo em que vivo”.

Em sua tese de doutorado, defendida no programa de pós-graduação em artes visuais da UFRS, Coutinho se dedicou a descrever essa “força de rebentação”, que seria responsável por mover o ser humano em direção à arte. “Essa presença nunca possuiu nome, por mais que tenha passado por inúmeros batismos no correr da história. Íntegra, ela se mantém como o eterno avesso dos nomes. Por isso chamei essa força de Isso. Um pronome demonstrativo, genérico e inexato. Um tipo qualquer de resto, de sobra indefinida. O que chamei de Isso é o que me impulsiona como artista.”

Como entender que a arte ajuda a dar sentido ao mundo de quem a cria – assim como ao universo de quem a consome, como a passarela no Parque Estoril criada por Cadu? Marcelo Coutinho explica que o fazer artístico atua como uma “força de rebentação”. Para ele, “é aquilo que a filosofia chama de ‘outro’. É um abismo com o qual alguns indivíduos se deparam”, acredita.

Foi o Isso, conta Coutinho, que o levou, também, na direção de uma prática religiosa. “O misticismo oriental, os ritos milenares ainda intactos, a prática da oração com suas técnicas corporais possuem para mim o mesmo fogo que vejo mover inúmeras obras de arte, de variados períodos históricos”, explica o artista, batizado em 2001, na Igreja Católica Ortodoxa.

Estranhamento

A recompensa de sair do labirinto seria como “ter o pó das estrelas no bolso”, diz Cadu. “Algo muito precioso, mas que não paga nem um cafezinho no bar. Trata-se dessa possibilidade de encontrar, lapidar e voltar de mergulhos muito profundos, de onde você retorna com os olhos injetados de sangue, mas com pequenos tesouros nas mãos.” Eis a alegria, a satisfação e a doçura de ser artista. “Um tipo de fogo que consome tudo. Tentar estar próximo a esse fogo parece ser o que fiz até hoje. Venha ele de onde vier”, acredita Coutinho.

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foto: Daryan Dornelles

O artista carioca Cadu, que tem obra exposta no Parque Estoril, em São Bernardo do Campo, SP

O Isso a que Marcelo se refere, a busca da sanidade a que alude Sandra ou o “labirinto” de Cadu podem ser considerados parte do rito de passagem de cidadão comum a artista: “É somente um fio de linha que vai tirar você dali. Porém, serão necessárias as suas mais potentes forças para conduzi-lo dali para fora. Esse lançar-se no mistério é muito raro em outras áreas profissionais. Acho que os artistas que estão trabalhando pela arte nunca vão abrir mão disso”.


arte como ofício Reportagem |

foto: João Musa

1 | Detalhe de obra sem título, 2001, de Sandra Cinto 2 | Frame do filme Ô, de Marcelo Coutinho 3 | Sem título, 2012, de Ernesto Neto polipropileno, corda de poliéster e bolas de plástico cortesia de Tanya Bonakdar Gallery, NY 4 | Eco, 2012, de Cadu instalação sonora em aço e tinta automotiva trabalho integrante do projeto Obra Viva

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foto: Jean Vong

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Assista ao vídeo desta matéria na versão para iPad e no canal <youtube.com/itaucultural>.


flip AGENDA |

uma década de festa

A Festa Literária Internacional de Paraty completa dez anos e nada mais justo que homenagear não só um dos maiores poetas brasileiros, mas também um apaixonado pelas palavras impressas: Carlos Drummond de Andrade

TEXTO gabriela rassy ILUSTRAÇÃO cynthia gyuru

Precisamente no ano em que o escritor, poeta e cronista mineiro Carlos Drummond de Andrade completaria 110 anos, sua plural obra ganha uma exposição especial, uma peça de teatro e três mesas de debate na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. O evento acontece de 4 a 8 de julho e traz, além da homenagem, 40 escritores de todas as partes do mundo, que se reúnem para expor e debater literatura. Parte da homenagem, a mostra Faces de Drummond – o Poeta e Seu Avesso abrange, de forma cronológica, toda a trajetória do escritor. Fora da programação principal, a atriz Sura Berditchevsky apresenta um monólogo na Casa da Cultura baseado nas correspondências trocadas entre o autor e sua filha, Maria Julieta. Já na Tenda dos Autores, as mesas discutem as relações entre a obra do homenageado e a atualidade. A primeira conferência combina um panorama geral da obra de Drummond com detalhes e análises de obras específicas, e terá como convidados Silviano Santiago, autor do prefácio do livro Carlos e Mário – Correspondência de Carlos Drummond de Andrade e Mário de Andrade (Bem-Te-Vi, 2003), e o filósofo Antônio Cícero. A abertura do evento fica por conta de Luiz Fernando Verissimo, que faz um balanço dos dez anos da Flip, e do show de Lenine. Da programação geral, destaca-se a mesa de debate Pelos Olhos do Outro, entre a norte-americana Jennifer Egan, vencedora do Prêmio Pulitzer por A Visita Cruel do Tempo (Intrínseca, 2011), e Ian McEwan. O escritor britânico aproveita a ocasião para fazer o lançamento mundial de Serena, seu novo romance. Já o francês Le Clézio, ganhador do Prêmio Nobel de 2008, e o norte-americano Jonathan Franzen, autor de Liberdade (Cia. das Letras, 2011), ganham uma mesa só para eles: a primeira, mediada pelo jornalista Ángel Gurría-Quintana; a segunda, pelo jornalista e escritor Humberto Werneck.

Em comemoração dos dez anos, a organização do evento preparou o livro Dez/Ten, com reportagens inéditas de escritores nacionais e estrangeiros, editado pela idealizadora e presidente da Flip, Liz Calder. Outro produto comemorativo é o DVD Uma Palavra Depois da Outra, compilação de falas de diversos autores que participaram das mesas de debate ao longo dessa década. Por fim, também foi produzido um livro sobre as últimas nove edições, com reportagens de Zuenir Ventura e Sérgio Augusto, entre outros. POTENCIAL TRANSFORMADOR

A Flip não atrai somente os turistas aficionados por literatura. A festa atinge de forma muito mais íntima os moradores da cidade. “É um evento que se dedica a contar histórias e que nasceu de uma preocupação com o lugar onde essas histórias são contadas. Essa ligação entre a experiência de uma ação cultural e o lugar é fundamental para a festa ser o que ela é”, avalia Mauro Munhoz, diretor-presidente da Casa Azul, na qual acontecem a Flipinha, voltada para crianças, e a Flipzona, ação que dá oportunidade aos jovens de mostrarem sua produção cultural – além de estimular o gosto pela leitura. Cristina Maceda, paratiense e responsável pelos dois eventos paralelos, acredita que a grande importância da festa está na formação de jovens leitores. “Antes da Flip, podemos assegurar que existia meia dúzia de livros na cidade. Hoje temos acervos nas escolas municipais e uma biblioteca comunitária, que abriu espaço para montarmos uma rede de bibliotecas em Paraty. E o melhor é que nós fomos procurados pelas comunidades e não o contrário. É a grande transformação de uma cidade a partir da literatura.” SERVIÇO

Festa Literária Internacional de Paraty – Flip 4 a 8 de julho Saiba mais em <flip.org.br>.

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A festa conta ainda com o retorno do catalão Enrique Vila-Matas, que faz uma reflexão com o chileno Alejandro Zambra sobre o ato da escrita e da literatura. O britânico Hanif Kureishi, filho de pai paquistanês, está na mesa Entre Fronteiras com o russo radicado nos Estados Unidos Gary Shteyngart. Os autores, que costumam valer-se de um tom satírico em suas obras, discutem diferenças culturais. “Eles trazem um olhar irônico que esvazia o viés mais extremista que costuma pautar esse tipo de discussão”, explica o curador da Flip, Miguel Conde.

Para seguir o tom de pluralidade de Drummond, convidados de diversas partes do mundo compõem o quadro das mesas de debate: o nigero-americano Teju Cole, o escritor e jornalista libanês Amin Maalouf, a cubana Zoe Valdés e a portuguesa Dulce Maria Cardoso, vencedora do Prêmio União Europeia para a Literatura.


damien hirst Reportagem |

Um

cruel

admirado A grande retrospectiva de Damien Hirst na Tate Modern, em Londres, não deixa escapar: a maior obra do artista é ele mesmo

TEXTO thais caramico

For the Love of God, o trabalho mais conhecido do artista, pode ser visto gratuitamente no hall da galeria

Sobre uma cabeça de vaca cortada lá estão as moscas, logo na entrada da exposição, rastejando ou fazendo rasantes. É uma cena chocante, uma representação do ciclo da vida. Dentro de uma caixa de vidro, centenas desses insetos sobrevoam uma poça de sangue quase marrom em A Thousand Years, obra de 1990. O primeiro contato com a maior retrospectiva de Damien Hirst, em cartaz na Tate Modern, em Londres, é um soco no estômago.

é devidamente amarrado com um bom plano de marketing.

tas, mortas, sobre um painel em formato de mandala, numa geometria perfeita.

No terceiro andar da Tate, 14 salas são palco de diferentes temas. “Escolhemos os principais trabalhos de Hirst, desde quando ele era estudante da Goldsmiths College. Mas não se trata de uma mostra cronológica e sim de uma disposição temática”, diz Ann. Conscientemente distribuída em sucessivas pancadas.

Ele tem 47 anos e é o artista contemporâneo mais caro e um dos mais conhecidos do mundo. É visto como alguém que estabeleceu uma linguagem própria, dita as regras do mercado e transforma grandes leilões em jogos de especulações. Hirst faz o que quer, mostra o que não se quer ver, provoca, tira o fôlego, dá enjoo e coleciona ácidas críticas como ninguém. Está claro no trabalho dele que arte, consumo e mídia andam juntos.

Estética da fragilidade

Seguindo o tema morte, a obra Mother and Child Dividied, de 2007, permite caminhar entre as entranhas de uma vaca e um bezerro, ambos abertos pela metade dentro de câmaras de vidro. Com olhares serenos, os animais fazem parte de uma das principais pesquisas do artista: a série História Natural, composta de diversas espécies preservadas em tanques com formol. Assim também é o tubarão suspenso em The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living, de 1991.

Se existe unanimidade sobre o britânico nascido em Bristol, em 1965, é que o seu trabalho é impactante. Tem um apelo visual que fisga – muitas vezes seguido por repulsa. “O que ele quer, no fundo, é lembrar que a vida é passageira”, diz Ann Gallagher, curadora da exposição e amiga de Hirst desde 1988. Com ambição, ironia e polêmica, ele usa todas as interpretações possíveis e não se intimida em mostrar produções colossais, seja qual for a técnica ou o suporte. E tudo

Expansiva, a mostra cobre 24 anos de trabalho. Ali, está claro: a arte de Hirst é uma exploração intransigente da existência. Ao mesmo tempo que brinca com a fragilidade humana e com os dramas da sociedade, abusa de uma estética forte para exibir-se. Temas como religião e ciência estão por todos os lados. E o interesse contínuo pela espiritualidade chega como um manifesto. Morte, pesar e fim surgem entre uma obra e outra. Para o artista, a vida é representada por um coração que pulsa e o ato de respirar é o que nos afasta da morte. Essa é a ideia presente em In and Out of Love (White Paintings and Live Butterflies): borboletas soltas, voando e pousando nos ombros dos visitantes. Elas saem de telas brancas, deixando casulos pela sala. Um ciclo pequeno que termina no espaço ao lado, onde outras borboletas são colocadas de asas aber-

Hirst garante, porém, que não brinca com animais vivos. Só utiliza o que já está morto. Em todas essas obras, a ideia é a contemplação da vida e o desejo que temos de transformar situações passageiras em eternas. Para minimizar a tensão, há os trabalhos iniciais e mais “tragáveis”. As bolinhas de Spot Painting, de 1986, introduzem alguns dos motes que Hirst vem usando com frequência, como o fascínio pelas cores. Pintura nunca foi sua técnica principal. O artista revela, em uma entrevista a Nicholas Serota, no catálogo da mostra, que os pintores eram sua grande inspiração, mas que acabou fazendo colagens como forma de unir pintura e escultura. “Não me encaixaria no mundo da arte de uma forma convencional”,


diz ao historiador de arte e curador. Ainda assim, o artista exibe a série Spin Paintings, com quadros feitos sobre uma superfície giratória. É a pura celebração da cor. A mostra é uma chance, segundo a curadora, de apresentar um retrato da produção de Hirst a quem nunca viu o trabalho dele. É ano das Olimpíadas em Londres e a Tate espera receber uma média de 15 mil visitantes por dia. Mas quem não quiser pagar as 14 libras (cerca de 40 reais) para ter acesso à mostra pode simplesmente passear pelo Turbine Hall e ver um de seus trabalhos mais emblemáticos: For the Love of God. A cópia em platina de um crânio do século XVIII, coberto por 8.601 diamantes, que, juntos, somam 1.106,18 quilates, está disponível de graça para todos os visitantes. Enquanto a Tate se encarrega de mostrar Hirst para o mundo, ele anda declarando que pensa em expor sua coleção particular, com obras importantes de artistas como Francis Bacon e Andy Warhol. Extravagância comercial?

“Ser bom em negócios é o tipo mais fascinante

de arte.” A frase de Warhol tem grande significado para o artista, que costuma ser comparado ao pai da pop art. Na lojinha da exposição, um bóton custa 6 libras e qualquer caderninho com folhas prateadas não sai por menos de 20. Nada comparado ao guarda-chuva de borboletas, de 195 libras, ou à caveira de plástico, vendida por 36.800. Até mesmo quem não gosta de suas obras admira o fato de ele ter conseguido incorporar a linguagem do marketing em seu trabalho. “Não o considero um pintor, escultor ou instalador, mas, sim, um criador de factoides. Cada lançamento de uma nova obra é arquitetado com um pensamento de divulgação impactante, funcionando como um pavio que detonará discussões e polêmicas sem fim”, diz Baixo Ribeiro, da galeria Choque Cultural, de São Paulo. A comunicação, portanto, é parte integrante de seu trabalho e levanta uma questão relevante, a da transformação da obra em commodity, seguindo a lógica do mercado de artigos de luxo. “Ele é um dos símbolos máximos da arte elitista, caríssima, esnobe e blasé”, completa Ribeiro.

Para Vik Muniz, Hirst sempre foi reconhecido como o líder de sua geração e sua generosidade com colegas foi o que lhe deu uma boa reputação. Mas ser quem ele é hoje vai além disso. “Sua extensa produção e superexposição, ao contrário da opinião conservadora que ainda teima em apreciar a arte pela raridade, foi justamente o fator mais importante na valorização de seu trabalho. Valor que sempre está mais relacionado à disposição do comprador do que à disponibilidade da obra”, acredita o artista. Na retrospectiva da Tate Modern, pode-se ver que um pouco do espírito transgressor do britânico ficou parado no tempo. “A excentricidade da juventude foi se diluindo. Hoje ele transpira uma seriedade antes camuflada em sarcasmo. Seriedade necessária para que ele tenha se transformado no maior estrategista que o mundo da arte já conheceu”, diz Muniz.

SERVIÇO

Damien Hirst Até 9 de setembro de 2012

A arte de Hirst é uma exploração intransigente da existência. Brinca com a fragilidade humana e com os dramas da sociedade, além de abusar de uma estética forte para exibir-se.

Tate Modern Bankside, London, SE1 9TG Ingresso: 14 libras (cerca de 40 reais) Saiba mais em <tate.org.uk>.

fotos: divulgação

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Hirst e o tubarão no formol de The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living


artivismo CAPA |

SENTIMENTO

MUNDANO O projeto Pimp My Carroça mostra o potencial de transformação do artivismo

Em 9 de maio, o artista visual paulistano Thiago Mundano viu seu projeto Pimp My Carroça mais que “virar” no Catarse [catarse.me], site de financiamento coletivo no qual inscreveu sua ideia para que pudesse receber doações do público. Naquele dia, o penúltimo oficialmente aberto às doações, os 38.200 reais estipulados para levar adiante a ação já haviam sido ultrapassados. Mesmo após o final do prazo, as contribuições continuavam chegando. Em 18 de maio, havia quase 64 mil reais em caixa, doados por 792 pessoas. “É muito bom ver essas pessoas se engajando para fazer acontecer iniciativas que podiam passar em branco. Pessoas que nunca pensaram nos catadores agora compraram a ideia”, comemora Mundano. A iniciativa dele mostra uma das vertentes da arte da atualidade: o artivismo, ou seja, a arte a serviço de causas sociais, ambientais e em defesa da cidadania. O sucesso do Pimp My Carroça não foi à toa. A reciclagem dos resíduos que a população produz é um dos temas mais caros hoje para qualquer cidade do mundo. E o Pimp My Carroça chega à ponta mais fraca – e ao mesmo tempo fundamental – da questão, que são os catadores de recicláveis e sua invisibilidade para a sociedade e o poder público. Inspirado no programa de TV norte-americano Pimp My Ride, no qual carros velhos são reformados e transformados em supermáquinas, o Pimp My Carroça restaurou e decorou com arte as carroças de

50 catadores de São Paulo, além de equipá-las com itens que darão mais segurança e conforto a esses trabalhadores no trânsito, como retrovisor, faixas refletivas e capa de chuva. E eles ainda passaram por avaliação médica e receberam alimentos.

TEXTO sabrina duran FOTOS marina chevrand

vivem”, diz a animadora cultural Renata Pereira Figueiró, uma das 792 pessoas que contribuíram com o projeto de Mundano. 800 MIL AGENTES AMBIENTAIS

“Hoje, todos reclamam dos catadores, buzinam, dizem que estão atrapalhando. A pintura das carroças pretende promover a interação da população com eles”, explica Mundano, que também contabiliza como conquista o fato de colocar a arte para circular livremente e de graça nas ruas, estampada nas carroças. Seu trabalho já é conhecido nos muros de São Paulo, nos quais costuma grafitar rostos estilizados e frases incômodas. Na quase sempre congestionada Avenida Rebouças, lê-se numa parede uma frase do artista: “Você é escravo do trânsito”.

Thiago Mundano tem 26 anos, mas desde os 21 se interessa pelo trabalho dos catadores. “Sempre tive a preocupação de reutilizar as coisas. Assim que comecei a conversar com esses trabalhadores, passei a frequentar os lugares que eles frequentam, a ouvir histórias e me apaixonei pela causa. As mulheres nessa profissão têm de trabalhar tão pesado quanto um homem e, quando chegam em casa, ainda fazem as coisas domésticas, levam e buscam seus filhos na escola. Eu as admiro muito. Todos eles têm muita carência de atenção e reconhecimento pelo trabalho importante que fazem”, diz o artista.

“Já conhecia o trabalho do Mundano por andar pelo centro da cidade e ver algumas carroças pintadas com um estilo peculiar, envolvidas por frases contundentes e lúdicas. Isso foi há uns cinco anos e me marcou muito. [...] Foi possível perceber que o senso crítico e a consciência de que nossa população e nossa classe política tanto carecem pululam em ações espontâneas e criativas de pessoas que vivem e percebem a rua. Precisamos desses agentes da rua para nos provocar, nos tocar e nos movimentar em busca de melhorias para a cidade e para todos os que nela e dela

No Brasil, há cerca de 800 mil catadores. Só na capital paulista, segundo estimativa do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), em média, 20 mil pessoas trabalham com reciclagem, parte delas por conta própria, parte ligadas a cooperativas – autônomas ou conveniadas à prefeitura. Para as cooperativas conveniadas, a prefeitura paulista envia apenas 1,2% das 15 mil toneladas de resíduos que a cidade descarta todos os dias. “A coleta seletiva, como política pública, ainda é incipiente no Brasil, onde a maior parte dos resíduos é despejada, irregular-


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Conhecido grafiteiro paulistano, Thiago Mundano abraรงou a causa dos catadores hรก cinco anos


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Uma das carroças pimpadas pelo artista: arte e frases de impacto para engajar a população

Mundano ouviu muito essas e outras reclamações dos catadores. Por isso, desde que começou a trabalhar com eles, não apenas desenha nas carroças como também escreve textos que eles mesmos sugerem. “Percebi que não era só pintar, tinha de colocar mensagem também. Antes as frases eram minhas, aí comecei a dar voz a eles para que sugerissem, tipo ‘não buzine’. Agora que o projeto se tornou coletivo, estou pedindo às pessoas que enviem frases”, informa o artista. Ele espera que, com as pinturas, os textos e o celular do catador expostos na carroça, as pessoas reparem mais nesses profissionais. Para Mundano, com a reflexão que o projeto gera, os habitantes vão se sentir incentivados a dar o resíduo de casa direto ao catador. “As pessoas ligam e eles vão retirar na casa delas. Assim os catadores vão entrar na cadeia da reciclagem e gerar renda, além de chamar a atenção da população para a importância de seu trabalho.” PIMP NA RIO+20

mente, pelas prefeituras em lixões a céu aberto. No entanto, os catadores fazem um trabalho de diminuição desse impacto no meio ambiente com a coleta, mesmo que precária, em lixões e nas ruas. Estimamos que cada catador recupere, por mês, 2 toneladas de material reciclável, montante que gera economia para os cofres públicos em relação ao pagamento de caminhões e destinação em aterros sanitários”, informa o MNCR.

Luzia Maria Honorato, do comitê paulistano desse órgão, aponta ainda a proibição da circulação de caminhões em algumas vias como outra dificuldade legal que os catadores enfrentam: “A legislação nos proíbe de circular com caminhões em várias partes da cidade de São Paulo e a secretaria responsável por nos trazer uma solução [a dos Transportes], para realizarmos um serviço de qualidade, é muito morosa. Estamos cheios de multas”.

Humorista e apresentador do programa Zona do Agrião, do canal Multishow, Marco Bianchi vê nos catadores potenciais agentes ambientais que ainda precisam receber formação adequada e ter suas atividades regularizadas. “Há iniciativas esporádicas do poder público na área de reciclagem e sustentabilidade, mas elas ainda me parecem insuficientes e geralmente vêm a reboque dos problemas. Sinto falta de um programa de maior apelo e alcance nacional, no mínimo, no setor ambiental”, afirma ele, que também contribuiu financeiramente com o Pimp My Carroça.

LIDA DE CATADOR

EFEITO COLATERAL

Em março deste ano, a Prefeitura de São Paulo, com base no Decreto 51.907, de 5 de novembro de 2010, colocou fiscais na rua para multar em até 11 mil reais condomínios que produzem mais de 1.000 litros de resíduos por dia e estabelecimentos públicos ou privados que gerem mais de 400 litros, caso estes não contratem empresas cadastradas para fazer a coleta do material. Como efeito colateral, a resolução inviabilizou a doação de material reciclável aos catadores por parte dos estabelecimentos e condomínios. “O decreto diz que só as empresas autorizadas com lista publicada no site da prefeitura podem realizar o serviço; nessa lista não há nenhuma cooperativa de catadores mencionada”, afirma o site do MNCR.

Renacir Marques de Brito tem 37 anos e trabalha como catador independente desde os 15. Está sempre pelas ruas do centro de São Paulo à procura de papelão e ferro velho. Pelo primeiro material, pagam a ele 10 centavos o quilo; pelo segundo, 25 centavos. “No centro é onde pagam melhor”, ele diz. Durante suas oito horas diárias de trabalho, costuma coletar 200 quilos de material. Em um dia bom, quando tem a sorte de encontrar uma janela ou uma porta, puxa 400 quilos com braços e pernas. Brito não inclui nessa conta o peso da carroça, que, vazia, tem cem quilos. É com o dinheiro do material reciclável que o catador sustenta a mulher e três filhas. Eles vivem na Favela do Moinho, no centro da cidade, a mesma que, em dezembro do ano passado, foi parcialmente destruída por um grande incêndio. A falta de cuidado com a separação dos resíduos recicláveis e não recicláveis por parte da população é um problema para Brito e seus colegas. “Jogam tudo misturado e temos de ficar mexendo no lixo”, ele diz. Outro problema – este mais grave e crescente – é o desrespeito de alguns motoristas. “Tem quem ache que a gente tem motor, querem passar por cima. Já tive amigos que morreram atropelados com a carroça. Se batem na carroça, o carroceiro vai para o chão.”

Com o sucesso de arrecadação no Catarse, o Pimp My Carroça vai poder sair de São Paulo. Durante a Rio+20 – conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável, que acontece no Rio de Janeiro entre 13 e 22 de junho –, Thiago Mundano vai “pimpar” as carroças de 20 catadores da cidade. “É época de eleição, todo mundo vai ficar atento à Rio+20. Queremos chamar a atenção da sociedade e de políticos para o assunto. O tratamento do lixo é a solução de muitos problemas sociais e ambientais, mas sempre será um problema enquanto não for visto como prioridade”, finaliza Mundano.

Durante suas oito horas diárias de trabalho, o catador Renacir Marques Brito costuma coletar 200 quilos de material. Em um dia bom, quando tem a sorte de encontrar uma janela ou uma porta, puxa 400 quilos com braços e pernas. Brito não inclui nessa conta o peso da carroça, que, vazia, tem cem quilos.

Veja no iPad vídeo exclusivo sobre a carroceata que integrou o projeto Pimp My Carroça.


De um para 300 Carroceata no Vale do Anhangabaú, que integrou a primeira Virada Sustentável, foi uma das principais ações do Pimp My Carroça Quando Thiago Mundano teve suas primeiras conversas com catadores e se interessou pela causa deles, não imaginava que dali a cinco anos, num domingo de muito sol, veria o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, tomado por cerca de 300 pessoas. Elas realizaram o mesmo trabalho de pintar carroças que ele começara solitário e em pequena escala. No dia 3 de junho, artistas visuais, marceneiros, ferreiros e outros voluntários aderiram ao Pimp My Carroça para ajudar Mundano a dar visibilidade ao trabalho dos catadores do país. Enquanto dezenas de carroças aguardavam em fila para ser pimpadas com arte, pneus novos, buzina e retrovisor, seus donos – alguns vindos de longe, como São Bernardo do Campo – passavam por consulta médica, oftalmológica, eram avaliados por dentistas e ganhavam massagem, energético, tênis novo, óculos escuros, capa de chuva, corte de cabelo e, no fim, uma pratada de arroz com feijão, combustível de seus veículos. No fim da tarde, uma carroceata de muitas cores e formatos subiu o vale e desfilou, com música, diante da prefeitura fechada. Assim como os problemas se multiplicam em cascata a partir de uma só questão não resolvida, com as soluções acontece o mesmo, só que na mão oposta. Mundano provou isso com o Pimp My Carroça, multiplicando por 300 o alcance dos seus braços e

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ideias. Veja nesta página imagens exclusivas do evento.


espaços urbanos (públicos) CAPA |

Ocupe tudo Sufocados por desmandos, cidadãos se unem para recuperar seu espaço de encontro na cidade. Nessa tarefa, o ponto de partida e chegada é a rua

TEXTO sabrina duran ILUSTRAÇÃO juliana russo

Em seu livro Acupuntura Urbana (Record, 2003), o arquiteto e urbanista curitibano Jaime Lerner diz que “a cidade é o cenário do encontro”. As referências físicas, a história e outros elementos da urbe são como um retrato de família para seus habitantes, diz Lerner, “e quanto mais essas referências forem aproveitadas pelos cidadãos mais a cidade será um local de encontro entre as pessoas”, completa. Há anos, porém, esse cenário vem sendo estrangulado pelo crescimento desordenado, e o retrato de família, aos poucos, vai perdendo seus rostos conhecidos. Como principais consequências da falta de planejamento urbano estão os congestionamentos monstruosos e o surgimento de empreendimentos imobiliários e obras públicas que desrespeitam traços históricos da cidade, exaurem recursos naturais e financeiros e priorizam o acesso ao entorno via automóvel, negando aos pedestres seu direito de estar e mover-se com qualidade. “Pensada na escala de conduções motorizadas e longas, nossa lógica de organização lota a cidade de superfícies de passagem, não de permanência. A pessoa deixa de permanecer nesse espaço e passa a percorrê-lo apenas”, explica a jornalista Natália Garcia, idealizadora do projeto Cidades para Pessoas [cidadesparapessoas.com.br], no qual pesquisa modelos de organização urbana que deram certo no mundo e cria um banco de dados aberto a ser usado no planejamento de cidades brasileiras.

um dos maiores exemplos de obra pública que impedem essa cidade de ser um cenário de encontro. O Minhocão liga o centro à região oeste e tem 3,4 quilômetros de via expressa, a 5 metros das janelas dos edifícios que o ladeiam. Gera poluição sonora e do ar, desvaloriza os imóveis ao seu redor, compromete a qualidade de vida dos moradores e promove a degradação daquele entorno. “A construção do Minhocão fez parte de uma série de intervenções urbanísticas da cidade através de vias expressas para garantir as conexões leste-oeste e norte-sul que cortam o centro, viabilizando a abertura de frentes de expansão imobiliária das classes médias, baseadas nos deslocamentos por automóvel. A abertura dessas vias rasgou diversos bairros residenciais centrais, gerando verdadeiras cicatrizes [...] tudo isso para que os carros pudessem circular mais rapidamente”, escreve Raquel.

Em post publicado no dia 14 de maio em seu blog [raquelrolnik.wordpress.com], a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik fala sobre o elevado Presidente Costa e Silva – o popular Minhocão –, inaugurado em 1970 na capital paulista e hoje

Desde 2011, um real “levante civil” vem acontecendo em algumas capitais brasileiras, promovido por indivíduos insatisfeitos com os desmandos dos poderes público e privado. Aqui e ali brotam ações e movimentos com propostas de atuação diversas, mas com um mesmo objetivo: recuperar o cenário de encontro para as pessoas.

Apesar de grave – e, em alguns casos, de difícil reversão –, a transformação das grandes cidades em campos áridos para o convívio entre as pessoas não tem sido suficiente para levar a um quadro de óbito a vida social no espaço público. Pelo contrário: as cicatrizes citadas pela arquiteta, que são tanto físicas quanto sociais, funcionam como uma lembrança incômoda aos cidadãos, impelindo-os a se mobilizar para evitar que essas marcas se proliferem no corpo da cidade.

No caso Mundano e o seu Pimp My Carroça, o objetivo foi estimular e reconhecer o trabalho de homens e mulheres responsáveis, na capital paulista, por 80% de todo o trabalho de reciclagem – apenas 20% ficam por conta da prefeitura. “Não é uma causa minha, é de todos. O futuro das gerações depende disso. Se posso tirá-los da invisibilidade, colocar o dedo na ferida do descaso com o lixo, vou fazer isso”, decreta Mundano, fazendo eco, na prática, a uma frase de Jaime Lerner: “A cidade é também o último refúgio da solidariedade”. MUDANÇA A PARTIR DA RUA

Assim como o projeto de Mundano, a maioria das ações e movimentos que se espalham pelo país parte de um modus operandi em comum: o uso das redes sociais para espalhar mensagens, angariar simpatizantes e organizar, virtualmente, manifestações presenciais. Outra característica é o fato de serem horizontais e coletivos. Não há partidos políticos, empresas, entidades formalizadas nem líderes por trás deles. E, porque não há líderes, todos os participantes são responsáveis pelo grupo, até mesmo por seu custo financeiro – desde a produção de faixas de protesto até a realização de eventos. Cada qual contribui com o que pode e, quando o valor é alto para ser bancado por poucos indivíduos, o financiamento coletivo se torna a saída, pois é por meio dele que pessoas simpáticas aos projetos doam quantias em dinheiro para viabilizá-los. Como forma de aprofundar-se e perenizar-se, esses movimentos também têm em comum o uso de instrumentos públicos, como audiências e pedidos de representação junto ao Ministério Público, para fiscalizar, punir e exigir respostas e mudanças dos próprios governos. Por fim, o local primordial de atuação dessas pessoas é a rua, o lugar mais propício ao encontro em uma cidade. A seguir, selecionamos algumas iniciativas civis que, pouco a pouco, vão restituindo o espaço público às pessoas.


Faixa Cidadã No Recife, dois jovens anônimos, cansados de esperar que o poder público sinalizasse para o pedestre uma rua recém-recapeada, pintaram, sozinhos, uma faixa de travessia numa área crítica da via, em frente a um hospital. A ação foi filmada e o vídeo colocado no YouTube [procure o canal do grupo Cicloação]. “Você aí, saia do sofá. Afinal, a nossa cidade é a gente que faz”, diz um dos jovens no fim do vídeo. Em São Paulo, algo semelhante foi feito. Pelo menos 30 ciclistas foram às ruas protestar contra a morte de um deles atropelado por um carro em uma via recapeada há dois meses e não sinalizada pela prefeitura. No local do atropelamento, à noite, foram pintadas dezenas de bicicletas no asfalto, além de uma faixa para pedestres. Durante a madrugada, a prefeitura se apressou em esconder sua omissão, sinalizando completamente a rua – com dois meses de atraso e uma morte na conta.

Ocupe Estelita Um megaempreendimento imobiliário fez a população recifense iniciar um protesto que começou virtualmente mas chegou às ruas. O projeto Novo Recife, que prevê a construção de 13 torres no cais José Estelita, na área central da cidade, acarretaria alteração negativa da paisagem urbana, abertura de ruas,

Desocupa

aumento do fluxo de carros na região e um sem-fim de efeitos colaterais advin-

Em Salvador, um dos movimentos civis mais bem organizados e perenes é o

dos da obra, que ainda está sendo avaliada pela prefeitura da capital pernam-

Desocupa [movimentodesocupa.wordpress.com], nascido em janeiro deste

bucana. Batizado de Ocupe Estelita, o movimento é feito por indivíduos do grupo

ano depois dos desmandos carnavalescos do prefeito João Henrique Carnei-

Direitos Urbanos [direitosurbanos.wordpress.com], envolvidos pessoal e virtu-

ro (PP). A prefeitura assinou um contrato com o Camarote Salvador para que

almente na defesa do espaço público dos recifenses. A manifestação presencial

este ocupasse a Praça Ondina durante o tríduo da capital baiana. As reformas

do Ocupe Estelita foi feita em 15 de abril no próprio cais. Naquele dia, centenas

da praça terminaram em agosto de 2011. Um mês depois, a praça foi fechada

de pessoas participaram de apresentações de música, piqueniques, oficina de

com tapumes para o público, gerando revolta nos moradores. “A gente tem uma

cartazes, passeios de bicicleta e outras atividades destinadas à ocupação do

gestão municipal dramática no que diz respeito aos espaços públicos. Não há

espaço público cobiçado pela especulação imobiliária. Organizado, o movimen-

uma política de coleta de lixo, de refeitura de calçadas, de arborização; e a ges-

to já conseguiu um abaixo-assinado contra o projeto Novo Recife e audiência

tão iniciou um processo de privatização desse espaço. A relação de intimidade

no Ministério Público de Pernambuco para contestar a legitimidade da obra. “O

que a iniciativa privada tem com todos os poderes mostra que a gente vive uma

que eu estava vendo era uma verdadeira apatia em relação ao que estava acon-

falsa democracia, que, na Bahia, é a indústria do entretenimento”, diz o arqui-

tecendo com a cidade. O Estelita foi a gota d’água. A sociedade civil começa

teto Ícaro Vilaça, participante do movimento. Recentemente, por iniciativa do

a tomar consciência de que não é possível continuar assim, de que é preciso

movimento Vozes de Salvador, com a colaboração do Desocupa e do A Cidade

redefinir os parâmetros urbanísticos”, diz Norma Lacerda, doutora em planeja-

Também É Nossa, foi realizado um seminário com a participação da popula-

mento urbano pela Universidade de Sorbonne, na França, e professora da UFPE.

ção, de arquitetos, de urbanistas, de economistas e de outros profissionais. No evento, elaborou-se uma proposta de governo com 11 pontos importantes para a cidade, do planejamento urbano à cultura. O documento foi entregue e discutido com pré-candidatos a prefeito. “A indignação contra a administração

Canteiros Coletivos

municipal estava presente em muita gente. Começou com algo pontual e aca-

Nascido em fevereiro, em um fórum do Desocupa, o Canteiros Coletivos é um

bou virando o exercício da cidadania em caráter permanente”, finaliza Vilaça.

grupo formado por cidadãos de Salvador preocupados em recuperar os canteiros existentes nas calçadas das vias públicas. “Nossa cidade está degradada e nossos canteiros esquecidos. Até mesmo bairros considerados nobres e de

Serviços Gerais Uma cerca torta, uma estátua mal polida ou uma placa de rua precisando ser mais bem fixada no poste. De repente, um anônimo aparece com uma pequena maleta de ferramentas e realiza os reparos necessários. A ação dura alguns minutos. Ao terminar, o homem guarda as ferramentas na maleta e vai embora. Tudo é registrado em vídeo e colocado no YouTube. Tão anônimo quanto esse homem são os pequenos cuidados de que uma cidade necessita. O artista plástico Rodrigo Machado, o produtor Filipe Machado e o diretor Gustavo McNair criaram o projeto de intervenção urbana Serviços Gerais [servicosgerais.tumblr. com], cujo objetivo é realizar minúsculos reparos, úteis ou inúteis, no espaço urbano. “Não acho que nosso projeto está salvando ninguém. É um protesto.

classe média são transformados em depósitos de lixo e entulho”, diz a jornalista e coordenadora do projeto, Débora Sanches. O objetivo do grupo, segundo informa sua página no Facebook [facebook.com/groups/coletivodecanteiro], “é mapear pequenos canteiros que possam ser recuperados por grupos de inúmeros bairros. Mas a caminhada começa em um só. Vamos mobilizar moradores e estudantes (inclusive de arquitetura), empresas da região, grafiteiros e colocar a mão na massa para ajudar a tornar Salvador mais digna de se morar”. No último 12 de maio, voluntários do grupo iniciaram a fase de plantio em um canteiro-piloto que serve como passagem a alunos da UFBA. Na fase anterior, o canteiro passou por quatro horas de limpeza, feita entre muito entulho, mato e boa vontade dos soteropolitanos.

Não precisamos de coisas radicais. As pequenas mudanças estão aí, nas mãos de todo mundo”, diz McNair. Para Rodrigo, a questão implícita sobre a relação das pessoas com a cidade é o ponto mais relevante desse trabalho. “Ela virou um lugar de passagem. A pessoa sai de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Não há momentos de convívio com o ambiente urbano”, diz. Nos vídeos, fica clara a estranheza de quem passa ao ver o trabalho solitário e mínimo do reparador. É como se ele mesmo, o transeunte, se visse ali consertando algo

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que, certamente, já o incomodou um dia.


ava Reportagem |

Para quem ainda quer se

surpreender

Diurno, primeiro CD do grupo carioca Ava, revela uma nova cantora: Ava Rocha, filha de Glauber

Aos 32 anos, Ava Rocha acumulou experiências no cinema e no teatro antes de chegar à música


TEXTO carlos vasconcellos

FOTO daryan dornelles

Onírico. Essa é apenas uma das palavras que podem descrever a atmosfera do CD Diurno, disco de estreia do grupo Ava. À frente da banda está a vocalista Ava Gaitán Rocha, de 32 anos, cineasta e cantora, filha mais nova do mítico diretor de cinema Glauber Rocha. Uma trilha sonora para um sonho, misturando composições próprias, versões de ícones como Edu Lobo e Jards Macalé, tudo temperado com literatura, MPB, música latina e toques levemente psicodélicos. “Onírico. Gosto muito dessa expressão, que remete a sonho e a coisas que extrapolam os limites da linguagem. É uma referência de liberdade”, diz Ava, reunida com os companheiros de banda, o violonista Emiliano 7, o baterista Daniel Castanheira e a violoncelista Nana Carneiro da Cunha, no apartamento do produtor do disco, Felipe Rodarte, no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro. Uma liberdade que não reconhece gêneros ou fronteiras. “Construímos o disco a partir de um repertório formado no palco, ao longo do tempo. A falta de restrições já estava presente nas músicas”, explica Ava. “Por isso, sabíamos que o disco não podia ser ligado a gêneros definidos.” Perguntada sobre onde colocaria o CD na prateleira de uma loja, ela ironiza: “Na letra A”. Castanheira intervém: “Podemos colocar na seção ‘Discos para Pessoas que Ainda Querem se Surpreender’”. Para Emiliano 7, o CD está ancorado nas diferenças entre os integrantes do grupo. “Foi um trabalho de dissenso, o resultado das nossas apostas, desejos e diferenças”, afirma. “Como uma espécie de montagem dialética”, completa Castanheira. Metade colombiana, metade brasileira

Como não podia deixar de ser, o cinema é uma referência permanente para Ava, a banda. Isso vai muito além da bela capa criada pelo artista visual Tunga, uma menção ao clássico Cabeças Cortadas, filme de Glauber Rocha de 1970, que também remete um pouco ao disco de estreia dos Secos & Molhados. “Eu penso tudo como montagem de cinema, eu me expresso assim”, explica Ava, a cantora. “E esse trabalho não pode ter compromisso com regras. É preciso construir uma linguagem própria para cada situação. Dou vazão a isso também na música. Para suprir uma falta de formação convencional, uso essa ideia. Mas pretendo melhorar”, ressalta.

No palco, a cantora deixa qualquer resquício de timidez do lado de fora. “Já fui tímida, acho que não sou mais. A coragem está aí, já apanhei muito”, diz. Até 2005, o lado musical era conhecido apenas da família e dos amigos mais próximos. Foi quando coordenava as gravações em DVD da montagem teatral de Zé Celso para Os Sertões que o diretor descobriu e revelou a todos sua voz, que é descrita por muitos como uma força da natureza. O encenador convidou Ava para interpretar e cantar “Luar do Sertão”, o que se tornou um dos momentos mais marcantes da série de quatro peças baseadas na obra de Euclides da Cunha. “Não me interesso pela atuação, mas trabalhar com o Zé Celso é mais do que simplesmente atuar, é uma verdadeira universidade”, diz Ava, que não pôde atender ao convite do diretor para acompanhar, com os músicos do grupo, a turnê de As Bacantes pela Europa, no início deste ano, por causa do lançamento do disco. Como cineasta, Ava dirigiu o curta Dramática, em 2005, e finalizou no ano passado Ardor Irresistível – longa-metragem realizado durante a viagem com o elenco da peça Os Sertões, em 2007, com codireção de Evaldo Mocarzel. Dificilmente o filme entrará em circuito comercial, mas a diretora estuda possibilidades com distribuidoras alternativas e outros canais de divulgação. “Vamos rodar com o filme em escolas, talvez exibi-lo no Canal Brasil”, diz. Apesar disso, ela conta que o foco da carreira no momento é a música. “Dediquei muitos anos ao cinema, agora é hora de dar um tempo. Vou retomar, mas não sei quando.” Exercícios imagéticos

Ainda assim, é impossível deixar totalmente de lado a linguagem visual. A cineasta-cantora é responsável por clipes da banda que são lançados semanalmente na internet. “São exercícios imagéticos”, explica. Os meios digitais e a proliferação de celulares são vistos por ela como uma forma maravilhosa de democratizar o acesso ao audiovisual. “É claro que nessa profusão de imagens há invasão de privacidade, humilhações,

Capa de Diurno, criada por Tunga

fofocas, mas, ao mesmo tempo, esse fenômeno pode permitir que apareça um Cartola do cinema”, argumenta, citando o gênio intuitivo do compositor mangueirense. Ava conta que, enquanto prepara os shows para divulgar o CD, o grupo também começa a trabalhar em novas composições. “O primeiro disco já foi todo apresentado em shows, então estamos garimpando material para as próximas apresentações”, diz. Canções que podem estar nos próximos trabalhos: a banda assinou um contrato com a Warner Music em que consta a opção de lançamento de mais quatro CDs. Lançar um projeto tão ousado por uma grande gravadora chegou a surpreender a banda. O produtor Felipe Rodarte lembra que ao mostrar o material aos executivos houve interesse de todas as majors. “As músicas arrebataram o Sérgio [Fernandes, presidente da Warner Music Brasil]”, conta Emiliano 7. Castanheira acrescenta: “O disco chegou pronto para eles e tivemos liberdade total. Na verdade, o mercado sente a necessidade de se reinventar, e o fato de um disco como o nosso sair por uma grande gravadora é uma prova disso”. O que nos leva de volta ao início da conversa, sobre liberdade artística e surpresa. “O ser humano é ávido por isso”, diz Ava. “O problema é quando se subestima o público para enquadrá-lo nas categorias socioeconômicas A, B ou C, em gêneros e tendências precondicionadas.” A tese vale para qualquer tipo de arte, ressalta a artista. “Quando participei de um programa para formação de público levando filmes para populações ribeirinhas na Amazônia, os envolvidos no projeto escolheram obras muito ruins”, lembra. “Eu programei Câncer, do Glauber, em um presídio; e exibi Um Cão Andaluz, do Buñuel, e O Acossado, do Godard, que é um thriller pop maravilhoso, e as pessoas amaram. Sei que o nosso disco não vai agradar todo mundo, como tudo na vida, mas sei que também é por isso que agrada tanta gente”, conclui.

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Ava enumera suas influências musicais: “Todos os grandes da MPB, como João Gilberto, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil. E também Villa-Lobos e alguma coisa de música experimental, como John Cage”. Ela revela que não curte muito a música americana, embora se renda a Janis Joplin e Billie Holiday. “Também gosto de muita coisa da

música latina, como Bola de Nieve, Chavela Vargas, Victor Jara, Chabuca Granda, Yma Sumac. Sou metade colombiana, metade brasileira. Ouvi muito rock em espanhol na adolescência”, conta ela, que é neta do poeta colombiano Jorge Gaitán Durán. O caldeirão de influências, misturado às preferências dos companheiros de banda, ajuda a entender o resultado do disco. “Eu curto muito Jimi Hendrix, embora essa influência não seja muito evidente à primeira vista”, diz Emiliano 7. “A mais roqueira aqui é a nossa violoncelista, a Nana. Nana Hagen”, brinca Castanheira.


i

ealidade

moacir ESPECIAL |

R

maginária

A Continuum foi à Chapada dos Veadeiros para conhecer a história do artista goiano Moacir Soares de Farias e a de sua intrigante obra. Ambas provocam uma reviravolta em fórmulas e conceitos da nossa sociedade

TEXTO carlos costa

FOTOS pedro frança


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Com diversos problemas de saĂşde, Moacir nunca frequentou a escola, mas tem certa autonomia na gestĂŁo de seu trabalho


moacir ESPECIAL |

Com exageros e imprecisões, as narrativas sobre o artista impressionam tanto que a credibilidade perde importância para o simbolismo. Diz um homônimo e conterrâneo seu, em uma conversa informal, ao se apresentar: “Meu nome é Moacir. Moacir na Chapada é nome de doido”.

A casa do artista é uma de suas principais obras

Menino e rapaz

Ele é artista desde criança. Assim se reconhece e assim é visto pela comunidade em que vive – a Vila de São Jorge –, povoado de Alto Paraíso, porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, interior de Goiás. A mesma comunidade que o considera louco, pervertido e demoníaco. Moacir possui diversas restrições físicas e particularidades. Ouve e fala com dificuldade, move-se com limitação e apresenta uma percepção bastante peculiar do mundo. Diz que vê seres fantásticos e capetas e conversa com eles. É arredio, quase não sai de casa e tem cheiro forte. E é muito atencioso. Quando sorri é doce e delicado e costuma presentear quem valoriza seu trabalho. Seu universo artístico é arcaico, colorido, impactante. Desenha e pinta, majoritariamente, mas também esculpe, faz performances, fotografa, filma, manipula imagens digitalmente. Trabalha com três temas: natureza, sexo e violência; um universo povoado por bichos, plantas, vaginas, falos, facas, capetas, anjos, monstros e santos. Cores fortes, formas contundentes, traço marcante. Lida com arquétipos e símbolos universais. Possui duas casas, conta em banco e certa autonomia na gestão de seu patrimônio. Vende quadros – muitos – e por um preço bem acima da média dos demais artesãos e artistas locais.

Nô, como é chamado pelos mais íntimos, nasceu, segundo sua irmã Elizenia Soares de Farias, em 1959, no cerrado habitado por garimpeiros, quilombolas e uma natureza exuberante e inóspita. Primeiro filho do casal Maria e Domingos, de origem muito humilde, apresentou diversos problemas de saúde. Nem mesmo sua idade exata é sabida. Falam de uma calcificação na coluna, que se percebe nos movimentos limitados dos braços, ombros e pescoço, e no volume disforme nas costas. Dizem que tem o palato parcialmente aberto, por isso a fala fanhosa com a fonética irregular. Conta-se que nasceu com dois caroços no pescoço, que foram extirpados, em casa, com linha. Por um dos ouvidos diz não ouvir. Especulam se é autista, esquizofrênico... Mas nenhum diagnóstico determinou nada. De sua infância e adolescência, contam sobre a pobreza, a sina de desenhar e o sofrimento de ser rejeitado. Nunca frequentou a escola, mas aprendeu a escrever o nome, que assinou em centenas de quadros. Em alguns, mais de dez vezes, com caneta esferográfica. Em outros, põe algumas das letras na posição contrária. Vivia isolado, até mesmo da família, e era vítima constante da maldade da vizinhança. Assim surgem as histórias...

Com exageros e imprecisões, as narrativas sobre o artista impressionam tanto que a credibilidade perde importância para o simbolismo. Diz um homônimo e conterrâneo seu, em uma conversa informal, ao se apresentar: “Meu nome é Moacir. Moacir na Chapada é nome de doido”. Ainda criança, Moacir pediu à sua mãe um capuz e passou boa parte da vida, inclusive o início da carreira artística, cobrindo o rosto. A razão, conta-se, surgiu quando tinha menos de 10 anos e uma luz o arrastou pelo pátio externo da casa. Tornou-se sensível à claridade. A família cresceu com outros sete irmãos. Nenhum deles é artista. Nenhum deles tem quadros seus. Viviam do garimpo e, por isso, passavam semanas acampados na Chapada procurando cristais. Mas Moacir ia sempre só. Mesmo acompanhando a família, não dividia a barraca com ninguém e fazia outro caminho, que marcava com desenhos nas pedras. Ainda jovem, ergueu uma casa só para ele. Devia ter menos de 20 anos, era a década de 1980. As amizades

Nessa época, a Chapada começava a ganhar notoriedade e um pequeno fluxo de turistas. Passaram por lá pessoas que ouviam falar de Moacir, se aproximavam e compravam desenhos muito baratos.


O fotógrafo goiano João Fernandes, de 50 anos, foi um deles. Ele foi arrebatado pela figura e pela arte de Moacir. Propagou seu nome nos círculos sociais que frequentava, levou sua história e seus desenhos para o artista plástico Siron Franco, o poeta Ferreira Gullar e o pesquisador Carlos Sena Passos e não parou. Resolveu tirar Moacir do ostracismo social. Empreendia viagens com ele e outros familiares para Goiânia, levou-o para tirar carteira de identidade, ao médico, ao ateliê de Siron...

Nos anos seguintes, além da gravação e do lançamento do documentário de Walter Carvalho, o artista recebeu diversas pessoas. Fez algumas viagens a Brasília e a Goiânia e continuou pintando. Virou matéria de jornais e revistas e tema de pesquisas acadêmicas, foi exposto, com timidez, e seu nome circulou pela região. Grupos de turistas, brasileiros e estrangeiros, apareciam e compravam suas obras, que iam subindo de preço. Atualmente, ele cobra pelos desenhos de giz de cera em papel pelo menos 250 reais. Pelas telas pede a partir de 300. Algumas obras mais antigas, como tecidos grandes pintados à mão, custam 3 mil.

Fotografou Moacir sorrindo, assustado, com o rosto coberto, com turistas, com familiares. Deu a ele materiais para estimular seu trabalho: papel, tela, tinta, argila, uma filmadora e até seu carro para que dirigisse. “Moacir adora máquinas”, ressalta o fotógrafo. E é verdade. Sabe mexer em computador, televisão, câmeras e dirigir mobilete e é fascinado por aeronaves. Inventou máquinas incríveis em seus desenhos.

Neste ano, Basso pretende convidar Moacir e outros artistas plásticos para um projeto de residência artística durante o encontro, que acontece em julho e terminará com uma grande intervenção pela vila. Contemporâneo

O artista também teve o apoio de outras duas pessoas importantes em sua história: Walter Carvalho e Carlos Sena Passos. O primeiro conheceu Moacir por acaso, em 1988, enquanto filmava com o irmão pelos ermos do Centro-Oeste. Ficou encantado com ele e prometeu voltar lá um dia. Retornou 14 anos depois para filmar o documentário Moacir – Arte Bruta, de 2006. “Mesmo com sua psique alterada, ele é um artista que soube se inserir no contexto da modernidade”, avalia Carvalho. O segundo foi levado por Fernandes e desenvolveu uma amizade com Moacir, que um dia lhe deu de presente uma pasta com centenas de desenhos que hoje compõem o único acervo público de obras do artista, no Centro Cultural da Universidade Federal de Goiás (UFG). Em 1990, ainda não havia luz elétrica em São Jorge e a estrada ia apenas até Alto Paraíso. Moacir se mudou para uma casa no centro da vila e o convívio entre ele, Fernandes e a família começou a se desgastar. Para a comunidade, o artista ainda era um louco. Sua arte, quanto mais popular se tornava, mais era execrada. Fernandes saiu de cena e Moacir seguiu pintando, agora mais sociável e acessível. Capetas nos postes

Moacir começou a interferir no espaço urbano da pequena vila com performances artísticas. Saía de bicicleta com uma máscara no guidão, vendendo seus desenhos aos turistas. Às vezes, ele se pintava como a máscara. Em outra performance, desenhava capetas com genitálias enormes nos postes da cidade.

Certa vez, deram queixa às autoridades locais de suas pinturas imorais. A polícia apagou tudo e oprimiu o artista. Passados uns dias, em seus desenhos surgiram policiais fardados que copulavam com seus amigos fantásticos, eram esfaqueados e fisgados por ganchos. Em 1998, Moacir começou a colaborar com uma festa da cidade, o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que, desde então, ocorre anualmente. É um evento organizado pelo pesquisador goiano Juliano Basso, que virou ativista cultural e fixou bases na região. Ele criou a Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, aproximou-se de Moacir e usou sua arte como identidade visual da casa e do encontro − hoje um dos principais acontecimentos da região. Basso apresentou a Moacir o mundo digital. Ele, que já fotografava e filmava, passou a pintar sob encomenda para o encontro e aprendeu a manipular pinturas e fotos no computador, fazendo montagens.

Em 2010, o Itaú Cultural selecionou os seis curadores de maior influência no Brasil e encomendou uma exposição que previsse o futuro da arte nacional. Entre os curadores de Caos e Efeito, Paulo Herkenhoff selecionou Moacir para a mostra. Lá estavam os desenhos do acervo da UFG e vídeos que Moacir grava em míni-DVD e vende por 20 reais. Neles, fala, quase sem parar, registrando o espaço de sua casa e os arredores, sem sair do quintal. Cayo Honorato, cocurador da mostra, foi com Herkenhoff a São Jorge conhecer o artista. “Moacir é muito inventivo e refratário a formas de compreensão apressadas e simplistas”, observa. Os editores de livros de arte Lucia Bertazzo e Leonel Kaz preparam uma publicação de luxo sobre os trabalhos de Moacir, ainda sem data de lançamento. Segundo Lucia, a ideia é, a partir dos acervos de obras de Moacir pertencentes a João Fernandes, Siron Franco e aos próprios editores, traçar uma linha evolutiva de seus desenhos ao longo de 15 anos de produção. “O mundo mitológico de Moacir é intrigante e de muita qualidade pictórica”, avalia a editora.

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Ao ouvir a história dos capetas nos postes, Doroty Marques − moradora de São Jorge e arte-educadora − gargalha e conta sobre um coroinha que apagava fervorosamente as pinturas com tinta branca. Vinha, então, Moacir e pintava por cima. “O fundo branco dava ainda mais destaque aos capetas.”

Desenhos do artista feitos de giz de cera sobre papel, pertencentes à coleção de João Fernandes

A casa de Moacir é uma de suas obras. As paredes externas são anualmente pintadas, como painéis. Por dentro, há cenas menores ou apenas capetas, como o enorme que ocupa uma parede e o chão do seu quarto, e muitas fotos de mulheres peladas penduradas. Os desenhos que não vendeu guarda em uma grande pasta. As telas ficam espalhadas pelo chão, nas paredes e guardadas em armários. Em uma caixa de papelão estão as impressões de sua arte digital. O ateliê, a sala e a cozinha formam um único cômodo. O aspecto geral é bagunçado, mas ele parece ter pleno domínio de tudo. Moacir mora só. Passou os últimos anos com sua mãe doente, que faleceu no início de 2012 e era igualmente tida pela comunidade como louca.


museu do erotismo MUSEUS DO MUNDO |

libertinagem histórica Se os franceses gozam da fama de ser rudes e antipáticos, é na relação com a sexualidade que vemos sua mais alegre tradição

TEXTO flávia pellegrino

As fachadas uniformes, delicadas e em tonalidades claras da clássica arquitetura de Paris dão lugar a um mundo de texturas, cores, luzes e neons. Os primeiros passos no bairro de Pigalle já nos revelam um universo bastante particular da capital francesa. São incontáveis sex shops, bares de striptease e salas de espetáculos dos mais diversos gêneros. E é entre tantas vitrines que estampam e disputam o consumo do sexo que está o Museu do Erotismo de Paris. “Pigalle é um lugar de festa e nós fazemos parte desse universo de divertimento local”, orgulha-se Alain Plumey, criador, curador e diretor do museu. Não é à toa que é o único aberto ao público todos os dias, das 10 da manhã às 2 da madrugada, para “acompanhar o movimento festivo do bairro”, completa. Todavia, a visita é restrita a maiores de 18 anos. O museu possui sete andares dos quais quatro são dedicados à sua coleção permanente e três às exposições temporárias, que têm duas grandes sessões anuais. Além da exibição sobre os célebres bordéis parisienses, outras três coleções compõem o acervo permanente: Arte Popular, que explora o aspecto recreativo da arte erótica por meio do humor e de sátiras em um permanente jogo entre o sagrado e o profano; Arte Sagrada, em que estão reunidos objetos e símbolos de inúmeras religiões – desde a pré-história – que remetem a um culto do homem à vida; e Arte Contemporânea, com obras de artistas em atividade. O acervo é resultado de pesquisas do curador em viagens ao redor do mundo. Essa busca, que teve início muito antes da inauguração do museu, em 1997, permanece constante. “É por meio de um tema controverso que o mu-

FOTO roberto almeida

seu traz um panorama bastante rico da própria história da arte.” Quem opina é Saturno Buttò, pintor italiano cuja obra integra Fim do Mundo, exposição temporária que explora a relação entre a iconografia religiosa e o corpo, este em uma eterna tensão entre ser objeto de culto e sua natureza e beleza eróticas. O artista defende que toda grande arte é invariavelmente acompanhada, como já disse o crítico literário Geoffrey Hartmann, da pornografia e da blasfêmia, “o que relegaria todo o resto ao social e à decoração”, conclui. A apresentação das coleções foi pensada, segundo o diretor, para despertar constantemente a atenção do público. Ele adotou como estratégia uma organização a partir da origem e do conteúdo das peças, sempre com o cuidado de fazer coexistir itens antigos, modernos e contemporâneos. A separação em pequenas salas pretende criar espaços mais intimistas. “É o nosso French touch”, arremata Plumey. O espírito abaixo da cintura

Se nas últimas décadas foi o romantismo em sua forma mais clichê que dominou o imaginário internacional a respeito de Paris, basta revisitar a história francesa para verificar que o erotismo encontrou na cidade um espaço privilegiado. De autor desconhecido, uma das frases-símbolos da capital francesa é “em todo lugar se é libertino por temperamento; em Paris, o somos por princípio”. O século XVIII, conhecido como o das luzes, foi também o do prazer, na medida em que o ideal iluminista considerava a liberdade do corpo indissociável da independência intelectual. Nessa acepção, a libertinagem seria, além de uma


transgressão às formas tradicionais de amor, uma revolta social. Imprescindível mencionar os anos de ouro dos bordéis parisienses durante a Terceira República Francesa (1870-1940). Eles eram famosos mundo afora como referência de luxo e luxúria. “Ia-se aos prostíbulos como hoje vamos à ópera”, comenta Plumey. Tamanha é a importância desse período que o Museu do Erotismo dedica um andar exclusivamente a fotos, vídeos e documentos raros que datam do fim do século XIX até 1946, ano em que essas casas foram proibidas em todo o território francês. Espaço em que os visitantes costumam passar mais tempo, nele se pode descobrir detalhes da decoração, das vestimentas e dos costumes dessa época particular da história da cidade. Segundo o diretor do museu, é próprio da cultura francesa humanizar e simplificar a relação que se tem com a sexualidade. “Sem culpa, sem drama, sem tabu e, sobretudo, com muito bom humor. Esse espírito também está presente no museu”, declara ele. “O objetivo aqui é divertir as pessoas, fugir dos dogmatismos de uma forma lúdica, pedagógica e isenta de mensagem moral.” Se Paris continua a ser uma incessante festa, como escreveu Ernest Hemingway, certamente este é um de seus principais endereços.

SERVIÇO

Revistas e objetos expostos no Museu do Erotismo e detalhe da escultura Hommage à Ô, 2011, do francês Alain Bonnand

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Museu do Erotismo 72 Boulevard de Clichy 75018, Paris, metrô Blanche ou Pigalle, aberto diariamente das 10h às 2h da manhã. Saiba mais em <www.musee-erotisme.com>.


regina advento entrevista |

de volta ao começo Se pudéssemos pegar o trem da história da bailarina brasileira Regina Advento, seria como se partíssemos do mais secreto quintal de Minas Gerais para o mundo. Ela deu os primeiros passos na dança ainda no jardim de infância, quando teve aulas de balé com os fundadores do Grupo Corpo. Sua base de dança se deu na companhia encabeçada pelos irmãos Rodrigo e Paulo Pederneiras, da qual participou de 1984 a 1990 como bailarina profissional. Aos 25 anos e já no auge de sua carreira, decidiu fazer as malas e recomeçar do zero na companhia Tanztheater Wuppertal, fundada pela coreógrafa alemã Pina Bausch. É lá que, há 19 anos, Regina encarna o que ela chama de “sol do meio-dia”. Com a morte de Pina, em 2009, um novo capítulo se fez na sua história. Outro recomeço para a artista. Hoje, aos 47 anos, além de transmitir o legado da mestra, imprime sua voz em projetos autorais e dá continuidade à sua formação como dançaterapeuta. “Para mim, é como se eu voltasse para o ponto inicial da minha história”, diz. Um advento de si mesma que ela conta nesta entrevista.

Única brasileira na companhia de dança de Pina Bausch, Regina ajuda a manter o legado da coreógrafa


TEXTO deborah rocha moraes

FOTO roberto almeida

De Minas Gerais para a Alemanha houve um grande percurso. Para começar a contar essa história, como foi sua formação? REGINA: Minha mãe teve a sorte de trabalhar na casa de uma senhora que tinha um jardim de infância do qual fiz parte. Lá, lembro-me de sentir a diferença de pertencer ao mundo dos mais pobres, mas estar sempre entre brancos e ricos. Isso me causava muitos conflitos e eu me tornei uma criança agressiva. Com o surgimento da dança em minha vida, fui me tornando uma pessoa melhor... Coincidentemente, os professores eram os bailarinos fundadores do Grupo Corpo. Mais tarde, assim que a escola deles foi criada, recebi uma bolsa para dançar. Você ganhou o Prêmio de Melhor Bailarina de Minas Gerais por Missa do Orfanato, em 1989. Qual a importância dessa peça na sua carreira e na história do Grupo Corpo? REGINA: Depois de Missa do Orfanato, a companhia mudou muito de estilo. A peça me favoreceu por seguir uma linha dramatúrgica forte. Pude descobrir em mim uma expressividade que desconhecia. Essa influência da dança-teatro se deu porque, no ano anterior, a coreógrafa alemã Susanne Linke – contemporânea de Pina Bausch – veio ao Brasil para encenar sua peça Mulheres com o Corpo. Posteriormente, veio Missa do Orfanato com toda essa bagagem de dança-teatro.

Você já foi descrita por Pina Bausch como uma “doce rainha da beleza”. Como era sua relação com ela? REGINA: Desenvolvemos uma relação franca e, com o tempo, aprendi a falar das coisas que eu não gostava. Uma vez, na frente de todos, perguntei por que ela me tratava de forma tão dura. Ela olhou para mim e disse: “Isso é um privilégio, Regina”. Uma das lições que aprendi com a Pina foi observar os vários aspectos do ser humano, que é sempre universal e complexo. Esse ensinamento é, para mim, um dos grandes tesouros de trabalhar com ela. Pina estabelecia com os bailarinos um diálogo feito de perguntas sem respostas precisas. Como era esse processo de criação? REGINA: Para mim essa era a melhor fase do ano, na qual a gente tinha toda a liberdade de experimentar coisas novas. Eu buscava usar esse período conscientemente para me desenvolver como artista. Mas chegou um momento em que a Pina me limitou dentro de uma cor, ou seja, queria que eu fizesse sempre o mesmo personagem. Qual era a sua cor? REGINA: Eu falo que era o sol do meio-dia, o amarelo. Esse espírito alegre e sapeca, que beira a ironia e a sensualidade, é um traço da minha personalidade. Esse é o meu papel na companhia. No entanto, eu amadureci e queria experimentar outras cores que também possuía. Desde Água (2001), sentia que estava apenas repetindo as mesmas coisas. Eu já havia pedido demissão para a Pina quando fui convidada, em 2006, a participar do Panorama Sesi de Dança, em São Paulo, que me deu fôlego para continuar. Você fez uma música para o filme Pina, de Wim Wenders? REGINA: Nós estávamos em Varsóvia quando a Pina morreu. Assim que recebemos a notícia, escrevi um texto para ela. Sugeri ao Wim Wenders que eu o traduzisse para o inglês e o transformasse em música e ele adorou. Disse que faríamos a música e um trecho de Um Jogo Triste, de 1994, que aparece no filme. As filmagens de Pina foram acontecendo e não tivemos tempo para gravar a música. Ela se chama See You. É como se eu estivesse conversando com ela da forma como sempre conversei: franca e diretamente.

Como você vê o futuro da companhia? REGINA: Após a morte da Pina, a responsabilidade de cuidar de todo o repertório ficou muito clara para cada indivíduo da companhia. Comecei a ver meu trabalho com outro valor porque percebi que isso poderia acabar de uma hora para outra. Todos entraram de cabeça nesse entendimento e, por isso, existe uma união que transparece no filme de Wim Wenders. O marido da Pina [o poeta chileno Ronald Kay] falou recentemente algo que acho bonito: nós agora somos como seus apóstolos. Temos o dever, ou talvez a função, de transmitir todo o seu ensinamento. Em cena, você já cantou em português, alemão e inglês. Qual a sua relação com a música? REGINA: Sempre quis ter uma banda e acabei realizando esse desejo em Wuppertal. Recebi uma proposta para integrar o grupo Formação Ufermann, no qual fiquei por quase três anos. Depois desse projeto, criei a minha própria banda, que se chamava Bossa Sempre Nova. Você continua cantando? REGINA: Sim. No momento, participo de dois projetos musicais como cantora. O primeiro se chama Clássica Brasileira, um encontro da música erudita com a popular. O show de estreia acontece no dia 2 de setembro, no Festival de Música Niederrhein, na Alemanha, e o CD será lançado até o fim do ano. Estou produzindo também um programa com dez músicas do repertório da Pina, que variam da folclórica ao jazz. Em que outros projetos de dança você está envolvida? REGINA: Em março, estreei uma peça com oito alunos do Centro de Formação Adage de Bordeaux, na França. Além disso, estou remontando o solo Trilhas dos Sonhos – Traumpfade, que apresentei pela primeira vez em São Paulo, no Panorama Sesi de Dança de 2006. Quais são os seus planos? REGINA: Terminei o curso de pedagogia da dança curativa e continuo por mais dois anos na formação em dançaterapia. Meu objetivo é usar a dança como tratamento psicológico em clínicas de reabilitação para dependentes de drogas ou em prisões para pessoas com psicopatologias. Sei por experiência própria que a dança funciona terapeuticamente. É como se eu voltasse para o ponto inicial da minha história.

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Como foi entrar numa das companhias mais respeitadas do mundo? REGINA: Eu sempre segui o meu coração. O meu interesse nunca foi a fama ou a segurança financeira. Foi assim aos 18 anos, quando tive de decidir entre fazer educação física, fisioterapia e dança, e aos 25, quando chegou o momento de deixar o Grupo Corpo. Eu estava no auge da minha carreira no Brasil. Parti para Wuppertal, na Alemanha, acreditando na experiência com a dança-teatro. Antes de entrar para a Tanztheater Wuppertal, eu fiquei dois anos e meio no Folkwang Tanzstudio, um grupo menor também dirigido pela Pina Bausch. O difícil foi entrar na companhia. As mulheres eram muito fortes e às vezes agressivas com os bailarinos recém-chegados, mas pouco a pouco fui conquistando o meu espaço. O fato de eu ser independente, muito curiosa e boa observadora me ajudou muito. Eu não falava inglês nem alemão e muito do que aprendi foi por esforço próprio. Nos últimos anos, passei a fazer parte do grupo das bailarinas mais maduras. Quando não estava envolvida em uma produção, a Pina me chamava para uma substituição teatral ou de dança, pois

me considerava capaz de realizá-la. Assim, ela contava com uma pessoa para as duas funções, o que de certa forma era um privilégio para mim, mas também muito cansativo.


vestido de noiva CERTIDÃO DE NASCIMENTO |

Um vestido, uma história

Montagem de Vestido de Noiva pelo grupo paulistano Os Satyros, no Itaú Cultural, em 2008

Marco da dramaturgia nacional, Vestido de Noiva é obra maior de Nelson

TEXTO micheliny verunschk

FOTOS cia de foto

Rodrigues, cujo centenário de nascimento é comemorado neste ano

Conta o livro do gênesis que Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo, vendo que sua criação era perfeita, descansou. Há 69 anos, em seis dias de trabalho frenético, Nelson Rodrigues escreveu Vestido de Noiva e com ele criava uma vertente moderna do teatro nacional. Ao sétimo dia, sem pensar em descanso, revisou o texto. Até então as artes cênicas no Brasil se equilibravam entre dois palcos: em um, copiava-se o modelo europeu; no outro, encenavam-se as chanchadas, que raramente ficavam em cartaz por mais de uma semana. Sem autores, diretores – apenas ensaiadores – ou companhias interessadas em uma forma própria de encenar, o teatro no país ainda não havia sido verdadeiramente inaugurado. O ano era 1943. A Segunda Guerra Mundial não dava sinais de um final próximo. O século XX se maravilhava com as conquistas técnicas e com as investigações de Freud, no século anterior, a respeito da psique. Nas páginas das revistas de época a publicidade era taxativa em seus slogans impiedosos: “Mulher geniosa, lar infeliz... Pode ser a consequência de um esgotamento nervoso”. O jornalista pernambucano Nelson Rodrigues, com os bolsos pesando em dívidas e uma família para sustentar, dois anos antes se lançara a escrever peças de teatro. Seu trabalho de estreia, A Mulher sem Pecado, embora tivesse angariado alguma simpatia do poeta Manuel Bandeira e do crítico Álvaro Lins, teve uma encenação acanhada e uma recepção pouco entusiasmada por parte do público. Sem se dar por vencido, o jovem autor, com 31 anos à época, saiu com pilhas de cópias de Vestido de Noiva debaixo do braço para bater à porta de críticos, jornalistas e todos que pudessem falar sobre sua peça, publicar uma nota, um texto elogioso. Quem leu se impressionou: estava diante de algo fabuloso, uma peça revolucionária e, talvez por isso mesmo, impossível de ser produzida. Se a história fosse outra, é provável que Vestido de Noiva tivesse permanecido inédita, engavetada. No entanto, a vida de Nelson cruzou com a de um judeu maluco o suficiente para não apenas acreditar que uma peça de teatro de autor brasileiro era possível como também para arrancá-la do papel. O ator e diretor teatral polonês Zbigniew Marian Ziembinski, ao fugir do nazismo e, de passagem pelo Rio de Janeiro em direção a Nova York, recebeu em mãos uma das cópias. Sua ousadia ao dirigir o espetáculo ajudou a formar a base do teatro brasileiro moderno.

rar como o marco zero do teatro nacional, porém, é sua composição estruturada em três diferentes planos narrativos: realidade, memória e alucinação. Sem se referir nominalmente às três estruturas da psique – ego, id e superego –, o autor construiu um quebra-cabeça tenso e fragmentário que exige do espectador uma leitura não linear de personagens e situações. O drama se inicia com o atropelamento de Alaíde, e é nos planos da memória e da alucinação da protagonista que os fatos se desenrolam e surgem as outras personagens. Ela é levada ao hospital e, durante as tentativas de ressuscitação, vai recompondo delirantemente sua história. Assim, surgem Pedro, a Mulher de Véu, que mais tarde se saberá ser Lúcia, e a misteriosa Madame Clessi, uma prostituta de fins do século XIX, assassinada na casa em que a tortuosa família morava e que, a partir da descoberta de um diário que lhe pertenceu, passa a ser confidente do delírio de Alaíde. Esse núcleo central de personagens, juntamente com os pais das moças, só existe na perspectiva de Alaíde à beira da morte, que tenta desesperadamente relembrar a história recente de sua vida. Exteriores a ela, estão os jornalistas e jornaleiros que anunciam tanto sua morte quanto a cena final, na qual se concretiza o casamento de Lúcia e Pedro. A Homenagem

Ao misturar recursos, gêneros e a prosaica linguagem de rua carioca, Vestido de Noiva foi um estrondoso sucesso de crítica e de público. Produzida por Thomaz Santa Rosa, cantor lírico e poeta, por Ziembinski e pela companhia amadora Os Comediantes, a peça estreou em 28 de dezembro de 1943, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, para um público de mais de 2 mil pessoas. O impacto do texto e da montagem foi tamanho que só 32 anos depois, em artigo de 1975, o crítico Alfredo Mesquita, fundador da Escola de Arte Dramática, dava conta de explicar o evento: “a meu ver Vestido de Noiva marcará, de fato, uma data no teatro nacional. Não conheço entre nós peça que de longe possamos comparar a essa. Talvez venha a ser o marco inicial do nosso teatro”. Nelson Rodrigues tinha pouco mais de 30 anos quando fez história na dramaturgia nacional e agora, em 2012, completaria cem anos. Em comemoração da data, o Itaú Cultural estreia, no mês de junho, a 13ª montagem do programa Ocupação tendo-o como tema. Em uma formação quase sensorial, a mostra traz o jornalista, escritor e dramaturgo em sua intimidade e resgata a vida, as referências, a forma de criar e as particularidades desse polêmico criador.

A História

O argumento de Vestido de Noiva é, em síntese, corriqueiro, até banal: uma mulher rouba o namorado da irmã e casa-se com ele. Lúcia, a personagem traída, jura vingança e em um mau momento do casamento se envolve com o cunhado Pedro, homem que disputara com a irmã. Juntos, eles tramam a morte da traidora Alaíde. Antes que consigam, Alaíde é atropelada e acaba morrendo, e os amantes enfim se casam. O que torna o drama digno de figu-

SERVIÇO

Ocupação Nelson Rodrigues 21 de junho a 29 de julho, de terça a sexta, das 9h às 20h; sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h, no Itaú Cultural, Avenida Paulista, 149, metrô Brigadeiro Visite o site do Ocupação: <itaucultural.org.br/ocupação>.


Pare e repare Dançarina Burlesca, Paris, 1926 | foto: André Kertész

A seleção bimestral de cultura da Continuum

LIVROS Coleção Photo Poche A Cosac Naify está relançando no Brasil, desde o ano passado, os volumes da coleção Photo Poche. Publicada na França em 1982, por iniciativa do Centre National de la Photographie, a série de livros tinha a proposta de formar o olhar do leitor para a fotografia de expressão, aquela em que se pode reconhecer a marca de cada autor, além do apuro técnico e estético que elevaram essa linguagem ao patamar da arte. A coleção obteve enorme sucesso e foi lançada em outros sete países. Em edição de luxo, cada volume da publicação original era dedicado a um grande nome da fotografia mundial e trazia textos analíticos, dados biográficos, além de reservar um espaço generoso para a apresentação de imagens. A coleção ganhou tanto prestígio em solo francês que passou a ter um papel educativo, o de iniciar didaticamente as pessoas no universo da fotografia. A versão brasileira chega ao sétimo volume, com lançamento em junho deste ano, dedicado ao fotógrafo húngaro André Kértsz (1894-1985) − considerado um dos mais

fotos: divulgação

completos de seu tempo, por ter atuado no jornalismo, na arte, na moda e na produção de retratos.

A Última Madrugada, de João Paulo Cuenca (Leya, 2012) O novo livro do autor carioca João Paulo Cuenca, um dos mais destacados da literatura brasileira atual, é uma coletânea das crônicas que ele escreveu para os jornais Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e O Globo entre os anos de 2003 e 2010. O tema que une todos os textos é a cidade. Como um flâneur que passeia sem rumo pelo espaço urbano, o autor vai tecendo narrativas que misturam o real e o imaginário com certa dose de absurdo, além de remetê-las ao passado e ao futuro. O Rio de Janeiro é o cenário da maior parte das crônicas, que abordam desde a invasão de turistas estrangeiros e dos jovens na Lapa até as lembranças de endereços comerciais do centro, que viveram seu apogeu em outros tempos e hoje estão fora de moda. Nessas crônicas cariocas, Cuenca presta uma homenagem às personalidades que melhor interpretaram a cidade. Mas a seleção mostra ainda que o escritor extrapola o relato opinativo e pessoal, marca da crônica, e flerta com a ficção, gênero no qual tem três livros publicados.

INSTALAÇÃO Caixa de Cinema (MIS, São Paulo) O Museu da Imagem e do Som (MIS), de São Paulo, inaugura um inovador projeto de estímulo ao cinema: a caixa de filmes. Inspirada nas jukeboxes, máquinas em que se pode escolher músicas, a caixa é, na verdade, uma cabine escura onde duas pessoas podem assistir a trechos de filmes que marcaram a história do cinema. Até o momento, estão catalogadas 60 cenas de diversos títulos, com duração de três minutos cada uma. A ideia da ação é atrair e formar público para o cinema. Por isso, a cabine fornece ainda informações sobre as cenas cadastradas. “Como qualquer recorte, elas têm um componente da memória afetiva dos filmes que marcaram a minha formação e trajetória como cinéfilo, mas tenho certeza de que são obras universais e que encherão os olhos de todos”, explica André Sturm, diretor executivo do projeto. Caixa de Cinema, até 1° de novembro, Museu da Imagem e do Som, Avenida Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo, SP − terças a sextas, das 12h às 22h; sábados, domingos e feriados, das 11h às 21h. Ingresso 4 reais (50% de desconto para estudantes). Saiba mais em <mis-sp.org.br>.

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TEATRO Nise da Silveira – Senhora das Imagens (Teatro Eva Herz, São Paulo) A psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999) revolucionou a maneira de olhar e tratar a loucura, trocando métodos violentos e punitivos pela arte e pelo afeto. Foi uma das primeiras mulheres a se formar em medicina no país e sua trajetória e ideias estão registradas em sete livros, que publicou entre 1968 e 1988. A história da médica rendeu o monólogo multimídia Nise da Silveira – Senhora das Imagens, que vem sendo encenado em São Paulo, com direção de Daniel Lobo, atuação de Mariana Terra, coreografia de Ana Botafogo e trilha sonora de João Carlos Assis Brasil. As ideias de Nise inspiraram a criação de museus, centros culturais e instituições terapêuticas em diversos países. Entre eles está o Museu de Imagens do Inconsciente, que fundou em 1952, no Rio de Janeiro. Na década de 1980, Nise colaborou com o cineasta Leon Hirszman, pioneiro em abordar a produção artística de pessoas com condições mentais especiais, na trilogia Imagens do Inconsciente, cujo roteiro assina. Em 2013, será lançado um filme homônimo à peça, com direção de Roberto Berliner e Glória Pires no papel de Nise. Nise da Silveira – Senhora das Imagens, até 27 de julho, quintas e sextas às 21h, duração 95 minutos, classificação etária 16 anos, entrada 50 reais. Teatro Eva Hertz, Avenida Paulista, 2073, Conjunto Nacional, São Paulo, SP, fone (11) 3170-4059. Bilheteria: terças a sábados, das 14h às 21h; domingos, das 12h às 19h. Saiba mais em <livrariacultura.com.br/teatro>.

Destaque

Prestes a completar 84 anos, o gravurista Gilvan Samico, considerado um dos mais inventivos da arte contemporânea brasileira, ganha finalmente um livro dedicado à sua obra. Samico (Editora Bem-Te-Vi), escrito pelo crítico Weydson Barros Leal e com prefácio de Ariano Suassuna, percorre o ateliê do artista desvelando detalhes da sua formação, pequenos segredos do seu processo de composição artística e a biografia do homem que se aventura a dar vida aos mais fantásticos seres, dragões, sereias, anjos caídos, pássaros de fogo, entre tantos. Além das reproduções das obras, inclusive de pinturas, faceta pouco conhecida de Samico, a fotografia de Helder Ferrer convida o observador a partilhar o universo de trabalho do artista.

Detalhe da obra A Louca do Jardim | foto: divulgação

As Fabulações de Gilvan Samico

O projeto do livro nasceu de encontros entre Samico, pouco afeito a entrevistas e exposições de sua vida privada, e o escritor. Aqui, Barros Leal fala do artista e conta como foram esses encontros, registrados em cerca de 14 horas de áudio, que demoraram sete anos até atingir o estado de livro. É verdade que esse livro nasceu na cozinha de Samico? Digamos que ele nasceu em duas cozinhas: na que se faz café e na que se faz arte, ou seja, a cozinha e o ateliê. Em geral, o meu processo de feitura de um livro se inicia muito antes da escrita, pois começo a construir o texto antes, dentro da cabeça, sem tocar em papel. Assim, desde a primeira vez que vi uma gravura de Samico, há muitos anos, tive vontade de escrever alguma coisa. Não sabia se era um ensaio, um livro ou um poema. Quando comecei a visitar a casa dele, que também é uma espécie de museu e galeria de sua obra, a vontade de escrever aumentou. Nessas visitas, a conversa fluía de modo tão agradável que eu tinha pena de não ver aquilo registrado. Um dia pedi autorização a Samico para gravar nossas conversas, que sempre aconteciam na mesa da cozinha, onde ele fazia um maravilhoso café e ficávamos horas falando sobre tudo − processo de criação, infância, aprendizado etc. Comecei a tecer uma cronologia, a dar forma e contexto a tudo. Depois de alguns meses, eu sabia que tinha o coração de um livro. Entretanto, aquelas gravações feitas entre 2004 e 2005, não tenho certeza, ficaram dormindo durante anos na minha gaveta. Eu sempre olhava para aquelas fitas e dizia: “Aqui está o livro de Samico”.

Há certa tentação em classificar a obra de Samico de regional. Qual sua leitura disso? O aspecto regional está lá, não se pode negar isso. Mas sabemos que quando falamos a verdade sobre os nossos mais íntimos instintos, ou sobre as tradições culturais de onde nascemos, também estamos falando da humanidade. Um homem na China ou na África que olha uma gravura de Samico vai reconhecer o pássaro, a planta, o barco que também tem em sua terra, assim como tudo que for sonho e fantasia vai ser reconhecido como sonho e fantasia. Isso é ser universal. Samico já foi chamado de tímido, introspectivo, calado. Mas recentemente, algo como de dez anos para cá, ele tem se mostrado mais receptivo ao acesso de entrevistadores e tem até falado em palestras. Nesses momentos, ele trata do processo de tradução ou de recriação no feitio de sua obra. O fundamental e originalíssimo, no seu caso, é a reinvenção ou captura de personagens de histórias de qualquer cultura, popular ou erudita, do Brasil ou do México, transformando esses elementos em outra linguagem, refundindo tudo com uma mestria que só o talento pode operar. O seu gênio é o componente final que faz com que uma técnica única em xilogravura seja o veículo da sua criatividade. (por Micheliny Verunschk)


garatujasfantasticas.com Essa dica é para as crianças: um blog dedicado às garatujas. Hein?! Se você que tem filhos, sobrinhos, netos estranhou a palavra, saiba que a garatuja, aqueles rabiscos que as crianças fazem ao tomar contato com papel e lápis, pode ser o primeiro registro de um futuro escritor, desenhista ou pintor. Tem de valorizar! Além de dar espaço de sobra para que mal traçadas linhas de todos os tamanhos, cores e formatos sejam publicadas, a página traz dicas, bate-papos com ilustradores, curiosidades, vídeos, histórias animadas, em quadrinhos ou escritas, e garatujas para download, feitas para pintar e bordar.

selvasp.com Sob o mote “por uma cidade mais bem observada”, os jovens fotógrafos Drago, Leo Eloy, Francisco, Gustavo Gomes, Gustavo Morita, Rafael Mattar e Padu Palmério criaram, em maio deste ano, um portal dedicado à fotografia de rua. O selvaSP nasceu da experiência do grupo em retratar, entender e sentir as ruas de São Paulo, mas pretende, além disso, agregar novos observadores que compartilhem a prática do, se-

thecomposites.tumblr.com

gundo eles, ócio contemplativo. Aproveitando ao máximo o vagar pelo

Criado em fevereiro deste ano pelo norte-americano Brian

espaço público, a ideia dos integrantes é levar as fotografias de volta às

Joseph Davis, o blog The Composites exibe retratos fala-

ruas, através da colagem de lambe-lambes e projeções.

dos de personagens de livros. Para isso, Davis utiliza um software que faz as vezes do usado pela polícia para recriar rostos. Na página dá para ver, de acordo com a descrição dos personagens em cada livro, como são Emma Bovary, de Madame Bovary (Gustave Flaubert); Tom Ripley, de O Talentoso Sr. Ripley (Patricia Highsmith); Holly Golighttly, de Bonequinha de Luxo (Truman Capote), entre outros protagonistas famosos da literatura mundial. Além de curtir os desenhos que já estão lá, sinta-se livre para enviar sugestões de novos retratos ao blog. A única exigência é que haja uma descrição detalhada do personagem no livro, para que a representação seja fiel. Então, mãos à obra: ainda não há nenhum personagem brasileiro retratado pelo The Composites.

efemeroconcreto.com.br A partir da compreensão de que o mundo de hoje é essencialmente urbano, o programa Efêmero Concreto busca entender e transformar esse espaço de intervenções artísticas. Entre as ações desenvolvidas está a produção de uma revista, que leva o nome do programa e traz a cobertura das intervenções realizadas, além de matérias jornalísticas, sempre visando explorar as possíveis relações entre arte e cidade. A versão impressa foi recentemente viabilizada através de financiamento coletivo pela plataforma Catarse e já é distribuída gratuitamente a instituições culturais e educacionais, e também está disponível para download na internet. Idealizado por Deco Benedykt e Marcelo Nucci, o programa faz parte do projeto AHH!, que se dedica a localizar e divulgar a nova produção artística e cultural do Brasil e do mundo, estimular ações pre-

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senciais e conduzir transformações nesse espaço de atuação.


PREPARE-SE PARA TER SEU TRABALHO APOIADO E DIVULGADO PELO RUMOS ITAÚ CULTURAL. Já estão abertas as inscrições para três novos editais do programa Rumos Itaú Cultural 2012: Cinema e Vídeo, Dança e Pesquisa, que pela primeira vez estará focado em Moda e Design. Através do Rumos Itaú Cultural 2012 também chegará a diversas cidades brasileiras uma série de atividades de formação. Os selecionados serão anunciados no segundo semestre de 2012. Os três editais estão em itaucultural.org.br/rumos, e a inscrição, gratuita, deve ser feita até 13 de julho de 2012 nesse mesmo endereço.

DANÇA • Dança para Crianças • Residência para Criação • Formadores

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PILAR COMUNICAÇÃO

INSCRIÇÕES ATÉ 13 DE JULHO


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