Continuum 32 - Agosto-Setembro/2011

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música é IMAGEM Povoado por lembranças de infância, florestas e áfricas, o surrealismo sonoro de Naná Vasconcelos completa 55 anos

VIDA DE BORBOLETA Os desafios da construção de um personagem e ensaio fotográfico de Mel Lisboa

ABSURDO TROPICAL Conjunto escultórico de Aleijadinho em Congonhas é ponto alto do barroco

MONDO SPIDER A aranha criada para discutir o uso dos recursos energéticos

CINEMA TRANSCENDENTAL Tecnologia e colaboratividade a favor do audiovisual brasileiro

ago-set 2011


personagem

GUSTAVO ZYLBERSZTAJN

BOOK LIGHT MEDIUM |


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itaucultural.org.br/ CONTINUUM


COORDENAÇÃO EDITORIAL

Ana de Fátima Sousa EDIÇÃO EXECUTIVA

Marco Aurélio Fiochi ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO

Carlos Costa Mariana Lacerda

PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTE

Marina Chevrand

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIA

André Seiti DESIGN

Danielle Domingues CONSELHO EDITORIAL

Ana de Fátima Sousa Claudiney Ferreira Eduardo Saron Guilherme Kujawski Jader Rosa Marco Aurélio Fiochi REPORTAGEM E REDAÇÃO

Paula Fazzio Roberta Dezan REVISÃO

Ciça Corrêa Nelson Visconti Polyana Lima PRODUÇÃO EDITORIAL

Isabella Protta Maria Clara Matos

COLABORARAM NESTA EDIÇÃO

Chema Llanos Claus Lehmann Denise Ribeiro Gustavo Zylbersztajn Juliana Monachesi Leonardo Calvano Lourenço Mutarelli Lourival Cuquinha Luana Fischer Márcio Gandra Michelle Assumpção Pedro Henrique França Peter Holmes Sonia Sobral Tatiana Diniz AGRADECIMENTOS:

Casa das Rosas, Coudelaria Souza Leão e Paulo Faria (Cia. Pessoal do Faroeste) ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082 (dezembro de 2007) Tiragem 10 mil – distribuição gratuita. Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento continuum@itaucultural.org.br Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554

CARTA DO EDITOR Nesta edição, a CONTINUUM abre as páginas às narrativas sobre trajetórias artísticas, marca sua chegada ao mundo virtual dos tablets e apresenta um novo espaço na web. As narrativas mostram um perfil do pernambucano Naná Vasconcelos, um dos mais importantes percussionistas do mundo, que não para de criar e agora batuca na água. Outros dois textos refletem sobre processos criativos: na Entrevista, os coreógrafos Marcelo Evelin e Thelma Bonavita falam do experimentalismo na dança; e uma reportagem conta como as residências artísticas influenciam a arte. Na seção Certidão de Nascimento, estão os mistérios que rondam as esculturas de Aleijadinho, na cidade de Congonhas (MG), e sua história. Enquanto em Museus do Mundo, Agustín Pérez Rubio, curador do Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León, na Espanha, apresenta a instituição e sua programação que prepara, para 2013, uma montagem com obras de Leonilson. Para fechar as narrativas, o artista visual Lourival Cuquinha lembra seu primeiro encontro com Cildo Meireles, homenageado na Ocupação, em cartaz no Itaú Cultural (de 21 de agosto a 2 de outubro). Nas páginas finais da revista, o terceiro capítulo da série HQ Animais em Fuga, de Lourenço Mutarelli. *** A CONTINUUM ganha a esfera virtual com o lançamento da versão da revista para iPad e Android. Saiba mais no Balaio, na página 38.

capa: naná vasconcelos foto: andré seiti

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música é IMAGEM Povoado por lembranças de infância, florestas e áfricas, o surrealismo sonoro de Naná Vasconcelos completa 55 anos

VIDA DE BORBOLETA Os desafios da construção de um personagem e ensaio fotográfico de Mel Lisboa

ABSURDO TROPICAL Conjunto escultórico de Aleijadinho em Congonhas é ponto alto do barroco

MONDO SPIDER A aranha criada para discutir o uso dos recursos energéticos

CINEMA TRANSCENDENTAL Tecnologia e colaboratividade a favor do audiovisual brasileiro

ago-set 2011

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na web: itaucultural.org/continuum


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absurdo tropical Toda a relevância e a improbabilidade da obra de Aleijadinho sob a perspectiva dos conjuntos escultóricos do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.

CERTIDÃO DE NASCIMENTO |

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experimentar para restaurar Os inúmeros testes, as pesquisas e a observação necessária para o restauro de objetos e monumentos históricos.

REPORTAGEM |

D E P O I M E N T O | um texto romântico (de alguém que se pensava mais sarcástico) O artista visual Lourival Cuquinha dá seu depoimento sobre Cildo Meireles, simetrias e criação.

M U S E U S D O M U N D O | um olhar para o século XXI Um passeio pelo Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León (Musac), suas exposições, programas e surpresas. P E R F I L | música surrealista Todos os caminhos da obra de Naná Vasconcelos, aperfeiçoada pela soma de experiências, culturas e tempos. R E P O R T A G E M | cinema transcendental Tecnologia, democracia e colaboração revolucionam o audiovisual brasileiro.

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R E P O R T A G E M | vida de borboleta Os atores Mel Lisboa e Cauã Reymond falam sobre o desafiador processo de construção de seus personagens. E N T R E V I S T A | mil casas Confira o bate-papo com os coreógrafos Marcelo Evelin e Thelma Bonavita sobre dança, relação com o público e potencial da internet. R E P O R T A G E M | pronta para criar Ponto de encontro de variadas áreas de produção, as residências artísticas são espaços de criatividade e interatividade.

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a marcha dos ciborgues A arte tecnológica e engajada do sul-africano Jonathan Tippett.

PERFIL |

pé na estrada O projeto Cadernos de Viagem, da 8ª Bienal do Mercosul, desafia nove artistas a criar obras inspiradas em cidades do interior gaúcho e de países fronteiriços.

REPORTAGEM |

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fica a dica Confira destaques culturais no cinema, nas artes visuais, na literatura, na música e na web.

BALAIO|

QUADRINHOS |

animais em fuga

O terceiro capítulo do HQ-Folhetim de Lourenço Mutarelli.

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aleijadinho CERTIDÃO DE NASCIMENTO |

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1. No adro da igreja, esculturas de integração arquitetônica de 12 profetas de pedra-sabão compõem um balé solene 2. Nas capelas, 64 estátuas devocionais de cedro encenam os Passos da Paixão


absurdo tropical Conjunto escultórico de Aleijadinho na Basílica de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas, é ponto alto do barroco e marco da arte brasileira

TEXTO carlos costa

FOTOS márcio gandra

Fosse o tempo da Santa Inquisição e alguém anunciasse que em uma pequena vila, no interior de um país tropical, um artífice mulato e aleijado esculpiria com destreza um dos mais relevantes acervos de imagens religiosas do mundo, diriam que era heresia. Há 206 anos, em Congonhas (MG), o absurdo se fez realidade. Entre 1796 e 1805, Antônio Francisco Lisboa (17301814) esculpiu com seus ajudantes 12 estátuas de pedra-sabão de profetas bíblicos e 64 esculturas de cedro dos Passos da Paixão de Cristo para o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Criou assim um dos mais importantes conjuntos escultóricos do barroco e um dos primeiros marcos da arte brasileira.

estava bastante afetado por uma doença que lhe causou deformações e a perda de dedos. Cobriase com um manto para evitar a luz do sol e os olhares; sofria dores constantes e os instrumentos do ofício lhe eram atados às mãos por auxiliares.

Os profetas de pedra são esculturas de integração arquitetônica – fazem parte do adro da igreja e passam, atualmente, por um processo de registro e reprodução em réplicas digital e física. Os personagens de madeira dos Passos são esculturas devocionais – estão agrupadas em capelas no jardim frontal da igreja, cujas pinturas originais das paredes acabam de ser restauradas e receberão projeto luminotécnico com tecnologia led.

A construção seguiu com a morte de Mendes e o local se transformou num centro de peregrinação nas Minas Gerais. As festas do Jubileu – que ainda ocorrem, em setembro, e são o evento turístico mais importante da cidade – atraíam multidões, garantindo recursos para a obra.

Nas estátuas, de tamanho próximo ao natural, críticos ressaltam o talento de Antônio Francisco Lisboa, conhecido pela alcunha de Aleijadinho e descrito, entre suposições e disse me disse, como um dos maiores mitos brasileiros. Arquiteto, entalhador e escultor autodidata, criou um estilo próprio que trouxe para o barroco nova expressividade, precisa na técnica e desesperada na emoção, e para a história um exemplo de superação e genialidade ímpar.

A história do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos começa no ciclo do ouro, quando os bandeirantes encontraram o minério na região. Entre eles estava o português Feliciano Mendes, posteriormente acometido por uma grave enfermidade, que conseguiu curar mediante a promessa de construir ali uma igreja. Em 1757 a obra teve início.

Dez anos após o término do adro, os responsáveis contrataram Aleijadinho. As primeiras esculturas foram as de cedro, concluídas em três anos de trabalho. Entre 1800 e 1805, foram esculpidos os profetas.

As estátuas foram pintadas mediante a conclusão das capelas. É atribuída ao pintor Manoel da Costa Athaide (1762-1839), outro importante artista do barroco brasileiro, a policromia dos três primeiros grupos, Ceia (1808), Horto das Oliveiras (1818) e Prisão (1819), além da pintura do cenário nas paredes. A construção das capelas ficou paralisada por 46 anos. Myriam supõe que, com a retomada da obra, em 1865, decidiram construir apenas mais três e, por isso, a quarta abriga dois conjuntos − Prisão e Flagelação −, com efeito prejudicial para a percepção da obra. Com o passar dos anos, as estátuas e as paredes receberam sucessivas pinturas, perdendo as características originais. Em 1954, ocorreu a primeira intervenção de caráter restaurador. Outra em 1974, quando Myriam começou a trabalhar com os Passos e o jardim foi modificado conforme um projeto de Roberto Burle Marx. A terceira restauração ocorreu em 2005 e a quarta neste ano. Os grupos de estátuas foram reorganizados conforme as indicações dessas pinturas.

OS PASSOS DA PAIXÃO

As cenas são Ceia, Horto das Oliveiras, Prisão, Flagelação, Coroação de Espinhos, Cruz às Costas e Crucificação. As capelas onde ficam expostas começaram a ser construídas dez anos depois de finalizadas as estátuas.

Entre as capelas, Myriam destaca a primeira, única em que Aleijadinho pode ter orientado a organização das estátuas e a mais elaborada do ponto de vista arquitetônico. OS PROFETAS

A pesquisadora Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira, especialista em arte barroca, salienta que o artista não deixou indicações do posicionamento das peças. Além disso, o número

Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Jonas, Joel, Amós, Naum, Abdias, Habacuc, Oseias e Baruc foram concebidos simetricamente orientados pelo eixo central do adro, o que faz a visão do

CONTINUUM

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Conforme as narrativas, Lisboa trabalhou em Congonhas durante nove anos. Era sexagenário e

PAGAMENTO DE PROMESSA

de esculturas costuma ser calculado em 66, no entanto existem apenas 64, “as outras não foram executadas”, garante.


M I R A D A | paraguai C E R T I D Ã O D E N A S C I M E N T O | aleijadinho

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O CONJUNTO – ARQUITETURA, TALHAS, PINTURAS, QUADROS E ESCULTURAS – DE BOM JESUS DE MATOSINHOS É CONSIDERADO UMA JOIA DO BARROCO ROCOCÓ, TOMBADO PELA UNESCO, EM 1985, COMO PATRIMÔNIO MUNDIAL DA HUMANIDADE, E PERTENCE À ARQUIDIOCESE DE MARIANA

conjunto, a partir do jardim frontal, ser a melhor forma de compreender a obra. O historiador americano Robert Smith destaca no conjunto o efeito dramático da concentração das esculturas no adro, que compõem um “balé solene”. Cada profeta traz um pergaminho com trechos de seus respectivos livros em latim e personifica, nas feições e movimentos, suas características. Nos anos 1970, ocorreu a primeira intervenção para preservação do conjunto, conta Jurema Machado, coordenadora do setor de cultura da Unesco. “Foram feitos moldes em gesso das estátuas, mas no primeiro inventário das peças não foi possível remontá-las.” Na década de 1980, para tentar sanar a ação de bactérias e fungos nas pedras, foi concebido o projeto de cooperação internacional Brasil/Alemanha Ideas – Investigations into Devices against Environmental Attack on Stones [Investigações sobre Ferramentas de Combate à Ação do Meio Ambiente sobre as Pedras], que, de 1982 a 1992, pesquisou a conservação de pedras em monumentos brasileiros e alemães. Os resultados ainda estão sendo avaliados, em razão dos prazos previstos para análise dos materiais. Em 2002, representantes do Ministério da Cultura cogitaram a remoção das estátuas do adro, para preservação em local fechado. A intervenção não garantiria melhoras e a ideia foi posta de lado. ESTRATÉGIAS DE REQUALIFICAÇÃO

Atualmente, a Unesco, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Prefeitura de Congonhas desenvolvem uma série de ações, integradas ao Programa Monumenta, para a requalificação do centro histórico da cidade, que culminaram na criação do Me-

morial Congonhas – Centro de Referência do Barroco e Estudo da Pedra, com inauguração prevista para 2012. Localizado no perímetro tombado da basílica, o projeto do memorial é de autoria do arquiteto mineiro Gustavo Penna e prevê um espaço composto de salas para exposições, estudos, seminários e reuniões e um ateliê. A ação engloba a reprodução das estátuas dos profetas em moldes de silicone e o escâner 3D para registro digital, além da recuperação das capelas dos Passos e da ladeira de acesso ao conjunto. A confecção de modelagem dos profetas em meio eletrônico é desenvolvida pelo Grupo Imago, da UFPR. Cinco profetas já foram escaneados. O trabalho está previsto para ser concluído até o fim do ano. As réplicas físicas demoram mais tempo. Até agora, apenas os moldes de Joel foram finalizados. A previsão é que a atividade se estenda até 2012, quando cada profeta terá uma cópia de gesso e pedra. Jurema Machado ressalta que o objetivo principal do memorial, orçado em mais de 10 milhões de reais, é ser um centro de referência para estudo de conservação, mas também do uso contemporâneo da pedra. O BURIL DE ALEIJADINHO

O conjunto – arquitetura, talhas, pinturas, quadros e esculturas – de Bom Jesus de Matosinhos é considerado uma joia do barroco rococó. Foi tombado pela Unesco, em 1985, como Patrimônio Mundial da Humanidade, e pertence à Arquidiocese de Mariana. Aleijadinho trabalhou na execução das estátuas auxiliado por sua oficina. Dessa forma, seu buril (ferramenta de aço usada para esculpir) é reconhecido mais fortemente em peças específicas.

Entre os profetas, Daniel e Jonas, esculpidos em bloco único de pedra. Nos Passos, os seis Cristos, o anjo, alguns discípulos, soldados e personagens coadjuvantes: as estátuas de mais destaque nas cenas. O professor de história da arte Marcos Horácio Gomes Dias visita anualmente, desde 2004, o local e aponta características e marcas de Aleijadinho nas esculturas: o nariz afilado, a barba em rolo e a desproporção física. “Aleijadinho aliou o drama à elegância. Em sua obra não há exagero.” O artista Luciomar Sebastião de Jesus, natural de Congonhas, convive desde a infância com as estátuas. Sabe de cor a história do escultor, reproduz os traços em sua obra e ressalta nas peças o detalhe das mãos, “a má implantação do polegar é uma característica, ele esculpia mãos com a mesma deformação que tinha”. O conjunto de Congonhas e duas esculturas devocionais em Sabará, atesta a pesquisadora Maria Regina Quites, coordenadora do curso de conservação da Escola de Belas Artes da UFMG, são as únicas obras cuja autoria de Antônio Lisboa é comprovada por documentos. De alto valor financeiro e artístico, as estátuas de Congonhas são mantidas pela igreja, mas recebem para preservação importante ajuda do poder público, de órgãos internacionais e da iniciativa privada. A igreja, antes chamada de santuário, tem hoje o status de basílica. O acesso aos jardins é diário, das 6 às 19 horas, sob a garantia de dois seguranças particulares, contratados pela igreja, e dois guardas municipais. O adro é aberto 24 horas. Nos jardins, as capelas são fechadas por grades, que permitem a visão das cenas. Para entrar nelas, é preciso permissão e pagar pela entrada.

Confira mais fotos na Continuum versão iPad e Android.


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O HOMEM E O MITO Especialistas divergem sobre quem foi Aleijadinho E se Antônio Francisco Lisboa não era aleijado nem o autor de todas as obras cuja autoria é relacionada a ele? A hipótese, mais uma conta no rosário de absurdos do mito de Aleijadinho, foi admitida por diversos pesquisadores, em meados do século XX, e retomada como tese de doutorado em 2002, na USP, pela

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escritora Guiomar de Grammont. Resultaram desse trabalho o livro O Aleijadinho e o Aeroplano − o Paraíso Barroco e a Construção do Herói Colonial (Civilização Brasileira,

TINTAS ROMÂNTICAS

2008) e a condenação da autora ao ostra-

Livros, filmes e estudos reforçam o imagi-

cismo no meio das artes nacionais.

nário sobre o artista

Guiomar analisou textos sobre Aleijadinho

O primeiro biógrafo de Aleijadinho foi

e encontrou Antônio Lisboa destituído do

Rodrigo José Ferreira Bretas, que publi-

mito, um escultor pobre e mulato do sécu-

cou, em 1858, um relato romântico sobre o

lo XVIII, e diversas discrepâncias históri-

artista. Para a historiadora da arte Myriam

cas. “Estudando o conceito de barroco na

de Oliveira, esse é o principal documento

literatura, cheguei ao ‘senhor barroco’, do

sobre Aleijadinho, mesmo que pese sobre

escritor cubano Lezama Lima. Aleijadinho

ele “as tintas românticas”.

seria a personificação desse herói, pensado por Mário de Andrade e pelos represen-

O livro de Bretas influenciou o trabalho de seu bisneto, Rodrigo Melo Franco de Andrade, criador do Serviço do Patrimônio

tantes do modernismo. Um personagem

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macunaímico que ‘devora’ a cultura do colonizador e a digere, antropofagicamen-

Histórico e Artístico Nacional (hoje Iphan),

te, mesclando-a com a sua própria. É uma

que reuniu documentos que corroboraram

imagem tão forte que se tornou a forma

a biografia e esteve à frente do segundo

como definimos nossa própria cultura e a

boom do artista no cenário nacional.

apresentamos ao mundo.”

A terceira geração da família voltou ao

Catálogos especializados listam cerca de

tema. Filho do segundo Rodrigo, o cine-

400 obras atribuídas a Aleijadinho e sua

asta Joaquim Pedro de Andrade filmou o

oficina. São peças avaliadas em milhões

documentário O Aleijadinho (1978) com

de reais e disputadas por colecionadores

roteiro de Lúcio Cardoso e narração de

e instituições de arte. Em maio, o escritó-

Ferreira Gullar. A figura e a obra de Aleijadinho inspiraram

rio de arte carioca Dagmar Saboya anun-

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ciou o leilão de uma imagem de Nossa Senhora do Rosário atribuída a Aleijadinho.

ainda o curta-metragem Santuário (1952),

O lance inicial era de 450 mil reais.

de Lima Barreto, e o romance A Madona de Cedro (1957), de Antonio Callado (filma-

A repulsa à sua pesquisa no meio das

do por Carlos Coimbra com Leila Diniz,

artes e da história Guiomar supõe estar

em 1968), além de longas-metragens,

relacionada exatamente à questão finan-

séries e especiais para a televisão e uma

ceira. “O livro incomoda os colecionadores

centena de livros. Entre eles, as obras de

porque questiona os pressupostos nos

Germain Bazin e Myriam de Oliveira são

quais se orienta o mercado da arte atual.

referências constantes.

A preocupação com a ‘originalidade’ ou ‘autoria’ inexistia no período colonial.”

3. Congonhas vista do pátio dos profetas 4 e 5. O traço de Aleijadinho na pedra: o nariz afilado, a barba em rolo e a desproporção física 6, 7 e 8. Na madeira, o escultor obteve a mesma precisão, estilo e elegância 9. Vista externa de uma das seis capelas que abrigam os Passos da Paixão 10. A Ceia, com pintura original do Mestre Athaide, é a cena mais importante do conjunto

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restauro artístico REPORTAGEM |

EXPERIMENTAR PARA RESTAURAR Estudos laboratoriais são essenciais ao processo de recuperação de antigos monumentos históricos TEXTO mariana lacerda

FOTO andré seiti

Quando os artesãos portugueses pintaram os painéis de azulejos do Convento de São Francisco (1590), em Olinda, entre os anos de 1734 e 1745, conseguiram imprimir um tom de azul difícil de ser esquecido por quem os conhece. Utilizavam o óxido de cobalto, ou óxido cobaltoso, até então desconhecido, que se apresenta como cristais acinzentados, verde-oliva ou em tons de vermelho. Ao ministrar esse elemento químico, tais profissionais escolheram de forma intuitiva um composto quimicamente estável no ambiente exposto, ou seja, uma tinta resistente à claridade.

Unesco. Lá está o maior painel de azulejos barrocos do Brasil, no Convento de São Francisco (foto). Ao todo, seriam 18.876 peças (também chamadas de “biscoitos”), segundo contagem realizada pela UFPE, numa pesquisa coordenada pela historiadora Bartira Ferraz. Faltam, no entanto, 428 peças e 2.631 estão partidas, recortadas ou deterioradas. Acredita-se que a maioria daquelas ausentes tenha, por causa do excesso de umidade, se desprendido da parede, caído no chão, desfazendo-se em pedaços. Em outras peças, os rostos de figuras que representam o diabo estão, em grande parte, deteriorados.

“O óxido de cobalto foi usado durante muitos séculos de forma empírica, sem que se conhecesse o elemento químico cobalto, que foi descoberto apenas em 1735”, diz o pesquisador António João Cruz, químico e restaurador do Instituto Politécnico de Tomar, em Portugal. Os artesãos ilustradores do barroco – como os que fizeram os painéis de azulejos do Convento de São Francisco –, além de praticar a experiementação, utilizavam a observação atenta dos elementos da natureza para obter as cores.

CIÊNCIA E SENTIMENTO

“Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo perduram no presente como testemunho vivo de suas tradições seculares. A humanidade [...] as considera um patrimônio comum e, perante gerações futuras, se reconhece solidariamente responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude de sua autenticidade”, diz a “Carta de Veneza”, documento sobre conservação e restauro escrito em 1964 durante o 2º Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos. Olinda é considerada desde 1982 Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela

Como afirma o sociólogo Jean Duvignaud, em seu livro Lieux et Non Lieux (em português, lugares e não lugares), lançado pela parisiense Editions Galilée, em 1977, uma cidade “é memória dela mesma”. Assim, ela luta constantemente contra o seu esquecimento e abandono. Se uma cidade é memória dela mesma é porque suas formas passaram a ser detentoras de infinitos significados. Apagar-lhe as formas e os espaços é o mesmo que roubar-lhe o sentido de sua existência. Mantê-los vivos é acolher narrativas de quem ali vive ou viveu. A “Carta de Veneza” recomenda que as intervenções de recuperação de bens tombados se deem da forma mais limitada possível. “Paramos o trabalho quando a imaginação começa a florescer ”, diz o mestre de cantaria Hamilton Martins, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Olinda. As marcas das intervenções, segundo esse tratado, devem ser diferentes das partes originais, de modo que possam ser identificadas, mas suficientemente semelhantes a estas, para que não perturbem o conjunto da peça. As consequências

do envelhecimento natural das obras não devem ser eliminadas e todos os tratamentos têm de ser devidamente documentados. O restauro, seja de pequenos objetos, seja de monumentos arquitetônicos, é fruto de experimentos, inúmeros testes e pesquisas históricas. Não raro, os processos terminam em livro. Foi o caso do projeto da Igreja de São Francisco de Assis (1766), em Diamantina (MG), restaurada em 2008, e dos elementos artísticos do Convento de Santo Antônio (1554), em Cairu (BA). Ambas as experiências estão relatadas em publicações do Programa Monumenta, do Ministério da Cultura. Em Olinda, a recuperação da Igreja do Carmo (1726) fez com que uma equipe do Laboratório de Solos e Instrumentação da UFPE tivesse de drenar a colina na qual a igreja se impõe. Foram mais de dez anos de pesquisas, experimentos e trabalhos para enxugar o terreno que, recortado por ruas e coberto de asfalto, já não se sustentava de tão úmido. “A Igreja do Carmo estava sobre um terreno que parecia uma gelatina”, diz o engenheiro Washington Amorim Júnior, envolvido nessa pesquisa, publicada em A Cidade Histórica de Olinda – Problemas e Soluções de Engenharia (Editora Universitária, 2001). A igreja, fechada há mais de 30 anos, estava pendendo e ameaçava ruir. Agora de pé, pôde ter o altar recuperado, num trabalho multidisciplinar que incluiu a proteção da madeira e o revestimento da talha com ouro. Os santos voltaram para o lugar. A reabertura ainda está longe de acontecer, mas suas portas estão abertas e, a partir delas, é possível observar os homens que realizam os serviços de cantaria. Estão lapidando, limpando pedras. Trata-se de mais um trecho da história que será impresso nos monumentos construídos.


Reflexões sobre simetrias, criação e Cildo Meireles

TEXTO lourival cuquinha

Conheci Cildo quando fiz um câmbio inverso em sua obra Ocasião (2005-2008), exposta em 2008 no Chelsea College of Art & Design, em Londres. Era uma sala com paredes de espelho e uma bandeja no meio com 100 libras dando sopa. Um dos espelhos era daqueles de polícia: quem está por trás vê através. O visitante podia entrar na sala que guardava o dinheiro ou então ficar por trás do espelho. Você roubaria? O câmbio inverso fiz quando peguei 20 libras da bandeja e botei nela 7 reais. O câmbio na época era simetricamente inverso: 7 libras valiam 20 reais. Ele assinou na nota e Michael Asbury, curador da mostra, escreveu ladrão nela. O cara tinha um boné surrado e o cabelo raspado. Ele foi o poder de expressão mais afiado com o qual já tive contato. O valor nele é um conceito volátil. Flutua e deixa a gente com uma certeza cáustica de que realmente é apenas convenção. Quem tem certeza do valor que alguém deu a algo? Vejo em Cildo uma capacidade bem clara de mostrar simetrias. Simetrias depois de pensadas e mostradas geralmente parecem simples, mas não são. O insight ao pensá-las ou descobri-las é algo como uma iluminação. Por isso Cildo tem no ateliê aquele caderninho de anotações. Simetrias são como virar o “problema” de cabeça para baixo para ver o fundo da questão. Olhar de outro ângulo é suficiente, não para obter soluções, mas para ver mais claramente.

cildo meireles por lourival cuquinha

(de alguém que se pensava mais sarcástico)

DEPOIMENTO |

UM TEXTO ROMÂNTICO

Pensando nesses momentos que também chamamos de inspiração, mesmo contra toda proposta racional de criação, lembro de outro monstro, o poeta Job Patriota, de São José do Egito (PE). Ao ser perguntado se era CILDO PERCEBE O PÁSSARO, COM SUA CALMA APARENTE, TEM TEMPO DE VÊ-LO CHEGANDO, DE ACENAR E DAR SEGURANÇA AO POUSO. DEPOIS, A GUARIDA E A COMIDA QUE ELE PROPÕE SÃO DE UM CONFORTO E SABOR BEM DIFERENTES.

poeta, deu uma resposta que clareou minha vista de adolescente sobre o que é fazer arte. Disse que ninguém é poeta, o que existe é a poesia. Um tanto platônico, mas vejam o mito na continuação de suas palavras: a poesia é um pássaro e pousa no seu ombro de vez em quando. Você só tem de perceber o pouso, que muitas vezes o ritmo da vida não deixa, e ter sempre com que o alimentar, fazer um ninho confortável para mantêlo próximo o maior tempo possível e necessário à criação, ao insight, ou como quisermos chamar a ideia original de uma obra. Perceber o pássaro é um passo para ser artista; alimentá-lo e dar-lhe um ninho é construir uma obra. Cildo percebe o pássaro, com sua calma aparente, tem tempo de vê-lo chegando, de acenar e dar segurança ao pouso. Depois, a guarida e a comida que ele propõe são de um conforto e sabor bem diferentes. Duchamp dizia que o artista tem de achar uma clareira no meio do tudo para a sua forma de expressão. A clareira de Cildo é vasta, o pássaro terá espaço ali. A simetria é a comida e o ninho mostra o fundo.

LOURIVAL CUQUINHA é artista visual. Entre seus trabalhos recentes estão Jack Pound Financial Art Project (lourivalcuquinhajackpound.blogspot.com). Foi selecionado pelo programa Rumos Itaú Cultural Artes Visuais 2007

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Cildo Meireles está em cartaz no projeto Ocupação, do Itaú Cultural, até 2 de outubro – com curadoria de Guilherme Wisnik. Saiba mais em: itaucultural.org.br/ocupacao/.

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O artista David Medalla e Lourival Cuquinha, entre o público que visitou a instalação Ocasião em Londres. No destaque, a nota de 20 libras “roubada”


musac MUSEUS DO MUNDO |

UM OLHAR

PARA O SÉCULO XXI Museu espanhol tenta se tornar referência na arte contemporânea internacional TEXTO carlos costa

FOTOS luana fischer

Vestido de preto e com um tênis coberto de lantejoulas, Agustín Pérez Rubio, 39 anos, diretor do espanhol Museo de Arte Contemporáneo de Castilla y León (Musac), é capaz de discorrer por horas sobre sua administração, desde 2009, à frente da instituição criada para ser um museu-modelo do século XXI. “Estou escrevendo notas de rodapé na história”, anuncia. Inaugurado em 2005, em León – capital de Castilla e León, noroeste da Espanha –, o Musac ocupa um edifício singular. O interior é composto de um tabuleiro de quadrados e losangos, salas e pátios contínuos e autônomos, que permitem a montagem de mostras de diferentes tamanhos e características. Do lado de fora, chama atenção a fachada lúdica e monumental com mais de 3 mil vitrais em 37 cores. As tonalidades foram obtidas por meio de um programa de computador, que decompôs os matizes de um dos principais vitrais da catedral gótica da cidade – considerada uma das mais importantes obras nesse estilo no mundo.

O projeto, assinado pelos arquitetos espanhóis Emilio Tuñón e Luis Mansilla, venceu, em 2007, o mais prestigiado prêmio de arquitetura europeu, o Mies van der Rohe, entre outras distinções. Mas a atitude de Pérez Rubio em relação ao edifício é de desdém. Ele se recusa a ser fotografado diante dos vitrais, que considera muito coloridos. “Preferia tudo branco.” Ou do lado externo do prédio: “Não quero ter o museu sempre associado ao projeto arquitetônico. É preciso ver outras coisas”, insiste. Essas coisas ele agrupa sob três temas, que definem as atividades-chave do Musac: as exposições, os programas educativos e as ações de incentivo a novos artistas. EXPOSIÇÕES

As exposições, segundo Pérez Rubio, tratam exclusivamente de arte contemporânea, assim como o acervo do museu, que não é exposto de forma permanente. Segundo ele, as mostras no espaço promovem abordagens diferentes das dos eventos organizados em outras instituições de arte contemporânea espanholas, como o


Museo Reina Sofía ou o Museu d’Art Contemporani de Barcelona (MACBA). “Não concorremos. Cada um tem seu tempo e momento.” (ver box) Para o futuro, destaca o projeto, que chega ao público em 2013, de retrospectiva da obra de três artistas plásticos: o cearense Leonilson (tema da primeira exposição de 2011 no Itaú Cultural), o cubano-americano Felix Gonzalez-Torres e o espanhol Pepe Espaliú – uma trilogia sobre a fragilidade do homem. (ver box) Os três morreram de aids antes de completar 40 anos, na década de 1990, quando a doença era uma praga temível que condenava suas vítimas ao fim lento e extenuante. Os três construíram uma obra relacionada ao desejo e ao amor gay. Coincidem também no retrato que pintaram do homem: efêmero, débil e limitado, na ironia e na sensibilidade e na trajetória curta e profunda, presente em trabalhos que levam a reflexões sobre a condição humana. A ideia de Pérez Rubio é de que essa trilogia seja exposta também na Fundação de Serralves, no Porto (Portugal), e no Museo Universitario Arte Contemporáneo (Muac), da Cidade do México. PROGRAMAS EDUCATIVOS

FOMENTO À PRODUÇÃO

Entre as atividades de fomento à produção recente há três programas, que abrem inscrições geralmente no início do ano. O primeiro está na sétima edição e oferece quatro bolsas anuais de até 15 mil euros para apoio a desenvolvimento de projetos artísticos – Bolsas de Criação Artística Musac. O segundo é promovido em conjunto com outras quatro instituições da região – a Plataforma de Apoio à Arte em Castilla e León (P4) – e está em seu primeiro ano. Disponibilizou para quatro projetos 5 mil euros. Essas obras/intervenções participam de uma itinerância pelas quatro instituições que formam a P4: o Musac, o Centro de Arte Caja de Burgos (Burgos), o Domus Artium (Salamanca) e o Museo Patio Herreriano (Valladolid), reforçando assim o vínculo entre os centros e os artistas. Em parceria com o Deac, há ainda a Convocatória de Ajuda a Projetos de Colaboração Artística, que oferece até 19 mil euros para ações educativas a ser desenvolvidas na cidade – de oficinas de arte à produção de publicações voltadas à população de León. Apesar de priorizar artistas e projetos locais com uma cota preestabelecida, os programas estão abertos a artistas de qualquer nacionalidade e podem ser consultados on-line.

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O edifício premiado tem espaços internos flexíveis. Toda a programação é sobre arte contemporânea

Os programas educativos do Musac são desenvolvidos pelo Departamento de Educação e Ação Cultural (Deac), coordenado por Belén Sola, e oferecem diferentes atividades, entre cursos, oficinas, visitas especiais e programação de cinema. O público-alvo são grupos de donas de casa, crianças, adolescentes, ciganos, presidiárias, portadores de necessidades especiais etc. “O museu sobrevive com verba do governo, por isso tem responsabilidade social e todas as suas atividades são gratuitas”, arremata.

Um exemplo das ações educativas é o projeto Hipátia: Pedagogias de Gênero em Espaços de Reclusão, que promoveu, por quatro anos, atividades periódicas com mulheres da prisão de Mansilla de las Mulas, em León, e gerou cinco revistas Hipatia, distribuídas gratuitamente no museu e disponíveis on-line (issuu. com/musac_ara/docs/hipatia_musac). Hipátia é o nome de uma filósofa e matemática pagã da Alexandria, do século III, violentamente assassinada por cristãos.


musac MUSEUS DO MUNDO |

A fachada possui mais de 3 mil vitrais em 37 cores e homenageia a catedral gótica da cidade

EXPOSIÇÕES EM CARTAZ Grito, comédia e crítica social povoam o espaço El Grito [O Grito] – até 8 de janeiro de 2012

“mostrar a verdade por meio do humor”. São mais de

Seleção de 28 obras de 17 artistas que abordam o

20 obras de 11 artistas.

significado do grito como gesto primitivo, em diferentes contextos e pontos de vista.

Ideas K [Ideias K] – até 11 de setembro Retrospectiva do artista espanhol Fernando Sinaga,

I Was a Male Yvonne de Carlo. El Arte Crítico Puede

com mais de 50 obras em diversos suportes.

Ser Sofisticado, Incluso Entretenido [Eu Era Yvone de Carlo Masculino. A Arte Crítica Pode Ser Sofisticada

P.I.G.S. – até 18 de setembro

e Inclusive Interessante] – até 8 de janeiro de 2012

Mostra individual de Claire Fontaine, coletivo fundado

Projeto que explora o uso dos mecanismos da co-

em 2004, em Paris, que centra o trabalho na análise

média para analisar os sistemas ideológicos sociais,

do contexto político, econômico e social e suas influ-

econômicos, culturais e políticos. Em outras palavras,

ências na sociedade contemporânea.

Agustín Pérez Rubio NÃO QUERO TER O MUSEU SEMPRE ASSOCIADO AO PROJETO ARQUITETÔNICO. É PRECISO VER OUTRAS COISAS.”


EXPOSIÇÕES FUTURAS Com previsão de montagem em 2013, retrospectivas de três artistas abordam a fragilidade do homem Felix Gonzalez-Torres (1957-1996)

Leonilson faz referências

Antes de desenvolver os sintomas da aids, o artista

ao cristianismo e à fragilidade da vida.

acompanhou a morte de seu companheiro, Ross

A obra consiste em camisas do próprio artista

Laycock. Essa realidade o levou a criar trabalhos

e tecidos, que pendem de uma arara e revestem ca-

como a instalação Sem Título da série Placebo,

deiras. Nestes o artista bordou “os delícias” (tecidos

de 1991, ano da morte de Ross, na qual ocupava o

branco e rosa que cobrem uma cadeira), o nome

espaço expositivo com um tapete formado por balas

“Lázaro” (duas camisas brancas unidas pelas barras

cobertas com papel celofane prateado, cujo peso

penduradas na arara) e as frases “da falsa moral”

total era igual ao peso real do artista somado ao

e “do bom coração” (um bordado em cada camisa

de seu companheiro. As balas eram levadas pelos

de mangas alongadas que vestem as cadeiras do

visitantes, até a obra acabar.

altar). Na arara, voiles branco e laranja completam a intervenção.

No mesmo ano, fez também Portrait of Ross in L.A. [Retrato de Ross em Los Angeles], com 175 balas

Pepe Espaliú (1955-1993)

envoltas em papel celofane colorido, amontoadas

Em 1991 é diagnosticado portador do vírus da aids.

de diferentes formas, e cujo peso total era o de Ross

No ano seguinte, levou a campo

antes da doença. À medida que o público levava as

o Carrying Project, lembrado por quem viu com

balas, o monte chegava próximo ao peso real de

emoção. O projeto foi realizado em duas cidades

Ross, até quase desaparecer, quando então as ba-

espanholas – San Sebastián e Madri – e consistia

las eram repostas, metaforizando uma fênix eterna.

em uma releitura da brincadeira infantil de passar uma pessoa, de braços em braços, que os espa-

Gonzalez-Torres relacionava as balas coloridas à

nhóis chamam de “cadeira da rainha” e por aqui se

abundância, à doçura, à alegria, sentimentos que

chama “cadeirinha”. Pepe estava magro e debilitado,

associava também a seu companheiro e que dividia

a ponto de se locomover em cadeira de rodas, e ia

com o público.

descalço. Cada par de amigos ou voluntários (dizem que até a rainha da Espanha, Sofia, participou)

Leonilson (1957-1993)

transportava o artista, com os braços cruzados e

Descobre ser portador do HIV em 1991. Na série de

unidos pelas mãos, até o outro par.

sete desenhos O Perigoso, de 1992, trata com ironia sua condição, usando uma gota do próprio sangue

O nome em inglês faz referência ao jogo de pala-

na pintura-título da série, composta também de

vras e significados de carry (carregar, transportar)

figuras de mãos associadas a procedimentos médi-

e care (cuidar).

cos, crucifixos e nomes de flores. Complementando a performance, Pepe Espaliú Em El Puerto, também de 1992, cria um autorretra-

expunha esculturas de cabines de transportar

to com um espelho coberto com o retalho de uma

pessoas, chamadas “caixas cegas”. Inspiradas em

camisa na qual borda grosseiramente seu apelido

cadeiras de mão da aristocracia, serviriam para

(Leo), idade (35), peso (60) e altura (1,79).

alguém (o doente) ser transportado, não fossem inúteis para isso, em razão do peso excessivo do

Na instalação na Capela do Morumbi, de 1993, mon-

ferro com que eram feitas e por não ter janelas nem

tada pouco antes de falecer, com a ajuda de amigos,

portas: caixa cega, talvez jaula ou ataúde.

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Saiba mais sobre o Musac em musac.es/.


naná vasconcelos PERFIL |

MÚSICA surrealista O percussionista Naná Vasconcelos chega aos 55 anos de carreira como uma referência internacional em plena atividade

TEXTO carlos costa e michelle assumpção

FOTOS andré seiti

O mesmo berimbau o acompanha há mais de 40 anos


J

uvenal de Hollanda Vasconcelos completou 67 anos de idade e 55 de carreira no começo de agosto em plena atividade profissional e satisfeito com sua trajetória. Ele mora numa casa confortável com a esposa, Patrícia, 47, e a filha, Luz Morena, 12, na zona norte do Recife, próximo ao humilde bairro onde nasceu, Sítio Novo, na periferia de Olinda. Leva consigo o apelido, Naná, que lhe assegura um local de destaque no panorama da música mundial: tocou e gravou com quem quis, pelos quatro cantos do mundo. Criou um estilo que nunca foi enquadrado precisamente em nenhum rótulo, mas virou referência no mundo do jazz e da música popular e contribuiu para a elaboração da expressão world music, que agora engloba muitas outras atitudes e posturas musicais e não lhe serve mais. Conta que a formação musical começou cedo com a família, em Sítio Novo, bairro mítico em suas lembranças. O pai, Pierre, tocava em conjuntos musicais e bandas. A mãe, Petronila, apresentava a ele e aos outros cinco irmãos a vida cultural do local. Tambores do candomblé, trovões dos maracatus, gritos de pregoeiros e berimbaus de capoeiras se misturaram às músicas que o pai ouvia. E não é a fusão antropofágica, de culturas digeridas, que ele ressalta como molde para sua arte. São outros princípios. No mais recente trabalho, Sinfonia & Batuques (Estúdio Carrancas, 2010), Naná escreve no encarte sobre um deles. A importância de ter uma ideia própria, alimentá-la e dar-lhe forma. Em sua fala, ressalta outro: a liberdade de experimentar, de acreditar, de tentar. Foi assim que chegou à sua música, aperfeiçoada com a soma de experiências, culturas e tempos, mas íntegra e similar, desde as primeiras gravações com Milton Nascimento, no início dos anos 1970, até hoje. E essa música ele chama de surrealista. É a chave para entender o que faz no palco e o que provoca com seus sons. “Música e imagem é a mesma coisa”, determina.

AOS 12 ANOS

O rapaz de Sítio Novo começou a tocar por insistência. Queria acompanhar o pai nos bailes e clubes noturnos e tanto fez que conseguiu. A família providenciou a permissão necessária para que, aos 12 anos, pudesse frequentar a noite. Ele não podia nem descer do palco, mas, acompanhando o pai nas apresentações, aprendeu sobre a vida.

Ao perder o pai, já tinha a música como sina e experiência. E o substituiu no trabalho de arquivista de uma banda marcial. Comprou escondido da família uma bateria e continuou a trajetória. Ouvia A Voz da América no rádio e imitava a bateria sofisticada, com compassos complexos, de seus ídolos do jazz. Na primeira chance, mostrou sua capacidade. Buscavam um baterista capaz de tocar no primeiro campeonato de bossa nova do Recife. Era um ritmo raro, 5/8, e ninguém sabia fazer. “Disse que era capaz e ainda podia solar. Toquei para eles verem e me aceitaram.” NO RIO DE JANEIRO

A história segue com encontros essenciais e representativos. Aos 23 anos, em 1967, conseguiu ir para o Rio de Janeiro, acompanhando Capiba e outros músicos. Decidiu permanecer na cidade, driblando a falta de dinheiro e estrutura. O amigo Geraldo Azevedo o apresentou a Milton Nascimento. Começava a primeira parceria fundamental. “Levava tudo comigo, o berimbau, o maracatu de seu Veludinho. Estava pronto e Milton, por necessidade, me deixou fazer aquilo. A música dele não era bossa nova. Ele precisava de outra coisa. Aí me mostrou ‘Pai Grande’ e eu fui construindo o cenário. Era um navio negreiro, mas no Rio Amazonas”, recorda. Seu Veludinho era o mestre de um maracatu de Sítio Novo. O irmão mais novo de Naná, Erasto Vasconcelos, também músico, gravou no disco Estrela Brilhante uma loa em homenagem a ele, “Pitu e Veludinho”. “Pai Grande” foi gravada e regravada por Milton e outros e é uma poesia sobre os antecedentes de Miltons e Nanás, negros escravos vindos da África. No disco Milton (Odeon, 1970), está o navio negreiro amazônico que Naná viu e construiu. A passagem pelo Rio de Janeiro permitiu outros encontros, como o que aconteceu com o saxofonista argentino Gato Barbiere, com quem Naná viajou para Nova York, dando início ao uso virtuoso do berimbau nas apresentações. DE NOVA YORK PARA O MUNDO

Naná seguiu pelos anos 1970 tocando e andando pelo mundo. Foi morar na Europa. Viajava constantemente para tocar. Voltou ao Brasil e colecionou outros feitos. Em 1972 gravou o primeiro disco, Africadeus. Na França, começou o trabalho com música e crianças. Alcançou grande prestígio com o premiado disco Dança das Cabeças, com Egberto Gismonti, e começou a tocar com

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Seu Pierre morreu cedo, ainda na adolescência do filho. A idade precisa Naná parece não fazer questão de saber. Age assim quando questionado sobre datas, e até mesmo

sobre a idade atual responde tergiversando. “Tenho 430 anos”, diz e gargalha. E amplia os sentidos da conversa.


naná vasconcelos PERFIL |

Don Cherry e Collin Walcott no trio CoDoNa, com quem gravou três discos, em 1978, 1982 e 1983. Passava meses em turnês pelo mundo. A trajetória seguiu, sempre com ideias criativas e libertárias, acoplando ritmos, novidades e surpreendendo. Discos solos, trabalhos conjuntos, experimentações. Chegou aos anos 1990, com o eletrônico já completamente digerido em seu caldeirão e a mesma sonoridade particular, delicada, com os mesmos ecos de Sítio Novo, florestas e áfricas. As descobertas com Milton eram agora uma coisa comum na música popular e no jazz, em grande parte graças a ele. O seu som e seu berimbau já tinham o reconhecimento e a companhia dos músicos eruditos. O CoDoNa havia disseminado o conceito da world music. E o Brasil se distanciava de sua vida. “Ninguém mais me conhecia no Brasil e aqui acontecia tanta coisa que resolvi voltar para encarar. Aquele momento de encontros e misturas na música não voltou a se repetir e, talvez, eu já tivesse tido a sorte de participar do trabalho de muita gente boa”, avalia. Em 1997, Naná começou a dirigir o festival de percussão de Salvador, PercPan, e a realizar o projeto de voltar para o Recife. Continuava gravando, se apresentando, tocando. DE VOLTA AO BRASIL

Embora reservado sobre sua vida íntima, Naná conta que casou três vezes. A primeira na França com uma americana. A segunda nos Estados Unidos com uma marroquina. E a terceira com a atual esposa no Recife. A decisão aconteceu por essa época, final dos anos 1990. Patrícia, engenheira civil de formação, é hoje produtora informal do marido. Naná tem também uma filha de 16 anos que mora nos Estados Unidos. Ela é quem cuida da saúde de Naná, organiza a casa, a alimentação, as atividades do marido e da filha do casal (uma pianista que compõe, ganhou prêmios e gravou vinhetas no disco mais recente do pai). Patrícia diz que é o pé no chão da família. “Eles têm temperamento de artista.” Mas no convívio com ele, foi desenvolvendo seu lado artista, o gosto por idiomas. Naná é fluente em francês e inglês. Assume, ainda, que fala “portunhol” e conhece bem norueguês, japonês e a língua africana wolof. Patrícia revela que fala fluentemente italiano e que Naná sempre a surpreende com outras coisas, que não explica nem revela. Da música do marido, sua predileção confessa é pelas trilhas sonoras, sobretudo para cinema, e ressalta duas, gravadas no CD Trilhas, em 2006: “Quase Dois Irmãos” e “Nizinga”.

MARACATUS E CRIANÇAS

De volta ao Recife, a trajetória profissional seguiu com novas atividades. Em 2001, por exemplo, começou a preparar as principais “nações” de Olinda e do Recife para o Encontro de Maracatus da abertura oficial da festa, regendo mais de 300 batuqueiros. A outra ação é o ABC Musical, trabalho socioeducativo com música para grupos de crianças, que desenvolve de forma contínua, em diversos locais. Começou na Bahia, passou por São Paulo, outras cidades e outros países. Ano passado, Naná o apresentou em Brasília, com crianças de Angola, de Portugal e do Brasil. O resultado está no DVD Língua Mãe. Em julho, Naná lotou o teatro do Itaú Cultural na aula-espetáculo de abertura do projeto Música para Crianças – Ações de Formação para Educadores no Itaú Cultural. Em outubro, ele faz o ABC Musical no Recife, com crianças de diferentes cidades do interior de Pernambuco.

tambor que não soa frenética e constantemente, pelo vazio que antecede um chiado, um apito, uma sequência de onomatopeias e bordões. Ou o conjunto de todos esses elementos, reprocessados por meio de pedais de delays, no meio de uma canção. Naná sabe ser preciso, essencial. Quando toca, tem de ser ouvido. Detesta gravar e depois perceber que suas frases percussivas foram usadas na guitarra, por exemplo. “A gente toca mais quando não toca”, diz. No palco ou no estúdio, apresenta-se cercado por um arsenal percussivo. São dezenas de instrumentos confeccionados especialmente para ele, posicionados de maneira estratégica em cima de um belo tapete. De cada um deles Naná estudou a técnica e as possibilidades rítmicas. Conta que a diferença, no seu caso como músico, é que tenta desvendar a “alma” de cada instrumento.

PERCUSSÃO TAMBÉM É SILÊNCIO

Exímio improvisador, ele é capaz de tocar uma música sempre da mesma forma, pelo tempo que for. Quando ele encontra “a voz” do instrumento e o “como” vai expressar essa voz, acha a sua fórmula. Quer dizer, encontra o sentimento da canção.

Naná Vasconcelos toca mais quando não toca. Sim, é uma frase de efeito, sempre repetida por ele. Mas também é verdade que suas performances são mais valorizadas pelo silêncio. Pelo

Foi a partir de uma busca por novos sons que surgiu o trabalho mais recente do músico. O álbum Sinfonia & Batuques, que traz a água como


Naná Vasconcelos

TENHO 430 ANOS”

NANÁ BERIMBAU VASCONCELOS Texto Egberto Gismonti A música de Naná não descrevo porque não posso, não pretendo classificá-la. Já a musicalidade de Naná são outros quinhentos. É muito fácil descrever, considerando as longas temporadas que passamos juntos, “construindo” música juntos. Não posso garantir o número de apresentações que fizemos, mas, se disser 300, certamente não estarei longe do correto. Vivemos juntos muitas viagens, muito tempo e resumimos nossa convivência em alguns CDs, no qual pudemos, os dois, propor motes ou ideias básicas (histórias a ser contadas) criando as variações necessárias à “musicalização” delas.

Dos quatro elementos da natureza, Naná só não tirou som do fogo

Dois CDs são os mais representativos: Dança das Cabeças (ECM-EMI/Odeon, 1976)− Após longo encontro em Paris, propus o “mote” do CD a Naná: dois curumins na floresta. Imediatamente ele percebeu que nossas informações e culturas musicais poderiam ser casadas e bem

elemento sonoro principal. Naná relaxava no mar quando percebeu o som que poderia extrair da batida das mãos na massa líquida. Mãos espalmadas produzem sons mais agudos e chacoalhados; em concha, agudos médios. Com os braços estendidos, e afundados com as mãos em conchas, consegue os sons mais graves. Repetiu a experiência diversas vezes, na piscina de sua casa. Depois, gravou ali mesmo, colou pedaços, reprocessou. E o som das águas virou uma sinfonia nova, mais uma entre suas invenções. Dos elementos da natureza, Naná só não brincou com o fogo. Antes da água, o ar fazia parte de suas construções nos assobios, em sopros ferozes, no balançar de placas de metais que sugerem tempestades. A terra também lhe forneceu audições. Naná dança um tipo de xaxado em cima da areia. Um microfone amplifica o atrito. Os poucos recursos tecnológicos que utiliza também surtem efeitos precisos: Naná é capaz de gravar ao vivo essa performance na areia e, depois, mixá-la a sons retirados de outros instrumentos, dando ao ouvinte a impressão de estar assistindo a uma pequena orquestra de percussões. MESTRE NANÁ

representadas. Dessa forma fizemos esse CD, que representa duas crianças caminhando sem qualquer pretensão além da alegria, dentro de uma floresta, sem direção preestabelecida. Nela encontramos partes descampadas e ensolaradas; partes úmidas com muitos insetos; partes com

Naná é o único músico capaz de juntar as nações de maracatu na condução dos batuqueiros rumo ao ritual de abertura oficial do Carnaval do Recife. Agremiações com alto nível de concorrência entre si, sob o domínio de Naná, tocam juntas numa performance que foge totalmente dos padrões dessa tradição secular. Assim, ele repete a prática de transformar o estabelecido. Em sua opinião, essa inventividade só é possível devido à sua formação autodidata. Caso tivesse estudado, não seria tão ousado. A transgressão compensou o fato de não poder ler partituras. “No Sinfonia & Batuques imaginei uma orquestra ensaiando e começaram a passar os batuques. A orquestra não parou e os batuques não pararam. Isso é uma ideia. Agora, se eu tivesse estudado música, a sinfonia – que é apenas uma citação – seria uma sinfonia de verdade e não iria respirar com esse encontro. Estaria errado.”

tantos verdes e sombras, temperatura gelada; partes com os animais; encontros com os habitantes e guardiões da floresta − os índios. Encontramos e vencemos muitos sorrisos, choros, surpresas e medos. Sem a presença da musicalidade de Naná esse disco não existiria. Saudades (ECM/WEA, 1979) − Por termos feito muitos concertos juntos, durante três anos, aprendi de forma profunda o significado do berimbau e da música que Naná havia criado nele e para ele. Naná propôs o mote: encantador. Um dia, numa das viagens, ele comentou sua ideia de gravar a música do berimbau integrado a uma orquestra. Nesse momento fiquei quase desnorteado, pois estava convencido de que aquela mágica era exclusiva dele, Naná Berimbau Vasconcelos. Ele percebeu a situação e descreveu o que a orquestra deveria fazer − melodias, intervenções, ritmos etc. Anotei as descrições em pautas musicais. Fizemos juntos acertos, até a gravação do CD Saudades. Resumindo minha admiração por ele, não aceitei meu nome creditado

Confira na versão para iPad e Android um vídeo exclusivo com o artista.

no trabalho. Naquele momento fui apenas “apontador musical”. A música do Naná estava pronta e só precisava ser escrita!

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No Nordeste, sempre que um artista autodidata possui o registro oral de um conjunto de saberes

de determinada brincadeira ou manifestação popular, ele é chamado de mestre. Há muitos mestres em Pernambuco e Naná, mesmo sendo um, não reivindica esse tratamento.


REPORTAGEM |

experimentações cinematográficas


Formas democráticas e colaborativas, o suporte digital e a web revigoram o audiovisual brasileiro TEXTO denise ribeiro

Pipoca numa mão, controle remoto na outra, você escolhe a programação noturna da sua web-TV. Decide assistir a um filme romântico, apesar de detestar finais felizes. Mas isso não é mais um problema, pois você pode mudar a história, interferir no roteiro. Nada de final perfeitinho dessa vez: você prefere fazer a mocinha fugir com outra mocinha, deixando o noivo plantado no altar. Não é ficção científica, isso já aconteceu, por exemplo, com o thriller americano Last Call (2010), no qual, por meio de uma estratégia de marketing, o espectador pôde escolher qual desfecho desejava para a história. Para pessoas anárquicas é um alívio constatar que o jeito linear de fazer cinema está sendo implodido frame a frame. Que o diga Ridley Scott, diretor do aclamado Blade Runner e responsável, ao lado do também diretor Kevin Macdonald, pelo Life in a Day, audacioso projeto de cinema colaborativo, desenvolvido com o

suporte do YouTube. Usuários do site enviaram 80 mil vídeos de 197 países, em 45 idiomas, retratando um dia comum de suas vidas – 24 de julho de 2010. As 4.500 horas de material se transformaram num longa de 90 minutos que estreou neste ano no Festival de Cinema de Sundance e também no YouTube. Os autores dos vídeos incluídos no projeto tiveram seus nomes inseridos nos créditos, como codiretores. Revolução total, mas ainda dentro dos padrões do mainstream: a indústria do entretenimento dando vazão à fome do cidadão comum de fazer cinema. O projeto repensa o papel do diretor e dá visibilidade a uma série de iniciativas semelhantes. Pretendem-se mais diversidade, espaço para experimentações, chance de contar (ou assistir a) uma história com diferentes visões de mundo. É claro que, sem a popularização das câmeras digitais, das ilhas de edição domésticas, dos

softwares livres e dos programas e plataformas de compartilhamento de conteúdo, nada disso seria possível. “Daqui a dez anos teremos ideia do que isso proporciona, mas a princípio é a democratização do audiovisual”, argumenta Alessandro Buzo, escritor do grupo Suburbano Convicto, que há dois anos rodou seu primeiro filme, Profissão MC, codirigido por Toni Nogueira. Mesmo sem nenhum patrocínio e lançado há mais de um ano, o filme continua sendo exibido. Foi apresentado no Japão e em Portugal às comunidades brasileiras e ainda ganhou a medalha Galgo Alado, no Festival de Gramado. Assim como Buzo, centenas de criadores encontraram um público ávido por uma filmografia mais autêntica e inclusiva, livre dos clichês do cinema tradicional. “Numa sociedade que se comunica por imagem, o audiovisual tem multiplicado vários tipos de interação. A [favela da] Rocinha, no Rio de Janeiro, tem seu canal de TV

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Frame do filme Estranha (2011), de Joel Caetano


R E P O R T A G E M B| Oexperimentações OK LIGHT MEDIUM cinematográficas | personagem

Frames do filme Gato (2009), de Joel Caetano

na internet, assim como a turma do hip-hop. São as comunidades assistindo aos seus próprios conteúdos, fugindo das lógicas comerciais, industriais”, analisa Minom Pinho, uma das idealizadoras da Casa Redonda, espaço de experimentação cultural, em São Paulo.

uma história a qualquer custo move o chamado cinema de bordas, assim batizado por acadêmicos, como Bernadette Lyra – uma das curadoras da mostra de mesmo nome apresentada já há três anos pelo Itaú Cultural –, que mapeia essa rica produção marginal e quase naïf em muitos casos.

Do portfólio da Casa Redonda consta desde a coprodução de longas (como As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodansky) até a criação e gestão de projetos culturais, como o Festival Claro Curtas, que privilegia a produção de vídeos por celulares, webcams e outras mídias digitais. “Tudo está mudando de lugar numa velocidade incrível. Continuará havendo espaço para o cinema e a TV, mas cai o mito do diretor inatingível e da construção do imaginário popular feita por um grupo de privilegiados. Hollywood decidia o que o mundo iria ver. Hoje, o meio é a mensagem. Há um exercício de cidadania, uma visão crítica mais aguçada”, argumenta Minom.

“Existem desde filmes feitos por pessoas sem formação, como o pedreiro seu Manoelzinho, que dirige filmes, até vertentes de cinema fantástico e de terror”, explica Joel Caetano, ator, roteirista, produtor e diretor de filmes premiados, como Minha Esposa É um Zumbi, Junho Sangrento e Assassinato da Mulher Mental. Não por acaso, a empresa produtora que dirige ao lado da mulher, a também cineasta multitarefa Mariana Zani, chama-se Recurso Zero Produções.

Do ponto de vista estético, no entanto, esse farto material postado na internet ainda deixa a desejar. “Tento ser solidário e respeitar o tempo dessas produções; tento ser esperançoso com o amanhã. Mas já é chegado o momento de insistirmos num novo passo em direção ao aprimoramento estético. Temos de abandonar a miséria da proliferação e do excesso vazio”, afirma o cineasta curitibano Gilberto Manea. AUTÊNTICO E MARGINAL

Colaboração é a palavra de ordem do cinema digital. Não há equipamento? Improvisa-se. Faltou equipe? Chama-se o vizinho. Essa gana de contar

Vencer o gargalo da distribuição parece ser o principal desafio. “Mercado e público existem. Várias pessoas estão a fim de ver cinema feito com e por gente da vida real e não só pela elite intelectualizada. Uma cooperativa para distribuir nossos filmes talvez seja a saída”, sugere Caetano. Parcerias têm se revelado uma forma viável para dar vazão ao cinema de nicho. O núcleo de produção audiovisual da Central Única das Favelas (Cufa), em São Paulo, conseguiu alavancar inúmeras ações depois de se unir ao coletivo Tá na Tela (TNT) – nascido em 2005, no bairro paulistano de Paraisópolis, e responsável por promover sessões de cinema produzido na periferia. A parceria rendeu ainda a participação dos dois

grupos no Estéreo Saci, projeto do Itaú Cultural que, entre outras ações, promove a criação e a edição colaborativa de vídeos. Outro exemplo é o do documentarista acreano José Tezza, que se vale da temática ambiental para dar capilaridade aos seus 38 filmes. Exibindo-os em circuitos do setor, ele transcende as fronteiras nacionais e desperta o interesse dos adeptos do desenvolvimento sustentável em todo o mundo. “O [filme] Sementes Vivas foi produzido por mim, dirigido pela americana Marise Murgatroid, editado por um inglês, com trilha sonora de um japonês; cada um trabalhando em seu país. O lançamento foi na The Royal School of Art, em Londres”, orgulha-se. E que tal ter uma distribuidora própria? Foi essa a decisão tomada pelo Clube de Cinema Fora do Eixo (CdC), rede de produtores presente em vários estados. Para dar conta de sua frenética produção audiovisual e ampliar o acervo dos seus 20 cineclubes e dez canais de web-TV, o coletivo criou a DF5 (Distribuidora de Filmes Fora do Eixo), que permite ao exibidor buscar o filme que quer ver, baixar e exibir. “Como contrapartida ele precisa compartilhar os dados da exibição, de preferência com uma foto da sessão, para que possamos contabilizar os números reais da carreira de cada filme”, explica Rafael Rolim, do CdC. O objetivo do clube, que reúne a produção de diferentes realizadores e abre espaço a linguagens estéticas variadas – da experimental a reportagens–, é consolidar na rede toda a cadeia produtiva do audiovisual que vive fora do circuito.


Minom Pinho

CONTINUAR Á HAVENDO ESPAÇO PA O CINEMA E RA A TV, MAS C AI O MITO D DIRETOR IN O ATINGÍVEL E DA CONSTR DO IMAGINÁ UÇÃO RIO POPULA R FEITA POR GRUPO DE UM PRIVILEGIA DOS.”

CONQUISTA ESTÉTICA

Frame do filme Estranha

Ninguém duvida que a democratização do cinema digital ainda renderá muitos filmes. Há dez anos desenvolvendo cursos e oficinas de cinema e vídeo, os parceiros Marco Del Fiol e Philippe Barcinski apenas recentemente conseguiram verba – por meio de um edital da Secretaria da Cultura de São Paulo – para financiar seu projeto. O telefilme Segundo Movimento para Piano e Costura foi todo rodado com máquinas fotográficas que captam imagens com excelente qualidade. Estreou em maio na TV Cultura e agora faz o circuito dos festivais. “O equipamento está bem mais barato, os sistemas operacionais já vêm com opção de aplicativo de edição de vídeo e a distribuição pode ser feita em sites de postagem de vídeos”, diz Del Fiol, que é diretor, câmera, editor e corroteirista do filme. “As ferramentas estão todas muito mais acessíveis, o que falta é o domínio da linguagem”, emenda. Gilberto Manea insiste na importância de captar imagens como se fossem pedras raras e preciosas: “Temos de desejar o cinema como alquimia, para que surja o instante único e singular, a epifania que vislumbramos nos grandes cineastas. Será preciso recuperar o sentido e o valor de um rosto, de uma paisagem. Tal aprimoramento estético só será possível levando-se em consideração os clássicos, as velhas lições nas quais a imagem fissura, rasura a realidade”.

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o iment o Mov d n . / u 9 g 867 e Se o film /1992 d m r o e il .c tra imeo ta ao em: v Assis stura o C e iano para P


VIDAde

BORBOLE

REPORTAGEM |

laborat贸rio


de 1970 para os dias atuais, sob as mãos de Paulo Faria, da Companhia Pessoal do Faroeste. Para ir a fundo na personagem, Mel tem pesquisado sobre a época que será retratada. Livros, filmes, fotos: tudo está dentro do pacote que a ajudará a construir um alguém que ela não é.

constantemente em outros

TEXTO pedro henrique frança FOTOS claus lehmann

Quando tinha 19 anos, Mel Lisboa parou o Brasil com sua performance em Presença de Anita, em que interpretava uma garotinha que seduzia o senhor (casado) interpretado por José Mayer numa trama trágica para a televisão, inspirada em Lolita, de Vladimir Nabokov. O trabalho marcou a atriz a ponto de ela ser lembrada até hoje por aquela atuação. Mas Mel, como faz parte do ofício do ator, se reinventou.

ETA CONTINUUM

Ela travestiu-se de aspirante a modelo, empinou o nariz para dar vida a uma garota rica e mimada, e voltou tempos (e tempos) atrás para ser Dalila, a protagonista da história bíblica com Sansão. “Tive muita sorte nos meus últimos trabalhos, porque foram bastante variados”, conta. Em outubro, ela vai variar outra vez. Na verdade, a esta altura, já variou. Há algum tempo Mel tem encarnado Vanda Scartatti, produtora de cinema que sonhava produzir filmes de sexo explícito. São tempos da Boca do Lixo em São Paulo, reduto do cinema na capital paulista e auge da pornochanchada brasileira, que renascerão dos idos

Mas nem tudo são flores no processo. Há histórias tristes que brotam das narrativas daqueles que viveram o passado – e que se misturam ao aspecto degradante atual da região central, hoje conhecida como Cracolândia. Essas histórias também fazem parte das pesquisas de Mel. E qual a importância desse laboratório in loco para encarnar Vanda? “Você olha coisas que estavam ali do seu lado e que jamais viu, pelo fato de que elas não lhe interessavam ou porque você ainda não tinha expandido seu olhar. Para mim, esse processo é o que faz o personagem colar em você.” ROMPENDO LIMITES

Se entregar – literalmente – de corpo e alma ao projeto de um filme é premissa fundamental nas diretrizes de Fátima Toledo, a preparadora de elenco que treinou Pixote (Pixote, A Lei do Mais Fraco, de Hector Babenco, 1981) e a queridinha de diretores como José Padilha, Marcos Prado, Fernando Meirelles e Sergio Machado. Não são raras as histórias de entrega exigida pela rigorosa preparadora, cujo método de treinamento é conhecido por buscar romper todos os limites do ator – ironicamente para que ele não atue, mas se transforme no personagem, deixando que outro habite seu corpo temporariamente. Para extrair a fragilidade de Alice Braga, por exemplo, em Cidade Baixa (Sergio Machado, 2005), Fátima recorreu a um lutador de jiu-jítsu 25

sobre o processo de transformar-se

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Mel Lisboa e Cauã Reymond contam

A proximidade da companhia de Paulo Faria com o centro de São Paulo, que efervescia décadas atrás, tem sido outro alvo de descobertas importantes para a composição de sua personagem. Certa vez, numa caminhada pelos arredores da região, Faria e Mel reconheceram um diretor da época da Boca do Lixo. Ele estava num botequim – e não estava só. “Quando vimos, ele conversava com outro diretor da Boca e no encontro descobrimos que eles fazem uma espécie de cineclube às segundas-feiras”, relata a atriz. “Fomos conhecer o cineclube.” Lá, Mel se aproximou de outras personalidades que fizeram a Boca acontecer. Descobriu coisas que talvez nem todos os livros e filmes pudessem lhe dar. “Quando você abre o leque de possibilidades do ator, você se expande. De repente você olha, e todas as peças vão se encaixando”, diz a atriz.


laboratório REPORTAGEM |

que a imobilizava deixando-a impotente. Para construir o famoso Capitão Nascimento, um policial arisco com síndrome de pânico, fez Wagner Moura se submeter aos treinamentos inescrupulosos do Bope. Ele chegou a ponto de, diante da tamanha humilhação a que era submetido, dar um soco na cara de um capitão que ajudava Fátima no treinamento. “Existem muitos caminhos para preparar o ator. Esse é o jeito da Fátima: ela instiga, confronta, vai ao extremo. E ela mesma sofre muito com isso”, observa Marcos Prado, parceiro de Padilha nos dois filmes Tropa de Elite (2007 e 2011) e que solicitou os serviços da preparadora para Paraísos Artificiais, seu primeiro longa como diretor, que estreia em janeiro de 2012. Quem passará em breve pela égide de Fátima é Cauã Reymond. Em setembro, ele entra em mais um set para ser um dos protagonistas do próximo filme de Sergio Machado. “Estou muito curioso. Acho que ela vai mexer no que já estabeleci (como ator) e vai me renovar”, comenta Reymond, que profissionalmente transita entre as novelas da Globo e os produtos cinematográficos.

Antes de seu mais recente sucesso na televisão, Jesuíno, na novela Cordel Encantado, Cauã viveu Danilo, o campeão de ciclismo que se torna vítima do vício do crack, em outra novela, Passione. Hoje ou no passado, ele busca seguir as mesmas etapas de preparação que realiza para os sets de filmagem. “Primeiro tento encontrar a qual tipo de literatura posso ter acesso para entrar no universo. Depois, tento ver pelo que o personagem se interessa para conhecer a rotina dele. Por fim, vou saber o que o diretor está querendo”, conta o ator, que se mantém em constante observação durante todas as etapas de construção do personagem. O universo sertanejo de Cordel, por exemplo, foi absorvido de livros, filmes e aulas de prosódia. Mas também dos treinamentos a cavalo tidos com o professor que o ensinou a montar. METAMORFOSE AMBULANTE

Cauã, que começou na televisão com Malhação e já estrelou filmes como Se Nada Mais Der Certo (2009), de José Eduardo Belmonte, surgirá em breve nos cinemas com Meu País (André Ristum) e Reis e Ratos (Mauro Lima). Apesar da experiência adquirida, ele tem consciência de que o ator vive em constante aprendizado.

Aos colegas de profissão que acreditam que, para chegar lá, basta pegar o roteiro e gravar ele alerta: “Como um piloto que tem de ter horas de voo, o ator precisa de horas de câmera”. Cauã Reymond conta estar entusiasmado com a parceria entre Fátima Toledo e Sergio Machado. Acredita no “terceiro olhar” que a preparadora trará ao longa. Marcos Prado, porém, lembra que esse trabalho requer cuidados. “A construção não pode ser feita unicamente a partir da vontade da preparadora. Ela tem de ter sintonia com o diretor para entender a característica do personagem. A técnica é da preparadora, mas a construção é conjunta.” Viver em constante metamorfose requer um trabalho de desconstrução que para Marcos Prado é essencial. “O ator sofre muito: encarna o personagem, vai de cabeça e aí chega o último dia de filmagem. E aí? Então, da mesma forma que ele tem o tempo para a construção, ele deveria ter o tempo da desconstrução, para voltar a ser quem ele é.” Confira mais fotos do ensaio fotográfico com Mel Lisboa na Continuum versão iPad e Android.


MEL LISBOA SERÁ VANDA SCARTATTI, UMA PRODUTORA DE PORNOCHANCHADAS DA BOCA DO LIXO, NA SÃO PAULO DOS ANOS 1970

Fotos Claus Lehmann Assistência de fotografia Danilo Mangini Beleza Eliane Viegas Produção Marina Chevrand e Roberta Dezan


marcelo evelin e thelma bonavita ENTREVISTA |

MIL CASAS

Marcelo Evelin

ESTOU MUITO CURIOSO COM A FORMA COMO A GENTE CHEGA AO ESPECTADOR. NÃO PENSO MAIS EM PÚBLICO COMO A SALA DO TEATRO CHEIA, MAS EM COMO CRIAR CONSCIÊNCIA NESSE ESPAÇO ENTRE EU E ELE.”

Os coreógrafos Marcelo Evelin e Thelma Bonavita à frente de projetos experimentais em dança


TEXTO marco aurélio fiochi e sonia sobral

FOTO andré seiti

O convite era irresistível: a CONTINUUM participou de um chá das 5 em um apartamento do famoso edifício modernista Ester, em São Paulo. Sentaram-se à mesa os coreógrafos contemporâneos Marcelo Evelin e Thelma Bonavita. Na pauta, uma conversa sobre projetos laboratoriais em dança. Marcelo e Thelma estão à frente de dois espaços que funcionam de forma experimental e colaborativa. Ele, com o Núcleo do Dirceu, criado em 2006 em Teresina (PI), sua terra natal, que proporciona aos bailarinos da cidade um ambiente de troca e experimentação e incentiva o contato da periferia da cidade com a arte. Ela transformou o apartamento em que o encontro ocorreu numa residência artística, espaço de efervescência de ideias e desenvolvimento de vários projetos – como a série de palestras Oxigênio; a plataforma virtual Desaba; e os encontros Jardim Equatorial e Mil Casas, abertos a todos num esquema informalcom-regras. Com vários anos de trajetória e obras que marcam a história da dança brasileira, Marcelo e Thelma pontuaram questões como o experimentalismo, a relação com o público e o potencial da internet.

Como se dá o experimentalismo na dança atual? Marcelo Evelin: Ele está na organização e no modo de funcionamento de uma série de artistas e até do público. É uma estratégia de sustentabilidade. O mundo tem mudado muito rápido e a arte teve de encontrar um modo de se adaptar. Houve uma mudança no modo de pensar, de fazer, de apresentar. Hoje a forma de desconstruir e romper é permear. Thelma Bonavita: Nos anos 1960, o experimentalismo tinha outra força. Houve um ganho muito grande dos anos 1980 para cá, com editais de incentivo, leis de fomento. Por outro lado, perdeuse o momento de risco e de estar em contato com ideias mais frescas e não tão óbvias. Na Europa e nos Estados Unidos, as residências artísticas são um formato muito utilizado para fomentar discussões. No Brasil, carecemos de um sistema de pensamento e de produção. Por ser experimental, a gente está sempre numa zona de risco, mas é isso o que nos interessa.

Como é a relação de vocês com o público? ME: Estou muito curioso com a forma como a gente chega ao espectador. Para mim é uma prioridade: saber como atinjo as pessoas. Não penso mais em público como a sala do teatro cheia, mas em como criar consciência nesse espaço entre eu e ele. Se ele não é contaminado pela nossa prática, tem de ser despertado. A internet é uma ferramenta superpotente de alargamento

Thelma Bonavita

“O ARTISTA VEM AQUI PARA NÃO PRODUZIR NADA, VEM PARA SE ENCONTRAR, TER IDEIAS, CONVERSAR, PESQUISAR. CONSIDERO ESSA RESIDÊNCIA ARTÍSTICA UM PEDAÇO DE TERRA COMUM.”

do lugar da arte na sociedade. Vou dar um exemplo: apresentei o espetáculo Matadouro em São Paulo no ano passado e uma pessoa que viu me disse: “Eu não gostei. Prefiro o que foi colocado na internet sobre a peça”. Eu achei muito interessante esse pensamento da espectadora, como se a divulgação pela internet fosse algo isolado do espetáculo. Por que achar que uma coisa é arte e a outra não?! Ainda não entendemos a internet como um espaço de desdobramento, de alargamento da ação artística. Temos de abandonar a ideia de que tudo que vai para a internet tem de ser genial. A apresentação que fizemos do Matadouro há dois dias [11 de junho, no Sesc Belenzinho, São Paulo] também rendeu outra história interessante: ao final, fez-se silêncio na plateia, não houve aplauso. Pensei em como é solidificada a experimentação do público, que ao final tem de aplaudir. A plateia naquele dia quebrou essa convenção.

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Vocês estão se dedicando a projetos experimentais no momento? ME: Sim, o Mil Casas, que desenvolvemos desde abril no bairro em que atuamos, o Dirceu Arcoverde, na periferia de Teresina, desvinculado do poder público, mas com a subvenção da Petrobras por dois anos. O objetivo é entrar em mil casas do bairro e realizar performances. Queremos chegar ao espectador em seu hábitat, tirá-lo da atitude passiva em relação ao artista e à obra de arte. São 15 artistas autônomos que fazem seus procedimentos ajudados uns pelos outros. Nas visitas, nestes próximos dois anos, as casas serão documentadas para integrar um blog que narra a experiência. Cada dançarino tem uma abordagem diferente: um vai trabalhar em casas que estejam ao longo da linha de trem que atravessa o bairro, uma zona de risco. Outro vai dançar em casas que tenham idosos, pessoas com mais de 70 anos, para questionar sua vivência na casa dos filhos e dos netos. Para outro, o morador de determinada casa visitada recomendará a casa seguinte, para criar uma rede. A partir da segunda fase do projeto, eles começarão a trocar sua estratégia e ação pela do outro. TB: Faço uma tentativa experimental no projeto Jardim Equatorial, residência artística que abriga dez pessoas. Não se trata de um coletivo, é um meio-termo entre ateliê e instituição. O artista vem aqui para não produzir nada, vem para se encontrar, ter ideias, conversar, pesquisar. Considero essa residência artística

um pedaço de terra comum. O que digo aqui passa a ser público. O espaço de convivência artística é um teste e está sendo construído a cada encontro em que se pensa como usar a estrutura disponível, o que cabe a cada participante, pois existe uma regra de convívio. Há coisas básicas que tentamos colocar em prática. Por exemplo, se o participante não vier, deve avisar. Estamos tentando estabelecer alguns parâmetros de funcionamento, tratando esse lugar como um organismo, cuidando do bem-estar dele. Mas, claro, não é uma coisa coletiva o tempo todo. Existe uma parte da qual faço questão de cuidar porque é o meu espaço, é meu ateliê.


RB EO POR K TLAI G E HM T M | E residências D I U M | personagem artísticas

Desde o tempo dos ateliês renascentistas até as ocupações contemporâneas de edifícios abandonados, o conceito de residência artística alia criação coletiva e experimentação

TEXTO leonardo calvano

Casa M – Rua Fernando Machado, 513, Centro – Porto Alegre (RS) Casa Tomada – Rua Brás Cubas, 335, Aclimação – São Paulo (SP) Fabrica – Villa Pastega, via Ferrarezza, Catena di Villorba 31020 – Treviso (Itália) Projeto Aluga-se – Avenida São Gualter, 1941, Alto da Lapa – São Paulo (SP) FatCap Galeria – Rua Agissê, 280, Vila Madalena – São Paulo (SP)

FOTO chema llanos

Mais do que um espaço de criação e pesquisa, as casas artísticas são um ponto de encontro das mais variadas áreas para produção, troca de experiência, interação e coletividade. Provavelmente a mais conhecida delas e uma das percussoras desse movimento foi a Factory, ateliê e casa do artista pop norte-americano Andy Warhol, criada em meados dos anos 1960, em Nova York. Artistas, curiosos e todo tipo de louco povoavam o espaço. Em comum, tinham uma atitude de provocação e aversão aos padrões e

Artistas residentes da Casa Tomada, em São Paulo

convenções. Tudo girava em torno de Warhol e nada saía daquelas paredes sem sua aprovação. A Factory era uma versão ultramoderna de um ateliê renascentista, onde artistas aprendiam com o mestre. Muitos dos trabalhos de Warhol foram executados pelos residentes, como os retratos de Judy Garland, Mick Jagger, Muhammad Ali e Pelé. Warhol fotografava com a sua inseparável Polaroid para depois trabalhar os retratos. O espaço servia também para integrar. Foi lá que


MAIS DO QUE UM ESPAÇO DE CRIAÇÃO E PESQUISA, AS CASAS ARTÍSTICAS SÃO UM PONTO DE ENCONTRO DAS MAIS VARIADAS ÁREAS PARA PRODUÇÃO, TROCA DE EXPERIÊNCIA, INTERAÇÃO E COLETIVIDADE

PRONTA PARA CRIAR os membros da banda The Velvet Underground, de Lou Reed, conheceram um de seus grandes ícones, a cantora alemã Nico. A Factory inspirou outros centros de criação mundo afora, como a Fabrica [fabrica.it], o laboratório de ideias do grupo Benetton, em Treviso (Itália). A escola experimental incentiva pesquisas e o desenvolvimento de jovens artistas, colocando-os em contato com grandes nomes das artes. Não há professores, nem aulas, mas há prazo de entrega e muito trabalho. O espaço funciona numa antiga vila, do século XVIII. O nome foi inspirado na Factory de Warhol. Os jovens moram de graça, almoçam na Fabrica, ganham mesada e passagem de ida e volta para a terra natal. A ideia é que nada impeça a criatividade de correr solta. Para ser escolhido, é necessário mandar um portfólio.

cena local. Está localizada num antigo sobrado, no centro da capital gaúcha. Entre os ambientes, um ateliê coletivo, um espaço para projeções e uma sala de leitura. As mostras mensais estão concentradas na vitrine da casa. CASA PARA EXPOR

Uma residência dos anos 1950, no Alto da Lapa, em São Paulo, serve há mais de um ano para artistas exporem suas obras. Trata-se do coletivo Projeto Aluga-se [alugase2010.wordpress. com]. Com base no conceito “criação autogestada”, os integrantes discutem alternativas para tornar os trabalhos itinerantes e interagir com artistas locais. Foi assim que surgiu o programa Até Meio Quilo, cujo objetivo é levar trabalhos para diversos museus de uma forma diferente. Cada artista envia pelo correio a obra que será exposta. O museu recebe todos os envelopes com os trabalhos que participarão, dentro dos limites estabelecidos de tamanho e peso (27 x 37 centímetros com até meio quilo). “O envelope contém tudo o que se precisa para a exposição: manual de instruções, kit de montagem e o trabalho”, diz Yara Dewachter, uma das coordenadoras do projeto.

EXPERIÊNCIA BRASILEIRA

No Brasil, a Casa Tomada [casatomada.com.br] desenvolve, em São Paulo, programas semelhantes. Os residentes não moram no local. “O objetivo é que a casa seja ocupada como um grande ateliê e incentivar a criatividade”, explica a curadora Tainá Azeredo.

Os envelopes também são expostos como parte do trabalho e, após o encerramento, são devolvidos. “Queremos com eles construir uma cartografia dos lugares por onde as obras viajam”, explica Yara. O projeto já percorreu 15 lugares em um ano, entre eles Barcelona (Espanha).

Um desses programas é o Ateliê Aberto, que promove o encontro entre jovens artistas e pesquisadores. De três a quatro meses, eles convivem intensamente, compartilham experiências, criam e produzem trabalhos individuais ou coletivos. Como resultado final, os pesquisadores produzem textos que se encaixem na publicação periódica da Casa Tomada, Convivências, lançada com uma exposição.

BANDEIRA DA ARTE

Já a Casa M [bienalmercosul.art.br/blog/casa-m-de-mercosul] surgiu no final de maio, em Porto Alegre, e funcionará, pelo menos, até o final do ano. Integra o projeto da 8ª Bienal do Mercosul para ampliar os canais de diálogo com a comunidade e contribuir para o crescimento da

A casa, de pelo menos 300 metros quadrados, segundo relatos de vizinhos, estava abandonada havia pelo menos 15 anos. Corre uma ação na Justiça, movida pelo proprietário, que prefere não se identificar, para reintegração de posse do imóvel.

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No Brasil, o artista paulistano Rafael Vaz ocupou, em março, uma casa abandonada na Vila Madalena, em São Paulo: é a FatCap Galeria [fatcapgaleria.blogspot.com], que recebe exposições e vernissages de vários grupos de artistas. “Não levanto uma bandeira pró-moradia, mas, sim, a bandeira da arte”, conta Vaz, que mora no local desde a ocupação.


jonathan tippett PERFIL |

O sul-africano Jonathan Tippett posa sobre uma de suas engenhocas que pretende trazer ao Brasil

Com mĂĄquinas caminhantes gigantescas, Jonathan Tippett usa a engenharia para criar uma arte que discute o uso energĂŠtico


Jonathan Tippett SEMPRE TIVE FASCINAÇÃO POR EXPRESSAR BELEZA ATRAVÉS DE MÁQUINAS. HÁ BELEZA INTERIOR EM TODA MÁQUINA E EM TODA FERRAMENTA. BELEZA NATURAL.”

TEXTO tatiana diniz

FOTO peter holmes

“Energia abastece ação. O homem conta com recursos energéticos externos para aumentar suas atividades há milênios. Agora começamos a ver os impactos. Com energia e tecnologia, dominamos o ambiente e nos multiplicamos, assim como o mofo se espalha fora da geladeira por causa da energia contida no ar quente.” Jonathan Tippett se expressa com clareza sobre o uso inadequado dos recursos energéticos. E o que ele está fazendo em relação ao problema? Um quadrúpede vestível de 5 metros de altura. Morador de Vancouver, no Canadá, Tippett nasceu em Joanesburgo, África do Sul. Em 1978, com 4 anos, mudou-se para Oakville, subúrbio de Toronto, onde viveu uma infância “divertida e despreocupada”. Dessa época, lembra-se de passar o tempo com massa de modelar e jogos de montar. Construía espaçonaves, dinossauros e super-heróis. Um pouco mais velho, economizou para comprar um carro de controle remoto. Construiu com os amigos uma pista de corrida num terreno baldio, mas nunca se deu bem nas provas. “Estava mais preocupado em modificar o carro do que pilotar”, conta. Pagou o curso de engenharia com o dinheiro que ganhava pintando prédios comerciais. Diplomado, trabalhou por dois anos em hidráulica marítima, por mais dois em sistemas de célula combustível e durante nove anos foi engenheiro de tecnologia médica, projetando implantes neurovasculares. Fundou a Industrialus Design, que hoje dedica ao seu trabalho artístico. “Chamo de arte da ciência aplicada. Acho que faço arte desde que uso meu polegar opositor.” A escultura, conta, foi seu “primeiro amor”. Trocou a massa de modelar pela cerâmica e mais tarde pelas estruturas mecânicas. “Meu trabalho era mais representativo ou prático até que, em 2005, fui tomado pela necessidade de construir Mondo Spider com meus amigos”, relata. “Foi quando precisei que meus conhecimentos de engenharia materializassem minha visão criativa.” Mondo Spider, trabalho coletivo de Tippett com Charlie Brinson, Leigh Christie e Alex Mossman, é uma aranha gigantesca que funciona como meio de transporte. Nasceu numa competição entre amigos em 2005, na qual o desafio era construir uma máquina que andasse. Tippett já estava trabalhando numa estrutura de duas pernas, mas a deixou de lado para integrar a equipe. Em duas semanas, o projeto ficou pronto. A primeira versão foi construída em 48 horas, com dobradiças e partes de bicicleta. Conquistou o segundo lugar na competição. “Ficamos empolgados e decidimos refazê-la maior, melhor e mais rápida para aparecer no festival Burning Man. Levamos nove meses.” Num segundo capítulo da história, a aranha renasceu em 2010, com o motor a gasolina substituído por um elétrico. Emissão zero.

Em 2007, com os criadores de Mondo Spider e os de Daisy — um triciclo gigante movido a energia solar — fundou o laboratório eatART, em Vancouver. A missão era criar mais arte como essas duas máquinas: gigantescas, escandalosas e tecnicamente sofisticadas. Arte que explora tecnologia energética e interdisciplinaridade. E educa sobre o papel da energia, disparando questões sobre impacto ambiental e social. “O eatART se tornou uma organização com centenas de integrantes e um portfólio impressionante de projetos”, resume. A iniciativa é apoiada pela comunidade local e os artistas visitam escolas e eventos comunitários com o trabalho educativo. As atividades são financiadas por doações e por cachês recebidos por performances em festivais de arte e música no Canadá e nos Estados Unidos. PROSTHESIS, O ANTIRROBÔ

Na sua empreitada atual, Tippett desenvolve Prosthesis, “uma resposta à impiedosa pressão para que a tecnologia substitua a prática, o treinamento e a habilidade humana de operar máquinas”, define. Trata-se de um quadrúpede mecânico vestível, alimentado por uma usina energética híbrida. “Não há direção automática, estabilidade ou sistema de controle; a operação depende da habilidade do piloto”, explica o criador. Para controlá-la, é preciso vestir um exoesqueleto suspenso no meio da máquina. A posição dos braços e pernas é mapeada por um sistema de feedback mecânico. A operação requer treinamento e condicionamento físico, pois a máquina reproduz os movimentos do piloto, atingindo a velocidade de 25 quilômetros por hora. “A usina mostra novas tecnologias energéticas, e a máquina toda é uma metáfora de como a tecnologia pode ampliar a atividade humana e de quanto o controle é importante”, destaca Tippett. “Ao criar trabalhos de arte chocantes usando engenharia, capturamos a imaginação do público e conquistamos a atenção para iniciar uma discussão em que não precisamos pregar.” E se ele, Tippett, fosse parte desse público e de repente se deparasse com Mondo Spider ou Prosthesis na sua frente? “Olhe, humildade nunca foi o meu forte, mas tenho certeza de que ficaria atordoado e extremamente impressionado. Principalmente como engenheiro e escultor, eu me perguntaria como e por quê. Ou me ofereceria para fazer parte do projeto, ou me sentiria inspirado para fazer um trabalho novo.” A próxima aparição da aranha e do que já existe de Prosthesis (um trailer que carrega um protótipo da perna) acontecerá no festival Burning Man 2011, de 29 de agosto a 5 de setembro, no Canadá. Amante da capoeira, Tippett sonha em trazer os gigantes para o Brasil. “Queremos excursionar com as máquinas pelas Américas. Estamos procurando financiamento para isso”, adianta. Até lá, dá para acompanhar a construção do quadrúpede no site anti-robot.com/.

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A aranha ajudou Tippett a perceber que todo o trabalho criativo que já tinha feito, desde quando inventava partes para o carro de controle remoto, era sua arte. “Sempre tive fascinação por expressar beleza através de máquinas. Há beleza interior em toda máquina e em toda ferramenta. Beleza natural.

A natureza, referência maior de beleza, é a melhor artista e a mais brutal engenheira. A engenharia é um meio, como a paleta artística; e a arte é uma busca da engenharia”, afirma.


bienal do mercosul REPORTAGEM |

PÉ NA ESTRADA Artistas fazem intervenções em cidades gaúchas para a 8ª Bienal do Mercosul

TEXTO juliana monachesi

As metáforas de viagem permeiam o imaginário das pessoas. Para alguns, por exemplo, viajar pode significar a quebra da rotina, uma fuga do estresse do trabalho e das grandes cidades. Para outros, é o próprio trabalho. Independentemente do motivo e do destino, uma coisa é certa: sempre que se pensa em viajar, especialmente por longos períodos, logo vem à cabeça o desejo de registrar tudo o que se verá no itinerário. Hoje em dia é cada vez mais comum as pessoas relatarem suas impressões sobre os lugares pelos quais passaram com posts no Facebook. Dessa forma, a rede social cumpre o papel que, analogicamente, os cadernos de anotação de viagem tiveram (e ainda têm): saciar a ânsia de narrar as experiências vividas em trânsito. Pensando nessa situação, a curadoria da oitava edição da Bienal do Mercosul, que ocorre em Porto Alegre, de setembro a novembro, fez um convite a nove artistas de várias partes do mundo: empreender, entre abril e julho, uma expedição a 14 cidades do interior gaúcho e de países fronteiriços para criar obras inspiradas nessas localidades.

Unido), Sebastián Romo (México), María Elvira Escallón (Colômbia), Mateo López (Colômbia) e a dupla Kochta & Kalleinen (Finlândia). Com curadoria de Alexia Tala, os artistas espalharamse por locais tão díspares quanto Caxias do Sul, polo industrial do estado, e a pequena Tavares, às margens da Lagoa dos Patos (ambas no Rio Grande do Sul). “Cada artista exporá sua viagem e o processo criativo que culminou com a obra no Armazém A7 do Cais do Porto, na capital gaúcha”, explica Alexia. Completa o projeto uma ação educativa que inclui palestras com os artistas sobre seus projetos.

São Miguel das Missões (próximo à fronteira com a Argentina) parece ter tido especial interesse da curadoria, que enviou dois artistas à cidade: o chileno Bernardo Oyarzún e a colombiana María Elvira Escallón. A região abriga ruínas e reservas indígenas, reminiscências do século XVII, quando foi palco da evangelização de guaranis por jesuítas: “As reduções administradas pelos jesuítas surgem no continente americano pouco depois da conquista como uma ferramenta de controle Nasceu assim o projeto Cadernos de Viagem, do território e evangelização. São chamadas reduum dos núcleos da mostra, do qual participaram ções, pois tinham a função de literalmente ‘reduos artistas Bernardo Oyarzún (Chile), Marcelo zir’ ou de juntar os índios em povoados. Com a Moscheta (Brasil), Beatriz Santiago Muñoz (Porexpulsão dos jesuítas da América em 1767, dá-se to Rico), Marcos Sari (Brasil), Nick Rands (Reino um êxodo massivo dos indígenas e as missões são abandonadas”, explica a curadora-adjunta Paola Santoscoy, em relato de Bernardo Oyarzún viagem à Rota das Missões, publicado A EXPERIÊNCIA NA ALDEIA FOI DE PERTENCIMENTO E no blog que a equipe curatorial manENTREGA; EU ME SENTI EM CASA, NÃO TIVE LUGARES tém: bienalmercosul.art.br/blog/. PROIBIDOS NEM LIMITAÇÕES DE TRABALHO.”

Oyarzún foi o primeiro a pegar a estrada, rumo à aldeia Mbyá-Guarani, a 30 quilômetros das ruínas de São Miguel, onde também foram expostos os registros de viagem ao final do trajeto. O artista, cuja origem familiar é indígena, da tribo mapuche, conviveu duas semanas com os índios e conta: “A experiência na aldeia foi de pertencimento e entrega; eu me senti em casa, não tive lugares proibidos nem limitações de trabalho. Aprendi muito com eles, seus mitos são belos e sua língua me lembrou o idioma rapanui (dos habitantes nativos da Ilha de Páscoa). Encontrei um lugar totalmente novo para mim. Creio que com os guaranis aconteceu algo parecido: encontraram um irmão que não conheciam”. MITOLOGIAS SELVAGENS

Como resultado da residência na aldeia guarani, Oyarzún desenvolveu dois projetos relacionados ao mito e ao imaginário que a memória e a sabedoria do povoado carregam. Duas obras foram expostas nas ruínas de São Miguel das Missões: um vídeo e quatro reproduções de pequenos animais de madeira – chivi, xi’y, chinguyre, kaguare ( jaguar, quati, tatu, tamanduá-bandeira). Esses objetos são produções manuais, “parte de um minizoológico artesanal que os guaranis fabricam para garantir, com a venda, sua subsistência”. Para o artista, a obra em São Miguel é a comunhão de várias linhas de investigação presentes em seus trabalhos, como paisagem, território,


Serviço: 8ª Bienal do Mercosul – Ensaios de Geopoética 10 de setembro a 15 de novembro de 2011 Diariamente, das 9h às 21h, entrada franca Porto Alegre RS bienalmercosul.art.br BIENAL DO MERCOSUL EM SEGUNDOS Criado em 1997, pela Fundação Bienal do Mercosul, é, depois da Bienal de São Paulo, o evento de artes visuais mais importante realizado no Brasil. Tem a cidade de Porto Alegre como sede e a proposta de dar visibilidade à produção dos países latino-americanos. Cada edição se pauta por um tema curatorial que permeia os trabalhos apresentados, incluindo a instalação de obras em espaços públicos da cidade. As cinco primeiras focaram a arte dos países que compõem o bloco econômico e abriram espaço para artistas de delegações convidadas. A partir da sexta edição (2007), ganhou caráter mais internacional e passou a incorporar a produção dos outros continentes. Além da mostra, o evento inclui seminários internacionais e as ações do programa educativo.

identidade e estética popular. Sobre a realidade de uma comunidade indígena brasileira em comparação com a dos mapuches, o artista afirma: “Talvez o mais notório seja a diferença de tratamento dado aos indígenas no Brasil e no Chile. A obra me fez refletir sobre atitudes necessárias para avançar em temas ligados às culturas indígenas”. EXCESSO DE PESO

Livramento, Rivera, Aceguá e Jaguarão. O encerramento do trajeto foi em Pelotas, onde seus registros de viagem ficaram expostos durante o mês de julho. O artista cruzou a fronteira inúmeras vezes, coletou pedras do lado de cá e de lá – elementos da paisagem local que serviram de representação do espaço e de memória do lugar. Detalhes saborosos desse trajeto podem ser lidos e vistos no site dedicado ao projeto: web. mac.com/marcelomoscheta/moscheta/Projeto_Fronteira/Projeto_Fronteira.html/. Sobre a passagem por Albornoz (Brasil) e Masoller (Uruguai), por exemplo, Moscheta escreveu: “Nessas fronteiras a noção de território é algo

Em Santa Maria, cidade localizada bem no centro do mapa percorrido, Rands expôs a primeira etapa dos resultados de sua viagem: uma projeção em vídeo single channel dos quatro vídeos que realizou nos vértices e quatro esculturas feitas com a terra daqueles pontos. Sobre cada uma delas, incluiu um pequeno quadrado de folha de ouro de 27 x 27 milímetros, o que corresponde proporcionalmente ao tamanho de seu quadrado rio-grandense na escala planetária. “Eu não me considero um sociólogo; para mim, arte é abstrata; arte é uma coisa, sociologia é outra. Mas, ainda que tenha empreendido essa viagem seguindo um planejamento rigoroso, é abstrato apenas aquilo que faço como artista, não como cidadão”, esclarece.

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Ao viajar de carro, van ou ônibus, percorrer trechos a pé, caminhar por ruínas jesuíticas e vasculhar detalhadamente os elementos da paisagem gaúcha, um diferencial marcou a profunda distância tecnocientífica entre os viajantes do Cadernos de Viagem e os Nick Rands exploradores de dois séculos atrás: o GPS. Se no século XIX, o regisAINDA QUE TENHA EMPREENDIDO ESSA VIAGEM tro artístico servia para mapear o SEGUINDO UM PLANEJAMENTO RIGOROSO, É ABSTRATO APENAS AQUILO QUE FAÇO COMO espaço, para juntar provas do que ARTISTA, NÃO COMO CIDADÃO.” se encontrava (uma planta diferente, um animal desconhecido, uma montanha, um vale que permitisse aos próximos ímpar, único. Não aquela dos livros de geografia que aprendi na escola. A fronteira é um viajantes se localizar naquele lugar), no século XXI, com mecanismos que praticamente impos- conceito abstrato, um acordo entre duas partes. Mas aqui a impressão que tenho é que esse sibilitam que alguém se perca, o registro artístiacordo nunca é claro. É móvel, transponível, co ganhou novas funções. deslocável e cambiante”. O paulistano Marcelo Moscheta, segundo artista a pôr o pé na estrada, percorreu as fronteiras Se as pedras pesaram no bagageiro de Mosentre Brasil, Argentina e Uruguai. Começou sua cheta, no caso de Nick Rands, artista britânico expedição em abril, em Alegrete, seguiu para residente em Porto Alegre há 12 anos, o carUruguaiana, Paso de Los Libres, Barra do Qua- regamento de terra foi o responsável por lotar raí, Quaraí, Cerro do Jarau, Artigas, Santana do a van que utilizou em sua viagem aos quatro

cantos (literalmente) do Rio Grande do Sul. O artista desenhou o maior quadrado que comportava o mapa do estado e partiu em viagem às extremidades da figura: Tavares (limite entre o Rio Grande do Sul e o Atlântico), Upamaroti (na fronteira com o Uruguai), Porto Lucena (na divisa com a Argentina) e Pinhal da Serra (limite entre o estado e Santa Catarina). Munido de GPS e de uma câmera fotográfica acoplada aos óculos, o artista tirou uma foto a cada quilômetro de estrada (3.600 registros) e parou para coletar barro nos 84 pontos de cruzamento entre sua linha imaginária e as rodovias que percorreu. Nos quatro vértices, coletou uma quantidade maior de terra e também realizou um vídeo captando imagens em 360 graus de cima do carro.


BALAIO

FICA A DICA fotos: divulgação

foto: elaine césar

CONFIRA ALGUNS DESTAQUES DO CENÁRIO CULTURAL

CINEMA Iconoclássicos Itamar Assumpção, Paulo Leminski, Nelson Leirner, José Celso Martinez Corrêa e Rogério Sganzerla estão reunidos em ICONOCLÁSSICOS, série de documentários sobre artistas contemporâneos brasileiros. Em Daquele Instante em Diante, Rogério Velloso mostra a trajetória musical do Nego Dito Itamar Assumpção e depoimentos de amigos e familiares. Já Ex Isto, um filme de Cao Guimarães, é

ARTES VISUAIS

inspirado na obra Catatau, de Paulo Leminski. Para mostrar a criação artística de Nelson Leirner, a

Clark Art Center

cineasta Carla Gallo dirigiu Assim É, se Lhe Parece.

Clark Art Center é um espaço destinado às obras da pintora e escultora Lygia Clark

Ao acompanhar o dramaturgo José Celso Martinez

(1920-1988). Inaugurado por Alessandra Clark, neta da artista, o centro abriga 6 mil

Corrêa na Bahia, em Alagoas, na Grécia e em São

imagens e 15 mil laudas de textos referentes à Lygia e sua obra, os quais podem ser

Paulo, os diretores Tadeu Jungle e Elaine Cesar

consultados gratuitamente mediante agendamento. Além do acervo documental, o

criaram EVOÉ! Retrato de um Antropófago (foto). O

instituto promove uma vez por mês reedições das atividades coletivas conhecidas como

filme-ensaio Mr. Sganzerla – Os Signos da Luz, de

“proposições”. A Baba Antropofágica, criada em 1973, contou com a presença do cantor

autoria de Joel Pizzini, aborda a obra do cineasta

e violinista Jards Macalé, que foi amigo dela e participou de suas experiências terapêu-

Rogério Sganzerla. Os documentários estão sendo

ticas. Outra performance realizada foi o Túnel, na qual tubos de 50 metros com algumas

exibidos gratuitamente em cinemas de São Paulo,

aberturas eram envoltos no corpo dos participantes, que se arrastavam para tentar sair.

Santos, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Fortaleza.

Clark Art Center − Rua Teresa Guimarães 35 – Botafogo − Rio de Janeiro. Tel.: (21) 2531 8137. De segunda a sexta, das 11h às 17h. Sábados e domingos, das 12h às 17h.

Para conferir a programação e assistir ao trailer, acesse itaucultural.com.br/iconoclassicos/.

DESTAQUE Rapsódia de formas e cores Gustavo Zylbersztajn, 34 anos, é o autor das fotos que abrem a edição desta CONTINUUM. Depois de se formar em engenharia civil e trabalhar com arquitetura, Gustavo decidiu ser fotógrafo. Hoje realiza trabalhos publicitários, editoriais e campanhas de moda. Em julho, expôs no MuBE, em São Paulo, fotografias da série Rhapsoidia − que reúne imagens de líquidos de diferentes cores e densidades, fotografadas com um equipamento de luz – da qual uma das peças estará na Bienal de Florença, na Itália, em dezembro. “O projeto todo começou a partir do experimento de um trabalho e, a cada imagem que capturava, me encantava muito a estética, os traços e os doces movimentos”, explica. Conheça mais sobre seu trabalho em: gustavoz.com/ .


LIVROS Uma Duas, de Eliane Brum (LeYa, 2011) A repórter gaúcha Eliane Brum tem 40 anos de vida e mais de 40 prêmios jornalísticos acumulados (entre eles, Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna, Sociedade Interamericana de Imprensa e Troféu Especial de Imprensa ONU). Escritora e documentarista, atualmente é colunista da revista Época. Em seu romance de estreia, Eliane, que foi mãe aos 15 anos, aborda a convivência familiar, entrelaçando duas narradoras: uma mãe e uma filha. Na história a jornalista Laura mantém uma relação distante com sua mãe, Maria Lúcia, desde que o pai abandonou a família. No entanto, um grave problema de saúde de Maria Lúcia obriga uma reaproximação entre as duas.

Amar É Crime, de Marcelino Freire (Edith, 2011) A busca pela novidade e pelo agito cultural são características marcantes na vida de Marcelino Freire, pernambucano nascido em Sertânia, em 1967, que mora em São Paulo desde 1991. Depois de ganhar o Prêmio Jabuti em 2006 com Contos Negreiros, criar a Balada Literária, em São Paulo, organizar antologias com diversos autores de peso e ministrar oficinas de criação literária, o autor publica Amar É Crime, pelo coletivo Edith. O lançamento aconteceu em três lugares diferentes: no sarau da Cooperifa (São Paulo), no centro cultural b_arco (São Paulo) e em Recife. A obra, que reúne

foto: prisca lobjoy

14 “pequenos romances”, também está disponível em versão para iPad e Kindle.

MÚSICA Eletrotango em Olinda O grupo Gotan Project toca no dia 8 de setembro durante a oitava edição da Mimo (Mostra Internacional de Música em Olinda), que acontece entre 5 e 11 de setembro de 2011. O show da banda, fundadora do gênero eletrotango, que mistura batidas eletrônicas com elementos clássicos do tango argentino, será no palco da Praça do Carmo, às 22h. A apresentação faz parte da turnê latino-americana e, no Brasil, passará pelo Rio de Janeiro, por São Paulo, Salvador e Porto Alegre, mas apenas em Olinda será gratuita. Tango 3.0, terceiro disco do grupo composto pelo francês Philippe Cohen Solal, pelo argentino Eduardo Makaroff e pelo suíço Christoph Müller, mistura referências de blues, ritmos eletrônicos, reggae e elementos da música folk americana. O álbum traz citações, como a canção “Rayuela”, inspirada no romance O Jogo da Amarelinha (cujo título original em castelhano é

Indivisível, de Zé Miguel Wisnik (Circus, 2011) Zé Miguel Wisnik é acadêmico e erudito. Dá aulas na USP, estudou piano clássico, gravou três discos, é compositor e escreve regularmente ensaios sobre música, literatura brasileira e futebol. Fez trilha musical para cinema, teatro e dança e ministra suas famosas “aulas-show” em parceria com Arthur Nestrovski, diretor artístico da Osesp. Embora seja um profissional com múltiplas facetas, o nome de seu

foto: renato stockler/na lata

Rayuela), do escritor argentino Júlio Cortázar. Na faixa, trechos da obra lidos pelo autor.

álbum novo, duplo, é Indivisível. O primeiro disco, com 13 canções, conta com o piano do próprio Wisnik e traz músicas feitas em parcerias com Marcelo Jeneci, Luiz Tatit e Alice Ruiz. “Cacilda”, feita especialmente para um espetáculo de José Celso Martinez Corrêa, foi gravada por Maria Bethânia. “Os Ilhéus” surgiu a partir de um poema do filósofo Antônio Cícero. O segundo álbum, com 12 canções, traz o violão de seu parceiro Arthur Nestrovski. Há músicas com base em poemas de Fernando Pessoa

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e Gregório de Matos e parcerias com Jorge Mautner e Chico Buarque.


BALAIO.COM

chicobastidores.com.br Chico Buarque conseguiu mobilizar mais de 14 mil pessoas numa quarta-feira à tarde para um show virtual ao vivo e gratuito. Com o músico João Bosco, cantou a música “Sinhá”, do seu álbum novo, Chico. A transmissão fez parte da estratégia de divulgação do disco na internet, que consistia em publicar um vídeo, uma foto, uma entrevista ou uma música por dia no período de um mês. As atualizações eram diárias, menos aos domingos, e ficavam no ar durante 24 horas para qualquer usuário poder acompanhar. O fã do cantor que decidiu pagar 29,90 reais teve acesso permanente a esses conteúdos, além de outros exclusivos. Apesar de algumas músicas terem sido pirateadas e colocadas no YouTube antes da venda oficial do CD, Chico comentou no show virtual o sucesso do projeto: “Parece que algumas pessoas gostam de não gostar. Pagam só para ficar falando mal”, e caiu na risada.

Gilberto Gil para iPhone e iPad O cantor e compositor Gilberto Gil, de 67 anos, lançou um aplicativo grátis para iPhone e iPad que é uma versão reduzida do seu site oficial. O destaque é o acesso à discografia completa do artista, com possibilidade de o usuário montar sua própria playlist na ordem em que preferir, embora não possa baixar as músicas nem armazenar no celular ou no tablet. Há, ainda, uma biografia com fotos, notícias e até seus últimos tweets. Gilberto Gil é um dos

youtube.com.br/cinema

principais defensores da liberdade

O YouTube, canal de vídeos do Google, criou um site

digital e do software livre. Em 2007, o

dedicado à cobertura exclusiva da produção audiovisual

jornal The New York Times realizou uma

brasileira, como os principais festivais do país, curtas, lon-

matéria sobre a dedicação do artista

gas e lançamentos, inspirado em sites internacionais como

para flexibilizar os direitos autorais e

o Project Direct e o Screening Room, também do YouTube.

sua aliança com a Creative Commons

Ao acessar a página, é possível encontrar entrevistas com

no início de sua atuação como ministro

atores profissionais e reconhecidos pelo público − como

da Cultura. Em 1997, Gil já cantava “Eu

Caio Blat, Paulo José, Selton Mello e Rodrigo Santoro −,

quero entrar na rede/Promover um

mas também há espaço para cineastas amadores exi-

debate”, em sua canção “Pela Internet”.

birem seus trabalhos, o que destaca a força do cinema contemporâneo nacional. A inauguração do canal teve bastidores, entrevistas e divulgação dos filmes apresentados no Paulínia Festival de Cinema, um dos mais importantes do Brasil. Até o fechamento desta edição, o canal já possuía 5.274 inscritos e 535.462 exibições.

Continuum digital A CONTINUUM chega agora ao iPad e à plataforma Android com o número 32. A partir de setembro, serão lançadas as edições anteriores até completar toda a coleção. Explore conteúdos extras, galerias de imagens, vídeos, áudios e diversos recursos interativos baixando gratuitamente nosso aplicativo. Na versão atual, confira vídeo com Naná Vasconcelos e fotos extras de Mel Lisboa, das estátuas de Aleijadinho em Congonhas e do Musac na Espanha. Saiba mais em itaucultural.org.br/continuum/.


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QUADRINHOS |

lourenรงo mutarelli


A Continuum chega ao iPad e à plataforma Android e fica ainda mais acessível. A partir de 25 de ago A Continuum chega aonúmero iPad e à32 plataforma Android para e ficavocê ainda acessível. A partir de 25com de agosto, a revista estará disponível lermais de maneira mais interativa, conteúdos extras como vídeos,

A Continuum chega ao iPad e à plataforma Android e fica ainda mais acessível. A partir de 25 de número 32 estará disponível para lerdedesetembro, maneira32 mais interativa, com interativa, conteúdos extras como vídeos, making of ae coleção outros. digital. A Avocê partir começam a ser disponibilizadas outras edições, até completar você pode ler a revista número dede maneira mais conteúdos extras como ao iPad e à plataformaagosto, Android e fica ainda mais acessível. A partir 25 de agosto, a revista com A partirvídeos, de setembro, começam acultura ser edisponibilizadas outras edições, completar coleção digital. Acesse o melhor ensaios fotográficos outros. De setembro em diante, começam ser disponibilizadas outras e das artes num toque. Leia a até Continuum noaapapel ou na tela. Saiba mais em itaucultural.org el para você ler de maneira mais interativa,da com conteúdos extras como vídeos, making of e outros. da cultura eedições, das artesaté num toque. Leia a Continuum no Acesse papel ouo na tela. Saiba mais em itaucultural.org.br/continuum completar a coleção digital. melhor da cultura e das artes num toque. omeçam a ser disponibilizadas outras edições, até completar a coleção digital. Acesse o melhor Leia a Continuum no papel ou na tela.

num toque. Leia a Continuum no papel ou na tela. Saiba mais em itaucultural.org.br/continuum


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