Crítica em Movimento \ Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Page 1

7

crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

1


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Memória e Pesquisa | Itaú Cultural Crítica em movimento: teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil / organização Itaú Cultural; [textos Valmir Santos, Camila Ladeira Scudeler, Luis Alonso-Aude e Luvel Garcia Leya]. - São Paulo : Itaú Cultural, 2021. - (Crítica em movimento ; 7) 661 Kb ; PDF ISBN 978-65-88878-13-2 1. Crítica. 2. Artes da cena. 3. Teatro. 4. Dança. 5. Circo. I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 792.015 Bibliotecário Jonathan de Brito Faria - CRB-8/8697

2


PT

Transformações da prática e do pensar crítico Valmir Santos

__ 4

A prática e o pensamento do Grupo Teatro Escambray, de Cuba Camila Ladeira Scudeler

__ 10

O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável Luis Alonso-Aude

__ 18

Processos artísticos com __ 32 crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil Luvel García Leyva Endereços na internet

__ 44

Ficha técnica

__ 46

Versión en español

__ 48

3


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Transformações da prática e do pensar crítico 1. Jornalista, crítico e cocurador do Crítica em Movimento. Idealizador e editor do site Teatrojornal – Leituras de Cena desde 2010. É doutorando em artes cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado na mesma área.

Valmir Santos1

A fortuna crítica de uma obra corresponde ao campo de pensamento que ela instaurou quando veio a público editada, gravada, filmada, esculpida, pintada, apresentada ou performada. Os oito cadernos concebidos especialmente para a quarta jornada Crítica em Movimento desejam inverter um pouco essa expectativa ao articular 24 textos no âmbito justamente do fazer crítico. São visões heterogêneas do que consiste e de como se desdobra em criações em circo, dança e teatro, com variantes para intervenção e performance. Sabemos o quanto as circunstâncias históricas, sociopolíticas e culturais envolvem praticantes e partícipes, artistas, pesquisadores e, claro, espectadores-leitores. Realizado anualmente desde 2017 pelo Itaú Cultural (IC), o ciclo de debates discute a recepção das artes da cena e o imprescindível diálogo entre públicos, criadores e críticos. Em 2021, neste periclitante contexto da pandemia, o estímulo ao pensamento contorna a impossibilidade do encontro presencial por meio da veiculação de conteúdos reflexivos em texto e podcast. Além de ampliar o acesso, busca-se perenizar as discussões das três edições passadas, que abordaram a prática da crítica à luz de problemas desse ofício e contaram com a apresentação de espetáculos. Entre as pautas abarcadas, estavam a precarização do trabalho no âmbito do jornal impresso e a busca pela sustentabilidade em contraponto ao mero diletantismo; o consistente avanço da análise na internet com ganas de reinvenção de estilo; e a adoção de novos procedimentos e de ideias consonantes com os estudos universitários e a inquietude da cena brasileira contemporânea. Também foram abordadas as realidades sociais de sujeitos colocados à margem e ancorados na dramaturgia de Plínio Marcos, bem como um recorte latino-americano e caribenho com obras e reflexões de representantes da Argentina, do Chile e de Cuba. Dado o insólito cenário do ano anterior, marcado pela irrupção global do novo coronavírus, uma das alternativas foi elaborar uma publicação on-line, com oito itinerários de escritas realizadas por 25 pessoas do universo das artes da cena.

4


\editorial

Cada volume enfeixa três análises estimuladas pelos seguintes motes: 1) o papel da crítica de teatro no Brasil – do jornal impresso à plataforma digital; 2) o vão entre a crítica e o circo; 3) estados da crítica de dança; 4) espaços digitais empenhados em artes cênicas; 5) a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua; 6) a cena engajada no contexto contemporâneo; 7) teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil; e 8) panorama do teatro latino-americano visto da ponte. Neste sétimo caderno, você acompanha uma prospecção entre terras nacionais e estrangeiras acerca do tema “Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil”, realizada por pessoas afeitas à criação, à produção, à pesquisa, à crítica e à pedagogia em Cuba e no Brasil. Duas delas são nascidas na ilha e atualmente trabalham e estudam na Bahia e em São Paulo. Vivendo em Bogotá, na Colômbia, a atriz e pesquisadora teatral brasileira Camila Ladeira Scudeler lançou um olhar testemunhal sobre um dos conjuntos artísticos icônicos da América Latina, o Grupo Teatro Escambray (GTE), de Cuba, com 52 anos de trabalho ininterrupto. Sediado na região de montanhas chamada Escambray, no povoado La Macagua, o GTE tem em seu extenso currículo mais de 90 montagens. E foi assunto do doutorado de Camila, Cartografia Diacrônica do Grupo Teatro Escambray (Cuba), defendido em 2018 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). A autora também entrelaçou trechos de seu diário pessoal escrito nas viagens triangulares entre o interior cubano, a capital colombiana e a capital paulista. Na seguinte passagem de seu texto elaborado a convite da curadoria, ela se ateve à genealogia do GTE: “Em novembro do marcante ano de 1968, nove anos depois de a Revolução Cubana ter triunfado, teve início essa ‘aventura’ de 12 teatristas que saíram da capital em busca de um novo público, de novas temáticas, de um novo norte para o seu processo artístico e revolucionário, no sentido mais amplo da palavra. No mesmo ano da estreia do filme Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996), o protagonista Sergio Corrieri, junto com a mãe, Gilda Hernández, e outros dez experientes e reconhecidos atores e diretores de Havana deram início ao caminho em direção ao interior. Teatristas que deixaram a capital do país para desenvolver um projeto artístico em consonância com as mudanças estruturais pelas quais Cuba passava”.

5


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

O diretor de teatro, produtor e pesquisador Luis Alonso-Aude mirou seu país de origem a partir do grupo El Ciervo Encantado, fundado em Havana em 1996, pela diretora e professora Nelda Castillo, junto com alunos do Instituto Superior de Arte. O nome provém da força poética do conto “El Ciervo Encantado”, no qual o autor cubano independentista Esteban Borrero Echeverría (1849-1906) mostra a perseguição a um animal que, por ser encantado, se safava de ser presa de caçadores. Naturalizado brasileiro e radicado em Salvador, Alonso-Aude correlacionou três criações recentes do coletivo em análise: Triunfadela (2015), Departures (2017) e Arrivals (2018), todas com atuação de Mariela Brito e escaladas na programação do Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia (FilteBahia), idealizado e realizado, desde 2008, pelo grupo Oco Teatro Laboratório, do qual o autor faz parte. “Esse território ao qual me refiro é um espaço em que se entrecruzam diversos gêneros, teatro, performance, happenings, instalações, produções multimídia e todas as vertentes que possam surgir relacionadas com o documentário e as histórias ocultas. Contam com mais de 60 produções, incluindo todos esses campos contaminados, diversas publicações e uma profunda experiência pedagógica”, contextualizou Alonso-Aude acerca de El Ciervo Encantado, ancorado pela parceria artística de Nelda e Mariela. Ao deduzir que o público baiano não teria ficado “muito contente” diante da performance de Triunfadela, o diretor examinou: “De fato, esse espetáculo vai contra os estereótipos não somente do próprio ofício, mas da imagem e da visão que se tem de Cuba como uma ilha de utopia e resistência. Quer seja ou não, é outra discussão, mas que a utopia de cada país deve ser vivida pelo próprio, sem tomar outras experiências como bandeiras que fortaleçam e façam perdurar sistemas paralisados, disso eu tenho certeza. E Triunfadela revela, de maneira crua e nua, verdades que não podem ser solapadas, pois o tempo as desmembra em pedaços e faz a sua carnificina. A utopia cubana talvez não tenha servido para caminhar, como diria Eduardo Galeano citando Fernando Birri. Ela tem se posicionado como paradigma paralisante, para além da economia, do próprio corpo cubano. Fez parte, durante longos 60 anos, do conluio de um Próspero shakespeariano visto aqui como uma grande maquinaria que, na sua magia, criou ilusões e alucinações, fomentou ideais amalgamados ao próprio corpo cidadão, em um país cercado de água por todas as partes, e assim tem agarrado um poder que parece mais do que eterno”.

6


\editorial Transformações da prática e do pensar crítico

O pedagogo, crítico de teatro e pesquisador cubano Luvel García Leyva talhou da realidade o relevo ficcional de uma narrativa que transcorre entre 2010 e 2013, e que analisa as peculiaridades estéticas de uma experiência artística com crianças brasileiras, colocando-a em diálogo com aspectos pontuais de outra experiência cubana. Ambas estão de mãos dadas na sua trajetória como investigador teatral nos últimos anos, entre a Cia. Paideia de Teatro, em São Paulo, e o projeto Zunzún, do Teatro Nacional de Cuba. O autor demonstrou talento literário ao intercalar vozes imaginárias, como a da atriz e pedagoga colombiana Margarita, e reais, como a do diretor e cofundador da Cia. Paideia, Amauri Falseti, lembrando-nos de que, em meio às ações artísticas e socioculturais, há brechas para os encontros afetivos, posto que a arte não está apartada da vida. “Mais do que uma forma de fazer teatro, de incorporar as crianças à dimensão poética como sujeitos, de construir uma prática perfurando os sistemas de representação e manifestação política, que apostam no esquecimento, nas vivências e nas informações como capital simbólico, o processo que envolveu o espetáculo Histórias que o Vento Traz questionou a noção de teatro infantil e sua abrangência como dispositivo de subjetivação nas crianças, revelando outras relações do ensino teatral entre adultos e crianças, propondo novas formas de habitabilidade no mundo e colocando o teatro como um horizonte orientado para a esfera das interações humanas e seu contexto cultural”, constatou Leyva. Os demais escritos presentes na publicação on-line são assinados pela atriz Alice Guimarães, do Teatro de los Andes (Bolívia); pela atriz e especialista em circo Alice Viveiros de Castro (SP); pelo encenador Altemar Di Monteiro, do grupo Nóis de Teatro (CE); pelo artista-pesquisador e professor chileno radicado em Fortaleza Héctor Briones (CE); pela docente, produtora e gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); pelo jornalista e crítico de dança Carlinhos Santos (RS); pelo artista transdisciplinar e crítico de dança Daniel Fagus Kairoz (SP); pelo ator e crítico de teatro Diogo Spinelli, do site Farofa Crítica (RN); pela professora e pesquisadora em circo Erminia Silva, em parceria com o pesquisador Daniel de Carvalho Lopes, ambos do site Circonteúdo (SP); pelo ator, diretor e professor de teatro Edson Fernando, do site Tribuna do Cretino (PA); pela artista Fátima Pontes, coordenadora-executiva da Escola Pernambucana de Circo (PE); pelo ator e diretor Fernando Cruz, do Teatro Imaginário Maracangalha (MS); pela jornalista e crítica de teatro Ivana Moura, do blog Satisfeita, Yolan-

7


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

da? (PE); pelo ator e pesquisador teatral Lindolfo Amaral, do grupo Imbuaça (SE); pela atuadora e pesquisadora Marta Haas, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS); pela atriz e agitadora cultural Nena Inoue (PR); pela diretora e dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, do Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas (BA); pela jornalista e crítica de teatro Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda? (PE); pelo crítico de teatro e jornalista Macksen Luiz (RJ), atuante no Jornal do Brasil (1982-2010), colaborador de O Globo (2014-2018) e criador de um blog de críticas com seu nome (2011); pela pesquisadora em dança, bailarina e professora Rosa Primo (CE); e pela artista-pesquisadora e professora Walmeri Ribeiro, do projeto Territórios Sensíveis (RJ). Como se vê e se lê, é uma produção textual que se pretende geográfica e ideologicamente não hegemônica. Ela se derrama sobre o fazer crítico, suas potências e seus impasses nesta quadra da história do Brasil, em que as já insuficientes políticas públicas para as artes e a cultura enfrentam ataques beligerantes. Escuta ativa Em simbiose com os cadernos, o podcast Crítica em Movimento chama o público em geral a ativar a escuta reflexiva por meio de cinco episódios. Cada um deles traz uma pergunta para os convidados. No primeiro, Macksen Luiz e a crítica de teatro, pesquisadora e artista Daniele Avila Small, da Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos atuantes no Rio de Janeiro e de distintas gerações, respondem à pergunta: “Quais são os enfrentamentos da prática da crítica de teatro hoje?”. O tópico perpassa a precarização do trabalho remunerado, a migração do fazer crítico para a internet e como expandir a conversa com públicos, artistas e gestores culturais, com mediação do jornalista e crítico de teatro que escreve estas linhas. No segundo episódio, a pesquisadora, artista e docente Lourdes Macena (CE) e o ator e diretor Rogério Tarifa (SP) se dedicam à questão: “Como a crítica se relaciona com a noção do popular nas artes cênicas?”. Com mediação do pesquisador e professor Diógenes Maciel (PB), é um diálogo acerca da recepção de expressões culturais emanadas do povo, muitas vezes em oposição ao conhecimento formal, às normas e às ambições dos poderes políticos e econômicos em jogo na sociedade.

8


\editorial Transformações da prática e do pensar crítico

“Qual é a percepção de quem cria a respeito do trabalho da crítica?” – eis o ponto do terceiro episódio. Para respondê-lo, foram ouvidos artistas de coletivos cênicos dos mais longevos do país: Tânia Farias, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), fundada em 1978, e o dramaturgo e diretor Edyr Augusto Proença, do Grupo Cuíra (PA), formado em 1982. A mediá-los, a pesquisadora, performer e jornalista Maria Fernanda Vomero (SP). Essa triangulação vai sondar como as suas respectivas criações são miradas por quem escreve crítica em suas regiões ou para além delas, uma vez que as realidades social, política e econômica do Brasil apresentam contrastes e convergências. A pesquisadora e docente Walmeri Ribeiro (RJ) e o ator Pedro Wagner, do Grupo Magiluth (PE), discutem sobre como exercer olhares e escutas a partir da cena remota. A crítica de teatro e jornalista Luciana Romagnolli, editora do site Horizonte da Cena (MG), medeia os desafios da análise diante dos procedimentos artísticos que emergem dos tempos atuais e abrem precedentes para uma nova ideia de presença e corpo mediado. Por fim, o último episódio discute qual é o lugar da resistência na formação da crítica a partir dos olhares de Henrique Saidel (RS) e Dodi Leal (BA), artistas que radicam pesquisa, criação e docência em suas lidas cotidianas. Sob mediação da jornalista, crítica de teatro e professora Julia Guimarães (MG), os artistas prospectam de que maneira o estudo e o exercício da crítica podem implicar procedimentos de escrita e de pensares tão expandidos quanto a pulsante produção contemporânea. O programa pode ser acessado no site itaucultural.org.br ou tocado no seu aplicativo de podcasts favorito. Evoé.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

9


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

A prática e o pensamento do Grupo Teatro Escambray, de Cuba Camila Ladeira Scudeler¹ 1. Atriz e pesquisadora teatral, é doutora e mestra em artes pela Universidade de São Paulo (USP) e bacharela em artes cênicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pesquisa o teatro latino-americano, questões de gênero e treinamento autoral. Desde 2005, integra a companhia de teatro Arlequins (SP). É cofundadora do grupo colombiano-brasileiro Cuerpo Abierto Teatro. Trabalhou como atriz-criadora no Teatro La Candelaria, em Bogotá, na Colômbia (2015-2019), e na produção da Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, de São Paulo (2009-2013).

2. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 224. (Obras escolhidas).

10

“O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido.” Walter Benjamin2 Estar no olho do furacão – representado, no ano de 2020, pela pandemia de covid-19 e pelo fortalecimento de políticas de extrema direita em diferentes latitudes – nos leva a rever nossas práticas nas mais diversas áreas e nos dá a oportunidade de parar um pouco para conhecer e analisar práticas teatrais que marcaram a história do teatro em nossa região e que continuam existindo, criando e se reinventando. Uma delas vem de um dos grupos mais icônicos da América Latina, o Grupo Teatro Escambray (GTE), de Cuba, com 52 anos de trabalho ininterrupto. Reconhecido nacional e internacionalmente, o GTE tem em seu extenso currículo a montagem de mais de 90 peças. Optei por iniciar este texto compartilhando trechos do diário que escrevi em Bogotá ao voltar da última viagem que fiz a Cuba, em novembro de 2018. Comecemos este relato daqui para trás. Bogotá, 15 de novembro de 2018. Chego a Cuba em novembro de 2018 com minha mala cheia de vivências. Nesta minha oitava viagem à ilha que desperta paixões – em sua maior parte, a partir de “ouvi dizer” –, uma forte crise de asma não me deixa só... Crise iniciada naquele fatídico 28 de outubro, quando, junto a milhões e milhões de brasileiros, vi diante dos meus olhos a confirmação de que os dias e anos vindouros seriam mais cinzas e menos humanos. A asma vai me contando que meu estado emocional é pessoal, mas também é coletivo. Que o que me afeta individualmente é também reflexo do que nos afeta como nação... Dez anos depois de minha primeira incursão pela ilha caribenha, desta vez vou por


poucos dias, com compromissos agendados. Celebrar os 50 anos do Grupo Teatro Escambray é o primeiro e mais importante deles. Depois de estar em contato com o grupo há dez anos, depois de ter me dedicado a estudar e conviver com esse coletivo de maneira mais intensa nos últimos cinco anos de minha vida – tendo morado lá, no interior da ilha, na zona rural da província de Villa Clara por quatro meses, em 2014 –, chego orgulhosa com uma tese de 318 páginas debaixo do braço. A Cartografia diacrônica do Grupo Teatro Escambray (Cuba), defendida na ECA/USP em agosto passado, agora chega às mãos de seus protagonistas: os artistas e o público da Macagua. Em uma sala calorosa, com a presença de atores que fazem parte do grupo hoje e outros tantos que lá estiveram ao longo de sua história, com a presença do ministro da Cultura de Cuba, com autoridades das artes, com amigas e amigos, pude falar sobre minha pesquisa, que é resultado do trabalho coletivo. Sempre. Encontros com amigas e amigos da alma, peças de teatro, hospital, muitas e muitas inalações... Calor. Saí do frio de Bogotá e cheguei a um escaldante calor de outono em Cuba. E, num dos momentos de mal estar pela asma, fui até um posto médico. No povoado de La Macagua, onde está o Grupo Teatro Escambray. Povoadinho de menos de cem habitantes, arriscaria dizer. Por volta das 5 da tarde, 5:30... Lá, o modelo é igual ao de todo o país onde estão estabelecidos os médicos da família: um sobrado. No térreo, o consultório, no andar de cima, a casa do médico. Já estava fechado o consultório, mas os vizinhos disseram para eu bater na porta da casa da médica. Atende uma jovem de cerca de 25 anos, já fora de seu horário de trabalho, com roupa de ficar em casa, esbaforida com o calor. Disse o que sentia, ela imediatamente fechou a porta, desceu as escadas comigo e me colocou na inalação. FORA DO SEU HORÁRIO DE TRABALHO. NA SUA CASA. NO SEU DESCANSO. Fiz a inalação e estive ali por mais de meia hora. Ela ali, me acompanhando enquanto aproveitava para organizar uma e outra coisa no consultório.

3. O solo Iara – a Dialética do Mito, de Éjo de Rocha Miranda e Camila Scudeler, com direção de Sérgio Santiago, codireção de César Amézquita e atuação de Camila Scudeler, é uma coprodução do grupo Arlequins com o grupo colombiano-brasileiro Cuerpo Abierto Teatro. Estreou em abril de 2014 no Festival de Teatro Alternativo de Bogotá, na Colômbia. Em repertório desde então, já foi apresentado na Argentina, no Brasil, em Cuba e em diferentes festivais e encontros na Colômbia, levando para o centro do palco a luta das mulheres contra a ditadura civil-militar brasileira.

Na noite seguinte, apresentei meu solo Iara – la Dialéctica del Mito3 na sala Margarita Casallas do emblemático El Mejunje, terceira vez naquele espaço com uma peça do grupo Arlequins na cidade de Santa Clara. Depois de usar a bombinha no momento de entrar em cena e colocar garrafinhas de água nos quatro cantos do palco, esperando que pudessem me ajudar caso uma crise de tosse me tomasse inesperadamente, pude compartilhar uma vez mais com os espectadores cubanos e seu altíssimo nível de análise crítica, artística e social. O debate ao final ficou marcado pela pergunta de um, e outro, e outro espectador: “Como explicar a vitória de J. B. para a presidência do Brasil?”. Minhas tentativas de compreensão do atual momento

11


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

4. A Revolução Cubana ocorreu em janeiro de 1959.

5. O grupo empresta seu nome da região onde está localizado o maciço montanhoso do Escambray. A 310 quilômetros de Havana encontra-se La Macagua, um pequeno vilarejo na beira da rodovia junto ao qual foi construída a sede do Grupo Teatro Escambray, em 1973.

histórico se mostraram insuficientes... Ainda estou/estamos tentando entender o que nos atravessa, mas certamente um ponto crucial tratado na peça é uma das chaves desse grande quebra-cabeça: a falta de verdade e justiça em relação à ditadura civil-militar de 1964-1985. Como dizemos em um trecho: “A memória bateu à porta e disse: Só há memória no presente, em nada mais”. Entender o teatro como uma arte essencialmente coletiva nos motiva a buscar parceiros com quem compartilhar e criar. Assumir que o teatro carrega em sua essência o diálogo com o outro – e, assim sendo, se apresenta como um espaço ideal no qual temas sociais podem e devem ser expostos a fim de que a análise das situações remeta ao exercício do debate e essa ágora estabeleça um ambiente de crítica – acarreta para o artista outro grau de responsabilidade e empenho. Imaginar que esse espaço coletivo de discussão e desenvolvimento da análise crítica se preste como um microcosmo em que movimentos de mudança são gestados pode ser uma utopia. E tê-la como uma luz no horizonte nos põe – aos que assim o encaramos – em marcha. Em novembro do marcante ano de 1968, nove anos depois de a Revolução Cubana ter triunfado,⁴ teve início a “aventura” de 12 teatristas que saíram da capital em busca de um novo público, de novas temáticas, de um novo norte para o seu processo artístico e revolucionário, no sentido mais amplo da palavra. No mesmo ano da estreia do filme Memórias do Subdesenvolvimento, de Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996), o protagonista Sergio Corrieri, junto com a mãe, Gilda Hernández, e outros dez experientes e reconhecidos atores e diretores de Havana deram início ao caminho em direção ao interior. Teatristas que deixaram a capital do país para desenvolver um projeto artístico em consonância com as mudanças estruturais pelas quais Cuba passava. Acabaram se estabelecendo na região do maciço de montanhas chamado Escambray.⁵ Conhecer a região, aproximar-se da população campesina local e investigar com ela as problemáticas presentes para então desenvolver uma dramaturgia própria, que dialogasse com esse contexto, foi a principal linha de trabalho fundacional desenvolvida pelo grupo. A pesquisa sociocultural se impôs como necessidade, como ponto de partida, e, com

12


A prática e o pensamento do Grupo Teatro Escambray, de Cuba

o tempo, se converteu em instrumento vital para o desenvolvimento do trabalho artístico do grupo. Isso foi parte de um movimento posteriormente chamado de nuevo teatro – ou teatro nuevo, como nos conta a prestigiosa ensaísta e literata cubana Graziella Pogolotti: Ocorreu, de maneira espontânea e coincidente, que as buscas de grupos de teatro de distintos países da América Latina tenham tido pontos em comum, e isso fica mais evidente no chamado Nuevo Teatro [...] E nesse entorno – que foi também um entorno muito particular no aspecto político por ter sido o período de várias ditaduras latino-americanas – [houve] uma busca muito particular de relação com os setores populares. Em cada lugar, as definições estéticas e até os critérios de formação dos artistas foram diferentes, mas houve uma espécie de plataforma comum, de maneira geral, que se contrapunha ao teatro estabelecido, ao teatro oficial, ao teatro tradicional. [...] Apesar de que o Escambray surge aqui [em Cuba] sem nenhum contato prévio com o que estava ocorrendo na América Latina, se produz um ponto de convergência em uma determinada etapa, em especial no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, quando houve um respaldo institucional em Cuba por parte do Ministério de Cultura e da Casa de las Américas (POGOLOTTI apud SCUDELER, 2018, p. 29A-30A). Sergio Corrieri, cofundador e principal idealizador da criação do grupo nesses moldes, esteve à frente do coletivo até 1986. Sua mãe, Gilda Hernández, seguiu dirigindo o GTE até o seu falecimento, em 1989. Tal fato coincide com momentos de ruptura de grandes proporções no cenário mundial – e que afetaram Cuba de maneira particular: a queda do Muro de Berlim e o fim do bloco socialista. Na ilha, os anos de 1990 a 1996 ficaram conhecidos

13


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

como “período especial”, em que Cuba teve de buscar novas maneiras de sobreviver. Sem o apoio substancial da agora extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), muitas dificuldades acometeram a população em geral. É redundante dizer que o Grupo Teatro Escambray – tanto na esfera da vida privada de seus membros quanto no que diz respeito ao seu fazer artístico – não ficou imune a essa nova realidade. O grupo é subsidiado pelo governo de Cuba, que, desde o início do processo revolucionário, implementou uma política de respaldo estatal aos projetos teatrais. Como ressalta Eberto García Abreu em texto de 2017, A subvenção estatal outorgada através do Conselho Nacional de Artes Cênicas (CNAE), órgão do Ministério da Cultura que respalda os artistas cênicos, tem protegido e fomentado o desenvolvimento profissional de teatro ao longo dos últimos cinquenta e sete anos. No entanto, este fato por si só não esgota a complexidade do funcionamento das instituições culturais em cada período e os diferentes modos de produção que coexistem nos territórios do país e nas instâncias de desenvolvimento artístico da comunidade teatral cubana (ABREU, 2017, p. 20). As peças que, a partir de 1971, tiveram o camponês e seu contexto no centro da dramaturgia (podemos citar a primeira peça que resultou da pesquisa realizada na região, La Vitrina, 1971, de Albio Paz) foram mudando à medida que Cuba se transformava em um país onde a educação passava a ser massiva – e os problemas resultantes do modelo instaurado também se tornavam mais evidentes (Molinos de Viento, 1984, de Rafael González). As peças com vários atores deram lugar, durante o período especial, a monólogos (como Petición de Mano, 1994, de Anton Tchekhov), já que essa era a única maneira de levar as montagens a outros lugares sem grandes demandas de transporte, produção etc. Aos poucos, as peças voltaram a ter um número maior de atores, e estudantes do último ano de atuação passaram a desenvolver suas montagens finais no GTE, ampliando o aspecto de formação artística que o grupo começou a desenvolver ainda no final dos anos 1980.

14


A prática e o pensamento do Grupo Teatro Escambray, de Cuba

No atual contexto de pandemia, o Grupo Teatro Escambray buscou novas formas de fazer teatral e de diálogo com o público, de maneira singela, sem aspirações grandiloquentes, que remetem ao seu início, nos idos de 1968. Os atores, em suas casas ou na própria sede do grupo – alguns sentiram que estariam mais seguros e protegidos do vírus se ficassem na zona rural do centro da ilha caribenha do que se voltassem para suas casas nas cidades –, começaram a propor novas formas de atuação quando Cuba deu início à abertura gradual, ao ter a pandemia controlada até certo ponto. Alguns deles passaram a realizar encontros de leitura, contação de histórias e teatro de títeres com as crianças de seus bairros, seja na sala de suas casas ou em seus quintais – estando os pequenos espectadores devidamente munidos deste objeto que já se integrou à nossa nova rotina: a máscara. Ou, como dizem em Cuba, o nasobuco. Outros atores colocaram no palco da sala de teatro da sede do grupo montagens menos complexas em termos de produção e receberam os moradores do entorno com grandes distâncias entre suas cadeiras. Rafael González,⁶ o diretor-geral do grupo, por sua vez, tratou de driblar as dificuldades de conexão à internet tão conhecidas em Cuba para dar aulas teóricas de teatro.

6. Rafael González Rodríguez (1950), diretor-geral do Grupo Teatro Escambray desde 1995, é membro do coletivo desde 1977.

7. Maikel Valdés Leiva foi ator do Escambray de 2004 a 2016. Atualmente, trabalha com teatro para crianças na Espanha.

Gerações de atores já passaram – e continuam passando – pela Macagua, seja para ficar poucos meses ou muitos anos... Resistindo a vento e chuva, os artistas continuam apostando na criação, e, como define Maikel Valdés Leiva,⁷ a tarefa do Grupo Teatro Escambray na arte, desde sua fundação [...], tem sido buscar e manter diferentes formas para decifrar a análise íntima das diversas relações que o homem sustenta consigo mesmo, com a sociedade, com a realidade que habita, cria ou destrói (LEIVA, 2017, p. 115).

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

15


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Referências ABREU, Eberto García. Cuba: ¿escenarios en cambio?. In: GÓMEZ, Lola Proaño; VERZERO, Lorena. Perspectivas políticas de la escena latinoamericana. Diálogos en tiempo presente. Buenos Aires: Los Ángeles: Argus-a, 2017. p. 18-45. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras escolhidas). LEIVA, Maikel Valdés. Mejunje teatral: más que un sueño de invierno. Revista Tablas, La Habana, n. 1-2, p. 113-116, 2017. SCUDELER, Camila Ladeira. Cartografia diacrônica do Grupo Teatro Escambray (Cuba). 2018. Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

16


A prática e o pensamento do Grupo Teatro Escambray, de Cuba

17


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

Luis Alonso-Aude¹

1. Cubano naturalizado brasileiro, é mestrando em artes cênicas no programa de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estudou na Escola Nacional de Artes (ENA) e no Instituto Superior de Arte (ISA) de Havana. É integrante do grupo multicultural de pesquisa teatral Bridge of Winds e dirige o grupo Oco Teatro Laboratório, o Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia (FilteBahia) e o Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste. É editor da revista especializada Boca de Cena e das coleções Dramaturgia e Teoria Teatral Latino-Americana.

2. Trecho do conto “El Ciervo Encantado”, de Esteban Borrero Echeverría (tradução nossa).

18

À maneira de prólogo: […] todos, no dia seguinte, pés maltratados, suorentos, sombrios, mudos de surdo rancor os caçadores. Todos tinham visto o cervo, todos tinham acreditado tê-lo encurralado, todos tinham disparado nele atirando sobre ele, e de seguro com suas vibrantes lanças; e o animal não parecia nem morto nem vivo quando, contando com a presa já na mão, atiravam-se a pegá-la. Nada! O cervo se desvaecia no ar, para reaparecer um instante depois triunfante, zombando, como desafiando-os a cem metros de distância; e, aí, de volta ao acosso, à perseguição, ao encurralamento, ao ataque frustrado e à fuga da fera e ao fracasso do homem!² Esse trecho do conto “El Ciervo Encantado”, do autor cubano Esteban Borrero Echeverría (1849-1906), mostra a perseguição a um animal que, por ser encantado, escapava de ser presa de caçadores. No conto todo, o autor brinca com a metáfora e o jogo alucinante de uma procura desesperada por esse cervo. Um jogo que representa, na sua beleza fugaz, a procura pelas origens de uma identidade cubana, significado que se esvai como fumaça, um primórdio intangível e inalcançável. O autor cubano, que foi um poeta destacado e um simpatizante da liberdade – razão pela qual as autoridades do colonialismo espanhol o acusavam de separatista –, borda, com incômoda beleza, a história do surgimento dos povoadores daquela ilha, tentando achar essa origem inominável da cultura cubana. Mas, como todo poeta, Borrero não consegue separar a sua prosa, por mais fantástica que seja, de sua vida, a vida de um emigrante e perseguido político, sempre lutando pela independência cubana. Assim, neste escrito, urge a necessidade de achar um lugar específico de fala que comungue com a existência do estrangeiro. O estrangeirismo, hoje, não se limita ao fenômeno de residir fora da terra de abrigo. Você, caro leitor, pode ser estrangeiro na sua própria terra, sendo permeado por outras ex-


periências no seu corpo subjetivo – povoado, sobretudo, de memórias, que nos habitam e nos fazem refletir no umbral do território do desterro. Esse umbral nos coloca em uma expansão de guarda-corpos limítrofes, criando um interstício difícil de habitar. É um local de trânsito, não tem espaço sólido retido pelo nosso corpo – ou pelo menos não da forma em que temos existido até hoje –, somente marcas de vivências permeadas pelo inefável. O trânsito é, no mínimo, um espaço de ruptura, uma ponte, porém reflexão, uma vez que o corpo não consegue habitar essa cisão na sua totalidade. Nesse lugar de clivagem é que o discurso se posiciona para poder analisar e compreender, olhando a partir do Brasil, uma singular experiência teatral cubana. Experiência que contempla outra observação, quando a ilha é percebida com base em sua própria circunstância insular. Esse é o empenho da minha escrita.

3. Uma forma especial de se expressarem os criadores teatrais em espaços de censura. Defino a poética do oculto em texto publicado no livro Trânsitos na Cena Latino-Americana Contemporânea (Edufba, 2008), organizado por Héctor Briones e Cacilda Povoas.

O cervo do conto se torna encantado não somente por ser fruto de uma metáfora eficaz vinda da genialidade do autor independentista, mas porque, como ele, também há quem viva ainda hoje no mutismo, como um estrangeiro na sua própria terra, na ponte, nos espasmos, no uso de uma poética do oculto³ para poder subsistir. O cervo que tenta fugir está na ponte, aguardando os caçadores para evaporar-se novamente, e daí observa com estranheza esse tempo bergsoniano, que os homens hostis estruturam em cúpulas ordenadas de números consecutivos. Tempo que divide passado, futuro e presente, mas que o próprio cervo não consegue compreender, pois a ordem dos caçadores – que fustiga e omite verdades na linha do tempo – não faz parte da ordem da natureza do cervo: ele pensa no local do transcendente, porque ele é pura transcendência, permanente.

4. Nelda Castillo em entrevista ao Hemispheric Institute.

A força poética desse cervo dá nome a um grupo de teatro cubano, El Ciervo Encantado, igual ao nome do conto, com pressupostos que não são alheios aos do autor. O grupo identificou-se com o conjunto que emana do símbolo dessa fera sedutora, do conto do autor, e gestou um corpo teatral que tem, por um lado, ido à procura da imanência do corpo humano vivo, seu âmago, e, por outro, se aproximado do território onde está ancorada essa identidade cubana mutante quando se trata de cultura, sem truques nem embelezamentos, nua e crua, aprofundando-se na sua memória mais do que na sua história, “pois a história sempre é contada pelos vencedores”.⁴ Assim, nessa ilha da atualidade, desunida, desestruturada, como nos tempos de Borrero Echeverría, o grupo abraça a imagem do cervo que se converte em um símbolo de duplo significado antagônico: caçaria e liberdade.

19


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

5. Espelhismos é um neologismo que vem da tradução direta do espanhol espejismos, fazendo alusão ao aspecto existencial de uma ilha onde são semeadas a ilusão e a utopia com a finalidade de dominação totalitária. Nessas ilusões são criadas imagens que, ao ser observadas, como em múltiplos espelhos, parecem reais, mas não são verdadeiras, potencializando, assim, uma existência não semeada no real. Em certa analogia, poderíamos citar Próspero, a personagem shakespeariana que, como um mago, cria ilusões e manipulações para restaurar e manter o eterno poder da sua ilha em A Tempestade.

Nessa tensão, aparentemente eterna, que burla o tempo e seus implicados, a diretora teatral cubana Nelda Castillo fundou El Ciervo Encantado em Havana, no ano de 1996, com alunos que ela mesma formou no Instituto Superior de Arte. O grupo deu origem a um laboratório de pesquisa teatral, que buscou nos corpos dos atores a sua memória escondida, entrelaçada, criticamente, com os “espelhismos”⁵ provocados pela situação insular. A busca era por mostrar as peculiaridades da cultura nacional que se encontram fora do vendável e do turístico, perseguindo o dia a dia, o feio, o que para muitos pode ser até repulsivo. Semear uma nova tradição de ruptura no fazer teatral e, sobretudo, não abandonar o seu propósito fundamental: atrelar a memória dos corpos poéticos de seus atores à memória do passado e daqueles autores que estavam esquecidos ou exiliados – Severo Sarduy, Reinaldo Arenas e Cabrera Infante, entre outros. Centrada em pontos de partida diversos daquele da literatura teatral, Nelda acha em contos, novelas, ensaios e recortes de jornal recursos que, como tijolos inflamáveis, ajudarão a construir essa ponte de reflexões a partir do sentir externo/interno exiliado: vozes de fora, veladas; vozes de dentro, em mutismo. No final, são as mesmas vozes, as dos cervos encantados que não conseguem ser apanhados pela obsessão dos dominantes. Nelda não se pretende uma dissidente, mas uma artista crítica na borda, comprometida com sua própria vida. Junto com Nelda está a atriz Mariela Brito, e, unidas, vencem no dia a dia a sua angustiante lavoura. Durante 24 anos, residiram em salas abandonadas em forma de cúpulas, no Instituto de Arte; passaram a ficar sem espaço de trabalho e lhes ofereceram lugares em demolição que tiveram de reconstruir, até que o Ministério da Cultura, pelos reconhecimentos nacionais e internacionais do grupo, lhes outorgou o espaço no qual residem hoje, que esperam que seja vitalício. Ambas lutam incessantemente para a construção de um tronco essencial que segure o corpo do cervo, com seus órgãos e sistemas, mantendo sua natureza povoada de fugacidades e tensões, contra ventos e marés que açoitam eternamente a ilha. E, com um coletivo de atores em trânsito, também têm procurado semear, impreterivelmente, um território profissional de formação e produção teatral inominável, assim como o cervo fugidio. Esse território ao qual me refiro é um espaço em que se entrecruzam diversos gêneros, teatro, performance, happenings, instalações, produções

20


O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

multimídia e todas as vertentes que possam surgir relacionadas com o documentário e as histórias ocultas. Nelda e Mariela contam com mais de 60 produções, incluindo todos esses campos contaminados, diversas publicações e uma profunda experiência pedagógica, assim como colaborações e uma vintena de prêmios nacionais e internacionais. Entre suas obras, destaco El Ciervo Encantado (1996), Un Elefante Ocupa Mucho Espacio (1997), De Dónde Son los Cantantes (1999), Pájaros de la Playa (2001), Visiones de la Cubanosofía (2005), Guan Melón, tu Melón (2016), Triunfadela (2015), Departures (2017) e Arrivals (2018). Uma trajetória louvável, caracterizada por um devir impulsionado contra um sistema imperante dentro e fora da ilha. As artistas constroem parte da história de um teatro que não foge da sua função de convívio com o espectador, cara a cara, promovendo e potencializando subjetividades e reflexões a partir de corpos poéticos que não falam mais do que a sua própria realidade. Não há um panfleto, mas uma estrutura artística a modo de espaço vazio, rústico, onde podem ser observadas as estruturas expostas dos corpos cubanos, onde repousam as histórias ocultas desvendadas, compartilhadas com o dentro e o fora da ilha, expandindo essa vibração do cervo que pretendem encurralado. Brasil, Triunfadela, Departures e Arrivals Foi em 2009, mobilizados pelo tema da memória e das liberdades de expressão – relacionado a todo um movimento que, no Brasil, tomou as produções teatrais na primeira década do século XXI –, que convidamos o grupo para participar do Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia (FilteBahia). Eles trouxeram duas obras, Pájaros de la Playa e Un Elefante Ocupa Mucho Espacio. Embora tivesse conhecimento do trabalho de Nelda Castillo, eu me aproximava dela como um espectador admirador, já que as nossas experiências artísticas não se cruzavam e eu tinha decidido que, naquela edição do festival, começaríamos a nos aproximar mais da sua produção, certamente peculiar. Foi no ano de 2015, com Triunfadela, e em 2019, com Departures e Arrivals, que os laços se estreitaram, e El Ciervo Encantado converteu-se no grupo de teatro cubano que mais poderia dialogar com as nossas propostas de um teatro latino-americano engajado, transdisciplinar e transcendental, centrado em uma teatralidade que, no decorrer do tempo, absorveu de outras vertentes, sobretudo da performance e do documentário. Sendo assim, escolho as três últimas produções referidas para estabelecer um diálogo a partir dos princípios aqui tratados sobretu-

21


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

do porque são três solos da atriz Mariela Brito, dirigidos pela Nelda Castillo, e objetos de análise do tronco que segura esse grupo cubano. Triunfadela O público baiano, pouco acostumado ao teatro latino-americano, não ficou, na sua maioria, muito contente com Triunfadela. De fato, esse espetáculo vai contra os estereótipos não somente do próprio ofício, mas da imagem e da visão que se tem de Cuba como uma ilha de utopia e resistência. Quer seja ou não, é outra discussão, mas que a utopia de cada país deve ser vivida pelo próprio, sem tomar outras experiências como bandeiras que fortaleçam e façam perdurar sistemas paralisados, disso eu tenho certeza. E Triunfadela revela, de maneira crua e nua, verdades que não podem ser solapadas, pois o tempo as desmembra em pedaços e faz a sua carnificina. A utopia cubana talvez não tenha servido para caminhar, como diria Eduardo Galeano citando Fernando Birri. Ela tem se posicionado como paradigma paralisante, para além da economia, do próprio corpo cubano. Fez parte, durante longos 60 anos, do conluio de um Próspero shakespeariano visto aqui como uma grande maquinaria que, na sua magia, criou ilusões e alucinações, fomentou ideais amalgamados ao próprio corpo cidadão, em um país cercado de água por todas as partes, e assim tem agarrado um poder que parece mais do que eterno. Triunfadela, considerada pelas próprias criadoras uma performance em cena, apresenta uma análise desses imaginários e comportamentos que singularizam a existência do cubano a partir da década de 1960 até o presente (tenhamos em conta que a Revolução Cubana triunfou no ano de 1959). O olhar das criadoras está centrado em uma resposta psicossocial à retórica oficial do progresso e da vitória, procurando confrontar o espectador com a cena e conviver com suas reações a partir de temas polêmicos. Desde a sua estreia – e acredito que até hoje –, essa performance pretende ativar um debate sobre o presente cubano em diálogo com os espectadores. A presença da atriz Mariela Brito corporifica uma personagem que ela define como “alucinada”. Esse corpo chega a uma praça pública onde acaba de acontecer um ato político. Ela se apropria do espaço para desenvolver o seu próprio discurso, envolvendo os espectadores em um jogo que paira entre

22


O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

a realidade e o delírio. Observemos que aqui se apresenta, como traço característico, uma deturpação relacionada com o socius – ela está alucinada, poderíamos dizer, doente, tresloucada. No entanto, no dicionário espanhol, a palavra “alucinada” também tem outra acepção muito interessante: “visionária”. Vejamos! O espetáculo começa com a transmissão de um documentário de 15 minutos, produzido pelo Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (Icaic), que trata de uma grande oficina de montagem de ônibus nos primórdios da revolução. Começa com uma imagem fixa, uma fotografia atual na qual podemos apreciar essa oficina demolida, destruída, uma enorme ruína. E então, de forma retrospectiva, vemos uma consecução de imagens da antiga montadora. Aparece uma fotografia do Che Guevara, desenhada na parede com textos do próprio guerrilheiro; pendurada na mesma parede, uma foto de Vladimir Ilyich Lênin ao lado de um relógio com pêndulo em ação, o tempo todo; uma vitrola em forma de malinha, daquelas antigas, toca hinos da revolução, amplificados por uma corneta de metal para que sejam compartilhados com os trabalhadores da fábrica. Outras imagens aparecem em textos escritos nas paredes, seja com tinta ou por edição visual. Aqui temos alguns deles: “Esta é a nossa trincheira, qual é a sua”; “Aqueles que não têm o valor de sacrificar-se devem ter o pudor de calar ante os que se sacrificam”; e “O militante comunista é aquele que estrutura em diretrizes concretas os critérios às vezes obscuros das massas. Che Guevara”.⁶ Todo esse universo visual é potencializado com uma sonoridade constante de martelos em ferro, soldaduras, montagens e desmontagens de latarias, barulhos de maquinarias e uma assembleia de caráter político, dirigida por integrantes do Partido Comunista e da Central de Trabalhadores de Cuba, para decidir quem seria o novo representante do sindicato dentro da fábrica.

6. “Esta es nuestra trinchera, cual es la tuya”; “Aquellos que no tienen el valor de sacrificarse, deben tener el pudor de calar ante los que se sacrifican”; e “El militante comunista es aquel que plasma en directrices concretas los critérios a veces oscuros de las masas. Che Guevara.” Textos extraídos do documentário (tradução nossa).

O documentário todo é tecido por uma espécie de leitmotiv que permite retornar constantemente a essas ações todas. A assembleia, as imagens do Che, Lênin, o relógio, o pêndulo, a vitrola, os hinos da revolução, os martelos, os discursos políticos, os ferros, os textos digitados na tela, e assim sucessivamente, vão se alternando durante 15 minutos, reproduzindo na linguagem audiovisual o que vem acontecendo durante décadas: a construção de um pensamento ideológico em corpos que, por si, são conhecimento e memória, habitados pouco a pouco pelas razões do esforço e do

23


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

sacrifício. Também se mostra como vão sendo estruturadas as camadas de poder em Cuba, que estão estreitamente atreladas ao discurso ideológico. No final do documentário, os ônibus são montados e disso se faz uma grande propaganda revolucionária, dando a eles a marca “Girón”, nome da praia em que, segundo o discurso oficialista, foram vencidos 1.500 mercenários no dia 17 de abril de 1961. O espetáculo possui duas propostas espaciais, a depender das exigências do lugar onde será apresentado, frontal ou alternativo. No FilteBahia, elas optaram pela segunda configuração, em que a plateia conforma uma passarela vazia no centro, na qual a atriz desenvolve parte do trabalho e os espectadores ficam frente a frente, mediados por ela. Nos outros dois extremos, de um lado, o lugar em que o documentário é reproduzido, que é também por onde a atriz entra na representação, como que saída do próprio audiovisual; do outro, uma espécie de plataforma com uma escada imitando um púlpito, na qual se pode ler em um letreiro suspenso: “Novos desafios, novas vitórias”. A figura alucinada ou visionária entra vestida com uma calça terracota, botas ao estilo vaqueiro de mesma cor, camisa de mangas compridas e uma gravata, que cobrem uma imensa barriga da qual saem dois microfones gigantes, como se tivessem nascido daquele corpo. Na cabeça, além de uma maquiagem que deixa seus olhos tremendamente abertos, como em um eterno estupor, porta uma espécie de balde pequeno que serve de chapéu, também de cor terracota, e o elemento de uma colher vazia, que desce do centro da fronte até a ponta do nariz, com a parte côncava de frente para o espectador. Há, ainda, uma espécie de manto, que sai de seu pescoço e se arrasta atrás enquanto ela caminha, feito de saco de lixo. Depois que termina o documentário, a atriz entra, com um passo marcado por uma espécie de impulso retido, obstaculizado, e avança ao som de um hino de luta. Chega ao púlpito e começa seu discurso fazendo uso, de forma paródica, das modulações que os líderes da nação usam para mobilizar as massas. Esse discurso é totalmente vazio, e isso se percebe porque ele vai no sentido contrário da realidade, cheio de metáforas e analogias. É como se o discurso e o real estivessem descolados. Vejamos um trecho: Hoje, contamos com um país mais forte, uma economia mais sólida, um povo mais equacionado, um povo mais culto, um povo mais unido. Tra-

24


O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

ta-se de uma nave que nem ventos, nem ondas, nem tempestades fará naufragar. Uma nave carregada de sonhos feitos realidade e de realidades que são sonhos ainda. Uma nave na qual viaja um povo inteiro rumo ao futuro. Não é o momento de dizer: não! Não negaremos a nossa obra. Vejam a Madre Teresa. A Madre Teresa somente tinha aquilo que vestia. E isto não é muito pedir. Depois de um longo discurso em que a atriz pede a cada momento aplausos e ovações, ela desce do púlpito e começa a entregar discursos impressos a espectadores, que denomina representantes de diversas estruturas sociais, estimulando-os a falar. Essas pessoas recebem e leem, na hora, a folha impressa, e a própria escrita os incita a formas de fala empoderadas. São escutadas mais informações centradas em produções de cacau, de café, da mandioca, da laranja, de bactérias, da educação, da medicina... Tudo o que se possa imaginar que gere reflexões sobre os avanços do país – avanços que não chegam a dimensão alguma que atinja o bem-estar do povo. Nessas ações que norteiam a performance, o público vai se divertindo em uma espécie de escárnio, um riso que somente se tornará doloroso quando voltarem às suas casas e à rotina do dia a dia semeada em outra realidade. Pense então, caro leitor, nas ruínas da fábrica, que no passado foi promovida como uma potência do sistema e, hoje, nem os discursos conseguem levantar. Departures e Arrivals Estas duas performances são mais simples quanto à estrutura, porém nos deteremos nelas antes de iniciar uma análise crítica dos pontos que convergem nas três produções. Ambas as performances giram em torno do tema da viagem, da saída, da fuga, do escape. Na cultura cubana da atualidade, viajar ainda é um verbo poderoso, por diversas razões, entre elas a questão econômica do país; a circunstância de ser ilha, o que também cria uma ilusão de fuga; e o sonho americano, europeu ou qualquer outro que tenha surgido no decorrer dos anos, servindo de motor que impulsiona e potencializa esse verbo.

25


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Além dessas reflexões, Departures está relacionada mais com a migração de artistas, pensadores e amigos. Mariela Brito, em corpo presente, está em uma sala que parece a de espera de um aeroporto. As cadeiras estão disponibilizadas de frente para o espectador em duas bandas, com um corredor no centro. O público vê que, nessas cadeiras, há fotografias de pessoas ausentes, fotos emolduradas repousando em cadeiras vazias. Cria-se o tempo todo uma tensão poderosa entre ausência e presença, enquanto a atriz, com um antigo walkman conectado a um fone de ouvido, vai fazendo a leitura de cartas que essas pessoas, escolhidas de forma aleatória, escreveram para ela no processo de pesquisa desse trabalho, contando por que tinham saído de Cuba, por que estavam tão longe e a consequência dessa distância nos seus corpos ausentes da ilha, da família, da imposição. Por outro lado, Arrivals centra seu discurso naqueles cubanos que, por trabalho (ou “missão”, como o governo comumente chama essas viagens) ou por motivo de visitas familiares, estão diante de malas em que deve caber absolutamente tudo aquilo que dentro da ilha é de difícil acesso e aquisição, itens fundamentais e básicos do dia a dia. Não são as malas normais que, quando viajamos, tentamos lotar de suvenires e presentes para amigos e familiares; são malas de objetos que o espectador vai decodificando e percebendo a precariedade da vida do cubano na ilha. Cito a seguir textos legendados em português que iam aparecendo na tela de projeção e que fazem parte dos pedidos escritos que os próprios familiares e amigos entregam ao viajante, para que este arranje uma forma de comprá-los no exterior. Voz em off 2: Sapatos para os meus filhos (homem e mulher), sapatos para minha neta, roupas para os meus filhos (jeans, camisas, vestidos, blusas etc.), roupas para minha neta, cuecas para o meu filho, sutiã e calcinhas para minha filha, calcinha para minha neta, papel higiênico, creme dental, sabão, alho em pó, latas de atum, presentes para meu genro e minha nora (O QUE FOR, MAS NÃO PODE FALTAR), lembrancinhas para meus amigos (artesanatos, carteiras, lenços, chapéus etc.), aparelho de TV, DVD e computador, lavatório. Voz em off 3: Cereais para Lilia, cadeiras de banho para papai,

26


O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

Pampers para papai, vitamina D em creme, seringas descartáveis para papai, colchão antiescaras para papai, timer de cozinha, café La Llave, cuecas para Gustavo, triturador de especiarias, sanduicheira. Voz em off 4: Café, temperos de vários tipos, esponjas de aço para limpar panelas, esponjas multiúso, panos de prato, amolador de facas, facas, tesouras, chocolates, sutiã esportivo, cuecas, chinelos Havaianas, tênis, sapatos femininos, toalhas, toalhas de mesa, camisas, blusas, calças jeans, calça legging de homem e mulher, shorts, pijamas femininos, vitaminas, cotonetes, pilhas de vários tamanhos, incensos, pequenas reproduções de mármore do Cristo corcovado, sabonetes para banho, pasta de dente, e tinturas para o cabelo. Voz em off 5: Cimento branco, ventilador de teto, tanque, metais para banheiro, televisores, videocassete, aparelho de DVD, memória flash, medicamentos, sal de frutas, Novalgina para dor de cabeça, sapatos, meias de homem e mulher, cuecas, camisas, tênis, luminárias, tomadas, maçanetas, toalhas, lençóis, fotos para a família, um andador para meu pai, perfumes, óculos de grau, comida de gato, livros que não se publicam em Cuba. Voz em off 6: Os sapatos da mamãe, temperos Goya, faixa de exercícios, cadeados pequenos, tinta para cabelo cor cinza, fones de ouvido grandes rosa/amarelo, frigideiras, lâminas, tesouras, alpargatas Cynthia, vitaminas (ômega 3, 6, 9), shampoo de queratina, creme do dia, vela de aniversário, lâmpadas, as que puder. Voz em off 7: Material escolar, itens de higiene pessoal, lâminas de barbear, sabão, perfumes e o que possa levar de comer, uma bicicleta para minha filha, velas para apagões e para os santos, lanternas para quando houver apagões, itens elétricos recarregáveis,

27


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

TVs de tela plana para minha casa, varas para varal, panos de prato para minha mãe, muitos, muitos filmes piratas para matar o tempo, uma boneca toda vez que viajava para minha mãe, algum artesanato ou coisa típica, queijo parmesão, chocolate amargo, livros proibidos em Cuba, celulares, discos rígidos, pregos, visitar casas de mágicos ou feitiçaria para levar coisas para o teatro em Cuba, figurinos, perucas de acordo com os personagens, maquiagem, leques, bijuterias, sangue para efeitos, luzes LED, projetores e uma infinidade de coisas que eu poderia ter comprado em Cuba, mas que em Cuba não havia. Enquanto esses textos são falados e legendados, a atriz vai preparando, do início ao fim da performance, suas malas com todas as compras. Em tempo real, ela tentará organizar sua viagem. E a performance tem a duração desse procedimento, que, além de tortuoso, é desesperador tanto para quem está realizando quanto para quem observa. Nada, absolutamente nada pode ficar fora das malas, mantendo o peso máximo, pois não pode pagar por sobrepeso. Como escolher entre uma lata de atum e umas sandálias? Ou entre um remédio para o pai e o colchão inflável contra escaras? Ou entre o cimento branco para a cozinha e as velas dos santos? E as sacolas de supermercados eram um objeto importantíssimo, que não podia ser esquecido. Muitos espectadores inquietos sentiam vontade de ajudar, intervir, colaborar. Era angustiante. Gerava, assim, como um sentir expandido, a força do ser cubano nas situações difíceis da sua existência espalhadas para o espectador, contaminando quem observa em atitude de desespero, não pelo cansaço que o tempo da performance provocava, mas pelas informações que vão sendo absorvidas pelo próprio espectador. Mutismo e espasmos do Cervo em tempo dilatado Embora produzidas em momentos diversos, se tentarmos elaborar uma costura entre essas três performances, podemos perceber que há uma consecução lógica em suas ações. Triunfadela mostra uma resposta psicossocial à retórica oficial do progresso e da vitória, demarcando um territó-

28


O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

rio em ruínas que ainda levanta a voz para levar as massas acima de uma montanha de entulho arquitetônico. Pois é a arquitetura do corpo cubano e a do próprio país físico que têm vivido a experiência da arte de produzir ruínas. Assim, entrelaçam-se Departures e Arrivals como sendo memórias que partem de vivências que não são mais do que o produto real dessas divergências entre o ideológico e o social verdadeiro. Departures e Arrivals arrancam de Triunfadela o seu desfecho, com uma atriz que sustenta um corpo em espasmos controlados pelo próprio controle que lhe foi imposto, pelo próprio gesso com o qual foram construídas todas as estátuas que povoam a ilha, pelos emblemas, pelos cantos, pelas músicas heroicas e pelos próprios martelos metálicos, chassis e pêndulos que não conseguem cifrar esse tempo que é dividido, mas dilatado, perpétuo, que se alastra há mais de meio século. Embora nas três produções existam textos falados, ou “em off”, cartas lidas ou projeções documentais, o mutismo permanece o tempo todo, como uma segunda natureza criada no corpo da atriz que se conecta ao corpo dos espectadores. É um mutismo oculto, pois a reflexão, ato seguido de cada ação na peça, não é mais suficiente. A reflexão também fica presa. O mutismo na reflexão, que é o momento em que o teatro perdura, é o mais potente, fundamental e perigoso. O ser humano sente vontades de dizer, mas seu próprio corpo, que é o da atriz, que é o do espectador, agora se confunde e não consegue revelar. Pois os caçadores andam por todas as partes, espalhados, e os cervos, às vezes, cansam e precisam se alimentar daquela colher vazia que em Triunfadela decora e conforma o nariz da performer. Nariz e colher, respiro e sobrevivência. Nelda Castillo, como diretora, acerta na condução das estéticas de cada produção. Luz, música, figurino e espaço de Triunfadela traçam os espasmos de um eterno moribundo, como uma história de ficção, um jogo de irrealidades na própria cara do espectador, que precisa compreender que isso é totalmente ausente, teatralizado, e torna-se ridículo. Como diria o crítico argentino Jorge Dubatti, transteatralizado. Vamos ao teatro para fugir da transteatralização, do uso que os poderes fazem de estratégias teatrais para manipular as nossas verdadeiras intenções. Depois, nas outras duas performances, a diretora nos mostra, com uma luz aberta, branca, quase como a de uma sala de hospital, o corte cirúrgico da

29


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

verdade, da força da realidade, e não há espaço para a utopia em nenhuma daquelas malas, ou quadros, ou cartas, nem sequer para uma nova utopia, porque chega um momento em que até os sonhos são levados à ruína. Em Departures e Arrivals, o corpo de Mariela Brito não tem mais espasmos visíveis. Eles foram condensados, diluídos com o tempo e convertidos, como se tivessem se transformado pelo cansaço, em ações um tanto líquidas, fluidas, concretizando e patenteando a mais pura realidade, sem chavões nem assembleias. Ainda assim, com tudo aparentemente à mostra, não é tudo que se diz, não se expressa tudo como em um panfleto. A arte não vive desse lugar depositário de informações como os jornais. Jornais, documentários, novelas e até a própria memória servem para fazer a arte se distanciar da realidade, porque a própria realidade não lhe é suficiente. Por muito perto que a obra de arte esteja dessa realidade, sempre haverá uma linha tênue que a afaste da realidade, pois é aí que se constrói a ponte da qual aquele cervo encantado vigia seus caçadores e cria um território inominável para a sua salvação. É nessa cisão, nessa clivagem, que se produz a reflexão, durante o ato imediato da ação e depois da morte do ato do teatro.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

30


O corpo do cervo encantado à procura de um território teatral inominável

Referências BRIONES, Hector; POVOAS, Cacilda (org.). Trânsitos na cena latino-americana contemporânea. Salvador: Edufba, 2008. DUBATTI, Jorge. Filosofía del teatro I: convivio, experiencia, subjetividade. Buenos Aires: Atuel, 2007. ECHEVERRIA, Esteban Borrero. El ciervo encantado. Havana: Editora Cuba, 1937. EL CIERVO Encantado. Nelda Castillo e Mariela Brito. Hemispheric Institute, Cidade do México, 14 jun. 2019. Disponível em: https://hemisphericinstitute.org/es/encuentro2019-interviews/item/2876-el-ciervo-encantado.html. Acesso em: 28 set. 2020. EL CIERVO Encantado. Un espacio de indagación artística desde la Cuba actual. Disponível em: http://elciervoencantado.blogspot.com/. Acesso em: 28 set. 2020.

31


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Processos artísticos com crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil Luvel García Leyva¹

1. Pedagogo, crítico e pesquisador teatral. É doutor em ciências sobre arte (história, teoria e crítica do teatro) pela Universidade das Artes, em Cuba, e doutor e mestre em artes cênicas (pedagogia do teatro) pela Universidade de São Paulo (USP). Autor de livros e estudos sobre processos artísticos com crianças, palestrou em instituições de diferentes países, como México, Hong Kong, Coreia do Sul, Colômbia, Guatemala e Estados Unidos. Atua em torno dos seguintes temas: infância latino-americana e cena contemporânea; processos artísticos com crianças em contextos vulneráveis e experiência sensível e subjetividade infantil.

2. Neste trabalho, reutilizo fragmentos de meu livro El Viaje del Colibrí: Re-Construyendo una Pedagogía Arteducativa con y desde los/as Niños/as (2010) e de minha tese de doutorado, Cenários Infantis Latino-Americanos: Aponta-

32

I Foi nos primeiros dias de junho.2 O Sol estava no signo de gêmeos e a Lua em libra. Os protestos haviam transformado as ruas brasileiras em cenários políticos. Começavam as Manifestações dos 20 Centavos. Mercúrio tornava tudo mais crítico; Urano, mais fantasioso; Vênus trazia uma escassa felicidade; Marte fazia reinar a ambição e a discórdia. Na casa do ascendente, subia a Cabra, tornando tudo mais obstinado e cheio de exageros. Netuno entrava na décima casa, andando entre o milagre e a simulação. Foi Saturno, em oposição a escorpião, que definitivamente me impôs um destino arriscado e desconcertante: chegar ao Brasil, vindo de Cuba, em meio às mais gigantescas manifestações vistas neste país. Eu havia deixado para trás o aeroporto e seguia em direção à casa de Margarita,3 a atriz e amiga colombiana que morava havia algum tempo no Brasil e integrava o grupo Paideia, com quem eu ficaria durante todo o tempo que durasse o processo artístico com crianças que estava a ponto de começar. Anos antes de sua vinda para o país, trabalhamos juntos em Cuba com crianças do bairro La Timba, no projeto do Teatro Nacional chamado Zunzún, com o qual apresentamos a performance lúdica El Rey Mesa Redonda. Estava pensando em todas essas coisas enquanto imagens impactantes atravessavam a janela do táxi e se apropriavam de minhas pupilas. Luzes, sirenes de carros, trânsito enfurecido, pessoas revoltadas nas ruas enfrentando a polícia ou absortas em seus celulares, convergências luminosas e estridentes que me anunciavam, definitivamente, um destino arriscado e desconcertante. II Não dava para acreditar. Sete tiragens de tarô e todas tinham o mesmo resultado. A carta da Estrela anunciava a Margarita a chegada de um guia que a levaria a um universo de realizações. A imagem de uma mulher nua vertendo a água de dois jarrões no curso de um rio simbolizava os senti-


mentos presos, a tristeza e o vazio sendo despejados na corrente. Mostrava o medo, o desespero e a desilusão dando lugar à esperança e aos sentimentos renovados. Todas as tardes, Margarita lia seu destino antes de tomar banho, mas hoje, diferentemente dos outros dias, sentia um desespero, “sei lá por que”, que transformava os guizos em seus braços e tornozelos em um desarmonioso mar de badaladas. Ela já havia consultado o tarô, suas cartas ciganas, os horóscopos lunares, os espíritos protetores, inclusive os búzios de seu eleguá [uma das deidades da religião iorubá], que recebeu em Cuba, na ocasião em que abandonou o festival de teatro para o qual viajara com o seu antigo grupo colombiano – quando nos encontramos pela primeira vez – e se iniciou na religião iorubá junto com uma multidão de negros másculos e suados que alimentavam suas orgásticas fantasias esquerdistas caribenhas de “socializar seus meios de produção”. Porque, afinal, pensava ela, qual é a função política de uma atriz engajada se não essa? Seu sonho de revolucionária destemida era dizer àqueles machos viris anti-imperialistas: “Companheiros, aqui entre as minhas pernas está a terra, venham e façam a reforma agrária”. Mas hoje, na véspera da minha chegada à sua casa, todas as suas consultas anunciaram morte e ressurreição. Então, quando pela sétima vez saiu a bendita Estrela do tarô, Margarita não pôde deixar de se preocupar. E, realmente, não era para menos. O primeiro sinal de sua aflição chegou através de uma estridente bomba de efeito moral lançada pela PM bem na frente de sua casa, que arrebentou em mil pedaços os vasos espirituais que havia no altar de seu quarto. O estrondo foi tão grande que o impacto a remeteu aos dias em que Medellín [cidade colombiana] era ensanguentada pelas bombas dos narcotraficantes, pegando-a de surpresa em meio a um ensaio, desdobrando-se em sua solidão com seus personagens, movida pelo lento e prazeroso fluxo que a cannabis e o vinho tinto lhe proporcionavam, desfrutando eroticamente dos sutis raminhos de camélias vermelhas encaixados entre seus dois gigantes seios que endureciam a cada trago. Lá estava ela, como uma completa heroína romântica, ou melhor, como uma cortesã parisiense, uma Marie Duplessis [cortesã francesa do século XIX] disposta a morrer por amor entre as balas dos narcotraficantes, lembrando a galeria de assassinos famosos de Cortázar [escritor argentino] ou os libidinosos impulsos que Jack, o Estripador, consumava por meio da muti-

mentos sobre Processos Cênicos Emergentes da Ação Cultural (2020), desenvolvida na Universidade de São Paulo com o apoio da Fapesp (Processo no 2016/11789-2). Assim como neles, aqui me interessa repensar o lugar da teoria para analisar propostas artísticas com crianças e suas peculiares conexões entre Cuba e Brasil, elaborando um conjunto heterogêneo de saberes como produção de um olhar metafórico. Nesse sentido, proponho uma reflexão que articula textos analíticos acadêmicos, crônica conjuntural e relatos autoficcionais, por meio de recursos literários como narradores/personagens e estratégias de intertextualidade. Com essa narrativa, que ocorre entre 2010 e 2013, analisarei as peculiaridades estéticas de uma experiência artística com crianças no Brasil, colocando-a em diálogo com aspectos pontuais de outra experiência cubana, ambas se desenvolvendo de mãos dadas em minha trajetória como crítico e pesquisador teatral nos últimos anos de minha vida profissional. Refiro-me à Cia. Paideia de Teatro, de São Paulo, e ao Projeto Interdisciplinar Zunzún, do Teatro Nacional de Cuba.

3. Destaco que as histórias associadas a esse personagem são fictícias e não expressam nenhum vínculo real com a Cia. Paideia de Teatro.

33


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

4. Ver: https:// www.youtube.com/ watch?v=TXgmbK95cpU. Acesso em: 26 set. 2020.

5. Embora situemos temporariamente a história entre os anos 2010 e 2013, na realidade, esse processo com crianças foi desenvolvido pela Cia. Paideia entre março e julho de 2017, em um primeiro período, e entre agosto e novembro de 2017, em um segundo período. As oficinas que originaram o espetáculo Histórias que o Vento Traz se concentraram fundamentalmente naqueles primeiros meses e eram integradas por 25 crianças, com idade entre 7 e 9 anos, de origem humilde, alunos da Emef Carlos de Andrade Rizzini. Esse processo, que acompanhamos integralmente, foi concebido com encontros semanais de uma hora cada um.

lação da genitália das mulheres vitimizadas da vida londrina, a mesma pulsão que a havia tornado uma especialista em desvirginar jovenzinhos com um ardor efêmero na alma estremecida. Alexandre Dumas já havia dito: “O primeiro amor, por amor; o segundo, por despeito; o terceiro, por costume”. E também Guillermo Buitrago, em “Espera que me muera”,⁴ abalado pelos vaivéns do amor e da morte que soavam tão bem naquele vallenato. “Si quieres querer a otro, espera a que yo me muera, después de mis nueve noches, puedes querer a cualquiera” [“Se você quiser amar outro, espere que eu morra, depois de minhas nove noites, você pode amar qualquer um”]. De fato, para Margarita, o que significava a vida diante da intransponível ausência do amor? E, nesse esquecimento de si mesma ao qual havia chegado, sentia que pouco lhe importava se ela fosse a próxima baixa, vítima da paixão extraviada de uma bala perdida. Mas não foi um projétil, como Margarita romanticamente sonhava, que atingiu a porta naquele 12 de junho de 2013, e sim eu: Ignacio del Castillo, seu cubaníssimo amigo, que vinha para acompanhar o processo criativo com crianças de Santo Amaro [bairro da Zona Sul de São Paulo] que originaria o espetáculo Histórias que o Vento Traz.⁵ III Havia passado uma semana desde a minha chegada e tudo já estava pronto para começar. Fui ao palco principal da Cia. Paideia, onde Amauri [o diretor], Margarita e o restante dos atores já estavam me esperando, junto com as crianças e sua professora da escola. Rapidamente reconheci, na disposição espacial da equipe, a ideia de teatro aberto de que Margarita tanto tinha me falado na noite anterior. Eles queriam construir um espetáculo levando em consideração as opiniões e as críticas das crianças espectadoras. Pretendiam desenvolver um processo pedagógico e artístico que reunisse um conjunto de elementos (textuais, visuais, sonoros) organizados a partir de dispositivos do teatro épico e que explorasse a concepção narrativa de Walter Benjamin (1994). Havia uma forte preocupação da equipe artística com relação à desvalorização da memória e à substituição da experiência pela informação e pela vivência, impostas às crianças como projeto político de dominação (CORREA, 2017). “A memória” – explicava-me insistentemente Margarita enquanto acendia os incensos em sua casa – “foi capturada pelos núcleos de poder e realocada nas suposições do logos. Se é por meio da palavra que falamos da memória,

34


Processos artísticos com crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil

esta pode ser apagada ou manipulada para consagrar o esquecimento. Por isso a narrativa é tão importante em um processo artístico como esse!” – insistia. “Ela estabelece uma ponte temporal com a memória, abrindo seus significados a interpretações congruentes em diferentes épocas”, afirmava enfaticamente após um longo trago em seu cigarro Marlboro. Enquanto eu pensava em silêncio sobre a minha conversa com ela na noite anterior, Amauri tentava explicar às crianças, com uma certa magia, os objetivos e aspirações do trabalho. Nesse momento, as crianças já ocupavam as poltronas do teatro, um pouco inquietas, querendo saber o que ia acontecer. Todos ficamos surpresos quando, de repente, a professora interrompeu Amauri e, com voz de comando, fez com que as crianças cantassem com ela uma canção que estavam preparando havia dias “para os artistas do teatro”. Era uma dessas cujo ritmo envolvia bater palmas e os pés no chão. A professora fazia as crianças gritar bem alto. Era uma demonstração de seus “dotes artístico-pedagógicos”, esmagados pela força da professora, que se movimentava no palco como se fosse uma domadora de leões. Finalmente, Amauri disse algumas poucas palavras: “Prestem atenção. Temos uma surpresa para vocês. Esta é a história de ‘O Melhor Filho’ ”. IV Todos posicionados em círculo. O ritmo de salsa esquenta os salões do Teatro Nacional de Cuba. Margarita propõe ações. Pais e filhos as repetem. Em seguida, o grupo se divide em dois, um de frente para o outro: o de crianças e o de adultos. As crianças dão alguns passos para a frente imitando uma ave e dizem: “Quando a galinha grita! Quando a galinha grita!”. Os adultos as observam e, então, tentam imitá-las, mas são desengonçados. Seus corpos não alcançam a graça das crianças, que se divertem vendo-os. Surgem outros animais, e os desafios para os pais são ainda maiores. No entanto, eles não desistem. Querem viver essa experiência de ver e fazer junto com seus filhos. Uma dezena de exercícios semelhantes a esse foram me mostrando que Margarita era um desses seres que vêm ao mundo para mudar as coisas. Naquela época, em meados de 2010, ela já havia decidido ficar alguns meses ilegalmente em Cuba, sob o risco de ser multada ou deportada pelo Ministério do Interior. Queria conhecer a ilha profunda, aquela que está longe do conforto dos hotéis e da propaganda do governo, e se recusava termi-

35


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

6. Embora situemos temporalmente a história entre os anos de 2010 e 2013, esse processo de trabalho, desenvolvido com crianças cubanas que viviam expostas a condições de vulnerabilidade social, ocorreu realmente entre janeiro e abril de 2007. Apesar das diferenças contextuais, metodológicas e de abordagem artística entre essa experiência e a da Cia. Paideia, as conexões entre as duas continuam chamando minha atenção. Trata-se de processos que, de alguma forma, envolvem uma investigação sobre as condições de existência do outro (neste caso, da criança). São investigações em torno da alteridade e das manifestações de exclusão social, que trazem consigo implicações diretas nas estratégias de criação dos grupos e nos dispositivos pedagógicos do ensino de teatro para as crianças.

36

nantemente a pagar os trâmites para a prorrogação de sua permanência. Assim que nos conhecemos, ela se ofereceu como voluntária para trabalhar com as crianças do projeto Zunzún.⁶ Quando ela chegava, explorávamos alternativas artísticas por meio do conto “Un Paseo por la Tierra de los Anamitas” (2004), de José Martí. Porém, sua presença fez com que o processo tomasse outros rumos. Rapidamente, apareceu Paulo Freire e seus princípios pedagógicos, fazendo com que as ideias e as ações das crianças, por mais inverossímeis que parecessem, fossem levadas em consideração e incluídas no processo artístico. Não se partiria mais de uma obra escrita por um adulto para ser executada pelas crianças, mas seriam as problemáticas que afetavam suas vidas, previamente identificadas por elas, que serviriam de leitmotiv para o processo criativo. O diálogo foi proposto intencionalmente como um exercício político. O objetivo não era formar a criança artisticamente, mas criar as condições para a ampliação de seu ser estético na formação de comunidades solidárias, cooperativas e transformadoras. As soluções para as diversas situações estéticas e lúdicas que ocorriam na oficina deviam partir dos achados individuais e coletivos do grupo, descobrindo novas perspectivas de vida com a criança na convivência e na ação participativa da comunidade. V Dois meses após a minha chegada ao Brasil, o processo criativo com crianças na Cia. Paideia se delineava conforme a tríade memória, experiência e narrativa. O material textual selecionado incluía textos de Fernando Pessoa (1946) e quatro histórias antigas com uma marcante sabedoria popular (“Um Homem Infeliz”, “Um Pobre e um Rei”, “O Olho do Elefante” e “O Melhor Filho”). Esse material, por um lado, servia de base pedagógica para as oficinas com as crianças, propiciando experiências coletivas de valorização da memória; por outro, funcionava como material dramatúrgico para o espetáculo Histórias que o Vento Traz. Dessa forma, todo o tecido cênico da obra, particularmente esse processo escritural, ia sendo enriquecido pelos desenhos das crianças sobre os personagens das histórias, por suas interpretações do texto, pelos jogos e pelas dramatizações realizadas, mas principalmente pelas observações que elas faziam a partir de improvisações apresentadas pelos atores semanalmente durante as sessões da oficina, que propiciavam variações significativas na concepção da encenação.


Processos artísticos com crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil

Um dia, a equipe artística havia se preparado para apresentar às crianças a história “O Olho do Elefante”. Quando elas chegaram, os atores já estavam no palco e rapidamente começaram a fazer sons de animais da selva: leões, girafas, antílopes, pássaros, elefantes. As crianças adoraram ver Rogério se fazendo de elefante com a mangueira da máquina de lavar, principalmente quando seu olho caiu no rio e ele se esforçou para encontrá-lo sem sucesso – o que estimulou, na solidão de espectador das crianças, pequenos gestos, movimentos faciais, como se elas mesmas fossem os animais que estavam na cena. Ao terminar a apresentação, os atores decidiram ouvir a opinião das crianças. David (menino): “Eu gostei da parte em que vocês faziam o som dos pássaros”. Um menino quis tocar na mangueira cinza com a qual Rogério fez a tromba do elefante. Maria Carla (menina): “O que é uma meia-tigela?”. (Refere-se a uma expressão dita pelo elefante.) Rogério: “É um elefante meio tonto”. Igor (menino): “Eu não entendi por que o olho do elefante caiu”. Amauri explica que o elefante saiu correndo para brigar com seus colegas e estava ventando muito, por isso o olho caiu. Menino: “A minha mãe diz que o olho tem uma cordinha que segue até o cérebro. Se ele seguir essa cordinha, pode encontrar o olho”. Esse último e insólito comentário gerou um enriquecimento do trabalho cênico da história, a partir do uso de cordas, tecidos, redes e formas de deslocamento que a tornaram uma das cenas mais esplendorosas do espetáculo. Assim, ao final de quatro meses de trabalho, havia um espetáculo construído a partir do olhar das crianças e um processo lúdico performativo que se erigia como um território de experiência coletiva e de valorização da memória (GARCÍA LEYVA, 2020). VI Em uma terra distante, além do infinito, havia um reino chamado O Mundo Santo, onde vivia um rei muito mau chamado Távola Redonda (GARCÍA LEYVA, 2010).

37


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

7. Arepa é uma massa de pão feita com farinha de milho, prato típico das culinárias populares e tradicionais da Venezuela, da Colômbia e do Panamá.

8. O areíto, ou areyto, era uma palavra da língua taíno adotada pelos colonizadores espanhóis para descrever um tipo de música e dança religiosa executada por esse povo do Caribe. O areíto era um ato cerimonial que se acreditava narrar e honrar os atos heroicos de ancestrais, chefes, deuses e cemís de Taíno.

Assim começava a história construída pelas crianças do projeto Zunzún, cujos conceitos centrais seriam a verdade e a mentira. Margarita e eu havíamos conseguido, junto com elas, tecer um processo de autodiagnóstico participativo com diferentes dispositivos estéticos (objetos sonoros, tela iluminada e figuras animadas planas, entre outros), configurando-se uma ação representacional que, longe de uma interpretação de personagens, permitia que as crianças fizessem uma performance lúdica do seu próprio eu. Fazia duas semanas que vínhamos ensaiando intensamente com as crianças, pois estávamos a ponto de compartilhar o trabalho com a comunidade, e nossos corpos estavam exaustos. Então, quando nos deixaram sozinhos, ao terminar a sessão de hoje, ela não pôde deixar de acender um cigarro. “Quer um Marlboro?” – disse-me com toda a delicadeza que o sotaque paisa lhe permitia, enquanto se sentava perto das minhas pernas esticadas no chão. “Obrigado. Você quer um dos meus? Não costumo fumar, mas este Camel me chamou atenção.” E os dois começamos a fumar nossos cigarros em silêncio, olhando-nos com toda a magnitude que o momento permitia, enquanto um leve cheiro de saco de estopa molhado e de arepa montañera⁷ inundava o espaço. Olhares fixos, desafiadores, apenas o silêncio nos acompanhava, mentes abertas para o universo. O tabaco cubano, recordou Margarita, levanta as sombras e a vertigem da alma, um areíto⁸ que se aloja no cérebro, uma feitiçaria fruto de hábitos pagãos e diabólicos. Não era o império dos signos, como afirmava Roland Barthes, pensei, mas o dos sentidos mais sublimes, desordem das paixões que relativiza os limites do corpo, cúmulo de anos acumulados. E um longo trago invadiu meus pulmões. O instinto de um cruzamento contaminado pela fumaça nos atraiu um para o outro, deixando os nossos lábios expostos ao sensível contato com os pescoços, tenra textura de carne trêmula que denunciava os rápidos e irreprimíveis batimentos do coração. Impulso com temperança, gozo viril irreprimível que transbordava, desejos amordaçados que eram liberados.

38


Processos artísticos com crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil

Rapidamente, os bicos de seus gigantescos seios começaram a se esfregar em cada centímetro da minha pele com total desenvoltura. Nesse momento, nenhuma das nossas roupas nos acompanhava, o que inconscientemente nos levou a assumir a posição da flor de lótus, sentados em cavalgada no meio daquele palco com uma luz tênue e amarelada no alto, um de frente para o outro, como Sada e Kichizo Ishida em um hotel em Tóquio dos anos 1930, experimentando, com toda a lentidão que a intensidade permitia, os limites de nossa autocomplacência (OSHIMA, 1976). “Ai... Eu adoro... Ahhh, Kichizo...”, ela sussurrava enquanto seu delicado gozo me derrubava de costas no chão. “Kichizo, sinto que estou flutuando. Fique dentro. Não saia de mim” – e uma suave mordida se apossava do meu peito esquerdo, enquanto de sua boca exalava um gemido demorado e trêmulo, que subia do mais íntimo do seu corpo, comprimindo o membro mais duro da família, que estava eternamente grato por ser submetido até sua total liquidação. Nem Margarita nem eu tínhamos conseguido esquecer, nesses três anos, os mínimos detalhes daquela trama fantasiosa em que fomos seduzidos um dia antes da estreia em Cuba. Então, estando aqui no Brasil, ensimesmados novamente em meio à fumaça dos nossos cigarros e prestes a fazer outra estreia, não conseguimos evitar as voltas que o destino dá. “Você quer um Marlboro?”, disse-me. “Obrigado. Você quer um dos meus? Não costumo fumar, mas este Camel me chamou atenção”, disse-lhe sorrindo. VII Quando chegou o dia da estreia, todos na Cia. Paideia nos sentíamos extremamente inquietos. Quando o espectador chegava à sala, ouvia sons de vento. Uma luz tênue atravessava obliquamente o palco, como reminiscência do amanhecer. Era o ponto de partida para a entrada dos narradores. O vento aumentava sua potência, mas eles continuavam se movendo lentamente. No início, eram sombras, que depois iam sendo descobertas diante do olhar curioso das crianças, através de panos de seda, tecidos, cestos, bolsas de couro e outros acessórios de cor ocre, amarela, bege e laranja, lembrando-nos daquelas antigas rapsódias recitando poemas de povoado em povoado. Eram figuras que se apresentavam não como personagens de teatro, mas como alguém próximo com quem você compartilharia uma experiência de vida. Era assim que os atores, especialmente Margarita, con-

39


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

duziam todo o espetáculo, com um equilibrado nível interpretativo e vocal, apoiando-se na ampla escala de registros sonoros e musicais da obra, dando mostras de sua versatilidade artística. Em termos gerais, fui percebendo, nesse processo da Cia. Paideia, arquiteturas complexas de ações artísticas, pedagógicas e éticas que se entrecruzavam como atos de uma alta dimensão cultural e que buscavam certa restauração simbólica com as crianças. Na dimensão microtransformadora desse processo, destacaram-se as mutações pessoais e coletivas, espaços conviviais de experiências, trocas, proximidade e experimentação conjunta entre crianças e adultos, em cujo centro se erigiu a narrativa como mediadora estética e como campo de recuperação da memória. Aqui, a linguagem – entendida como representatividade de algo inteligível – adquiriu sentido na medida em que as estratégias de convivência influenciaram o tipo de experiência vivida pelas crianças, suplantando o poder do logos. Para isso, a dimensão performativa do jogo contribuiu como elemento essencial do ensino do teatro, e a música como elemento facilitador do processo formativo. Mais do que uma forma de fazer teatro, de incorporar as crianças à dimensão poética como sujeitos, de construir uma prática perfurando os sistemas de representação e manifestação política, que apostam no esquecimento, nas vivências e nas informações como capital simbólico, o processo que envolveu o espetáculo Histórias que o Vento Traz questionou a noção de teatro infantil e sua abrangência como dispositivo de subjetivação nas crianças, revelando outras relações do ensino teatral entre adultos e crianças, propondo novas formas de habitabilidade no mundo e colocando o teatro como um horizonte orientado para a esfera das interações humanas e seu contexto cultural. VIII Enquanto me preparava para retornar a Cuba, senti a necessidade de continuar estudando experiências como essas na América Latina. Ocorreu-me que Margarita e eu poderíamos passar as últimas horas juntos pensando nisso, sonhando com as nossas vidas, passeando de bote em algum lago da cidade. Em menos tempo do que imaginei, já estávamos saboreando um bom vinho acariciados pelo profundo silêncio que emanava das águas. Eu estava sentado a bombordo remando e Margarita estava no banco de trás, na popa, segurando o leme. Foi aí que percebi a peculiaridade entre as duas experiências teatrais que haviam unido as nossas vidas. Estava na forma

40


Processos artísticos com crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil

como ela e eu víamos e nos relacionávamos com o teatro, entendendo-o como uma construção simbólica, orientada para a conquista da autonomia e da ressignificação do mundo das crianças. Foi aí também que surgiu a ideia de retornar, de fazer um doutorado em São Paulo, de vir com Iván, meu filhinho, e de aventurar-nos em grupos e comunidades periféricas dessa região. Continuava lá o céu nítido, o horizonte de outubro sem uma única nuvem e toda, toda uma vida pela frente diante desse magnético e enigmático lugar da cidade, de onde sairia o impulso que ocuparia a minha vida nos próximos meses e que terminaria com esta metafórica mensagem em português:

9. “Merda!” é uma interjeição utilizada por atores e pessoas envolvidas na parte técnica de uma peça teatral, na coxia ou no palco, minutos antes da abertura da cortina, com o intuito de exprimir desejo de boa sorte na apresentação.

São Paulo, 12 de dezembro de 2013 Prezado Ignácio, Seu projeto de doutorado foi aprovado. Envio comunicação oficial da CPG. O curso na USP começa em março de 2014. Espero encontrá-lo em breve. Um grande abraço e MUITA MERDA!⁹

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

41


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Referências BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. BUITRAGO, Guillermo. Espera que me muera. Disponível em: https://www.youtu be.com/watch?v=TXgmbK95cpU. Acesso em: 26 set. 2020. CORREA, Gabriel Caio. A ideia de narrativa de Walter Benjamin e seus desdobramentos. Revista Lampejo, Fortaleza, v. 6, n. 2, 2017. GARCÍA LEYVA, Luvel. El viaje del colibrí. Re-construyendo una pedagogía arteducativa con y desde los/as niños/as. La Habana: Editorial Caminos, 2010. GARCÍA LEYVA, Luvel. Escenarios infantiles latinoamericanos: teatralidades y performatividades emergentes de la acción cultural. 2020. Tese (Doutorado em Artes) – Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020. MARTÍ, José. Un paseo por la tierra de los anamitas. In: MARTÍ, José. La edad de oro. La Habana: Editorial Gente Nueva, 2004. OSHIMA, Nagisa (dir.). El imperio de los sentidos, 1976. PESSOA, Fernando. O guardador de rebanhos. Lisboa: Ática, 1946.

42


Processos artísticos com crianças: teatros peculiares e de mãos dadas entre Cuba e Brasil

43


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Endereços na internet No emaranhado de algoritmos que se tornou a vida dos mortais neste planeta, achamos por bem reunir endereços na internet voltados para a prática da crítica nas áreas de circo, dança, teatro e demais variantes que instauram presença. A relação a seguir inclui fontes de pesquisa e consulta seminais para a produção de análise. São blogs, sites, revistas eletrônicas e portais que realimentam quem faz e quem frui artes cênicas (considerando-se que toda lista pressupõe lacunas). Individuais, coletivas ou institucionais, as iniciativas evidenciam uma alentada rede de espaços imbuída de registrar e pensar parte considerável das criações vindas a público em diferentes regiões do Brasil e, inclusive, no exterior. Um inventário provisório à maneira de bússola. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

44


Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

45


crítica em movimento: \Teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil

Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES CÊNICAS Gerência Galiana Brasil Coordenação Carlos Gomes Produção Felipe Sales Cocuradoria Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPÉDIA Gerência Tânia Rodrigues Coordenação Glaucy Tudda Produção Karine Arruda

46


NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação Carlos Costa Edição Ana Luiza Aguiar (terceirizada), Milena Buarque e Valmir Santos (cocurador) Produção editorial Pamela Rocha Camargo e Victória Pimentel Design Estúdio Lumine (terceirizado) Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão do português Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução para o espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado) Revisão do espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado)

47


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

48


ES

Transformaciones de la práctica __ 50 y del pensar crítico Valmir Santos La práctica y el pensamiento del __ 58 Grupo Escambray, de Cuba Camila Ladeira Scudeler El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable Luis Alonso-Aude

__ 66

Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil Luvel García Leyva

__ 80

Direcciones de internet

__ 92

Ficha técnica

__ 94

49


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

Valmir Santos1

1. Periodista, crítico y cocurador de Crítica em Movimento. Creador y editor del sitio web Teatrojornal - Leituras de Cena desde 2010. Es doctorando en artes escénicas de la Universidad de São Paulo (USP), donde también realizó una maestría en esa misma asignatura.

La fortuna crítica de una obra corresponde al campo de pensamiento que instituyó cuando se hizo pública a través de edición, grabación, filmación, escultura, pintura, presentación e interpretación. Los ocho cuadernos diseñados especialmente para la cuarta jornada Crítica em Movimento tienen el objetivo de invertir un poco esta expectativa, al articular 24 textos justo en el ámbito del hacer crítico. Son visiones heterogéneas de en qué consiste y cómo se despliega en creaciones en circo, danza y teatro, con variantes para intervención y performance. Sabemos cuánto las circunstancias históricas, sociopolíticas y culturales involucran a practicantes y participantes, artistas, investigadores y, por supuesto, espectadores-lectores. Realizado anualmente por Itaú Cultural, desde 2017, el ciclo de debates aborda la recepción de las artes de la escena y el diálogo imprescindible entre público, creadores y críticos. En 2021, en este contexto difícil de la pandemia, el estímulo al pensamiento supera la imposibilidad del encuentro presencial por medio de la circulación de contenidos reflexivos en texto y podcast. Además de ampliar el acceso, se busca perpetuar las discusiones de las tres ediciones anteriores, que abordaron la práctica de la crítica a la luz de problemas del oficio e incluyeron la presentación de espectáculos. Entre los temas tratados se encuentran la precarización del trabajo en el ámbito del periódico impreso y la búsqueda de la sostenibilidad como contrapunto al mero diletantismo; el constante avance del análisis en Internet, con el deseo de reinventar el estilo; y la adopción de nuevos procedimientos e ideas en consonancia con los estudios universitarios y la inquietud de la escena brasileña contemporánea. También se abordaron las realidades sociales de sujetos marginados y anclados en la dramaturgia de Plínio Marcos, así como una selección latinoamericana y caribeña de obras y reflexiones de representantes de Argentina, Chile y Cuba. Ante el insólito escenario del año anterior, marcado por el brote global del nuevo coronavirus, una de las alternativas fue desarrollar una publicación

50


\editorial

en línea, con ocho itinerarios de escritos realizados por 25 personas del universo de las artes de la escena. Cada volumen reúne tres análisis estimulados por los siguientes temas: 1) El papel de la crítica teatral en Brasil - del periódico impreso a la plataforma digital; 2) La brecha entre la crítica y el circo; 3) Estados de la crítica de danza; 4) Espacios digitales dedicados a las artes escénicas; 5) La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero; 6) La escena militante en el contexto contemporáneo; 7) Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil; y 8) Panorama del teatro latinoamericano visto desde el puente. En este séptimo cuaderno se puede seguir una prospección entre tierras nacionales y extranjeras sobre los «Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil», realizada por personas familiarizadas con la creación, producción, investigación, crítica y pedagogía en Cuba y Brasil. Dos de ellas nacieron en la isla y actualmente trabajan y estudian en Bahía y São Paulo. Viviendo en Bogotá, Colombia, la actriz e investigadora teatral brasileña Camila Ladeira Scudeler lanzó una mirada testimonial a uno de los conjuntos artísticos icónicos de América Latina, el Grupo Teatro Escambray (GTE), de Cuba, con 52 años de trabajo ininterrumpido. Con sede en la zona montañosa denominada Escambray, en el pueblo La Macagua, el GTE tiene en su extenso currículo más de 90 montajes. Y fue tema de la tesis de doctorado de Camila, Cartografía Diacrónica del Grupo Teatro Escambray (Cuba), defendida en 2018 en la Escuela de Comunicaciones y Artes de la Universidad de São Paulo (ECA/USP). La autora también entrelazó fragmentos de su diario personal escrito en los viajes triangulares entre el interior de Cuba, la capital de Colombia y la capital de São Paulo. En el siguiente fragmento de su texto, elaborado por invitación de los curadores, ella se centró en la genealogía del GTE: «En noviembre del marcado año de 1968, nueve años después del triunfo de la Revolución Cubana, se inició esa “aventura” de 12 artistas de teatro que salieron de la capital en busca de un nuevo público, de nuevos temas, un nuevo rumbo para su proceso artístico y revolucionario, en el sentido más amplio de la palabra. En el mismo año en que se estrenó la película Memorias del Subdesarrollo, de Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996), el protagonista Sergio Corrieri, junto con su madre, Gilda Hernández, y otros diez expe-

51


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

rimentados y reconocidos actores y directores de La Habana iniciaron el camino hacia el interior. Artistas de teatro que abandonaron la capital del país para desarrollar un proyecto artístico acorde con los cambios estructurales que experimentaba Cuba». El director de teatro, productor e investigador Luis Alonso-Aude miró hacia su país de origen a partir del grupo El Ciervo Encantado, fundado en La Habana en 1996 por la directora y profesora Nelda Castillo, junto a estudiantes del Instituto Superior de Arte. El nombre proviene de la fuerza poética del cuento «El Ciervo Encantado», en el que el autor cubano independentista Esteban Borrero Echeverría (1849-1906) muestra la persecución de un animal que, al estar encantado, se escapaba de convertirse en presa de los cazadores. Naturalizado brasileño y radicado en Salvador, Alonso-Aude correlacionó tres creaciones recientes del colectivo analizado: Triunfadela (2015), Departures (2017) y Arrivals (2018), todas representadas por Mariela Brito e incluidas en la programación del Festival Internacional Latinoamericano de Teatro de Bahía (FilteBahia), creado y realizado por el grupo Oco Teatro Laboratório desde 2008, del que forma parte el autor. «Este territorio al que me refiero es un espacio en el que se entrecruzan diversos géneros, teatro, performance, happenings, instalaciones, producciones multimedia y todas las vertientes que puedan surgir relacionadas con el documental y las historias ocultas. Cuentan con más de 60 producciones, incluyendo todos estos campos contaminados, diversas publicaciones y una profunda experiencia pedagógica», contextualizó Alonso-Aude acerca de El Ciervo Encantado, anclado por la colaboración artística de Nelda y Mariela. Al deducir que el público de Bahia no habría quedado «muy contento» ante la performance de Triunfadela, el director examinó: «De hecho, ese espectáculo va en contra de los estereotipos no solo del oficio mismo, sino de la imagen y la visión que se tiene de Cuba como una isla de utopía y resistencia. Que sea o no, ya es otra discusión, pero que la utopía de cada país debe ser vivida por el mismo país, sin tomar otras experiencias como banderas que fortalezcan y hagan perdurar los sistemas paralizados, de esto estoy seguro. Y Triunfadela revela, de manera dura, verdades que no se pueden solapar, pues el tiempo las desmiembra y hace su carnicería. La utopía cubana quizás no haya servido para caminar, como diría Eduardo Galeano

52


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

citando a Fernando Birri. Ella se ha posicionado como un paradigma paralizador, más allá de la economía, del propio cuerpo cubano. Formó parte, durante largos 60 años, de la colusión de un Próspero shakesperiano visto aquí como una gran maquinaria que, en su magia, creó ilusiones y alucinaciones, fomentó ideales amalgamados con el propio cuerpo ciudadano, en un país rodeado de agua por todas partes, y así ha agarrado un poder que parece más que eterno». En un texto publicado en español y portugués, el pedagogo, crítico de teatro e investigador cubano Luvel García Leyva esculpió de la realidad el relieve ficcional de una narrativa que transcurre entre 2010 y 2013 y que analiza las peculiaridades estéticas de una experiencia artística con niños brasileños, poniéndola en diálogo con aspectos específicos de otra experiencia cubana. Ambas van de la mano en su trayectoria como investigador teatral en los últimos años, entre la Cia. Paideia de Teatro, en São Paulo, y el proyecto Zunzún, del Teatro Nacional de Cuba. El autor demostró talento literario al intercalar voces imaginarias, como la de la actriz y pedagoga colombiana Margarita, y reales, como la del director y cofundador de la Cia. Paideia, Amauri Falseti, recordándonos que, en medio de las acciones artísticas y socioculturales, existen brechas para los encuentros afectivos, ya que el arte no está apartado de la vida. «Más que un modo de hacer teatro, de incorporar a los niños a la dimensión poética como sujetos, de construir una práctica perforando los sistemas de representación y manifestación política, que apuestan por el olvido, las vivencias y las informaciones como capital simbólico, el proceso que implicó el espectáculo Histórias que o Vento Traz cuestionó la noción de teatro infantil y su alcance como dispositivo de subjetivación en los niños, revelando otras relaciones de la enseñanza teatral entre adultos y niños, proponiendo nuevas formas de habitabilidad en el mundo y ubicando al teatro como un horizonte orientado hacia la esfera de las interacciones humanas y su contexto cultural», constató Leyva. Los demás escritos presentes en la publicación en línea están firmados por la actriz Alice Guimarães, del Teatro de los Andes (Bolivia); la actriz y especialista en circo Alice Viveiros de Castro (São Paulo); el director Altemar Di Monteiro, del grupo Nóis de Teatro (Ceará); el artista-investigador y profesor chileno radicado en Fortaleza Héctor Briones (Ceará); la profesora,

53


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

productora y gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); el periodista y crítico de danza Carlinhos Santos (Rio Grande do Sul); el artista transdisciplinario y crítico de danza Daniel Fagus Kairoz (São Paulo); el actor y crítico de teatro Diogo Spinelli, del sitio web Farofa Crítica (Rio Grande do Norte); la profesora e investigadora de circo Erminia Silva, en conjunto con el investigador Daniel de Carvalho Lopes, ambos del sitio web Circonteúdo (São Paulo); el actor, director y profesor de teatro Edson Fernando, del sitio web Tribuna do Cretino (Pará); la artista Fátima Pontes, coordinadora ejecutiva de la Escola Pernambucana de Circo (Pernambuco); el actor y director Fernando Cruz, del Teatro Imaginário Maracangalha (Mato Grosso do Sul); la periodista y crítica de teatro Ivana Moura, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); el actor e investigador teatral Lindolfo Amaral, del grupo Imbuaça (Sergipe); la actuadora e investigadora Marta Haas, de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul); la actriz y agitadora cultural Nena Inoue (Paraná); la directora y dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, del Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas (Bahia); la periodista y crítica de teatro Pollyanna Diniz, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); el crítico de teatro y periodista Macksen Luiz (Río de Janeiro), que actuó en el periódico Jornal do Brasil (1982-2010), fue colaborador de O Globo (2014-2018) y creador de un blog de críticas con su nombre (2011); la investigadora de danza, bailarina y profesora Rosa Primo (Ceará); y la artista-investigadora y profesora Walmeri Ribeiro, del proyecto Territórios Sensíveis (Río de Janeiro). Como se ve y se lee, es una producción textual que pretende ser geográfica e ideológicamente no hegemónica. Se vuelca sobre el hacer crítico, sus potencias y sus dificultades en esta época de la historia de Brasil, en la que las ya insuficientes políticas públicas para las artes y la cultura enfrentan ataques beligerantes. Escucha activa En simbiosis con los cuadernos, el podcast Crítica em Movimento convoca al público en general a activar la escucha reflexiva a través de cinco episodios. Cada uno de ellos plantea una pregunta a los invitados. En el primero, Macksen Luiz y la crítica de teatro, investigadora y artista Daniele Avila Small, de Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos actuantes en Río de Janeiro y de diferentes generaciones, responden

54


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

a la pregunta: «¿Cuáles son los enfrentamientos de la práctica de la crítica teatral actuales?». El tema recorre la precarización del trabajo remunerado, la migración del hacer crítico a la Internet y cómo ampliar la conversación con públicos, artistas y gestores culturales, con la mediación del periodista y crítico de teatro que escribe estas líneas. En el segundo episodio, la investigadora, artista y profesora Lourdes Macena (Ceará) y el actor y director Rogério Tarifa (São Paulo) se dedican al tema: «¿Cómo se relaciona la crítica con la noción de lo popular en las artes escénicas?». Con la mediación del investigador y profesor Diógenes Maciel (Paraíba), se trata de un diálogo sobre la recepción de expresiones culturales que emanan del pueblo, muchas veces en oposición al conocimiento formal, las normas y las ambiciones de los poderes políticos y económicos que están en juego en la sociedad. «¿Cuál es la percepción de quienes crean acerca del trabajo de la crítica?» - este es el tema del tercer episodio. Para contestarlo, se escuchó a artistas de colectivos escénicos entre los más longevos del país: Tânia Farias, de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul), fundada en 1978, y el dramaturgo y director Edyr Augusto Proença, del Grupo Cuíra (Pará), formado en 1982. Como mediadora, la investigadora, artista de performance y periodista Maria Fernanda Vomero (São Paulo). Este trío discutirá cómo sus respectivas creaciones son vistas por quienes escriben crítica en sus regiones o fuera de ellas, teniendo en cuenta que las realidades social, política y económica de Brasil presentan contrastes y convergencias. La investigadora y profesora Walmeri Ribeiro (Río de Janeiro) y el actor Pedro Wagner, del Grupo Magiluth (Pernambuco) discuten «¿Cómo mirar y escuchar desde la escena remota?». La crítica de teatro y periodista Luciana Romagnolli, editora del sitio web Horizonte da Cena (Minas Gerais), media los desafíos del análisis frente a los procedimientos artísticos que emergen en la actualidad y sientan precedentes para una nueva idea de presencia y cuerpo mediado. Finalmente, en el último episodio se analiza «¿Cuál es el lugar de la resistencia en la formación de la crítica?» desde la mirada de Henrique Saidel (Rio Grande do Sul) y Dodi Leal (Bahia), artistas que manejan la investiga-

55


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

ción, la creación y la docencia en su vida cotidiana. Bajo la mediación de la periodista, crítica de teatro y profesora Julia Guimarães (Minas Gerais), los artistas exploran cómo el estudio y el ejercicio de la crítica pueden abarcar procedimientos de escritura y pensamiento tan expandidos como la palpitante producción contemporánea. Se puede acceder al programa en el sitio web itaucultural.org.br o reproducirlo en su aplicación de podcast favorita. Evoé.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

56


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

57


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

La práctica y el pensamiento del Grupo Escambray, de Cuba Camila Ladeira Scudeler¹ 1. Actriz e investigadora teatral, tiene un doctorado y una maestría en artes de la Universidad de São Paulo (USP) y una licenciatura en artes escénicas de la Universidad Estatal de Londrina (UEL). Investiga el teatro latinoamericano, temas de género y formación de autor. Desde 2005 forma parte de la compañía de teatro Arlequins (São Paulo). Es cofundadora del grupo colombo–brasileño Cuerpo Abierto Teatro. Trabajó como actriz-creadora en el Teatro La Candelaria, en Bogotá, Colombia (2015-2019), y en la producción de la Muestra Latinoamericana de Teatro de Grupo, en São Paulo (2009-2013).

2. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Obras Escolhidas, 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 224.

58

«El pasado sólo se deja fijar, como imagen que relampaguea irreversiblemente, en el momento que es reconocido». Walter Benjamin² Estar en el ojo del huracán —representado en 2020 por la pandemia de la COVID-19 y el fortalecimiento de políticas de extrema derecha en diferentes latitudes— nos lleva a revisar nuestras prácticas en las más diversas áreas y nos da la oportunidad de detenernos un poco para conocer y analizar las prácticas teatrales que han marcado la historia del teatro en nuestra región y que siguen existiendo, creándose y reinventándose. Una de ellas proviene de uno de los grupos más icónicos de América Latina, el Grupo Teatro Escambray (GTE), de Cuba, con 52 años de trabajo ininterrumpido. Reconocido a nivel nacional e internacional, el GTE tiene en su extenso currículum el montaje de más de 90 obras de teatro. Elegí comenzar este texto compartiendo fragmentos del diario que escribí en Bogotá, al volver de mi último viaje a Cuba, en noviembre de 2018. Comencemos este relato desde ahora hacia atrás. Bogotá, 15 de noviembre de 2018. Llego a Cuba en noviembre de 2018 con mi maleta llena de vivencias. En mi octavo viaje a la isla que despierta pasiones —en su mayor parte por lo que se escuchó sobre ella—, una fuerte crisis de asma no me deja sola... Crisis que comenzó en aquel fatídico 28 de octubre, cuando, junto a millones y millones de brasileños, vi ante mis ojos la confirmación de que los días y los años venideros serían más grises y menos humanos. El asma me cuenta que mi estado emocional es personal, pero también colectivo. Que lo que me afecta individualmente es también un reflejo de lo que nos afecta como nación... Diez años después de mi primer viaje a la isla caribeña, esta vez voy por unos po-


cos días, con citas programadas. Celebrar los 50 años del Grupo Teatro Escambray es la primera y más importante de ellas. Después de estar en contacto con el grupo durante diez años y de haberme dedicado a estudiar y convivir con ese colectivo de manera más intensa en los últimos cinco años de mi vida —habiendo vivido allí, en el interior de la isla, en la zona rural de la provincia de Villa Clara durante cuatro meses, en 2014—, llego orgullosa con una tesis de 318 páginas bajo el brazo. La Cartografía diacrónica del Grupo Teatro Escambray (Cuba), defendida en la ECA/USP el pasado mes de agosto, llega ahora a las manos de sus protagonistas: los artistas y el público de Macagua. En una sala caliente, con la presencia de actores que forman parte del grupo actualmente y de muchos otros que han estado allí a lo largo de su historia, con la presencia del ministro de Cultura de Cuba, con autoridades de las artes, con amigas y amigos, pude hablar de mi investigación, que es el resultado del trabajo colectivo. Siempre. Encuentros con amigas y amigos del alma, obras de teatro, hospital, muchísimas inhalaciones... Calor. Salí del frío de Bogotá y llegué a un calor abrasador de otoño en Cuba. Entonces, en uno de los momentos en que me sentí mal por el asma, fui a un centro médico en el pueblo de La Macagua, donde se encuentra el Grupo Teatro Escambray. Es un pequeño pueblo de menos de cien habitantes, me arriesgaría a decir. Eran las 5 o 5:30 de la tarde... Allí, el lugar donde están establecidos los médicos de familia sigue el mismo modelo de todo el país: una casa de dos plantas. En la planta baja quedaba el consultorio y, en la planta de arriba, estaba la casa del médico. El consultorio ya estaba cerrado, pero los vecinos me dijeron que llamara a la puerta de la casa de la médica. Me atendió una joven, de unos 25 años, fuera de su horario de trabajo, con ropa de estar en casa y jadeante por el calor. Le dije lo que sentía y ella inmediatamente cerró la puerta, bajó las escaleras conmigo y me puso el nebulizador. FUERA DE HORARIO DE TRABAJO. EN SU CASA. EN SU DESCANSO. Al terminar la nebulización, me quedé allí por más de media hora. Ella se quedó allí, observándome mientras aprovechaba para organizar una y otra cosa en el consultorio.

3. La actuación en solitario Iara - la Dialéctica del Mito, de Éjo de Rocha Miranda y Camila Scudeler, con dirección de Sérgio Santiago, codirección de César Amézquita y actuación de Camila Scudeler, es una coproducción del grupo Arlequins junto con el grupo colombo-brasileño Cuerpo Abierto Teatro. Se estrenó en abril de 2014 en el Festival de Teatro Alternativo de Bogotá, Colombia. Se mantiene en cartel desde entonces y se ha representado en Argentina, Brasil, Cuba y en diferentes festivales y encuentros en Colombia, llevando al centro del escenario la lucha de las mujeres contra la dictadura cívico-militar brasileña.

La noche siguiente presenté mi actuación en solitario Iara – la Dialéctica del Mito³ en la sala Margarita Casallas del emblemático El Mejunje. Era la tercera vez que estaba en aquel espacio con una obra del grupo Arlequins, en la ciudad de Santa Clara. Después de usar el inhalador y poner unas botellitas de agua en las cuatro esquinas del escenario, esperando que me pudieran ayudar si tuviera una crisis de tos repentina, entré en escena y pude compartir una vez más con los espectadores cubanos, que tienen un altísimo nivel de análisis crítico, artístico y social. El deba-

59


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

4. La Revolución Cubana tuvo lugar en enero de 1959.

5. El grupo toma prestado el nombre de la región donde se ubica el macizo montañoso de Escambray. A 310 kilómetros de La Habana se encuentra La Macagua, un pequeño poblado al borde de la carretera, junto al que se construyó la sede del Grupo Teatro Escambray, en 1973.

te al final estuvo marcado por la pregunta de uno, otro y otro espectador: «¿Cómo explicar la elección de J. B. como presidente de Brasil?». Mis intentos de comprender el actual momento histórico resultaron insuficientes... Todavía estoy/estamos tratando de entender lo que nos atraviesa, pero seguramente un punto crucial que se aborda en la obra es una de las claves de este gran rompecabezas: la falta de verdad y justicia en relación con la dictadura cívico-militar de 1964-1985. Como decimos en un fragmento: «La memoria llamó a la puerta y dijo: Sólo hay memoria en el presente, en nada más». Entender el teatro como un arte esencialmente colectivo nos motiva a buscar socios con quienes compartir y crear. Asumir que el teatro lleva en su esencia el diálogo con el otro —y, por lo tanto, se presenta como un espacio ideal en el que pueden y deben exponerse temas sociales, con el fin de que el análisis de las situaciones remita al ejercicio del debate y este ágora establezca un entorno de crítica— supone para el artista otro nivel de responsabilidad y compromiso. Imaginar que este espacio colectivo de discusión y desarrollo del análisis crítico actúe como un microcosmos en el que se gestan movimientos de cambio puede ser una utopía. Y tenerla como una luz en el horizonte nos pone —a nosotros que así lo vemos— en marcha. En noviembre del marcado año de 1968, nueve años después del triunfo de la Revolución Cubana,⁴ se inició la «aventura» de 12 artistas de teatro que salieron de la capital en busca de un nuevo público, de nuevos temas, un nuevo rumbo para su proceso artístico y revolucionario, en el sentido más amplio de la palabra. En el mismo año en que se estrenó la película Memorias del Subdesarrollo, de Tomás Gutiérrez Alea (1928-1996), el protagonista Sergio Corrieri, junto con su madre, Gilda Hernández, y otros diez experimentados y reconocidos actores y directores de La Habana iniciaron el camino hacia el interior. Artistas de teatro que abandonaron la capital del país para desarrollar un proyecto artístico acorde con los cambios estructurales que experimentaba Cuba. Luego se establecieron en la región del macizo de montañas llamado Escambray.⁵ Conocer la región, acercarse a la población campesina local e in-

60


La práctica y el pensamiento del Grupo Escambray, de Cuba

vestigar junto a ella las problemáticas actuales para luego desarrollar su propia dramaturgia, que dialogara con este contexto, fue la principal línea de trabajo fundacional desarrollada por el grupo. La investigación sociocultural se impuso como una necesidad, como un punto de partida y, con el tiempo, se convirtió en un instrumento vital para el desarrollo del trabajo artístico del grupo. Esto fue parte de un movimiento que luego se denominó nuevo teatro —o teatro nuevo—, como nos cuenta la prestigiosa ensayista y literata cubana Graziella Pogolotti: Ocurrió, de manera espontánea y coincidente, que las búsquedas de grupos de teatro de distintos países de América Latina han tenido puntos en común, lo que se hace más evidente en el llamado Nuevo Teatro, [...] Y en ese entorno —que fue también un entorno muy particular en el aspecto político al haber sido el período de varias dictaduras latinoamericanas— [hubo] una búsqueda muy particular de una relación con los sectores populares. En cada lugar, las definiciones estéticas e incluso los criterios de formación de los artistas eran diferentes, pero había una especie de plataforma común, en general, que se contraponía al teatro establecido, al teatro oficial, al teatro tradicional. [...] A pesar de que Escambray aparece aquí [en Cuba] sin ningún contacto previo con lo que estaba sucediendo en América Latina, se produce un punto de convergencia en una determinada etapa, especialmente a fines de los años 1970 y principios de los años 1980, cuando hubo un apoyo institucional en Cuba por parte del Ministerio de Cultura y de la Casa de las Américas (POGOLOTTI apud SCUDELER, 2018, pág. 29A-30A). Sergio Corrieri, cofundador y principal creador del grupo según estos moldes, estuvo al frente del colectivo hasta 1986. Su madre, Gilda Hernández,

61


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

siguió dirigiendo el GTE hasta su muerte, en 1989. Este hecho coincide con momentos de ruptura de grandes proporciones en el escenario mundial, que afectaron a Cuba de una manera particular: la caída del Muro de Berlín y el fin del bloque socialista. En la isla, los años 1990 a 1996 quedaron conocidos como «período especial», en el que Cuba tuvo que buscar nuevas formas de sobrevivir. Sin el importante apoyo de la ahora extinta Unión de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), la población en su conjunto tuvo que enfrentarse a muchas dificultades. Es redundante decir que el Grupo Teatro Escambray —tanto en el ámbito de la vida privada de sus miembros como en el de su trabajo artístico— no fue inmune a esta nueva realidad. El grupo está subsidiado por el gobierno de Cuba, que desde el inicio del proceso revolucionario ha implementado una política de apoyo estatal a los proyectos teatrales. Como señala Eberto García Abreu, en un texto de 2017, El subsidio estatal otorgado a través del Consejo Nacional de las Artes Escénicas (CNAE), departamento del Ministerio de Cultura que apoya a los artistas escénicos, ha protegido y fomentado el desarrollo profesional del teatro durante los últimos cincuenta y siete años. Sin embargo, este hecho por sí solo no agota la complejidad del funcionamiento de las instituciones culturales en cada período y los diferentes modos de producción que coexisten en los territorios del país y en las instancias de desarrollo artístico de la comunidad teatral cubana (ABREU, 2017, p. 20). Las obras que, desde 1971, tuvieron al campesino y su contexto en el centro de la dramaturgia (podemos citar la primera obra que resultó de la investigación realizada en la región, La Vitrina, 1971, de Albio Paz) han cambiado a medida que Cuba se convertía en un país donde la educación se volvía masiva —y los problemas resultantes del modelo establecido también se hacían más evidentes (Molinos de Viento, 1984, de Rafael González)—. Las obras con varios actores dieron paso, durante el período especial, a mo-

62


La práctica y el pensamiento del Grupo Escambray, de Cuba

nólogos (como, por ejemplo, Petición de Mano, 1994, de Anton Tchekhov), ya que era la única forma de llevar los montajes a otros lugares sin grandes requerimientos de transporte, producción, etc. Poco a poco, las obras volvieron a tener un mayor número de actores, y los alumnos del último año de actuación comenzaron a desarrollar sus montajes finales en el GTE, ampliando el aspecto de formación artística que el grupo comenzó a desarrollar a fines de los años 1980.

6. Rafael González Rodríguez (1950), director general del Grupo Teatro Escambray desde 1995, es miembro del colectivo desde 1977.

En el contexto actual de pandemia, el Grupo Teatro Escambray buscó nuevas formas de hacer teatral y de diálogo con el público, de manera sencilla, sin aspiraciones grandilocuentes, que remiten a su inicio, en 1968.

7. Maikel Valdés Leiva fue actor en el Escambray de 2004 a 2016. Actualmente, trabaja con teatro para niños en España.

Los actores, en sus casas o en la sede misma del grupo —algunos sintieron que estarían más seguros y protegidos del virus si se quedaban en la zona rural del centro de la isla caribeña que si regresaban a sus hogares en las ciudades—, comenzaron a proponer nuevas formas de actuación cuando Cuba inició la apertura gradual, al tener la pandemia controlada hasta cierto punto. Algunos de ellos comenzaron a realizar encuentros de lectura, cuentacuentos y teatro de títeres con los niños de sus barrios, ya sea en el salón o en los patios de sus casas, con los pequeños espectadores debidamente equipados con este objeto que ya se ha integrado a nuestra nueva rutina: la mascarilla o, como se dice en Cuba, el nasobuco. Otros actores colocaron en el escenario de la sala de teatro, en la sede del grupo, montajes menos complejos en cuanto a la producción y recibieron a los vecinos del entorno en sillas muy alejadas entre sí. Rafael González,⁶ el director general del grupo, a su vez, trató de superar las dificultades de conexión a Internet, tan conocidas en Cuba, para impartir clases teóricas de teatro. Generaciones de actores han pasado —y siguen pasando— por Macagua, ya sea para quedarse unos pocos meses o muchos años… Resistiendo el viento y la lluvia, los artistas siguen apostando por la creación y, como define Maikel Valdés Leiva,⁷ «la tarea del Grupo Teatro Escambray en el arte, desde su fundación [...], ha sido buscar y mantener diferentes formas de descifrar el análisis íntimo de las diversas relaciones que el hombre mantiene consigo mismo, con la sociedad, con la realidad que habita, crea o destruye» (LEIVA, 2017, p. 115).

63


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias ABREU, Eberto García. Cuba: ¿escenarios en cambio? En: GÓMEZ, Lola Proaño; VERZERO, Lorena. Perspectivas políticas de la escena latinoamericana. Diálogos en tiempo presente. Buenos Aires: Los Ángeles. Argus-a, 2017, p. 18-45. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Obras Escolhidas, 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. LEIVA, Maikel Valdés. Mejunje teatral: más que un sueño de invierno. Revista Tablas, n. 1-2, La Habana, 2017, p. 113-116. SCUDELER, Camila Ladeira. Cartografia diacrônica do Grupo Teatro Escambray (Cuba). Tesis doctoral en Artes por la Escuela de Comunicaciones y Artes de la Universidad de São Paulo (ECA/USP), São Paulo, 2018.

64


La práctica y el pensamiento del Grupo Escambray, de Cuba

65


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

Luis Alonso-Aude¹

1. Cubano naturalizado brasileño, está cursando una maestría en artes escénicas en el programa de posgrado de la Universidad Federal de Bahia (Ufba). Estudió en la Escuela Nacional de Arte (ENA) y en el Instituto Superior de Arte (ISA) de La Habana. Es miembro del grupo multicultural de investigación teatral Bridge of Winds y dirige el grupo Oco Teatro Laboratório, el Festival Internacional Latinoamericano de Teatro de Bahía (FilteBahia) y el Núcleo de Laboratórios Teatrais do Nordeste. Es editor de la revista especializada Boca de Cena, de las colecciones Dramaturgia y Teoria Teatral Latino-Americana.

2. Fragmento del cuento «El ciervo encantado», de Esteban Borrero Echeverría.

66

A modo de prólogo: […] todos al siguiente día, despeados, sudorosos, sombríos, mudos de sordo rencor los cazadores. Todos habían visto el ciervo, todos habían creído tenerlo acorralado, todos habían disparado sobre él a tiro y sobre seguro sus vibrantes azagayas; y el animal no parecía ni muerto ni vivo, cuando, contando con la presa ya en la mano, se abalanzaban a cogerla. ¡Nada! El ciervo se les desvanecía en el aire, para reaparecer un instante después triunfador, burlón, como desafiándolos, a cien toesas del lugar que había hollado primero; y, allí, vuelta al acecho, a la persecución y al acorralamiento, al ataque frustrado y a la fuga de la bestia y al fracaso del hombre.² Este fragmento del cuento «El Ciervo Encantado», del autor cubano Esteban Borrero Echeverría (1849-1906), muestra la persecución de un animal que, al estar encantado, se escapa de convertirse en presa de los cazadores. En todo el cuento, el autor juega con la metáfora y el juego alucinante de una búsqueda desesperada de ese ciervo. Un juego que representa, en su belleza fugaz, la búsqueda de los orígenes de una identidad cubana, un significado que se desvanece como el humo, un primordio intangible e inalcanzable. El autor cubano, que fue un poeta destacado y simpatizante de la libertad —por esta razón las autoridades del colonialismo español lo acusaban de separatista—, borda, con incómoda belleza, la historia de la aparición de los pobladores de aquella isla, tratando de encontrar este innombrable origen de la cultura cubana. Pero, como todo poeta, Borrero no puede separar su prosa, por fantástica que sea, de su vida, la vida de un migrante y perseguido político, siempre luchando por la independencia cubana. Por lo tanto, en este escrito, hay una necesidad urgente de encontrar un lugar específico de habla que comulgue con la existencia del extranjero. El extranjerismo de hoy no se limita al fenómeno de vivir fuera de la tierra de refugio. Usted, estimado lector, puede ser un extranjero en su propia tierra,


impregnado de otras experiencias en su cuerpo subjetivo, poblado, sobre todo, de recuerdos, que nos habitan y nos hacen reflexionar en el umbral del territorio del destierro. Este umbral nos coloca en una expansión de barandillas limítrofes, creando un intersticio difícil de habitar. Es un lugar de tránsito, no tiene espacio sólido retenido por nuestro cuerpo —o al menos no en la forma en que hemos existido hasta hoy—, solo huellas de vivencias impregnadas por lo inefable. El tránsito es, como mínimo, un espacio de ruptura, un puente, pero de reflexión, ya que el cuerpo no puede habitar totalmente esta escisión. En este lugar de brecha, el discurso se posiciona para poder analizar y comprender, mirando desde Brasil una singular experiencia teatral cubana. Experiencia que contempla otra observación, cuando la isla se percibe desde su propia circunstancia insular. Este es el compromiso de mi escritura. El ciervo del cuento se vuelve encantado no solo porque es el fruto de una metáfora eficaz proveniente de la genialidad del autor independentista, sino porque, como él, también hay quienes viven hoy en el mutismo, como un extranjero en su propia tierra, en el puente, en los espasmos, en el uso de una poética de lo oculto³ para poder subsistir. El ciervo que intenta huir está en el puente, esperando a los cazadores para desvanecerse nuevamente, y desde allí observa con extrañeza ese tiempo bergsoniano, que los hombres hostiles estructuran en cúpulas ordenadas de números consecutivos. Tiempo que divide el pasado, el futuro y el presente, pero que el propio ciervo no puede comprender, pues la orden de los cazadores —que hostiga y omite verdades en la línea de tiempo— no forma parte de la orden de la naturaleza del ciervo: él piensa en el lugar de lo trascendente, porque él es pura trascendencia, permanente.

3. Una forma especial de expresarse de los creadores teatrales en espacios de censura. Yo defino la poética de lo oculto en un texto publicado en el libro Trânsitos na cena latino-americana contemporânea (Edufba, 2008), organizado por Héctor Briones y Cacilda Povoas.

4. Nelda Castillo en entrevista al Hemispheric Institute.

La fuerza poética de ese ciervo da nombre a un grupo de teatro cubano, El Ciervo Encantado, al igual que el nombre del cuento, con supuestos que no son ajenos a los del autor. El grupo se identificó con el conjunto que emana del símbolo de esta bestia seductora, del cuento del autor, y gestó un cuerpo teatral que, por un lado, ha salido en busca de la inmanencia del cuerpo humano vivo, su esencia, y, por otro, se ha acercado al territorio donde se ancla esta identidad cubana mutante en lo que se refiere a la cultura, sin trucos o embellecimientos, dura, profundizándose en su memoria más que en su historia, «porque la historia siempre la cuentan los ganadores».4 Así, en esta isla de la actualidad, desunida, desestructurada, como en los

67


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

5. Espejismos es una palabra que alude al aspecto existencial de una isla donde se siembran la ilusión y la utopía con el propósito de dominación totalitaria. En estas ilusiones se crean imágenes que, al observarse, como en múltiples espejos, parecen reales, pero no son verdaderas, potenciando así una existencia no sembrada en lo real. En cierta analogía, podríamos citar a Próspero, el personaje de Shakespeare que, como un mago, crea ilusiones y manipulaciones para restaurar y mantener el eterno poder de su isla en La tempestad.

tiempos de Borrero Echeverría, el grupo abraza la imagen del ciervo que se convierte en un símbolo de doble sentido antagónico: cacería y libertad. En esta tensión aparentemente eterna, que elude el tiempo y sus implicados, la directora de teatro cubana Nelda Castillo fundó, en 1996, El Ciervo Encantado, en La Habana, con alumnos que ella misma había formado en el Instituto Superior de Arte. El grupo dio origen a un laboratorio de investigación teatral, que buscó en los cuerpos de los actores su memoria oculta, entrelazada críticamente con los «espejismos»⁵ causados por la situación insular. Se buscaba mostrar las peculiaridades de la cultura nacional que se encuentran fuera de lo vendible y lo turístico, persiguiendo el día a día, lo feo, lo que para muchos puede incluso resultar repulsivo. Sembrar una nueva tradición de ruptura en el hacer teatral y, sobre todo, no abandonar su propósito fundamental: vincular la memoria de los cuerpos poéticos de sus actores a la memoria del pasado y de aquellos autores que estaban olvidados o exiliados: Severo Sarduy, Reinaldo Arenas y Cabrera Infante, entre otros. Centrada en puntos de partida distintos a los de la literatura teatral, Nelda encuentra en cuentos, novelas, ensayos y recortes de periódicos recursos que, como ladrillos inflamables, ayudarán a construir este puente de reflexiones a partir del sentir externo/interno exiliado: voces de afuera, veladas; voces de adentro, en mutismo. Al final, son las mismas voces, las de los ciervos encantados que no pueden ser atrapados por la obsesión de los dominantes. Nelda no pretende ser una disidente, sino una artista crítica al borde, comprometida con su propia vida. Juntas, Nelda y la actriz Mariela Brito superan, día a día, su angustiante cultivo. Durante 24 años, residieron en salas en forma de cúpula abandonadas en el Instituto de Arte; empezaron a quedarse sin espacio para trabajar, entonces les ofrecieron lugares en demolición, que tuvieron que reconstruir, hasta que el Ministerio de Cultura, debido a los reconocimientos nacionales e internacionales que recibió el grupo, les otorgó el espacio en el que residen hoy, que esperan sea vitalicio. Ambas luchan incesantemente para construir un tronco esencial que sostenga el cuerpo del ciervo, con sus órganos y sistemas, manteniendo su naturaleza poblada de fugacidades y tensiones, contra los vientos y mareas que azotan eternamente la isla. Y, con un colectivo de actores en tránsito, también han buscado sembrar, indispensablemente, un territorio profesional de formación y producción teatral innombrable, así como el ciervo huidizo.

68


El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

Ese territorio al que me refiero es un espacio en el que se entrecruzan diversos géneros, teatro, performance, happenings, instalaciones, producciones multimedia y todas las vertientes que puedan surgir relacionadas con el documental y las historias ocultas. Cuentan con más de 60 producciones, incluyendo todos estos campos contaminados, diversas publicaciones y una profunda experiencia pedagógica, así como colaboraciones y una veintena de premios nacionales e internacionales. Entre sus obras, destaco El Ciervo Encantado (1996), Un Elefante Ocupa Mucho Espacio (1997), De Donde Son los Cantantes (1999), Pájaros de la Playa (2001), Visiones de la Cubanosofía (2005), Guan Melón, tu Melón (2016), Triunfadela (2015), Departures (2017) y Arrivals (2018). Una trayectoria loable, caracterizada por un devenir impulsado contra un sistema imperante dentro y fuera de la isla. Nelda y Mariela construyen parte de la historia de un teatro que no elude su función de convivencia con el espectador, cara a cara, promoviendo y potenciando subjetividades y reflexiones desde cuerpos poéticos que no hablan más que de su propia realidad. No hay panfleto, sino una estructura artística en forma de espacio vacío, rústico, donde se pueden observar las estructuras expuestas de los cuerpos cubanos, donde reposan las historias ocultas develadas, compartidas con el dentro y el fuera de la isla, expandiendo esta vibración del ciervo que quieren acorralar. Brasil, Triunfadela, Departures y Arrivals En 2009, movilizados por el tema de la memoria y de las libertades de expresión —relacionado con todo un movimiento que, en Brasil, tomó las producciones teatrales en la primera década del siglo XXI—, invitamos al grupo a participar en el Festival Internacional Latinoamericano de Teatro de Bahia (FilteBahia). Ellos trajeron dos obras: Pájaros de la Playa y Un Elefante Ocupa Mucho Espacio. Aunque conocía el trabajo de Nelda Castillo, me acercaba a ella como un espectador admirador, ya que nuestras experiencias artísticas no se cruzaban y yo había decidido que, en aquella edición del festival, empezaríamos a acercarnos más a su producción, seguramente peculiar. En 2015, con Triunfadela, y en 2019, con Departures y Arrivals, los lazos se estrecharon y ellos se convirtieron en el grupo de teatro cubano que mejor podría dialogar con nuestras propuestas de un teatro latinoamericano comprometido, transdisciplinario y trascendental, centrado en una teatralidad que, con el paso del tiempo, absorbió de otras vertientes, especialmente la performance y el documental. Por eso, elijo las tres últi-

69


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

mas producciones mencionadas para establecer un diálogo basado en los principios aquí discutidos, principalmente porque son tres actuaciones en solitario de la actriz Mariela Brito, dirigidas por Nelda Castillo, y objetos de análisis del tronco que sostiene ese grupo cubano. Triunfadela El público de Bahia, poco acostumbrado al teatro latinoamericano, en su mayor parte, no quedó muy contento con Triunfadela. De hecho, ese espectáculo va en contra de los estereotipos no solo del oficio mismo, sino de la imagen y la visión que se tiene de Cuba como una isla de utopía y resistencia. Que sea o no, ya es otra discusión, pero que la utopía de cada país debe ser vivida por el mismo país, sin tomar otras experiencias como banderas que fortalezcan y hagan perdurar los sistemas paralizados, de esto estoy seguro. Y Triunfadela revela, de manera dura, verdades que no se pueden solapar, pues el tiempo las desmiembra y hace su carnicería. La utopía cubana quizás no haya servido para caminar, como diría Eduardo Galeano citando a Fernando Birri. Ella se ha posicionado como un paradigma paralizador, más allá de la economía, del propio cuerpo cubano. Formó parte, durante largos 60 años, de la colusión de un Próspero shakesperiano visto aquí como una gran maquinaria que, en su magia, creó ilusiones y alucinaciones, fomentó ideales amalgamados con el propio cuerpo ciudadano, en un país rodeado de agua por todas partes, y así ha agarrado un poder que parece más que eterno. Triunfadela, considerada por las propias creadoras como una performance en escena, presenta un análisis de esos imaginarios y comportamientos que singularizan la existencia de lo cubano desde la década de 1960 hasta la actualidad (teniendo en cuenta que la Revolución Cubana triunfó en 1959). La mirada de las creadoras se centra en una respuesta psicosocial frente a la retórica oficial del progreso y la victoria, buscando confrontar al espectador con la escena y convivir con sus reacciones a partir de temas polémicos. Desde su estreno —y creo que hasta hoy— esta performance pretende activar un debate sobre el presente cubano en diálogo con los espectadores. La presencia de la actriz Mariela Brito corporifica un personaje que ella define como «alucinada». Ese cuerpo llega a una plaza pública donde acabara

70


El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

de ocurrir un acto político. Ella se adueña del espacio para desarrollar su propio discurso, involucrando a los espectadores en un juego que se cierne entre la realidad y el delirio. Observemos que aquí se presenta, como rasgo característico, una tergiversación relacionada con el socius —ella está alucinada, podríamos decir, enferma, desatinada—. Sin embargo, en el diccionario español, la palabra «alucinada» también tiene otro significado muy interesante: «visionaria». ¡Veamos!

6. Textos extraídos del documental.

El espectáculo comienza con la transmisión de un documental de 15 minutos, producido por el Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematográfica (Icaic), que trata de un gran taller de montaje de autobuses al inicio de la revolución. Comienza con una imagen fija, una fotografía actual en la que podemos ver ese taller demolido, destruido, una enorme ruina. Y luego, de forma retrospectiva, vemos una secuencia de imágenes de la antigua planta automotriz. Se ve una fotografía de Che Guevara dibujada en la pared, con textos de la guerrilla; colgada en la misma pared, una foto de Vladimir Ilyich Lenin al lado de un reloj cuyo péndulo se mueve, todo el tiempo; un tocadiscos en forma de maleta, uno de esos antiguos, toca himnos de la revolución, amplificados por una bocina de metal para que los escuchen los trabajadores de la planta. Otras imágenes aparecen en textos escritos en las paredes, ya sea con pintura o mediante edición visual. Aquí están algunos de ellos: «Esta es nuestra trinchera. ¿Cuál es la tuya?»; «Los que no tengan valor de sacrificarse, han de tener el pudor de callar ante los que se sacrifican»; y «El militante comunista es el que plasma en directivas concretas los criterios a veces oscuros de la masa. Che Guevara».⁶ Todo ese universo visual se potencia con una sonoridad constante de martillos en hierro, soldaduras, montajes y desmontajes de carrocerías, ruido de maquinaria y una asamblea de carácter político, encabezada por miembros del Partido Comunista y la Central de Trabajadores de Cuba, para decidir quién sería el nuevo representante del sindicato dentro de la planta. Todo el documental está tejido por una especie de leitmotiv que le permite volver constantemente a todas esas acciones. La asamblea, las imágenes del Che, Lenin, el reloj, el péndulo, el tocadiscos, los himnos de la revolución, los martillos, los discursos políticos, los hierros, los textos escritos en la pantalla, etc., se alternan durante 15 minutos, reproduciendo en lenguaje audiovisual lo que ha sucedido durante décadas: la construcción de un pensamiento ideológico en cuerpos que, en sí mismos, son conoci-

71


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

miento y memoria, habitados poco a poco por las razones del esfuerzo y del sacrificio. También se muestra cómo se van estructurando las capas de poder en Cuba, que están estrechamente ligadas al discurso ideológico. Al final del documental, se montan los autobuses y se hace una gran propaganda revolucionaria, al ponerles la marca «Girón», nombre de la playa donde, según el discurso oficialista, 1.500 mercenarios fueron derrotados el 17 de abril de 1961. El espectáculo tiene dos propuestas espaciales, según los requerimientos del lugar donde se presentará, frontal o alternativo. En FilteBahia, ellas eligieron la segunda configuración, en la que se forma en medio del público una pasarela vacía, donde la actriz desarrolla parte de la obra y los espectadores quedan frente a frente, mediados por ella. En los otros dos extremos, por un lado, el lugar donde se reproduce el documental, que es también donde la actriz entra en la representación, como si saliera del propio audiovisual; por el otro, una especie de plataforma con una escalera que imita un púlpito, donde se puede leer en un cartel suspendido: «Nuevos retos, nuevas victorias». La figura alucinada o visionaria entra vestida con pantalones terracota, botas estilo vaquero del mismo color, camisa de mangas largas y corbata, que cubren una inmensa barriga de la que salen dos micrófonos gigantes, como si hubieran nacido de aquel cuerpo. En la cabeza, además del maquillaje, que hace que sus ojos queden extremadamente abiertos, como en un eterno estupor, lleva una especie de pequeño cubo que le sirve de sombrero, también de color terracota, y el elemento de una cuchara vacía, que desciende desde el centro de la frente hasta la punta de la nariz, con la parte cóncava hacia el espectador. También hay una especie de manto, que sale de su cuello y se arrastra detrás de ella mientras camina, hecho con una bolsa de basura. Después que termina el documental, entra la actriz, con un paso marcado por una especie de impulso retenido, obstaculizado, y avanza al son de un himno de lucha. Llega al púlpito y comienza su discurso utilizando, de manera paródica, las modulaciones que utilizan los líderes de la nación para movilizar a las masas. Ese discurso es totalmente vacío, lo que se puede percibir porque va en sentido contrario a la realidad, lleno de metáforas y analogías. Es como si el discurso y lo real estuvieran separados. Veamos un fragmento:

72


El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

Hoy tenemos un país más fuerte, una economía más sólida, un pueblo más equitativo, un pueblo más culto, un pueblo más unido. Se trata de una nave que ni vientos, ni olas, ni tormentas harán naufragar. Una nave cargada de sueños hechos realidad y de realidades que siguen siendo sueños. Una nave en la que todo un pueblo viaja hacia el futuro. ¡No es el momento de decir no! No negaremos nuestra obra. Vean a Madre Teresa. La Madre Teresa solo tenía lo que llevaba puesto. Y esto no es mucho pedir. Luego de un largo discurso en el que la actriz pide, en todo momento, aplausos y ovaciones, ella se baja del púlpito y comienza a entregar discursos impresos a los espectadores, a los que denomina representantes de diferentes estructuras sociales, animándolos a hablar. Esas personas reciben la hoja impresa y la leen en el mismo momento, y el propio escrito las incita a formas de habla empoderadas. Se escucha más información enfocada en la producción de cacao, café, mandioca, naranja, bacterias, educación, medicina... Todo lo que se pueda imaginar que genere reflexiones sobre los avances del país —avances que no alcanzan ninguna dimensión que afecte el bienestar del pueblo—. En esas acciones que orientan la performance, el público se divierte en una especie de escarnio, una risa que solo se volverá dolorosa cuando regresen a sus hogares y a la rutina del día a día sembrada en otra realidad. Piense, pues, estimado lector, en las ruinas de la planta, que en el pasado se promocionaba como una potencia del sistema, pero que hoy ni los discursos son capaces de levantar. Departures y Arrivals Estas dos performances son más sencillas en cuanto a la estructura, sin embargo, nos centraremos en ellas antes de iniciar un análisis crítico de los puntos que convergen en las tres producciones. Ambas performances giran en torno al tema del viaje, la salida, la huida, el escape. En la cultura cubana de la actualidad, viajar sigue siendo un verbo poderoso por diversas razones, entre ellas la situación económica del país; la circunstancia de ser una isla también crea una ilusión de fuga; y el sueño americano, europeo o de cualquier otro que haya surgido en el transcurso de los años también es motor que impulsa y potencia ese verbo.

73


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

Además de estas reflexiones, Departures está más relacionada con la migración de artistas, pensadores y amigos. Mariela Brito, en cuerpo presente, está en un lugar que parece la sala de espera de un aeropuerto. Las sillas están dispuestas de cara al espectador en dos grupos, con un pasillo en el centro. El público ve que, en esas sillas, hay fotografías de personas ausentes, fotos enmarcadas que reposan sobre sillas vacías. Todo el tiempo se crea una poderosa tensión entre ausencia y presencia, mientras que la actriz, con un viejo walkman conectado a un auricular, lee las cartas que esas personas, elegidas al azar, le escribieron en el proceso de investigación de este trabajo, contándole por qué habían salido de Cuba, por qué estaban tan lejos y la consecuencia de esa distancia en sus cuerpos ausentes de la isla, de la familia, de la imposición. Por otro lado, Arrivals centra su discurso en aquellos cubanos que, por trabajo (o «misión», como comúnmente llama el Gobierno a esos viajes) o por visitas familiares, están delante de maletas en las que debe caber absolutamente todo lo que es de difícil acceso y adquisición en la isla, elementos del día a día fundamentales y básicos. No son las maletas comunes que, cuando viajamos, intentamos llenar de souvenirs y regalos para los amigos y familiares; son maletas con objetos que el espectador decodifica y se da cuenta de la precariedad de la vida cubana en la isla. Cito a continuación textos, subtitulados en portugués, que se iban mostrando en la pantalla de proyección y que forman parte de los pedidos escritos que los propios familiares y amigos entregan al viajero, para que encuentre la forma de comprarlos en el exterior. Voz en off 2: Zapatos para mis hijos (hombre y mujer), zapatos para mi nieta, ropa para mis hijos (pantalones vaqueros, camisas, vestidos, blusas, etc.), ropa para mi nieta, calzoncillos para mi hijo, sujetador y bragas para mi hija, bragas para mi nieta, papel higiénico, pasta dental, jabón, ajo en polvo, latas de atún, regalos para mi yerno y mi nuera (LO QUE SEA, PERO NO PUEDE FALTAR), recuerdos para mis amigos (artesanías, billeteras, pañuelos, sombreros, etc.), televisor, DVD y ordenador, lavabo. Voz en off 3: Cereales para Lilia, sillas de baño para papá, Pampers para papá, crema de vitamina D, jeringas desechables para papá, colchón antiescaras para papá, timer de cocina, café La Llave, calzoncillos para Gustavo, trituradora de especias, sandwichera. Voz en off 4: Café, especias de varios tipos, esponjas de acero para limpiar ollas, esponjas multiuso, paños de cocina, afilador

74


El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

de cuchillos, cuchillos, tijeras, chocolates, sujetador deportivo, calzoncillos, chanclas Havaianas, zapatillas deportivas, zapatos de mujer, toallas, manteles, camisas, blusas, pantalones vaqueros, leggings para hombre y mujer, pantalones cortos, pijamas de mujer, vitaminas, bastoncillos de algodón, pilas de varios tamaños, varitas de incienso, pequeñas reproducciones en mármol del Cristo del Corcovado, jabones de baño, pasta de dientes y tintes para el cabello. Voz en off 5: Cemento blanco, ventilador de techo, lavadero, accesorios de metal para baño, televisores, videograbadora, reproductor de DVD, memoria flash, medicinas, sal de frutas, Novalgina para dolores de cabeza, zapatos, calcetines masculinos y femeninos, calzoncillos, camisas, zapatillas deportivas, lámparas, enchufes, picaportes, toallas, sábanas, fotos para la familia, un andador para mi padre, perfumes, anteojos graduados, comida para gatos, libros que no se publican en Cuba. Voz en off 6: Los zapatos de mamá, especias Goya, banda de ejercicio, candados pequeños, tinte gris para el cabello, auriculares grandes de color rosa/amarillo, sartenes, cuchillas, tijeras, alpargatas Cynthia, vitaminas (omega 3, 6, 9), champú de queratina, crema de día, vela de cumpleaños, lámparas, tantas como puedas. Voz en off 7: Útiles escolares, artículos de higiene personal, maquinillas de afeitar, jabón, perfumes y lo que pueda llevar de comer, una bicicleta para mi hija, velas para apagones y para los santos, linternas para cuando haya apagones, artículos eléctricos recargables, televisores de pantalla plana para mi casa, varillas para tendedero, paños de cocina para mi mamá, muchas, muchas películas de piratas para entretenernos, una muñeca cada vez que viajaba para mi mamá, alguna artesanía o cosa típica, queso parmesano, chocolate amargo, libros prohibidos en Cuba, celulares, discos duros, clavos, visitar tiendas de magos o de brujería para llevar cosas al teatro en Cuba, vestuario, pelucas según los personajes, maquillaje, abanicos, bisuterías, sangre para efectos, luces LED, proyectores y una infinidad de cosas que yo podría haber comprado en Cuba, pero que en Cuba no había. Mientras estos textos son hablados y subtitulados, la actriz prepara, desde el inicio hasta el final de la performance, sus maletas con todas las compras. En tiempo real, ella intentará organizar su viaje. Y la performance tiene la duración de este procedimiento, que, además de tortuoso, es desesperador tanto para quienes lo realizan como para quienes lo observan. Nada, absolutamente nada, puede quedar fuera de las maletas, manteniendo el peso máximo, ya que no se puede pagar por el sobrepeso. ¿Cómo elegir

75


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

entre una lata de atún y unas sandalias? ¿O entre un medicamento para el padre y el colchón inflable antiescaras? ¿O entre el cemento blanco para la cocina y las velas de los santos? Y las bolsas de supermercado eran objetos muy importantes que no podían olvidarse. Muchos espectadores inquietos sentían ganas de ayudar, intervenir, colaborar. Era angustiante. Generaba así un sentimiento expandido, la fuerza del ser cubano en las situaciones difíciles de su existencia extendidas al espectador, contaminando a quienes lo observaban en actitud de desesperación, no por el cansancio que provocaba el tiempo de performance, sino debido a la información que estaba siendo absorbida por el propio espectador. Mutismo y espasmos del Ciervo en tiempo dilatado Aunque producidas en diferentes momentos, si intentamos elaborar una costura entre estas tres performances, podemos ver que hay una consecución lógica en sus acciones. Triunfadela muestra una respuesta psicosocial a la retórica oficial del progreso y la victoria, demarcando un territorio en ruinas que aún alza la voz para llevar a las masas por encima de una montaña de escombros arquitectónicos. Porque es la arquitectura del cuerpo cubano y la del propio país físico las que han vivido la experiencia del arte de producir ruinas. Así, se entrelazan Departures y Arrivals como recuerdos que parten de vivencias que no son más que el producto real de esas divergencias entre lo ideológico y lo social verdadero. Departures y Arrivals arrancan de Triunfadela su desenlace, con una actriz que sostiene un cuerpo en espasmos controlados por el mismo control que se le impuso, por el mismo yeso con el que se construyeron todas las estatuas que pueblan la isla, por los emblemas, por los cantos, por las canciones heroicas y por los propios martillos metálicos, chasis y péndulos que no pueden cifrar ese tiempo que es dividido, pero dilatado, perpetuo, que se propaga desde hace más de medio siglo. Aunque en las tres producciones hay textos hablados, o «en off», cartas leídas o proyecciones documentales, el mutismo permanece todo el tiempo, como una segunda naturaleza creada en el cuerpo de la actriz que conecta con el cuerpo de los espectadores. Es un mutismo oculto, pues la reflexión, acto seguido de cada acción de la obra, ya no es suficiente. La reflexión también queda atrapada. El mutismo en la reflexión, que es el momento en que perdura el teatro, es el más potente, fundamental y peligroso. El ser

76


El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

humano tiene ganas de decir, pero su propio cuerpo, que es el de la actriz, que es el del espectador, ahora se confunde y no puede revelar. Porque los cazadores andan por todas partes, esparcidos, y los ciervos a veces se cansan y necesitan alimentarse de aquella cuchara vacía que en Triunfadela decora y conforma la nariz de la artista de performance. Nariz y cuchara, respiro y supervivencia. Nelda Castillo, como directora, acierta en la conducción de las estéticas de cada producción. Luz, música, vestuario y espacio de Triunfadela trazan los espasmos de un eterno moribundo, como una historia de ficción, un juego de irrealidades en el propio rostro del espectador, que necesita entender que eso está totalmente ausente, teatralizado y se vuelve ridículo. Como diría el crítico argentino Jorge Dubatti, transteatralizado. Vamos al teatro para escapar de la transteatralización, del uso que hacen los poderes de las estrategias teatrales para manipular nuestras verdaderas intenciones. Luego, en las otras dos performances, la directora nos muestra, con una luz abierta, blanca, casi como la de una sala de hospital, el corte quirúrgico de la verdad, de la fuerza de la realidad, y no hay espacio para la utopía en ninguna de aquellas maletas, o cuadros, o cartas, ni siquiera para una nueva utopía, porque llega un momento en que incluso los sueños son llevados a la ruina. En Departures y Arrivals, el cuerpo de Mariela Brito ya no tiene espasmos visibles. Ellos fueron condensados, diluidos con el tiempo y convertidos, como si se hubieran transformado por el cansancio en acciones algo líquidas, fluidas, concretando y patentando la realidad más pura, sin clichés ni asambleas. Aun así, con todo aparentemente a la vista, no todo se dice, no todo se expresa como en un panfleto. El arte no vive de este lugar depositario de información como los periódicos. Los periódicos, los documentales, las telenovelas e incluso la memoria sirven para alejar el arte de la realidad, porque la propia realidad no le es suficiente. Por muy cerca que esté la obra de arte de esta realidad, siempre habrá una fina línea que la separe de ella, pues es ahí donde se construye el puente desde el que aquel ciervo encantado vigila a sus cazadores y crea un territorio innombrable para su salvación. Es en esta escisión, en esta brecha, donde se produce la reflexión, durante el acto inmediato de la acción y después de la muerte del acto del teatro.

77


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias BRIONES, Hector; POVOAS, Cacilda (Org.). Trânsitos na cena latino-americana contemporânea. Salvador: Edufba, 2008. DUBATTI, Jorge. Filosofía del Teatro I: convivio, experiencia, subjetividad. Buenos Aires: Atuel, 2007. ECHEVERRIA, Esteban Borrero. El ciervo encantado. La Habana: Editorial Cuba, 1937. EL CIERVO Encantado. Nelda Castillo y Mariela Brito. Hemispheric Institute, Ciudad de México, 14 de junio de 2019. Disponible en: <https://hemisphericinstitute.org/es/encuentro-2019-interviews/item/2876-el-ciervo-encantado.html>. Accedido el 28 de septiembre de 2020. EL CIERVO Encantado. Un espacio de indagación artística desde la Cuba actual. Disponible en: <http://elciervoencantado.blogspot.com/>. Accedido el 28 de septiembre de 2020.

78


El cuerpo del ciervo encantado en busca de un territorio teatral innombrable

79


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil

Luvel García Leyva¹

1. Pedagogo, crítico e investigador teatral. Tiene un doctorado en Ciencias sobre el Arte (historia, teoría y crítica del teatro) de la Universidad de las Artes, en Cuba, y un doctorado y una maestría en Artes Escénicas (pedagogía teatral) de la Universidad de São Paulo (USP). Autor de libros y estudios sobre procesos artísticos con niños, impartió conferencias en instituciones de diferentes países, como México, Hong Kong, Corea del Sur, Colombia, Guatemala y Estados Unidos. Trabaja en torno a los siguientes temas: infancia latinoamericana y escena contemporánea; procesos artísticos con niños en contextos de vulnerabilidad; experiencia sensible y subjetividad infantil.

2. En este trabajo reutilizo fragmentos de mi libro El viaje del colibrí: re-construyendo una pedagogía arteducativa con y desde los/as niños/as (2010) y de mi tesis doctoral, Escenarios Infantiles Latinoameri-

80

I Fue en los primeros días de junio.² El sol estaba en el signo de géminis y la luna en libra. Las protestas habían convertido las calles brasileñas en escenarios políticos. Comenzaban las Manifestaciones de los 20 Centavos. Mercurio hacía todo más crítico; Urano, más fantasioso; Venus traía una escasa felicidad; Marte hacía reinar la ambición y la discordia. En la casa del ascendente subía la Cabra, haciendo todo más obstinado y lleno de exageraciones. Neptuno entraba en la décima casa, andando entre el milagro y la simulación. Fue Saturno, en oposición a escorpión, quien definitivamente me impuso un destino arriesgado y desconcertante: llegar a Brasil, desde Cuba, en medio de las más gigantescas manifestaciones en este país. Yo había dejado atrás el aeropuerto e iba en dirección a la casa de Margarita,³ la actriz y amiga colombiana que llevaba algún tiempo viviendo en Brasil y formaba parte del grupo Paideia, donde me quedaría durante todo el tiempo que durara el proceso artístico con niños que estaba a punto de comenzar. Años antes de su llegada al país, trabajamos juntos en Cuba con niños del barrio La Timba, en el proyecto del Teatro Nacional llamado Zunzún, con el que presentamos la performance lúdica El Rey Mesa Redonda. Pensaba en todas estas cosas mientras impactantes imágenes atravesaban la ventanilla del taxi y se adueñaban de mis pupilas. Luces, sirenas de autos, tránsito enfurecido, gente revuelta en las calles enfrentándose a la policía o ensimismadas en sus celulares, convergencias luminosas y estridentes que me anunciaban, definitivamente, un destino arriesgado y desconcertante. II No podía creer. Siete tiradas del tarot y todas tuvieron el mismo resultado. La carta de la Estrella le anunciaba a Margarita la llegada de un guía que la conduciría a un universo de realizaciones. La imagen de una mujer desnuda vertiendo el agua de dos jarrones en el curso de un río simbolizaba los sentimientos atrapados, la tristeza y el vacío siendo despejados en la


corriente. Mostraba el miedo, la desesperación y la desilusión dando paso a la esperanza y a los sentimientos renovados. Todas las tardes, Margarita se leía el destino antes de ducharse, pero hoy, a diferencia de otros días, sentía una desesperación, «por no sé qué», que convertía los cascabeles en sus brazos y tobillos en un mar de disonantes campanadas. Ella ya había consultado el tarot, sus cartas gitanas, los horóscopos lunares, los espíritus protectores e incluso los caracoles de su eleguá [una de las deidades de la religión yoruba], que recibió en Cuba, en la ocasión en que abandonó el festival de teatro al que viajó con su antiguo grupo colombiano —cuando nos encontramos por primera vez— y se inició en la religión yoruba, junto a una multitud de negros másculos y sudorosos que alimentaban sus orgásticas fantasías izquierdistas caribeñas de «socializar sus medios de producción». Porque, al fin y al cabo, pensaba ella, ¿cuál es la función política de una actriz comprometida si no esa? Su sueño de intrépida revolucionaria era decirles a aquellos machos viriles antiimperialistas: «Compañeros, aquí entre mis piernas tengo la tierra, vengan y hagan la reforma agraria». Pero hoy, en vísperas de mi llegada a su casa, todas sus consultas anunciaron muerte y resurrección. Entonces, cuando por séptima vez salió la dichosa Estrella del Tarot, Margarita no pudo evitar preocuparse. Y realmente no era para menos. La primera señal de su aflicción llegó a través de una estridente bomba de efecto moral lanzada por los policías militares justo frente a su casa, que reventó en mil pedazos los vasos espirituales que había en el altar de su habitación. El estruendo fue tan fuerte que el impacto la remitió a los días en que Medellín [ciudad colombiana] se ensangrentada por las bombas de los narcotraficantes, tomándola por sorpresa en medio de un ensayo, desplegándose en su soledad con sus personajes, movida por el lento y placentero flujo que el cannabis y el vino tinto le proporcionaban, disfrutando eróticamente de los sutiles ramitos de camelias rojas encajados entre sus dos gigantescos pechos, que se endurecían a cada bocanada. Allí estaba ella como toda una heroína romántica, o mejor, como una cortesana parisiense, una Marie Duplessis [cortesana francesa del siglo XIX] dispuesta a morir por amor entre las balas de los narcotraficantes, recordando la galería de asesinos famosos de Cortázar [escritor argentino] o los libidinosos impulsos que Jack el Destripador, consumaba mediante la mutilación de los genitales de las victimizadas mujeres de la

canos: teatralidades y performatividades emergentes de la acción cultural (2020), desarrollado en la Universidad de São Paulo con el apoyo de Fapesp (Proceso nº 2016/11789-2). Al igual que en esos, aquí me interesa repensar el lugar de la teoría para analizar propuestas artísticas con niños y sus peculiares conexiones entre Cuba y Brasil, elaborando un conjunto heterogéneo de saberes como producción de una mirada metafórica. En este sentido, propongo una reflexión que articula textos analíticos académicos, crónica coyuntural y relatos autoficcionales, a través de recursos literarios como narradores/personajes y estrategias de intertextualidad. Con esta narrativa, que tiene lugar entre 2010 y 2013, analizaré las peculiaridades estéticas de una experiencia artística con niños en Brasil, colocándola en diálogo con aspectos puntuales de otra experiencia cubana, desarrollándose ambas de manos dadas en mi trayectoria como crítico e investigador teatral en los últimos años de mi vida profesional. Me refiero a la Cia. Paideia de Teatro, de São Paulo, y al Proyecto Interdisciplinario Zunzún, del Teatro Nacional de Cuba.

3. Resalto que las historias asociadas a este personaje son ficticias y no expresan ningún vínculo real con la Cia. Paideia de Teatro.

81


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

4. Vea: <https:// www.youtube.com/ watch?v=TXgmbK95cpU>. Accedido el 26 de septiembre de 2020.

5. A pesar de que ubicamos temporalmente la historia entre los años 2010 y 2013, en realidad, este proceso con niños fue desarrollado por la Cia. Paideia entre marzo y julio de 2017, en un primer período, y entre agosto y noviembre de 2017, en un segundo período. Los talleres que dieron origen al espectáculo Histórias que o Vento Traz se concentraron fundamentalmente en aquellos primeros meses y estuvieron integrados por 25 niños con edades entre 7 y 9 años, de origen humilde, alumnos de la Emef Carlos de Andrade Rizzini. Este proceso, que acompañamos integralmente, estaba concebido con encuentros semanales de una hora cada uno.

vida londinense, la misma pulsión que la había convertido en una especialista en desvirgar a jovencitos con un ardor efímero en el alma estremecida. Alejandro Dumas ya había dicho: «El primer amor, por amor; el segundo, por despecho; el tercero, por costumbre». Y también Guillermo Buitrago, en «Espera que me muera»,⁴ sacudido por los vaivenes del amor y la muerte que sonaban tan bien en aquel vallenato. «Si quieres querer a otro, espera a que yo me muera, después de mis nueve noches, puedes querer a cualquiera». De hecho, para Margarita, ¿qué significaba la vida ante la insuperable ausencia del amor? Y en ese olvido de sí misma al que había llegado, sentía que poco le importaba si fuera ella la próxima baja, víctima de la pasión extraviada de una bala perdida. Pero no fue un proyectil, como románticamente soñaba Margarita, lo que golpeó la puerta aquel 12 de junio de 2013, sino yo, Ignacio del Castillo, su cubanísimo amigo, que venía a acompañar el proceso creativo con niños de Santo Amaro [barrio de la Zona Sur de São Paulo], que originaría el espectáculo Histórias que o Vento Traz.⁵ III Había transcurrido una semana desde mi llegada y ya todo estaba listo para comenzar. Fui al escenario principal de la Cia. Paideia, donde Amauri [el director], Margarita y el resto de los actores ya me esperaban, junto a los niños y su maestra de escuela. Reconocí rápidamente, en la disposición espacial del equipo, la idea de teatro abierto del que tanto me había hablado Margarita la noche anterior. Ellos querían construir un espectáculo teniendo en cuenta las opiniones y críticas de los niños espectadores. Pretendían desarrollar un proceso pedagógico y artístico que reuniera un conjunto de elementos (textuales, visuales, sonoros) organizados a partir de dispositivos del teatro épico y que explorara la concepción narrativa de Walter Benjamin (1994). Había una fuerte preocupación entre el equipo artístico por la desvalorización de la memoria y la sustitución de la experiencia por la información y la vivencia, impuestas a los niños como un proyecto político de dominación (CORREA, 2017). «La memoria» —me explicaba insistentemente Margarita mientras encendía los inciensos en su casa— «ha sido capturada por los núcleos de poder y reasignada en los presupuestos del logos. Si es a través de la palabra que hablamos de la memoria, esta puede ser borrada o manipulada para consagrar el olvido. ¡Por eso es tan importante la narrativa en un proceso artístico como este!», me insistía. «Ella establece un puente temporal con la

82


Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil

memoria, abriendo sus significados a interpretaciones congruentes en diferentes épocas», afirmaba enfáticamente después de una larga bocanada a su cigarrillo Marlboro. Mientras pensaba en silencio en mi conversación con ella en la noche anterior, Amauri intentaba explicarles a los niños, con cierta magia, los objetivos y aspiraciones del trabajo. En ese momento, los niños ya ocupaban las butacas del teatro, algo inquietos, con ganas de saber lo que iba a pasar. Todos nos quedamos sorprendimos cuando, de repente, la maestra interrumpió a Amauri y, con voz de mando, hizo que los niños cantaran con ella una canción que llevaban días preparando «para los artistas del teatro». Era una de esas cuyo ritmo implicaba aplaudir y zapatear en el piso. La maestra hacía que los niños gritaran bien alto. Era una demostración de sus «dotes artístico-pedagógicos», aplastados por la fuerza de la maestra, que se movía en el escenario como si fuera una domadora de leones. Finalmente, Amauri dijo unas palabras: «Presten atención. Les tenemos una sorpresa. Esta es la historia de O Melhor Filho». IV Todos colocados en círculo. El ritmo de salsa calienta los salones del Teatro Nacional de Cuba. Margarita propone acciones. Padres e hijos las repiten. Luego, el grupo se divide en dos, uno frente al otro: el de los niños y el de los adultos. Los niños avanzan unos pasos adelante imitando a un ave y dicen: «¡Cuando la gallina grita! ¡Cuando la gallina grita!». Los adultos los observan y luego intentan imitarlos, pero están desencajados. Sus cuerpos no alcanzan la gracia de los niños, que se divierten al verlos. Surgen otros animales y los desafíos aumentan aún más para los padres. Sin embargo, ellos no desisten. Quieren vivir esa experiencia de ver y hacer junto a sus hijos. Una decena de ejercicios similares a ese me han demostrado que Margarita era uno de esos seres que vienen al mundo para cambiar las cosas. En ese entonces, a mediados de 2010, ella ya había decidido quedarse ile-

83


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

6. Si bien ubicamos temporalmente la historia entre los años 2010 y 2013, ese proceso de trabajo, desarrollado con niños cubanos que vivían expuestos a condiciones de vulnerabilidad social, ocurrió realmente entre enero y abril de 2007. A pesar de las diferencias contextuales, metodológicas y de enfoque artístico entre esta experiencia y la de la Cia. Paideia, las conexiones entre los dos siguen llamando mi atención. Se trata de procesos que, de alguna manera, implican una investigación sobre las condiciones de existencia del otro (en este caso, el niño). Son investigaciones en torno a la alteridad y las manifestaciones de exclusión social, que traen consigo implicaciones directas para las estrategias de creación de los grupos y en los dispositivos pedagógicos de la enseñanza del teatro a los niños.

galmente unos meses en Cuba, a riesgo de ser multada o deportada por el Ministerio del Interior. Quería conocer la isla profunda, la que está lejos de la comodidad de los hoteles y la propaganda del gobierno, y se negaba rotundamente a pagar los trámites de extensión de su permanencia. Tan pronto como nos conocimos, ella se ofreció como voluntaria para trabajar con los niños en el proyecto Zunzún.⁶ Cuando ella llegada, explorábamos alternativas artísticas a través del cuento «Un Paseo por la Tierra de los Anamitas» (2004), de José Martí. Sin embargo, su presencia hizo que el proceso tomara otros rumbos. Rápidamente apareció Paulo Freire y sus principios pedagógicos, haciendo que las ideas y las acciones de los niños, por muy inverosímiles, fueran tomadas en cuenta e incluidas en el proceso artístico. Ya no se partiría de una obra escrita por un adulto para ser ejecutada por los niños, sino de las problemáticas que afectaban sus vidas, previamente identificadas por ellos, que servirían como leitmotiv para el proceso creativo. El diálogo se propuso intencionalmente como un ejercicio político. El objetivo no era formar artísticamente al niño, sino crear las condiciones para la ampliación de su ser estético en la formación de comunidades solidarias, cooperativas y transformadoras. Las soluciones a las diversas situaciones estéticas y lúdicas que ocurrían en el taller debían partir de los hallazgos individuales y colectivos del grupo, descubriendo nuevas perspectivas de vida junto al niño en la convivencia y en la acción participativa de la comunidad. V Dos meses después de mi llegada a Brasil, el proceso creativo con niños en la Cia. Paideia se perfilaba según la tríada memoria, experiencia y narrativa. El material textual seleccionado incluía textos de Fernando Pessoa (1946) y cuatro historias antiguas con una marcada sabiduría popular («Un Hombre Infeliz», «Un Pobre y un Rey», «El Ojo del Elefante» y «El Mejor Hijo»). Ese material, por un lado, servía de base pedagógica para los talleres con los niños, al propiciar experiencias colectivas de valoración de la memoria; por otro lado, funcionaba como material dramatúrgico para el espectáculo Histórias que o Vento Traz. De esa forma, todo el tejido escénico de la obra, en particular ese proceso escritural, se iba enriqueciendo por los dibujos de los niños sobre los personajes de las historias, por sus interpretaciones sobre el texto, por los juegos y las dramatizaciones realizadas, pero principalmente por las ob-

84


Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil

servaciones que ellos hacían a partir de improvisaciones presentadas por los actores semanalmente durante las sesiones del taller, que propiciaban variaciones significativas en el diseño de la puesta en escena. Un día, el equipo artístico se había preparado para presentar a los niños el cuento «El Ojo del Elefante». Cuando ellos llegaron, los actores ya estaban en el escenario y rápidamente comenzaron a emitir sonidos de animales de la selva: leones, jirafas, antílopes, pájaros y elefantes. A los niños les encantó ver a Rogério haciendo de elefante con la manguera de la lavadora, sobre todo cuando se le cayó un ojo al río y él se esforzó por encontrarlo sin éxito —lo que estimuló, en la soledad de espectador de los niños, pequeños gestos, movimientos faciales, como si ellos mismos fueran los animales que estaban en la escena—. Al final de la presentación, los actores decidieron escuchar la opinión de los niños. David (niño): «Me gustó la parte en la que ustedes hacían el sonido de los pájaros». Un niño quiso tocar la manguera gris con la que Rogério hizo la trompa del elefante. Maria Carla (niña): «¿Qué es meia tigela?» (Se refiere a una expresión dicha por el elefante). Rogério: «Es un elefante un poco tonto». Igor (niño): «Yo no entendí por qué se le cayó el ojo al elefante». Amauri explica que el elefante salió corriendo a pelear con sus compañeros y, al hacer mucho viento, se le cayó el ojo. Niño: «Mi madre dice que el ojo tiene una cuerdecilla que va hasta el cerebro. Si él sigue esa cuerdecilla, podrá encontrar su ojo». Este último e insólito comentario generó un enriquecimiento del trabajo escénico de la historia, a partir del uso de cuerdas, telas, redes y formas de desplazamiento que la convirtieron en una de las escenas más esplendorosas del espectáculo. Así, al término de cuatro meses de trabajo, había un espectáculo construido desde la mirada de los niños y un proceso lúdico performativo que se erigía como un territorio de experiencia colectiva y de valorización de la memoria (GARCÍA LEYVA, 2020).

85


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

7. La arepa es una masa de pan elaborada con harina de maíz, plato típico de las cocinas populares y tradicionales de Venezuela, Colombia y Panamá.

8. El areito, o areyto, era una palabra de la lengua taína adoptada por los colonizadores españoles para describir un tipo de música y danza religiosa ejecutada por ese pueblo del Caribe. El areíto era un acto ceremonial que se creía que narraba y honraba los actos heroicos de los antepasados, jefes, dioses y cemíes taínos.

VI En una tierra lejana, más allá del infinito, había un reino llamado El Mundo Santo, donde vivía un rey muy malo llamado Mesa Redonda (GARCÍA LEYVA, 2010). Así comenzaba la historia construida por los niños del proyecto Zunzún, cuyos conceptos centrales serían la verdad y la mentira. Margarita y yo habíamos conseguido, junto a ellos, tejer un proceso de autodiagnóstico participativo con diferentes dispositivos estéticos (objetos sonoros, pantalla iluminada y figuras planas animadas, entre otros), configurándose una acción representacional que, lejos de una interpretación de personajes, les permitía a los niños hacer una performance lúdica de su propio yo. Llevábamos dos semanas ensayando intensamente con los niños, pues estábamos a punto de compartir el trabajo con la comunidad, y nuestros cuerpos estaban exhaustos. Entonces, cuando nos dejaron solos, al final de la sesión de hoy, ella no pudo más que encender un cigarrillo. «¿Quieres un Marlboro?», me dijo con toda la delicadeza que el acento paisa le permitía, mientras se sentaba cerca de mis piernas estiradas en el piso. «Gracias. ¿Quieres uno de los míos? No suelo fumar, pero este Camel me llamó la atención». Y los dos comenzamos a fumarnos nuestros cigarrillos en silencio, mirándonos con toda la magnitud que el momento permitía, mientras un leve olor a saco de arpillera mojado y a arepa montañera⁷ inundaba el espacio. Miradas fijas, retadoras, solo el silencio nos acompañaba, mentes abiertas al universo. El tabaco cubano, recordó Margarita, levanta las sombras y el vértigo del alma, un areíto⁸ que se aloja en el cerebro, una brujería fruto de hábitos paganos y diabólicos. No era el imperio de los signos, como afirmaba Roland Barthes, pensé, sino el de los más sublimes sentidos, desorden de las pasiones que relativiza los límites del cuerpo, cúmulo de años acumulados. Y una larga bocanada invadió mis pulmones.

86


Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil

El instinto de un cruce contaminado de humo nos atrajo uno hacia el otro, dejando nuestros labios expuestos al sensible contacto con los cuellos, tierna textura de carne temblorosa que delataba los rápidos e incontenibles latidos del corazón. Impulso con templanza, goce viril incontenible que se desbordaba, ganas amordazadas que se liberaban. Rápidamente, los pezones de sus gigantescos pechos comenzaron a frotar cada centímetro de mi piel con total desenvoltura. En ese momento, ninguna de nuestras ropas nos acompañaba, lo que inconscientemente nos condujo a asumir la posición de la flor de loto, sentados a horcajadas en el medio de aquel escenario con una tenue y amarillenta luz en el alto, uno frente al otro, cual Sada y Kichizo Ishida en un hotel de Tokio en los años 1930, experimentando, con toda la lentitud que la intensidad permitía, los límites de nuestra autocomplacencia (OSHIMA, 1976). «Ahy… lo adoro... Ahhh, Kichizo...», susurraba ella mientras su delicado goce me derrumbaba de espaldas en el suelo. «Kichizo, siento como si flotara. Quédate adentro. No te salgas de mí» —y un suave mordisco se adueñaba de mi pecho izquierdo, mientras de su boca exhalaba un demorado y tembloroso gemido, que le subía desde lo más íntimo de su cuerpo, comprimiendo el más duro miembro de la familia, quien estaba eternamente agradecido por ser sometido hasta su total liquidación—. Ni Margarita ni yo habíamos conseguido olvidar, en esos tres años, los más mínimos detalles de aquella trama fantasiosa en que nos vimos seducidos un día antes del estreno en Cuba. Entonces, estando aquí en Brasil, ensimismados nuevamente en medio del humo de nuestros cigarrillos y a punto de hacer otro estreno, no pudimos evitar las vueltas que da el destino. «¿Quieres un Marlboro?», me dijo. «Gracias. ¿Quieres uno de los míos? No suelo fumar, pero este Camel me llamó la atención», le dije sonriendo. VII Cuando llegó el día del estreno, todos en la Cia. Paideia nos sentíamos extremadamente inquietos. Cuando el espectador llegaba a la sala, escuchaba sonidos de viento. Una luz tenue atravesaba oblicuamente el escenario,

87


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

como reminiscencia del amanecer. Era el punto de partida para la entrada de los narradores. El viento aumentaba su potencia, pero ellos seguían moviéndose lentamente. Al inicio eran sombras, que luego iban descubriéndose ante la mirada curiosa de los niños, a través de paños de seda, telas, cestas, bolsos de cuero y otros complementos de color ocre, amarillo, beige y naranja, recordándonos a aquellos antiguos rapsodas recitando poemas de pueblo en pueblo. Eran figuras que se presentaban no como personajes de teatro, sino como alguien próximo con quien compartirías una experiencia de vida. Era así como los actores, especialmente Margarita, conducían todo el espectáculo, con un equilibrado nivel interpretativo y vocal, apoyándose en la amplia escala de registros sonoros y musicales de la obra, dando muestras de su versatilidad artística. En términos generales, fui percibiendo, en este proceso de la Cia. Paideia, arquitecturas complejas de acciones artísticas, pedagógicas y éticas que se entrecruzaban como actos de alta dimensión cultural y que buscaban una cierta restauración simbólica junto a los niños. En la dimensión microtransformadora de este proceso se destacaron mutaciones personales y colectivas, espacios conviviales de experiencias, intercambios, proximidad y experimentación conjunta entre niños y adultos, en cuyo centro se erigió la narrativa como mediadora estética y como campo de recuperación de la memoria. Aquí, el lenguaje —entendido como representatividad de algo inteligible— adquirió sentido en la medida en que las estrategias de convivencia incidieron en el tipo de experiencia vivida por los niños, suplantando el poder del logos. Para ello, la dimensión performativa del juego contribuyó como elemento esencial de la enseñanza del teatro, y la música como elemento facilitador del proceso formativo. Más que un modo de hacer teatro, de incorporar a los niños a la dimensión poética como sujetos, de construir una práctica perforando los sistemas de representación y manifestación política, que apuestan por el olvido, las vivencias y las informaciones como capital simbólico, el proceso que implicó el espectáculo Histórias que o Vento Traz cuestionó la noción de teatro infantil y su alcance como dispositivo de subjetivación en los niños, revelando otras relaciones de la enseñanza teatral entre adultos y niños, proponiendo nuevas formas de habitabilidad en el mundo y ubicando al teatro como un horizonte orientado hacia la esfera de las interacciones humanas y su contexto cultural.

88


Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil

VIII Mientras me preparaba para regresar a Cuba, sentí la necesidad de seguir estudiando experiencias como estas en América Latina. Se me ocurrió que Margarita y yo podríamos pasar las últimas horas juntos, pensando en eso, soñando con nuestras vidas, paseando en bote en algún lago de la ciudad. En menos tiempo de lo que imaginé, ya estábamos disfrutando de un buen vino acariciados por el profundo silencio que emanaba de las aguas. Yo estaba sentado en el lado de babor remando, mientras Margarita estaba en el asiento posterior, en la popa, sujetando el timón. Fue ahí donde me di cuenta de la peculiaridad entre las dos experiencias teatrales que habían unido nuestras vidas. Estaba en la manera como ella y yo veíamos y nos relacionábamos con el teatro, entendiéndolo como una construcción simbólica, orientada hacia la conquista de la autonomía y la resignificación del mundo de los niños.

9. «¡Mierda!» es una interjección utilizada por los actores y las personas involucradas en la parte técnica de una obra teatral, detrás de las bambalinas o en el escenario, minutos antes de que se abra el telón, para expresar el deseo de buena suerte en la presentación.

Fue allí también donde surgió la idea de regresar, de hacer un doctorado en São Paulo, de venir con Iván, mi pequeño hijo, y de aventurarnos en grupos y comunidades periféricas de esa región. Seguía allí el cielo despejado, el horizonte de octubre sin una sola nube y toda, toda una vida por delante frente a ese magnético y enigmático lugar de la ciudad, de donde saldría el impulso que ocuparía mi vida en los próximos meses y que terminaría con este metafórico mensaje: São Paulo, 12 de diciembre de 2013 Estimado Ignacio, Su proyecto de doctorado fue aprobado. Le envío la comunicación oficial de la CPG. El curso en la USP comienza en marzo de 2014. Espero encontrarlo pronto. ¡Un gran abrazo y MUCHA MIERDA!⁹

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

89


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

Referencias BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. BUITRAGO, Guillermo. Espera que me muera. Disponible en: <https://www.youtube.com/watch?v=TXgmbK95cpU>. Accedido el 26 de septiembre de 2020. CORREA, Gabriel Caio. A ideia de narrativa de Walter Benjamin e seus desdobramentos. Revista Lampejo, v. 6, n. 2, Fortaleza, 2017. GARCÍA LEYVA, Luvel. El viaje del colibrí. Re-construyendo una pedagogía arteducativa con y desde los/as niños/as. La Habana: Editorial Caminos, 2010. ________. Escenarios infantiles latinoamericanos: teatralidades y performatividades emergentes de la acción cultural. Tesis doctoral en Artes por el programa de posgrado en artes escénicas de la Escuela de Comunicaciones y Artes de la Universidad de São Paulo (ECA/USP), São Paulo, 2020. MARTÍ, José. Un paseo por la tierra de los anamitas. En: MARTI, José. La edad de oro. La Habana: Editorial Gente Nueva, 2004. OSHIMA, Nagisa. (Dir.) El imperio de los sentidos, 1976. PESSOA, Fernando. O guardador de rebanhos. Lisboa: Ática, 1946.

90


Procesos artísticos con niños: teatros peculiares y de manos dadas entre Cuba y Brasil

91


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

Direcciones de internet En la maraña de algoritmos en la que se convirtió la vida de los mortales en este planeta, pensamos que sería bueno reunir direcciones de Internet dirigidas a la práctica de la crítica en las áreas de circo, danza, teatro y otras variantes que se hacen presentes. La siguiente lista incluye fuentes de investigación y consulta fundamentales para la producción de análisis. Son blogs, sitios web, revistas electrónicas y portales que realimentan a quienes hacen y a quienes disfrutan de las artes escénicas (teniendo en cuenta que toda lista supone brechas). Individuales, colectivas o institucionales, las iniciativas evidencian una fuerte red de espacios imbuida de registrar y pensar una parte considerable de las creaciones que se hacen públicas en diferentes regiones de Brasil e incluso en el exterior. Un inventario provisional a la manera de brújula. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

92


Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

93


crítica em movimento: \Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil

Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES ESCÉNICAS Gerencia Galiana Brasil Coordinación Carlos Gomes Producción Felipe Sales Cocuraduría Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPEDIA Gerencia Tânia Rodrigues Coordinación Glaucy Tudda Producción Karine Arruda

94


NÚCLEO DE COMUNICACIÓN Y RELACIÓN Gerencia Ana de Fátima Sousa Coordinación Carlos Costa Edición Ana Luiza Aguiar (subcontratada), Milena Buarque y Valmir Santos (cocurador) Producción editorial Pamela Rocha Camargo y Victória Pimentel Diseño Estúdio Lumine (subcontratado) Supervisión de la revisión Polyana Lima Revisión del portugués Karina Hambra y Rachel Reis (subcontratadas) Traducción al español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado) Revisión del español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado)

95


Jacuzzi | foto: Guilherme Castoldi


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.