Crítica em Movimento \ A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Page 1

5

crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

1


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Memória e Pesquisa | Itaú Cultural Crítica em movimento: a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua / organização Itaú Cultural; [textos Valmir Santos, Marta Hass, Altemar Di Monteiro e Lindolfo Amaral]. - São Paulo : Itaú Cultural, 2021. - (Crítica em movimento ; 5) 765 Kb ; PDF ISBN 978-65-88878-11-8 1. Crítica. 2. Artes da cena. 3. Teatro. 4. Dança. 5. Circo. I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 792.015 Bibliotecário Jonathan de Brito Faria - CRB-8/8697

2


PT

Transformações da prática e do pensar crítico Valmir Santos

__ 4

Teatro de rua: arte pública que gera laços e provoca afetos Marta Hass

__ 10

Crítica e teatro de rua: por uma contracena amorosa Altemar Di Monteiro

__ 20

A crítica e o teatro de rua: um olhar Lindolfo Amaral

__ 30

Endereços na internet

__ 42

Ficha técnica

__ 44

Versión en español

__ 46

3


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Transformações da prática e do pensar crítico 1. Jornalista, crítico e cocurador do Crítica em Movimento. Idealizador e editor do site Teatrojornal – Leituras de Cena desde 2010. É doutorando em artes cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado na mesma área.

Valmir Santos1

A fortuna crítica de uma obra corresponde ao campo de pensamento que ela instaurou quando veio a público editada, gravada, filmada, esculpida, pintada, apresentada ou performada. Os oito cadernos concebidos especialmente para a quarta jornada Crítica em Movimento desejam inverter um pouco essa expectativa ao articular 24 textos no âmbito justamente do fazer crítico. São visões heterogêneas do que consiste e de como se desdobra em criações em circo, dança e teatro, com variantes para intervenção e performance. Sabemos o quanto as circunstâncias históricas, sociopolíticas e culturais envolvem praticantes e partícipes, artistas, pesquisadores e, claro, espectadores-leitores. Realizado anualmente desde 2017 pelo Itaú Cultural (IC), o ciclo de debates discute a recepção das artes da cena e o imprescindível diálogo entre públicos, criadores e críticos. Em 2021, neste periclitante contexto da pandemia, o estímulo ao pensamento contorna a impossibilidade do encontro presencial por meio da veiculação de conteúdos reflexivos em texto e podcast. Além de ampliar o acesso, busca-se perenizar as discussões das três edições passadas, que abordaram a prática da crítica à luz de problemas desse ofício e contaram com a apresentação de espetáculos. Entre as pautas abarcadas estavam a precarização do trabalho no âmbito do jornal impresso e a busca pela sustentabilidade em contraponto ao mero diletantismo; o consistente avanço da análise na internet com ganas de reinvenção de estilo; e a adoção de novos procedimentos e de ideias consonantes com os estudos universitários e a inquietude da cena brasileira contemporânea. Também foram abordadas as realidades sociais de sujeitos colocados à margem e ancorados na dramaturgia de Plínio Marcos, bem como um recorte latino-americano e caribenho com obras e reflexões de representantes da Argentina, do Chile e de Cuba. Dado o insólito cenário do ano anterior, marcado pela irrupção global do novo coronavírus, uma das alternativas foi elaborar uma publicação on-line, com oito itinerários de escritas realizados por 25 pessoas do universo das artes da cena.

4


\editorial

Cada volume enfeixa três análises estimuladas pelos seguintes motes: 1) o papel da crítica de teatro no Brasil – do jornal impresso à plataforma digital; 2) o vão entre a crítica e o circo; 3) estados da crítica de dança; 4) espaços digitais empenhados em artes cênicas; 5) a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua; 6) a cena engajada no contexto contemporâneo; 7) teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil; e 8) panorama do teatro latino-americano visto da ponte. Neste quinto caderno, você acompanha a reflexão em torno do tema “A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua”, realizada por pessoas afeitas à criação e à pesquisa em grupos longevos de Sergipe, Ceará e Rio Grande do Sul. O ator e pesquisador Lindolfo Amaral, do Imbuaça (SE), fez jus à veia popular em texto marcado por uma escrita informal e informativa sobre o grupo de teatro de rua fundado em 1977. Evocou Amir Haddad, do coletivo Tá na Rua (RJ), e o escritor modernista Mário de Andrade (1893-1945), este pela expedição enviada ao Nordeste e ao Norte, em 1938, para registrar cantos, danças e rituais ameaçados de extinção. Rememorou a recepção de Senhor dos Labirintos (1999) quando em turnê pelo Rio de Janeiro, espetáculo de rua adaptado ao palco italiano, com dramaturgia baseada na vida e na obra do artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário, morto em 1989. O ator se apegou ainda a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e a Nelson Cavaquinho (1911-1986) para refletir sobre a diminuta visita da crítica aos trabalhos que ocupam o espaço público. “Pode a crítica, com sua tocha inextinguível, iluminar a cena para que todos vejam, em sua forma verdadeira e sem subterfúgios, as ações expostas e as entrelinhas que contribuíram para a sua construção? Será que ela tem o poder de transformar um espetáculo em algo imortal ou de levá-lo ao esquecimento profundo? A ela é conferido o poder do labor e da verdade?”, perguntou Amaral. O encenador Altemar Di Monteiro, do grupo Nóis de Teatro (CE), fundado em 2002, como que pegou a questão pela unha. Começou pelo pensamento de Amir Haddad e elencou trechos de um documento de 2016 gerado durante o Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre. Nele, críticos e pesquisadores trataram da falta de mediação, nos circuitos da chamada

5


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

alta cultura (jornalística e universitária), quando se trata de lidar com as artes cênicas que transcendem espaços convencionais. Aliás, o autor propôs uma inspirada contextualização de como a cidade é carregada por cada um que a habita, em múltiplos espaços e sentidos. O texto produziu dialogismos com bom humor e problematizou o pensamento crítico de artista com propriedade e poética ante criações levadas ao ar livre. “A tarefa da crítica teatral interessada nesse mover constante de composições mútuas [...] talvez consista em sondar as linhas de força desses processos de composição, apresentando à vida pública os fragmentos dessas cidades que, por ora, emergem na efemeridade do acontecimento, na instantaneidade do encontro teatral. Isso requer uma compreensão de que essa composição não é parte isolada do que ali acontece, mas resultante de um processo: também é fragmento de temporalidades embaralhadas. Talvez seja por isso que Amir reivindique uma crítica que não se contente em habitar apenas o acontecimento vivido, mas se interesse também pela sala de ensaio. Quem sabe assim seja possível garantir ‘um movimento amplo e constante entre o geral e o particular, a análise e a síntese, a informação e o juízo de gosto, o significado histórico do conjunto, da época, e o trabalho singular dos artistas’”, colocou na balança Di Monteiro. Integrante da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), a atuadora e pesquisadora Marta Haas pontuou o histórico e a afinidade do grupo com o teatro de rua e expôs a lacuna da cobertura crítica e a falta de adesão a essa modalidade nos ambientes de estudos em graduação ou pós-graduação. Em sua escrita, convocou outros grupos do país surgidos no período da transição da ditadura civil-militar (1964-1985) para a chamada redemocratização e salientou que o teatro de rua é, por natureza, antimercantilista. Não sem razão, a pesquisa por uma narrativa épica busca, sobretudo, uma postura crítica do espectador diante do que é encenado. “Cito essas diferentes linguagens, essas diferentes formas de se relacionar com o espectador e diferentes abordagens do espaço público experimentadas pelo Ói Nóis para exemplificar o quão diverso pode ser o teatro de rua. Poderia citar também a pesquisa de outros grupos brasileiros e latino-americanos que enveredaram por percursos distintos, como o Imbuaça, com a literatura de cordel e as brincadeiras populares do Nordeste; o Tá na

6


\editorial Transformações da prática e do pensar crítico

Rua, com a improvisação, a dramatização e as festas populares; e assim por diante. O teatro de rua, portanto, comporta infinitas possibilidades de investigação, e os grupos de teatro que optaram por atuar no espaço público têm se aprofundado em muitas delas. Logo, não é uma carência do teatro de rua o que leva a crítica a se afastar e não refletir tanto quanto poderia sobre ele”, raciocinou Marta. Touché. Os demais escritos presentes na publicação on-line são assinados pela atriz Alice Guimarães, do Teatro de Los Andes (Bolívia); pela atriz e especialista em circo Alice Viveiros de Castro (SP); pelo artista-pesquisador e professor chileno radicado em Fortaleza Héctor Briones (CE); pela docente, produtora e gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); pela atriz e pesquisadora teatral Camila Scudeler (Colômbia); pelo jornalista e crítico de dança Carlinhos Santos (RS); pelo artista transdisciplinar e crítico de dança Daniel Fagus Kairoz (SP); pelo ator e crítico de teatro Diogo Spinelli, do site Farofa Crítica (RN); pela professora e pesquisadora em circo Erminia Silva, em parceria com o pesquisador Daniel de Carvalho Lopes, ambos do site Circonteúdo (SP); pelo ator, diretor e professor de teatro Edson Fernando, do site Tribuna do Cretino (PA); pela diretora Fátima Pontes, coordenadora-executiva da Escola Pernambucana de Circo (PE); pelo ator e diretor Fernando Cruz, do Teatro Imaginário Maracangalha (MS); pela jornalista e crítica de teatro Ivana Moura, do blog Satisfeita, Yolanda? (PE); pelo diretor Luis Alonso-Aude, do grupo Oco Teatro Laboratório e do Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia (FilteBahia/BA); pelo pedagogo, crítico de teatro e pesquisador Luvel García Leyva (Cuba); pela atriz e agitadora cultural Nena Inoue (PR); pela diretora e dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, do Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas (BA); pela jornalista e crítica de teatro Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda? (PE); pelo crítico de teatro e jornalista Macksen Luiz (RJ), atuante no Jornal do Brasil (1982-2010), colaborador de O Globo (2014-2018) e criador de um blog de críticas com seu nome (2011); pela pesquisadora em dança, bailarina e professora Rosa Primo (CE); e pela artista-pesquisadora e professora Walmeri Ribeiro, do projeto Territórios Sensíveis (RJ). Como se vê e se lê, é uma produção textual que se pretende geográfica e ideologicamente não hegemônica. Ela se derrama sobre o fazer crítico, suas potências e seus impasses nesta quadra da história do Brasil, em que as já insuficientes políticas públicas para as artes e a cultura enfrentam ataques beligerantes.

7


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Escuta ativa Em simbiose com os cadernos, o podcast Crítica em Movimento chama o público em geral a ativar a escuta reflexiva por meio de cinco episódios. Cada um deles traz uma pergunta para os convidados. No primeiro, Macksen Luiz e a crítica de teatro, pesquisadora e artista Daniele Avila Small, da Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos atuantes no Rio de Janeiro e de distintas gerações, respondem à pergunta: “Quais são os enfrentamentos da prática da crítica de teatro hoje?”. O tópico perpassa a precarização do trabalho remunerado, a migração do fazer crítico para a internet e como expandir a conversa com públicos, artistas e gestores culturais, com mediação do jornalista e crítico de teatro que escreve estas linhas. No segundo episódio, a pesquisadora, artista e docente Lourdes Macena (CE) e o ator e diretor Rogério Tarifa (SP) se dedicam à questão: “Como a crítica se relaciona com a noção do popular nas artes cênicas?”. Com mediação do pesquisador e professor Diógenes Maciel (PB), é um diálogo acerca da recepção de expressões culturais emanadas do povo, muitas vezes em oposição ao conhecimento formal, às normas e às ambições dos poderes políticos e econômicos em jogo na sociedade. “Qual é a percepção de quem cria a respeito do trabalho da crítica?” – eis o ponto do terceiro episódio. Para respondê-lo, foram ouvidos artistas de coletivos cênicos dos mais longevos do país: Tânia Farias, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), fundada em 1978, e o dramaturgo e diretor Edyr Augusto Proença, do Grupo Cuíra (PA), formado em 1982. A mediá-los, a pesquisadora, performer e jornalista Maria Fernanda Vomero (SP). Essa triangulação vai sondar como as suas respectivas criações são miradas por quem escreve crítica em suas regiões ou para além delas, uma vez que as realidades social, política e econômica do Brasil apresentam contrastes e convergências. A pesquisadora e docente Walmeri Ribeiro (RJ) e o ator Pedro Wagner, do Grupo Magiluth (PE), discutem sobre como exercer olhares e escutas a partir da cena remota. A crítica de teatro e jornalista Luciana Romagnolli, editora do site Horizonte da Cena (MG), medeia os desafios da análise diante dos procedimentos artísticos que emergem dos tempos atuais e abrem precedentes para uma nova ideia de presença e corpo mediado.

8


\editorial Transformações da prática e do pensar crítico

Por fim, o último episódio discute qual é o lugar da resistência na formação da crítica a partir dos olhares de Henrique Saidel (RS) e Dodi Leal (BA), artistas que radicam pesquisa, criação e docência em suas lidas cotidianas. Sob mediação da jornalista, crítica de teatro e professora Julia Guimarães (MG), os artistas prospectam de que maneira o estudo e o exercício da crítica podem implicar procedimentos de escrita e de pensares tão expandidos quanto a pulsante produção contemporânea. O programa pode ser acessado no site itaucultural.org.br ou tocado no seu aplicativo de podcasts favorito. Evoé.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

9


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Teatro de rua: arte pública que gera laços e provoca afetos

Marta Haas¹

1. Integrante da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS) desde 2001, atuou nos espetáculos de teatro de rua A Saga de Canudos, O Amargo Santo da Purificação: uma Visão Alegórica e Barroca da Vida, Paixão e Morte do Revolucionário Carlos Marighella e Caliban – a Tempestade de Augusto Boal, bem como em diversas ações e intervenções cênicas para a rua. É bacharela em filosofia e doutoranda e mestra em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com a dissertação Práticas de Resistência nas Ações Artístico-Pedagógicas dos Grupos Yuyachkani (Peru) e Ói Nóis Aqui Traveiz (Brasil) (2017).

Meu primeiro contato com a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, grupo do qual faço parte há quase 20 anos, foi assistindo a um espetáculo de teatro de rua, num domingo de verão. Era janeiro de 1999 e o Ói Nóis encenava, no Parque Farroupilha (também conhecido como Parque da Redenção), o texto A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht (1898-1956). A peça teve um atraso considerável, pois fazia um calor fora do normal até para os padrões do verão porto-alegrense e ninguém aguentaria ficar em volta da roda sob o sol escaldante. Acabou tendo início depois do previsto em outro lugar do parque, onde havia um gramado e grandes árvores, o que permitiu que o público assistisse na sombra. No fim da apresentação, os atuadores distribuíram um fôlder no qual constavam informações sobre o espetáculo. Era uma remontagem, pois já havia sido realizado na rua pelo Ói Nóis em 1987 e também marcado os cem anos de nascimento de Brecht em 1998. O fôlder falava ainda sobre a ação Caminho para um Teatro Popular, circuito de apresentações de teatro de rua que, desde 1988, o grupo realiza em praças, parques e ruas do centro e da periferia da cidade, com o objetivo de democratizar o espaço da arte e provocar a reflexão social por meio de um teatro assumidamente político. Por fim, divulgava a Oficina de Teatro Livre, que acontece na Terreira da Tribo desde 1984. Essa oficina, gratuita e sempre aberta a novos participantes, foi a porta de entrada para muitas pessoas que hoje integram o grupo, inclusive para mim. Inicio este texto contando a história de meu primeiro contato com o teatro de grupo e o teatro de rua, pois ela evidencia alguns elementos que são próprios desse teatro na América Latina. O primeiro deles é a centralidade dos grupos de teatro na realização do teatro de rua. Segundo Narciso Telles, a produção teatral de rua latino-americana, historicamente, foi e vem sendo realizada substancialmente pelo teatro de grupo. Gru-

10


pos como: Galpão, Tá na Rua, Imbuaça, Teatro Taller, Yuyachkani, Ói Nóis Aqui Traveiz, entre outros, são alguns expoentes do teatro de rua latino-americano contemporâneo. Esses coletivos, surgidos nas décadas de 1970 e 1980, foram construindo um projeto estético próprio, desenvolvendo sua pesquisa de linguagem, investigando de forma diferenciada o processo de formação de atores e as possibilidades de utilização da rua como espaço cênico. [...] são as formas grupais que majoritariamente têm contribuído historicamente para o crescimento e a ampliação da produção teatral de rua em nosso continente (TELLES, 2008, p. 29). A contribuição dos grupos para o crescimento e a ampliação da produção do teatro de rua pode ser explicada pelo aprofundamento em uma proposta estética própria, fundada na pesquisa de linguagem e na coletivização do processo de criação. Um coletivo que se projeta no tempo aponta novos caminhos diante dos impasses impostos pelo mercado. O trabalho continuado permite aprender com os erros, repensar as práticas e não se contentar com as soluções já encontradas. O processo de criação coletiva foi, pelo menos no nosso caso, o que permitiu enveredar por pesquisas tão distintas, buscando novas formas de se relacionar com o espectador no espaço público. O teatro de rua do Ói Nóis Aqui Traveiz é contemporâneo daquele produzido por outros grupos brasileiros, como o Imbuaça (fundado em 1977 em Aracaju/SE), o Tá na Rua (fundado em 1980 no Rio de Janeiro/RJ) e o Galpão (fundado em 1982 em Belo Horizonte/MG). Não por acaso, mas como parte de um processo histórico, esses grupos passaram a ocupar as ruas no período de transição democrática e de retomada das grandes manifestações sociais. As primeiras intervenções cênicas que o Ói Nóis realizou na rua foram inseridas nas manifestações em defesa da ecologia, contra o uso de energia nuclear e de caráter antimilitarista. Consistiam em cortejos ou sequência de imagens que contavam uma pequena história e se deslocavam junto com os manifestantes em marcha. Eram criados grandes bonecos que pudessem se destacar na multidão, porém muitas vezes eles e os adereços cênicos eram destruídos pela polícia, o que impedia a repetição dessas intervenções cênicas.

11


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

No meio dos anos 1980, o grupo começou a investigar formas de abordar a rua. A ação cênica que é considerada o primeiro espetáculo de teatro de rua do grupo, intitulada Teon: Morte em Tupi-Guarani (1985), era apresentada como um rito, “uma prece aos milhões de índios mortos em toda América” (ALENCAR, 1997, p. 100). Uma sequência de quadros (vida comunitária, cultura, religiosidade, contato com o homem branco, doença, escravidão e aniquilamento da cultura indígena) mostrava o processo de colonização dos povos originários. Não havia texto. Durante 30 minutos, vivenciava-se um conjunto de cantos, danças e pantomimas. O ritmo lento das ações e os gestos ampliados, aliados às enormes máscaras e indumentárias, transformavam os atores em estátuas vivas que envolviam os espectadores pela via sensorial. Esse espetáculo deu início à experiência do teatro de rua, de intervenção direta no cotidiano da cidade, que se tornou uma das principais vertentes de trabalho do grupo. Em seguida, o Ói Nóis criou uma série de encenações que percorreram ruas, praças, bairros e vilas populares da cidade de Porto Alegre. Com o intuito de contagiar e criar empatia com os mais diversos públicos, a pesquisa estética para a rua foi intensificada. Surgiram elementos como o uso de máscaras, a criação de bonecos de grandes proporções, a utilização da música, do canto, da dança e das pernas de pau. Essa foi a semente da ação Caminho para um Teatro Popular, organizada em 1988 e desenvolvida até hoje. O grupo experimentou diferentes linguagens para o teatro de rua que podem ser sistematizadas conforme o tipo de relação que estabelecem com o espectador e a forma como abordam o espaço público. O uso da linguagem ritual na rua também se deu no espetáculo Dança da Conquista (1990). Assim como em Teon: Morte em Tupi-Guarani, o choque entre os povos indígenas e os europeus é narrado por meio de ações e imagens simbólicas, praticamente sem diálogos, utilizando códigos próprios da ação ritual e trabalhando com o universo mitológico indígena, o que causou um grande impacto sensorial e emocional. Outro caminho tomado pelo grupo foi aprofundar a linguagem do palhaço, explorando técnicas próprias da comédia e do circo. Fazem parte dessa vertente as obras: A História do Homem que Lutou sem Conhecer Seu Grande Inimigo (1988), uma adaptação do texto Revolução na América do Sul, de Augusto Boal; Deus Ajuda os Bão (1991), baseado num texto do Centro Popular de Cultura de autoria de Arnaldo Jabor; e A Heroína da Pindaíba (1996), adapta-

12


Teatro de rua: arte pública que gera laços e provoca afetos

ção de O Homem que Era uma Fábrica, de Boal. Esses espetáculos trabalham com a farsa, a caricatura, a alegoria, o humor e o festivo para contar a história de personagens símbolos do povo brasileiro, como Zé da Silva e Matilda Silva da Silva, que buscam formas alternativas de sobreviver em meio à permanente crise econômica e política. Essas personagens incitavam e provocavam o público a participar diretamente da cena, reagindo aos seus comentários e pedindo sua opinião. Ainda outro caminho enveredado pelo Ói Nóis foi o da criação de uma dramaturgia própria. Nesse caso, os atuadores recorriam a fatos históricos para refletir sobre a realidade social e o cotidiano do povo brasileiro. Os atores se transformavam em saltimbancos e contadores de história que “de uma forma satírica e divertida cantam para o povo, nas ruas, o que a sociedade burguesa procura esconder: a luta de classes” (ÓI NÓIS apud FARIAS; FLORES, 2013, p. 150). Fazem parte dessa pesquisa as obras Se Não Tem Pão, Comam Bolo! (1993) e Independência ou Morte! (1995). A linguagem épica é outra vertente investigada pelo grupo, na qual os conflitos sociais são colocados em evidência, seja em narrativas históricas reais, como a Guerra de Canudos e o regime militar, seja em narrativas emblemáticas e alegóricas de nossa realidade social. O teatro épico, tal como conceituado por Bertolt Brecht, utiliza uma série de instrumentais diretamente ligados à técnica narrativa do espetáculo, onde os mais significativos são: a comunicação direta entre ator e público, a música como comentário da ação, a ruptura de tempo-espaço entre as cenas, a exposição do urdimento, das coxias e do aparato cenotécnico, o posicionamento do ator como um crítico das ações da personagem que interpreta, e como um agente da história (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASILEIRA, 2020). A pesquisa de uma narrativa épica busca, sobretudo, uma postura crítica do espectador diante daquilo que é encenado. Consideramos que utilizam essa linguagem os seguintes espetáculos: A Exceção e a Regra (1987 e 1998);

13


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Os Três Caminhos Percorridos por Honório dos Anjos e dos Diabos (1993); A Saga de Canudos (2000); O Amargo Santo da Purificação: uma Visão Alegórica e Barroca da Vida, Paixão e Morte do Revolucionário Carlos Marighella (2008); e Caliban – a Tempestade de Augusto Boal (2017). Nos últimos anos, a tribo de atuadores tomou novos rumos, buscando um diálogo com espaços de memória. Esse conceito foi concebido originalmente pelo historiador francês Pierre Nora, para quem os lugares de memória são, “antes de tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora” (NORA, 1993, p. 12-13). Ele parte do pressuposto de que não há memória espontânea, mas uma necessidade de criá-la, por meio de arquivos, aniversários, atas, celebrações, uma vez que, “sem vigilância comemorativa, a história depressa os varreria” (NORA, 1993, p. 13). Os lugares de memória visam sempre à valorização da memória coletiva. Quando estão associados a violações dos direitos humanos, a criação de um lugar de memória parte da necessidade de lidar com o legado de violência, para que esta nunca mais se repita. Onde? Ação No 2 (2011) consiste em uma intervenção cênica criada para a rua a partir da realização do espetáculo Viúvas – Performance sobre a Ausência (2011), sobre os desaparecidos políticos, na Ilha do Presídio, em Porto Alegre, um espaço de memória no qual foram encarcerados presos políticos durante o regime militar. A intervenção foi realizada em diversos espaços de grande circulação e também em lugares de memória: no Dopinha, que na década de 1960 abrigou um centro clandestino de tortura e desaparecimento em Porto Alegre, o primeiro da América do Sul; em frente ao Palácio da Polícia, onde funcionava o Departamento de Ordem Política e Social (Dops/ RS), local de tortura e assassinato; e, na Argentina, em frente à delegacia da Polícia Federal de Neuquén, também um centro clandestino de tortura e detenção; em frente ao Centro Clandestino de Detenção D2, em Mendoza; e na praça do Museu da Memória, da cidade de Resistência, onde funcionou mais um espaço clandestino de detenção, tortura e extermínio. Em todos esses lugares, a intervenção poética realizada, provocada pela ação cênica, gerou novas reflexões sobre como lidar com o legado de violência que comportam. Cito essas diferentes linguagens, essas diferentes formas de se relacionar com o espectador e diferentes abordagens do espaço público experimentadas pelo Ói Nóis para exemplificar o quão diverso pode ser o teatro de

14


Teatro de rua: arte pública que gera laços e provoca afetos

rua. Poderia citar também a pesquisa de outros grupos brasileiros e latino-americanos que enveredaram por percursos distintos, como o Imbuaça, com a literatura de cordel e as brincadeiras populares do Nordeste; o Tá na Rua, com a improvisação, a dramatização e as festas populares; e assim por diante. O teatro de rua, portanto, comporta infinitas possibilidades de investigação, e os grupos de teatro que optaram por atuar no espaço público têm se aprofundado em muitas delas. Logo, não é uma carência do teatro de rua que leva a crítica a se afastar e não refletir tanto quanto poderia sobre ele. Segundo Licko Turle e Jussara Trindade, o Teatro de Rua no Brasil nunca foi visto como um objeto de estudo de primeira categoria pela academia ou pelos historiadores do teatro brasileiro. Até o século passado era visto como uma categoria menor [...]. As escolas de teatro, a crítica teatral e a mídia pouco ou nada dedicaram à modalidade. Nos currículos dos cursos de formação do ator ou teoria teatral, ou nos das escolas de comunicação não há disciplinas que tratem das artes cênicas na rua. É como se a modalidade simplesmente não existisse (TURLE; TRINDADE, 2010, p. 27). Ser considerado uma categoria menor levou, e leva, à marginalização do teatro de rua, fazendo com que a academia, as escolas, os historiadores e os críticos teatrais não se dediquem à sua pesquisa e ao seu ensino. Isso evidencia outro elemento próprio do teatro de rua na América Latina, que também está presente na história que contei sobre meu primeiro contato com o Ói Nóis e o empenho do grupo em manter atividades formativas gratuitas e abertas a todos os interessados. São os próprios coletivos que formam os novos artistas do teatro de rua, que, por sua vez, darão continuidade a esse fazer teatral. Os grupos possuem pedagogias teatrais singulares que são transmitidas para os mais jovens por meio de suas escolas e laboratórios. A formação do ator para o teatro de rua, portanto, tem sido consequência do aprendizado grupal, que fomenta e multiplica novos coletivos. Outro elemento do teatro de rua difícil de contornar para os meios tradicionais de mídia e crítica teatral é ele não seguir tendências mercadológicas,

15


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

opondo-se a uma lógica capitalista de produção e gestão dos espaços da arte. Para pensar essas características próprias do teatro de rua, o ator e diretor Amir Haddad (1937), fundador do Tá na Rua, propõe como alternativa ao pensamento mercantilista da obra de arte a noção de arte pública. Segundo Turle (2012), o uso formal do conceito de arte pública advém das artes visuais e denota uma obra de arte inserida no espaço público que seja fisicamente acessível e que modifique a paisagem urbana. Turle retoma o artista plástico José Francisco Alves, para quem a arte pública tem duas características fundamentais: “a localização das obras de arte em espaços de circulação de público e a conversão forçada desse público em público de arte” (ALVES, 2008, p. 5). Dessa forma, quando realizado segundo essas características, também o teatro pode ser considerado uma arte pública. A arte pública, como a chamo, me deu a oportunidade de entrar em contato com minha ancestralidade. Participar de maneira clara e consciente da memória e do inconsciente coletivos. [...] Você ergue um braço na praça, faz um gesto e, de repente, a sensação de ter feito aquilo sempre. De já ter feito aquele gesto naquela ou outra praça em qualquer lugar, em qualquer parte do mundo, em qualquer parte do tempo. Um só lugar, um só momento. Todos os lugares, todos os momentos. Você nunca fez aquilo antes, ali naquele lugar. Mas o ser humano, portanto você, já fez aquilo muitas vezes, em muitos lugares, em todos os tempos. Faz parte de um patrimônio valioso da memória coletiva da humanidade, a que se pode ter acesso através das artes. Das artes que se manifestam nos espaços públicos, por meio do contato direto do artista e sua obra com a população, sem discriminação de nenhuma espécie, em todo e qualquer lugar (HADDAD, 2016). Para Haddad, o teatro de rua, como arte pública, possui a capacidade de gerar laços comunitários, pois partilha experiências de afeto e generosidade com um público absolutamente diverso. Essa partilha não é regida

16


Teatro de rua: arte pública que gera laços e provoca afetos

nem pelo mercado nem por interesses privados, mas pela necessidade de repetir um gesto que faz parte da natureza humana e que já foi repetido inúmeras vezes, um gesto que é eternamente velho e eternamente jovem, que faz parte de nossa memória coletiva e de nossa ancestralidade. Devolver ao teatro seu sentido público implica não estar condicionado por fatores privados, mas estar aberto para compartilhar experiências com toda e qualquer pessoa que se queira, sem preconceitos nem ideias predeterminadas, de forma absolutamente democrática. A arte pública radicaliza a ideia de risco contida nas artes da presença, pois torna ainda mais necessário estar aberto ao que acontece no aqui e agora. Penso que foi isso que me aconteceu quando vi pela primeira vez uma peça de teatro de rua do Ói Nóis Aqui Traveiz, a sensação de um raro e verdadeiro encontro entre os seres humanos. Apesar do sol escaldante, do mormaço, do atraso para que se buscasse um lugar mais sombreado, algo me tocou profundamente. Era a primeira vez que sentava em praça pública, junto com pessoas completamente desconhecidas, para assistir a um espetáculo criado para o espaço público. No curto intervalo de tempo que durou a apresentação, compartilhamos risadas, afetos, reflexões e indignações. Nós nos tornamos testemunhas e cúmplices de uma mesma história, acessível a qualquer um que dispusesse seu tempo para ouvi-la. Esta é a potência do teatro de rua: gerar laços e provocar afetos entre pessoas tão distintas, ressignificar nosso cotidiano e o modo como habitamos a cidade. Oxalá os grupos de teatro de rua tenham fôlego para resistir a estes tempos tão adversos e possam voltar a repetir o gesto ancestral de ocupar poeticamente o espaço público.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

17


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Referências ALENCAR, Sandra. Atuadores da paixão. Porto Alegre: Fumproarte, 1997. ALVES, José Francisco (org.). Experiências em arte pública: memória e atualidade. Porto Alegre: Artfólio e Editora da Cidade, 2008. ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASILEIRA. Teatro épico. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo617/teatro-epico. Acesso em: 27 set. 2020. FARIAS, Tânia; FLORES, Paulo (org.). Ói Nóis Aqui Traveiz: poéticas de ousadia e ruptura. Porto Alegre: Ói Nóis na Memória, 2013. HADDAD, Amir. Em defesa da arte pública. Outras Palavras, São Paulo, 2 fev. 2016. Disponível em: https://outraspalavras.net/poeticas/em-defesa-daarte-publica/. Acesso em: 27 set. 2020. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993. TELLES, Narciso. Pedagogia do teatro e o teatro de rua. Porto Alegre: Mediação, 2008. TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Teatro de rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

18


Teatro de rua: arte pública que gera laços e provoca afetos

19


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Crítica e teatro de rua: por uma contracena amorosa

Altemar Di Monteiro¹

1. Encenador e dramaturgo, é diretor fundador do Nóis de Teatro (CE), grupo atuante há 18 anos na periferia de Fortaleza. Mestre em artes pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutorando em artes da cena pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisa teatro de rua contemporâneo a partir das relações entre corpo e cidade em seus atravessamentos periféricos e raciais. É autor do livro Caminhares Periféricos – Nóis de Teatro e a Potência do Caminhar no Teatro de Rua Contemporâneo (Editora Piseagrama, 2018). 2. Disponível em: https://www. youtube.com/ watch?v=EJj4sqJ_ DBs e https:// www.youtube. com/watch?v= 6Dep-c91lSM. Acesso em: 26 jan. 2021.

“Ei, amigo... Aqui, vi sua postagem no Facebook dizendo que você odeia os críticos. Então você me odeia? Queria saber isso, porque achei que você me amava. Mas, se você me odeia, é só pra eu já ir acostumando com essa ideia aqui na minha cabeça, porque não estou muito preparado pra isso, não. Me fala depois se você me odeia, tá? Um beijo.” Esse foi o áudio de WhatsApp que recebi de um amigo crítico teatral logo após eu publicar uma frase do Amir Haddad no Facebook. A dúvida quanto ao tom de brincadeira e o toque de seriedade implicados na informação até hoje me intriga, sobretudo por eu ser um admirador de quem gravou o áudio (um grande artista e estudioso das artes da rua). Retruquei o áudio desaforado, pois quem gravou sabia que, como artista e pesquisador de teatro de rua, sempre fui afeito a trocas, debates e reflexões críticas. Desta vez, em tom de brincadeira, meu áudio dizia: “Ei, melodrama pós-contemporâneo, minha postagem não é sobre ódio, minha postagem é sobre amor. Eu digo que amo o Amir Haddad. Quem fala que odeia os críticos é o Amir, não sou eu, não”. Parece que o crítico se viu intrigado diante da possibilidade de ódio. Teria ficado constrangido pela tônica de ser ele a mira da crítica dessa vez? Após minha mensagem, o amigo sorriu, agora sem áudio, apenas com letras, dizendo: “Hahaha”. E ainda complementou: “Se saiu bem. Te amo”. Os coraçõezinhos desenhados pareciam querer me alertar que não há crítica no ódio, pareciam querer dizer que existe algo que exige uma profundidade relacional nesse olhar que se lança ao outro. Foi daí que tive que voltar à frase de Amir e assistir mais uma vez a uma entrevista dele aos estudantes da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), publicada no YouTube² em 2011. Ao comentar os prêmios que recebeu no decorrer de sua carreira, Amir, um dos principais diretores teatrais brasileiros, falava que odeia os críticos: “Eles atrasam a vida da gente. Eles são ignorantes. Eu não estou falando

20


das boas intenções, de boa intenção o inferno está cheio”. Mas não dizia isso sem proposta, sem uma ideia ao fundo, sem responsabilidade com um projeto. Sabendo da importância do exercício da crítica teatral, o diretor complementava: “Não pode ser crítico de teatro sem frequentar sala de ensaio, sem saber o que está realmente acontecendo. Você fica de fora, você fica professor de educação sexual virgem, entende? Fica chato!”. Tendo passado pela experiência de encenar no palco à italiana e haver sido premiado pela crítica especializada por isso, fico pensando no que, de fato, Amir queria dizer com essa frase. Sua saída para as ruas nos anos 1980, para “salvar a si mesmo da morte, da pasmaceira em que se via metido, em um teatro brasileiro envergonhado e acovardado, ou segregado” (HADDAD apud TURLE; TRINDADE, 2008, p. 145), parece trazer mais elementos para pensarmos no que dizia para os estudantes da CAL. Nessa mesma entrevista, Amir fala que o reconhecimento do seu trabalho, mesmo após 30 anos fazendo teatro na rua (hoje somam-se 40), ainda tem uma oficialidade maior quando se trata de produção para o palco, de tal modo que a frase do diretor do Grupo Tá na Rua (RJ) parece revelar a ausência de críticos não somente na sala de ensaio (nos modos como conhecíamos a crítica e a sala de ensaio há dez anos), mas sobretudo na própria silhueta urbana e em seus processos criativos. Onde está a crítica do teatro de rua brasileiro? Ainda vale a pena perguntar. Não foi à toa que o 8o Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre, em 2016, se ateve a pensar a relação entre a crítica de teatro produzida no Brasil e as manifestações cênicas de rua. A partir do evento, o crítico teatral Kil Abreu – em colaboração com Márcio Silveira, Michele Rolim, Renato Mendonça e Alexandre Vargas – chegou a uma espécie de “protocolo de questões”, com notas e perguntas que pudessem ser ponderadas numa análise crítica sobre o teatro de rua brasileiro. Algumas das questões que surgiram foram: Como o espetáculo se configura na rua, como ele articula esta relação com o espaço ocupado, invadido, habitado? Que implicações tem a porosidade das ruas, como o espetáculo lida com elas? Como o espetáculo lida com este ‘suporte sem bordas’ que é a geografia urbana? Como observar diante de uma cena muitas vezes “sem centro”? (ABREU, 2016).

21


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

As perguntas apontam perspectivas que denotam um olhar específico para essa produção teatral, evocando uma espécie de sensibilidade que extrapola os limites das paredes de um prédio para se lançar ao chão acidentado e deslizante das ruas. O protocolo resultante do festival não chega a afirmar se é necessária ou não a existência de uma crítica especializada em teatro de rua, questão problematizada por vozes que entendem que “teatro de rua é teatro” e defendem que não “deva existir setorização da crítica para os diferentes tipos de espetáculos”, como afirmou o ator Eduardo Moreira, do Grupo Galpão (MG). No entanto, a fala de Amir parece revelar que a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua surge de, pelo menos, duas problemáticas. Se, por um lado, é inegável que a crítica da cultura ainda siga marcada pelos paradigmas do museu e do prédio teatral como máximas fundantes do pensamento e da criação em arte – o que contribui para o crescente de “professores de educação sexual virgens”, gestores de ideias que não conseguem lidar com as ranhuras e exigências do espaço público –, por outro, no “bom meninismo” das boas intencionalidades que abarrotam céus e infernos, há quase sempre uma espécie de idealização da rua como lugar de encontro – quando não de partilha e de afeto –, o que produz incontáveis doutrinas que, “sem saber o que está realmente acontecendo”, acabam finalizando o tipo de poética e de prática possíveis de ser vivenciadas na rua. Talvez fosse diante desse duplo equívoco que Amir acabasse afirmando seu desamor aos críticos. Mas também é diante do alarme com a palavra “ódio” – e do vazio crítico que a cultura hater produz dez anos após a entrevista com Amir – que meu amigo crítico acabou gravando aquele áudio. Estou do lado dos dois, porque amo ambos. E, no meio deles, amo a rua. É por isso que, no fundo, acredito que Amir evoca esse amor que é fogo ardente, que queima e, se experimentado, pode avançar para algum tipo de “educação sexual” para a crítica teatral e para a cidade. Para tanto, é necessário comer e ser comido pela rua, devorá-la, degustá-la; é necessário mesmo vivenciá-la. Mas existiria, por acaso, alguém que não vivencie a cidade? Édouard Glissant nos lembra de que “a cidade está presente por toda parte” (GLISSANT, 2014). Inclusive aqui, agora, neste texto, ela está presente. E não digo isso por minha experiência e pesquisa com teatro de rua; falo como

22


Crítica e teatro de rua: por uma contracena amorosa

cidadão, como sujeito que vive a urbanidade e que a carrega no corpo e na escrita. Aliás, a cidade é o meu corpo, e este corpo que escreve é a minha cidade. Acontece que quase sempre vivenciamos a cidade (e o corpo) de modo funcional, sem perceber o que dela nos atravessa, move, transforma, violenta, afaga, mobiliza, agencia, incomoda, hostiliza, emancipa. Então, é na busca de reparar a ausência de rua como ressonância de um corpo pretensamente “virgem” que ouso evocar a cidade que há em nós, que convido para a escuta desse corpo-cidade que, mesmo em silêncio, manifesta sua existência. Contracenar com o teatro de rua significa exercitar um trabalho relacional com essas cidades que habitam em nós – e não apenas com o que nelas nos encanta e mobiliza, mas também com o que nos interpela e aterroriza. A rua não é cama de deleites e afagos. Como fala o crítico teatral Clóvis Domingos, ela é “barulhenta e difusa, encantadora e agressiva, acolhedora e perigosa, desigual e informe” – e parece que nunca estamos preparados para isso. Sua alma encantadora, para usar o termo de João do Rio, também é preenchida de lágrima e desespero – interminável rua da amargura! Mas, como Antígona e aquele meu amigo, nasci para compartilhar amor, não ódio. E acredito que Amir faça parte desse coro, pois é somente desse amor às cidades que pode surgir uma visão de mundo que se atém ao que nela existe de mais complexo e potente, de mais dinâmico e vivo. Somente desse “sentimento de natureza toda íntima”, desse “amor assim absoluto e assim exagerado”, parte daquele amor que não se conteve com a paixão e se colocou frente a frente “com a dor e os desprazeres, com a lei e a polícia”, somente desse tipo de “sentimento imperturbável e indissolúvel, o único que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas” (RIO, 2008), é que pode surgir uma perspectiva crítica que se alinhe com o que existe de singular na cena teatral de rua. Esse amor não se contenta com a primeira mirada, com a primeira jogada, com a superfície do que sua inteligência acredita ser “teatro de rua”, mas se inquieta com cada lance desses muitos teatros que surgem da rua, com a rua, na rua. Sendo assim, a crítica do teatro realizado no espaço público não estará em contracena com as potências da rua se não levar em consideração as múl-

23


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

tiplas possibilidades de criação e linguagens que a silhueta urbana evoca. Licko Turle e Jussara Trindade já não falam mais em teatro de rua, mas em teatros de rua, no plural, evocando tantas possibilidades de invenção e articulação de conceitos no espaço urbano: Seja em roda, performance processional ou invasão, por meio de poéticas tradicionais ou de ruptura; compreendido sob a perspectiva do épico, da cultura popular, do contemporâneo ou da arte pública, o teatro de rua irá propor ao habitante comum da cidade converter-se em público de arte ao mergulhar numa dimensão imaginária capaz de fazê-lo transcender os limites usuais do cotidiano e descobrir, nessa experiência, novos modos de reapropriação da cidade (TURLE; TRINDADE, 2016, p. 44). Muitos são os teatros de rua da cidade contemporânea. Muitas são as possibilidades de reintegrarmos a posse da cidade que habita em nós, de a percebermos por outros ângulos e perspectivas, de habitarmos com ela outras articulações do sensível e do inteligível como territórios de disputa e invenção de mundos. Sendo essas possibilidades tão amplas, qual seria a singularidade desse teatro feito na rua? O que o diferencia do teatro feito em outro espaço qualquer? Talvez seja essa a principal pergunta tecida pelos que não acreditam na necessidade de uma crítica teatral especializada no teatro de rua. Bom, a necessidade de uma crítica a resultados e processos que somente se instalam numa praça, sem nenhum princípio de diálogo com as dinâmicas contingentes e inesperadas da rua, é relevante e verdadeira; mas quem é que pode medir o grau dialógico de uma produção no espaço público? Quem pode definir o que de fato é diálogo e escuta numa relação? Seria fácil deixar essa pergunta recair no relativismo negligente e permissivo, sem o rigor exigido para a construção de um pensamento crítico sobre o teatro de rua, mas é somente longe das idealizações e das iniciativas que institucionalizam a cidade como um “lugar de encontro” – perspectiva romantizada sobretudo pelas dinâmicas do turismo – que poderemos reconhecê-la como um “lugar inóspito” (CARREIRA, 2020, p.

24


Crítica e teatro de rua: por uma contracena amorosa

5), território de disputas e violências múltiplas. Tendo consciência da inospitalidade envolvida nos infindáveis jogos de poder que se movem no espaço urbano, talvez seja possível dizer que não há teatro que, circunscrito à silhueta urbana, passe inerte pelos atravessamentos e pelas violências da rua. Sendo assim, se a busca for por saber o que é medular no teatro de rua contemporâneo, a atenção crítica precisa se voltar – mais do que para os materiais e objetos mobilizados para uma ação cênica – para o guia ético que se articula com essa produção. Já não se pode deixar de levar em consideração que hoje o espaço privado pode muito bem vestir o disfarce de público, e que é fácil deixar o que é público cair nas mãos da lábia sedutora do privado, a depender das formas de composição com ele e a consequente tradução desse gesto em obra. Então, mais que a velha disputa entre “teatro de rua” e “teatro na rua”, vale a pena nos intrigarmos com quais cidades estão sendo imaginadas e produzidas com a ação estética (e sempre política) vivenciada na e com a rua. A rua é entendida não como um espaço diferente de nós mesmos, mas como um duplo, como reflexo contínuo implicado na dinâmica de composição e decomposição daquilo que somos. É por isso que a cidade e seus teatros precisam ser pensados a partir de uma radicalidade da noção de “relação”, dessa “relação amorosa” que, como João do Rio disse, flerta com a rua se lançando à sua alma encantadora. Mas essa relação só terá profundeza na vertigem do desencanto como força positiva, na insistência de ter percebido o defeito e ainda assim persistir amando. Daí a necessidade de um flerte que não se contente com a primeira vista ou a primeira paquera, mas vá a fundo até chegar ao seu ponto culminante: um amor dessublimador. É desse amor não sublime que há de emergir uma visão crítica que atente para os modos como os teatros de rua transformam as cidades, o que deles surge de composição do mundo e o que desse gesto repercute na própria visão crítica. É nesse momento que produziremos uma “contracena” da crítica como uma relação, como uma atitude que deriva sempre dessa relação, como lembrava Kil Abreu no protocolo de questões de Porto Alegre. Os teatros de rua, propondo novos modos de reapropriação da cidade, compõem também outras cidades, sempre em movimento, nunca fixas. “Não há cidade prévia ao acontecimento”, suspira em meus ouvidos a pesquisadora Daniela Félix Martins, lembrando que a questão da apreensão da cidade (e do espetáculo teatral que habita sua silhueta) passa pela localiza25


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

ção de quem a percebe e pelas associações que fabrica. Por consequência, apreender a cidade e seus teatros de rua se transforma em um processo de fabricação da cidade, ou seja, “já não mais um fato, mas uma composição” (MARTINS, 2020). Pensando dessa forma, a rua, como categoria inventada pela modernidade e pelo avanço do capitalismo industrial, não passaria de mais uma dessas forças em composição com o mundo, que nós, artistas, escolhemos como território do acontecimento de fundação da vida. Diferentemente do que o cosmopolitismo contemporâneo irá desejar, a rua não é uma instância fixa nem sequer durável; estará sempre em condição de impermanência e mudança, em relação direta com as forças geológicas, políticas e culturais que se desenham no continuum da história: dinâmicas inelutáveis, resultantes da própria forma com a qual temos tecido nossas cidades. Pensando alto, a ideia de cidade talvez seja mesmo uma das maiores violências inventadas pelo homem. Sendo assim, se é verdade que nossos corpos são formatados pelas cidades e que elas também se constituem por esses corpos ambulantes, é necessário, na linha de Henri Lefebvre, atentar para uma atitude que esteja “contra a rua”, mas que, de modo sorrateiro, também se reveja “a favor dela” (LEFEBVRE, 2008). Será necessário reconhecer tal movimento implicado nesse “amor dessublimador”. É no contraste com o que tem um único dono, com a segurança estabelecida pela estrutura privada, que a rua ainda indica uma experiência de mundo muito mais emancipada em relação a todas as estruturas de servidão que condicionam nossa experiência de cidade. E isso a crítica teatral, seja ela qual for, não terá como negar. A tarefa da crítica teatral interessada nesse mover constante de composições mútuas – e consciente de que também sua atitude é parte implicada nessa infindável fabricação de mundos – talvez consista em sondar as linhas de força desses processos de composição, apresentando à vida pública os fragmentos dessas cidades que, por ora, emergem na efemeridade do acontecimento, na instantaneidade do encontro teatral. Isso requer uma compreensão de que essa composição não é parte isolada do que ali acontece, mas resultante de um processo: também é fragmento de temporalidades embaralhadas. Talvez seja por isso que Amir reivindique uma crítica que não se contente em habitar apenas o acontecimento

26


Crítica e teatro de rua: por uma contracena amorosa

vivido, mas se interesse também pela sala de ensaio. Quem sabe assim seja possível garantir “um movimento amplo e constante entre o geral e o particular, a análise e a síntese, a informação e o juízo de gosto, o significado histórico do conjunto, da época, e o trabalho singular dos artistas” (ABREU, 2020). E esse movimento até já acontece, acredito. Talvez as oficialidades é que ainda não o tenham percebido – como Amir falava em 2011. É na rua mesmo, na hora do espetáculo, nos bares, nas esquinas, sentado numa calçada, na oralidade ou nos áudios de WhatsApp, que esses saberes se fundam e circulam, compondo cidades que o poder instituído nem sequer consegue imaginar. O cenário da produção cultural brasileira de rua cresceu muito na última década, e uma grande quantidade de pesquisas artísticas e acadêmicas tem fertilizado esse “estado da arte”, formando uma extensa gama de artistas, pensadores e pensadoras sobre a cena teatral que se enreda ao espaço público: saberes altamente especializados. Até quando continuaremos negando essas produções e legitimando somente as produções intelectuais e estéticas que se circunscrevem aos limites dos palcos ou, no máximo, dos “espaços alternativos”? Licko Turle e Jussara Trindade falam que esse “comentarista” do teatro de rua poderia bem ser um artista pesquisador que, “utilizando o conhecimento adquirido pela experiência prática e também pelo estudo, tentaria aprofundar as questões que movem o teatro de rua” (TURLE; TRINDADE, 2010, p. 71). Podemos ir além e afirmar que talvez seja a hora de não só reconhecer a extensa produção teatral que acontece nas ruas deste país, mas também de olhar a fundo e aprender com os saberes e as construções altamente especializados desses fazedores e de seus públicos, táticas que nascem e circulam nas invisibilidades desse amor às cidades. E então afirmar, com rigor e serenidade, que talvez seja a rua mesmo nossa principal, mais sensível e radical escritora crítica.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

27


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Referências ABREU, Kil. Observatório do chão para cenas de rua. Teatrojornal – Leituras de Cena, 1 nov. 2016. Disponível em: https://teatrojornal.com.br/2016/11/observatorio-do-chao-para-cenas-de-rua. Acesso em: 28 set. 2020. CARREIRA, André. Cidade espaço inóspito: território do teatro de invasão. Urdimento, Florianópolis, v. 2, n. 38, ago./set. 2020. DOMINGOS, Clóvis. Seis vaga-lumes à procura de uma cidade. Horizonte da Cena, 21 jun. 2017. Disponível em: https://www.horizontedacena.com/seisvagalumes-a-procura-de-uma-cidade/. Acesso em: 28 set. 2020. GLISSANT, Édouard. O pensamento do tremor. (La cohée du lamentin.) Juiz de Fora: Gallimard/Editora UFJF, 2014. LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. MARTINS, Daniela Félix. Pensar e fazer cidades: composições performáticas e a emergência do espaço público. Revista Desenvolvimento Social, PPGDS/Unimontes/MG, v. 26, n. 1, jan.-jun. 2020. MOREIRA, Eduardo. Um espetáculo deve ser sempre avaliado pelos mesmos critérios e críticos? Jornal de Teatro, 25 abr. 2012. Disponível em: http://www.jor naldeteatro.com.br/materias/colunas/199-um-espetaculo-deve-sempre-seravaliado-pelos-mesmos-criteriose-criticos.html. Acesso em: 28 set. 2020. RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Crítica... ou comentário teatral. In: TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Teatro de rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

28


Crítica e teatro de rua: por uma contracena amorosa

TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Tá na rua: teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel. Rio de Janeiro: Instituto Tá na Rua para as Artes, Educação e Cidadania, 2008. p. 145. TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Teatro(s) de rua do Brasil: a luta pelo espaço público. São Paulo: Perspectiva, 2016.

29


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

A crítica e o teatro de rua: um olhar

Lindolfo Amaral¹

1. Membro do grupo Imbuaça (SE) desde 1978, desenvolve diversos trabalhos como ator e educador pedagógico, além de ser responsável pelo curso de formação de atores do grupo. Tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em artes cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Já ministrou cursos de teatro em diferentes estados. É membro da Academia de Letras de Aracaju (ALA).

No momento em que a população mundial se viu obrigada a ficar isolada e as manifestações artísticas foram suspensas por causa da pandemia que assolou do Oriente ao Ocidente, o teatro, uma das manifestações artísticas que têm caráter social, político-ideológico e de resistência, foi paralisado, independentemente do seu espaço de ocupação. É a paralisação de nosso ato tão importante que nos faz refletir sobre a vida e a sociedade, que expõe a diversidade cultural dos seres humanos, que propicia a análise das perspectivas do mundo na sua plenitude e complexidade; é diante desse momento histórico que uma questão é apresentada para um diálogo, um debate, uma conversa informal ou mesmo uma reflexão: a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua. Então, vamos conversar? Podemos dialogar sobre vários aspectos em torno do teatro de rua e do olhar da crítica sobre os espetáculos e seus processos de montagem: as diferentes formas de ocupação do espaço urbano; a pesquisa de linguagem; a estética dos grupos; a diversidade dramatúrgica; as questões ideológicas que envolvem a arte pública; a resistência dessa prática artística, entre outros temas. Existe uma infinidade de questões que, às vezes, são abordadas na análise de um espetáculo, mas aqui enfocaremos o olhar da crítica sobre o teatro de rua e – por que não? – o olhar do teatro de rua sobre essa crítica do seu fazer. Assim, vale pontuar que este texto é híbrido – afinal, transita entre o coloquial e o acadêmico. O olhar sobre o lugar da fala leva a refletir sobre as práticas desenvolvidas ao longo dos últimos 43 anos por um artista que é também ator/diretor, professor/pesquisador e acompanha as atividades de vários grupos brasileiros. O olhar é dialético, memorialista, quase simbiótico, pois faz e vê a cena. Esse olhar está fora e dentro do espaço sobre o qual os críticos se debruçam para analisar o ato cênico. A crítica teatral tem servido de mediadora entre o espetáculo e o público; contudo, é também objeto de estudo de vários pesquisadores, além de servir de balizamento para avaliação dos espetáculos pelos seus fazedores. Alguns diretores de teatro reprovaram determinadas análises e chegaram até a desaprovar a

30


presença de alguns críticos na plateia de seus espetáculos. Registro aqui esse fato para que se possa vislumbrar a relação entre os artistas e a crítica em alguns momentos da história do teatro brasileiro. Não foi, claro, a crítica a um espetáculo de teatro de rua que fez um diretor tomar uma atitude intempestiva e radical, pois esse espaço, tão precioso e democrático, acolhe a todos indistintamente. Vamos comentar, inicialmente, a rua como espaço transitório, aberto e cheio de possibilidades, inclusive inusitadas. Esse espaço físico serve de palco para diferentes ações artísticas e também serviu e serve de inspiração poética: Caminho por uma rua que passa em muitos países. Se não me veem, eu vejo e saúdo velhos amigos (DRUMMOND, 1948). Peço licença ao nosso grande Carlos Drummond de Andrade para tomar de empréstimo a sua poesia “Canção Amiga”, em que vislumbra a rua como espaço de infinita diversidade e cheio de simbolismo: é um local social, de encontros transitórios e afetos, e que possibilita a transgressão quando ocorrem cenas extras ao seu cotidiano, como as apresentações da arte pública – o teatro! Pois bem, o poeta caminha por uma rua que passa em muitos países. Nesse caminhar, ele se depara com a multiplicidade de culturas, expressões e cores e com saudações de amigos que transitam no espaço. Os encontros e as despedidas fazem parte dessa atmosfera, assim como o inusitado. É exatamente esse espaço aberto e público, no sentido coletivo, ao qual todos têm acesso indistintamente, que o teatro transforma em palco. Quer seja noite, quer seja dia, ao conectar-se com as suas raízes milenares, o teatro retorna ao seu ponto de origem: a rua, como bem sintetizou Amir Haddad: A saída para a rua nos levou ao encontro das origens do teatro, do que pensávamos e sentíamos ter existido antes da captação da linguagem teatral pela burguesia, no início dos tempos modernos – período em que se insta-

31


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

lou a hegemonia da Razão – rompendo (mais nitidamente, ao menos) o equilíbrio corpo/ mente e em que a fala passou a ter mais força. Caminhamos assim, em direção ao resgate de uma história do teatro que não é contada nos manuais: a do teatro popular; em direção ao resgate do popular que existe em cada um de nós (HADDAD, 2005, p. 66-67). O ator e diretor Amir Haddad, fundador do grupo Tá na Rua (RJ), leva-nos a refletir sobre o percurso histórico do teatro e o seu retorno ao espaço de origem. Ele também chama a atenção para a ausência de toda uma tradição do teatro popular nos livros sobre a história do teatro brasileiro. São poucos os trabalhos que registram ou analisam a diversidade dos autos populares como representação teatral – reisados, guerreiros, cheganças, naus catarinetas, marujadas, cavalhadas, entre tantas outras manifestações que estão a ocupar as ruas e praças das diferentes regiões do país. Às vezes, são observadas como grupos folclóricos, de forma pejorativa, discriminatória e preconceituosa, quase como um ato menor, sem o seu devido reconhecimento. Talvez isso ocorra por desconhecerem a importância dessas manifestações e o seu conteúdo dramático. É fato: sempre que se fala em teatro popular, de caráter folclórico, o olhar volta-se para o Nordeste como o berço ou a região que guarda até hoje, em pleno século XXI, o maior número de grupos de diferentes origens. Como bem disse o cearense Oswald Barroso na Mostra Paulista de Dramaturgia Nordestina, realizada no Centro Cultural São Paulo (CCSP) no período de 4 de novembro a 3 de dezembro de 2008, sob a curadoria do saudoso Sebastião Milaré: A lista dessas manifestações cênicas inclui o auto do congo e seus derivados (maracatus, quilombos, congadas, reisados do congo, taieiras, etc.), a folia de reis e os diversos reisados (reisados de couro, de careta, de bailes, de caboclos, etc.), os ranchos de animais, entre eles os bois com suas variações (bois, de reis, de mamão, bumba-meu-boi, etc.), as marujadas, sejam de guerra sejam aventuras marítimas, com suas vá-

32


A crítica e o teatro de rua: um olhar

rias denominações (barca, chegança, fandango, nau catarineta), as lapinhas, presépios e pastoris, os dramas de quintal e de circo, as contradanças (quadrilhas, caninha verde, reis de bailes, etc.), as danças de roda (samba de roda, coco, maneiro-pau, torém, dança de São Gonçalo, caboclinhos), a dança narrativa das bandas cabaçais, o teatro de mamulengo, a performance dos contadores de história, dos cantadores, dos camelôs e vendedores de cordel, os cortejos e rituais das procissões, das irmandades de penitentes e romarias católicas, os rituais dos catimbós, candomblés, de umbanda e de outras religiões populares, as expressões do carnaval e outras festas de rua, etc. (BARROSO, 2008, p. 20.). Ao observar o painel apresentado por Barroso, percebe-se que as manifestações populares têm diferentes origens: indígena, portuguesa e africana. Por sua vez, o caráter pode ser sagrado, quando está vinculado ao aspecto religioso, ou profano – o que não deixa de ser uma desvinculação das questões formais relacionadas ao espírito religioso. Mas o que chama atenção é a grande quantidade de expressões artísticas do espectro teatral. As viagens do pesquisador e autor Mário de Andrade pelo interior do Nordeste brasileiro propiciaram o registro cuidadoso de algumas dessas manifestações, publicado após o seu falecimento com o título Danças Dramáticas do Brasil. Tal enunciado nos leva a pensar sobre o conceito do “dramático” nos autos medievais e em toda uma herança que desembarcou em nosso solo por meio da colonização portuguesa. Aqui, essas expressões artísticas adquiriram características próprias, pois o povo as transformou de acordo com a dinâmica social e suas referências culturais, mantendo-as vivas até hoje. E ocupam as ruas e praças com uma força que nunca seca, influenciando uma série de trabalhos artísticos, pois servem de inspiração para uma infinidade de grupos de teatro,² como o Imbuaça (SE), um dos mais antigos grupos de teatro de rua do Brasil, fundado em 27 de agosto de 1977 a partir da experiência do Teatro Livre da Bahia, desenvolvida no período de 1977 a 1982. Os sergipanos optaram por desenvolver uma pesquisa de linguagem a partir das raízes populares encontradas em seu estado, dada a grande quantidade de manifestações existentes na capital e no interior.

2. Vale lembrar o trabalho desenvolvido pelo diretor italiano radicado na Dinamarca Eugenio Barba, que, em 1994, dirigiu o ator e bailarino Augusto Omolú no espetáculo Otelo, cuja construção das cenas foi fundamentada na dança dos orixás. O trabalho foi objeto de estudo de dissertação da pesquisadora Julianna Rosa de Souza. Disponível em: https://perga mumweb.udesc.br/ biblioteca/index. php. Acesso em: 17 fev. 2021.

33


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

3. O projeto surgiu na segunda metade da década de 1970 e teve como objetivo propiciar apresentações, no Rio de Janeiro e em São Paulo, de espetáculos de diferentes regiões do Brasil. Em seguida, foi ampliado para as cidades de Belo Horizonte e Brasília. Segundo Orlando Miranda, presidente do SNT: “A ideia do Mambembão surgiu não só da constatação da necessidade de criar uma comunicação entre as realizações dos Estados com as plateias do Rio e São Paulo, como também dos pedidos cada vez mais insistentes dos grupos das diversas regiões do país” (Revista de Teatro, número especial, jun. 1978).

Foi no Mercado Municipal localizado no centro de Aracaju que dois poetas populares que comercializavam folhetos da literatura de cordel serviram de fonte para a pesquisa dramatúrgica: Manoel d’Almeida Filho e João Firmino Cabral. Afinal, os primeiros espetáculos do Imbuaça foram compostos de adaptações dos folhetos populares em verso, assinados por João Augusto, Antônio do Amaral e Bemvindo Sequeira. As músicas e as danças dramáticas provenientes dos reisados, guerreiros, cheganças e taieiras foram inseridas no cortejo, no início dos espetáculos e nos entremeios dos folhetos encenados. O público se identificava com as apresentações, aproximava-se da roda e fazia um grande círculo em torno dos atores e músicos. Assim nasceu o espetáculo Teatro Chamado Cordel, cuja estreia ocorreu em 1978 em Aracaju, logo passando a circular pelo interior do estado e pelo Nordeste brasileiro. A repercussão foi imediata, pois surgiram vários convites para apresentações em festivais, assim como vários grupos de teatro a partir dessa experiência do Imbuaça, como Alegria, Alegria (RN), Estandarte (RN), Quem Tem Boca É pra Gritar (PB) e Joana Gajuru (AL). Em 1983, o grupo participou do Projeto Mambembão, do Serviço Nacional de Teatro (SNT)³, com esse espetáculo, que era composto dos textos O Matuto do Balaio de Maxixe, folheto de José Pacheco adaptado por Antônio do Amaral; A Moça que Bateu na Mãe e Virou Cachorra, folheto de Rodolfo Coelho Cavalcante adaptado por Bemvindo Sequeira; e O Malandro e a Graxeira no Chumbrego da Orgia, vários folhetos adaptados por João Augusto. O Imbuaça realizava um pequeno cortejo, com seus figurinos coloridos, cheios de fitas, e com um estandarte que identificava o grupo. Chegava ao local previamente escolhido, abria uma grande roda e continuava a cantar e a dançar até o público se aproximar. Nesse momento, dava início à apresentação dos textos, que eram intercalados com músicas e danças dramáticas, frutos da pesquisa de linguagem desenvolvida pelos atores. A obra foi apresentada em vários logradouros das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, tendo sido o primeiro contato do Imbuaça com a crítica. Como foi a visão da crítica sobre o primeiro espetáculo de teatro de rua a participar do Projeto Mambembão? Dois críticos assistiram à apresentação: Macksen Luiz, do Jornal do Brasil, e Tania Brandão, do jornal Última Hora, duas grandes referências para o teatro brasileiro – e não só na área crítica, mas também como curadores de festivais e mostras de artes cênicas. Tania

34


A crítica e o teatro de rua: um olhar

Brandão, além disso, dedicou grande parte de sua vida ao ensino do teatro. Vejamos como ela analisou o espetáculo: O Brasil-da-Peste andou provando neste jornal que vida de pobre pode ser esfuziante ato de crença no próprio poder da vida. Pode ser questão de inteligência, portanto. Pobre tem distância (consciência) das situações do dia-a-dia. Para nelas pensar. Então, mostrar a vida do pobre para que os humanos nela se identifiquem significa atribuir-lhe esta universalidade. Significa mostrar o ato de viver como consciência de situações. Mostrar como o pobre vive significa mostrar a força de vida comum a todos os homens que ali, no dia-a-dia, está presente. Como sensibilidade ou inteligência (BRANDÃO, 1982, UH – Revista, p. 4). Inicialmente, o olhar da crítica pontua as questões que povoam a atmosfera da cena e a localização geográfica do grupo como referência para a concepção do trabalho, numa visão sociológica, ao perceber a origem cultural das personagens e dos atores que ocupam o espaço cênico. Nesse contexto, estão nas entrelinhas os conteúdos dos textos apresentados. Basta observar O Matuto com o Balaio de Maxixe, do poeta paraibano José Pacheco. Seu folheto expõe a vida de um vendedor de banana e maxixe em uma feira livre. A linguagem foi elaborada com palavras de duplo sentido, com o objetivo de arrancar o riso da plateia sem muito esforço, numa ação espontânea. Mas há ainda outra questão que atravessa a cena, quando o fiscal vem cobrar o imposto do espaço físico ocupado pelo vendedor. O debate entre as duas personagens expõe a consciência do explorado diante do explorador, representado pelo fiscal na cena. É por meio do riso que José Pacheco optou por mostrar situações do cotidiano, numa perspectiva de chamar atenção ou provocar a reflexão na plateia de forma sutil e inteligente. Tania Brandão não analisa o conteúdo dos textos que foram apresentados, não entra em detalhes, mas observa o que tem de comum em todo o espetáculo e chega a registrar uma questão sobre a rima, uma das características da literatura de cordel:

35


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Mas vale a pena parar para olhar a singela comemoração do ato de viver que o grupo oferece. A proposta é inteligente. Nas praças, ao ar livre, a identificação deverá ser maior e até deverá permitir a participação popular. Apesar de o verbo cantado e rimado, do cordel, ser um limite, pois a prática oral da poesia não é familiar ao carioca (BRANDÃO, 1982, UH – Revista, p. 4). Conceber textos dramatúrgicos a partir dos folhetos da literatura de cordel tornou-se conhecido nacionalmente a partir do Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna. Vários autores investiram nessa mesma fonte inesgotável, entre eles Chico de Assis (SP), Racine Santos (RN), José Mapurunga (CE), Francisco Pereira da Silva (PI) e João Augusto (RJ). O Imbuaça, ao longo dos seus 43 anos de atividade, construiu uma identidade cênica a partir dessa linha dramatúrgica e de outras manifestações populares. O público tem recebido os espetáculos com muito entusiasmo e observa de imediato essa característica nos trabalhos do grupo. Isso, para os seus integrantes, é algo extremamente importante, pois há uma conexão cultural. É claro que, às vezes, a crítica não consegue mergulhar nos aspectos antropológicos da cena, nas questões que fundamentam a pesquisa de linguagem de determinados grupos. Sem levar em consideração dados quantitativos, vale observar que a crítica se torna mais presente nos espaços fechados, ou melhor, nos teatros convencionais, pois, além de ser uma questão de tradição, ver um espetáculo de teatro de rua retira o indivíduo de sua zona de conforto. Para os artistas de rua, porém, é muito importante a presença de um olhar abalizado, daquele que vê a cena com a preocupação de analisar detalhadamente todos os componentes do espetáculo. George Moura, em seu livro Paulo Francis – o Soldado Fanfarrão, para definir a crítica, convocou o artigo de Helen Gardner intitulado “A profissão de um crítico”: [...] a Crítica é a filha mais velha do Labor e da Verdade, entregue ao nascer aos cuidados da justiça e criada no palácio da Sabedoria. Ela foi nomeada governanta da Fantasia, e lhe foi

36


A crítica e o teatro de rua: um olhar

dado o poder de bater o ritmo para o coro das musas quando estas cantavam para o trono de Júpiter. Quando as musas desceram ao mundo inferior, ela os acompanhou. A justiça outorgou-lhe um Cetro, que deveria segurar na mão direita. Com este ela poderia conferir imortalidade ou esquecimento. Na sua mão esquerda ela carregava uma tocha inextinguível, feita pelo Labor e aceita pela Verdade, cuja qualidade específica era a de mostrar imediatamente todas as coisas em sua forma verdadeira, por mais que se disfarçassem aos olhos comuns (MOURA, 1996, p. 35). Pode a crítica, com sua tocha inextinguível, iluminar a cena para que todos vejam, em sua forma verdadeira e sem subterfúgios, as ações expostas e as entrelinhas que contribuíram para a sua construção? Será que ela tem o poder de transformar um espetáculo em algo imortal ou de levá-lo ao esquecimento profundo? A ela é conferido o poder do labor e da verdade? Ao trazer para o debate as funções que são atribuídas à crítica pelo olhar de Helen Gardner e George Moura, tenho o intuito de demonstrar a importância dessa atividade profissional nas artes cênicas. Na citação, as imagens levam à construção de um quadro com essa personagem poderosa, cheia de importância e responsável por dar o veredito sobre um espetáculo. As suas palavras poderão promover o crescimento de tudo aquilo que foi posto em cena ou encerrar prematuramente a temporada de um trabalho que envolve muitos artistas e técnicos. Será que a crítica realmente tem essa força em nossa sociedade? Não resta dúvida sobre a sua importância, apesar dos parcos espaços disponíveis na imprensa para o seu labor.

4. Ficha técnica do espetáculo Senhor dos Labirintos (1999), título extraído do livro de mesmo nome de Luciana Hidalgo: direção-geral de João Marcelino; dramaturgia de Maurício Arruda Mendonça; trilha original e direção musical de Danilo Guanais; cenário de Imbuaça e João Marcelino; iluminação de Denis Leão; preparação dos atores de Cacá Carvalho e Sávio Araújo; cenotécnica de Valdemar Nunes; operação de som de Antônio Santos; costureiras e bordadeiras Maurelina Santos e Antônia da Paixão; ferreiros Tonho Santos e Rosivan Carvalho. Elenco: Isabel Santos, Lindolfo Amaral, Lizete Feitosa, Moises Mota, Rivaldino Santos, Tetê Nahas e Valdice Teles.

O Imbuaça é testemunha do quanto a crítica propiciou o crescimento de sua plateia na temporada do espetáculo Senhor dos Labirintos⁴ na cidade do Rio de Janeiro, de junho até o início de julho de 1999. A primeira pessoa que chegou ao teatro para adquirir o seu ingresso no dia da estreia foi Barbara Heliodora, do jornal O Globo. Nessa mesma noite, dois outros críticos também compareceram à sessão: Macksen Luiz, do Jornal do Brasil, e Lionel Fischer, do Tribuna da Imprensa. Os olhares sobre a cena foram múltiplos e

37


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

diversificados. Os títulos já expõem a visão de cada um. A primeira crítica publicada, no dia 1o de julho de 1999, foi a de Lionel Fischer, com o título “Espetáculo maravilhoso em curtíssima temporada”. Já Macksen Luiz publicou no dia 2 de julho, sob o título “Alegres cenas de delírio”. Por último, Barbara Heliodora: “Um barco à deriva, salvo pela emoção”, no dia 4 de julho. Sem adentrar as análises que cada um fez, basta observar os enunciados para perceber o quanto a crítica vê a cena a partir de diferentes aspectos. Isso deve estar vinculado a um conjunto de fatos, à formação intelectual e cultural de cada um, que por si só já diferencia cada indivíduo. É preciso levar em consideração os referenciais teóricos e as preferências pessoais; afinal, o ser humano é provido de formação e de interesses diferenciados. O fato é que, depois das publicações, o público lotou o teatro para ver um espetáculo de rua em uma sala fechada – e a crítica não levou em consideração esse aspecto, com exceção de Macksen Luiz, que já havia assistido a outros trabalhos do Imbuaça: A introdução de folguedos folclóricos sergipanos que se misturam à narrativa permite que o grupo Imbuaça mantenha a sua linha popular, ao mesmo tempo que atende as “exigências” de comunicação de um espetáculo de rua. Ainda que nesta temporada carioca, que termina amanhã no Teatro Nelson Rodrigues, a montagem esteja sendo apresentada em palco italiano, o espetáculo tem desenho que se ajusta ao espaço público (LUIZ, 1999, Caderno B). O grupo teve que adaptar o trabalho por exigência do patrocinador, já que Senhor dos Labirintos foi concebido a partir da vida e da obra do sergipano Arthur Bispo do Rosário e no mezanino do teatro estava a exposição do artista. Macksen Luiz percebeu o desenho do espetáculo e os elementos de composição da cena que estavam relacionados à pesquisa de linguagem do grupo. O teatro de rua brasileiro cresceu muito nos últimos 40 anos. Há mais de 400 grupos espalhados por todo o país e em todas as regiões, trabalhando e ocupando o espaço urbano de diferentes formas. Alguns utilizam o espaço de uma grande roda com poucos recursos e de forma horizontal, como os grupos Tá na Rua (RJ) e Joana Gajuru (AL). Outros trabalham de

38


A crítica e o teatro de rua: um olhar

forma itinerante, sem espaço fixo, como o Teatro que Roda (GO) e a Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS). E há espetáculos que ocupam o espaço verticalmente, como nos trabalhos do Grupo Galpão (MG). Esse fenômeno, por si só, merece ser estudado com cuidado, pois, enquanto ocorre o desaparecimento de grupos tradicionais, há um crescimento na produção dos artistas de rua. As dificuldades enfrentadas são inúmeras, como falta de recursos financeiros e exigências para apresentação em determinados espaços (é necessário solicitar liberação aos órgãos públicos com bastante antecedência e, em alguns locais, cobram-se taxas exorbitantes. Existem espaços em que as apresentações não são autorizadas). Também é muito precária a circulação dos espetáculos pelo país – isso quando ocorre. Por fim, observa-se a ausência de crítica das encenações públicas, principalmente daquelas realizadas fora dos grandes eventos ou projetos institucionais. Vale lembrar que, após a estreia e o impacto causado pelo espetáculo Romeu e Julieta, do Grupo Galpão, em 1992, o olhar da crítica voltou-se um pouco mais para as apresentações do teatro de rua. Outro fato importante a ser registrado é o acompanhamento que Valmir Santos, crítico paulistano, faz dos trabalhos de vários grupos do país, entre eles o Ói Nóis Aqui Traveiz. Talvez, se tivéssemos a presença da crítica nas apresentações com maior intensidade, o olhar dos órgãos culturais e da própria sociedade sobre a arte pública poderia ser diferente. Essa afirmação acentua a importância da crítica teatral. Lamentavelmente, estamos atravessando momentos difíceis: espaços diminutos para a publicação das críticas, já que os jornais impressos estão sendo transformados em digitais, e o orçamento público da área cultural, nas esferas federal, estadual e municipal, sendo reduzido a cada ano. Não devem ser levados em consideração os recursos destinados aos grandes eventos, que acontecem, na sua maioria, em apenas três dias, enquanto no resto do ano não ocorrem ações nas periferias das cidades. A ausência do poder público é visível. A participação da sociedade civil nos debates das políticas públicas para a área da cultura tem sido vetada na esfera federal. Essas mudanças drásticas geram reflexos imediatos na produção artística e na circulação dos espetáculos. Rogamos para que os deuses e deusas protejam a todos e a arte pública sobreviva a toda essa tempestade – e ela há de sobreviver, pois a resistência é a bandeira dos grupos que acreditam

39


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

em dias melhores, no futuro que há de vir. Para concluir, cito uma canção de Nelson Cavaquinho que representa um respiro e o desejo de uma vida cheia de paz e luz:

O sol há de brilhar mais uma vez A luz há de chegar aos corações Do mal será queimada a semente E o amor será eterno novamente.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

Referências AMARAL, Lindolfo (org.). A construção da memória: Imbuaça 30 anos. Funarte/ Petrobras, Prêmio Myriam Muniz. Aracaju: J. Andrade, 2008. ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil. São Paulo: Ed. Itatiaia, 1982. BARROSO, Oswald. Cultura popular, fonte da dramaturgia. Programa da Mostra Paulista de Dramaturgia Nordestina. Centro Cultural São Paulo, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, 2008. MIRANDA, Orlando. Revista de Teatro – Sbat. Ministério da Educação e Cultura/ Serviço Nacional de Teatro, número especial, Rio de Janeiro, jun. 1978. MOURA, George. Paulo Francis – o soldado fanfarrão. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1996. SOUZA, Julianna Brígida de. A dramaturgia da dança dos orixás: reflexões sobre arte e religião na prática artística de Augusto Omolú. 2014. Dissertação (Mestrado em Teatro) – Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), 2014. Disponível em: https://pergamumweb.udesc.br/biblioteca/index.php. Acesso em: 17 fev. 2021.

40


A crítica e o teatro de rua: um olhar

TELLES, Narciso; CARNEIRO, Ana (org.). Teatro de rua: olhares e perspectivas. Rio de Janeiro: E-papers, 2005.

41


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Endereços na internet No emaranhado de algoritmos que se tornou a vida dos mortais neste planeta, achamos por bem reunir endereços na internet voltados para a prática da crítica nas áreas de circo, dança, teatro e demais variantes que instauram presença. A relação a seguir inclui fontes de pesquisa e consulta seminais para a produção de análise. São blogs, sites, revistas eletrônicas e portais que realimentam quem faz e quem frui artes cênicas (considerando-se que toda lista pressupõe lacunas). Individuais, coletivas ou institucionais, as iniciativas evidenciam uma alentada rede de espaços imbuída de registrar e pensar parte considerável das criações vindas a público em diferentes regiões do Brasil e, inclusive, no exterior. Um inventário provisório à maneira de bússola. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

42


Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

43


crítica em movimento: \A dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua

Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES CÊNICAS Gerência Galiana Brasil Coordenação Carlos Gomes Produção Felipe Sales Cocuradoria Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPÉDIA Gerência Tânia Rodrigues Coordenação Glaucy Tudda Produção Karine Arruda

44


NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação Carlos Costa Edição Ana Luiza Aguiar (terceirizada), Milena Buarque e Valmir Santos (cocurador) Produção editorial Pamela Rocha Camargo e Victória Pimentel Design Estúdio Lumine (terceirizado) Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão do português Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução para o espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado) Revisão do espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado)

45


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

46


ES

Transformaciones de la práctica __ 48 y del pensar crítico Valmir Santos Teatro callejero: arte público que __ 54 genera lazos y provoca afectos Marta Hass Crítica y teatro callejero: por un coprotagonismo amoroso Altemar Di Monteiro

__ 64

La crítica y el teatro callejero: una mirada Lindolfo Amaral

__ 74

Direcciones de internet

__ 86

Ficha técnica

__ 88

47


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

Valmir Santos1

1. Periodista, crítico y cocurador de Crítica em Movimento. Creador y editor del sitio web Teatrojornal - Leituras de Cena desde 2010. Es doctorando en artes escénicas de la Universidad de São Paulo (USP), donde también realizó una maestría en esa misma asignatura.

La fortuna crítica de una obra corresponde al campo de pensamiento que instituyó cuando se hizo pública a través de edición, grabación, escultura, pintura, presentación e interpretación. Los ocho cuadernos diseñados especialmente para la cuarta jornada Crítica em Movimento tienen el objetivo de invertir un poco esta expectativa al articular 24 textos justo en el ámbito del hacer crítico. Son visiones heterogéneas de en qué consiste y cómo se despliega en creaciones en circo, danza y teatro, con variantes para intervención y performance. Sabemos cuánto las circunstancias históricas, sociopolíticas y culturales involucran a practicantes y participantes, artistas, investigadores y, por supuesto, espectadores-lectores. Realizado anualmente por Itaú Cultural, desde 2017, el ciclo de debates aborda la recepción de las artes escénicas y el diálogo imprescindible entre público, creadores y críticos. En 2021, en este contexto difícil de la pandemia, el estímulo al pensamiento supera la imposibilidad del encuentro presencial por medio de la circulación de contenidos reflexivos en texto y podcast. Además de ampliar el acceso, se busca perpetuar las discusiones de las tres ediciones anteriores, que abordaron la práctica de la crítica a la luz de problemas del oficio e incluyeron la presentación de espectáculos. Entre los temas tratados se encuentran la precarización del trabajo en el ámbito del periódico impreso y la búsqueda de la sostenibilidad como contrapunto al mero diletantismo; el constante avance del análisis en Internet, con el deseo de reinventar el estilo; y la adopción de nuevos procedimientos e ideas en consonancia con los estudios universitarios y la inquietud de la escena brasileña contemporánea. También se abordaron las realidades sociales de sujetos marginados y anclados en la dramaturgia de Plínio Marcos, así como una selección latinoamericana y caribeña de obras y reflexiones de representantes de Argentina, Chile y Cuba. Ante el insólito escenario del año anterior, marcado por el brote global del nuevo coronavirus, una de las alternativas fue desarrollar una publicación

48


\editorial

en línea, con ocho itinerarios de escritos realizados por 25 personas del universo de las artes de la escena. Cada volumen reúne tres análisis estimulados por los siguientes temas: 1) El papel de la crítica teatral en Brasil - del periódico impreso a la plataforma digital; 2) La brecha entre la crítica y el circo; 3) Estados de la crítica de danza; 4) Espacios digitales dedicados a las artes escénicas; 5) La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero; 6) La escena militante en el contexto contemporáneo; 7) Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil; y 8) Panorama del teatro latinoamericano visto desde el puente. En este quinto cuaderno, usted sigue la reflexión en torno al tema «La dificultad de la crítica en coprotagonizar con el teatro callejero», realizada por personas familiarizadas con la creación e investigación en grupos longevos de Sergipe, Ceará y Rio Grande do Sul. El actor e investigador Lindolfo Amaral, de Imbuaça (Sergipe), hizo justicia a la vocación popular en un texto marcado por una escritura informal e informativa sobre el grupo de teatro callejero fundado en 1977. Evocó a Amir Haddad, del colectivo Tá Na Rua (Río de Janeiro), y al escritor modernista Mário de Andrade (1893-1945), quien estuvo en la expedición enviada al Nordeste y al Norte en 1938 para registrar canciones, danzas y rituales amenazados con extinción. Recordó la recepción de Senhor dos Labirintos (1999) durante la gira por Río de Janeiro, espectáculo callejero adaptado al escenario italiano, con dramaturgia basada en la vida y obra del artista plástico Arthur Bispo do Rosário, de Sergipe, fallecido en 1989. El actor también recordó a Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) y Nelson Cavaquinho (1911-1986) para reflexionar sobre la diminuta visita de la crítica a los trabajos que ocupan el espacio público. «¿Puede la crítica, con su antorcha inextinguible, iluminar la escena para que todos puedan ver, en su verdadera forma y sin subterfugios, las acciones expuestas y las entrelíneas que contribuyeron a su construcción? ¿Tendrá ella el poder de convertir un espectáculo en algo inmortal o de llevarlo al olvido más profundo? ¿Se le da el poder del trabajo y de la verdad?», preguntó Amaral. El director Altemar Di Monteiro, del grupo Nóis de Teatro (Ceará), fundado en 2002, se profundizó en el tema. Comenzó con el pensamiento de Amir

49


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Haddad y trajo fragmentos de un documento de 2016 generado durante el Festival Internacional de Teatro de Calle de Porto Alegre. En él, críticos e investigadores abordaron la falta de mediación, en los circuitos de la llamada alta cultura (periodística y universitaria), a la hora de manejar las artes escénicas que trascienden los espacios convencionales. De hecho, el autor propuso una inspirada contextualización de cómo la ciudad es cargada por cada uno que la habita, en múltiples espacios y direcciones. El texto produjo diálogos con buen humor y problematizó el pensamiento crítico del artista con conocimiento y poética ante creaciones llevadas al aire libre. «La tarea de la crítica teatral interesada en este movimiento constante de composiciones mutuas […] quizás consista en sondear las líneas de fuerza de estos procesos de composición, presentando a la vida pública los fragmentos de estas ciudades que, por ahora, emergen en lo efímero del acontecimiento, en lo instantáneo del encuentro teatral. Esto requiere entender que esta composición no es una parte aislada de lo que allí sucede, sino el resultado de un proceso: es también un fragmento de temporalidades mezcladas. Quizás por eso Amir reclama una crítica que no se contente con habitar solo el acontecimiento vivido, sino que también se interese por la sala de ensayo. Quizás así sea posible garantizar un amplio y constante movimiento entre lo general y lo particular, el análisis y la síntesis, la información y el juicio de gusto, el significado histórico del conjunto, de la época y el trabajo singular de los artistas», ponderó Di Monteiro. Miembro de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul), la actuadora e investigadora Marta Haas planteó la historia y afinidad del grupo con el teatro callejero y expuso la brecha de la cobertura crítica y la falta de adhesión a esta modalidad en los entornos de estudios de grado o posgrado. En su escrito convocó a otros grupos del país surgidos durante la transición de la dictadura civil-militar (1964-1985) a la llamada redemocratización y destacó que el teatro callejero es, por su naturaleza, antimercantilista. No sin razón, la investigación de la narrativa épica busca, ante todo, una postura crítica del espectador frente a lo que se escenifica. «Menciono estos diferentes lenguajes, estas diferentes formas de relacionarse con el espectador y los diferentes abordajes al espacio público vivi-

50


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

dos por Ói Nóis para ejemplificar lo diverso que puede ser el teatro callejero. También podría mencionar la investigación de otros grupos brasileños y latinoamericanos que han tomado caminos diferentes, como Imbuaça, con la literatura de cordel y los juegos populares del Nordeste; Tá na Rua, con la improvisación, la dramatización y las fiestas populares; etc. El teatro callejero tiene, por lo tanto, infinitas posibilidades de investigación y los grupos de teatro que han optado por actuar en el espacio público han profundizado en muchas de ellas. Por lo tanto, no es la falta de teatro callejero lo que hace que la crítica se aparte y no reflexione tanto como podría sobre él», razonó Marta. Touché. Los demás escritos presentes en la publicación en línea están firmados por la actriz Alice Guimarães, del Teatro de Los Andes (Bolivia); la actriz y especialista en circo Alice Viveiros de Castro (São Paulo); el artista-investigador y profesor chileno residente en Fortaleza Héctor Briones (Ceará); la profesora, productora y gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); la actriz e investigadora teatral Camila Scudeler (Colombia); el periodista y crítico de danza Carlinhos Santos (Rio Grande do Sul); el artista transdisciplinario y crítico de danza Daniel Fagus Kairoz (São Paulo); el actor y crítico de teatro Diogo Spinelli, del sitio Farofa Crítica (Rio Grande do Norte); la profesora e investigadora de circo Erminia Silva, en conjunto con el investigador Daniel de Carvalho Lopes, ambos del sitio web Circonteúdo (São Paulo); el actor, director y profesor de teatro Edson Fernando, del sitio web Tribuna do Cretino (Pará); la directora Fátima Pontes, coordinadora ejecutiva de la Escola Pernambucana de Circo (Pernambuco); el actor y director Fernando Cruz, del Teatro Imaginário Maracangalha (Mato Grosso do Sul); la periodista y crítica de teatro Ivana Moura, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); el director Luis Alonso-Aude, del grupo Oco Teatro Laboratório y del Festival Internacional Latinoamericano de Teatro de Bahia (FilteBahia/BA); el pedagogo, crítico de teatro e investigador Luvel García Leyva (Cuba); la actriz y agitadora cultural Nena Inoue (Paraná); la directora y dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, del Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (Bahia); la periodista y crítica de teatro Pollyanna Diniz, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); el crítico de teatro y periodista Macksen Luiz (Río de Janeiro), que actuó en el periódico Jornal do Brasil (1982-2010), colaborador de O Globo (2014-2018) y creador de un blog de críticas con su nombre (2011); la investigadora de danza, bailarina y profesora Rosa Primo (Ceará); y la artista-investigadora y profesora Walmeri Ribeiro, del proyecto Territórios Sensíveis (Río de Janeiro).

51


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Como se ve y se lee, es una producción textual que pretende ser geográfica e ideológicamente no hegemónica. Se vuelca sobre el hacer crítico, sus potencias y sus dificultades en esta época de la historia de Brasil, en la que las ya insuficientes políticas públicas para las artes y la cultura enfrentan ataques beligerantes. Escucha activa En simbiosis con los cuadernos, el podcast Crítica em Movimento convoca al público en general a activar la escucha reflexiva a través de cinco episodios. Cada uno de ellos plantea una pregunta a los invitados. En el primero, Macksen Luiz y la crítica de teatro, investigadora y artista Daniele Avila Small, de Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos actuantes en Río de Janeiro y de diferentes generaciones, responden a la pregunta: «¿Cuáles son los enfrentamientos de la práctica de la crítica teatral actuales?». El tema recorre la precarización del trabajo remunerado, la migración del hacer crítico a la Internet y cómo ampliar la conversación con públicos, artistas y gestores culturales, con la mediación del periodista y crítico de teatro que escribe estas líneas. En el segundo episodio, la investigadora, artista y profesora Lourdes Macena (Ceará) y el actor y director Rogério Tarifa (São Paulo) se dedican al tema: «¿Cómo se relaciona la crítica con la noción de lo popular en las artes escénicas?» Con la mediación del investigador y profesor Diógenes Maciel (Paraíba), se trata de un diálogo sobre la recepción de expresiones culturales que emanan del pueblo, muchas veces en oposición al conocimiento formal, las normas y las ambiciones de los poderes políticos y económicos que están en juego en la sociedad. «¿Cuál es la percepción de quienes crean acerca del trabajo de la crítica?» - este es el tema del tercer episodio. Para contestarlo, se escuchó a artistas de colectivos escénicos entre los más longevos del país: Tânia Farias, de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul), fundada en 1978, y el dramaturgo y director Edyr Augusto Proença, del Grupo Cuíra (Pará), graduado en 1982. Como mediadora, la investigadora, artista de performance y periodista Maria Fernanda Vomero (São Paulo). Este trío discutirá cómo sus respectivas creaciones son vistas por quienes escriben crítica en sus regiones o fuera de ellas, teniendo en cuenta que

52


\editorial Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

las realidades social, política y económica de Brasil presentan contrastes y convergencias. La investigadora y profesora Walmeri Ribeiro (Río de Janeiro) y el actor Pedro Wagner, del Grupo Magiluth (Pernambuco) discuten «¿Cómo mirar y escuchar desde la escena remota?». La crítica de teatro y periodista Luciana Romagnolli, editora del sitio web Horizonte da Cena (Minas Gerais), media los desafíos del análisis frente a los procedimientos artísticos que emergen en la actualidad y sientan precedentes para una nueva idea de presencia y cuerpo mediado. Finalmente, en el último episodio se analiza «¿Cuál es el lugar de la resistencia en la formación de la crítica?», desde la mirada de Henrique Saidel (Rio Grande do Sul) y Dodi Leal (Bahia), artistas que manejan la investigación, la creación y la docencia en su vida cotidiana. Bajo la mediación de la periodista, crítica de teatro y profesora Julia Guimarães (Minas Gerais), los artistas exploran cómo el estudio y el ejercicio de la crítica pueden abarcar procedimientos de escritura y pensamiento tan expandidos como la palpitante producción contemporánea. Se puede acceder al programa en el sitio web itaucultural.org.br o reproducirlo en su aplicación de podcast favorita. Evoé.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

53


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Teatro callejero: arte público que genera lazos y provoca afectos Marta Hass¹ 1. Miembro de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul) desde 2001, actuó en los espectáculos de teatro callejero A saga de Canudos, O amargo santo da purificação: uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella e Caliban – a tempestade de Augusto Boal, así como en diversas acciones e intervenciones escénicas para la calle. Es licenciada en filosofía, además de doctoranda y magíster en educación de la Universidad Federal de Rio Grande do Sul (UFRGS), con la disertación Prácticas de resistencia en las acciones artístico-pedagógicas de los grupos Yuyachkani (Perú), y Ói Nóis Aqui Traveiz (Brasil) (2017).

Mi primer contacto con la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, grupo del que formo parte desde hace casi veinte años, fue al ver un espectáculo de teatro callejero un domingo de verano. Era enero de 1999 y Ói Nóis hacía una puesta en escena en el Parque Farroupilha (también conocido como Parque da Redenção) del texto A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht (1898-1956). La representación comenzó con un retraso considerable, pues hacía un calor fuera de lo habitual, incluso para los estándares del verano de Porto Alegre, y nadie podría estar parado alrededor del círculo bajo el sol abrasador. Comenzó más tarde de lo previsto en otro lugar del parque, donde había césped y grandes árboles, lo que permitió al público estar a la sombra. Al final de la presentación, los actuadores distribuyeron un folleto con información sobre el espectáculo. Fue un remontaje, pues Ói Nóis ya lo había realizado en la calle, en 1987, y también había marcado el centenario de Brecht, en 1998. El folleto hablaba también de la acción Caminho para um Teatro Popular, un circuito de representaciones de teatro callejero que, desde 1988, el grupo realiza en plazas, parques y calles del centro y del suburbio de la ciudad, con el objetivo de democratizar el espacio del arte y provocar la reflexión social a través de un teatro abiertamente político. Finalmente, divulgaba el taller Oficina de Teatro Livre, que tiene lugar en la Terreira da Tribo desde 1984. Este taller, gratuito y siempre abierto a nuevos participantes, fue la puerta de entrada para muchas personas que hoy forman parte del grupo, incluyéndome a mí. Empiezo este texto contando la historia de mi primer contacto con el teatro de grupo y el teatro callejero, pues ella evidencia algunos elementos típicos de este teatro en América Latina. Uno de los primeros es la centralidad de los grupos de teatro en la realización del teatro callejero. Según Narciso Telles, históricamente, la producción de teatro callejero latinoamericana ha sido y es sustancialmente

54


realizada por el teatro de grupo. Grupos como: Galpão, Tá na Rua, Imbuaça, Teatro Taller, Yuyachkani, Ói Nóis Aqui Traveiz, entre otros, son algunos exponentes del teatro callejero latinoamericano contemporáneo. Estos colectivos, que surgieron en las décadas de 1970 y 1980, han construido su propio proyecto estético, desarrollando su investigación de lenguaje, investigando de manera diferenciada el proceso de formación de actores y las posibilidades de utilizar la calle como espacio escénico. [...] Son las formas grupales las que mayormente han contribuido históricamente al crecimiento y la expansión de la producción teatral de calle en nuestro continente (TELLES, 2008, p. 29). La contribución de los grupos al crecimiento y la ampliación de la producción del teatro callejero se explica por la profundización en una propuesta estética propia, fundada en la investigación del lenguaje y la colectivización del proceso de creación. Un colectivo que se proyecta en el tiempo señala nuevos caminos ante las dificultades impuestas por el mercado. El trabajo continuo nos permite aprender de los errores, repensar las prácticas y no contentarnos con las soluciones ya encontradas. El proceso de creación colectiva fue, al menos en nuestro caso, lo que permitió llevar a cabo investigaciones tan diferentes, buscando nuevas formas de relación con el espectador en el espacio público. El teatro callejero de Ói Nóis Aqui Traveiz es contemporáneo al producido por otros grupos brasileños, como Imbuaça (fundado en 1977 en Aracaju/ Sergipe), Tá na Rua (fundado en 1980 en Río de Janeiro/RJ) y Galpão (fundado en 1982 en Belo Horizonte/Minas Gerais). No por casualidad, sino como parte de un proceso histórico, estos grupos comenzaron a ocupar las calles durante el período de transición democrática y la reanudación de las grandes manifestaciones sociales. Las primeras intervenciones escénicas que Ói Nóis llevó a cabo en la calle se insertaron en las manifestaciones en defensa de la ecología, contra el uso de la energía nuclear y de carácter antimilitar. Consistían en procesiones o una secuencia de imágenes que contaban una historia corta y se desplazaban junto con

55


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

los manifestantes. Se creaban grandes títeres que se destacaban entre la multitud, sin embargo, a menudo ellos y los accesorios escénicos eran destruidos por la policía, lo que impedía la repetición de estas intervenciones escénicas. A mediados de los años 1980, el grupo comenzó a investigar formas de abordar la calle. La acción escénica que se considera el primer espectáculo de teatro callejero del grupo, titulada Teon: Morte em Tupi-Guarani (1985), se presentaba como un rito, «una oración por los millones de indígenas muertos en toda América» (ALENCAR, 1997, p. 100). Una secuencia de escenas (vida comunitaria, cultura, religiosidad, contacto con el hombre blanco, enfermedad, esclavitud y aniquilación de la cultura indígena) mostraba el proceso de colonización de los pueblos originarios. No había texto. Durante 30 minutos se vivía un conjunto de canciones, bailes y pantomimas. El ritmo lento de las acciones y los gestos ampliados, combinados con las enormes máscaras y vestuarios, transformaban a los actores en estatuas vivientes que involucraban a los espectadores por la vía sensorial. Este espectáculo inició la experiencia del teatro callejero, de intervención directa en la vida cotidiana de la ciudad, que se ha convertido en una de las cuatro principales vertientes de trabajo del grupo. Luego, Ói Nóis creó una serie de puestas en escena que recorrieron calles, plazas, barrios y villas populares de la ciudad de Porto Alegre. Con el fin de contagiar y crear empatía con los más diversos públicos, se intensificó la investigación estética para la calle. Surgieron elementos como el uso de máscaras, la creación de títeres de grandes proporciones, el uso de la música, el canto, la danza y los zancos de madera. Esa fue la semilla de la acción Caminho para um Teatro Popular, organizada en 1988 y desarrollada hasta la actualidad. El grupo experimentó con diferentes lenguajes para el teatro callejero, que se pueden sistematizar según el tipo de relación que establecen con el espectador y la forma en que abordan el espacio público. El uso del lenguaje ritual en la calle también tuvo lugar en el espectáculo Dança da Conquista (1990). Así como en Teon: Morte em Tupi-Guarani, el choque entre los pueblos indígenas y los europeos se narra a través de acciones e imágenes simbólicas, prácticamente sin diálogos, utilizando códigos propios de la acción ritual y trabajando con el universo mitológico indígena, lo que provocó un gran impacto sensorial y emocional.

56


Teatro callejero: arte público que genera lazos y provoca afectos

Otro camino tomado por el grupo fue profundizar el lenguaje del payaso, explorando técnicas propias de la comedia y del circo. Forman parte de esta vertiente las obras: A História do Homem que Lutou sem Conhecer Seu Grande Inimigo (1988), una adaptación del texto Revolução na América do Sul, de Augusto Boal; Deus Ajuda os Bão (1991), basado en un texto del Centro Popular de Cultura; y A Heroína da Pindaíba (1996), adaptación de O Homem que Era uma Fábrica, de Boal. Estos espectáculos trabajan con farsa, caricatura, alegoría, humor y festividad para contar la historia de personajes que son símbolos del pueblo brasileño, como Zé da Silva y Matilda Silva da Silva, que buscan formas alternativas de sobrevivir en medio de la permanente crisis económica y política. Estos personajes incitaban y provocaban al público a participar directamente en la escena, reaccionando a sus comentarios y pidiendo su opinión. Otro camino seguido por Ói Nóis fue el de la creación de una dramaturgia propia. En este caso, los actuadores utilizaban hechos históricos para reflexionar sobre la realidad social y la vida cotidiana del pueblo brasileño. Los actores se transformaban en saltimbanquis y cuentacuentos que «de manera satírica y entretenida cantan al pueblo, en las calles, lo que la sociedad burguesa trata de ocultar: la lucha de clases» (ÓI NÓIS apud FARIAS; FLORES, 2013, p. 150). Son parte de esta investigación las obras: Se Não Tem Pão, Comam Bolo! (1993) e Independência ou Morte! (1995). El lenguaje épico es otra vertiente investigada por el grupo, en el que se evidencian los conflictos sociales, ya sea en narrativas históricas reales, como la Guerra de Canudos y el régimen militar, o en narrativas emblemáticas y alegóricas de nuestra realidad social. El teatro épico, según lo conceptualizado por Bertolt Brecht, utiliza una serie de instrumentos directamente vinculados a la técnica narrativa del espectáculo, donde los más importantes son: la comunicación directa entre actor y público, la música como comentario de la acción, la ruptura del tiempo-espacio entre las escenas, la exposición del peine, las bambalinas y el equipamiento escenotécnico, el posicionamiento del actor como crítico de las acciones del personaje que

57


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

interpreta y como agente de la historia (ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASILEIRA, 2020). La investigación de la narrativa épica busca, ante todo, una postura crítica del espectador frente a lo que se escenifica. Consideramos que los siguientes espectáculos utilizan este lenguaje: A Exceção e a Regra (1987 y 1998); Os Três Caminhos Percorridos por Honório dos Anjos e dos Diabos (1993); A Saga de Canudos (2000); O Amargo Santo da Purificação: uma Visão Alegórica e Barroca da Vida, Paixão e Morte do Revolucionário Carlos Marighella (2008); y Caliban – a Tempestade de Augusto Boal (2017). En los últimos años, la tribu de actuadores ha tomado nuevos rumbos, buscando un diálogo con espacios de memoria. Este concepto fue concebido originalmente por el historiador francés Pierre Nora, para quien los lugares de la memoria son, «ante todo, restos. La forma extrema donde subsiste una conciencia conmemorativa en una historia que la llama, porque ella la ignora» (NORA, 1993, p. 12-13). Parte del supuesto de que no existe una memoria espontánea, sino una necesidad de crearla, a través de archivos, aniversarios, actas, celebraciones, debido a que «sin vigilancia conmemorativa, la historia los barrería rápidamente» (NORA, 1993, p. 13). Los lugares de memoria siempre buscan la valoración de la memoria colectiva. Cuando se asocian a violaciones de los derechos humanos, la creación de un lugar de memoria parte de la necesidad de manejar el legado de violencia, para que nunca se repita. Onde? Ação Nº 2 (2011) consiste en una intervención escénica creada para la calle a partir de la realización del espectáculo sobre los desaparecidos políticos Viúvas – Performance sobre a Ausência (2011) en la Ilha do Presídio, en Porto Alegre, un espacio de memoria en el que los presos políticos fueron encarcelados durante el régimen militar. La intervención se llevó a cabo en diversos espacios de gran circulación y también en lugares de memoria: en Dopinha, que en la década de 1960 albergó un centro clandestino de tortura y desaparición en Porto Alegre, el primero de Sudamérica; frente al Palacio de la Policía, donde operaba el Departamento de Orden Político y Social (Dops/Rio Grande do Sul), lugar de torturas y asesinatos; en Argentina, frente a la comisaría de la Policía Federal de Neuquén, también un centro clandestino de tortura y detención, en el Centro Clandestino de

58


Teatro callejero: arte público que genera lazos y provoca afectos

Detención D2, en Mendoza, y en la plaza del Museo de la Memoria de la ciudad Resistencia, donde funcionó otro espacio clandestino de detención, tortura y exterminio. En todos estos lugares, la intervención poética realizada, provocada por la acción escénica, generó nuevas reflexiones sobre cómo manejar el legado de violencia que implican. Menciono estos diferentes lenguajes, estas diferentes formas de relacionarse con el espectador y los diferentes abordajes al espacio público vividos por Ói Nóis para ejemplificar lo diverso que puede ser el teatro callejero. También podría mencionar la investigación de otros grupos brasileños y latinoamericanos que han tomado caminos diferentes, como Imbuaça, con la literatura de cordel y los juegos populares del Nordeste; Tá na Rua, con la improvisación, la dramatización y las fiestas populares; etc. El teatro callejero tiene, por lo tanto, infinitas posibilidades de investigación y los grupos de teatro que han optado por actuar en el espacio público han profundizado en muchas de ellas. Por lo tanto, no es la falta de teatro callejero lo que hace que la crítica se aparte y no reflexione tanto como podría sobre él. Según Licko Turle y Jussara Trindade, el Teatro Callejero en Brasil nunca ha sido visto como un objeto de estudio de primera categoría por la academia o por los historiadores del teatro brasileño. Hasta el siglo pasado se veía como una categoría inferior [...]. Las escuelas de teatro, la crítica teatral y los medios de comunicación dedicaron poco o nada a la modalidad. En los planes de estudio de los cursos de formación de actores o de teoría teatral, o en los de las escuelas de comunicación, no hay asignaturas relacionadas con las artes escénicas en la calle. Es como si la modalidad simplemente no existiera (TURLE; TRINDADE, 2010, p. 27). Ser considerado de categoría inferior ha llevado, y lleva, a la marginación del teatro callejero, haciendo que la academia, las escuelas, los historiadores y los críticos de teatro no se dediquen a su investigación y enseñanza. Esto evidencia otro elemento del mismo teatro callejero en América Latina, que también está presente en la historia que conté sobre mi primer con-

59


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

tacto con Ói Nóis y los esfuerzos del grupo para mantener las actividades de formación gratuitas y abiertas a todos los interesados. Son los propios grupos los que forman a los nuevos artistas del teatro callejero que, a su vez, darán continuidad a esta obra teatral. Los grupos cuentan con pedagogías teatrales singulares que se transmiten a los más jóvenes a través de sus escuelas y laboratorios. La formación del actor para el teatro callejero, por lo tanto, ha sido consecuencia del aprendizaje grupal, que fomenta y multiplica nuevos colectivos. Otro elemento del teatro callejero difícil de eludir para los medios de comunicación tradicionales y la crítica teatral es que él no sigue las tendencias del mercado, oponiéndose a una lógica capitalista de producción y gestión de los espacios del arte. Para pensar sobre estas características propias del teatro callejero, el actor y director Amir Haddad (1937), fundador de Tá na Rua, propone la noción de arte pública como alternativa al pensamiento mercantilista de la obra de arte. Según Turle (2012), el uso formal del concepto de arte público proviene de las artes visuales y denota una obra de arte insertada en el espacio público que sea físicamente accesible y que modifique el paisaje urbano. Turle vuelve al artista plástico José Francisco Alves, para quien el arte público tiene dos características fundamentales: «la ubicación de las obras de arte en espacios de circulación pública y la conversión forzada de este público en público de arte» (ALVES, 2008, pág.5). Así, cuando se realiza de acuerdo con estas características, el teatro también puede considerarse un arte público. El arte público, como lo llamo, me dio la oportunidad de tomar contacto con mi ascendencia. Participar de forma clara y consciente en la memoria y el inconsciente colectivos. [...] Uno levanta un brazo en la plaza, hace un gesto y, de repente, la sensación de haberlo hecho siempre. De haber hecho ya ese gesto en esa u otra plaza en cualquier lugar, en cualquier parte del mundo, en cualquier parte del tiempo. Un solo lugar, un solo momento. En todos los lugares, todos los momentos. Uno nunca lo hizo antes, allí en ese lugar. Pero el ser humano, y por lo tanto uno, lo ha hecho muchas

60


Teatro callejero: arte público que genera lazos y provoca afectos

veces, en muchos lugares, en todos los tiempos. Forma parte de un valioso patrimonio de la memoria colectiva de la humanidad, al que se puede acceder a través de las artes. De las artes que se manifiestan en los espacios públicos, por medio del contacto directo entre el artista y su obra con la población, sin discriminación de ningún tipo, en todo y cualquier lugar (HADDAD, 2016). Para Haddad, el teatro callejero, como arte público, tiene la capacidad de generar lazos comunitarios, pues intercambia experiencias de afecto y generosidad con un público absolutamente diverso. Este intercambio no se rige por el mercado ni por intereses privados, sino por la necesidad de repetir un gesto que forma parte de la naturaleza humana y que se ha repetido en numerosas ocasiones, un gesto eternamente viejo y joven, que forma parte de nuestra memoria colectiva y de nuestra ascendencia. Devolver al teatro su sentido público implica no estar condicionado por factores privados, sino estar abierto a compartir experiencias con cualquiera que quiera, sin prejuicios ni ideas predeterminadas, de forma absolutamente democrática. El arte público radicaliza la idea de riesgo contenida en las artes de la presencia, ya que hace aún más necesario estar abierto a lo que sucede en el aquí y ahora. Creo que eso es lo que me pasó cuando vi por primera vez una obra de teatro callejero de Ói Nóis Aqui Traveiz, la sensación de un encuentro raro y verdadero entre los seres humanos. A pesar del sol abrasador, el bochorno, la demora en encontrar un lugar con más sombra, algo me conmovió profundamente. Era la primera vez que me sentaba en una plaza pública, junto a personas totalmente desconocidas, a ver un espectáculo creado para el espacio público. En el poco tiempo que duró la presentación, compartimos risas, afectos, reflexiones e indignaciones. Nos convertimos en testigos y cómplices de una misma historia, accesible a cualquiera que se tomara el tiempo de escucharla. Esta es la potencia del teatro callejero: generar lazos y provocar afectos entre personas tan diferentes, resignificar nuestra vida cotidiana y la forma en que habitamos la ciudad. Que los grupos de teatro callejero tengan la fuerza para resistir estos tiempos tan adversos y puedan repetir el gesto ancestral de ocupar poéticamente el espacio público.

61


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias ALENCAR, Sandra. Atuadores da paixão. Porto Alegre: Fumproarte, 1997. ALVES, José Francisco (Org.). Experiências em arte pública: memória e atualidade. Porto Alegre: Artfólio e Editora da Cidade, 2008. ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL DE ARTE E CULTURA BRASILEIRA. Teatro épico. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponible en: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo617/teatro-epico>. Accedido el 27 de septiembre de 2020. FARIAS, Tânia; FLORES, Paulo (Org.). Ói Nóis Aqui Traveiz: poéticas de ousadia e ruptura. Porto Alegre: Ói Nóis na Memória, 2013. HADDAD, Amir. Em defesa da arte pública. Outras palavras, São Paulo, 2 de febrero de 2016. Disponible en: <https://outraspalavras.net/poeticas/em-defesa-da-arte-publica/>. Accedido el 27 de septiembre de 2020. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, dez. 1993, p. 7-28. TELLES, Narciso. Pedagogia do teatro e o teatro de rua. Porto Alegre: Mediação, 2008. TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Teatro de rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Río de Janeiro: E-papers, 2010.

62


Teatro callejero: arte público que genera lazos y provoca afectos

63


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Crítica y teatro callejero: por un coprotagonismo amoroso Altemar Di Monteiro¹ 1. Director y dramaturgo, es el director fundador de Nóis de Teatro (Ceará), grupo que actúa desde hace 18 años en el suburbio de Fortaleza. Tiene un máster en artes por la Universidad Federal de Ceará (UFC) y es doctorando en artes de la escena en la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG), investiga teatro callejero contemporáneo a partir de las relaciones entre cuerpo y ciudad en sus cruces periféricos y raciales. Es el autor del libro Caminhares periféricos – Nóis de Teatro e a potência do caminhar no teatro de rua contemporâneo (Editora Piseaograma, 2018).

2. Disponible en: <https://www. youtube.com/watch?v=EJj4sqJ_DBs> e <https://www. youtube.com/watch?v=6Dep-c91lSM>. Accedido el 26 de enero de 2021.

64

«Ey, amigo... Aquí, vi tu publicación en Facebook en la que dices que odias a los críticos. ¿Así que me odias? Quisiera saberlo, porque pensé que me amabas. Pero, si me odias, tengo que acostumbrarme a esta idea, porque no estoy muy preparado para esto. Después dime si me odias, ¿de acuerdo? Un beso». Este fue el audio de WhatsApp que recibí de un amigo crítico de teatro justo después de publicar una frase de Amir Haddad en Facebook. Todavía me intriga la duda en cuanto al tono de broma y el toque de seriedad contenidos en la información, sobre todo porque soy un admirador de quien me envió el audio (un gran artista y estudioso de las artes de la calle). Respondí el audio insolente, porque quien lo grabó sabía que, como artista e investigador del teatro callejero, siempre he estado acostumbrado a los intercambios, debates y reflexiones críticas. Esta vez, a modo de broma, le dije en el audio: «Ey, melodrama poscontemporáneo, mi publicación no es sobre odio, mi publicación es sobre amor. Yo digo que amo a Amir Haddad. Es Amir quien dice que odia a los críticos, no soy yo». Parece que al crítico le intrigó la posibilidad de odio. ¿Se habría sentido avergonzado al ser, esta vez, él el objeto de la crítica? Luego de mi mensaje, mi amigo sonrió, esta vez sin audio, solo con las letras: «jajaja». Y agregó: «Buena respuesta. Te amo». Los corazoncitos dibujados parecían querer advertirme que no hay crítica en el odio, parecían querer decir que hay algo que requiere una profundidad relacional en esa mirada que se lanza al otro. Entonces tuve que volver a la frase de Amir y ver otra vez la entrevista concedida a los alumnos de la Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) y publicada en YouTube² en 2011. Al comentar los premios que recibió durante su carrera, Amir, uno de los principales directores de teatro brasileños, dijo que odia a los críticos:


«Ellos nos estorban. Son ignorantes. No hablo de las buenas intenciones; el infierno está lleno de buenas intenciones». Pero no dijo esto sin una propuesta, sin una idea de fondo, sin responsabilidad con un proyecto. Al conocer la importancia del ejercicio de la crítica teatral, el director agregó: «No se puede ser crítico de teatro sin ir a la sala de ensayo, sin saber lo que realmente está pasando. Si te quedas fuera, te conviertes en una profesora de educación sexual virgen, ¿sabes? ¡Te pones pesado!». Al haber tenido la experiencia de representar en el escenario a la italiana y al haber sido premiado por la crítica especializada por eso, sigo pensando en lo que realmente quiso decir Amir con esa frase. Su salida a la calle en los años 1980, para «salvarse de la muerte, de la apatía en la que estaba metido, en un teatro brasileño avergonzado y cobarde, o segregado» (HADDAD apud TURLE; TRINDADE, 2008, p. 145), parece aportar más elementos para pensar sobre lo que les dijo a los estudiantes de la CAL. En esa misma entrevista, Amir dice que el reconocimiento a su trabajo, incluso después de 30 años de hacer teatro en la calle (hoy son 40), aún tiene una mayor oficialidad en lo que se refiere a la producción para escenario, de tal manera que la frase del director del Grupo Tá na Rua (Río de Janeiro) parece revelar no solo la ausencia de críticos en la sala de ensayo (de la manera que conocíamos la crítica y la sala de ensayo hace diez años), sino sobre todo en la propia silueta urbana y en sus procesos creativos. ¿Dónde está la crítica del teatro callejero brasileño? Todavía vale la pena preguntar. No fue una casualidad que el 8º Festival Internacional de Teatro de Rua de Porto Alegre, en 2016, se dedicó a pensar sobre la relación entre la crítica teatral producida en Brasil y las manifestaciones escénicas de calle. A partir del evento, el crítico de teatro Kil Abreu —en colaboración con Márcio Silveira, Michele Rolim, Renato Mendonça y Alexandre Vargas—elaboró una especie de «protocolo de preguntas», con notas y preguntas que pudieran ponderarse en un análisis crítico sobre el teatro callejero brasileño. Algunas de las preguntas que surgieron fueron: «¿Cómo se configura el espectáculo en la calle? ¿Cómo él articula esta relación con el espacio ocupado, invadido, habitado? ¿Qué implicaciones tiene la porosidad de las calles? ¿Cómo las maneja el espectáculo? ¿Cómo el espectáculo maneja este “soporte sin bordes” que es la geografía urbana? ¿Cómo observar ante una escena que muchas veces “no tiene centros”?» (ABREU, 2016). Las preguntas apuntan a perspectivas que denotan una mirada específica a

65


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

esta producción teatral, evocando una especie de sensibilidad que va más allá de los límites de las paredes de un edificio y se lanza sobre el terreno accidentado y deslizante de las calles. El protocolo resultante del festival no afirma si es necesario o no contar con la existencia de una crítica especializada en teatro callejero, tema problematizado por voces que entienden que «el teatro callejero es teatro» y argumentan que no «debe haber sectorización de la crítica para los diferentes tipos de espectáculos», como afirmó el actor Eduardo Moreira, del Grupo Galpão (Minas Gerais). Sin embargo, el discurso de Amir parece revelar que la dificultad de la crítica para coprotagonizar con el teatro callejero surge de al menos dos problemáticas. Si, por un lado, es innegable que la crítica de la cultura sigue marcada por los paradigmas del museo y el edificio teatral como máximas fundacionales del pensamiento y la creación en arte —lo que contribuye al aumento de «profesores de educación sexual vírgenes», gestores de ideas que no pueden manejar los surcos y requerimientos del espacio público—, por otro lado, en la «docilidad» de las buenas intenciones que llenan cielo e infierno, casi siempre hay una especie de idealización de la calle como lugar de encuentro —por no decir de intercambio y afecto—, lo que produce innumerables doctrinas que, «sin saber lo que realmente está pasando», finalizan el tipo de poética y práctica que se pueden vivir en la calle. Quizás esta doble equivocación haya sido la razón por la que Amir afirmó su desamor hacia los críticos. Pero también es por la alarma que causa la palabra «odio» —y el vacío crítico que produce la cultura hater diez años después de la entrevista con Amir— que mi amigo crítico grabó aquel audio. Estoy del lado de ambos, porque los amo a ambos. Y, entre ellos, amo la calle. Por eso, en el fondo, creo que Amir evoca ese amor que es fuego ardiente, que quema y, si se lo experimenta, puede avanzar a una especie de «educación sexual» para la crítica teatral y para la ciudad. Para eso, hay que comer y ser comido por la calle, devorarla, saborearla; es realmente necesario vivirla. ¿Pero acaso hay alguien que no viva la ciudad? Édouard Glissant nos recuerda que «la ciudad está presente en todas partes» (GLISSANT, 2014). Incluso aquí, ahora, en este texto, está presente. Y no lo digo por mi experiencia e investigación con el teatro callejero, sino como ciudadano, como sujeto

66


Crítica y teatro callejero: por un coprotagonismo amoroso

que vive en la urbanidad, y la llevo en el cuerpo y en la escritura. De hecho, la ciudad es mi cuerpo y este cuerpo que escribe es mi ciudad. Lo que pasa es que casi siempre vivimos la ciudad (y el cuerpo) de manera funcional, sin darnos cuenta de lo que en ella nos atraviesa, mueve, transforma, viola, acaricia, moviliza, agencia, molesta, hostiliza, emancipa. Entonces, es en la búsqueda de reparar la ausencia de la calle como resonancia de un cuerpo supuestamente «virgen» que me atrevo a evocar la ciudad que hay en nosotros, que invito a escuchar este cuerpo-ciudad que, incluso en silencio, manifiesta su existencia. Coprotagonizar con el teatro callejero significa ejercer un trabajo relacional con estas ciudades que nos habitan —y no solo con lo que en ellas nos encanta y moviliza, sino también con lo que nos interpelan y aterrorizan—. La calle no es una cama de delicias y caricias. Como dice el crítico de teatro Clóvis Domingos, ella es «ruidosa y difusa, encantadora y agresiva, acogedora y peligrosa, desigual y deforme», y parece que nunca estamos preparados para eso. Su alma encantadora, para usar el término de João do Rio, también está llena de lágrimas y desesperación, ¡interminable calle de amargura! Pero, al igual que Antígona y aquel amigo mío, nací para compartir amor, no odio. Y creo que Amir es parte de este coro, porque es solo de este amor por las ciudades que puede surgir una visión de mundo que se atiene a lo más complejo y poderoso, más dinámico y vivo que existe en ella. Es sólo de este «sentimiento de carácter muy íntimo», de este «amor tan absoluto y exagerado», parte de aquel amor que no pudo contenerse ante la pasión y se colocó cara a cara «con dolor y desplaceres, con ley y con la policía», solo de este tipo de «sentimiento imperturbable e indisoluble, el único que, como la vida misma, resiste edades y épocas» (RIO, 2008), es que puede surgir una perspectiva crítica alineada con lo que existe de singular en la escena del teatro callejero. Este amor no se conforma con la primera mirada, con la primera jugada, con la superficie de lo que su inteligencia cree que es «teatro callejero», sino que se inquieta ante cada lance de esos muchos teatros que surgen de la calle, con la calle, en la calle. Así, la crítica del teatro representado en el espacio público no coprotagonizará con las potencias de la calle si no tiene en cuenta las múltiples posibilidades de creación y lenguajes que evoca la silueta urbana. Licko Turle y Jussara Trindade ya no hablan de teatro callejero, sino de teatros de ca-

67


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

lle, en plural, evocando tantas posibilidades de invención y articulación de conceptos en el espacio urbano: Ya sea en rueda, performance procesional o invasión, a través de poéticas tradicionales o de ruptura; entendido desde la perspectiva de lo épico, la cultura popular, lo contemporáneo del arte público, el teatro callejero propondrá al habitante común de la ciudad convertirse en un público de arte, sumergiéndose en una dimensión imaginaria capaz de hacerlo trascender los límites habituales de la vida cotidiana y descubrir, en esta experiencia, nuevas formas de reapropiación de la ciudad (TURLE; TRINDADE, 2016, p. 44). Hay muchos teatros de calle en la ciudad contemporánea. Son muchas las posibilidades de reintegrar la posesión de la ciudad que nos habita, de percibirla desde otros ángulos y perspectivas, de habitar con ella otras articulaciones de lo sensible y lo inteligible como territorios de disputa e invención de mundos. Al ser tan amplias estas posibilidades, ¿cuál sería la singularidad de este teatro callejero? ¿Qué lo diferencia del teatro realizado en cualquier otro espacio? Quizás esta sea la principal pregunta planteada por quienes no creen en la necesidad de una crítica teatral especializada en el teatro callejero. Pues bien, la necesidad de una crítica a resultados y procesos que solo se instalan en una plaza, sin ningún principio de diálogo con las dinámicas contingentes e inesperadas de la calle, es relevante y verdadera; pero ¿quién puede medir el nivel dialógico de una producción en el espacio público? ¿Quién puede definir qué es realmente el diálogo y la escucha en una relación? Sería fácil dejar caer esta pregunta en un relativismo negligente y permisivo, sin el rigor que se requiere para construir un pensamiento crítico sobre el teatro callejero, pero es solo lejos de las idealizaciones y las iniciativas que institucionalizan la ciudad como un «lugar de encuentro» —perspectiva romantizada sobre todo por la dinámica del turismo— que podemos reconocerla como un «lugar inhóspito» (CARREIRA, 2020, p. 5), territorio de disputas y violencias múltiples. Al

68


Crítica y teatro callejero: por un coprotagonismo amoroso

tener conciencia de lo inhóspito de los interminables juegos de poder que se mueven en el espacio urbano, quizás se pueda decir que no hay teatro que, circunscrito a la silueta urbana, pase inerte por los cruces y las violencias callejeras. Por lo tanto, si se busca conocer qué es esencial en el teatro callejero contemporáneo, la atención crítica debe enfocarse en la guía ética que se articula con esta producción, más que en los materiales y objetos movilizados para una acción escénica. Ya no se puede dejar de tener en cuenta que hoy el espacio privado bien puede ponerse el disfraz de público, y que es fácil dejar que lo público caiga en manos de la astucia seductora de lo privado, según las formas de composición con él y la consecuente traducción de este gesto en obra. Entonces, más que la vieja disputa entre «teatro de calle» y «teatro en la calle», vale la pena que tratemos de conocer qué ciudades se están imaginando y produciendo con la acción estética (y siempre política) vivida en y con la calle. La calle se entiende no como un espacio diferente a nosotros mismos, sino como un doble, como un reflejo continuo involucrado en la dinámica de composición y descomposición de lo que somos. Por eso la ciudad y sus teatros deben pensarse desde una radicalidad de la noción de «relación», de esta «relación amorosa» que, como dijo João do Rio, flirtea con la calle, lanzándose a su alma encantadora. Pero esta relación sólo tendrá profundidad en el vértigo del desencanto como fuerza positiva, en la insistencia de haber percibido el defecto y aún persistir en el amor. De ahí la necesidad de un flirteo que no se contente con la primera vista o el primer coqueteo, sino que se profundice hasta llegar a su punto culminante: un amor desublimador. Es de este amor no sublime del que debe emerger una visión crítica atenta a los modos en que los teatros de calle transforman las ciudades, lo que surge de ellos en la composición del mundo y lo que de ese gesto se refleja en la propia visión crítica. Es en este momento cuando produciremos una «coprotagonización» de la crítica como una relación, como actitud que siempre deriva de esa relación, como recordó Kil Abreu en el protocolo de cuestiones de Porto Alegre. Los teatros de calle, al proponer nuevas formas de reapropiación de la ciudad, componen también otras ciudades, siempre en movimiento, nunca fijas. «No hay ciudad previa al acontecimiento», suspira en mis oídos la investigadora Daniela Félix Martins, recordando que el tema de la aprehensión de la ciudad (y del espectáculo teatral que habita su silueta) involucra la

69


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

ubicación de quienes la perciben y las asociaciones que fabrica. En consecuencia, aprehender la ciudad y sus teatros de calle se convierte en un proceso de fabricación de la ciudad, es decir, «ya no es un hecho, sino una composición» (MARTINS, 2020). Pensándolo de esta manera, la calle, como una categoría inventada por la modernidad y el avance del capitalismo industrial, sería simplemente una más de estas fuerzas en composición con el mundo, que los artistas elegimos como territorio del acontecimiento fundacional de la vida. Al contrario de lo que deseará el cosmopolitismo contemporáneo, la calle no es una instancia fija y ni siquiera duradera, siempre estará en una condición de impermanencia y cambio, en relación directa con las fuerzas geológicas, políticas y culturales que se diseñan en el continuum de la historia: dinámicas ineludibles, resultado de la forma misma en que hemos tejido nuestras ciudades. Pensando en voz alta, la idea de ciudad es quizás una de las mayores violencias inventadas por el hombre. Por tanto, si es cierto que nuestros cuerpos están moldeados por las ciudades y que también están constituidos por estos cuerpos ambulantes, es necesario, siguiendo la línea de Henri Lefebvre, prestar atención a una actitud que esté «en contra de la calle», pero que, disimuladamente, también se replantee «a favor de ella» (LEFEBVRE, 2008). Habrá que reconocer el movimiento involucrado en este «amor desublimador». En contraste con lo que tiene un único dueño, con la seguridad establecida por la estructura privada, la calle todavía indica una experiencia de mundo mucho más emancipada con relación a todas las estructuras de servidumbre que condicionan nuestra experiencia de ciudad. Y esto la crítica teatral, sea la que sea, no podrá negarlo. La tarea de la crítica teatral interesada en este movimiento constante de composiciones mutuas —y consciente de que su actitud también forma parte de esta interminable fabricación de mundos— quizás consista en sondear las líneas de fuerza de estos procesos de composición, presentando a la vida pública los fragmentos de estas ciudades que, por ahora, emergen en lo efímero del acontecimiento, en lo instantáneo del encuentro teatral. Esto requiere entender que esta composición no es una parte aislada de lo que allí sucede, sino el resultado de un proceso: es también un fragmento de temporalidades mezcladas. Quizás por eso Amir reclama

70


Crítica y teatro callejero: por un coprotagonismo amoroso

una crítica que no se contente con habitar solo el acontecimiento vivido, sino que también se interese por la sala de ensayo. Quizás así sea posible garantizar «un amplio y constante movimiento entre lo general y lo particular, el análisis y la síntesis, la información y el juicio de gusto, el significado histórico del conjunto, de la época, y el trabajo singular de los artistas» (ABREU, 2020). Y este movimiento ya está sucediendo, creo. Quizás las oficialidades todavía no se hayan dado cuenta, como dijo Amir en 2011. Es justo en la calle, en el momento del espectáculo, en los bares, en las esquinas, sentados en una acera, en las conversaciones o en los audios de WhatsApp donde estos saberes se fundan y circulan, componiendo ciudades que el poder instituido ni siquiera puede imaginar. El escenario de la producción cultural de calle brasileña ha crecido mucho en la última década y una gran cantidad de investigaciones artísticas y académicas ha fertilizado este «estado del arte», formando una amplia gama de artistas, pensadores y pensadoras sobre la escena teatral que se enreda en el espacio público: saberes altamente especializados. ¿Hasta cuándo seguiremos negando estas producciones y legitimando solo las producciones intelectuales y estéticas que se circunscriben a los límites de los escenarios o, como máximo, de los «espacios alternativos»? Licko Turle y Jussara Trindade dicen que este «comentarista» del teatro callejero bien podría ser un artista investigador que, «utilizando los conocimientos adquiridos a través de la experiencia práctica y también del estudio, intentaría profundizar los temas que mueven el teatro callejero» (TURLE; TRINDADE, 2010, pág.71). Pero podemos ir más allá y decir que quizás sea el momento no solo de reconocer la extensa producción teatral que tiene lugar en las calles de este país, sino de mirar en profundidad y aprender de los saberes y las construcciones altamente especializados de estos realizadores y sus públicos, tácticas que nacen y circulan en las invisibilidades de este amor por las ciudades. Y entonces afirmar, con rigor y serenidad, que quizás la calle sea realmente nuestra principal, más sensible y radical escritora crítica.

71


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias ABREU, Kil. Observatório do chão para cenas de rua. Teatrojornal – Leituras de Cena, 1 nov. 2016. Disponible en: <https://teatrojornal.com.br/2016/11/observatorio-do-chao-para-cenas-de-rua>. Accedido el 28 de septiembre de 2020. CARREIRA, André. Cidade espaço inóspito: território do teatro de invasão. Urdimento, v. 2, n. 38, Florianópolis, ago./sep. de 2020. DOMINGOS, Clóvis. Seis vaga-lumes à procura de uma cidade. Horizonte da Cena, 21 de junio de 2017. Disponible en: <https://www.horizontedacena. com/seis-vagalumes-a-procura-de-uma-cidade/>. Accedido el 28 de septiembre de 2020. GLISSANT, Édouard. O pensamento do tremor. (La cohée du lamentin.) Juiz de Fora: Gallimard/Editora UFJF, 2014. LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. MARTINS, Daniela Félix. Pensar e fazer cidades: composições performáticas e a emergência do espaço público. Revista Desenvolvimento Social, v. 26, n. 1, PPGDS/ Unimontes/MG, ene./jun. de 2020. MOREIRA, Eduardo. Um espetáculo deve ser sempre avaliado pelos mesmos critérios e críticos? Jornal de Teatro, 25 de abril de 2012. Disponible en: <http:// www.jornaldeteatro.com.br/materias/colunas/199-um-espetaculo-deve-sempre-ser-avaliado-pelos-mesmos-criteriose-criticos.html>. Accedido el 28 de septiembre de 2020. RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

72


Crítica y teatro callejero: por un coprotagonismo amoroso

TURLE, Licko; TRINDADE, Jussara. Crítica... ou comentário teatral. Teatro de rua no Brasil: a primeira década do terceiro milênio. Río de Janeiro: E-papers, 2010. _______________. Tá na rua: teatro sem arquitetura, dramaturgia sem literatura, ator sem papel. Río de Janeiro: Instituto Tá Na Rua para as Artes, Educação e Cidadania, 2008, p. 145. ____________________. Teatro(s) de rua do Brasil: a luta pelo espaço público. São Paulo: Perspectiva, 2016.

73


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

La crítica y el teatro callejero: una mirada

Lindolfo Amaral¹

1. Miembro del grupo Imbuaça (Sergipe) desde 1978, desarrolla diversos trabajos como actor y educador pedagógico, además de ser responsable del curso de formación de actores del grupo. Tiene máster, doctorado y posdoctorado en artes escénicas por la Universidad Federal de Bahia (UFBA). Ha impartido cursos de teatro en diferentes estados. Es miembro de la Academia de Letras de Aracaju (ALA).

En el momento en que la población mundial se vio obligada a mantenerse aislada y se suspendieron las manifestaciones artísticas debido a la pandemia que asoló de Oriente a Occidente, el teatro, una de las manifestaciones artísticas que tienen un carácter social, político-ideológico y de resistencia, quedó paralizado, independientemente de su espacio de ocupación. La paralización de nuestro acto tan importante que nos hace reflexionar sobre la vida y la sociedad, que expone la diversidad cultural de los seres humanos, que propicia el análisis de las perspectivas del mundo en su plenitud y complejidad. Es ante este momento histórico que se presenta una cuestión para un diálogo, un debate, una conversación informal o incluso una reflexión: «La dificultad de la crítica en coprotagonizar con el teatro callejero». Entonces, ¿vamos a conversar? Podemos hablar de diversos aspectos en torno al teatro callejero y la mirada de la crítica a los espectáculos y sus procesos de montaje: las diferentes formas de ocupación del espacio urbano; la investigación del lenguaje; la estética de los grupos; la diversidad dramatúrgica; las cuestiones ideológicas que involucran al arte público; la resistencia de esta práctica artística, entre otros temas. Hay una infinidad de cuestiones que a veces se abordan en el análisis de un espectáculo, pero aquí nos centraremos en la mirada de la crítica sobre el teatro callejero y —¿por qué no?— la mirada del teatro callejero sobre esta crítica de su hacer. Así, cabe señalar que este texto es híbrido, a fin de cuentas, transita entre lo coloquial y lo académico. La mirada sobre el lugar del discurso hace reflexionar sobre las prácticas desarrolladas en los últimos 43 años por un artista que también es actor/director, profesor/investigador y que sigue las actividades de varios grupos brasileños. La mirada es dialéctica, memorialista, casi simbiótica, pues hace y ve la escena. Esta mirada está fuera y dentro del espacio sobre el que los críticos se vuelcan para analizar el acto escénico. La crítica teatral ha servido de mediadora entre el espectáculo y el público, sin embargo, también es objeto de estudio por parte de varios investigadores, además de servir de orientación para la evaluación de los

74


espectáculos por parte de sus realizadores. Algunos directores de teatro rechazaron determinados análisis e incluso desaprobaron la presencia de algunos críticos en la audiencia de sus espectáculos. Menciono aquí este hecho para que se pueda vislumbrar la relación entre los artistas y la crítica en algunos momentos de la historia del teatro brasileño. No fue, obviamente, la crítica a un espectáculo de teatro callejero lo que hizo que un director adoptara una actitud intempestiva y radical, ya que este espacio, tan precioso y democrático, acoge a todos indistintamente. Comentaremos, inicialmente, sobre la calle como espacio transitorio, abierto y lleno de posibilidades, incluso insólitas. Este espacio físico sirve de escenario para diferentes acciones artísticas y también sirvió y sirve de inspiración poética: Camino por una calle que pasa por muchos países. Si no me ven, yo veo y saludo a viejos amigos (DRUMMOND, 1948). Pido permiso a nuestro gran Carlos Drummond de Andrade para tomar prestada su poesía «Canção Amiga», en la que él considera la calle como un espacio de infinita diversidad y lleno de simbolismo: es un lugar social, de encuentros transitorios y afectos, y que hace posible la transgresión cuando ocurren escenas externas a su vida cotidiana, como, por ejemplo, presentaciones de arte público —¡el teatro!—. Pues bien, el poeta camina por una calle que pasa por muchos países. En este recorrido, se encuentra a la multiplicidad de culturas, expresiones, colores y saludos de amigos que transitan por el espacio. Los encuentros y las despedidas forman parte de ese ambiente, al igual que lo insólito. Es precisamente este espacio abierto y público, en el sentido colectivo, al que todos tienen acceso indistintamente, que el teatro convierte en escenario. Ya sea de día o de noche, al conectarse con sus raíces milenarias, el teatro vuelve a su punto de origen: la calle, como bien sintetizó Amir Haddad: La salida a la calle nos llevó al encuentro de los orígenes del teatro, de lo que pensábamos y sentíamos que existía antes de la captación

75


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

del lenguaje teatral por parte de la burguesía, al inicio de los tiempos modernos —periodo en que se instaló la hegemonía de la Razón—, rompiendo (al menos de manera más nítida) el equilibrio cuerpo/mente y en el que el habla comenzó a tener más fuerza. Así, caminamos hacia el rescate de una historia del teatro que no se cuenta en los manuales: la del teatro popular; hacia el rescate de lo popular que existe en cada uno de nosotros (HADDAD, 2005, p. 66-67). El actor y director Amir Haddad, fundador del grupo Tá na Rua (Río de Janeiro), nos hace reflexionar sobre el recorrido histórico del teatro y su regreso al espacio de origen. También llama la atención hacia la ausencia de toda una tradición del teatro popular en los libros sobre la historia del teatro brasileño. Son pocos los trabajos que registran o analizan la diversidad de los autos populares como representación teatral: reisados, guerreiros, cheganças, nau catarinetas, marujadas, cavalhadas, entre muchas otras manifestaciones que ocupan las calles y plazas de las distintas regiones del país. En ocasiones, se las observa como grupos folclóricos, de manera peyorativa, discriminatoria y prejuiciosa, casi como un acto menor, sin su debido reconocimiento. Quizás esto ocurra porque se desconoce la importancia de estas manifestaciones y su contenido dramático. Es un hecho: siempre que se habla de teatro popular, de carácter folclórico, la mirada se vuelve hacia el Nordeste como siendo la cuna o región que guarda hasta hoy, en pleno siglo XXI, el mayor número de grupos de diferentes orígenes. Como bien dijo Oswald Barroso, de Ceará, en la Mostra Paulista de Dramaturgia Nordestina, que tuvo lugar en el Centro Cultural São Paulo, del 4 de noviembre al 3 de diciembre de 2008, bajo la curaduría del fallecido Sebastião Milaré: La lista de estas manifestaciones escénicas incluye el auto do congo y sus derivados (maracatus, quilombos, congadas, reisados do congo, taieiras, etc.), la folia de reis y los diversos reisados (reisados de couro, de careta, de bailes, de caboclos, etc.), los ranchos de animales, entre ellos los

76


La crítica y el teatro callejero: una mirada

bois [bueyes], con sus variaciones (bois, de reis, de mamão, bumba-meu-boi, etc.), las marujadas, ya sean de guerra o aventuras marítimas, con sus diversas denominaciones (barca, chegança, fandango, nau catarineta), las lapinhas, presépios y pastoris, los dramas de patio y circo, las contradanzas (quadrilhas, caninha verde, reis de bailes, etc.), las danzas de rueda (samba de roda, coco, maneiro-pau, torém, dança de São Gonçalo, caboclinhos), la danza narrativa de las bandas cabaçais, el teatro de mamulengo [de títeres], la actuación de cuentacuentos, cantantes, vendedores ambulantes y vendedores de cordel, cortejos y rituales de las procesiones, las hermandades de penitentes y romerías católicas, los rituales de catimbós, candomblés, umbanda y de otras religiones populares, las expresiones del carnaval y otras fiestas callejeras, etc. (BARROSO, 2008, pág.20)

2. Cabe recordar el trabajo desarrollado por el director italiano radicado en Dinamarca Eugenio Barba, quien, en 1994, dirigió al actor y bailarín Augusto Omolú en el espectáculo Otelo, cuya construcción de las escenas se fundamentó en la danza de los orixás. El trabajo fue objeto de un estudio de tesis de la investigadora Julianna Rosa de Souza. Disponible en: <https://pergamumweb.udesc.br/ biblioteca/index. php>. Accedido el 17 de febrero de 2021.

Al mirar el panel presentado por Barroso, se nota que las manifestaciones populares tienen diferentes orígenes: indígena, portugués y africano. A su vez, el carácter puede ser sagrado, cuando está vinculado al aspecto religioso, o profano —lo que no deja de ser una desvinculación de las cuestiones formales relacionadas con el espíritu religioso—. Pero lo que llama la atención es la gran cantidad de expresiones artísticas del espectro teatral. Los viajes del investigador y autor Mário de Andrade por el interior del Nordeste brasileño proporcionaron el registro cuidadoso de algunas de estas manifestaciones, publicado después de su muerte con el título Danças Dramáticas do Brasil. Este enunciado nos lleva a pensar en el concepto de lo «dramático» en los autos medievales y en toda una herencia que desembarcó en nuestro suelo a través de la colonización portuguesa. Aquí, estas expresiones artísticas adquirieron características propias, pues el pueblo las transformó según la dinámica social y sus referentes culturales y las mantiene vivas hasta hoy. Y ocupan las calles y plazas con una fuerza que nunca se seca, incidiendo en una serie de trabajos artísticos, pues sirven de inspiración a una infinidad de grupos de teatro², como Imbuaça (Sergipe), uno de los grupos de teatro callejero más antiguos de Brasil, fundado el 27

77


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

3. El proyecto surgió en la segunda mitad de la década de 1970 y tuvo como objetivo realizar presentaciones, en Río de Janeiro y São Paulo, de espectáculos de diferentes regiones de Brasil. Luego se amplió a las ciudades de Belo Horizonte y Brasília. Según Orlando Miranda, presidente del SNT: «La idea del Mambembão surgió no solo de la constatación de la necesidad de crear una comunicación entre las realizaciones de los estados con las audiencias de Río de Janeiro y São Paulo, sino también de las solicitudes cada vez más insistentes de los grupos de diversas regiones del país» (Revista de teatro, número especial, jun. 1978).

de agosto de 1977 a partir de la experiencia del Teatro Livre da Bahia, desarrollada de 1977 a 1982. El grupo de Sergipe optó por desarrollar una investigación de lenguaje basada en las raíces populares que se encuentran en su estado, teniendo en cuenta la gran cantidad de manifestaciones existentes en la capital y en el interior. Fue en el Mercado Municipal, ubicado en el centro de Aracaju, donde dos poetas populares que vendían los folletos de la literatura de cordel sirvieron de fuente para la investigación dramatúrgica: Manoel d’Almeida Filho y João Firmino Cabral. Al final, los primeros espectáculos de Imbuaça estaban compuestos por adaptaciones de los folletos populares en verso, firmados por João Augusto, Antônio do Amaral y Bemvindo Sequeira. Las músicas y las danzas dramáticas procedentes de los reisados, guerreiros, cheganças y taieiras se insertaron en el cortejo, al inicio de los espectáculos y en los entremedios de los folletos escenificados. El público se identificaba con las actuaciones, se acercaba a la rueda y hacía un gran círculo alrededor de los actores y músicos. Así nació el espectáculo Teatro Chamado Cordel, que se estrenó en 1978, en Aracaju, y luego pasó a circular por el interior del estado y por el Nordeste de Brasil. La repercusión fue inmediata, pues surgieron varias invitaciones para presentaciones en festivales, así como varios grupos de teatro a partir de esta experiencia de Imbuaça, como Alegria, Alegria y Estandarte (Rio Grande do Norte), Quem Tem Boca É pra Gritar (Paraíba) y Joana Gajuru (Alagoas). En 1983, el grupo participó en el Proyecto Mambembão, del Servicio Nacional de Teatro (SNT)³, con este espectáculo, que estaba compuesto por los textos O Matuto do Balaio de Maxixi, folleto de José Pacheco adaptado por Antônio do Amaral; A Moça que Bateu na Mãe e Virou Cachorra, folleto de Rodolfo Coelho Cavalcante adaptado por Bemvindo Sequeira; y O Malandro e a Graxeira no Chumbrego da Orgia, varios folletos adaptados por João Augusto. Imbuaça realizaba una pequeña procesión, con sus vestuarios, llenos de cintas y con un estandarte que identificaba al grupo. Llegaba al lugar previamente elegido, abría un gran círculo y seguía cantando y bailando hasta que el público se acercaba. En ese momento comenzaba la presentación de los textos, que se intercalaban con músicas y danzas dramáticas, resultado de la investigación de lenguaje desarrollada por los actores. Se presentó en varias calles de las ciudades de Río de Janeiro y São Paulo y fue el primer contacto de Imbuaça con la crítica.

78


La crítica y el teatro callejero: una mirada

¿Cuál fue la opinión de la crítica sobre el primer espectáculo de teatro callejero que participó en el Proyecto Mambembão? Dos críticos vieron la presentación: Macksen Luiz, del periódico Jornal do Brasil, y Tania Brandão, del periódico Última hora, dos grandes referentes del teatro brasileño —y no solo en el área crítica, sino también como curadores de festivales y exposiciones de artes escénicas—. Tania Brandão, además, dedicó gran parte de su vida a la enseñanza del teatro. Veamos cómo ella analizó el espectáculo: Brasil-da-Peste [Brasil de la Peste] ha demostrado en este periódico que la vida de los pobres puede ser un radiante acto de creencia en el poder mismo de la vida. Por lo tanto, puede ser una cuestión de inteligencia. Los pobres tienen distancia (conciencia) de las situaciones del día a día. Para pensar en ellas. Entonces, mostrar la vida de los pobres para que los humanos se identifiquen en ella significa atribuirle esta universalidad. Significa mostrar el acto de vivir como conciencia de situaciones. Mostrar cómo viven los pobres significa mostrar la fuerza de vida común a todos los hombres que está presente allí, en el día a día. Como sensibilidad o inteligencia (BRANDÃO, 1982, UH – Revista, p. 4). Inicialmente, la mirada de la crítica señala las cuestiones que pueblan la atmósfera de la escena y la ubicación geográfica del grupo como referente para la concepción del trabajo, en una visión sociológica, al percibir el origen cultural de los personajes y los actores que ocupan el espacio escénico. En este contexto, los contenidos de los textos presentados están en las entrelíneas. Basta observar O Matuto com o Balaio de Maxixi, del poeta José Pacheco, de Paraíba. Su folleto expone la vida de un vendedor de plátanos y pepinillos en un mercado callejero. El lenguaje se elaboró con palabras de doble sentido, con el objetivo de hacer reír al público sin mucho esfuerzo, en una acción espontánea. Pero aún hay otro tema que atraviesa la escena, cuando el inspector viene a cobrar el impuesto por el espacio físico que ocupa el vendedor. El debate entre los dos personajes expone la conciencia

79


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

del explotado frente al explotador, representado por el inspector en la escena. Es a través de la risa que José Pacheco eligió mostrar situaciones del día a día, desde la perspectiva de llamar la atención o provocar la reflexión en el público de una manera sutil e inteligente. Tania Brandão no analiza el contenido de los textos que se presentaron, no entra en detalles, pero observa lo que es común en todo el espectáculo e incluso registra una cuestión sobre la rima, una de las características de la literatura de cordel: Pero vale la pena detenerse a mirar la simple celebración del acto de vivir que ofrece el grupo. La propuesta es inteligente. En las plazas, al aire libre, la identificación debería ser mayor e incluso debería permitir la participación popular. Aunque el verbo cantado y rimado, del cordel, es un límite, pues la práctica oral de la poesía no le es familiar al carioca (BRANDÃO, 1982, UH – Revista, p. 4). La concepción de textos dramatúrgicos a partir de los folletos de la literatura cordel se hizo conocida a nivel nacional a partir de Auto da Compadecida (1955), de Ariano Suassuna. Varios autores invirtieron en esta misma fuente inagotable, entre ellos Chico de Assis (São Paulo), Racine Santos (Rio Grande do Norte), José Mapurunga (Ceará), Francisco Pereira da Silva (Piauí) y João Augusto (Río de Janeiro). Imbuaça, a lo largo de sus 43 años de actividad, ha construido una identidad escénica a partir de esta línea dramatúrgica y otras manifestaciones populares. El público ha recibido los espectáculos con mucho entusiasmo y observa inmediatamente esta característica en los trabajos del grupo. Esto, para sus miembros, es extremadamente importante, pues existe una conexión cultural. Es evidente que, algunas veces, la crítica no se profundiza en los aspectos antropológicos de la escena, en las cuestiones que fundamentan la investigación de lenguaje de determinados grupos. Sin tener en cuenta datos cuantitativos, cabe señalar que la crítica se hace más presente en los espacios cerrados, es decir, en los teatros convencionales, porque, además de ser una cuestión de tradición, ver un espectáculo

80


La crítica y el teatro callejero: una mirada

de teatro callejero saca al individuo de su zona de confort. Para los artistas callejeros, sin embargo, es muy importante la presencia de una mirada experta, que vea la escena con la preocupación de analizar en detalle todos los componentes del espectáculo. George Moura, en su libro Paulo Francis – o Soldado Fanfarrão, para definir la crítica, se remitió al artículo de Helen Gardner titulado A Profissão de um Crítico [La Profesión de un Crítico]: [...] la Crítica es la hija mayor del Trabajo y de la Verdad, entregada al nacer al cuidado de la justicia y criada en el palacio de la Sabiduría. Fue nombrada encargada de la Fantasía y se le otorgó el poder de dar el ritmo del coro de las musas cuando ellas cantaban para el trono de Júpiter. Cuando las musas bajaron al mundo inferior, ella las acompañó. La justicia le otorgó un Cetro, que debería sostener en su mano derecha. Con él podría conferir inmortalidad u olvido. En su mano izquierda ella cargaba una antorcha inextinguible, fabricada por el Trabajo y aceptada por la Verdad, cuya cualidad específica era mostrar de inmediato todas las cosas en su verdadera forma, por muy disimuladas que estuvieran a los ojos comunes (MOURA, 1996, p. 35). ¿Puede la crítica, con su antorcha inextinguible, iluminar la escena para que todos puedan ver, en su verdadera forma y sin subterfugios, las acciones expuestas y las entrelíneas que contribuyeron a su construcción? ¿Tendrá ella el poder de convertir un espectáculo en algo inmortal o de llevarlo al olvido más profundo? ¿Se le da el poder del trabajo y de la verdad? Al traer al debate las funciones que se atribuyen a la crítica a través de la mirada de Helen Gardner y George Moura, tengo la intención de demostrar la importancia de esta actividad profesional dentro de las artes escénicas. En la cita, las imágenes conducen a la construcción de un panorama con este personaje poderoso, lleno de importancia y responsable de dar el veredicto sobre un espectáculo. Sus palabras pueden promover el crecimiento de todo lo que se puso en escena o terminar prematuramente la

81


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

4. Ficha técnica del espectáculo Senhor dos Labirintos (1999), título extraído del libro de mismo nombre que Luciana Hidalgo: dirección general de João Marcelino; dramaturgia de Maurício Arruda Mendonça; banda original y dirección musical de Danilo Guanais; escenario de Imbuaça y João Marcelino; iluminación de Denis Leão; preparación de los actores de Cacá Carvalho y Sávio Araújo; escenotécnica de Valdemar Nunes; operación de sonido de Antônio Santos; modistas y bordadoras Maurelina Santos y Antônia da Paixão; herreros Tonho Santos y Rosivan Carvalho. Elenco: Isabel Santos, Lindolfo Amaral, Lizete Feitosa, Moises Mota, Rivaldino Santos, Tetê Nahas y Valdice Teles.

temporada de un trabajo que involucra a muchos artistas y técnicos. ¿La crítica realmente tiene esta fuerza en nuestra sociedad? No cabe duda de su importancia, a pesar de los escasos espacios disponibles en la prensa para su trabajo. Imbuaça es testigo de cuánto la crítica propició el crecimiento de su audiencia en la temporada del espectáculo Senhor dos Labirintos⁴ en la ciudad de Río de Janeiro, desde junio hasta principios de julio de 1999. La primera persona en llegar al teatro para comprar su entrada, en el día del estreno, fue Barbara Heliodora, del periódico O Globo. Esa misma noche también asistieron a la sesión otros dos críticos: Macksen Luiz, del periódico Jornal do Brasil, y Lionel Fischer, del periódico Tribuna da Imprensa. Las miradas sobre la escena fueron múltiples y diversas. Los títulos ya exponen la visión de cada uno. La primera crítica publicada, el 1 de julio de 1999, fue la de Lionel Fischer, con el título «Espetáculo maravilhoso em curtíssima temporada» [Espectáculo maravilloso en una cortísima temporada]. Macksen Luiz, a su vez, publicó el 2 de julio, bajo el título «Alegres cenas de delírio» [Alegres escenas de delirio]. Por último, Barbara Heliodora: «Um barco à deriva, salvo pela emoção» [Un barco a la deriva, salvado por la emoción], el 4 de julio. Sin entrar en los análisis de cada uno, basta con observar los enunciados para ver como la crítica ve la escena desde distintos aspectos. Esto debe estar vinculado a un conjunto de hechos, a la formación intelectual y cultural de cada uno, que en sí mismo ya diferencia a cada individuo. Es necesario tener en cuenta los referentes teóricos y las preferencias personales, al fin y al cabo, el ser humano cuenta con formación e intereses diferenciados. El caso es que, tras las publicaciones, el público llenó el teatro para ver un espectáculo de calle en una sala cerrada, y la crítica no tuvo en cuenta este aspecto, a excepción de Macksen Luiz, que ya había visto otros trabajos de Imbuaça: La introducción de folguedos folclóricos de Sergipe que se mezclan con la narrativa permite al grupo Imbuaça mantener su línea popular, al tiempo que satisface los «requerimientos» de comunicación de un espectáculo de calle. Aunque en esta temporada en Río, que termina mañana en el Teatro Nelson Rodrigues, el montaje se presenta en un escenario italiano, el espectáculo tiene un diseño que se adapta al espacio público (LUIZ, 1999, Caderno B).

82


La crítica y el teatro callejero: una mirada

El grupo tuvo que adaptar el trabajo por exigencia del patrocinador, ya que Senhor dos Labirintos se creó a partir de la vida y obra de Arthur Bispo do Rosário, de Sergipe, y en el entrepiso del teatro se encontraba la exposición del artista. Macksen Luiz notó el diseño del espectáculo y los elementos de la composición de la escena que estaban relacionados con la investigación del lenguaje del grupo. El teatro callejero brasileño ha crecido mucho en los últimos 40 años. Hay más de 400 grupos esparcidos por todo el país y en todas las regiones, que trabajan y ocupan el espacio urbano de diferentes formas. Algunos utilizan el espacio de un gran círculo con pocos recursos y de forma horizontal, como los grupos Tá na Rua (Río de Janeiro) y Joana Gajuru (Alagoas). Otros trabajan de forma itinerante, sin espacio fijo, como el Teatro que Roda (Goiás) y la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul). Y hay espectáculos que ocupan el espacio verticalmente, como en los trabajos del Grupo Galpão (Minas Gerais). Este fenómeno, en sí mismo, merece ser estudiado con cuidado, pues, mientras desaparecen los grupos tradicionales, aumenta la producción de los artistas callejeros. Las dificultades que enfrentan son numerosas, como la falta de recursos financieros y los requisitos para presentarse en determinados espacios (es necesario solicitar la liberación a los organismos públicos con mucha antelación y, en algunos lugares, se cobran tarifas exorbitantes. Hay espacios en los que las presentaciones no están autorizadas). Por otro lado, la circulación de los espectáculos por el país es muy precaria, cuando la hay. Finalmente, la falta de crítica a las escenificaciones públicas, especialmente las realizadas fuera de los grandes eventos o proyectos institucionales. Cabe recordar que, tras el estreno y el impacto que provocó el espectáculo Romeu e Julieta, en 1992, del Grupo Galpão, la mirada crítica se volvió un poco más hacia las presentaciones del teatro callejero. Otro dato importante es el seguimiento que hace Valmir Santos, crítico de São Paulo, del trabajo de varios grupos del país, entre ellos Ói Nóis Aqui Traveiz. Quizás, si tuviéramos la presencia de la crítica en las presentaciones con mayor intensidad, la visión de los organismos culturales y de la propia sociedad sobre el arte público podría ser diferente. Esta afirmación enfatiza la importancia de la crítica teatral. Lamentablemente, estamos viviendo momentos difíciles: espacios diminutos para la publicación de las críticas, debido a que los periódicos impresos se están transformando en digitales, y el presupuesto público del área cultural, a nivel federal, estatal y municipal, se reduce cada año. No se

83


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

deben tener en cuenta los recursos destinados a grandes eventos, que en su mayoría tienen lugar en tan solo tres días, mientras que el resto del año no ocurren acciones en los suburbios de las ciudades. La ausencia de poder público es visible. La participación de la sociedad civil en los debates sobre políticas públicas en el área de la cultura ha sido vetada en la esfera federal. Estos cambios drásticos generan reflejos inmediatos en la producción artística y en la circulación de los espectáculos. Rogamos a dioses y diosas que protejan a todos y que el arte público sobreviva a toda esta tormenta —y sobrevivirá, porque la resistencia es la bandera de los grupos que creen en días mejores, en el futuro que vendrá—. Para concluir, cito una canción de Nelson Cavaquinho que representa un aliento y el deseo de una vida llena de paz y luz: El sol brillará una vez más La luz llegará a los corazones La semilla del mal será quemada Y el amor volverá a ser eterno.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias AMARAL, Lindolfo (Org.). A construção da memória: Imbuaça 30 anos. Funarte/ Petrobras, Premio Myriam Muniz. Aracaju: J. Andrade, 2008. ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil. São Paulo: Ed. Itatiaia, 1982. BARROSO, Oswald. Cultura popular, fonte da dramaturgia. Programa da Mostra Paulista de Dramaturgia Nordestina. Centro Cultural São Paulo, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, 2008. MIRANDA, Orlando. Revista de Teatro – Sbat. Ministerio de Educación y Cultura/ Servicio Nacional de Teatro, número especial, Río de Janeiro, jun. 1978.

84


La crítica y el teatro callejero: una mirada

MOURA, George. Paulo Francis – o soldado fanfarrão. Río de Janeiro: Editora Objetiva, 1996. SOUZA, Julianna Brígida de. A dramaturgia da dança dos orixás: reflexões sobre arte e religião na prática artística de Augusto Omolú. Tesis de maestría en teatro por la Universidad del Estado de Santa Catarina (Udesc), 2014. Disponible en: <https://pergamumweb.udesc.br/biblioteca/index.php>. Accedido el 17 de febrero de 2021. TELLES, Narciso; CARNEIRO, Ana (Org.). Teatro de rua: olhares e perspectivas. Río de Janeiro: E-papers, 2005.

85


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Direcciones de internet En la maraña de algoritmos en la que se convirtió la vida de los mortales en este planeta, pensamos que sería bueno reunir direcciones de Internet dirigidas a la práctica de la crítica en las áreas de circo, danza, teatro y otras variantes que se hacen presentes. La siguiente lista incluye fuentes de investigación y consulta fundamentales para la producción de análisis. Son blogs, sitios web, revistas electrónicas y portales que realimentan a quienes hacen y a quienes disfrutan de las artes escénicas (teniendo en cuenta que toda lista supone brechas). Individuales, colectivas o institucionales, las iniciativas evidencian una fuerte red de espacios imbuida de registrar y pensar una parte considerable de las creaciones que se hacen públicas en diferentes regiones de Brasil e incluso en el exterior. Un inventario provisional a la manera de brújula. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

86


Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro Como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – Uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

87


crítica em movimento: \La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero

Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES ESCÉNICAS Gerencia Galiana Brasil Coordinación Carlos Gomes Producción Felipe Sales Cocuraduría Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPEDIA Gerencia Tânia Rodrigues Coordinación Glaucy Tudda Producción Karine Arruda

88


NÚCLEO DE COMUNICACIÓN Y RELACIÓN Gerencia Ana de Fátima Sousa Coordinación Carlos Costa Edición Ana Luiza Aguiar (subcontratada), Milena Buarque y Valmir Santos (cocurador) Producción editorial Pamela Rocha Camargo y Victória Pimentel Diseño Estúdio Lumine (subcontratado) Supervisión de la revisión Polyana Lima Revisión del portugués Karina Hambra y Rachel Reis (subcontratadas) Traducción al español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado) Revisión del español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado)

89


Adiós Paraguay | foto: Comunicação IC


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.