Crítica em Movimento \ O papel da crítica de teatro no Brasil: do jornal impresso ao digital

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Memória e Pesquisa | Itaú Cultural Crítica em movimento: o papel da crítica de teatro no Brasil: do jornal impresso à plataforma digital / organização Itaú Cultural; [textos Valmir Santos, Ivana Moura, Edson Fernando Santos da Silva e Macksen Luiz]. - São Paulo : Itaú Cultural, 2021. - (Crítica em movimento ; 1) 539 Kb ; PDF ISBN 978-65-88878-10-1 1. Crítica. 2. Artes da cena. 3. Teatro. 4. Dança. 5. Circo. I. Instituto Itaú Cultural. II. Título. CDD 792.015 Bibliotecário Jonathan de Brito Faria - CRB-8/8697

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PT

Transformações da prática e do pensar crítico Valmir Santos

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Possíveis caminhos das críticas teatrais Ivana Moura

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Coisa de cretino: crítica teatral num pedacinho do Norte do Brasil Edson Fernando Santos da Silva

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Anotações sobre a crítica teatral jornalística Macksen Luiz

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Endereços na internet

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Ficha técnica

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Versión en español

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Transformações da prática e do pensar crítico 1. Jornalista, crítico e cocurador do Crítica em Movimento. Idealizador e editor do site Teatrojornal – Leituras de Cena desde 2010. É doutorando em artes cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou mestrado na mesma área.

Valmir Santos1

A fortuna crítica de uma obra corresponde ao campo de pensamento que ela instaurou quando veio a público editada, gravada, filmada, esculpida, pintada, apresentada ou performada. Os oito cadernos concebidos especialmente para a quarta jornada Crítica em Movimento desejam inverter um pouco essa expectativa ao articular 24 textos no âmbito justamente do fazer crítico. São visões heterogêneas do que consiste e de como se desdobra em criações em circo, dança e teatro, com variantes para intervenção e performance. Sabemos o quanto as circunstâncias históricas, sociopolíticas e culturais envolvem praticantes e partícipes, artistas, pesquisadores e, claro, espectadores-leitores. Realizado anualmente desde 2017 pelo Itaú Cultural (IC), o ciclo de debates discute a recepção das artes da cena e o imprescindível diálogo entre públicos, criadores e críticos. Em 2021, neste periclitante contexto da pandemia, o estímulo ao pensamento contorna a impossibilidade do encontro presencial por meio da veiculação de conteúdos reflexivos em texto e podcast. Além de ampliar o acesso, busca-se perenizar as discussões das três edições passadas, que abordaram a prática da crítica à luz de problemas desse ofício e contaram com a apresentação de espetáculos. Entre as pautas abarcadas estavam a precarização do trabalho no âmbito do jornal impresso e a busca pela sustentabilidade em contraponto ao mero diletantismo; o consistente avanço da análise na internet com ganas de reinvenção de estilo; e a adoção de novos procedimentos e de ideias consonantes com os estudos universitários e a inquietude da cena brasileira contemporânea. Também foram abordadas as realidades sociais de sujeitos colocados à margem e ancorados na dramaturgia de Plínio Marcos, bem como um recorte latino-americano e caribenho com obras e reflexões de representantes da Argentina, do Chile e de Cuba. Dado o insólito cenário do ano anterior, marcado pela irrupção global do novo coronavírus, uma das alternativas foi elaborar uma publicação on-line, com oito itinerários de escritas realizados por 25 pessoas do universo das artes da cena.

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\editorial

Cada volume enfeixa três análises estimuladas pelos seguintes motes: 1) o papel da crítica de teatro no Brasil – do jornal impresso à plataforma digital; 2) o vão entre a crítica e o circo; 3) estados da crítica de dança; 4) espaços digitais empenhados em artes cênicas; 5) a dificuldade da crítica em contracenar com o teatro de rua; 6) a cena engajada no contexto contemporâneo; 7) teatros peculiares na mão dupla com Cuba e Brasil; e 8) panorama do teatro latino-americano visto da ponte. Neste primeiro caderno, você percorre o tema “O papel da crítica de teatro no Brasil: do jornal impresso à plataforma digital”, explorado por artistas e pesquisadores que exercem a crítica no Pará, em Pernambuco e no Rio de Janeiro. O ator, diretor e professor de teatro Edson Fernando Santos da Silva nos conta do site Tribuna do Cretino, iniciativa experimental que ele encabeça desde 2013 e que passou a ser vinculada à Universidade Federal do Pará (UFPA). O autor argumenta como sua escrita é movida por recordar, fabular e presentificar: “Esses são os verbos motrizes daquilo que chamo de ‘criação crítico-literária’, ou simplesmente ‘crítica teatral’, modo pelo qual o Tribuna do Cretino: Produção Textual Crítica sobre Espetáculos de Teatro – projeto de extensão que coordeno na Universidade Federal do Pará desde 2015 – pensa e exercita a escrita de críticas teatrais, concentrando seu olhar na produção das montagens desenvolvidas na cidade de Belém do Pará”. Edson faz o exercício de escolher qual é o olhar a ser desenvolvido antes de escrever o texto. Por exemplo, para falar da montagem de mEU pOEMA iMUNDO (2020), do Coletivas Xoxós, escolheu como referência indicial o mundo visto pelo olhar de uma gorda: Wlad Lima, mulher, amazônida, artista de teatro, encenadora e dramaturga do trabalho performado por Andréa Flores antes do vírus Sars-CoV-2. “Desse modo, quando escrevo uma crítica, calculo de que ângulo vou olhar, perceber e abordar a montagem. E, se entrelaço os dramas pessoais da minha vida na tessitura da narrativa, então, ofereço sempre pistas consistentes para que o leitor consiga apreender esse meu lugar muito particular de fabulação.”

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Após reminiscências também pessoais que prenunciariam seu vínculo atávico com o ato crítico, a jornalista Ivana Moura narra como conheceu a crítica Mariangela Alves de Lima, no âmbito do Festival Recife do Teatro Nacional, em 1997. Ela divisa no desligamento de Mariangela do jornal O Estado de S. Paulo, em 2011, após 40 anos de colaboração, “o fim de um ciclo de prestígio do jornalismo cultural na imprensa brasileira”. Atualmente, diante dos “abalos sísmicos e reconfigurações da função”, a idealizadora e editora do blog Satisfeita, Yolanda?, no ar desde 2011, considera: “Enquanto o teatro se abriu a multiplicadas possibilidades, a crítica teatral precisou se reinventar (palavra bonita, mas de difícil execução). Diante da complexidade do território expandido do teatro, as ferramentas e os pressupostos herdados dos críticos modernos já não eram suficientes para o exercício reflexivo afetado por variações de paradigmas da cena e pelo domínio da internet e das redes sociais. O ator saiu do lugar de intérprete para o de ator-autor”. Tendo escrito por 28 anos no Jornal do Brasil (1982-2010), dedicado-se ao próprio blog desde 2011 e colaborado com O Globo (2014-2018), o crítico, jornalista e sociólogo Macksen Luiz retraça a evolução da crítica entre o Rio de Janeiro e São Paulo desde os pioneiros, como o jovem escritor Machado de Assis, em meados do século XIX, até Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi e Yan Michalski, já na fase de modernização do teatro no século XX. Ele soma essas vozes à sua para constatar o atual ponto de inflexão: “O crítico sobrevive nos poucos jornais e para rarefeitos leitores. Experimenta-se na plataforma digital com conteúdos encorpados para capturar público seletivo. Em qualquer meio – o convencional em fase restritiva e o emergente em período de teste –, o diálogo entre a produção crítica e a amplitude receptiva do espectador está fundamentado – e talvez esta seja a única certeza – na inquestionável permanência da atividade teatral”. Os demais escritos presentes na publicação on-line são assinados pela atriz Alice Guimarães, do Teatro de Los Andes (Bolívia); pela atriz e especialista em circo Alice Viveiros de Castro (SP); pelo encenador Altemar Di Monteiro, do grupo Nóis de Teatro (CE); pelo artista-pesquisador e professor chileno radicado em Fortaleza Héctor Briones (CE); pela docente, produtora e gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); pela atriz e pesquisadora teatral Camila Scudeler (Colômbia); pelo jornalista e crítico de

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dança Carlinhos Santos (RS); pelo artista transdisciplinar e crítico de dança Daniel Fagus Kairoz (SP); pelo ator e crítico de teatro Diogo Spinelli, do site Farofa Crítica (RN); pela professora e pesquisadora em circo Erminia Silva, em parceria com o pesquisador Daniel de Carvalho Lopes, ambos do site Circonteúdo (SP); pela diretora Fátima Pontes, coordenadora-executiva da Escola Pernambucana de Circo (PE); pelo ator e diretor Fernando Cruz, do Teatro Imaginário Maracangalha (MS); pelo ator e pesquisador teatral Lindolfo Amaral, do Grupo Imbuaça (SE); pelo diretor Luis Alonso-Aude, do grupo Oco Teatro Laboratório e do Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia (FilteBahia/BA); pelo pedagogo, crítico de teatro e pesquisador Luvel García Leyva (Cuba); pela atuadora e pesquisadora Marta Haas, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS); pela atriz e agitadora cultural Nena Inoue (PR); pela diretora e dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, do Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (BA); pela jornalista e crítica de teatro Pollyanna Diniz, do blog Satisfeita, Yolanda? (PE); pela pesquisadora em dança, bailarina e professora Rosa Primo (CE); e pela artista-pesquisadora e professora Walmeri Ribeiro, do projeto Territórios Sensíveis (RJ). Como se vê e se lê, é uma produção textual que se pretende geográfica e ideologicamente não hegemônica. Ela se derrama sobre o fazer crítico, suas potências e seus impasses nesta quadra da história do Brasil, em que as já insuficientes políticas públicas para as artes e a cultura enfrentam ataques beligerantes. Escuta ativa Em simbiose com os cadernos, o podcast Crítica em Movimento chama o público em geral a ativar a escuta reflexiva por meio de cinco episódios. Cada um deles traz uma pergunta para os convidados. No primeiro, Macksen Luiz e a crítica de teatro, pesquisadora e artista Daniele Avila Small, da Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais, ambos atuantes no Rio de Janeiro e de distintas gerações, respondem à pergunta: “Quais são os enfrentamentos da prática da crítica de teatro hoje?”. O tópico perpassa a precarização do trabalho remunerado, a migração do fazer crítico para a internet e como expandir a conversa com públicos, artistas e gestores culturais, com mediação do jornalista e crítico de teatro que escreve estas linhas.

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No segundo episódio, a pesquisadora, artista e docente Lourdes Macena (CE) e o ator e diretor Rogério Tarifa (SP) se dedicam à questão: “Como a crítica se relaciona com a noção do popular nas artes cênicas?”. Com mediação do pesquisador e professor Diógenes Maciel (PB), é um diálogo acerca da recepção de expressões culturais emanadas do povo, muitas vezes em oposição ao conhecimento formal, às normas e às ambições dos poderes políticos e econômicos em jogo na sociedade. “Qual é a percepção de quem cria a respeito do trabalho da crítica?” – eis o ponto do terceiro episódio. Para respondê-lo, foram ouvidos artistas de coletivos cênicos dos mais longevos do país: Tânia Farias, da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS), fundada em 1978, e o dramaturgo e diretor Edyr Augusto Proença, do Grupo Cuíra (PA), formado em 1982. A mediá-los, a pesquisadora, performer e jornalista Maria Fernanda Vomero (SP). Essa triangulação vai sondar como as suas respectivas criações são miradas por quem escreve crítica em suas regiões ou para além delas, uma vez que as realidades social, política e econômica do Brasil apresentam contrastes e convergências. A pesquisadora e docente Walmeri Ribeiro (RJ) e o ator Pedro Wagner, do Grupo Magiluth (PE), ruminam sobre como exercer olhares e escutas a partir da cena remota. A crítica de teatro e jornalista Luciana Romagnolli, editora do site Horizonte da Cena (MG), medeia os desafios da análise diante dos procedimentos artísticos que emergem dos tempos atuais e abrem precedentes para uma nova ideia de presença e corpo mediado. Por fim, o último episódio discute qual é o lugar da resistência na formação da crítica a partir dos olhares de Henrique Saidel (RS) e Dodi Leal (BA), artistas que radicam pesquisa, criação e docência em suas lidas cotidianas. Sob mediação da jornalista, crítica de teatro e professora Julia Guimarães (MG), os artistas prospectam de que maneira o estudo e o exercício da crítica podem implicar procedimentos de escrita e de pensares tão expandidos quanto a pulsante produção contemporânea. O programa pode ser acessado no site itaucultural.org.br ou tocado no seu aplicativo de podcasts favorito. Evoé.

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.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

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Possíveis caminhos das críticas teatrais 1. Jornalista, crítica e pesquisadora de teatro. Doutoranda em artes cênicas pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), possui mestrado em teoria da literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialização em jornalismo e crítica cultural pela mesma instituição e graduação pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). É idealizadora e editora do blog Satisfeita, Yolanda?, especializado em críticas e notícias de artes cênicas desde 2011.

Ivana Moura¹

Os olhos da minha mãe brilhavam quando íamos ao teatro. Levei-a inúmeras vezes para assistir aos espetáculos nos teatros do Recife – Santa Isabel, Apolo, Barreto Júnior, Parque e por aí vai. Como jornalista da área de cultura do jornal Diario de Pernambuco, eu recebia cortesias, às vezes, para os espetáculos. Dona Creuza, minha mãe, gostava de tudo, das montagens com atores famosos da televisão aos grupos experimentais, mas sempre fazia suas ressalvas. Quando criança, lembro que era todo um ritual para irmos às festas de Natal nos parques, com os brinquedos e as manifestações populares. Sua postura cúmplice diante das apresentações de reisado, folia, pastoril, mamulengo, bumba-meu-boi, chegança, fandango e maracatu só consegui compreender plenamente muitos anos mais tarde. Ela se identificava com o lúdico e com a luta dos chamados subalternos no coração da brincadeira. Fazia interpretações. E combatia o racismo e a injustiça do seu jeito. Pouco sabia ela dos rastros semânticos e imaginários dessas produções populares nordestinas, herdadas dos teatros medievais. E nada sobre as teorias da influência concebidas por Harold Bloom e T. S. Eliot e os estudos do intertexto e da paródia desenvolvidos por Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva, Gérard Genette e Linda Hutcheon. Mulher de minguada instrução formal e de poucas posses, mas dona de outras riquezas entre a ética e a estética. O encontro com essas artes vivas se transformou em momentos de felicidade. Despudorada felicidade. Meu pai preferia o circo, a praia e principalmente os livros, e buscou estimular nas quatro filhas o gosto pela leitura. Não sei de onde veio essa paixão pelas artes da cena, mas minha mãe contava com gosto das lembranças dos festejos nas Alagoas e em Pernambuco. Não sei se ela chegou a assistir a alguma encenação de Auto da Mula-de-Padre, O Bom Samaritano ou A Donzela Joana, de Hermilo Borba Filho. É provável que tenha visto alguma montagem do auto de Natal pernambucano Morte

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e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto. Sei bem que adorava Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, e que, quando saiu o DVD do filme, assistia com frequência e se divertia em cada sessão como se fosse a primeira. Certa vez, numa temporada no ano 2000, fomos ao Teatro Hermilo Borba Filho, no Recife, assistir à encenação Auto das Portas do Céu, de Ronaldo Correia de Brito, Assis Lima e Everardo Norões, com direção de Elisa Toledo Todd. Uma montagem belíssima, que evidenciava a tradição dramática do auto como fonte primordial e os vestígios das variações dos espetáculos populares nordestinos dinamizados.

2. Publicado em: ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007, p. 16-21.

À saída do teatro, o dramaturgo Ronaldo Correia de Brito perguntou à minha mãe se ela havia gostado. Ela respondeu que achara a peça bonita, mas preferia os folguedos tradicionais mais originais. O escritor comentou em seguida: “Agora já sei de onde vem a severidade da crítica”. Não foram exatamente essas palavras que usou, mas foi em tom delicado e que deixava entrever um traço de insatisfação por uma resposta inesperadamente tão sincera. Dona Creuzinha, como eu gostava de chamá-la, era assim, tão franca quando perguntavam sua opinião que, se alguém tivesse dúvidas se gostaria ou não da resposta, era melhor não perguntar. Essa lembrança me remete ao texto “Da grafia-desenho de minha mãe, um dos lugares de nascimento de minha escrita”,² de Conceição Evaristo, lindo como tudo que ela escreve, sobre as subjetividades forjadas nos afetos. E outra: lembro também das minhas andanças pelo interior de Pernambuco, quando repórter do matutino recifense, para coletar depoimentos dos mestres populares que se tornavam protagonistas no Carnaval. Cortadores de cana ou trabalhadores em empregos precários faziam a festa durante o período, liderando cavalos-marinhos, bumbas e maracatus. As desavenças entre eles também me chamavam atenção. Eram brigas para impor opinião. Para ver quem era o maioral, que fazia valer sua verdade. Fica a pergunta: por que lembrei disso quando o jovem Felipe Sales me convidou para escrever um texto com o tema “O papel da crítica de teatro no Brasil – do jornal impresso à plataforma digital”? A provocação é grande, a linha temporal e territorial é extensa. Entro em beco e saio em beco, como na música “Madalena”, de Gilberto Gil.

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Balança, mas não cai Muito se especulou sobre a falência da crítica em vários momentos do século XX e ainda neste século XXI. Cito dois exemplos: o primeiro, de 1999, do dramaturgo, crítico teatral e diretor da Companhia do Latão (SP), Sérgio de Carvalho. O outro, da professora, crítica e curadora Tania Brandão, de 2018. No apagar do século XX, o capitalismo estava avassalador (e só fez piorar, e vamos nos ajustando), com dentilhões do mercado dispostos a triturar todos os setores produtivos, inclusive a arte. Em tom apocalíptico, Carvalho escreve o artigo “O fim anunciado: a crítica teatral vive os seus últimos dias”, para a Revista Bravo!. “O processo de esvaziamento da crítica teatral na imprensa brasileira já dura mais de duas décadas. E esses que aí estão talvez constituam o nosso último grupo de críticos. Depois deles, ao menos na imprensa, será a morte da profissão”, diz mirando mais especificamente a função dentro das estruturas do jornalismo cultural. Também não é de entusiasmo o tom de Tania Brandão. Ela traça sua visão histórica e atual sobre o assunto no ensaio “A falência da crítica: formas da crítica teatral na história do teatro brasileiro”. No texto, a professora discorre sobre os efeitos do que ela chama de desaparecimento da imprensa-papel, posiciona a história da crítica no país do século XIX até hoje e ressalta que as marcas daquele século – atitude civilizatória, tom professoral, personalismo, colonialismo e submissão cultural – “geraram padrões permanentes de ação para o olhar crítico e para as formas de análise dos espetáculos”, e que essa prática autoritária e de desqualificação ainda vigora. Pareceu-me, salvo engano, uma visão bastante pessimista da atual conjuntura do teatro, que, segundo Brandão, “amarga a luta cotidiana para ter o que dizer, onde dizer, para ter público e repercussão social”, e da crítica, que “passa em cortejo fúnebre, desconhecida, com poucos seguidores concedendo-lhe um mínimo de atenção”. Talvez seja a condição do teatro, nesta época, ser uma arte para poucos – tendo-se como parâmetro uma partida de futebol ou um show de rock. Embora vivamos um estado de suspensão com a pandemia da covid-19, em que tudo se torna tão fugidio, é surpreendente que alguns espetáculos

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que juntavam cem espectadores presencialmente cheguem a alcançar um público dez vezes maior nas plataformas virtuais. E não vou desviar para a polêmica do ser ou não ser teatro o que é transmitido via redes sociais. Sobre a crítica, prefiro pensar em abalos sísmicos e reconfigurações da função. O mundo mudou. O teatro é visto como um “campo infinito”, potência de significação ilimitada, como verifica o pesquisador Christophe Bident, da Université de Picardie Jules Verne, na França. Mas essa potência está carregada de problematizações. Enquanto o teatro se abriu a multiplicadas possibilidades, a crítica teatral precisou se reinventar (palavra bonita, mas de difícil execução). Diante da complexidade do território expandido do teatro, as ferramentas e os pressupostos herdados dos críticos modernos já não eram suficientes para o exercício reflexivo afetado por variações de paradigmas da cena e pelo domínio da internet e das redes sociais. O ator saiu do lugar de intérprete para o de ator-autor. “O fato é que, sobretudo a partir dos anos 1980, os paradigmas de análise da crítica teatral frente às novas demandas expressivas foram atropelados por experiências artísticas velozes, inventadas adiante da produção crítica, principalmente a jornalística”, aponta o crítico Kil Abreu na publicação Crítica Teatral: da Organicidade à Deriva, de 2016. Eu me aproximo mais das posições defendidas por Clóvis Domingos dos Santos, Hamm Clóvis, de que esse território crítico foi transformado e o campo expandido da atuação do crítico, diante do quadro complexo, requer outras perspectivas. E isso leva ao estudo da pesquisadora Daniele Avila Small sobre o crítico ignorante, que não utiliza as muletas rígidas do julgamento, mas, antes, ousa se jogar para “exercer a liberdade de dialogar com as obras, interpretá-las, conversar com a sensibilidade daqueles que partilham da admiração, da curiosidade ou da inquietação por estas obras”. A virada performativa dos anos 1960 desestabilizou a cena. A virada do mapa comunicacional transformou o mundo em rede, e a rede em nichos, com a ascensão da internet e das novas mídias. Essa cultura com atributos próprios foi chamada de cibercultura por Pierre Lévy. O modelo tradicional de comunicação baseado na lógica de poucos para muitos foi substituído pelo formato de muitos para muitos. 13


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Criado em 2005 pelo pesquisador australiano Axel Bruns, gatewatching é um termo que se ajusta como modelo de seleção informativa. Comentários, compartilhamentos e recomendações funcionam como curadoria das publicações disponíveis. Essa seleção realizada pela comunidade de usuários pode resultar em uma nova forma de cobertura noticiosa. Na lógica de funcionamento do gatewatcher, uma figura conhecida em determinado nicho pode acionar o debate público nos microespaços de poder e fazer a pauta se multiplicar. Com o artigo “A escultura no campo ampliado”, de 1979, a crítica norte-americana Rosalind Krauss derrubou fronteiras na área da produção da escultura, e sua teoria foi adaptada a outras áreas, com expansões, deslocamentos e tensões. No campo expandido do teatro, muitas teorias e práticas passaram a conviver com o legado histórico de outras teorias dessa arte efêmera: teatro performativo (Josette Féral), teatros do real (Maryvonne Saison), teatro energético (Jean-François Lyotard), teatro pós-dramático (Hans-Thies Lehmann), teatralidades dissidentes (José Antonio Sánchez) e práticas cênicas liminares (Ileana Diéguez Caballero), entre muitos outros estudos. Esse quadro alterou espaços, tempos, sentidos, orientações e percepções. A crítica precisou largar a ideia de definição fechada das obras para se jogar numa experiência aberta e instável. O modelo modernista não mais era suficiente. Para existir, o crítico precisou e precisa se reinventar. Ao mesmo tempo, o modelo tradicional de comunicação de uma pessoa que escrevia, de sua coluna no jornal ou matéria na revista, para muitos lerem foi suplantado pela lógica da rede, de muitos para muitos – cruzamentos, nichos, muitos produzem conteúdo, outros muitos o consomem. Quando predominava a teoria anterior – gatekeeping –, segundo a qual o que se destacava nos meios de comunicação era feito com base em valores-notícia, linha editorial e outros critérios, o jornalista funcionava como um tipo de “guardião do portão”, aquele que selecionava a informação para chegar ao público. A internet bagunçou esse “reinado”, multiplicou canais e aboliu a ideia limitadora do espaço físico dos jornais, por exemplo. Não é à toa que o influenciador digital Felipe Neto, de 33 anos, apareça na lista dos cem líderes mais influentes do mundo em 2020 da revista Time, por seus 53 milhões de seguidores nas redes sociais – 41 milhões no YouTube e 12 milhões no Twitter.

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Enxugamento de espaços críticos na mídia tradicional Enxerguei o sinal vermelho quando a crítica teatral paulistana Mariangela Alves de Lima foi desligada do cargo, em 2011, depois de 40 anos de dedicação ao jornal O Estado de S. Paulo. A classe artística sentiu o drama. Sua interlocução com leitores, criadores e espectadores buscava ampliar percepções acerca do espetáculo analisado, sempre com elegância e perspicácia, abrilhantando e dando crédito ao jornalismo cultural do matutino. Ela não aceitou o novo ritmo de indústria cultural imposto e, principalmente, a precarização do seu ofício. Perderam os leitores e os artistas. Na época, o encenador José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina Uzyna Uzona, escreveu em seu blog um post intitulado “Má notícia para a história do teatro no Brasil”. Sua posição resume o sentimento dominante entre os que conheciam os textos de Mariangela: Mais que amor à primeira vista, com Mariangela senti no nosso primeiro encontro, na cena, atuando em Gracias, Señor, a comunhão de uma irmã animal, que buscava, naqueles tempos de escuridão, a Luz onde quer que ela se encontrasse. Nosso esbarrão foi em 1972, no auge da repressão da Ditadura Militar, no Teatro, no Subterrâneo do Ruth Escobar. [...] Senti que estava diante de uma sensitiva. Mariangela, uma jovem de 24 anos. Não estranhei nada quando voltando do Exílio comecei a ler suas extraordinárias críticas no Estadão. Mariangela nunca julgou ou julga [...] Mariangela ilumina com sua sabedoria sensível. Especifica o fenômeno teatral “em si”, interpreta o que tem à sua frente, ilumina o trabalho dos Artistas. Mariangela é uma das raras artistas da Crítica. Num campo em que artistas e críticos têm, algumas vezes, embates mais que acalorados, esse depoimento sinaliza uma outra relação possível.

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Conheci pessoalmente Mariangela na capital pernambucana, durante a articulação do primeiro Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN), em 1997. Ela, do Estadão, e o crítico Macksen Luiz, do Jornal do Brasil, eram dois convidados “estrangeiros” que integraram a comissão de seleção, ainda não chamada de curadoria naquela época. Os textos dela eram bálsamos, faróis de reflexão e delicadeza, mesmo os que faziam muitas ressalvas, severos na escrita. O FRTN foi muito importante, principalmente nos primeiros anos, para a circulação de ideias do teatro brasileiro contemporâneas e facilitou o acesso a espetáculos pouco comerciais, que dificilmente teriam pousado no Recife no final da década de 1990 e começo do novo milênio. Esses pensamentos circulantes em espetáculos, seminários e outras atividades certamente influenciaram a criação de coletivos como Grupo Magiluth, Coletivo Angu de Teatro, O Poste Soluções Luminosas, Cia. Fiandeiros e Cênicas Cia. de Repertório, para falar dos que permanecem em plena atividade. Eu trabalhava no Diario de Pernambuco como repórter e exercia a função de crítica. Durante alguns anos, participei desse processo de seleção de espetáculos para o festival e constatei como cada uma das primeiras edições do FRTN, na gestão de João Roberto Peixe, secretário entusiasta da cultura, modificava o cenário artístico da cidade. A saída de Mariangela representou o fim de um ciclo de prestígio do jornalismo cultural na imprensa brasileira, pensei tempos depois do episódio. É certo que outros críticos, do time dos grandes, continuaram alimentando as páginas dos jornais por mais alguns anos, como Barbara Heliodora e o próprio Macksen Luiz, que, depois do Jornal do Brasil, fundou um blog com seu nome, passando um tempo também em O Globo. Muitos outros exemplos são possíveis pelos brasis. As artes cênicas são um lugar provocador para autorreflexões teóricas, performativas e micropolíticas. Entre outros contratos para o exercício da crítica, vemos crescer nos últimos tempos a crítica de processo, um olhar de dentro do grupo, feito por pensadores contratados – críticos de ofício ou não, filósofos, historiadores, pesquisadores, artistas. Nessa ampliação de terreno para além da construção de textos e ensaios, o profissional se lança na curadoria e no ensino e vem testando outros caminhos.

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Sentindo a retração da cobertura crítica na imprensa, alguns festivais investiram em ações de pensamento e reflexões: desde a análise da obra com mais de um olhar – o que força a ampliação de visões – até discussões mais subjetivas, ou do núcleo duro da filosofia, da estética, da poética, da literatura, do teatro e das novas configurações do mundo. Entre os festivais que adotaram essas práticas, destaco a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), o Mirada: Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, da cidade de Santos (SP), o Festival Internacional de Teatro (FIT) de São José do Rio Preto, o Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (Fiac Bahia), o Festival de Teatro de Fortaleza e, em alguns momentos, o Festival Recife do Teatro Nacional. Penso que nenhuma crítica é inocente. Nunca foi e nunca será. Ela carrega um discurso do lugar em que é produzida. Em alguns momentos, tentou passar uma máscara de neutralidade, como ocorreu também com o jornalismo, numa conversa para boi dormir. Os jornais sempre estiveram a serviço de algum poder político ou econômico. Ou dos dois. A pergunta de Patrice Pavis é bastante pertinente: “Estamos ainda diante de um objeto estético estável, apreensível, descritível [...] ou diante de obras que se desmancham no ar, reduzidas apenas à experiência estética do espectador?”. As lutas afirmativas por direito têm ensinado muito e têm muito mais a ensinar sobre desconstrução de olhares coloniais, impregnados de machismo, racismo e misoginia, mais preconceitos de classe. O mundo é plural, a crítica também. O que não precisamos é de consenso!

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

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\Apêndice

O que é a crítica? “Foi Décio [de Almeida Prado] quem estabeleceu na imprensa brasileira o conceito antigo de que a crítica de Arte, na qual se insere a teatral, é uma obra literária, com princípios próprios, que exige conhecimentos e preparação específicos. Por esse conceito, a crítica teatral passou a ser respeitada nos jornais e revistas nacionais, com um espaço adequado.” (Clovis Garcia) “Sei, pelo estudo da história do teatro, que os críticos muitas vezes se enganaram, e provavelmente me incluo entre eles, embora não recorde nada de que deva me arrepender. É que julgo o amor pelo teatro e a boa-fé as qualidades primeiras da função de crítico.” (Sábato Magaldi) “Se cada leitor mesmo de uma crítica jornalística fizer seu debate pessoal com o que foi dito – sabendo que não há obrigatoriedade nem de concordar e nem de discordar com o crítico –, ele vai esclarecer para si mesmo as razões do seu gostei ou não gostei, e com isso tornar-se um espectador mais preparado.” (Barbara Heliodora) “O significado da arte pós-moderna, sugiro eu, é abrir amplamente os portões às artes do significado.” (Zygmunt Bauman) “Atualmente, a crítica está limitada em importância. Legitimidade e impacto sobre a carreira do espetáculo. Esse tipo de escritura depende, mais do que qualquer outra, das condições de seu exercício e do meio de comunicação utilizado. Desde o início do século, o espaço da rubrica teatral diminuiu consideravelmente, o que complica a análise e a avaliação.” (Patrice Pavis) “[...] importante sugestão deixada por Foucault: a de que ao crítico cabe reconhecer fundamentalmente não o igual, mas aquilo que é o diferente de nós. A almejada produção do dissenso como tarefa não começa, pois, apenas no confronto com formas carcomidas da crítica teatral. O dissenso só pode começar em nós mesmos.” (Kil Abreu) “Afinal, a crítica, texto assinado, associado a uma visão de mundo particular, resultado de uma herança pessoal única, não pode ser vista como produção objetiva, isenta, pura aplicação de conhecimentos objetivos ou

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aferição do bom uso de ferramentas neutras. Texto assinado equivale a dizer: fruto de uma biografia.” (Tania Brandão) “Na verdade, o bom crítico domina um instrumental teórico que pouco espectador possui, e tem o olho treinado para ver sutilezas, movimentos e gestos cênicos, conseguindo imediatamente relacioná-los à obra ou ao pensamento poético que os inspira ou que se pretende materializar cenicamente. Vê o espetáculo como um pensamento transformado em imagens, sons, movimentos, luzes, e discute esse pensamento. A leitura constante de boas críticas ajudará esse leitor a educar a sensibilidade, a desenvolver capacidade analítica, habilitando-se à perfeita fruição do produto estético – deixa de ser mero ‘consumidor’.” (Sebastião Milaré) “[...] O tipo de trabalho que Décio de Almeida Prado sempre desenvolveu no Estadão, e que eu cheguei ainda a adotar no JB, com qualquer espetáculo de importância sendo comentado através de uns três artigos sucessivos de até cinco laudas cada, só podia mesmo ser considerado hoje uma aberração. Daí a reduzir drasticamente o espaço disponível e o apoio dado à crítica foi apenas um passo.” (Yan Michalski) “Mas o crítico pode ter ainda um outro papel: o de educar o público. Não no sentido acadêmico da palavra, mas iniciando-o na linguagem teatral, fazendo-o refletir em sua função: a função do público.” (Bernard Dort)

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Referências ABREU, Kil. Crítica teatral: da organicidade à deriva. Teatrojornal – Leituras de Cena, 2016. Disponível em: https://teatrojornal.com.br/2016/05/critica-teatral-da-organicidade-a-deriva/. Acesso em: 15 mar. 2019. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. BRANDÃO, Tania. A falência da crítica: formas da crítica teatral na história do teatro brasileiro. Dossiê: teatro, epistemologia, decolonialidade e outras reflexões estéticas. Revista ouvirOUver, Universidade Federal de Uberlândia, v. 14, n. 1, 2018, p. 26-43. BRUNS, Axel. Gatewatching, not gatekeeping: collaborative online news. Media International Australia, Incorporating Culture & Policy, n. 107, 2003, p. 31-44. Disponível em: https://eprints.qut.edu.au/189/. Acesso em: 20 out. 2014. CARVALHO, Sérgio de. O fim anunciado: a crítica teatral vive os seus últimos dias. Revista Bravo!, São Paulo, v. 20, n. 20, ano 2, 1999, p. 22-24. DA RIN, Márcia. Crítica: a memória do teatro brasileiro. O Percevejo, n. 3, ano III, 1995. DORT, Bernard. O teatro e sua realidade. São Paulo: Perspectiva, 1977. GARCIA, Clovis. Décio, antes de tudo um crítico teatral. Revista Adusp, n. 19, mar. 2000. HELIODORA, Barbara. O trabalho do crítico. O Globo, Rio de Janeiro, 5 fev. 1997. MICHALSKI, Yan. O declínio da crítica na imprensa brasileira. Cadernos de Teatro, n. 100/101, jan.-jun. 1984. MILARÉ, Sebastião. A crítica teatral e sua função nos novos tempos. Antaprofana. Seção Atualidade-crítica.

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OLIVEIRA, Hayaldo Copque Fraga de. Propostas para uma crítica teatral contemporânea ou Qual a crítica possível? Repertório, Salvador, n. 20, 2013, p. 151-154. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Trad. sob direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. PAVIS, Patrice. A análise dos espetáculos. Trad. Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2011. PAVIS, Patrice. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2010. SANTOS, Clóvis; MACIEL, Paulo. O crítico e a função da crítica diante da cena contemporânea. Revista Cena, Porto Alegre, n. 28, maio/ago. 2019, p. 53-68. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/cena/article/view/92106. Acesso em: 20 out. 2020. SANTOS, Valmir. Sábato Magaldi revisita crítica em livro. Folha de S.Paulo. Ilustrada, E4, São Paulo, 21 out. 2006. SMALL, Daniele Avila. O crítico ignorante. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015.

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Coisa de Cretino: crítica teatral num pedacinho do Norte do Brasil

Edson Fernando Santos da Silva¹

1. Ator e diretor teatral em Belém do Pará desde 1996. Possui graduação em filosofia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), assim como especialização em semiótica e artes visuais e mestrado em artes; é doutor em artes pelo doutorado interinstitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)/ UFPA. É professor da carreira do magistério superior da UFPA desde 2011, onde coordena o projeto de extensão Tribuna do Cretino: Produção Textual Crítica sobre Espetáculos de Teatro e desenvolve pesquisas no Grupo de Investigação do Treinamento Psicofísico do Atuante (Gita).

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Imagine-se como personagem de um conto fabuloso. Nele, inexplicavelmente, você acorda caminhando por entre trilhas de letras desordenadas e soltas ao vento. A leve brisa que sopra contra seu rosto refresca a caminhada e, ocasionalmente, aproxima duas ou três letras, que se apaixonam perdidamente e logo trocam juras de amor eterno. Testemunha ocular desses súbitos enlaces afetivos – e sem conter o voyeurismo –, você acompanha o cortejo dionisíaco dessas criaturinhas fugazes: elas cantam, dançam, se beijam, se tocam e copulam freneticamente sem nenhum pudor. Enredado em meio a esses affairs, e sem perceber, você acompanha os atos lítero-eróticos que se desenham à sua frente. Seja bem-vindo ao universo de criação crítico-literária do projeto Tribuna do Cretino. ... e me deparo com o sorriso largo estampado no chão... saia azul marinho, camiseta de estampa, meias cinza e amarela, tênis cano altinho também amarelo. Ela me abraça no chão; abraço apertado, fofinho, cheio de afeto e leveza. Ela é leve. Caminha suavemente, mesmo estando quietinha deitada no chão (SILVA, 2020). Recordar, fabular e presentificar. Esses são os verbos motrizes daquilo que chamo de “criação crítico-literária”, ou simplesmente “crítica teatral”, modo pelo qual o Tribuna do Cretino: Produção Textual Crítica sobre Espetáculos de Teatro – projeto de extensão que coordeno na Universidade Federal do Pará (UFPA) desde 2015 – pensa e exercita a escrita de críticas teatrais, concentrando seu olhar na produção das montagens desenvolvidas na cidade de Belém do Pará. A citação anterior é parte de uma crítica teatral intitulada “Um solo de Wlad sem Wlad, com Wlad”, feita a partir da montagem mEU pOEMA iMUNDO (2020), do Coletivas Xoxós, cuja grafia é uma referência indicial do mundo visto pelo olhar de uma gorda: Wlad Lima, mulher, amazônida, artista de teatro.


No fragmento citado, recordo exatamente a primeira imagem com que me deparei quando entrei no Teatro do Desassossego:² o figurino da atuante que representa Wlad, Andréa Flores, arrumado no chão. Essa recordação imediatamente se articula com as memórias afetivas que tive e tenho ao lado de Wlad: ternura, carinho e amorosidade. É nessa dupla dimensão do recordar – recordação da imagem do figurino no teatro e recordação pessoal da relação afetiva com Wlad – que se instaura o fabular. É claro que uso o termo no sentido de ficcionar uma história, mas não somente: uso “fabular” como criação de uma estrutura narrativa que entrelaça as ações que se passam na própria montagem com as ações da minha trajetória pessoal. Vou tecendo, assim, uma narrativa que delineia o lugar da obra – o que se passa fisicamente no teatro –, o lugar da minha recepção da obra – como apreendo a montagem teatral – e o lugar para além da obra – espaço aberto para criar outras ações, relações, situações etc. Nesse fabular, abro fissuras no real, fendas que me permitem presentificar, ao meu modo e pelo ato da escrita, a montagem teatral, meu estado sinestésico, mas também uma série de relações dialético-poéticas. Você deve estar se perguntando: “Isso é uma crítica teatral ou coisa de gente cretina?”. Antes de responder, vamos a uma segunda tentativa:

2. Residência de Wlad Lima, que transformou seu porão em espaço cultural. Nas últimas duas décadas, os artistas da cidade criaram uma rede de espaços autopoiéticos, uma espécie de micropolítica de resistência para enfrentar a ausência de políticas culturais para a categoria. Sobre isso, ver a dissertação de mestrado de Roseane Moraes Tavares: Contradispositivos-Mapas de uma Rede de Espaços Artísticos Autopoiéticos em Belém do Pará, 2017.

A mesa, revestida de toalha de tecido florido, permite-lhes o encontro rotineiro para as trocas. Reúnem-se ali, ao centro da casa-cozinha-sala, acomodadas nos seus banquinhos de madeira crua. A conversa, em tom de solilóquio-solipsista, raramente se reverbera na troca de olhares entre elas. Fitam o infinito à sua frente, mas não com o desejo de repousar os olhos na solidão ou no vazio, e sim com o propósito de me encontrar na outra margem do rio que nos separa. E me encontram sempre, por mais que eu me recuse a permanecer olhando-as de frente. O olhar encantado das irmãs-matintas que são (?), exerce influência sobre mim, enleva a pele, enfeitiça e paralisa o movimento das sombras platônicas que ainda povoam a gruta de ideias constituída cul-

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turalmente em minha cabeça. Como flechas enfeitiçadas, suas palavras cortam o ar, atravessam o rio, rompem as paredes – a quarta, sobretudo – e conduzem meu olhar para o espelho d’água turvo que nos separa-cerca (SILVA, 2017, p. 32). O fragmento apresentado em minha defesa é de “Terra seca, gente seca. e o rio...”, crítica teatral a partir da montagem A Casa do Rio (2017), do Grupo Gruta de Teatro. A operação de recordar, fabular e presentificar também se encontra nela, mas perceba que a ênfase agora se desloca para o processo de autorreflexão que as personagens e o tema da obra me provocam: misticismo e ancestralidade amazônida envoltos nas águas dos rios. Chamo atenção, portanto, para um elemento fundamental nesse modo de pensar e exercitar a crítica teatral, isto é, aquilo que Roland Barthes chamou de “cálculo do lugar olhado das coisas” (1990, p. 85). Desse modo, quando escrevo uma crítica, calculo de que ângulo vou olhar, perceber e abordar a montagem. E, se entrelaço os dramas pessoais da minha vida na tessitura da narrativa, então ofereço sempre pistas consistentes para que o leitor consiga apreender esse meu lugar muito particular de fabulação. Sendo assim, preciso dizer aqui que nasci e morei praticamente toda a minha vida no Jurunas, bairro da periferia da cidade de Belém que se prolonga paralelamente às margens do Rio Guamá. Assim como as três irmãs personagens da montagem, cresci em relação direta e indireta com o rio, e esse fato nos entrelaça no drama da peça, mas também no drama real da minha vida. É isso que exploro no decorrer da minha crítica, sem deixar de realizar o recordar, o fabular e o presentificar. Por isso, desde 2018, digo sempre que é uma crítica feita a partir da montagem teatral, e não sobre a montagem teatral. Isso estabelece um marco que me permite envolvimento direto com a montagem, pois, ao me colocar a partir da experiência ocorrida no teatro, me considero parte dela, premissa elementar do próprio fenômeno teatral – encontro entre espectador e atuante. Não me comporto, portanto, como um analista frio e calculista que examina tudo tecnicamente e tece impressões críticas sobre aquilo de que mantém distância.

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É claro que isso não é uma regra fixa para quem deseja compartilhar uma crítica teatral em nossos espaços de publicação;³ trata-se de uma linha editorial que elege o exercício da palavra de caráter ensaístico como parâmetro para debates intertextuais, modos de escrita que vêm sendo testados por diversos colaboradores do projeto e que ultrapassam o convencional exercício de argumentação analítica da crítica teatral tradicional, pois se estabelecem na dialética entre ideias, afetos, elementos linguísticos, sensibilidade, conceitos, poiésis, imaginação, teorias, fenomenologias etc.

3. O projeto dispõe de dois modos de publicação: no site https://www. tribunadocretino. com.br/ e no periódico semestral impresso Tribuna do Cretino – Revista de Crítica em Teatro.

Considero coisa de Cretino, portanto, a renúncia ao desejo de dominar a obra teatral, de a interpretar, analisar, dissecar e enquadrar em categorias meramente formais e/ou conceituais; eliminar a distância entre crítico e obra, permitindo o surgimento de uma abordagem sinestésica, uma zona de contato em que ambos (crítico e obra) se encontrem lado a lado, compartilhando por meio de palavras vivas o que há de essencial na arte teatral: o encontro. Atuamos, nesse sentido, pela via do que Daniele Avila Small chama de processo de (re)moldurar o papel do crítico de teatro, em que é necessário fazer uma “redistribuição de cartas” (SMALL, 2015, p. 42) no jogo da crítica considerando um novo princípio operacional, a emancipação intelectual do espectador em detrimento do crítico como especialista – aquele que ocupou a redação dos grandes jornais do Brasil até a década de 1980 e, via de regra, se assentava na ideia da mediação entre obra e espectador, oferecendo “recursos” para “melhorar” sua fruição. Não há como negar as relevantes contribuições para o teatro de críticos como Anatol Rosenfeld (1912-1973), Décio de Almeida Prado (1917-2000), Sábato Magaldi (1927-2016), Yan Michalski (1932-1990), Barbara Heliodora (1923-2015), Jefferson Del Rios (1943) e Cláudio Heemann (1930-1999), que estabeleceram na imprensa brasileira um momento histórico no qual a crítica teatral dispunha de espaço e prestígio, além, é claro, de um domínio técnico de excelência. Inclusive, é necessário registrar como o nome do paraense José Eustáchio de Azevedo (1867-1943) foi negligenciado e segue invisibilizado pela história da crítica e do teatro brasileiro. Poeta, jornalista, teatrólogo, romancista e tradutor, Eustáchio de Azevedo foi um precursor da crítica no Brasil e, segundo Bene Martins e Mailson Soares, “um dos fundadores da Associação de Letras ‘Mina Literária’, instalada em Belém no

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4. A página originária do projeto pode ser conferida em: http://tribunado cretino.blogspot. com/. Acesso em: 29 dez. 2020.

ano de 1895. [...] Esta associação belenense antecedeu a própria Academia Brasileira de Letras e serviu de núcleo para a criação da Academia Paraense de Letras” (MARTINS; SOARES, 2019, p. 7). Esse período áureo da produção de crítica teatral no país por autores com conhecimento especializado no assunto, no entanto, já apresenta sinais de declínio em meados da década de 1980, segundo palavras do próprio Yan Michalski: [...] nas reuniões dos colunistas com os nossos superiores hierárquicos insistia-se no argumento de que o crítico se teria tornado, na imprensa atual, uma instituição ultrapassada, e teria de ser substituído por uma misteriosa nova figura denominada repórter-crítico (1984, p. 10). Com o advento da internet no Brasil, na virada do século XXI, ambientes virtuais como blogs, sites e redes sociais diversas oferecem espaço para o exercício de uma escrita de opinião, de depoimento pessoal, de julgamento personalizado sobre qualquer assunto, inclusive sobre teatro. É nesse flanco que nasce o Tribuna do Cretino, em julho de 2013, como iniciativa experimental e ainda sem vínculo com a UFPA. Na ocasião, eu me sentia incomodado com os dois grandes jornais da cidade – O Liberal, da família Maiorana, e Diário do Pará, da família Barbalho –, pois a linha editorial de ambos a respeito da produção artística da cidade e do estado se estabelecia – e se estabelece até hoje – pelo jornalismo informativo, limitando-se à mera divulgação de informações e serviços e, não raro, à reprodução de cópia dos releases enviados por e-mail, não se dando sequer ao trabalho de confrontar ou conferir as informações, sendo comum publicarem os eventos com dias e horários errados. Os mais cuidadosos limitam-se a uma “entrevista” por telefone, na qual procuram desesperadamente alguns conceitos-chaves para a compreensão do espetáculo. Acreditava, àquela altura, que tal situação seria revertida com a criação de um espaço virtual no qual qualquer pessoa interessada poderia compartilhar suas impressões críticas sobre uma montagem teatral. Criei o espaço na plataforma virtual do Blogspot4 e, nos seis primeiros meses, publiquei

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seis críticas, todas de minha autoria. Percebi que não bastava abrir o espaço; era necessária uma ação de fomento à produção de críticas teatrais, e aí ele se transformou num projeto de extensão da UFPA. Desde então, o projeto ofertou um curso de extensão, dois minicursos e três oficinas, todos voltados para a produção de críticas teatrais. Um dos primeiros frutos dessa ação formativa não tardou a florescer: em abril de 2014, após participar da primeira oficina de crítica do Cretino, Arthur Ribeiro, professor de língua portuguesa e então estudante do curso técnico de teatro da UFPA, cria o blog O Teatro como Ele É5 e se alia, com sua página virtual pessoal, à árdua tarefa de produzir reflexão crítica sobre a cena teatral paraense.

5. O blog pode ser conferido em: https://oteatroco moelee.wordpress. com/. Acesso em: 29 dez. 2020.

Mas é curioso observar como, nos três primeiros anos do Cretino, meu pensamento ainda estava alinhado à perspectiva da “crítica de especialista”. Atribuo isso ao meu academicismo, fundamentalmente dado por minha formação no curso de filosofia da UFPA em 2000. Nesses anos iniciais, portanto, o projeto intentava discutir linguagem, debater os elementos técnicos das montagens e combater o que eu denominava de “prática artística cretina”, isto é, “aquela que se limita a misturar os elementos de encenação ou mesmo as diversas linguagens artísticas sem nenhum critério fundamentado numa poética ou em qualquer outro âmbito”, como afirmei no editorial da primeira revista impressa. O nome do projeto também denota o desejo por uma espécie de parecer técnico especializado sobre as montagens: o termo “cretino” vem de uma expressão de Nelson Rodrigues – “Ao cretino fundamental, nem água” – em que o anjo pornográfico se remete ao pensamento medíocre, manobrável e que se satisfaz em repetir ideias estabelecidas sem nenhum pensamento crítico. A “cretinice” que eu identificava na produção teatral local dizia do uso frequente e indistinto dos conceitos “performance”, “pós-dramático” e “experimentação” para justificar as propostas poéticas. Isso me irritava. O Cretino nasce para combater essa prática por meio da reflexão crítica, fundamentada em aportes teórico-conceituais. O marco dessa mudança vem no ano de 2017, com a leitura do livro O Crítico Ignorante, de Daniele Avila Small, momento em que a perspectiva da “crítica de artista”, que retratei ao meu modo no início, assume o horizonte das ações do projeto, mantendo-se até hoje. Acredito que, nessa nova abordagem, o Cretino vem fortalecendo ações para a emancipação intelectual dos seus

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leitores-espectadores, fazendo com que entendam, primeiramente, que não é necessário ser um especialista na linguagem do teatro para produzir uma crítica, mas, sim, estar disposto a compartilhar suas percepções, ao seu modo e com referências pessoais. Desde então, o Cretino amplia seu alcance e incentiva a escrita de críticas teatrais na cidade, totalizando mais de 180 publicações em 2020 – no periódico impresso e na plataforma virtual –, com autores de diversas áreas profissionais, entre os quais destaco: professores e estudantes de teatro, performers, atores, atrizes, historiadores, servidores públicos, sociólogos, jornalistas, psicólogos, dramaturgos, produtores culturais, assistentes sociais e estudantes de vários outros cursos (dança, geografia, filosofia, administração, história, jornalismo e pós-graduação em arte). Alguns deles se tornaram colaboradores assíduos do projeto, outros colaboram mais esporadicamente. Ao seu modo, no entanto, cada um exercita sua emancipação intelectual praticando o recordar, o fabular e o presentificar a experiência proporcionada no encontro teatral. E isso me parece um papel fundamental que a crítica teatral deve exercitar no Brasil atualmente, pois assim contribui para a diversificação e a ampliação do debate público das questões urgentes que nos atravessam estética, filosófica, política e socialmente. Emancipar intelectualmente o espectador de teatro contribui, de maneira decisiva, para o fortalecimento de uma cidadania crítica e humanística, algo tão precioso nestes tempos de obscurantismo e negacionismo que vivemos, emblemas do atual cretino fundamental. Contra essa espécie de cretinice, Nelson já nos deu a receita: nem água!

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

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Referências BARTHES, Roland. Diderot, Brecht, Eisenstein. In: O óbvio e o obtuso: ensaios críticos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. MARTINS, Bene; SOARES, Mailson. Apreciações dramatúrgicas: apontamentos cênicos de José Eustáchio de Azevedo – reflexões sobre a crítica e sobre o crítico teatral brasileiros. Revista Sentidos da Cultura, v. 6, n. 11, jul.-dez. 2019, p. 5-19. MICHALSKI, Yan. O declínio da crítica na imprensa brasileira. Cadernos de Teatro do Tablado, n. 100, jan.-jun. 1984, p. 10-13. SILVA, Edson Fernando Santos da. Apresentação. Revista Tribuna do Cretino, v. 1, n. 1, 2015, p. 7-9. SILVA, Edson Fernando Santos da. Terra seca, gente seca. E o rio... Revista Tribuna do Cretino, v. 3, n. 6, 2017, p. 32-35. SILVA, Edson Fernando Santos da. Um solo de Wlad sem Wlad, com Wlad. Disponível em: https://www.tribunadocretino.com.br/l/um-solo-de-wlad-semwlad-com-wlad-por-edson-fernando/. Acesso em: 22 set. 2020. SMALL, Daniele Avila. O crítico ignorante. Rio de Janeiro: 7Letras, 2015. TAVARES, Roseane Moraes. Contradispositivos-mapas de uma rede de espaços artísticos autopoiéticos em Belém do Pará. 2017. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Ciências da Arte, Universidade Federal do Pará, Belém, 2017.

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Anotações sobre a crítica teatral jornalística 1. Formado em sociologia pela Escola de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/Rio), é jornalista profissional desde 1967. Atuou como crítico teatral do Jornal do Brasil (1982-2010) e do O Globo (2014-2018). Em 2011, criou o blog macksenluiz. blogspot.com. Foi curador do Festival Recife do Teatro Nacional (19982002) e do Festival de Teatro de Curitiba (1992-2005). É autor do livro Macksen Luiz et alii (Edições Sesc São Paulo, 2017).

Macksen Luiz¹

Nada parecerá mais improvável do que as ligações do jornalismo com o teatro num país como o Brasil, em que um aportaria no século XIX e o outro encontraria a sua expressão moderna apenas em meados do século XX. O tempo, imperioso cotidiano do fato nas folhas e volátil no registro em palco, manteve o paralelismo etário, que sustenta essa convivência desde o surgimento da imprensa nacional, com as primeiras manifestações teatrais sistematizadas. No Brasil dos anos 1800, os jornais reproduziam matriz importada com fragilidade impressa nos seus meios artesanais e na precariedade numérica de seus leitores. Os teatros, com pouco mais do que raras incursões de companhias francesas e de algumas portuguesas, tinham na plateia provinciana e rarefeita um aglomerado de espectadores que se reuniam em celebração social. A partir da terceira década do século, os anais da imprensa registram o nome do primeiro crítico teatral do país, Justiniano José da Rocha, e começa a se esboçar algum desenho de produção nativa, tanto de companhias quanto de autores. No rastro desse panorama iniciante, os jornais incorporam intelectuais dispostos ao exercício crítico, numa prática voltada mais para o literário do que para a matéria cênica. Entre esses críticos pioneiros, Machado de Assis foi um atento observador por exatos 20 anos, assíduo nas plateias das intermitentes temporadas. Escrever crítica e crítica de teatro não é só uma tarefa difícil, é também uma empresa arriscada. A razão é simples. No dia em que a pena, fiel ao preceito da censura, toca um ponto negro e olvida por momentos a estrofe laudatória, as inimizades levantam-se de envolta com as calúnias. Então, a crítica aplaudida ontem é hoje ludibriada, o crítico vendeu-se, ou por outra, não passa de um ignorante a quem por compaixão se deu algumas migalhas de aplauso. Esta perspectiva poderia fazer-me recuar ao tomar a pena do folhetim dramático, se eu

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não colocasse acima dessas misérias humanas a minha consciência e o meu dever. Sei que vou entrar numa tarefa onerosa; sei-o, porque conheço o nosso teatro, porque o tenho estudado materialmente; mas, se existe uma recompensa para a verdade, dou-me por pago das pedras que encontrar no caminho. [...] Estes preceitos, que estabeleço como norma do meu proceder, são um resultado das minhas ideias sobre a imprensa, e de há muito que condeno os ouropéis da letra redonda, assim como as intrigas mesquinhas, em virtude de que muita gente subscreve juízos menos exatos e menos de acordo com a consciência própria.²

2. Trechos da crítica de Machado de Assis – publicada no Diário do Rio de Janeiro em 29 de março de 1860 – à peça Mãe, de José de Alencar.

Nas primeiras quatro décadas do século XX, a imprensa da então capital federal mantinha com o teatro a mesma esporádica frequência com que as companhias de fora chegavam por aqui, e os incipientes grupos locais se aglutinavam em torno de atuações grandiloquentes com sotaque lusitano. Críticos existiam, uns poucos expunham suas leituras de autores franceses e referências clássicas em aluguel beletrista das representações teatrais. Os anos 1940 anunciaram mudanças decisivas, que seriam consolidadas nas reformas editoriais e gráficas dos jornais, e na sintonia do teatro com a “profissionalização”. É o momento em que Os Comediantes trazem “as novidades” de Vestido de Noiva, o Teatro Brasileiro de Comédia inicia seu trajeto empresarial-artístico, a Escola de Arte Dramática experimenta didáticas, e surge uma geração de atores que se transformaria em elenco com validade histórica. Não por acaso, um nome está associado direta ou indiretamente a esses marcos da cena brasileira: Décio de Almeida Prado, que estreava a moderna crítica teatral. Por 22 anos (até 1968), assinou coluna em O Estado de S. Paulo, conjugando erudição com linguagem clara e apurada, dirigindo-se em equilibrada dosagem à classe artística e ao leitor de jornal. Essencialmente formador, participou como “ativista” na renovação da análise crítica, estabelecendo padrões da escrita e alianças solidárias com os criticados, apoiados na coerência intelectual e na ética profissional. Décio também desarmou o compadrio de alguns críticos/ colunistas de então, que se tornavam apenas apêndices/divulgadores do objeto de sua avaliação.

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3. Trechos de prefácio de Décio de Almeida Prado do seu livro Exercício Findo, reunião de críticas feitas entre 1964 e 1968.

[O crítico é] alguém que tem que pensar depressa – às vezes nos poucos minutos que medeiam o fim do espetáculo e o início da impressão do jornal – sobre peças, atores e encenadores que nem sempre passaram em julgado. Um profissional que tem de separar o joio do trigo, adivinhar a semente que germinará numa operação quase instantânea, sob a pressão de modismos passageiros, de ondas de entusiasmo ou de descrédito, tanto suas, estritamente pessoais, quanto da comunidade teatral a que pertence. [...] Não que por causa disto se deva considerar verdades eternas cada frase consignada pelo crítico no papel. Ao contrário, acredito que sua apreciação não representa mais do que uma opinião entre muitas outras. [...] Não existe, portanto, essa figura mítica: o crítico modelo. O que pode e deveria haver em cada centro teatral é um elenco crítico bem distribuído, bem equilibrado, comportando várias tendências estéticas e vários tipos de personalidade. [...] Nessa república platônica dos nossos sonhos só estariam excluídos da profissão os ignorantes, os de má fé, os insensíveis à arte, os tolos, os invejosos de êxitos alheios. A severidade, por si mesma, não contaria pontos a favor ou contra. Saber admirar, ao contrário do que frequentemente se pensa, não é nem mais nem menos difícil do que saber censurar.3 Os anos 1960 fixaram os cadernos de cultura como parte diária e permanente do corpo editorial dos maiores jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os críticos de então – entre eles, Sábato Magaldi, no Jornal da Tarde e em O Estado de S. Paulo, e Yan Michalski, no Jornal do Brasil – se incorporaram ao quadro de funcionários das empresas, com garantias semelhantes às dos demais jornalistas da redação. Caracterizam-se a função do “crítico profissional” e a prática regular de publicações, registrando temporadas cada vez com maior número de espetáculos e diversidade de tendências.

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Anotações sobre a crítica teatral jornalística

Oficina, Teatro dos Sete, Teatro de Arena e Companhia Cacilda Becker estavam em cartaz seguidamente, enquanto autores como Plínio Marcos, Dias Gomes e Jorge Andrade desenhavam, com traços definidores, suas dramaturgias. Jovens diretores (José Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal, Flávio Rangel) definiam rumos de futuras carreiras. Coparticipante das mudanças e de tantas e instigantes propostas de renovação, o crítico exerce a sua profissionalização com a independência que exige o jornalismo e o apoio teórico que informa o seu pensamento. A disponibilidade de espaço se refletia na frequência com que críticas e artigos eram editados (às vezes, mais de três por semana) e no imediatismo das estreias. Antes da crítica mais extensa, que poderia se alongar por duas ou mais edições sobre o mesmo espetáculo, havia a Primeira Crítica, impressões iniciais disponíveis ao leitor já na manhã seguinte à estreia. As crescentes investidas da censura eram denunciadas por críticos, a postos para apontar arbitrariedades e ressaltar o ridículo de várias sanções. Não é fácil conceituar a função da crítica. Um espetáculo pode, perfeitamente, preencher seus objetivos, realizando-se como arte e atingindo o público, sem receber um só comentário da imprensa. Acresce que, se examinarmos o papel desempenhado pela crítica através dos tempos, seremos coagidos a concluir que suas manifestações representam uma história de equívocos. [...] O crítico precisa ser sensível às mutações contínuas da realidade teatral. [...] precisa detectar as tendências incipientes, protegê-las quando em pleno processo de afirmação e denunciar seus descaminhos, repetições e depauperamento. [...] Alega-se, às vezes, que haveria um prazer sádico em destruir, quando é muito difícil a construção. Não creio que os críticos padeçam desse mal. Na minha longa carreira, sempre fiz restrições com extremo desgosto, sentindo-me contente ao elogiar. Porque o crítico, à semelhança de qualquer espectador, gosta de ver um bom espetáculo, e sente perdida a noite se não aproveitou nada do que viu.

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4. Trechos do artigo “A função da crítica teatral”, de Sábato Magaldi, no livro Depois do Espetáculo, publicado em 2003.

Até para o deleite pessoal, o crítico encara o seu papel como o de parceiro do artista criador, irmanados na permanente construção do teatro.4 A década de 1970 começou em 1968, marcada não pela convenção temporal, mas pelo calendário político, já que esse foi o ano da promulgação do Ato Institucional no 5 (AI-5). Desde então, imprensa, teatro e toda a malha social do país ficaram sujeitos à ação repressora da censura, determinando o que poderia ser lido, visto e vivido. Circunscritos aos limites predatórios da livre expressão, os jornais e os palcos estabeleciam meios transversos para denunciar o arbítrio censório. Receitas culinárias ocupavam espaços de textos censurados e metáforas e elipses tentavam levantar a cortina que encobria o cenário real. Jornalistas, críticos e autores criavam malabarismos verbais para deixar visível, ao menos em parte, aquilo que a legislação pretendia ocultar. Faziam-se alusões, desbravavam-se atalhos e driblavam-se barreiras, procurando manter a clareza e o compromisso com o rigor da reflexão. Permitam-me, a propósito, um depoimento pessoal, talvez ilustrativo num certo sentido. Venho exercendo a crítica há 15 anos. Estatisticamente, é provável que estes 15 anos representem muito mais da metade de duração total da minha carreira. Analisando retrospectivamente esses anos de trabalho, não posso negar a sensação, resultante da constatação do enorme empobrecimento que o meu trabalho sofreu em decorrência das limitações que os censores impuseram ao repertório que me era dado ver e analisar. Para proteger-me contra aquilo que na sua unilateral opinião poderia ser perigoso para a minha formação moral e ideológica, os censores impediram-me de testar minha capacidade crítica contra o pano de fundo de toda uma série de obras ótimas ou péssimas, que só poderiam ter aguçado essa capacidade; negaram-me a possibilidade de contato com experiências e tendências que só poderiam ter

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Anotações sobre a crítica teatral jornalística

ampliado a minha visão do fenômeno teatral; condenaram-me a milhares de horas assistindo a um teatro emasculado, de voo controlado, e outras tantas horas escrevendo sobre esse teatro. É claro que só posso considerar essa interferência como grave handicap na minha formação profissional, com o empobrecimento da minha carreira, consequentemente, com irrecuperável prejuízo à minha realização como indivíduo, e em última análise como diminuição dos serviços que eu poderia potencialmente ter prestado à coletividade.5

5. Trecho do artigo “Censura, um mau negócio para todos”, de Yan Michalski, no livro Reflexões sobre o Teatro Brasileiro no Século XX, publicado em 2004.

O fim da censura (oficialmente, em 1985) encontrou a imprensa e o teatro em fase de ajustamento de protocolos. O processo de redemocratização ampliava o debate político e integrava questões cênicas às mudanças estéticas e de produção dos anos 1980 e 1990. Os segundos cadernos se voltaram para a cultura sob a perspectiva do consumo, setorizando o espaço crítico como área de opinião indicativa. Em fases alternadas, ao sabor da troca de editores, a análise crítica ganhava maior ou menor destaque, convivendo com as simplistas e redutoras estrelinhas classificatórias. Os jornais tinham tiragens expressivas e leitores com expectativa variável, mas aparentemente conduzidos pela maior ou menor contundência no estilo de cada crítico. A cena teatral se reagrupava em torno de novos encenadores (Gerald Thomas, Gabriel Villela, Felipe Hirsch, Bia Lessa) e ordenação produtiva, via lei de fomento. Comédias e musicais estavam na linha de frente das temporadas, infladas com quantidade de montagens superior à realidade do mercado. Os críticos mais atuantes, ligados às empresas jornalísticas, exerciam suas atribuições de modo extensivo, com cobertura de grande parte de espetáculos inexpressivos e desprovidos de qualquer interesse. A crítica caía na rotina da agenda de estreias, surpreendendo o leitor ao ganhar espaço e se aprofundar sobre encenações de ruptura ou linguagens de códigos menos convencionais, reagindo com recusa ao espetáculo e ao crítico-jornalista. Os últimos 20 anos agravariam a profunda crise econômica e identitária da imprensa. O fechamento de jornais e a avassaladora primazia da tecnologia digital redistribuíram, nesses anos 2000, a informação, fragmentando o

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interesse do leitor, acelerando de modo abissal a velocidade de sua recepção. Com plateias mais restritas, acomodado a um sistema de produção de mão única e hesitante diante de possibilidades investigativas de estéticas cênicas, o teatro converge para um ponto de inflexão. O crítico sobrevive nos poucos jornais e para rarefeitos leitores. Experimenta-se na plataforma digital com conteúdos encorpados para capturar público seletivo. Em qualquer meio – o convencional em fase restritiva e o emergente em período de teste –, o diálogo entre a produção crítica e a amplitude receptiva do espectador está fundamentado – e talvez esta seja a única certeza – na inquestionável permanência da atividade teatral. A efemeridade do ato teatral não compromete a sua eternização. Total, quando se completa na cena e se projeta na plateia, se faz permanente nos traços que deixa em cada um dos que o constroem e assistem a ele. É fugaz na dificuldade de se reproduzir como registro histórico, visual ou jornalístico. Estreitamente relacionado a seu tempo e amplo na revitalização milenar de seus meios expressivos, o ato teatral se deixa capturar pelas sensibilidades do momento, pelas emoções do instante e pela longevidade do pensamento. Reviver no presente as progressões do passado é da natureza da criação, que extrapola da documentação dramatúrgica para a contemporaneidade da cena. Acompanhar esse avanço é assistir à invenção em estado inquietante. Ficar cara a cara com a experiência humana em sua beleza e sordidez, percorrer memórias com alegria e melancolia, ter a inteligência provocada pelo desafio do desconhecido e a ruptura com o já sabido, num exercício infindo de se descobrir a cada ida ao teatro. O tempo da cena é finito; os sentimentos que provoca são infinitos. Tentar capturá-los em palavras, divulgá-los como atividade profissional, dispor-se a vivê-los como atos generosamente oferecidos são práticas

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Anotações sobre a crítica teatral jornalística

de uma vida de espectador que se confundem com a impermanência de uma arte inesgotável na mutabilidade com que enfrenta a passagem dos séculos. Um curto período da atividade de crítica teatral no Jornal do Brasil (1982-2010) expõe a tentativa de me debruçar sobre o palco como vivência – reflexiva, amorosa, definitiva. Em tão pouco tempo, é possível reter somente os fragmentos de uma experiência artística que nunca se desvinculou da vida real. É tentar reter a extensão da sua complexidade técnica e o prazer de usufruir de tudo o que cabe no humano. E, no teatro, o humano se mostra na sua totalidade.⁶

6. “A permanência do efêmero”, abertura do livro Macksen Luiz et alii, seleção de críticas do autor publicada em 2017.

.:. Este texto é de exclusiva responsabilidade de seus autores e não reflete necessariamente a opinião do Itaú Cultural.

Referências ASSIS, Machado de. Obras completas – Machado de Assis. Crítica teatral. v. 29. [S. l.]: Livro do Mês S.A., 1961. LUIZ, Macksen. Macksen Luiz et alii. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017. MAGALDI, Sábato. Depois do espetáculo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. MICHALSKI, Yan. Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. PRADO, Décio de Almeida. Exercício findo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.

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Endereços na internet No emaranhado de algoritmos que se tornou a vida dos mortais neste planeta, achamos por bem reunir endereços na internet voltados para a prática da crítica nas áreas de circo, dança, teatro e demais variantes que instauram presença. A relação a seguir inclui fontes de pesquisa e consulta seminais para a produção de análise. São blogs, sites, revistas eletrônicas e portais que realimentam quem faz e quem frui artes cênicas (considerando-se que toda lista pressupõe lacunas). Individuais, coletivas ou institucionais, as iniciativas evidenciam uma alentada rede de espaços imbuída de registrar e pensar parte considerável das criações vindas a público em diferentes regiões do Brasil e, inclusive, no exterior. Um inventário provisório à maneira de bússola. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

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Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

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Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES CÊNICAS Gerência Galiana Brasil Coordenação Carlos Gomes Produção Felipe Sales Cocuradoria Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPÉDIA Gerência Tânia Rodrigues Coordenação Glaucy Tudda Produção Karine Arruda

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NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E RELACIONAMENTO Gerência Ana de Fátima Sousa Coordenação Carlos Costa Edição Ana Luiza Aguiar (terceirizada), Milena Buarque e Valmir Santos (cocurador) Produção editorial Pamela Rocha Camargo e Victória Pimentel Design Estúdio Lumine (terceirizado) Supervisão de revisão Polyana Lima Revisão do português Karina Hambra e Rachel Reis (terceirizadas) Tradução para o espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado) Revisão do espanhol Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (terceirizado)

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ES

Transformaciones de la práctica y del pensar crítico Valmir Santos

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Posibles caminos de las críticas teatrales Ivana Moura

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Cosa de Cretinos: Crítica teatral en un rinconcito al norte de Brasil Edson Fernando Santos da Silva

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Notas sobre la crítica teatral periodística Macksen Luiz

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Direcciones de internet

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Ficha técnica

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Transformaciones de la práctica y del pensar crítico

Valmir Santos1

1. Periodista, crítico y cocurador de Crítica em Movimento. Creador y editor del sitio web Teatrojornal - Leituras de Cena desde 2010. Es doctorando en artes escénicas de la Universidad de São Paulo (USP), donde también realizó una maestría en esa misma asignatura.

La fortuna crítica de una obra corresponde al campo de pensamiento que instituyó cuando se hizo pública a través de edición, grabación, escultura, pintura, presentación e interpretación. Los ocho cuadernos diseñados especialmente para la cuarta jornada Crítica em Movimento tienen el objetivo de invertir un poco esta expectativa al articular 24 textos justo en el ámbito del hacer crítico. Son visiones heterogéneas de en qué consiste y cómo se despliega en creaciones en circo, danza y teatro, con variantes para intervención y performance. Sabemos cuánto las circunstancias históricas, sociopolíticas y culturales involucran a practicantes y participantes, artistas, investigadores y, por supuesto, espectadores-lectores. Realizado anualmente por Itaú Cultural desde 2017, el ciclo de debates aborda la recepción de las artes escénicas y el diálogo imprescindible entre público, creadores y críticos. En 2021, en este contexto difícil de la pandemia, el estímulo al pensamiento supera la imposibilidad del encuentro presencial por medio de la circulación de contenidos reflexivos en texto y podcast. Además de ampliar el acceso, se busca perpetuar las discusiones de las tres ediciones anteriores, que abordaron la práctica de la crítica a la luz de problemas del oficio e incluyeron la presentación de espectáculos. Entre los temas tratados se encuentran la precarización del trabajo en el ámbito del periódico impreso y la búsqueda de la sostenibilidad como contrapunto al mero diletantismo; el constante avance del análisis en Internet, con el deseo de reinventar el estilo; y la adopción de nuevos procedimientos e ideas en consonancia con los estudios universitarios y la inquietud de la escena brasileña contemporánea. También se abordaron las realidades sociales de sujetos marginados y anclados en la dramaturgia de Plínio Marcos, así como una selección latinoamericana y caribeña de obras y reflexiones de representantes de Argentina, Chile y Cuba. Ante el insólito escenario del año anterior, marcado por el brote global del nuevo coronavirus, una de las alternativas fue desarrollar una publicación

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\editorial

en línea, con ocho itinerarios de escritos realizados por 25 personas del universo de las artes de la escena. Cada volumen reúne tres análisis estimulados por los siguientes temas: 1) El papel de la crítica teatral en Brasil - del periódico impreso a la plataforma digital; 2) La brecha entre la crítica y el circo; 3) Estados de la crítica de danza; 4) Espacios digitales dedicados a las artes escénicas; 5) La dificultad de la crítica de coprotagonizar con el teatro callejero; 6) La escena militante en el contexto contemporáneo; 7) Teatros peculiares en la doble vía con Cuba y Brasil; y 8) Panorama del teatro latinoamericano visto desde el puente. En este primer cuaderno se aborda el tema «El papel de la crítica teatral en Brasil: del periódico impreso a la plataforma digital», explorado por artistas e investigadores que ejercen su crítica en Pará, Pernambuco y Río de Janeiro. El actor, director y profesor de teatro Edson Fernando nos cuenta sobre el sitio web Tribuna do Cretino, una iniciativa experimental que lidera desde 2013 y que ahora está vinculada a la Universidad Federal de Pará (UFPA). Él habla de cómo su escritura es impulsada por el recordar, fabular y presentificar: «Estos son los verbos motores de lo que denomino “creación crítico-literaria”, o simplemente “crítica teatral”, modo en que Tribuna do Cretino: Produção Textual Crítica sobre Espetáculos de Teatro [Producción Textual Crítica sobre Espectáculos de Teatro] —proyecto de extensión que coordino en la Universidad Federal de Pará desde 2015— piensa y ejercita la escritura de críticas teatrales, enfocando su mirada en la producción de los montajes desarrollados en la ciudad de Belém do Pará». Edson hace el ejercicio de elegir la mirada que desarrollará antes de escribir el texto. Por ejemplo, para hablar del montaje de mEU pOEMA iMUNDO (2020), de Coletivas Xoxós, eligió como referente indiciario el mundo visto a través de la mirada de una mujer gorda: Wlad Lima, mujer, amazonense, artista de teatro, directora y dramaturga del trabajo presentado por Andréa Flores antes de la aparición del virus Sars-CoV-2. «Así, cuando escribo una crítica, calculo desde qué ángulo miraré, percibiré y abordaré el montaje. Y, si entrelazo los dramas personales de mi vida en el tejido de la narrativa, siempre ofrezco pistas consistentes para que el lector pueda aprehender mi lugar muy particular de fabulación».

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Tras reminiscencias también personales que prenunciarían su atávico vínculo con el acto crítico, la periodista Ivana Moura narra cómo conoció a la crítica Mariangela Alves de Lima en el marco del Festival Recife do Teatro Nacional, en 1997. Ella considera la salida de Mariangela del periódico O Estado de S. Paulo, en 2011, después de 40 años de colaboración, «el fin de un prestigioso ciclo de periodismo cultural en la prensa brasileña». Actualmente, ante los «choques sísmicos y reconfiguraciones de la función», la creadora y editora del blog Satisfeita, Yolanda?, que está en el aire desde 2011, comenta: «Mientras el teatro se abrió a múltiples posibilidades, la crítica teatral tuvo que reinventarse (una palabra hermosa, pero difícil de ejecutar). Ante la complejidad del territorio expandido del teatro, las herramientas y los supuestos heredados de los críticos modernos dejaron de ser suficientes para el ejercicio reflexivo afectado por variaciones en los paradigmas de la escena y por el dominio de Internet y las redes sociales. El actor pasó de ser intérprete a ser actor-autor». Después de escribir durante 28 años en el periódico Jornal do Brasil (19822010), dedicarse a su propio blog desde 2011 y colaborar con el periódico O Globo (2014-2018), el crítico, periodista y sociólogo Macksen Luiz vuelve a diseñar la evolución de la crítica entre las ciudades de Río de Janeiro y São Paulo desde los pioneros, como el joven escritor Machado de Assis, a mediados del siglo XIX, hasta Décio de Almeida Prado, Sábato Magaldi y Yan Michalski, en la etapa de modernización del teatro en el siglo XX. Él agrega estas voces a la suya para constatar el actual punto de inflexión: «El crítico sobrevive en los pocos periódicos y para escasos lectores. Se experimenta en la plataforma digital con contenidos fuertes para capturar a un público selectivo. En cualquier medio —el convencional en la etapa restrictiva y el emergente en el período de prueba—, el diálogo entre la producción crítica y la amplitud receptiva del espectador se basa —y quizás esta sea la única certeza— en la incuestionable permanencia de la actividad teatral». Los demás textos presentes en la publicación en línea están firmados por la actriz Alice Guimarães, del Teatro de Los Andes (Bolivia); la actriz y especialista en circo Alice Viveiros de Castro (São Paulo); el director Altemar Di Monteiro, del grupo Nóis de Teatro (Ceará); el artista-investigador y pro-

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fesor chileno radicado en Fortaleza Héctor Briones (Ceará); la profesora, productora y gestora cultural Andrea Hanna (Argentina); la actriz e investigadora teatral Camila Scudeler (Colombia); el periodista y crítico de danza Carlinhos Santos (Rio Grande do Sul); el artista transdisciplinario y crítico de danza Daniel Fagus Kairoz (São Paulo); el actor y crítico de teatro Diogo Spinelli, del sitio web Farofa Crítica (Rio Grande do Norte); la profesora e investigadora de circo Erminia Silva, en conjunto con el investigador Daniel de Carvalho Lopes, ambos del sitio web Circonteúdo (São Paulo); la directora Fátima Pontes, coordinadora ejecutiva de la Escola Pernambucana de Circo (Pernambuco); el actor y director Fernando Cruz, del Teatro Imaginário Maracangalha (Mato Grosso do Sul); el actor e investigador teatral Lindolfo Amaral, del Grupo Imbuaça (Sergipe); el director Luis Alonso-Aude, del grupo Oco Teatro Laboratório y del Festival Internacional Latinoamericano de Teatro de Bahia (FilteBahia/BA); el pedagogo, crítico de teatro e investigador Luvel García Leyva (Cuba); la actuadora e investigadora Marta Haas, de Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul); la actriz y agitadora cultural Nena Inoue (Paraná); la directora y dramaturga Fernanda Júlia Onisajé, del Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (Bahia); la periodista y crítica de teatro Pollyanna Diniz, del blog Satisfeita, Yolanda? (Pernambuco); la investigadora de danza, bailarina y profesora Rosa Primo (Ceará); y la artista-investigadora y profesora Walmeri Ribeiro, del proyecto Territórios Sensíveis (Río de Janeiro). Como se ve y se lee, es una producción textual que pretende ser geográfica e ideológicamente no hegemónica. Se vuelca sobre el hacer crítico, sus potencias y sus dificultades en esta época de la historia de Brasil, en la que las ya insuficientes políticas públicas para las artes y la cultura enfrentan ataques beligerantes. Escucha activa En simbiosis con los cuadernos, el podcast Crítica em Movimento convoca al público en general a activar la escucha reflexiva a través de cinco episodios. Cada uno de ellos plantea una pregunta a los invitados. En el primero, Macksen Luiz y la crítica de teatro, investigadora y artista Daniele Avila Small, de Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais [Revista Electrónica de Críticas y Estudios Teatrales], ambos actuantes en Río de Janeiro y de diferentes generaciones, responden a la pregunta: «¿Cuáles

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son los enfrentamientos de la práctica de la crítica teatral actual?». El tema recorre la precarización del trabajo remunerado, la migración del hacer crítico a la Internet y cómo ampliar la conversación con públicos, artistas y gestores culturales, con la mediación del periodista y crítico de teatro que escribe estas líneas. En el segundo episodio, la investigadora, artista y profesora Lourdes Macena (Ceará) y el actor y director Rogério Tarifa (São paulo) se dedican al tema: «¿Cómo se relaciona la crítica con la noción de lo popular en las artes escénicas?». Con la mediación del investigador y profesor Diógenes Maciel (Paraíba), se trata de un diálogo sobre la recepción de expresiones culturales que emanan del pueblo, muchas veces en oposición al conocimiento formal, las normas y las ambiciones de los poderes políticos y económicos que están en juego en la sociedad. «¿Cuál es la percepción de quienes crean acerca del trabajo de la crítica?» - este es el tema del tercer episodio. Para contestarlo, se escuchó a artistas de colectivos escénicos entre los más longevos del país: Tânia Farias, de la Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (Rio Grande do Sul), fundada en 1978, y el dramaturgo y director Edyr Augusto Proença, del Grupo Cuíra (Pará), graduado en 1982. Como mediadora, la investigadora, artista de performance y periodista Maria Fernanda Vomero (São Paulo). Este trío discutirá cómo sus respectivas creaciones son vistas por quienes escriben crítica en sus regiones o fuera de ellas, teniendo en cuenta que las realidades social, política y económica de Brasil presentan contrastes y convergencias. La investigadora y profesora Walmeri Ribeiro (Río de Janeiro) y el actor Pedro Wagner, del Grupo Magiluth (Pernambuco) discuten «¿Cómo mirar y escuchar desde la escena remota?». La crítica de teatro y periodista Luciana Romagnolli, editora del sitio web Horizonte da Cena (Minas Gerais), media los desafíos del análisis frente a los procedimientos artísticos que emergen en la actualidad y sientan precedentes para una nueva idea de presencia y cuerpo mediado. Finalmente, en el último episodio se analiza «¿Cuál es el lugar de la resistencia en la formación de la crítica?», desde la mirada de Henrique Saidel (Rio Grande do Sul) y Dodi Leal (Bahia), artistas que manejan la investigación, la creación y la docencia en su vida cotidiana. Bajo la mediación

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de la periodista, crítica de teatro y profesora Julia Guimarães (Minas Gerais), los artistas exploran cómo el estudio y el ejercicio de la crítica pueden abarcar procedimientos de escritura y pensamiento tan expandidos como la palpitante producción contemporánea. Se puede acceder al programa en el sitio web itaucultural.org.br o reproducirlo en su aplicación de podcast favorita. Evoé.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

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Posibles caminos de las críticas teatrales 1. Periodista, crítica e investigadora de teatro. Doctoranda en Artes Escénicas de la Escuela de Comunicaciones y Artes de la Universidad de São Paulo (ECA/USP), tiene una maestría en Teoría de la Literatura de la Universidad Federal de Pernambuco (UFPE), especialización en periodismo y crítica cultural de la misma institución, además una licenciatura de la Universidad Católica de Pernambuco (Unicap). Es creadora y editora del blog Satisfeita, Yolanda?, especializado en críticas y noticias de artes escénicas desde 2011.

Ivana Moura¹

A mi madre le brillaban los ojos cuando íbamos al teatro. La llevé innumerables veces a ver los espectáculos en los teatros de Recife: Santa Isabel, Apolo, Barreto Júnior, Parque, etc. Como periodista en el área de cultura del periódico Diario de Pernambuco, yo a veces recibía entradas para los espectáculos. A mi madre, doña Creuza, le gustaba todo, desde los montajes con actores famosos de la televisión hasta los grupos experimentales, pero ella siempre tenía sus reservas. De niña recuerdo que había todo un ritual para ir a las fiestas de Navidad en los parques, con los juguetes y las manifestaciones populares. Su actitud cómplice ante las presentaciones de Reisado, Folia, Pastoril, Mamulengo, Bumba-meu-boi, Chegança, Fandango y Maracatu solo la comprendí totalmente muchos años después. Ella se identificaba con lo lúdico y con la lucha de los denominados subalternos en el corazón del juego. Hacía interpretaciones y combatía el racismo y la injusticia a su manera. Sabía poco de las huellas semánticas e imaginarias de estas producciones populares de la región noreste, heredadas de los teatros medievales, y nada sobre las teorías de la influencia concebidas por Harold Bloom y T. S. Eliot y los estudios intertextuales y de la parodia desarrollados por Mikhail Bakhtin, Julia Kristeva, Gérard Genette y Linda Hutcheon. Mujer con escasa educación formal y de pocos recursos, pero dueña de otras riquezas entre la ética y la estética. El encuentro con estas artes vivas se convirtió en momentos de felicidad, desvergonzada felicidad. Mi padre prefería el circo, la playa y sobre todo los libros, y trató de estimular en sus cuatro hijas el gusto por la lectura. No sé de dónde vino esta pasión por las artes de la escena, pero mi madre disfrutaba al contarnos los recuerdos de las fiestas en Alagoas y Pernambuco. No sé si ella vio alguna puesta en escena de Auto da Mula-de-Padre, O Bom Samaritano o A Donzela Joana, de Hermilo Borba Filho. Es probable que haya visto algún montaje del Auto de Navidad de Pernambuco Morte e Vida

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Posibles caminos de las críticas teatrales

Severina, de João Cabral de Melo Neto. Sé que le encantaba Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, y que, cuando salió el DVD de la película, lo veía con frecuencia y se divertía en cada sesión como si fuera la primera. Una vez, en una temporada en el año 2000, fuimos al Teatro Hermilo Borba Filho, en Recife, a ver la puesta en escena de Auto das Portas do Céu, de Ronaldo Correia de Brito, Assis Lima y Everardo Norões, dirigida por Elisa Toledo Todd. Un bellísimo montaje, que evidenciaba la tradición dramática del Auto como fuente primordial y las huellas de las variaciones de los espectáculos populares de la región noreste dinamizados.

2. Publicado en: ALEXANDRE, Marcos Antônio (Org.). Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007, p. 16-21.

Al salir del teatro, el dramaturgo Ronaldo Correia de Brito le preguntó a mi madre si le había gustado. Ella le respondió que la obra le había parecido hermosa, pero prefería las fiestas tradicionales más originales. Entonces el escritor comentó: «Ahora sé de dónde viene la severidad de la crítica». Él no utilizó exactamente estas palabras, sino que lo dijo con un tono delicado que dejaba entrever un rasgo de insatisfacción por una respuesta inesperadamente tan sincera. Doña Creuzinha, como me gustaba llamarla, era así, tan sincera cuando le preguntaban su opinión que, si alguien tenía dudas sobre si le gustaría o no la respuesta, no le hacía preguntas. Este recuerdo me remite al texto Da Grafia-Desenho de Minha Mãe, um dos Lugares de Nascimento de Minha Escrita,² de Conceição Evaristo, hermoso como todo lo que ella escribe, sobre las subjetividades forjadas en los afectos. Además, también recuerdo mis andanzas por el interior de Pernambuco, cuando era reportera del periódico matutino de Recife, para recoger testimonios de los maestros populares que se convertían en protagonistas del Carnaval. Cortadores de caña o trabajadores precarizados festejaban durante ese período, liderando presentaciones de cavalos-marinhos, bumbas y maracatus. Las desavenencias entre ellos también me llamaban la atención. Se peleaban para imponer su opinión, para ver quién ganaba, quién hacía prevalecer su verdad. La pregunta que queda es: ¿por qué recordé esto cuando el joven Felipe Sales me invitó a escribir un texto sobre el tema «El papel de la crítica teatral en Brasil - del periódico impreso a la plataforma digital»? La provocación es grande, la línea temporal y territorial es extensa. Entro en un callejón y salgo en un callejón, como en la canción «Madalena», de Gilberto Gil.

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Se mece, pero no se cae Mucho se ha especulado sobre la falencia de la crítica en diversos momentos del siglo XX e incluso en este siglo XXI. Cito dos ejemplos: el primero, de 1999, del dramaturgo, crítico teatral y director de la Companhia do Latão (São Paulo), Sérgio de Carvalho. El otro, de la profesora, crítica y curadora Tania Brandão, de 2018. A fines del siglo XX, el capitalismo dominaba (esto solo empeoró y nos estamos ajustando), con los grandes dientes del mercado dispuestos a triturar todos los sectores productivos, incluido el arte. En tono apocalíptico, Carvalho escribe el artículo O Fim Anunciado: a Crítica Teatral Vive os Seus Últimos Dias [El Fin Anunciado: la Crítica Teatral Vive sus Últimos Días], para la Revista Bravo!. «El proceso de vaciamiento de la crítica teatral en la prensa brasileña ocurre desde hace más de dos décadas. Y los que están ahí quizás sean nuestro último grupo de críticos. Después de ellos, al menos en la prensa, será la muerte de la profesión», dice, mirando más específicamente esta función dentro de las estructuras del periodismo cultural. El tono de Tania Brandão tampoco entusiasma. Ella traza su visión histórica y actual sobre el tema en el ensayo A Falência da Crítica: Formas da Crítica Teatral na História do Teatro Brasileiro [La Falencia de la Crítica: Formas de la Crítica Teatral en la Historia del Teatro Brasileño]. En el texto, la profesora analiza los efectos de lo que denomina la desaparición de la prensa-papel, posiciona la historia de la crítica en el país desde el siglo XIX hasta la actualidad y resalta que las marcas de ese siglo —actitud civilizadora, tono profesoral, personalismo, colonialismo y sumisión cultural— «generaron patrones de acción permanentes para la mirada crítica y las formas de análisis de los espectáculos» y que todavía sigue vigente esta práctica autoritaria y descalificadora. Me pareció, salvo que me equivoque, una visión bastante pesimista de la actual coyuntura del teatro, que, según Brandão, «enfrenta la lucha diaria por tener algo que decir y donde decirlo, para tener público y repercusión social», y de la crítica, que «pasa en un cortejo fúnebre, desconocida, con pocos seguidores que le prestan un mínimo de atención». Quizás sea la condición del teatro, en esta época, ser un arte para unos pocos, tomando como parámetro un partido de fútbol o un concierto de rock.

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Aunque vivimos en estado de suspensión debido a la pandemia de COVID-19, en el que todo se vuelve tan efímero, sorprende que algunos espectáculos que reunían a 100 espectadores presencialmente alcancen una audiencia diez veces mayor en las plataformas virtuales. Y no me desviaré de la polémica de si es o no es teatro lo que se transmite a través de las redes sociales. En cuanto a la crítica, prefiero pensar en choques sísmicos y reconfiguraciones de la función. El mundo cambió. El teatro es visto como un «campo infinito», potencia de significación ilimitada, como indica el investigador Christophe Bident, de la Université de Picardie Jules Verne, en Francia. Pero esta potencia está cargada de problematizaciones. Mientras el teatro se abrió a múltiples posibilidades, la crítica teatral tuvo que reinventarse (una palabra hermosa, pero difícil de ejecutar). Ante la complejidad del territorio expandido del teatro, las herramientas y los supuestos heredados de los críticos modernos dejaron de ser suficientes para el ejercicio reflexivo, afectado por variaciones en los paradigmas de la escena y por el dominio de Internet y las redes sociales. El actor pasó de ser intérprete a ser actor-autor. «El hecho es que, sobre todo a partir de los años 1980, los paradigmas de análisis de la crítica teatral frente a las nuevas demandas expresivas fueron atropellados por experiencias artísticas veloces, inventadas antes de la producción crítica, principalmente periodística», señala el crítico Kil Abreu en la publicación Crítica Teatral: da Organicidade à Deriva [Crítica Teatral: de la Organicidad a la Deriva], 2016. Me acerco más a las posiciones defendidas por Clóvis Domingos dos Santos, Hamm Clóvis, de que este territorio crítico se ha transformado y el campo expandido de la actuación del crítico, frente al panorama complejo, requiere otras perspectivas. Y esto remite al estudio de la investigadora Daniele Avila Small sobre el crítico ignorante, que no usa las rígidas muletas del juicio, sino que, más bien, se atreve a «ejercer la libertad de dialogar con las obras, interpretarlas, conversar con la sensibilidad de los que comparten la admiración, la curiosidad o la inquietud por estas obras». El cambio performativo de los años 1960 desestabilizó la escena. El cambio del mapa comunicacional convirtió el mundo en una red, y la red en nichos,

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con el ascenso de Internet y los nuevos medios. Esta cultura con atributos propios fue denominada cibercultura por Pierre Lévy. El modelo tradicional de comunicación basado en la lógica de pocos para muchos ha sido reemplazado por el formato de muchos para muchos. Creado en 2005 por el investigador australiano Axel Bruns, gatewatching es un término que se ajusta como modelo de selección informativa. Comentarios, intercambios y recomendaciones actúan como curaduría de las publicaciones disponibles. Esta selección realizada por la comunidad de usuarios puede resultar en una nueva forma de cobertura de noticias. En la lógica de funcionamiento del gatewatcher, una figura conocida en un determinado nicho puede desencadenar el debate público en los microespacios de poder y hacer que el tema se multiplique. Con el artículo La Escultura en el Campo Expandido, en 1979, la crítica estadounidense Rosalind Krauss rompió fronteras en el área de la producción de la escultura y su teoría se adaptó a otras áreas, con expansiones, desplazamientos y tensiones. En el campo expandido del teatro, muchas teorías y prácticas pasaron a convivir con el legado histórico de otras teorías de este arte efímero: teatro performativo (Josette Féral), teatros de lo real (Maryvonne Saison), teatro enérgico (Jean-François Lyotard), teatro posdramático (Hans-Thies Lehmann), teatralidades disidentes (José Antonio Sánchez) y prácticas escénicas preliminares (Ileana Diéguez Caballero), entre muchos otros estudios. Esta situación cambió espacios, tiempos, sentidos, orientaciones y percepciones. La crítica tuvo que abandonar la idea de definición cerrada de las obras para lanzarse a una experiencia abierta e inestable. El modelo modernista ya no era suficiente. Para existir, el crítico tuvo y tiene que reinventarse. Al mismo tiempo, el tradicional modelo de comunicación de una persona que escribía, desde su columna en el periódico o artículo en la revista, para que muchos leyeran fue suplantado por la lógica de la red, de muchos para muchos: intersecciones, nichos, muchos producen contenido y otros muchos lo consumen. Cuando predominaba la teoría anterior —gatekeeping—, según la cual lo que se destacaba en los medios de comunicación se hacía con base en valores-noticia, línea editorial y otros criterios, el periodista actuaba como una

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especie de «guardián del portal», el que seleccionaba la información para alcanzar al público. Internet desordenó este «reinado», multiplicó los canales y abolió la idea limitante del espacio físico de los periódicos, por ejemplo. No es por casualidad que el influencer digital Felipe Neto, de 33 años, figura en la lista de los cien líderes más influyentes del mundo en 2020 de la revista Time, por sus 53 millones de seguidores en las redes sociales: 41 millones en YouTube y 12 millones en Twitter. Disminución de espacios críticos en los medios tradicionales Vi la luz roja cuando la crítica de teatro paulistana Mariangela Alves de Lima fue despedida del cargo en 2011, después de 40 años de dedicación al periódico O Estado de S. Paulo. La clase artística sintió el drama. Su interlocución con lectores, creadores y espectadores buscaba ampliar las percepciones sobre el espectáculo analizado, siempre con elegancia y perspicacia, abrillantando y dando crédito al periodismo cultural del periódico matutino. Ella no aceptó el nuevo ritmo de la industria cultural impuesto y, sobre todo, la precarización de su oficio. Perdieron los lectores y los artistas. En ese momento, el director José Celso Martinez Corrêa, del Teatro Oficina Uzyna Uzona, escribió en su blog un texto titulado Má Notícia para a História do Teatro no Brasil [Mala Noticia para la Historia del Teatro en Brasil]. Su posición resume el sentimiento dominante entre quienes conocían los textos de Mariangela: «Más que amor a primera vista, con Mariangela sentí en nuestro primer encuentro, en el escenario, actuando en Gracias, Señor, la comunión de una hermana animal, que buscaba, en aquellos tiempos de oscuridad, la Luz dondequiera que se encontrara. Nuestro encuentro fue en 1972, en el apogeo de la represión de la dictadura militar, en el subterráneo del teatro Ruth Escobar. [...] Sentí que estaba frente a una sensitiva. Mariangela, una joven de 24 años. No me sorprendió nada cuando regresé del exilio y comencé a leer sus extraordinarias críticas en el periódico Estadão. Mariangela nunca juzgó ni juzga [...] Mariangela ilumina con su sabiduría sensible. Especifica el fenómeno teatral “en sí mismo”, interpreta lo que está frente a ella, ilumina el trabajo de los artistas. Mariangela es una de las escasas artistas de la crítica». En un campo donde artistas y críticos a veces tienen enfrentamientos más que acalorados, este testimonio señala otra relación posible.

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Conocí personalmente a Mariangela en la capital de Pernambuco, durante la articulación del primer Festival Recife do Teatro Nacional (FRTN), en 1997. Ella, del periódico Estadão, y el crítico Macksen Luiz, del periódico Jornal do Brasil, eran dos invitados «extranjeros» que formaban parte del comité de selección, aún no denominado curaduría en ese entonces. Sus textos eran bálsamos, faros de reflexión y delicadeza, incluso los que tenían muchas reservas y una escritura severa. El FRTN fue muy importante, especialmente en los primeros años, para la circulación de las ideas contemporáneas del teatro brasileño y facilitó el acceso a espectáculos poco comerciales, que difícilmente hubieran aterrizado en Recife a finales de la década de 1990 y principios del nuevo milenio. Estos pensamientos que circulaban en espectáculos, seminarios y otras actividades seguramente influyeron en la creación de colectivos como Grupo Magiluth, Coletivo Angu de Teatro, O Poste Soluções Luminosas, Cia. Fiandeiros y Cênicas Cia. de Repertório, para nombrar los que permanecen en plena actividad. Yo trabajaba en el Diario de Pernambuco como reportera y actuaba como crítica. Durante algunos años participé en este proceso de selección de espectáculos para el festival y vi cómo cada una de las primeras ediciones del FRTN, bajo la gestión de João Roberto Peixe, entusiasta Secretario de Cultura, modificaba el panorama artístico de la ciudad. La salida de Mariangela representó el final de un prestigioso ciclo del periodismo cultural en la prensa brasileña, pensé algún tiempo después de ese suceso. Es cierto que otros críticos, del equipo de los grandes, siguieron alimentando las páginas de los periódicos durante algunos años más, como Barbara Heliodora y el mismo Macksen Luiz, que, después del periódico Jornal do Brasil, fundó un blog con su nombre y también trabajó algún tiempo en el periódico O Globo. Es posible nombrar muchos otros ejemplos en Brasil. Las artes escénicas son un lugar provocador de autorreflexiones teóricas, performativas y micropolíticas. Entre otros contratos para el ejercicio de la crítica, hemos visto crecer en los últimos tiempos la crítica de proceso, una mirada desde el interior del grupo, hecha por pensadores contratados, críticos profesionales o no, filósofos, historiadores, investigadores y artistas. En esta ampliación de terreno, más allá de la construcción de textos

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y ensayos, el profesional se lanza a la curaduría y la enseñanza y prueba otros caminos. Sintiendo la retracción de la cobertura crítica en la prensa, algunos festivales invirtieron en acciones de pensamiento y reflexiones: desde el análisis de la obra con más de una mirada —lo que fuerza la ampliación de miradas— hasta discusiones más subjetivas, o del núcleo duro de la filosofía, la estética, la poética, la literatura, el teatro y las nuevas configuraciones del mundo. Entre los festivales que adoptaron estas prácticas, hago mención especial a la Muestra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), al Mirada: Festival Iberoamericano de Artes Escénicas de la ciudad de Santos (São Paulo), al Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (FIT), al Festival Internacional de Artes escénicas de Bahia (Fiac Bahia), al Festival de Teatro de Fortaleza y, en algunas ocasiones, al Festival Recife do Teatro Nacional. Creo que ninguna crítica es inocente. Nunca lo ha sido y nunca lo será. Ella carga un discurso del lugar que se produce. En ocasiones, intentó ponerse una máscara de neutralidad, como sucedió también con el periodismo, con sus cuentos chinos. Los periódicos siempre han estado al servicio de algún poder político o económico. O de ambos. La pregunta de Patrice Pavis es bastante pertinente: «¿Estamos todavía ante un objeto estético estable, comprensible, descriptible [...] o ante obras que se deshacen en el aire, reducidas sólo a la experiencia estética del espectador?». Las luchas afirmativas por derechos han enseñado mucho y tienen mucho más que enseñar sobre la deconstrucción de miradas coloniales, impregnadas de machismo, racismo y misoginia, además de prejuicios de clase. El mundo es plural, también lo es la crítica. ¡Lo que no necesitamos es consenso!

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

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\Apéndice

¿Qué es la crítica? «Fue Décio [de Almeida Prado] quien estableció en la prensa brasileña el antiguo concepto de que la crítica de arte, en la que se inserta la teatral, es una obra literaria, con principios propios, que requiere conocimientos y preparación específicos. Por este concepto, la crítica teatral se hizo respetada en los periódicos y revistas nacionales, contando con un espacio adecuado». (Clovis Garcia) «Sé, por el estudio de la historia del teatro, que los críticos se han equivocado muchas veces, y probablemente yo también, aunque no recuerdo nada de lo que deba arrepentirme. Es que considero el amor al teatro y la buena fe las primeras cualidades de la función de crítico». (Sábato Magaldi) «Si cada lector de una crítica periodística hace su debate personal frente a lo que se ha dicho ―sabiendo que no está obligado a estar de acuerdo o en desacuerdo con el crítico―, aclarará para sí mismo las razones de su agrado o desagrado y así se convertirá en un espectador más preparado». (Barbara Heliodora) «El significado del arte posmoderno, sugiero yo, es abrir ampliamente las puertas a las artes del significado». (Zygmunt Bauman) «Actualmente, la crítica tiene una limitada importancia, legitimidad e impacto sobre la carrera del espectáculo. Este tipo de escrito depende, más que cualquier otro, de las condiciones de su ejercicio y de los medios de comunicación utilizados. Desde principios de siglo, el espacio de la categoría teatral ha disminuido considerablemente, lo que complica el análisis y la evaluación». (Patrice Pavis) «[...] importante sugerencia dejada por Foucault: de que le corresponde al crítico reconocer fundamentalmente no lo igual, sino lo que es diferente de nosotros. La anhelada producción del disentimiento como tarea no comienza, por tanto, sólo en la confrontación con formas erosionadas de la crítica teatral. El disentimiento solo puede comenzar por nosotros mismos». (Kil Abreu)

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«Al final, la crítica, el texto firmado, asociado a una visión de mundo particular, resultado de una herencia personal única, no puede verse como producción objetiva, imparcial, pura aplicación de conocimientos objetivos o comprobación del buen uso de herramientas neutrales. Texto firmado equivale a decir: fruto de una biografía». (Tania Brandão) «En realidad, el buen crítico domina instrumentos teóricos que pocos espectadores poseen, y tiene un ojo entrenado para ver sutilezas, movimientos y gestos escénicos, siendo capaz de relacionarlos inmediatamente con la obra o el pensamiento poético que los inspira o que se pretende materializar escénicamente. Ve el espectáculo como un pensamiento transformado en imágenes, sonidos, movimientos, luces y discute ese pensamiento. La lectura constante de buenas críticas ayudará a este lector a educar la sensibilidad, desarrollar la capacidad analítica, preparándose para el disfrute perfecto del producto estético ―deja de ser un mero “consumidor”―». (Sebastião Milaré) «[...] El tipo de trabajo que Décio de Almeida Prado siempre ha desarrollado en el periódico Estadão, y que incluso adopté en el JB, con cualquier espectáculo importante comentado a través de tres artículos sucesivos de hasta cinco páginas cada uno, hoy solo podría considerarse una aberración. Luego, para reducir drásticamente el espacio disponible y el apoyo brindado a la crítica fue solo un paso». (Yan Michalski) «Pero el crítico puede tener otro papel más: el de educar al público. No en el sentido académico de la palabra, sino iniciándolo en el lenguaje teatral, haciéndolo reflexionar en su función: la función de público». (Bernard Dort)

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OLIVEIRA, Hayaldo Copque Fraga de. Propostas para uma crítica teatral contemporânea ou Qual a crítica possível? Repertório, n. 20, Salvador, 2013, p. 151-154. PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Trad. bajo la dirección de J. Guinsburg y Maria Lúcia Pereira. 3ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2008. ____________. A análise dos espetáculos. Trad. Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2011. ____________. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2010. SANTOS, Clóvis; MACIEL Paulo. O crítico e a função da crítica diante da cena contemporânea. Revista Cena, n. 28, Porto Alegre, mayo/ago. 2019, p. 53-68. Disponible en: <https://seer.ufrgs.br/cena/article/view/92106>. Accedido el 20 de octubre de 2020. SANTOS, Valmir. Sábato Magaldi revisita crítica em livro. Folha de S.Paulo. Ilustrada, E4, São Paulo, 21 oct. 2006. SMALL, Daniele Avila. O crítico ignorante. Río de Janeiro: 7Letras, 2015.

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Edson Fernando Santos da Silva¹

1. Actor y director de teatro en Belém do Pará desde 1996. Licenciado en Filosofía por la Universidad Federal de Pará (UFPA), tiene especialización en Semiótica y Artes Visuales, además de una maestría en Artes; es doctor en Artes por el Doctorado Interinstitucional de la UFMG/UFPA. Es profesor de la carrera en la educación superior de la UFPA desde 2011, donde coordina el proyecto de extensión Tribuna do Cretino: Produção Textual Crítica sobre Espetáculos de Teatro [Producción Textual Crítica sobre Espectáculos de Teatro] y desarrolla investigaciones en el Grupo de Investigação do Treinamento Psicofísico do Atuante (Gita) [Grupo de Investigación de la Formación Psicofísica del Actor].

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Imagine que usted es el personaje de un cuento fabuloso. En él, inexplicablemente, usted se despierta caminando entre sendas de letras desordenadas y sueltas en el viento. La leve brisa que sopla contra su cara refresca la caminata y, en ocasiones, acerca a dos o tres letras, que se enamoran perdidamente y luego intercambian promesas de amor eterno. Testigo ocular de estos súbitos enlaces afectivos —y sin contener el voyerismo—, usted sigue el cortejo dionisíaco de estas pequeñas criaturas fugaces: ellas cantan, bailan, se besan, se tocan y copulan frenéticamente sin ningún pudor. Enredado en medio de estos affaires, y sin darse cuenta, usted observa los actos literario-eróticos que se dibujan delante de usted. Bienvenido al universo de creación crítico-literaria del proyecto Tribuna do Cretino. ...y me encuentro con la gran sonrisa dibujada en el suelo... falda azul marino, camiseta estampada, calcetines grises y amarillos, zapatillas altas, también amarillas. Ella me abraza en el suelo; un abrazo fuerte, adorable, lleno de afecto y suavidad. Ella es suave. Camina con suavidad, aunque está quieta acostada en el suelo (SILVA, 2020). Recordar, fabular y presentificar. «Estos son los verbos motores de lo que denomino “creación crítico-literaria”, o simplemente “crítica teatral”, modo en que Tribuna do Cretino: Produção Textual Crítica sobre Espetáculos de Teatro [Producción Textual Crítica sobre Espectáculos de Teatro] —proyecto de extensión que coordino en la Universidad Federal de Pará desde 2015— piensa y ejercita la escritura de críticas teatrales, enfocando su mirada en la producción de los montajes desarrollados en la ciudad de Belém do Pará». La cita anterior es parte de una crítica teatral titulada «Um Solo de Wlad sem Wlad, com Wlad», realizada a partir del montaje mEU pOEMA iMUNDO (2020), de Coletivas Xoxós, cuya escritura es un referente indicia-


rio del mundo visto a través de la mirada de una mujer gorda: Wlad Lima, mujer, amazonense y artista de teatro. En el fragmento citado, recuerdo exactamente la primera imagen que vi cuando entré al Teatro do Desassossego:² el vestuario de la actriz que interpreta a Wlad, Andréa Flores, estaba dispuesto en el suelo. Este recuerdo se articula de inmediato con mis recuerdos afectivos al lado de Wlad: ternura, cariño y amor. Es en esta doble dimensión del recordar — recuerdo de la imagen del vestuario en el teatro y recuerdo personal de la relación afectiva con Wlad— donde se establece el fabular. Por supuesto, utilizo el término en el sentido de ficcionalizar una historia, pero no solo eso: utilizo «fabular» como creación de una estructura narrativa que entrelaza las acciones que tienen lugar en el mismo montaje con las acciones de mi trayectoria personal. Así, tejo una narrativa que delinea el lugar de la obra —lo que sucede físicamente en el teatro—, el lugar de mi recepción de la obra —como aprehendo el montaje teatral— y el lugar más allá de la obra —un espacio abierto para crear otras acciones, relaciones, situaciones, etc.—. En este fabular, abro grietas en lo real, hendiduras que me permiten presentificar, a mi manera y a través del acto de la escritura, el montaje teatral, mi estado cinestésico, pero también una serie de relaciones dialéctico-poéticas. Usted se estará preguntando: «¿Esto es una crítica teatral o cosa de cretinos?». Antes de responder, hagamos un segundo intento:

2. Residencia de Wlad Lima, quien transformó su sótano en un espacio cultural. En las últimas dos décadas, los artistas de la ciudad han creado una red de espacios autopoiéticos, una especie de micropolítica de resistencia para enfrentar la ausencia de políticas culturales para la categoría. Sobre esto, ver la tesis de maestría de Roseane Moraes Tavares: Contradispositivos-mapas de uma rede de espaços artísticos autopoiéticos em Belém do Pará [Contradispositivos-mapas de una red de espacios artísticos autopoiéticos en Belém do Pará], 2017.

La mesa, cubierta con un mantel de tela floral, les permite reunirse de forma rutinaria para hacer intercambios. Allí se reúnen, en el centro de la casa-cocina-salón, sentadas en sus taburetes de madera en bruto. La conversación, en tono soliloquio solipsista, rara vez resuena en el intercambio de miradas entre ellas. Miran al infinito que tienen delante, pero no con el deseo de reposar los ojos en la soledad o en el vacío, sino con el propósito de encontrarme en la otra orilla del río que nos separa. Y siempre me encuentran, aunque me niegue a mirarlas frente a frente. La mirada encantada de las herma-

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nas-matintas [brujas] que son (?), influye en mí, deleita la piel, hechiza y paraliza el movimiento de las sombras platónicas que todavía pueblan la gruta de ideas constituida culturalmente en mi cabeza. Como flechas hechizadas, sus palabras cortan el aire, cruzan el río, rompen las paredes —la cuarta, sobre todo— y conducen mi mirada al espejo de agua turbio que nos separa-rodea (SILVA, 2017, p. 32). El fragmento presentado en mi defensa es de «Terra Seca, Gente Seca. E o Rio...», crítica teatral a partir del montaje A Casa do Rio (2017), del Grupo Gruta de Teatro. En ella también se encuentra la operación de recordar, fabular y presentificar, pero note que ahora el énfasis se desplaza hacia el proceso de autorreflexión que me provocan los personajes y el tema de la obra: misticismo y ancestralidad amazonense envueltos en las aguas de los ríos. Por lo tanto, resalto un elemento fundamental en este modo de pensar y ejercitar la crítica teatral, es decir, lo que Roland Barthes denominó el «cálculo del lugar mirado de las cosas» (1990, p. 85). Así, cuando escribo una crítica, calculo desde qué ángulo miraré, percibiré y abordaré el montaje. Y, si entrelazo los dramas personales de mi vida en el tejido de la narrativa, siempre ofrezco pistas consistentes para que el lector pueda aprehender mi lugar muy particular de fabulación. Entonces, tengo que decir aquí que nací y viví prácticamente toda mi vida en Jurunas, un barrio a las afueras de la ciudad de Belém que se extiende en paralelo a las orillas del río Guamá. Al igual que las tres hermanas, personajes del montaje, crecí en una relación directa e indirecta con el río, y este hecho nos entrelaza en el drama de la obra, pero también en el drama real de mi vida. Esto es lo que exploro a lo largo de mi crítica, sin dejar de realizar el recordar, el fabular y el presentificar. Por eso, desde 2018, siempre digo que es una crítica hecha a partir del montaje teatral y no sobre el montaje teatral. Esto establece un hito que me permite involucrarme directamente con el montaje, porque al colocarme desde la experiencia que tuvo lugar en el teatro, me considero parte de ella, una premisa elemental del mismo fenómeno teatral —encuentro entre espectador y actor—. Por tanto, no me comporto como un analista

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frío y calculador que examina todo técnicamente y teje impresiones críticas sobre aquello de lo que se mantiene alejado. Por supuesto, esta no es una regla fija para quienes desean compartir una crítica teatral en nuestros espacios de publicación,³ es una línea editorial que elige el ejercicio de la palabra de carácter ensayístico como parámetro de debates intertextuales, modos de escritura que han sido probados por varios colaboradores del proyecto y que van más allá del convencional ejercicio de la argumentación analítica de la crítica teatral tradicional, pues se establecen en la dialéctica entre ideas, afectos, elementos lingüísticos, sensibilidad, conceptos, poiesis, imaginación, teorías, fenomenologías, etc.

3. El proyecto tiene dos modos de publicación: en el sitio web <https://www. tribunadocretino. com.br/> y en la revista semestral impresa Tribuna do Cretino – Revista de Crítica em Teatro.

Considero cosa de cretinos, por tanto, la renuncia al deseo de dominar la obra teatral, de interpretarla, analizarla, disecarla y enmarcarla en categorías meramente formales y/o conceptuales; eliminar la distancia entre crítico y obra, permitiendo la aparición de un enfoque cinestésico, una zona de contacto en la que ambos (crítico y obra) se encuentren uno al lado del otro, compartiendo a través de palabras vivas lo esencial en el arte teatral: el encuentro. Actuamos, en este sentido, a través de lo que Daniele Avila Small denomina el proceso de (re)enmarcar del papel del crítico de teatro, en el que es necesario hacer una «redistribución de cartas» (SMALL, 2015, p. 42) en el juego de la crítica, considerando un nuevo principio operativo, que es la emancipación intelectual del espectador en detrimento del crítico como especialista, el que ocupó la redacción de los grandes periódicos brasileños hasta la década de 1980 y, por regla general, se basaba en la idea de la mediación entre obra y espectador, ofreciendo «recursos» para «mejorar» su disfrute. No se pueden negar los relevantes aportes al teatro de críticos como Anatol Rosenfeld (1912-1973), Décio de Almeida Prado (1917-2000), Sábato Magaldi (1927-2016), Yan Michalski (1932-1990), Barbara Heliodora (19232015), Jefferson Del Rios (1943) y Cláudio Heemann (1930-1999), entre otros, quienes establecieron en la prensa brasileña un momento histórico en el que la crítica teatral tenía espacio y prestigio, además, por supuesto, de un dominio técnico de excelencia. Incluso hay que señalar que el nombre de José Eustáchio de Azevedo (1867-1943), de Pará, fue ignorado y permanece invisible en la historia de la crítica y del teatro brasileño. Poeta,

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periodista, teatrólogo, novelista y traductor, Eustáchio de Azevedo fue un precursor de la crítica en Brasil y, según Bene Martins y Mailson Soares, «uno de los fundadores de la Associação de Letras “Mina Literária”, instalada en Belém en 1895. [...] Esta asociación de Belém do Pará precedió a la misma Academia Brasileña de Letras y sirvió de núcleo para la creación de la Academia Paraense de Letras» (MARTINS; Soares, 2019, p. 7). Este período dorado en la producción de crítica teatral en el país por parte de autores con conocimientos especializados en el tema, sin embargo, ya mostraba signos de descenso a mediados de la década de 1980, según el mismo Yan Michalski: [...] en las reuniones de los columnistas con nuestros superiores jerárquicos se insistía en el argumento de que el crítico se habría convertido, en la prensa actual, en una institución obsoleta y habría que reemplazarlo por una misteriosa nueva figura llamada reportero crítico (1984, p. 10). Con el advenimiento de Internet en Brasil, a principios del siglo XXI, entornos virtuales como blogs, sitios web y diversas redes sociales ofrecieron espacios para el ejercicio de la escritura de opinión, testimonio personal y juicio personalizado sobre cualquier tema, incluido el teatro. En este contexto nace Tribuna do Cretino, en julio de 2013, como una iniciativa experimental y todavía no vinculada a la Universidad Federal de Pará (UFPA). En ese momento, me sentía molesto con los dos grandes periódicos de la ciudad —O Liberal, de la familia Maiorana, y Diário do Pará, de la familia Barbalho—, porque la línea editorial de ambos respecto a la producción artística de la ciudad y del estado se establecía —y aún hoy se establece— por el periodismo informativo, limitándose a la mera difusión de información y servicios y, no pocas veces, a la reproducción de copias de los comunicados enviados por correo electrónico, sin siquiera molestarse en comprobar o revisar la información, incluso publicando diversos eventos con días y horas equivocados. Los más cuidadosos se limitan a una «entrevista» por teléfono, en la que buscan desesperadamente algunos conceptos clave para la comprensión del espectáculo.

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Cosa de Cretinos: Crítica teatral en un rinconcito al norte de Brasil

Creía, en ese momento, que tal situación se revertiría con la creación de un espacio virtual en el que cualquier interesado pudiera compartir sus impresiones críticas sobre un montaje teatral. Creé el espacio en la plataforma virtual de Blogspot⁴ y, en los primeros seis meses, publiqué seis críticas, todas mías. Me di cuenta de que no bastaba con abrir el espacio, era necesaria una acción para fomentar la producción de críticas teatrales, entonces se convirtió en un proyecto de extensión de la UFPA. Desde entonces, el proyecto ha ofrecido un curso de extensión, dos minicursos y tres talleres, todos orientados a la producción de críticas teatrales. Y uno de los primeros frutos de esta acción formativa no tardó en llegar: en abril de 2014, tras participar en el primer taller de crítica de Cretino, Arthur Ribeiro, profesor de lengua portuguesa y alumno del curso técnico de teatro de la UFPA en ese entonces, creó el blog O Teatro Como Ele É⁵ y se unió, con su página virtual personal, a la ardua tarea de producir una reflexión crítica sobre la escena teatral de Pará.

4. La página original del proyecto se puede consultar en: <http:// tribunadocretino.blogspot.com/>. Accedida el 29 de diciembre de 2020.

5. El blog se puede acceder en: <https:// oteatrocomoelee. wordpress.com/>. Accedido el 29 de diciembre de 2020.

Pero es curioso observar cómo, en los primeros tres años de Cretino, mi pensamiento seguía alineado con la perspectiva de la «crítica especializada». Esto lo atribuyo a mi academicismo, fundamentalmente determinado por mi formación en el curso de filosofía de la UFPA en 2000. En estos primeros años, por lo tanto, el proyecto intentaba discutir el lenguaje, los elementos técnicos de los montajes y combatir lo que yo denominaba «práctica artística cretina», es decir, «la que se limita a mezclar los elementos de la puesta en escena, o incluso los diferentes lenguajes artísticos, sin ningún criterio basado en una poética o en cualquier otro ámbito», como afirmé en el editorial de la primera revista impresa. El nombre del proyecto también denota el deseo de una especie de opinión técnica especializada sobre los montajes: el término «cretino» proviene de una expresión de Nelson Rodrigues —«Al cretino fundamental, ni siquiera agua»—, en la que el ángel pornográfico remite al pensamiento mediocre, manipulable y que se satisface con repetir ideas establecidas sin ningún pensamiento crítico. El «cretinismo» que yo identificaba en la producción teatral local hablaba del uso frecuente e indistinto de los conceptos «performance», «posdramático» y «experimentación» para justificar las propuestas poéticas. Eso me irritaba. Cretino nació para combatir esta práctica por medio de la reflexión crítica, basada en aportes teóricos y conceptuales.

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El hito de este cambio llega en 2017, con la lectura del libro O Crítico Ignorante, de Daniele Avila Small, momento en el que la perspectiva de la «crítica del artista», que inicialmente retraté a mi manera, asume el horizonte de las acciones del proyecto y sigue hasta hoy. Creo que, en este nuevo enfoque, Cretino ha fortalecido acciones para la emancipación intelectual de sus lectores espectadores, haciéndoles entender primero que no es necesario ser un experto en el lenguaje del teatro para producir una crítica, sino estar dispuesto a compartir sus percepciones, a su manera y con referencias personales. Desde entonces, Cretino ha ampliado su alcance y ha fomentado la redacción de críticas teatrales en la ciudad, totalizando más de 180 publicaciones en 2020 —en la revista impresa y en la plataforma virtual—, con autores de diferentes áreas profesionales, entre las que resalto: profesores y estudiantes de teatro, artistas de performance, actores, actrices, historiadores, funcionarios, sociólogos, periodistas, psicólogos, dramaturgos, productores culturales, trabajadores sociales y estudiantes de varios otros cursos (danza, geografía, filosofía, administración, historia, periodismo y posgrado en arte). Algunos de ellos se han convertido en colaboradores frecuentes del proyecto, otros colaboran de forma más esporádica. Sin embargo, a su manera, cada uno ejerce su emancipación intelectual practicando el recordar, el fabular y el presentificar la experiencia proporcionada en el encuentro teatral. Y este me parece un papel fundamental que actualmente debe jugar la crítica teatral en Brasil, pues contribuye así a la diversificación y ampliación del debate público sobre temas urgentes que nos atraviesan estética, filosófica, política y socialmente. Emancipar intelectualmente al espectador de teatro contribuye, de manera decisiva, al fortalecimiento de una ciudadanía crítica y humanística, algo tan precioso en estos tiempos de oscurantismo y negacionismo que vivimos, emblemas del actual cretino fundamental. Contra este tipo de cretinismo, Nelson nos ha dado la receta: ¡ni siquiera agua!

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

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Referencias BARTHES, Roland. Diderot, Brecht, Eisenstein. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos. Río de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. MARTINS, Bene; SOARES, Mailson. Apreciações dramatúrgicas: apontamentos cênicos de José Eustáchio de Azevedo – reflexões sobre a crítica e sobre o crítico teatral brasileiros. Revista Sentidos da Cultura, v. 6, n. 11, jul.-dic. 2019, p. 5-19. MICHALSKI, Yan. O declínio da crítica na imprensa brasileira. Cadernos de Teatro do Tablado, n. 100, ene.-jun. 1984, p. 10-13. SILVA, Edson Fernando Santos da. Apresentação. Revista Tribuna do Cretino, v. 1, n. 1, 2015, p. 7-9. _____________________. Terra seca, gente seca. E o rio... Revista Tribuna do Cretino, v. 3, n. 6, 2017, p. 32-35. _____________________. Um solo de Wlad sem Wlad, com Wlad. Disponible en: <https://www.tribunadocretino.com.br/l/um-solo-de-wlad-sem-wladcom-wlad-por-edson-fernando/>. Accedido el 22 de septiembre de 2020. SMALL, Daniele Avila. O crítico ignorante. Río de Janeiro: 7Letras, 2015. TAVARES, Roseane Moraes. Contradispositivos-mapas de uma rede de espaços artísticos autopoiéticos em Belém do Pará. Tesis de maestría en artes por el Instituto de Ciencias del Arte de la Universidad Federal de Pará (ICA/ UFPA), Belém, 2017.

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Notas sobre la crítica teatral periodística 1. Licenciado en Sociología por la Escuela de Sociología y Política de la Pontificia Universidad Católica do Río de Janeiro (PUC/ Rio), es periodista profesional desde 1967. Trabajó como crítico teatral en los periódicos Jornal do Brasil (19822010) y O Globo (2014-2018). En 2011, creó el blog <macksenluiz. blogspot.com>. Fue curador del Festival Recife do Teatro Nacional (19982002) y del Festival de Teatro de Curitiba (1992-2005). Es autor del libro Macksen Luiz et alii (Edições Sesc São Paulo, 2017).

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Macksen Luiz¹

Nada parecerá más improbable que los vínculos entre el periodismo y el teatro en un país como Brasil, donde uno llegaría en el siglo XIX y el otro encontraría su expresión moderna solo a mediados del siglo XX. El tiempo, imperioso cotidiano del hecho en las hojas y volátil en el registro en escena, ha mantenido el paralelismo etario, que sostiene esta convivencia desde la aparición de la prensa nacional, con las primeras manifestaciones teatrales sistematizadas. En el Brasil de los años 1800, los periódicos reproducían matrices importadas con fragilidad impresa en sus medios artesanales y en la precariedad numérica de sus lectores. Los teatros, con poco más que escasas incursiones de compañías francesas y de algunas portuguesas, tenían en el público provinciano y enrarecido una aglomeración de espectadores que se reunían en celebración social. A partir de la tercera década del siglo, los anales de la prensa registraron el nombre del primer crítico teatral del país, Justiniano José da Rocha, y comenzaron a perfilarse algunos dibujos de producción nativa, tanto de compañías como de autores. En la estela de este panorama inicial, los periódicos incorporan a intelectuales dispuestos a ejercer la crítica, en una práctica orientada más a lo literario que a lo escénico. Entre estos críticos pioneros, Machado de Assis fue un observador atento durante exactamente 20 años, con presencia constante en la audiencia de las intermitentes temporadas. Escribir crítica y crítica teatral no solo es una tarea difícil, sino también una empresa arriesgada. La razón es simple. El día en que la pluma, fiel al precepto de la censura, toca un punto negro y olvida por un momento la estrofa laudatoria, las enemistades se levantan alrededor con las calumnias. Entonces, la crítica aplaudida ayer, hoy es engañada, el crítico se ha vendido, es decir, no es más que un ignorante al que por compasión se le dieron migajas de aplausos. Esta perspectiva podría hacerme retroceder a la hora de tomar la pluma del folletín


dramático si yo no pusiera mi conciencia y mi deber por encima de estas miserias humanas. Sé que me voy a meter en una tarea onerosa; lo sé, porque conozco nuestro teatro, porque lo he estudiado materialmente; pero si hay una recompensa por la verdad, me consideraré pagado por las piedras que encuentre en el camino. [...] Estos preceptos, que establezco como norma de mi conducta, son el resultado de mis ideas sobre la prensa, y desde hace mucho tiempo condeno los oropeles de la letra redonda, así como las mezquinas intrigas, debido a que mucha gente firma juicios menos exactos y acordes con su propia conciencia.²

2. Fragmentos de la crítica de Machado Assis a la obra Mãe, de José de Alencar, publicada en el Diário do Rio de Janeiro el 29 de marzo de 1860.

En las primeras cuatro décadas del siglo XX, la prensa de la entonces capital federal mantenía con el teatro la misma frecuencia esporádica con que llegaban aquí las compañías del exterior, y los incipientes grupos locales se aglutinaban en torno a actuaciones grandilocuentes con acento lusitano. Existían críticos, unos pocos exponían sus lecturas de autores franceses y referencias clásicas en alquiler «belloletrista» de las representaciones teatrales. Los años 1940 anunciaron cambios decisivos, que se consolidarían en las reformas editoriales y gráficas de los periódicos y en la sintonía del teatro con la «profesionalización». Es el momento en que Os Comediantes traen «las novedades» de Vestido de Noiva, el Teatro Brasileiro de Comédia inicia su trayectoria empresarial-artística, la Escola de Arte Dramática experimenta didácticas y surge una generación de actores que se convertiría en un elenco con vigencia histórica. No es casualidad que un nombre está asociado directa o indirectamente a estos hitos de la escena brasileña: Décio de Almeida Prado, quien iniciaba la moderna crítica teatral. Durante 22 años (hasta 1968), firmó una columna en el periódico O Estado de S. Paulo, combinando erudición y un lenguaje claro y refinado, dirigiéndose con una dosis equilibrada a la clase artística y al lector del periódico. Esencialmente formador, participó como «activista» en la renovación del análisis crítico, estableciendo estándares de escritura y alianzas solidarias con los criticados, apoyados en la coherencia intelectual y la ética profesional. Décio también desarmó el compadreo de algunos críticos/columnistas de la época, que se convertían en meros apéndices/difusores del objeto de su evaluación.

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3. Fragmentos del prefacio de Décio de Almeida Prado en su libro Exercício findo, recopilación de críticas realizadas entre 1964 y 1968.

[El crítico es] alguien que tiene que pensar rápido —a veces en los pocos minutos entre el final del espectáculo y el inicio de la impresión del periódico— sobre obras, actores y directores que no siempre tienen sentencia dictada. Un profesional que tiene que separar la paja del trigo, adivinar cuál semilla germinará en una operación casi instantánea, bajo la presión de modas pasajeras, olas de entusiasmo o descrédito, tanto suyas, estrictamente personales, como de la comunidad teatral a la que pertenece. […] No significa que por esto se deban considerar verdades eternas todas las frases consignadas por el crítico en el papel. Al contrario, creo que su apreciación no representa más que una opinión entre muchas otras. [...] Por tanto, no existe esta figura mítica: el crítico modelo. Lo que puede y debe haber en cada centro teatral es un elenco crítico bien distribuido y equilibrado, que abarque varias tendencias estéticas y varios tipos de personalidad. [...] En esta república platónica de nuestros sueños, sólo quedarían excluidos de la profesión los ignorantes, los de mala fe, los insensibles al arte, los necios, los envidiosos del éxito ajeno. La severidad, en sí misma, no sumaría ni restaría puntos. Saber admirar, al contrario de lo que se suele pensar, no es ni más ni menos difícil que saber censurar.³

Los años 1960 establecieron los cuadernos de cultura como parte diaria y permanente del cuerpo editorial de los periódicos más grandes de Río de Janeiro y São Paulo. Los críticos de esa época —entre ellos Sábato Magaldi, en los periódicos Jornal da Tarde y O Estado de S. Paulo, y Yan Michalski, en el periódico Jornal do Brasil— se incorporaron a la plantilla de las empresas, con garantías similares a las del resto de periodistas de la redacción. Se caracterizaron la función del «crítico profesional» y la práctica habitual

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de publicaciones, registrando temporadas con cada vez más espectáculos y diversidad de tendencias. Oficina, Teatro dos Sete, Teatro de Arena y Companhia Cacilda Becker se presentaban a menudo, mientras que autores como Plínio Marcos, Dias Gomes y Jorge Andrade dibujaban sus dramaturgias con trazos definitorios. Jóvenes directores (José Celso Martinez Corrêa, Augusto Boal, Flávio Rangel) definían los rumbos de futuras carreras. Copartícipe de los cambios y de tantas propuestas interesantes de renovación, el crítico ejercía su profesionalización con la independencia que requería el periodismo y el soporte teórico que informa su pensamiento. La disponibilidad de espacio se reflejaba en la frecuencia con la que se editaban críticas y artículos (a veces más de tres por semana) y en la inmediatez de los estrenos. Antes de la crítica más extensa, que podría tener dos o más ediciones sobre el mismo espectáculo, había la Primeira Crítica [Primeira Crítica], impresiones iniciales disponibles para el lector a la mañana siguiente al estreno. Los crecientes ataques de la censura eran denunciados por críticos, dispuestos a señalar arbitrariedades y resaltar lo ridículo que eran diversas sanciones. No es fácil conceptualizar la función de la crítica. Un espectáculo puede cumplir perfectamente sus objetivos, realizándose como arte y alcanzando al público, sin recibir un solo comentario de la prensa. Además, si examinamos el papel que ha jugado la crítica a lo largo del tiempo, nos veremos obligados a concluir que sus manifestaciones representan una historia de equivocaciones. [...] El crítico debe ser sensible a los continuos cambios de la realidad teatral. [...] tiene que detectar tendencias incipientes, protegerlas en medio del proceso de afirmación y denunciar sus descaminos, repeticiones y debilitamiento. [...] A veces se dice que sería un placer sádico destruir, cuando la construcción es muy difícil. No creo que los críticos padezcan este mal. En mi larga carrera, siempre he hecho restricciones con extremo disgusto, mientras me sentía feliz al alabar.

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4. Fragmentos del artículo A função da crítica teatral [La función de la crítica teatral], de Sábato Magaldi, en el libro Depois do espetáculo, publicado en 2003.

Porque al crítico, como a cualquier espectador, le gusta ver un buen espectáculo, mientras que siente que se ha perdido la noche si no ha disfrutado de nada de lo que ha visto. Incluso para el disfrute personal, el crítico ve su papel como el de socio del artista creador, hermanados en la permanente construcción del teatro.⁴ La década de 1970 comenzó en 1968, marcada no por la convención temporal, sino por el calendario político, debido a que fue el año de la promulgación del Acto Institucional nº 5 (AI-5). Desde entonces, la prensa, el teatro y todo el tejido social del país quedaron sujetos a la acción represora de la censura, que determinaba lo que se podía leer, ver y vivir. Circunscritos a los límites depredadores de la libre expresión, los periódicos y escenarios establecían medios transversales para denunciar el albedrío censorio. Recetas culinarias ocupaban espacios de textos censurados y metáforas, mientras elipses intentaban levantar el telón que ocultaba el escenario real. Periodistas, críticos y autores creaban malabarismos verbales para hacer visible, al menos en parte, lo que la legislación pretendía ocultar. Se hacían alusiones, se tomaban atajos y se superaban barreras, buscando mantener la claridad y el compromiso con el rigor de la reflexión. Permítanme incluso dar un testimonio personal, quizás ilustrativo en cierto sentido. Llevo 15 años haciendo críticas. Estadísticamente, es probable que estos 15 años representen mucho más de la mitad de la duración total de mi carrera. Al hacer un análisis retrospectivo de estos años de trabajo, no puedo negar la sensación resultante de la constatación del enorme empobrecimiento que sufrió mi trabajo como consecuencia de las limitaciones que impusieron los censores al repertorio que me tocaba ver y analizar. Para protegerme de lo que, en su opinión unilateral, podría ser peligroso para mi formación moral e ideológica, los censores me impidieron poner a prueba mi capacidad crítica contra el trasfondo de toda una serie de obras

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excelentes o terribles, que sólo podrían haber agudizado esta capacidad; me negaron la posibilidad de tener contacto con experiencias y tendencias que solo podrían haber ampliado mi visión del fenómeno teatral; me condenaron a ver miles de horas de un teatro emasculado, con vuelo controlado, y muchas otras horas escribiendo sobre este teatro. Por supuesto, solo puedo considerar esta interferencia como un grave hándicap en mi formación profesional, con el empobrecimiento de mi carrera y, por consiguiente, un daño irrecuperable a mi realización personal y, en última instancia, como una disminución en los servicios que yo potencialmente podría haber brindado a la comunidad.⁵

5. Fragmento del artículo Censura, um mau negócio para todos [Censura, un mal negocio para todos], de Yan Michalski, en el libro Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX, publicado en 2004.

El fin de la censura (oficialmente en 1985) encontró a la prensa y al teatro en una etapa de ajuste de protocolos. El proceso de redemocratización ampliaba el debate político e integraba temas escénicos con los cambios estéticos y de producción de los años 80 y 90. Los segundos cuadernos se enfocaron en la cultura desde la perspectiva del consumo, sectorizando el espacio crítico como área de opinión indicativa. En fases alternas, según cambiaban los editores, el análisis crítico tenía más o menos relevancia, conviviendo con las simplistas y reductoras estrellas calificadoras. Los periódicos tenían grandes tiradas y lectores con expectativas variadas, pero aparentemente guiados por la mayor o menor contundencia en el estilo de cada crítico. La escena teatral se reagrupaba en torno a nuevos directores (Gerald Thomas, Gabriel Villela, Felipe Hirsch, Bia Lessa) y ordenamiento productivo, a través de la ley de fomento. Las comedias y los musicales estaban en la primera línea de las temporadas, inflados con una cantidad de montajes superior a la realidad del mercado. Los críticos más activos, vinculados a las empresas periodísticas, ejercían extensamente sus atribuciones, cubriendo gran parte de espectáculos inexpresivos y sin ningún interés. La crítica caía en la rutina de la programación de estrenos, sorprendiendo al lector al ganar espacio y profundizarse en puestas en escena de ruptura o lenguajes de códigos menos convencionales, reaccionando con rechazo al espectáculo y al crítico-periodista.

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Los últimos 20 años agudizarían la profunda crisis económica e identitaria de la prensa. El cierre de periódicos y la abrumadora primacía de la tecnología digital en los años 2000 redistribuyeron la información y fragmentaron el interés del lector, aumentando de forma abismal la velocidad de su recepción. Con públicos más restringidos y acostumbrado a un sistema de producción unidireccional y vacilante ante las posibilidades investigativas de estéticas escénicas, el teatro converge en un punto de inflexión. El crítico sobrevive en los pocos periódicos y para escasos lectores. Se experimenta en la plataforma digital con contenidos robustos para capturar a un público selectivo. En cualquier medio —el convencional en la fase restrictiva y el emergente en el período de prueba—, el diálogo entre la producción crítica y la amplitud receptiva del espectador se basa —y quizás esta sea la única certeza— en la incuestionable permanencia de la actividad teatral. El carácter efímero del acto teatral no afecta su eternización. Total, cuando se completa en la escena y se proyecta en el público, se hace permanente en los rasgos que deja en cada uno que lo construye y lo ve. Es fugaz en la dificultad de reproducirse como registro histórico, visual o periodístico. Estrechamente relacionado con su tiempo y amplio en la revitalización milenaria de sus medios de expresión, el acto teatral se deja capturar por las sensibilidades del momento, las emociones del instante y la longevidad del pensamiento. Revivir en el presente las progresiones del pasado es de la naturaleza de la creación, que extrapola de la documentación dramatúrgica a la contemporaneidad de la escena. Seguir este progreso es ver la invención en un estado inquietante. Encontrarse cara a cara con la experiencia humana en su belleza y sordidez, recorrer los recuerdos con alegría y melancolía, tener la inteligencia provocada por el desafío de lo desconocido y la ruptura con lo conocido, en un ejercicio sin fin de descubrirse cada vez que se va al teatro. El tiempo de la escena es finito; los sentimientos que provoca son infinitos. Tra-

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tar de capturarlos en palabras, difundirlos como actividad profesional, estar dispuesto a vivirlos como actos generosamente ofrecidos son prácticas de una vida de espectador que se confunden con la transitoriedad de un arte inagotable en la mutabilidad con la que se enfrenta el paso de los siglos. Un corto período de la actividad de crítica teatral en el periódico Jornal do Brasil (1982-2010) expone el intento de volcarme sobre el escenario como una vivencia - reflexiva, amorosa, definitiva. En tan poco tiempo, es posible retener solo los fragmentos de una experiencia artística que nunca se ha desconectado de la vida real. Es tratar de retener la extensión de su complejidad técnica y el placer de disfrutar de todo lo que cabe en lo humano. Y en el teatro lo humano se muestra en su totalidad.⁶

6. A permanência do efêmero [La permanencia de lo efímero], apertura del libro Macksen Luiz et alii, selección de críticas del autor publicadas en 2017.

.:. Este texto es responsabilidad exclusiva de sus autores y no refleja necesariamente la opinión de Itaú Cultural.

Referencias ASSIS, Machado de. Obras completas – Machado de Assis. Crítica teatral, v. 29. [s. l.]: Livro do Mês S.A., 1961. LUIZ, Macksen. Macksen Luiz et alii. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017. MAGALDI, Sábato. Depois do espetáculo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003. MICHALSKI, Yan. Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX. Río de Janeiro: Funarte, 2004. PRADO, Décio de Almeida. Exercício findo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.

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Direcciones de internet En la maraña de algoritmos en la que se convirtió la vida de los mortales en este planeta, pensamos que sería bueno reunir direcciones de Internet dirigidas a la práctica de la crítica en las áreas de circo, danza, teatro y otras variantes que se hacen presentes. La siguiente lista incluye fuentes de investigación y consulta fundamentales para la producción de análisis. Son blogs, sitios web, revistas electrónicas y portales que realimentan a quienes hacen y a quienes disfrutan de las artes escénicas (teniendo en cuenta que toda lista supone brechas). Individuales, colectivas o institucionales, las iniciativas evidencian una fuerte red de espacios imbuida de registrar y pensar una parte considerable de las creaciones que se hacen públicas en diferentes regiones de Brasil e incluso en el exterior. Un inventario provisional a la manera de brújula. Agora Crítica Teatral | www.agoracriticateatral.com.br (Porto Alegre) Alzira Revista – Teatro & Memória | www.alzirarevista.wordpress.com (São Paulo) Antro Positivo | www.antropositivo.com.br (São Paulo) Aplauso Brasil | www.aplausobrasil.com.br (São Paulo) Artezblai – el Periódico de las Artes Escénicas | www.artezblai.com (Bilbao) Bacante | www.bacante.com.br (São Paulo) Blog da Cena | www.blogdacena.wordpress.com (Belo Horizonte) Blog do Arcanjo | www.blogdoarcanjo.com (São Paulo) Bocas Malditas | www.bocasmalditas.com.br (Curitiba) Cacilda | www.cacilda.blogfolha.uol.com.br (São Paulo) Caixa de Pont[o] – Jornal Brasileiro de Teatro | caixadeponto.wixsite.com/site (Florianópolis) Cena Aberta | www.cenaaberta.com.br (São Paulo) Circonteúdo – o Portal da Diversidade Circense | www.circonteudo.com (São Paulo) Conectedance | www.conectedance.com.br (São Paulo) Crítica Teatral | www.criticateatralbr.com (Rio de Janeiro) Da Quarta Parede | www.daquartaparede.com (São Paulo) Daniel Schenker | www.danielschenker.wordpress.com (Rio de Janeiro) DocumentaCena – Plataforma de Crítica | www.documentacena.com.br (diferentes cidades) Enciclopédia Itaú Cultural | enciclopedia.itaucultural.org.br (São Paulo)

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Farofa Crítica | www.farofacritica.com.br (Natal) Farsa Mag | www.farsamag.com.ar (Buenos Aires) Filé de Críticas | filedecriticas.blogspot.com (Maceió) Folias Teatrais – Letras, Cenas, Imagens e Carioquices | foliasteatrais.com.br (Rio de Janeiro) Horizonte da Cena | www.horizontedacena.com (Belo Horizonte) Ida Vicenzia – Crítica de Teatro e Cinema | idavicenzia.blogspot.com (Rio de Janeiro) Idança.net | www.idanca.net (São Paulo) Ilusões na Sala Escura | www.ilusoesnasalaescura.wordpress.com (São Paulo) Karpa | www.calstatela.edu/al/karpa (revista eletrônica latino-americana editada em Los Angeles) Lionel Fischer | lionel-fischer.blogspot.com (Rio de Janeiro) Macksen Luiz | macksenluiz.blogspot.com (Rio de Janeiro) Nacht Kritik | www.nachtkritik.de (Berlim) Notícias Teatrales | www.noticiasteatrales.es (Madri) O Teatro como Ele É | www.oteatrocomoelee.wordpress.com (Belém) Observatório do Teatro | www.observatoriodoteatro.uol.com.br (São Paulo) Observatório dos Festivais | www.festivais.com.br (Belo Horizonte) Palco Paulistano | palcopaulistano.blogspot.com (São Paulo) Panis & Circus | www.panisecircus.com.br (São Paulo) Parágrafo Cerrado | www.paragrafocerrado.46graus.com/ (Cuiabá) Pecinha É a Vovozinha! | www.pecinhaeavovozinha.com.br (São Paulo) Primeiro Sinal | primeirosinal.com.br/ (Belo Horizonte) Qorpo Qrítico | www.ufrgs.br/qorpoqritico (Porto Alegre) Quarta Parede | www.4parede.com (Recife) Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais | www.questaodecritica.com.br (Rio de Janeiro) Revista Barril | www.revistabarril.com (Salvador) Ruína Acesa | ruinaacesa.com.br (São Paulo) Satisfeita, Yolanda? | www.satisfeitayolanda.com.br (Recife) Teatro para Alguém | www.teatroparaalguem.com.br (São Paulo) Teatrojornal – Leituras de Cena | www.teatrojornal.com.br (São Paulo) Tribuna do Cretino | www.tribunadocretino.com.br (Belém) Tudo, Menos uma Crítica | www.medium.com/@fernandopivotto (São Paulo) Válvula de Escape | www.escapeteatro.blogspot.com (Porto Alegre) Vendo Teatro – uma Plataforma para Falar sobre Teatro em Pernambuco | www.vendoteatro.com (Recife)

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Ficha técnica NÚCLEO DE ARTES ESCÉNICAS Gerencia Galiana Brasil Coordinación Carlos Gomes Producción Felipe Sales Cocuraduría Valmir Santos

NÚCLEO ENCICLOPEDIA Gerencia Tânia Rodrigues Coordinación Glaucy Tudda Producción Karine Arruda

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NÚCLEO DE COMUNICACIÓN Y RELACIÓN Gerencia Ana de Fátima Sousa Coordinación Carlos Costa Edición Ana Luiza Aguiar (subcontratada), Milena Buarque y Valmir Santos (cocurador) Producción editorial Pamela Rocha Camargo y Victória Pimentel Diseño Estúdio Lumine (subcontratado) Supervisión de la revisión Polyana Lima Revisión del portugués Karina Hambra y Rachel Reis (subcontratadas) Traducción al español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado) Revisión del español Atelier das Palavras Tradução Interpretação Ltda. (subcontratado)

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Hiltom Cobra | Poéticas da Cena Engajada | foto: Guilherme Castoldi


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