FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS – PAULO JOSÉ BRUGGER

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PERFIL – PAULO JOSÉ BRUGGER

“CRESCI OUVINDO QUE O BRASIL ERA O PAÍS DO FUTURO, E PARA MIM ELE SEMPRE SERÁ VISTO ASSIM” Com uma trajetória marcada por diversas mudanças, ao longo desta entrevista Paulo José Brugger revela a sua paixão pela Mecânica dos Solos e os caminhos que o levaram a acreditar na inovação para esta área

Fotos: Arquivo Pessoal

Por Dellana Wolney

Paulo José Brugger

Reconhecido pelos seus inúmeros trabalhos na área da geotecnia, Paulo José Brugger nasceu no ano de 1963 em Caxias do Sul (RS), sendo o mais novo de uma família de cinco irmãos, cujos pais são brasileiros, mas de descendência europeia. Ele conta que em sua casa falava alemão com os seus pais e português com seus irmãos. “Da infância tenho boas recordações de morar fora da cidade e passar as férias na praia na casa da minha avó onde não 14 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

existia luz elétrica e a água era bombeada manualmente da cisterna”, recorda. A maior parte da sua vida escolar foi vivida em sua cidade de origem, mas em 1980, aos 17 anos, prestou vestibular para o curso de Engenharia Civil na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em Porto Alegre (RS), onde morou até se formar em 1987. “Eu sempre gostei de ver obras acontecendo, desde o pedreiro trabalhando na nossa casa até as máquinas que abriam as ruas no nosso bairro. Também gostava muito de outras coisas como pescar, andar de bicicleta, acampar e fotografar, mas sabia que seria mais difícil ter uma profissão nestas áreas”, relata. Como a maior parte dos adolescentes, Paulo teve suas dúvidas durante a fase da escolha profissional. Suas opções estavam entre a medicina (profissão do avô, pai, tios e duas irmãs), arquitetura e a engenharia civil, porém optou pela engenharia por alguns motivos curiosos: tinha medo de desmaiar em uma sala de cirurgia, caso cursasse medicina e na época não entendia bem qual era a função exata de um arquiteto. “Meu pai era um médico bem-sucedido em Caxias do Sul, assim como meus dois tios e o meu avô. Ele trabalhava muito e aplicava todas as suas economias na compra de terrenos, chácaras e outros imóveis. Naturalmente, queria que os filhos fossem médicos, arquitetos ou engenheiros, para que ajudassem a cuidar e ampliar seu patrimônio, principalmente construindo sobre os terrenos que ele possuía. Eu já tinha duas irmãs que estavam cursando medicina, uma irmã cursando letras e um irmão cursando arquitetura, faltava o engenheiro da família. Não foi uma pressão explícita, mas


Férias com os irmãos na casa de praia da avó em 1966

Na Alemanha com amigos da Universidade de Karsluhe, 1985

Paulo com os seus pais e irmãos em Caxias do Sul (RS) em 1967

No Rio de Janeiro com colegas do mestrado na COPPE-UFRJ

tenho certeza de que meu pai ficou bem feliz quando escolhi a engenharia, ainda meio sem paixão, mas por comodidade e por achar que afinal, eu gostava de obras”, explica.

Ele diz que naquela época não existiam as facilidades da internet, e-mail, programas como Ciência sem Fronteira (programa de bolsas de estudo para os melhores centros de pesquisa do mundo para investir na Ciência e Tecnologia do País) etc. “Quando tinha um sonho diferente precisava procurar com muita persistência, porque tudo era demorado”, lembra. Através do Instituto Goethe em Porto Alegre descobriu o DAAD (Deutscher Akademischer Austauschdienst), maior organização alemã no campo de intercâmbio acadêmico, onde conseguiu uma lista de universidades na Alemanha. Com este primeiro passo dado, começou a escrever cartas para todos os endereços que tinha, assim conseguiu um estágio no Laboratório de Mecânica dos Solos da Universidade de Karsruhe, na Alemanha. Lá se estabeleceu durante seis meses e depois trabalhou como estagiário mais seis meses em duas empresas de engenharia na Alemanha, sempre ligadas à engenharia geotécnica e de fundações. Com essa experiência, suas dúvidas do passado foram tiradas. Quando voltou ao Brasil, Paulo soube que a Mecânica dos Solos seria sua profissão, porém em Porto Alegre, naquela época ainda não existia uma pós-graduação focada na área de fundações, e através dos conselhos de alguns

VIDA ACADÊMICA E SEUS DESAFIOS No começo da graduação veio o primeiro choque que foram as aulas de cálculo e física dos dois primeiros anos. Para sobreviver àquela “tortura” ele resolveu que precisava achar alguma coisa interessante além da matemática e da física. Foi quando conseguiu se matricular em uma disciplina chamada Geologia de Engenharia, que pelo currículo deveria ser cursada apenas no terceiro ano, mas que ele adiantou já no segundo semestre. A Geologia de Engenharia mudou tudo, pois as aulas eram fora da sala, visitando pedreiras, jazidas, depósitos de argila mole e obras em andamento em Porto Alegre. Segundo ele, o professor Marco Aurélio Azambuja conseguiu mostrar que aquilo era apaixonante e foi neste momento que decidiu que seu futuro seria mexer com terra, de um jeito ou de outro. Na metade da sua graduação, os pensamentos de mudança vieram à tona. Paulo queria viajar, ficar um ano fora do Brasil e talvez até recomeçar algum curso no exterior. 15 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


No Rio de Janeiro com colegas do mestrado na COPPE-UFRJ

Mesa de abertura do Geossintéticos ‘99 no Rio de Janeiro (RJ), 1999

Um dos primeiros Muros Terrae em Petrópolis (RJ), 1999

Primeiro Muro Terrae construído em sua casa em Petrópolis (RJ), 1997

professores, em 1988 se candidatou a uma vaga no curso de mestrado em Mecânica dos Solos da COPPE-UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro). “O Rio de Janeiro foi a escolha definitiva da minha formação profissional. Lá encontrei os melhores amigos geotécnicos que tenho até hoje, entre colegas e professores. Descobri que coisas como resistência ao cisalhamento, adensamento 16 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

e análise de tensões já estavam no meu sangue há tempos e era apenas uma questão de deixar as oportunidades aparecerem”, enfatiza. Em 1988 deu início ao seu mestrado, defendendo a sua dissertação em 1991, que teve como tema fundações e métodos numéricos. Com poucos intervalos veio o doutorado, iniciado em 1992, cuja tese defendida em 1996 foi na área de solos moles e também métodos numéricos. Ainda em 1996, Paulo teve uma rápida estadia de quatro meses no Canadá, onde acompanhou sua esposa que estava fazendo ensaios na Universidade de Sherbrooke, Quebec. Lá teve os primeiros contatos com soluções de contenção de encostas com muros em solo reforçado. Com toda a carga de trabalho, neste meio tempo ainda teve energia para trabalhar em diversos projetos ligados à Fundação COPPETEC (Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos), fazer um concurso para professor na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde ministrou aulas de Fundações e Estruturas de Contenção de 1993 a 2004, fundou uma empresa (Terrae Engenharia) junto com mais três colegas do mestrado. “Tive tempo ainda para casar com minha esposa Laura De Simone Borma


Com amigos da época do doutorado no Rio de Janeiro, 2001

Muro Terrae no Rio de Janeiro, 2001

Visita a uma obra em Teresópolis (RJ), 2003

Muros Terrae em implantação de avenida em Nova Lima (MG), 2004

e ter meu primeiro filho Bruno. Alguns anos mais tarde, em 2001, nasceu a minha filha Luana. Foram anos de muito trabalho e muita criatividade, em todos os sentidos”, comenta Paulo com humor.

Nos anos de 1996 a 2004, o seu trabalho foi focado no desenvolvimento do sistema construtivo de Muros Terrae e também em projetos de geotecnia tradicionais, época em que participou de projetos importantes como o “Favela Bairro” da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a implantação do Parque Tecnológico da UFRJ na Ilha do Fundão e o mapeamento de áreas de risco em diversas cidades do Estado do Rio de Janeiro. Em busca de novos desafios, Paulo fez uma mudança radical em sua vida em 2004. “Andava cansado da vida agitada e da falta de tempo no Rio de Janeiro. Junto com minha família, resolvi me desligar da Terrae Engenharia e da UFJF e fizemos nossa mudança para Palmas, Tocantins, por um período de três anos. Nessa época, minha esposa foi professora da UFT (Universidade Federal do Tocantins) e eu me envolvi em estudos um pouco fora da minha área. Participei como Pesquisador Visitante do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na UFT de trabalhos ligados à hidrologia no Estado do Tocantins”, relata. Paralelamente, Paulo virou “garoto propaganda” do sistema Muros Terrae, desta forma seguiu viajando pelo Brasil fazendo palestras e captando obras de muros em solo reforçado.

CAMINHOS PROFISSIONAIS Finalizado o doutorado ele seguiu com a carreira acadêmica e profissional em paralelo. Era professor em tempo parcial em Juiz de Fora (MG) e sócio da Terrae Engenharia no Rio de Janeiro (RJ), época que também se mudou para Petrópolis (RJ) para morar “no meio do caminho”. Paulo conta que quando voltou do Canadá, aos poucos a ideia de criar alguma coisa nova no Brasil foi crescendo e foi nesse período que teve contato com alguns fabricantes de geossintéticos no Brasil e professores da UFRJ que eram entusiasmados com a ideia. Junto com a sua esposa Laura e com os colegas Marcos Barreto de Mendonça e Robson Saramago criaram a Terrae Engenharia, que surgiu dentro da incubadora de empresas da COPPE/UFRJ, com a base da inovação tecnológica de muros em solo reforçado com face em blocos segmentais, que posteriormente foram patenteados e batizados como “Muros Terrae”. 17 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


Com a família na comemoração das bodas de ouro dos seus pais, 2005

Muro reforçado com face verde com 27 metros de altura em São Paulo (SP), 2005

Com a família visitando o Jalapão (TO), 2006

Barreira acústica em solo reforçado em Jundiaí (SP), 2007

Muros Terrae no trecho Sul da Rodoanel, 2007

Muro Reforçado com face verde em Ilha Bela (SP), 2007

Nesse período teve o apoio decisivo do engenheiro e amigo Flávio Montez e da equipe da empresa Huesker. Finalmente em 2007, ele e sua família mudaram mais uma vez os planos e retornaram para a região Sudeste, dessa vez para São José dos Campos (SP), onde iniciou as atividades da empresa Brugger Engenharia, em que trabalha até hoje. Então, desde

2000 até os dias atuais, ele acumulou em seu currículo uma centena de palestras sobre o assunto de solos reforçados.

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GEOSSINTÉTICOS Além do espírito inovador, Paulo diz que teve boas referências na área de geossintéticos, tanto acadêmica quanto pro-


Muros Terrae em obra urbana em Maringá (PR), 2008

amizade e uma parceria que permanece até os dias de hoje. Apesar da sua carreira acadêmica no mestrado e no doutorado ter sido focada nas áreas de modelos numéricos em fundações e aterros sobre solos moles, ainda, durante o doutorado, o engenheiro iniciou as atividades profissionais e os estudos para o desenvolvimento dos muros em solo reforçado com seus amigos e sócios na Terrae Engenharia. Lá depositaram quatro patentes relativas ao uso de geossintéticos como reforço e filtração e com a utilização de blocos segmentais no sistema construtivo. “Meu trabalho, desde então sempre foi ligado aos geossintéticos, inicialmente para reforço de solos e muros de contenção, posteriormente para aplicações diversas, principalmente de reforço tanto para solos moles, contenções, quanto para melhoramento de solos. Sempre fui muito ligado aos aspectos práticos da engenharia, e por isso acabei documentando e publicando muita coisa referente aos aspectos construtivos das obras onde estive envolvido”. Estas publicações estão em algumas revistas nacionais e internacionais e principalmente em eventos técnicos no Brasil, o que corrobora com sua paixão pela pesquisa. “Particularmente sou fã dos Congressos Brasileiros de Engenharia Geotécnica e de Geossintéticos. Sou sócio da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica) e da IGS (International Geosynthetics Society) e procuro sempre participar dos eventos organizados por estas instituições. A revista Fundações & Obras Geotécnicas é um caso de amor à parte. Tive a oportunidade de publicar três artigos técnicos descrevendo obras em solo reforçado na revista, e por três vezes fui agraciado com o Prêmio Milton Vargas”, orgulha-se.

ENSEJOS

Com amigos comemorando os 20 anos da turma de mestrado da COPPE-­ UFRJ, 2008

fissional. Na universidade, ele teve a oportunidade de acompanhar e participar dos primeiros trabalhos do engenheiro e professor da UFRJ, Mauricio Ehrlich e na área profissional ele pôde ver a ideia dos Muros Terrae começar e se tornar realidade no mesmo ano em que iniciou no Brasil as atividades da Huesker. Segundo ele, dessas chances nasceu uma 19 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

“Acredito que sou uma pessoa que teve a sorte de descobrir no meio do curso de engenharia civil qual era a minha paixão e acredito que tive a força de prosseguir com esse sonho sem nunca desistir. Nas décadas de 1980 e 1990, a situação econômica no Brasil era desanimadora para os engenheiros civis. Quando dei aula, tive o dessabor de ver que o curso de Engenharia Civil chegou a ser o menos procurado de todos os cursos da UFJF, isso criou uma falta muito grande de engenheiros no mercado e a partir do final dos anos 1990, quando o crescimento do Brasil exigiu a retomada dos investimentos em infraestrutura, eu já estava pronto para participar desse mercado e ocupar o meu espaço”, relembra. Paulo também acredita que teve sorte de encontrar muitas pessoas que o ajudaram e que se tornaram amigas nesse percurso. Sua lista de colegas seria interminável, correndo o risco até de ainda deixar muitos de fora por esquecimento. Mas, com alegria ele afirma que possui incontáveis amigos na geotecnia. Quanto ao futuro, em sua concepção, 2014 foi um período muito turbulento na política e na economia e que independente de partido ou ideologia política, ele considera que nos próximos anos o Brasil vai pagar o preço da falta de credibilidade que esse período criou frente aos investidores nacionais e internacionais. “Em um futuro breve vamos ter uma fase de acomodação


Muro Terrae na duplicação da BR101-RS, 2008

Reforço de aterro sobre solo mole em São Paulo, 2013

Palestra sobre muros em solo reforçado no Georreforços em São Paulo, 2009

Ruptura de aterro sobre solo mole na Baixada Santista, 2013

Obra de aterro reforçado sobre solo mole na Baixada Santista (SP), 2013

e menor atividade econômica, principalmente na infraestrutura. Eu cresci ouvindo que o Brasil era o País do futuro, e para mim ele sempre será visto assim. Eu continuo trabalhando com esse objetivo. Acho que uma economia mais aberta, com menos peso do Estado nos investimentos seria benéfica, mas ainda vivemos um modelo de desenvolvimento com os vícios da América Latina, onde o Estado tem muita importância na atividade econômica e muita coisa gira em torno do cenário político do País. Pessoalmente sou a favor do Estado mínimo e da economia aberta de mercado”, afirma. Mesmo nestas circunstâncias, ele pretende trabalhar muito nos próximos dez anos, pois diz que ainda tem uma dívida com o Brasil que tanto investiu em sua formação. “Tenho procurado me envolver em um menor número de projetos paralelos, e sim em projetos maiores e mais desafiadores para mim, mas isso depende muito das oportunidades que aparecem. Em um futuro de médio prazo almejo ter mais tempo para minhas outras paixões como a família, a fotografia, as viagens e principalmente os amigos”, finaliza.

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