O encanto pelas aventuras da geotecnia

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Entrevista

O encanto pelas aventuras da geotecnia Maravilhado pelos desafios que a ciência proporciona, Carlos Medeiros Silva tem quase 30 anos de carreira marcados por dedicação e amor à profissão por Dafne Mazaia Fotos: Acervo pessoal

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CARLOS MEDEIROS SILVA

arlos Medeiros Silva nasceu em Campina Grande (Paraí­ ba), em junho de 1966. Sua formação iniciou-se em 1981, quando ingressou no curso técnico em estradas na ETFPB (Escola Técnica Federal da Paraíba). Realizou graduação em engenharia civil na UnB (Universidade de Brasília), em 1989 e fez doutorado em geotecnia no Programa de Pós-Graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília, em 2011. Atualmente é coordenador das Comissões Técnicas da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), diretor-técnico da EMBRE Engenharia e Fundações Ltda., e do LTEC (Laboratório Técnico de Engenharia Ltda). Já foi coautor de dois livros da área e tem mais de 40 trabalhos técnicos publicados. Já ganhou duas premiações do setor, o Prêmio Pro­ fessor José Henrique Feitosa Pereira, do Prêmio Costa Nunes da ABMS e o Prêmio CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) Inovação e Sustentabilidade Falcão Bauer. Possui experiência na engenharia geotéc­ nica e já realizou quase 3.000 trabalhos de consultoria, elaboração de projetos e execução de obras. Como surgiu o interesse pela engenharia? Durante a minha adolescência eu fui algumas vezes visitar os meus tios engenheiros rodoviários em Manaus (Amazonas). Um deles, o engenheiro Armando Medei­ ros, era o chefe do primeiro distrito rodoviário do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) e, algumas vezes ele me levou para acompanhá-lo em suas visitas técnicas nas frentes de trabalho, eu me recordo de duas delas na BR-319 e na BR-230 (Transamazônica).

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Carlos Medeiros aos cinco anos de idade no Jardim de Infância

Naquela época não era o interesse pelas obras rodoviárias e pela enge­ nharia que me fascinava, o que me atraia era o interesse pelo novo e pela aventura, pois chegar aos canteiros de obras era uma odisseia. Viajávamos em aviões monomotores ou de carro passando por florestas virgens, ani­ mais selvagens, índios, estradas enla­ meadas, pontes e “pinguelas”. Anos depois, eu descobri que no Amazonas eu tive contato com os primeiros pro­ blemas e soluções geotécnicas, pois presenciei a execução de aterros sobre solos moles, rupturas profundas, subs­ tituição de solo, execução de funda­ ção de pontes em estacas de madeira, entre outros problemas e soluções. A partir daquelas experiências eu decidi que seria um engenheiro civil, especi­ ficamente um engenheiro rodoviário. Quais foram as suas influências para essa escolha?

Com os colegas da turma de engenharia, em uma visita à Usiminas (Minas Gerais), em 1988

A influência veio dos meus tios e parentes, pois eu tenho quase uma de­ zena de engenheiros civis na família. Fato que nos orgulha, pois apesar de serem oriundos de uma família hu­ milde, eles venceram as dificuldades por meio da busca do conhecimento e do trabalho. Outro fato determinante foi a facilidade que eu tinha com as ciências exatas, logo naturalmente nos tempos de colégio eu me dedicava às exatas (matemática e física). Conte-nos um pouco sobre a sua formação acadêmica. A minha formação iniciou-se em 1981 ao ingressar no curso técnico em estradas na ETFPB (Escola Téc­ nica Federal da Paraíba). Naquela época cursávamos as disciplinas cur­ riculares do segundo grau no período da manhã e as disciplinas referente ao curso técnico no período da tarde (projeto de estradas, topografia, labo­

ratório de solos etc). Com o diploma de técnico de estradas, eu retornei para Brasília (Distrito Federal) e em 1984 iniciei o curso de engenharia civil na Universidade de Brasília, pe­ ríodo que coincidiu com o início do PPGG (Programa de Pós-Graduação em Geotecnia) da UnB (Universida­ de de Brasília), composto por moti­ vados professores cujas competências se complementavam. Foi nesse ambiente que em 1986 eu conheci e comecei a trabalhar com o professor José Camapum de Carvalho, inicialmente como aluno, bolsista, orientado e, por fim, como sócio, nós construímos ao longo de três décadas uma relação fraternal de respeito e amizade. Finalmente em 2009 eu entrei no doutorado no PPGG da Universidade de Brasília para consolidar a minha trajetória e participação em algumas pesquisas geotécnicas realizadas no Distrito Fe­ Fundações e Obras Geotécnicas

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Entrevista

auferido ao autor da melhor Tese de Doutorado defendida em instituição brasileira e o do Prêmio CBIC (Câ­ mara Brasileira da Indústria da Cons­ trução) Inovação e Sustentabilidade Falcão Bauer concedido pelo órgão, ao autor da melhor pesquisa aplicado à prática da construção civil.

Um projeto e consultoria de cortina de contenção realizado pelo engenheiro

Recebendo o Prêmio CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), na categoria ‘Pesquisa’, com os professores e amigos José Camapum e André Brasil

deral, fato que já tinha sido reconhe­ cido em 2003 ao ser agraciado com o Prêmio Professor José Henrique Feitosa Pereira, pelas contribuições ao desenvolvimento das pesquisas geotécnicas no Distrito Federal. 18

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Eu concluí o doutorado em 2011 e em 2012 eu recebi o reconhecimento da academia e da indústria, por meio do Prêmio Costa Nunes da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica),

Quais são as suas experiências com projetos e trabalhos na área de engenharia civil? A minha vida profissional sempre esteve diretamente ligada à inicia­ tiva privada. Em 1988 eu consegui o meu primeiro emprego em uma empresa geotécnica para liberar tu­ bulões, acompanhar a execução de sondagens e ajudar na elaboração dos projetos de fundações e con­ tenções, trabalhos sempre supervi­ sionados pelo excelente engenheiro geotécnico Francisco Oliveiro. Essa convivência com ele contri­ buiu para o meu crescimento técnico e profissional. Em 1993, eu abri a minha primeira empresa, a Consul­ tec Engenharia Geotécnica que se fundiu em 1995 com a Embre Enge­ nharia e Fundações, dos engenheiros Renato e Cristiane Dias, meus sócios até a presente data. Nessa época eu trabalhei para o metrô de Brasília como terceirizado da empresa Bu­ reau de Projeto, realizando sonda­ gens, amostragens e participando da instrumentação sob a supervisão do engenheiro André Yassuda. Ali eu aprendi que o bom desempe­ nho de uma obra geotécnica inicia-se com a execução de sondagens confiá­ veis, sendo necessário, muitas vezes, ensaios especiais para subsidiar o proje­


to e, por fim, eu também aprendi que a execução e o desempenho da obra deve ser monitorado e controlado. Esse aprendizado foi fundamental, pois ain­ da jovem eu pude incorporá-lo à mi­ nha conduta profissional e empresarial. Recentemente, em 2011, em so­ ciedade com o Professor Paulo Via­ na, eu fundei o LTEC (Laboratório Técnico de Engenharia). O espaço foi idealizado dentro do Laborató­ rio de Geotecnia da UnB, nós nos encontrávamos no laboratório du­ rante a noite para realizar a campa­ nha de ensaios das teses e estudar. Não posso aqui esquecer da colega geóloga Angela Almeida (in memoriam), pois ela sempre esteve pre­ sente naquelas longas madrugadas. As duas empresas quando associa­ das oferecem ao mercado a diversida­ de do conhecimento para solucionar os mais variados problemas geotéc­ nicos e estruturais, por exemplo, o projeto e execução de complexas es­ truturas de contenção e fundações, a recuperação geotécnica e estrutural de barragens, entre outros. É eviden­ te que ao longo dessas quase três dé­ cadas muitos obstáculos tiveram que ser ultrapassados e nem tudo acon­ teceu como planejado, mas todas as experiências e situações sempre trou­ xeram um novo aprendizado. Como é atuar como coordenador das Comissões Técnicas da ABMS? A minha participação na ABMS iniciou-se com o trabalho dentro do Núcleo Regional Centro-Oeste, onde fui presidente por quatro anos. Apesar de ser voluntário, o meu tra­ balho dentro da ABMS foi remune­

Com os amigos da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), Paulo Henrique, Nadir Dias, Anna Laura Nunes e Alberto Sayão

rado com novas e sinceras amizades que surgiram nas reuniões, palestras e congressos. A minha atuação ini­ ciou-se com um pedido do então presidente, Alberto Sayão, para que eu acompanhasse dentro do Con­ gresso Nacional e no CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia) a tramitação de um projeto que afetava diretamente a carreira do engenheiro geotécnico, projeto que eu monitoro até hoje. Em 2011, a convite do Arsênio Negro, eu assumi a secretaria exe­ cutiva da ABMS, que dentre suas funções visa promover e viabilizar as comissões técnicas. Na minha opi­ nião, as comissões técnicas são a es­ sência da ABMS, pois é dentro delas que as novas as pesquisas, técnicas e materiais são discutidos e divulga­ dos. Nesse caso a minha remunera­ ção é o ganho do conhecimento. Ao assumir a secretaria da ABMS eu verifiquei que existiam apenas três

comissões ativas, então eu incentivei e motivei os colegas associados a ati­ var e criar novas, trabalho que eu con­ tinuei fazendo nas gestões do Jarbas Milititsky, do André Assis e na atual gestão do Alessander Kormann. A função do coordenador basicamente se resume em monitorar as atividades das comissões técnicas, incentivar a promoção de eventos e a produção de documentos técnicos, ou seja, ser um facilitador e uma ponte entre a diretoria e as comissões. Dentre os quase 2.000 trabalhos realizados, qual considera de maior destaque ou que lhe trouxeram mais satisfação? Eu tenho dificuldade em eleger uma obra ou projeto específico, pois a engenharia geotécnica é fascinante e traz desafios e aprendizados a cada nova obra. Uma das que me marcou foi uma obra que certamente não foi a maior ou a mais complexa que Fundações e Obras Geotécnicas

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Entrevista

Família do engenheiro reunida para o almoço dominical na casa de seus pais

O engenheiro Carlos Medeiros e sua esposa Marília Veras, juntos numa corrida de ciclismo

eu participei que foi um edifício co­ mercial com 15 pavimentos e cinco subsolos construído no setor de au­ tarquias de Brasília. O interessante nessa obra foi o embate entre o en­ genheiro e o juiz, situação que cer­ tamente muitos de nós, engenheiros já passaram ou irão passar algum dia. Quais pesquisas na área lhe trouxeram mais satisfação? Foi a pesquisa realizada durante a minha tese de doutorado, pois teve o reconhecimento da academia e da prática. Foi desenvolvida e propos­ ta a Metodologia SCCAP (sigla que representa as iniciais dos sobrenome dos engenheiros: Carlos Medeiros da Silva (Silva), do professor José Ca­ mapum de Carvalho (CC), do enge­ nheiro Gustavo Araujo (A), e do en­ genheiro Hoover Paullucci (P)), que 20

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leva qualidade e confiabilidade para os estaquea­mentos executados para os do tipo hélice contínua e escavados. A metodologia é baseada no princípio físico e universal de conversação de energia e é controlada por métodos estatísticos. Basicamente foi compro­ vado que a capacidade de carga de uma estaca escavada ou do tipo hélice está diretamente relacionada com a energia necessária para sua cravação. Atualmente eu estou trabalhan­ do com os corpos expansivos (expander body), técnica utilizada em outros países e que, provavelmente, terá boa adaptabilidade aos solos brasileiros. O objetivo do expander body é criar uma base na ponta das estacas por meio da instalação de um cilindro sanfonado na ponta das estacas que se expande lateralmente por meio da injeção de argamassa. A finalidade é criar uma base nas estacas escavadas melhorando a sua capacidade de carga nesse tipo de estaca, o processo e rotinas são totalmente controlados por um software específico. A pesquisa conta

com a participação do professor da UnB, Renato Cunha, do professor da Universidade de Santa Cruz de La Sierra, Mario Terceros e dos pro­ fessores da UNICAMP (Universi­ dade Estadual de Campinas), David de Carvalho e Paulo Albuquerque. Pensa em lecionar em algum momento? A partir do segundo grau eu sem­ pre estudei em excelentes instituições públicas de ensino e gostaria de retri­ buir um pouco do que recebi gratui­ tamente transmitindo o meu conhe­ cimento para os futuros engenheiros. Nos últimos anos, eu recebi alguns convites para ensinar em universida­ des particulares, mas não os aceitei. Quanto às instituições públicas da minha cidade, os concursos na mi­ nha área de atuação foram sempre para dedicação exclusiva, consequen­ temente não pude participar das seleções pelo conflito com a minha atividade profissional. Aliás, nos cur­ sos de engenharia é um erro a contra­ tação única e exclusiva de professores no regime de dedicação exclusiva,


pois esses professores são impedidos de praticar engenharia e, no entanto, ensinam engenharia. Quais são os seus projetos futuros? Eu acredito que o objetivo de qualquer empresário brasileiro nesse momento de crise é garantir a sobre­ vivência de suas empresas. Eu, como a maioria dos empresários que atuam na engenharia geotécnica, acreditei no Brasil e investi na modernização dos maquinários e na contratação e qualificação dos novos e antigos colaboradores. Consequentemente, o principal objetivo é administrar a empresa serenamente reduzindo o seu tamanho e consequentemente os custos fixos. Entretanto, nós manti­ vemos os investimentos em pesquisas e em novas tecnologias, pois o Grupo Embre sempre cresceu e é reconhe­ cido pelas inovações e novas tecno­ logias que desenvolveu e a oferta ao mercado, eu acredito nesse caminho e continuarei trilhando. Com uma carreira já consolidada atualmente, qual avaliação faz da sua trajetória até aqui? Eu avalio positivamente, evidente que muitas vezes eu trilhei o caminho mais acidentado e tortuoso, mas não me arrependo das decisões e escolhas feitas no passado. Eu tenho orgulho do que fiz até aqui e é evidente que ainda eu tenho muito a fazer. Quais são as suas perspectivas para o mercado brasileiro da engenharia e geotecnia? Eu estou otimista, pois eu estou percebendo uma leve movimenta­

ção em direção à retomada do cres­ cimento. Quanto ao mercado de geotecnia, as empresas que atuam no segmento fizeram altos inves­ timentos nos últimos anos e estão endividas e com os pátios lotados com seus maquinários, consequen­ temente o ambiente só melhorará quando esses maquinários estiverem trabalhando e os preços que estão aviltados se recuperarem e isto, na minha avalição, ainda vai demorar. Quais são as suas principais referências no segmento? Eu tenho muitas referências e, cer­ tamente, esquecerei de muitas pesso­ as. Citarei apenas algumas do meu convívio. Os engenheiros Nelson Aoki, Alexandre Duarte Gusmão, Paulo Henrique Dias e Willer Fon­ seca são referência pela competência e humidade com que encaram a en­ genharia geotécnica; os professores José Camapum, André Assis, Márcio Muniz, Luciano Décourt e Alberto Sayão, pela forma, muitas vezes, anta­ gônica que olham e interpretam a en­ genharia geotécnica. No campo em­ presarial o meu sócio Renato Wilson e o Arsênio Negro pelo pragmatismo com que conduzem as suas empresas. Conte-nos um pouco sobre a sua trajetória pessoal? Eu sou o primogênito entre os cinco filhos de Analice Medeiros Silva e José Berto Sobrinho. Nossa família é muito unida, sempre incen­ tivando e estendendo a mão um para o outro nos momentos de dificulda­ des. O meu pai era gerente de banco na década de 1970, naquela época a

sua missão era abrir novas agências, consequentemente nós moramos em quase uma dezena de cidades até chegar em Brasília (Distrito Federal), em 1977, onde nossa família fixou residência. Ainda no primeiro grau estudei com a minha esposa adorável e parceira, Marília Veras, e voltamos a nos encontrar já adultos na Univer­ sidade de Brasília, eu estudando en­ genharia e ela estudando psicologia, todo engenheiro geotécnico deveria ter uma psicóloga por perto para manter a cabeça em ordem diante de tantas incertezas que a profissão nos impõe. Nos casamos e temos uma fi­ lha, Veronyca, com 27 anos. Elas são o meu porto seguro. O meu hobby e da minha esposa é o ciclismo. Eu acredito que o ci­ clismo pode colaborar para melhorar a vida de todos nós. Essa melhora pode vir por meio da qualidade de vida, da saúde, ou simplesmente por ter encontrado uma atividade de la­ zer, no meu caso, somam-se os três benefícios. Atualmente, eu encaro como uma atividade esportiva parti­ cipando de várias provas no Brasil e no mundo, por exemplo, em 2015 eu concluí uma das provas mais fa­ mosas e longas do mundo, o Pa­ ris-Brest-Paris. São 1.200 km que devem ser pedalados em um tempo limite de 90 horas. As pessoas que participam desse tipo de prova de longa distância são conhecidas como randonneur. Procuro dosar a minha vida, pois também cultivo as minhas amizades e sempre que posso marco encontro e jantares com ou meus amigos, aqueles que podemos contar “com os dedos das mãos”. Fundações e Obras Geotécnicas

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