Laços - Edição 1 - Fundação Beto Studart

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REVISTA DA Fundação Beto Studart de Incentivo ao Talento

A ARTE DE REESCREVER O FUTURO o sonho dá cor à Vida Fundação beto studart | 1




PALAVRA DO presidente

o sonho dá cor à Vida

No script da minha vida enveredei por muitos caminhos e muitas estradas... Durante toda a infância e adolescência, convivi num ambiente familiar no qual a tônica era o respeito às pessoas e a solidariedade. Meu pai, médico, e toda a nossa família morávamos numa casa anexa ao Hospital de Messejana, um cenário simples e muito acolhedor de onde presenciávamos a luta das pessoas pela vida. Homem feito, desbravei outros caminhos e tornei-me um empresário; havia em mim um ideal há muito acalentado, um ideal compartilhado pela minha esposa e grande companheira, Ana. Eu queria ajudar as pessoas, mas, longe de ser aquela ajuda só caridosa, filantrópica, eu pensava em algo que pudesse impulsionar homens e mulheres na busca da realização de seus sonhos. Em nossa empresa, a responsabilidade social sempre foi levada a sério, pois desenvolvíamos um trabalho com os nossos colaboradores, junto ao entorno e à comunidade, mas ainda não era o suficiente. Há dez anos, colocamos mãos à obra e começamos, então, a desenhar a Fundação Beto Studart. Nesse traçado de cores e formas contamos com a participação de muitas pessoas, mas uma em especial, involuntariamente, inspirou o foco de atuação da Fundação. Assistindo a um programa de TV, vi um menino muito inteligente que vivia no sertão, e esse menino tinha um sonho. Senti imediatamente vontade de ajudá-lo. Cultivar sonhos é inerente a todo ser humano. O sonho instiga o crescimento, a criatividade e dá colorido à vida, transformando o dia a dia numa aventura singular. Nem todos, porém, conseguem realizar os sonhos de sua vida, porque para realizá-los é necessário uma crença firme nas próprias potencialidades e possibilidades e, tão importante quanto, é encontrar alguém que também acredite, estendendo o seu apoio e incentivo. A Fundação Beto Studart de Incentivo ao Talento, desde sua criação, há dez anos, mantém o compromisso com aqueles que sonham, ajudando inúmeras pessoas a darem o primeiro passo no degrau da escada que leva a um projeto de vida, um projeto que busca a felicidade e a realização.


Beto Studart (presidente) ao lado de Luís Menezes: atenção ao talento.

Durante esse percurso, a Fundação tem se revelado uma instituição forte e coerente com sua missão. Os projetos apoiados através do Programa de Apoio Técnico e Financeiro, e os bolsistas beneficiados pelo Programa de Concessão de Bolsa Talento apresentam resultados animadores. Há registro de ampliação de parcerias e implantação de novos projetos nas instituições que apoiamos. Esse fato é um indicador de crescimento daquelas instituições que tiveram oportunidade de capacitação, apoio técnico e financeiro. Seus horizontes estão se alargando, o número de beneficiários aumentou e os serviços, a assistência e a atenção prestados visam a qualidade e a sustentabilidade. É como se uma onda estivesse impulsionando as instituições e as pessoas para buscarem com maior firmeza seus objetivos. Vejam bem: no campo da concessão de bolsa, estamos exportando talentos para outras regiões do país e também para o exterior. Lá, os meninos e as meninas estão tendo a oportunidade de lapidarem seus talentos e crescerem como pessoas responsáveis pelo seu destino. É gratificante presidir a Fundação. O aprendizado é imensurável, e tenho muitos motivos para comemorar por todos os grandes e pequenos resultados alcançados até aqui. A estrada é longa e a responsabilidade aumenta a cada ano. Estamos comemorando 10 anos! Que alegria! Nossa história tem sido escrita por muitas mãos que tecem a rede que embala o sonho das pessoas. Pessoas que empregam tempo e energia para fazer o bem, acolher, alimentar, ensinar e dar oportunidade para o resgate da esperança. Nosso propósito é continuar por novos caminhos, novas estradas, porque temos “fé no homem, fé na vida, fé no que virá....” Beto Studart


vice-presidentE

é preciso chuva para florir

Há dez anos participo da realização do sonho do Beto, que se tornou nosso e de muitas outras pessoas que contribuem na construção da Fundação Beto Studart. Refiro-me à construção porque estar conduzindo as atividades da Fundação, da equipe e acompanhando as instituições e pessoas apoiadas durante esses anos, é um processo de aprendizagem diário. É preciso chuva para florir. Inicialmente decidimos atuar no campo da arte, pensando em talento como foco principal. Depois descobrimos, através das demandas, da escuta apurada, das visitas e das avaliações, que os talentos floresciam nas instituições, nas pessoas em todas as áreas, em pequenos movimentos silenciosos, mas com uma força indescritível na comunidade. Uma força própria movida pelo sentimento de solidariedade; uma rede de voluntários sociais que fazem a diferença, mobilizam vontades e orquestram o desenvolvimento local. Ampliamos o campo de atuação da Fundação e hoje trabalhamos, através de patrocínios e apoios, para Instituições e pessoas nas áreas da Cultura, Educação, Esporte, Saúde, Geração de Trabalho e Renda, Social e Religiosa. Basicamente, desenvolvemos dois programas: o Programa de Apoio Técnico e Financeiro a Projetos e o Programa de Concessão de Bolsa Talento. Os programas são conduzidos com a utilização de instrumentos de monitoramento e avaliação, resultados de uma tecnologia própria que nos garante tomar decisões baseadas em indicadores responsáveis. Além dos indicadores, mantemos uma relação de troca entre nós e os parceiros e entre eles num elo de cooperação técnica e afetiva. Há uma cultura sedimentada no nosso fazer e refazer que tem como eixo a construção de redes, porque acreditamos que o sonho que se realiza é aquele que é sonhado junto com outras pessoas.


Ana Studart mantém, junto com Beto, a paixão pela fundação.

Podemos dizer que os investimentos realizados geraram grandes resultados para nós e para as pessoas e instituições apoiadas. Temos, hoje, muito o que comemorar e, mais do que isso, temos a consciência que estamos trilhando o caminho certo. No campo da gestão, convivemos com avanços significativos: trabalhamos tendo como referência o planejamento estratégico, construímos e utilizamos uma série de ferramentas que auxiliam os gestores da Fundação a tomar decisões coerentes com sua missão e seus valores. Estamos felizes com a comemoração dos 10 anos da Fundação e sabemos que temos muito a aprender e a experimentar nesse caminho que escolhemos. Para comemorar e deixar um registro desse momento, lançamos a 1ª edição da Revista Laços e lembramos Mário Quintana:

“Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço... uma fita dando voltas. Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço... Ah! Então, é assim o amor, a amizade. Tudo o que é sentimento. Como um pedaço de fita...” Laços é o que a Fundação Beto Studart tem construído nesses anos; laços afetivos, laços de amizade.

Ana Maria nogueira Studart Gomes


sumário depoimentos 10

saúde

uma santa casa da saúde 60 retrospectiva

a arte de reescrever o futuro 12 a fundação em números 26 Os sorrisos quE NOS movem 30 educação

criando asas para voar 50 quando os professores se unem 56

esporte cultura

sutil afinação nos mares da cultura 38 os elos que nos unem 44

campeões no esporte e na vida 66 edivaldo por ele mesmo 70 esperança sobre rodas 74


CAPA CRIANÇA DA Creche São Judas Tadeu FOTO Igor de Melo

artigo

tecnologia social na virtude do controle 98

expediente fundação beto studart de incentivo ao talento Jorge Alberto Vieira Studart Gomes - Beto Studart Presidente Ana Maria Nogueira Studart Gomes

social

Vice-Presidente

em defesa dos invisíveis 78 um espaço de inspiração e desenvolvimento 84

Patricia Nogueira Studart Gomes Diretora Administrativa Financeira

Karine Nogueira Studart Gomes Diretora de Programas e Projetos

Maria Goreti Macêdo Lôbo da Andrade Coordenadora de Programas e Projetos

Iris Maria Sampaio de Oliveira Coordenadora Administrativa Financeira

prateleira da fundação 100

Maria Valnisia Paiva Lima Voluntária

Rebeca Felismino Alves Auxiliar Administrativo

parcerias que dão frutos 102

Lidiane Rodrigues da Silva Apoio Administrativo

Érica Rodrigues da Silva

fundação beto studart em cordel 104 geração de trabalho e renda

unindo forças para crescer 90

Apoio Administrativo


depoimentos “Eu enalteço a Fundação Beto Studart por dar tantas oportunidades às pessoas. É muito difícil encontrar parceiros para investir na cultura! Existem tantos empresários que não se preocupam, que não elevam ninguém do patamar de ignorância cultural, que não oferecem aos jovens a oportunidade de conhecer a sua própria história. Por isso eu louvo a clarividência do Beto e da Ana de expandir a Fundação exatamente pelo caminho que considero correto, o caminho dos bens espirituais”

MÍrian Carlos Moreira de Souza diretora do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno

“A história da Associação Elos da Vida está intimamente vinculada à da Fundação Beto Studart. Nós fomos apoiados pela FBS desde o primeiro instante, quando começamos a Companhia de Dança sobre Rodas. A Ana e o Dr. Beto Studart vieram nos visitar e disseram que iriam nos dar apoio, porque viam grandes possibilidades nos meninos. Até então, ninguém enxergava o grupo como possibilidade”.

Neíse Távora de França diretora de Projetos Sociais da Associação Elos da Vida

“Quando a Associação Primeira Chance surgiu e nós vimos que aquele modelo iria funcionar, começando a colher bons resultados dos primeiros bolsistas, percebemos que precisaríamos de mais gente para fazer aquilo crescer. Entre os nomes que encontramos no Ceará, a Fundação Beto Studart foi o que mais chamou a nossa atenção, pelo trabalho que já vinha desenvolvendo, por acreditar nos talentos locais e por ter uma atuação em sintonia com o que acreditamos. Fomos bater na porta deles para contar a nossa história e mostrar o que estávamos fazendo e quais os planos para o futuro. Nos receberam muito bem e daí surgiu a nossa parceria. Ter o selo da Fundação Beto Studart no nosso projeto conta muito, dá um respaldo ainda maior para o que fazemos”. Isaac Gurgel um dos criadores da Associação Primeira Chance

10 | Fundação beto studart


“Infelizmente, poucas instituições têm sensibilidade com os trabalhos sociais. A Fundação Beto Studart abriu as portas para a gente. Se não fosse isso, estaríamos numa situação caótica. Agora mesmo, com recursos da FBS, nós disputamos a Copa Nordeste. O artilheiro da competição foi nosso. Então, tudo isso é o fruto do nosso trabalho, que é um trabalho social, mas que também descobre novos talentos. Nós temos crianças de dez anos que jogam hóquei muito melhor do que muitos jogadores da mesma categoria em outros lugares do Brasil. As pessoas me perguntam por que eu faço esse trabalho. Faço porque não queria passar pela terra e não realizar nada pelos meus semelhantes”.

Beto Vieira

“A Fundação Beto Studart tem ajudado sobremodo na execução do nosso projeto educacional. Esperamos continuar com essa parceria durante muito tempo. O curso Apesc é um cartão de visitas. Embora oneroso, é gratificante para nós, porque temos a certeza de estar fazendo aquilo que devemos: ajudar o próximo. Ajudar aqueles que necessitam, aqueles que estendem a mão e pedem uma ajuda”.

Ari Othon Sidou Associação dos Professores do Ensino Superior do Ceará-Apesc

Esperança sobre Rodas

“Há muito tempo eu já trabalho com mulheres, com projetos, mas eu não tinha uma associação nem espaço. Ficava pedindo aqui e ali, lutando para repassar o que eu sabia e incentivando quem já sabia alguma coisa a repassar para outras mulheres. Depois que eu conheci a Fundação Beto Studart, tudo mudou na minha vida, porque hoje eu tenho um espaço. E isso foi graças a eles, que são os nossos pés, mãos e coluna vertebral, pois nos apoiam há quase cinco anos. As mulheres são muito gratas, porque muitas não tinham nenhuma renda, não tinham perspectiva de mudança de vida. Hoje elas têm outra cabeça”. Maria de Fátima dos Santos centro de arte e cultura canoa mulher

“Sem a parceria com a Fundação Beto Studart não conseguiríamos chegar onde chegamos. Queria muito tentar expressar com palavras a importância desse apoio, mas o que eu posso dizer é que ele significa uma grande oportunidade de mudar vidas através do esporte. Conseguimos transformar pessoas - que tinham tudo para serem derrotadas - em verdadeiros

campeões. A Fundação Beto Studart é um verdadeiro oásis no deserto. Nós conhecemos a realidade do esporte no Brasil e sabemos o quanto é difícil conseguir vencer os obstáculos e as resistências, principalmente no estado do Ceará. Nesse sentido, a FBS é um verdadeiro exemplo de sensibilidade social. Esperamos que outras empresas e entidades sigam o mesmo exemplo”.

Edivaldo Prado CENTRO PARADESPORTIVO EDIVALDO PRADO

Fundação beto studart | 11


retrospectiva

A ARTE DE REESCREVER

O FUTURO

E

u acho que seguimos pelo caminho certo. Agora, com 10 anos de trabalho, estamos realmente colhendo frutos, tendo resultados. Nos sentimos felizes por saber que o esforço empregado não foi em vão”, pondera Ana Maria Studart, vice-presidente da Fundação Beto Studart (FBS), instituição que há uma década se dedica ao cultivo de uma planta delicada de raízes férteis: o talento. A semente foi lançada em 2004, quando a Fundação saiu do papel como uma entidade não-governamental, sem fins lucrativos, com a intenção de apoiar jovens em busca de adubo para florescer. Fruto da inquietude de seu instituidor, o empresário Beto Studart, ante o reconhecimento da existência de inúmeros talentos carecedores de oportunidades, a FBS vem, desde então, intensificando as atividades para aprimorar aptidões, promover o crescimento individual e fazer vicejar as competências profissionais. Beto já promovia, desde a época em que estava à frente da Agripec Química e Farmacêutica S.A, ações de responsabilidade social, especialmente voltadas ao incremento cultural, por meio do financiamento a proje-

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tos desenvolvidos por instituições sem fins lucrativos. Porém, com a demanda em crescente aumento, tornou-se insuficiente o fornecimento de aporte financeiro. Como um tronco que se firma em solo fértil, surgiu o desejo de acompanhar mais de perto a evolução daqueles beneficiados e os resultados dos recursos empregados. Foi quando surgiu, num programa de televisão, o pequeno Luís. Menino de 10 anos, morador de um distrito remoto de Santa Quitéria, município a 222km de Fortaleza, Luís falava de forma lúcida a respeito de temas muito relevantes, relatando a falta de oportunidade de crianças que viviam em condições semelhantes as dele, de extrema precariedade, ao mesmo tempo em que expressava seus sonhos, vislumbrando um futuro promissor. “Eu e o Beto estávamos assistindo na TV ao Rally dos Sertões, que incluía uma ação social voltada à população que vivia às margens da trilha percorrida. Quando o Rally passou ali por Santa Quitéria, foram distribuídos livros infantis, livros de colégio arrecadados nas escolas. Então, quando chegaram na casa do Luís e entregaram um livro pra ele, o Luís falou de partilhar, de não ter só pra si, fal-


JARBAS OLIVEIRA

À frente da Fundação, Ana Studart segue a missão. escolhida há 10 anos, com alegria estampada no rosto e a certeza de que é preciso fazer muito mais.

Fundação beto studart | 13


FOTOS: ARQUIVO FUNDAÇÃO

sobre o governo, sobre as questões da saúde, da educação”, relembra Ana Studart. “Ele era um menino realmente especial”. Tocado, Beto Studart resolveu que investir no futuro do garoto. Deu à secretária a missão de localizar Luís e viabilizar o encontro entre os dois. Dali surgiu uma certeza: criaria uma instituição para apoiar cidadãos de baixa renda, detentores de inegável talento, porém privados de oportunidades para desenvolvê-lo. Curiosamente, Luís foi o primeiro bolsista da Fundação Beto Studart. Hoje, cursa Educação Física na Universidade de Fortaleza (Unifor) e já está dando os seus próprios passos na vida.

A estruturação de um sonho O processo de estruturação da Fundação Beto Studart foi deflagrado ainda em 2003, tendo como viés condutor o incentivo ao aperfeiçoamento de novos talentos. Em 13 de janeiro de 2004, em assembleia, foi aprovado o estatuto da entidade e os eleitos a diretoria, ao conselho curador e ao conselho fiscal. Já em 25 de maio de 2004, após a obtenção do aval pelo Ministério Público, a Fundação foi levada a registro em cartório, passando a existir formalmente. A primeira sede, em Maracanaú, inaugurada em 5 de novembro de 2004, ainda era vinculada à Agripec. “Ficamos sediadas dentro da Agripec numa sala independente, e todas as demandas vinham para nós, que procurá14 | Fundação beto studart

vamos conhecer e avaliar cada projeto para saber se fazia sentido, se era consistente e se deveríamos patrocinar”, comenta Ana. No início de 2005, a Fundação Beto Studart foi qualificada, pelo Ministério da Justiça, como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), com atuação prioritária no estado do Ceará, objetivando apoiar e estimular talentos, inicialmente, no esporte e na cultura, conforme relembra a vice-presidente da entidade: “O foco eram essas duas áreas, porque era onde havia mais talentos surgindo. Tratava-se de uma demanda natural”. Natação, futsal, futebol e outras modalidades esportivas, além de dança e música, foram, durante um tempo, o forte da Fundação, que em 2007 transferiu sua sede para Fortaleza, onde permanece até os dias de hoje. Ao longo dos anos, as áreas de atuação foram naturalmente sendo ampliadas. Hoje, educação, religião, saúde, geração de trabalho e renda e a área social também integram o raio de atividades.


momento histórico de inauguração da fundação, em maio de 2004.

cultura e vida O incentivo por meio da concessão de bolsas talento sempre configurou uma prioridade da Fundação Beto Studart, que constantemente recebe jovens noticiando o desejo de fazer cursos de aperfeiçoamento em suas áreas de atuação. Ana Studart exemplifica citando o talentoso multinstrumentista Cainã Cavalcante: “O Cainã, hoje, é reconhecido em todo o meio da música. Ele foi nosso bolsista, chegou aqui com uns 11 anos, estava começando ainda. Então, patrocinamos o Cainã, e ele seguiu em frente”. Com apoio da FBS, Cainã pôde não apenas aperfeiçoar um dom que já trazia em si, mas também estabelecer contatos em eventos importantes, como o 19º Festival Internacional de Musique Universitaire de ViejlleVille, em Belfort, na França. Atualmente, a Fundação Beto Studart conta com 33 bolsistas na área cultural, dos quais 8 recebem aporte financeiro direto, e 25 através do Projeto Cultivando Talentos, fruto do convênio com o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. Esse projeto

viabiliza a crianças e jovens de baixa renda o estudo da música, apresentando-se como relevante ferramenta de inclusão social. Hoje, já colhe frutos, com a aprovação de 12 bolsistas no curso de Licenciatura em Música da Universidade Estadual do Ceará. Todos os bolsistas são acompanhados bem de perto, através da realização de visitas, de cuidadoso monitoramento e de elaboração de relatórios. Importante enfatizar que todos os projetos e bolsistas entregam relatório trimestral de desempenho. Caso ocorra qualquer mudança em relação à performance das atividades, a equipe da Fundação é acionada para chegar junto, saber se existe algum problema e o que pode ser feito para saná-lo. O retorno positivo privilegia a responsabilidade compartilhada e estimula o aumento dos incentivos, mostrando o relevante papel desempenhado pela FBS nas vidas desses jovens e acompanhando a sua ascensão profissional para o mundo. “Esses bolsistas que temos estão crescendo, se desenvolvendo, e muitos já são destaque no meio da música e da dança. Por exemplo, nosso bolsista Pedro Barreto é violinista e atualmente está na Alemanha, tem experiência internacional. Outros estão nos Estados Unidos, como Débora Moraes, que concluiu lá o seu mestrado em canto. E Paulo Ferreira da Costa, que foi classificado num concurso e teve a oportunidade de passar um ano no Conservatório de Música de Briançon, na França”, comemora Ana. Pedro Barreto, aqui citado, é um bom exemplo da força transformadora do talento quando há terreno fértil para o seu cultivo. Violinista talentoso, ele esteve inicialmente na Bulgária e depois foi classificado para estudar na Escola Folkwang Universitat der Kunster Essen, na Alemanha, berço da música clássica. Da mesma forma, a bolsista Giovanna Lombaglia Cinto Oliveira, bailarina, encontra-se no Rio de Janeiro, cursa a Escola Estadual de Dança Maria Olenewa. Hoje, Giovanna é bailarina do Teatro Municipal. O coral da Universidade Federal do Ceará é outro parceiro da Fundação Beto Studart - que repassa recursos para a montagem de seu espetáculo anual - assim como a Associação Elos da Vida, que desenvolve um trabalho junto a crianças e jovens com deficiência, promovendo espetáculos de balé em cadeiras de rodas. Fundação beto studart | 15



ARQUIVO FUNDAÇÃO

Ana, Goreti e Valnísia: equipe unida pela mesma causa.


retrospectiva

apaixonados pelo esporte O incentivo a jovens atletas pauta o trabalho da Fundação Beto Studart desde o início. Um dos destaques é o projeto de Polo Aquático, desenvolvido no Náutico Atlético Cearense, que oferece bolsas para quatro atletas. “O coordenador do projeto veio conversar conosco, e nós vimos que se tratava de uma iniciativa importante. São todos jovens de baixa renda que, às vezes, não tinham condição de pagar nem o transporte pra ir treinar. Hoje nós temos quatro bolsistas lá”, relata a vice-presidente da FBS, lembrando que esse projeto já exportou talentos para diversos estados brasileiros. Outra alavanca de mudanças comunitárias é o Projeto Faça do Deficiente um Atleta, liderado pelo paratleta Edivaldo Prado, nadador medalhista, cujo sonho era reformar um espaço bastante precário, transformando-o num centro de esportes para pessoas com deficiência, de modo a promover o crescimento, a inclusão social e o resgate da autoestima. A Fundação Beto Studart financiou a construção da sede com a parceria da CMM Engenharia, além de equipar e doar materiais esportivos. Hoje, o Centro Paradesportivo Edivaldo Prado, em Maracanaú, possui centenas de alunos, e não apenas deficientes. Edivaldo Prado, seu idealizador, acredita que a interação é importante para afastar o estigma do preconceito, por isso todos competem juntos, no mesmo nível. “O Edivaldo Prado, hoje, é totalmente independente, ele busca os próprios projetos. Recentemente, fez um convênio com a Coelce, porque quer ampliar o espaço, fazer uma sala de informática para profissionalizar os alunos. Muitos bolsistas talentosos tornaram-se atletas de alta performance, como o tenista Pedro de Almeida Zanotelli, que atualmente se encontra nos Estados Unidos, frequentando a University of Texas at San Antonio (UTSA). Além de treinar muito, ele cursa o ensino formal e está concluindo o mestrado em Finanças e Negócios. Já Vinícius Coelho Alves Botelho, também tenista, é aluno do Newberry College, na Carolina do Sul, e combina os treinamentos com o estudo em Administração de Negócios. 18 | Fundação beto studart

FOTOS: ARQUIVO FUNDAÇÃO

confiança na educação Como não poderia deixar de ser, a Fundação Beto Studart sempre demonstrou profundo apreço às questões vinculadas à educação. Nessa área, vem investindo gradativamente por meio de variadas ações, como a construção e reforma de creches, a exemplo do Centro Educacional Letícia, em Maracanaú, e da Creche São Judas Tadeu, no Jangurussu, esta em parceria com a Edisca. Com as intervenções feitas, as condições de acolhimento e de ensino foram consideravelmente melhoradas, ampliando-se o número de crianças atendidas. Longe de serem apenas físicos e estruturais, os investimentos propiciaram a capacitação de gestores, professores e auxiliares das creches. “No caso da Creche São Judas Tadeu, eles não tinham nem a estrutura física adequada, nem qualquer orientação pedagógica. Eram apenas pessoas maravilhosas, de muito boa vontade, que acolhiam aquelas crianças do Jangurussu, porque as mães precisavam trabalhar. Nós fizemos toda a reforma da estru-


Convidados na inauguração em 2004.

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JARBAS OLIVEIRA


A forรงa feminina na equipe executiVa da FBS.


ARQUIVO FUNDAÇÃO

Cainã cavalcante: primeiro bolsista na área de cultura da fundação.

tura, contratamos uma pedagoga que treinou a comunidade e, assim, ocorreu uma verdadeira transformação”, comenta Ana Studart. O mesmo aconteceu com a Creche Letícia. As reformas nas estruturas das duas creches permitiram a realização de convênios com a Secretaria de Educação, viabilizando a lotação de professores nas instituições e, com isso, a melhoria do nível de ensino. Outra parceria de destaque na área educacional foi firmada com a Associação dos Professores do Ensino Superior do Ceará (Apesc), que viabiliza a realização de cursos preparatórios para vestibulares e do Enem, destinados a jovens de baixa renda. Os resultados já são visíveis: até o momento, 27 beneficiados foram aprovados em processos seletivos de universidades e faculdades do estado.

22 | Fundação beto studart

fomento em outras áreas No setor de geração de trabalho e renda, a Associação Teia Solidária recebe intenso apoio da Fundação Beto Studart. A Teia reúne oito instituições independentes que vêm atuando sob a coordenação da entidademãe. Seu objetivo principal é gerar renda para mulheres excluídas do mercado de trabalho, formando uma verdadeira e intensa cadeia de produção artesanal. A FBS adequou a estrutura da Teia, que hoje conta com salas de costura, de reunião, de coordenação, de almoxarifado e de ambiente para exposição dos produtos feitos pelas associadas. Também foram fornecidos equipamentos, mobília e matéria-prima para o início das atividades. Cursos de capacitação em habilidades técnicas, gestão e liderança garantem o bom


ordenamento cotidiano e a estruturação de um planejamento estratégico para o futuro. Na área de saúde, a FBS é parceira da Irmandade Beneficente Santa Casa de Misericórdia, através de um convênio que trouxe notáveis melhorias para a Clínica Ginecológica do Hospital. Com a reforma do ambiente e a compra de modernos equipamentos, a clínica pôde dobrar o atendimento diário, beneficiando um maior número de mulheres, com assistência gratuita à saúde. Considerando que a espiritualidade e a paz interior são condições essenciais para o desenvolvimento integral das pessoas, a Fundação Beto Studart também apoia centros e comunidades de evangelização, como a Fundação Terra, o Condomínio Espiritual Uirapuru (CEU), o Shalom e outros. Dentre os parceiros da área social, merece destaque o projeto Novos Céus, Nova Terra, mais recente desafio encabeçado por Irmã Inês de Barros Lima, que hoje abriga 23 dependentes químicos em uma casa de recuperação. “Nós já trabalhávamos com Irmã Inês no Refeitório São Vicente de Paulo, onde ela

recebe diariamente 120 moradores de rua, que lá podem tomar banho, fazer uma refeição e ouvir informações para mudar de vida”, sublinha Ana. “Depois começamos a apoiá-la nesse outro projeto para os dependentes. Construímos a estrutura para instalação de uma padaria, para que eles possam produzir e gerar renda para o próprio projeto. O trabalho de Irmã Inês é lindíssimo, e muito difícil”. Foram igualmente contempladas, pela Fundação Beto Studart, com a compra, a reforma e o fornecimento de equipamentos, a Associação Beneficente do Alto Alegre e a Associação Nossa Senhora de Fátima, responsáveis pelo acolhimento de adultos de baixa renda, que passaram a contar com atividades de caráter educativo e social, além de qualificação para o mercado de trabalho. A Associação Madre Paulina, que atende crianças e adolescentes vítimas de violência e abandono, recebeu investimentos para a reforma e a compra de mobília, o que viabilizou o desenvolvimento das atividades programadas com muito mais qualidade e dinamismo.

esforços reconhecidos Ao longo da história, a Fundação vem angariando o reconhecimento dos cearenses pelo seu trabalho em prol do talento. Dentre os diversos títulos e prêmios recebidos, destacam-se: • Selo de Responsabilidade Social – outorgado pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará – SECULT; • Troféu Alberto Nepomuceno – concedido pelo Conservatório de Música Alberto Nepomuceno; • Troféu Amigo do Iprede; • Comenda Cego Oliveira outorgada pelo instituto ACTUS; • Troféu Coruja da Apesc – concedido pela Associação dos Professores do Ensino Superior do Ceará; • Medalha Jader de Figueiredo Correia – concedida pelo Rotary Club Fortaleza Barra; • Destaque Político-Administrativo 2008, 2009 e 2010 – concedido pelo PPE Promoções e Eventos.

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24 | Fundação beto studart


JARBAS OLIVEIRA

interação e compromisso são essenciais no trabalho da fundação.

uma avaliação das atividades Ao longo da trajetória, a Fundação Beto Studart vem incentivando a formação e manutenção de redes sociais, integrando os diversos parceiros, em busca da maximização dos resultados. “Sempre que possível, procuramos viabilizar encontros entre os projetos e os bolsistas. Passamos uma manhã e uma tarde com eles, trocando ideias, para que se conheçam e firmem parcerias entre si”, assevera Ana Studart. O trabalho é desempenhado com vistas à formação de uma teia de parceiros, almejando a conquista da autonomia de cada uma das instituições e dos bolsistas apoiados. “A nossa preocupação não é somente fazer doação. A gente quer investir, quer comprometimento social. Doar no intuito de fortalecer aquela instituição para que ela possa alcançar sua sustentabilidade, esse é o nosso foco”. Ao longo desses 10 anos, alguns projetos conquistaram um espaço maior e obtiveram certa independência, e isso constitui o legado da Fundação Beto Studart. “Cada bolsista que se empenhou e desbravou caminhos, como o nosso violinista Pedro Barreto que está na Alemanha, e a Débora Moraes, que é cantora lírica e hoje estuda nos Estados Unidos, é motivo de orgulho e inspiração. Cada ano traz uma novidade, um resultado positivo, um novo degrau. Posso dizer que a Fundação é uma escadinha, exatamente como mostra a nossa logomarca. Uma escada de crescimento para as pessoas, buscando sempre melhores resultados.

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a fundação em números Ao longo de dez anos, a Fundação Beto Studart contou com a ajuda de pessoas físicas e jurídicas, além das leis de cultura, para distribuir recursos entre os projetos aprovados.

9,3%

11,2%

R$ 1.597.723,15

R$ 1.930.441,49

9,8%

R$ 1.686.750,43

2013

11,9%

2004

R$ 2.056.941,85

2012 2005

9,4%

2011

R$ 1.612.610,55

R$ 17.241.374,81 2006

9,7%

2010

R$ 1.679.778,51 2007

8,2%

2009

R$ 1.416.341,56

2008

7,8%

R$ 1.363.144,53

8,4%

R$ 1.443.178,56

14,2%

R$ 2.454.464,18

* Nos anos de 2004, 2005 e 2006, estão incluídos os recursos aplicados pela empresa na Lei Rouanet. ** Os recursos recebidos pela Fundação Beto Studart de incentivo ao talento foram oriundos de doações de pessoa física do seu instituidor Beto Studart e filhos e de pessoa jurídica das suas empresas Agripec e BSPAR. 26 | Fundação beto studart


2004

PF PJ LR T

2005

PF PJ LR T

2006

PF PJ LR T

2007

PF PJ LR T

2008

PF PJ LR T 2009

PF PJ LR T

2010

PF PJ LR T

2011

PF PJ LR T

PF - pessoa física PJ - pessoa jurídica LR - lei rouanet T - total anual sem arrecadação

2012

PF PJ LR T

arrecadação ao longo de 10 anos

2013

PF PJ LR T 0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

Fundação beto studart | 27


28 | Fundação beto studart


Ensinar música para crianças. Uma ação que a gente ajuda a transformar em sucesso. Para a BSPAR, a música também é um grande instrumento de transformação. Por isso a empresa criou o Projeto Canteiros, uma iniciativa para levar conhecimento musical aos filhos dos colaboradores dos canteiros de obra. São aulas de violão, canto, flauta, percepção musical e laboratório coral. E tudo isso sem nenhum custo para os pais.

b s p a r. com. bFundação r beto studart | 29


IGOR DE MELO

garota atendida na Creche S達o Judas Tadeu.


movem Os sorrisos quE NOS

Para a Fundação Beto Studart, construir o futuro é realizar hoje e acreditar que muito mais pode ser feito amanhã.


IGOR DE MELO


crianรงas da Creche Sรฃo Judas Tadeu.


IGOR DE MELO

Aluna do projeto da Associação dos Professores do Ensino Superior do Ceará (Apesc).



RODRIGO VIEIRA

Neíse Távora, diretora de Projetos Sociais da Associação Elos da Vida.



CULTURA

SUTIL AFINAÇÃO NOS MARES Da cultura “Que importa que teu barco seja um nada, Na vastidão do oceano Se à proa vão heróis e marinheiros E vão no peito corações guerreiros?”. (Letra de Thomaz Pompeu Lopes para o Hino do Ceará, cuja melodia é de Alberto Nepomuceno)

38 | Fundação beto studart


RODRIGO VIEIRA Fundação beto studart | 39


CULTURA

A

lguns afinam os instrumentos, outros leem partituras, muito sonham com arranjos e harmonias. No Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, os acordes se propagam pelas portas e janelas, tomando conta da Av. da Universidade, em diversos e suaves tons. Todos os dias, o prédio n° 2.210, encravado no bairro do Benfica, é sacudido pela vibração de vozes jovens, que se agitam num clamor coletivo. Muitas vezes, porém, as conversas tornam-se inaudíveis, abafadas pelo som dos violinos, dos pianos, das flautas e de outros objetos afeitos à produção da beleza. É uma produção tormentosa, que exige empenho, renúncia e muita perseverança rumo à maestria.”Superação é a disciplina de um atleta e a alma de um poeta”, disse certa vez o maestro João Carlos Martins, diretor artístico da Bachiana Filarmônica SESI-SP, que sonha em criar 1.000 orquestras de corda em todo o Brasil. No caso dos músicos, superar-se é mais que cuidar da postura, estudar todos os dias e checar cordas, palhetas, tubos, teclados ou pedais. Também as dificuldades financeiras e a falta de apoio são semi-tons a serem afinados pelos jovens talentos, na ânsia por matar um leão por dia. Vale a pena? O mesmo João Carlos Martins responde: “A música sempre vence”. Por isso mesmo o Projeto Cultivando Talentos, coordenado pela professora Paula Franco de Almeida, é uma das mais inspiradas e prolíferas iniciativas da área cultural cearense. Desenvolvido pela Fundação Beto Studart em parceria com o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, possibilita que meninos e meninas de baixa renda tenham aulas de canto, flauta, violão, percepção musical e canto coral, aprimorando dons que talvez ficassem adormecidos, como navios sem bússolas. Ou barcos sem velas. No ambiente instigante e criativo do Conservatório, eles mergulham num oceano de acordes, aprendem a ler partituras, descobrem novos sons e interagem com outros

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musicistas – iniciantes ou não. Atualmente são 25 alunos, que cursam oito semestres, com direito a bolsa integral e ajuda para transporte e alimentação. Mais do que forjar virtuoses, a intenção é formar cidadãos, embora muitas revelações musicais tenham se desenvolvido a partir do projeto. Nos cinco anos de parceria, mais de 10 bolsistas ingressaram no curso de Licenciatura em Música da Uece. Um exemplo emblemático é o bolsista Paulo Ferreira Costa, que foi aprovado no curso de Licenciatura e aperfeiçoou seus estudos no Conservatório de Música de Briançon, na França. Muitos outros tornaram-se artistas reconhecidos, como o violonista Pedro Martins da Silva Neto. ​Bailando sobre as adversidades, os jovens tripulantes das ondas musicais encontraram, em sua travessia errante, um cais de oportunidades, realizações e promessas.

o rumo em que sopra o vento “​ Minha jangada de vela,/ Que vento queres levar?/ Tu queres vento da terra,/ Ou queres vento do mar?”. Recitando versos de Juvenal Galeno, a diretora do Conservatório Alberto Nepomuceno, Mirian Carlos Moreira de Souza, ilustra sua convicção de que devemos escolher "um rumo e um vento na vida”. E o melhor vento, para Mirian, é a cultura, esse grande edifício que abriga as manifestações artísticas, resguardando e a reafirmando a nossa identidade. Um trampolim para novas vivências e, ao mesmo tempo, o fio que nos ata a memória. ​“O Alberto Nepomuceno, que é o nosso patrono, era muito amigo do poeta Juvenal Galeno. E hoje ninguém sabe quem foi o Juvenal Galeno. No máximo, as pessoas sabem que ele tinha uma casa ali em frente à antiga Mesbla”, lamenta Mirian. Ao som aprazível de flautas e violinos, ela lembra que foi Galeno quem escreveu, com a linguagem mais simples que se pode ter, que é a linguagem do cantador, versos como este: “Cajueiro pequenino,/ Carregadinho de flor,/ À sombra das tuas folhas/ Venho cantar meu amor”.


​O entusiasmo da diretora na proa da cultura é plenamente compartilhado pelos alunos, que se embrenham nos segredos da rítmica, da métrica e da harmonia, tirando de cada nota uma aventura e afinando o futuro num aguçado diapasão. Alguém já disse que “no timbre certo, a voz nunca perde o tom”. E, além de não perder o tom, se propaga, espalha sementes e cresce em novas paragens. Uma das ideias fundadoras dos bons projetos de formação consiste, justamente, em repercutir o que se aprende. No Projeto Cultivando Talentos, muitos bolsistas se engajam em ações de voluntariado, transmitindo generosamente o que estudaram no Conservatório. Este é o caso de Edmar Luiz de Sousa, que em 2007 procurou a Fundação Beto Studart e foi aceito como bolsista do Conservatório Alberto Nepomuceno. Ele, que já desenvolvia um trabalho com crianças, aperfeiçoou o que sabia, aprendeu o que nunca tinha visto e conheceu novos acordes. Hoje está passando adiante aquilo que recebeu: um sopro para inflar velas e, com isso, singrar mares. ​Navegar é preciso, afinal. Por isso Edmar fundou em sua cidade, Pacatuba, a Sociedade Artística (Soarte), uma ONG que ensina crianças e jovens a manejarem os instrumentos que fazem da música uma grande viagem. Outros bolsistas do Projeto tornaram-se multiplicadores da Soarte, numa grande corrente voluntária em prol do bem comum. ​E assim, meninos e meninas de escolas públicas, oriundos de famílias carentes, encontraram no Projeto Cultivando Talentos um ponto de partida para mares nunca dantes navegados. Segundo os dicionários musicais, harmonia é a arte e a ciência que tem por objeto a formação e o encadeamento dos acordes. Num sentido mais amplo, porém, harmonia é acordo e conformidade. Ao adentrar o mais antigo conservatório de música do Ceará, o aluno entende que toda vocação tem seu destino, e que um destino só se cumpre quando em conformidade com a sua vocação.

EU CANTO EM PORTUGUÊS Nas fotos, ele é um homem barbudo, de cabelos rebeldes e rosto agradável. A gravata é arrematada por um grande laço. A testa é larga, característica que muitos acreditam ser sinal de inteligência. Nascido em Fortaleza, em 1864, Alberto Nepomuceno foi um brilhante compositor, pianista, violinista, organista e regente, que se notabilizou por defender a nacionalização da música erudita. Considerado o “pai” da canção de câmara brasileira, iniciou sua carreira no Recife, cidade em que, aos 18 anos de idade, já era diretor musical do Clube Carlos Gomes. Mudou-se para Rio de Janeiro em 1885, quando tornou-se professor do Clube Beethoven, em que Machado de Assis era bibliotecário. Em 1888, foi viver na Europa. Estudou harmonia, piano, órgão e composição em Roma, Berlim e Paris . De volta ao Brasil, em 1895, fez um concerto que marcou a história da música brasileira, suscitando muita polêmica e controvérsia, por defender o uso do português, e não do italiano, na música erudita. “Não tem pátria um povo que não canta em sua língua”, argumentava, para escândalo dos puristas. Nepomuceno ajudou na valorização de vários compositores populares, como Catulo da Paixão Cearense, e de jovens revelações, como Heitor Villa-Lobos. A comédia lírica “O Garatuja”, baseada em uma obra de José de Alencar, tem três atos e é considerada “a primeira ópera verdadeiramente brasileira”. Em Fortaleza, o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno abriu as portas no dia 26 de maio de 1938, quase 20 anos após a morte do músico que lhe emprestou o nome.

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REVISTA LAÇOS: Como funciona a parceria entre uma fundação de apoio ao talento e uma instituição de cultura? MIRIAN CARLOS DE SOUZA: O nosso caso com a Fundação Beto Studart é uma íntima parceria, em que os dois lados ganham. Uma parceria que permite que meninos de baixa renda tenham acesso a bens culturais, quando a maioria das pessoas não consegue pleno acesso nem aos bens materiais. Então, eles vêm para cá e têm a oportunidade de conhecer uma nova linguagem, a linguagem universal dos sons, a linguagem da música, que é igual em todo o mundo. Tanto faz você estar no Crato, no Cariri ou em Moscou: a clava de Sol vai ser sempre a clava de Sol, e a clava de Fá vai ser sempre a clava de Fá. Aqui os alunos vão penetrando nesse universo, e ele vai crescendo, ganhando abrangência, porque novos compositores e novas culturas passam a integrá-lo. Sabemos que só se dimensiona a cultura de um lugar quando se conhece os seus artistas. 42 | Fundação beto studart

Na sua opinião e pela sua experiência, qual a importância de investir em cultura? Veja, matéria é matéria, uma traça come qualquer tipo de coisa, a ferrugem acaba qualquer superfície de metal. Mas o que existe dentro de você, a matéria-prima do seu saber, isso vai ficar para toda a vida. E como eu vou formar cidadãos se eu não sei quem eu sou? Se eu não sei a minha história, se eu não sei quem foi José de Alencar, se eu não sei que ele era um romancista indianista, assim como não sei quem foi Alberto Nepomuceno, que era amigo de José de Alencar e musicou, inclusive, uma das suas peças, “O Garatuja”, transformando-a numa ópera? Se eu nem sei quem foi o Juvenal Galeno ou o Filgueiras Lima, então eu não sei nada de mim, eu não sei nada da minha história. Que cidadão sou eu? Se eu não tenho origem, se eu não tenho um lugar, se eu não tenho o respeito humano próprio, que pessoa sou eu? Como eu vou ter identidade?


Então, identidade é cultura? Identidade é quando eu conheço os meus valores, quando eu sei que D. Pedro I era o imperador, mas que escreveu o Hino da Independência do Brasil e disse: “Já podeis da Pátria, filhos/ Ver contente a mãe gentil/ Já raiou a Liberdade/ No horizonte do Brasil”. Então, isso é ter identidade. Na quarta estrofe do Hino do Ceará, o Thomaz Pompeu Lopes diz uma frase que eu acho antológica: “Que importa que teu barco seja um nada,/ Na vastidão do oceano/ Se à proa vão heróis e marinheiros/ E vão no peito corações guerreiros?”. Quando conhecemos essas histórias, começamos a ver o mundo com olhos diferentes. E nós somos do tamanho do que sabemos, então o mundo pode ser muito pequeno. O Projeto Cultivando Talentos dá às pessoas a oportunidade de ver o mundo de uma forma maior, e esse mundo se faz através do teatro, das artes plásticas, da literatura, do cinema, das artes visuais...

Muitas histórias são modificadas pelo projeto? Já vi muitas vidas serem modificadas, mas como o projeto é relativamente novo e a arte demanda muito tempo, ainda existe um caminho pela frente, a gente tem que plantar... Por isso o nosso projeto é Cultivando Talentos. A cultura é uma coisa que vem do chão, que vem da terra, o homem que está lá plantando uma semente, que está lá cultivando, precisa esperar o tempo certo para a semente germinar, e ela precisa ser adubada, precisa ser regada, precisa ser olhada com carinho. O mais importante é que os alunos daqui serão multiplicadores de talentos dentro da comunidade deles. E quando alguém chega numa casa com um violão, com um violino ou com um teclado, todas as pessoas da família são motivadas por aquilo, todos estão sendo elevados. Cultura é isso. Não adianta botar o Hino do Ceará para ser cantado através de decreto -lei. Ninguém canta através de decreto-lei. Você canta porque estuda, porque conhece a história, porque é capaz de pensar: “Ah! Esse hino tem a linguagem modal... E o que é a linguagem modal? É a linguagem do cantador de viola”.

somos do tamanho do que sabemos “Somos acima de tudo, uma escola de teimosos, que teimam em sobreviver”. Mirian Carlos Moreira de Souza, a mulher por trás do Conservatório Alberto Nepomuceno, tem mesmo uma pertinácia desmedida. Quando se trata de defender a arte, a música e a cultura como formadores de identidades e alavancas para o crescimento, ela é a mais obstinada e insistente das interlocutoras, e emociona pela paixão em não deixar naufragar uma embarcação que enfrenta muitas procelas. Com formação em Pedagogia e Direito, Miriam é pós-graduada em música e mestre em canto coral. Estudou com grandes nomes da regência

nacional e também internacional, com destaque para o maestro e compositor alemão HansJoachim Koellreutter. Dirigiu o Departamento de Artes da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e regeu muitos corais, viajando para diversas partes do Brasil, da América do Sul e da Europa. Membro da Academia Cearense de Música e da Academia de Artes e Letras do Nordeste, Miriam defende ardorosamente que as pessoas devem conhecer suas histórias para conhecerem a si mesmas. Por isso, fala com amor dos seus meninos e meninas, que encontram na arte a oportunidade “de serem tocados e transformados”.

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os elos que nos unem Dançar conforme a música. Entrar no ritmo. Acertar o passo. E, mais uma vez, se superar. os jovens da Associação Elos da Vida aprendem que as marés podem trabalhar a nosso favor, desde que agarremos o leme da existência sem medo das tempestades.

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oi com esse pensamento que surgiu a primeira Companhia de Dança sobre Rodas do Ceará. Formada por jovens com deficiências físicas e de mobilidade reduzida, a Companhia atua desde 2002, mostrando que não há limites para a expressão da beleza, exatamente como acreditava Isadora Ducan. Pioneira da dança moderna e defensora da liberdade de movimentos, Isadora dizia que “o corpo do bailarino é simplesmente a manifestação luminosa da alma”. Sobre rodas, os dançarinos com deficiência da Companhia cearense desafiam a gravidade, tornando-se, por instantes, aéreos e fluidos.

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caminhos que se bifurcam Fundada em 2001, a associação Elos da Vida concentra sua rota principal no atendimento a crianças, adolescentes e jovens com necessidades especiais e em situação de vulnerabilidade social. Mas essa rota se bifurca em dois caminhos: a arte e educação e a capacitação para o mercado de trabalho. O programa de qualificação social e profissional prepara a pessoa com deficiência para o trabalho. O mercado tem cotas a cumprir e a associação mantém um convênio com o SINE/IDT na intermediação desse processo. “O Sine nos informa e nós qualificamos exatamente para a área em que há necessidade. É uma formação dirigida para o mercado”, explica Neíse Távora. “Já nos submetemos a vários editais e hoje atendemos por volta de 300 a 350 pessoas por ano”, calcula. Esse programa se estende também aos familiares dos beneficiários. Os cursos profissionalizantes são inteiramente gratuitos e abarcam um universo de interesses ecléticos. Recepcionista, operador de computador, auxiliar de escritório, figurino e adereços, manicure, cabeleireiro e maquiador são alguns exemplos. Inglês básico e informática são muito procurados. Qualquer pessoa com deficiência pode se inscrever nos cursos, cuja duração média é de três meses. Cerca de 60% dos alunos qualificados em 2013 foram absorvidas pelo mercado de trabalho. Na área de arte e educação, são oferecidas, além da dança, aulas de canto coral, arte-terapia, literatura infanto-juvenil e atividades de lazer. Assim como a super premiada Companhia de Dança sobre Rodas, a associação mantém uma banda de música que inclui cegos e um grupo de dança de surdos. Promove ainda oficinas e cursos de orientação familiar, social e profissional.

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​“Quando eles estão no palco, com os figurinos e a maquiagem, eles se transformam”, reporta Neíse Távora de França, diretora de Projetos Sociais da Associação Elos da Vida, que mantém a Companhia de Dança sobre Rodas. “Não são mais pessoas com deficiência, mas atores e bailarinos que estão ali para se apresentar. A plateia toda chora, porque o espetáculo é de uma beleza, de uma leveza... Eles mostram arte, se desdobram. Não se sentem coitadinhos. As pessoas dizem que se emocionam quando olham nos olhos dos bailarinos. Transcende a realidade da gente”, entusiasma-se Neíse Távora. ​Hoje já são mais de 200 apresentações públicas e muitos prêmios no currículo. A sensação proporcionada pela dança é a recompensa de horas de ensaios exaustivos e muita disciplina para entrar em comunhão com o espaço. Para esses jovens cadeirantes – que antes do projeto não tinham qualquer ocupação ou atividade –, a Companhia de Dança ofereceu uma rajada de vento que agitou as águas do entorno, inaugurando uma nova fase de navegação. ​Desde 2005, a Fundação Beto Studart apoia financeiramente e presta assessoria técnica à Associação Elos da Vida no desenvolvimento de projetos e apresentações públicas, além de financiar parte das despesas para o custeio da entidade, que conta com centenas de beneficiários em suas várias frentes de atuação.”Quando ninguém acreditava que uma pessoa que não mexe nem os braços nem as pernas fosse capaz de dançar, quando os próprios jovens com deficiência não acreditavam, a Fundação Beto Studart


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No palco, o elo entre o corpo e a alma faz surgir a alegria da arte.

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a autoestima é protagonista nos ensaios.

apostou no projeto”, recorda Neíse Távora. “Nós começamos a desenvolver atividades de dança, de música e de artes plásticas. Aí os meninos fizeram cursos e adquiriram formação na área. Superando as limitações físicas, se qualificaram como bailarinos em cadeiras de rodas e, desde o fim de 2002, não quiseram mais se separar”.

diferenças não são defeitos ​ iferenças não são defeitos, são apenas difeD renças. Disso, a Associação Elos da Vida tem a mais absoluta convicção. Hoje, pelo menos 60% de seus associados mantêm um cotidiano ativo. Muitos frequentam faculdades, outros fazem natação, tantos outros participam de grupos de basquete. Se antes se viam como o “peso da família”, hoje se consideram motivo de orgulho. ​Mais uma vez, é Neíse Távora quem pontua: “Em muitos depoimentos a gente es-

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cuta: ‘me chamavam de aleijada da casa, a coitadinha, a que ficava encostada, que não tinha oportunidade de nada a não ser se alimentar e fazer as necessidades fisiológicas básicas’. Mas quando esses meninos começaram a participar da Companhia, a autoestima deles melhorou, porque nós trabalhamos a questão dos valores, das diferenças, do respeito à diversidade...” ​Se no início as pessoas se chocavam de ver 10 ou 15 dançarinos em cadeiras de rodas, numa apresentação pública, com o tempo elas aprenderam a apreciar o espetáculo. A Companhia de Dança sobre Rodas foi responsável por criar a primeira rampa do antigo Centro de Convenções. Em janeiro de 2003, o jornal O Povo estava fazendo aniversário e convidou a Companhia para uma apresentação no evento comemorativo, mas, quando os meninos foram ensaiar, não havia rampa para o palco, só para o público.


​“Talvez eles tenham pensando que nunca um cadeirante iria chegar ao palco... Então precisaram arrancar portas e improvisar uma rampa. Um ano depois, quando fomos dançar novamente, já havia uma rampa maravilhosa”, celebra Neíse. O mesmo ocorreu na Universidade Estadual do Ceará (Uece), que convidou o grupo para dançar, mas não oferecia rampa nem para chegar ao auditório. Como faltava um mês para a apresentação, houve tempo de instalar o equipamento. ​E assim foi em “n” locais. Onde a Companhia chegou, com seus bailarinos “cadeirantes” e “andantes”, foi abrindo acessos, em vários sentidos. “E é isso até hoje, uma história de vitórias e conquistas, que não tem valor monetário, porque não há dinheiro no mundo que pague a autoestima dos alunos, a confiança que eles descobriram em si, que nem sabiam que tinham”, sorri a diretora. ​As dificuldades são muitas, mas a associação segue acreditando que é possível apostar nas pessoas e lutar para que elas tenham uma vida social. Afinal, diferentes todos nós somos. “Às vezes a gente fica cansado, porque as dificuldades são muitas. Mas quando os meninos dizem: ‘tia, eu sou tão feliz aqui’, eu vejo que não tenho direito de me cansar”, sentencia Neíse. E aproveita para contar um caso excepcional sobre uma das crianças da Companhia, que estava na fila de transplante de córneas. Faltando apenas um mês para o espetáculo, ela teve que desistir de se apresentar, porque foi chamada para o transplante. Mas todos os colegas questionaram: como você não vai? ​“Resultado: ela não fez o transplante, fez o espetáculo. E ficou radiante! Entrou na fila do hospital novamente e, dois anos depois, conseguiu o transplante. Então a gente fica pensando: qual é o significado que isso tem para esses meninos, que trocam a visão por dois dias de espetáculo?”. Neíse se pergunta, buscando a resposta numa palavra que aprecia, e repete: “A dimensão é maior do que podemos imaginar, transcende! Sabe quem acredita em algo maior? Pois isso transcende! Transcende!”.

por um mercado inclusivo Apesar de ter mais de duas décadas de existência, a lei 8.213, de 24 de julho de 1991, não conseguiu varrer do território nacional o preconceito contra pessoas com deficiência. Mas, ainda assim, impôs uma normatização na contratação de funcionários especiais, arejando a cultura empresarial com o novo olhar sobre o que é eficiência e produtividade. De acordo com a lei 8.213, as empresas com um mínimo de 100 empregados devem reservar parte de suas vagas para “beneficiários deficientes reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas”. A matemática é a seguinte: 2% de vagas reservadas em empresas com 100 a 200 empregados; 3% quando há 201 a 500 empregados; 4% entre 501 e 1000; e 5% de vagas se o número de empregados passar de 1001. O que se sabe é que as empresas, apesar de cumprirem o que determina a lei, pouco se esforçam para manter o funcionário, gerando uma rotatividade que causa insegurança em quem é contratado e insatisfação em quem contrata. Para quebrar esse ciclo, estabelecendo bases mais sensíveis de entendimento e solidariedade, a Associação Elos da Vida promove cursos e oficinas de conscientização para gestores e funcionários. As próprias empresas podem entrar em contato e solicitar uma palestra. O objetivo maior é incorporar de vez a palavra “inclusão” no dicionário empresarial cearense.

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criando asas para voar “Educar é reconhecer que não há transmissão hereditária nos caracteres adquiridos e que a humanidade, em cada um, é uma aquisição: nascemos homem ou mulher, tornamonos humanos. É reconhecer que a liberdade não é dada previamente, que ela não é possível sem a razão, e a razão, sem aprendizado: não nascemos livres, tornamonos livres”. (André Comte-Sponville)

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“A gente quer mudar a realidade desses alunos e, com isso, também promover a mudança na família...”.

(Isaac Gurgel)

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om o título “Os caçadores de cabeça do andar de baixo”, o artigo do jornalista Elio Gaspari (Folha de S. Paulo, 19/1/2014) se refere a um caso simples e inspirador, ocorrido em Fortaleza: “Em 2011, um grupo de jovens executivos colocou a seguinte questão: o que se pode fazer para ajudar uma criança pobre que tem um brilhante desempenho escolar e enfrenta a lei da gravidade social que tenta retê-la no andar de baixo?” ​A resposta, repetida a leitores de todo o Brasil, chama-se Projeto Primeira Chance, uma associação civil sem fins lucrativos formado por empresários cearenses que decidiram dar asas a alunos cujo destino é planar nas alturas, mas que se achavam aprisionados por condições econômicas desfavoráveis.”Nós identificamos os jovens talentosos de famílias de baixa renda que demonstraram capacidade e dedicação para serem bem sucedidos nos estudos acadêmicos e na vida profissional”, explica Isaac Gurgel, um dos voluntários desse grande plano de voo. ​Mirando o futuro de olho no presente, ele detalha: “Nas escolas públicas existem muitos alunos com enorme potencial, mas que, por falta de apoio ou de conhecimento, acabam desperdiçando o talento que têm”. O Projeto Primeira Chance existe justamente

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para evitar que tamanho potencial seja sufocado pela gaiola das desigualdades sociais. Com aporte financeiro, acompanhamento de um tutor e matrícula nas melhores escolas de Fortaleza, os pássaros, antes solitários, começam a fazer verão. “A gente quer mudar a realidade desses alunos e, com isso, também promover a mudança na família e na comunidade em que eles vivem, gerando uma transformação em cadeia que começa com esse estudante de grande potencial”, completa Isaac. Se nossas aspirações são nossas possibilidades, como pregava o pensador inglês Samuel Johnson, tais possibilidades começam com a educação, que abre um leque de rotas a serem percorridas, com liberdade, direção e reais chances de crescimento. ​Em termos de resultados, os bolsistas do Primeira Chance já conquistaram mais de 60 medalhas em olimpíadas científicas nacionais, participaram de olimpíadas científicas internacionais, além de terem sido aprovados nos vestibulares mais concorridos do país, como o do Instituto de Educação e Pesquisa de São Paulo (Insper), do Instituto Militar de Engenharia (IME-RJ) e da Universidade Federal do Ceará (UFC). Desde 2013, quando firmou uma parceria com a Associação Primeira Chance, a Fundação Beto Studart contribui para a revoada dessas jovens aves.


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Oportunidades pra quem já provou que merece e pode ir além.

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como agarrar essa chance “​ Caçados” nas olimpíadas científicas, a partir dos bons resultados escolares, os 23 beneficiários do Primeira Chance passam por um minucioso processo seletivo, que leva em conta não apenas as notas azuis, mas a persistência pessoal e a vontade de decolar. “As inscrições são abertas, mas sabemos exatamente qual o perfil que procuramos, e a nossa busca é extremamente ativa. Nós vamos atrás deles, ligamos para as escolas, para a família, explicamos o que é o Primeira Chance e convidamos para a seleção", pontua Isaac Gurgel. Egressos das escolas públicas, esses meninos e essas meninas ganham a chance de cursar o ensino médio em colégios de alto padrão de Fortaleza, e são dispensados de preocupações com gastos educacionais. Todo material escolar, fardamento, alimentação, transporte, qualquer livro necessário, viagens e hospedagem de alunos do interior são garantidos pelo Primeira Chance, que oferece também ao bolsista um mentor, geralmente uma pessoa bem sucedida em sua área de interesse, que aconselha sobre os melhores cursos, acompanha o desempenho escolar e ajuda nas decisões de carreira. ​Como as pedras preciosas, que se formam quando há condições propícias da natureza, os selecionados desabrocham para uma nova vida a partir do acesso a uma educação de excelência. A única cobrança feita aos que se formam é que retornem para ajudar outros bolsistas a encontrarem as próprias asas. Melhor forma de pagamento não há, embora o projeto, nascido em 2011, seja jovem demais para contabilizar essas ações, que devem se fazer sentir nos próximos anos.

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premiando o esforço “Hoje, o Projeto Primeira Chance já é conhecido na rede pública de ensino, mas antes havia uma certa resistência. Quando a gente ligava para o aluno e contava a nossa história, eles não acreditavam, a família ficava muito reticente. Era preciso convencer os pais, mostrar que era algo sério, que não havia nenhum interesse por detrás”. “Por outro lado, tínhamos receio de que houvesse algum tipo de preconceito nas escolas de elite que recebem esses alunos vindos de uma realidade completamente diferente, alguns do interior, todos eles de escolas muito humildes. Para a nossa felicidade, descobrimos que a moeda que conta nas salas de aula em que eles estudam não é o dinheiro, mas as notas e a dedicação. E nisso nossos alunos são muito bons! Eles são

selecionados por isso e exatamente por isso são sempre muito respeitados em sala de aula”. “O grupo que criou o Primeira Chance acha injusto que um estudante que se esforça não tenha oportunidade de chegar tão longe quanto poderia chegar. Ele precisa de apoio. Alguém deveria fazer esse papel, e aí calhou de ser a gente. Todos nós da associação temos interesse na educação, todos nos dedicamos às nossas vidas escolares e vimos que isso pode trazer bons resultados. Acreditamos no papel transformador da escola. É o que podemos mudar. Sinto muito orgulho dos bons e, a cada dia, melhores resultados”. (Isaac Gurgel, 27 anos, integrante e voluntário da Associação Primeira Chance)

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Apesc: O prazer de ensinar, a alegria de aprender e a certeza de um futuro melhor.

QUANDO OS PROFESSORES SE UNEM

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e vez em quando o professor, advogado e escritor Ari Othon Sidou é abordado por algum desconhecido na rua: – Professor, o senhor lembra de mim? Eu estudei no curso Apesc, já concluí universidade e hoje estou na pós-graduação. ​É o que basta para o mestre pular de alegria. “Para nós, que fazemos a Apesc, não há dinheiro que pague o prazer que sentimos ao ouvir isso”. Aposentado da Universidade Estadual do Ceará, Ari Sidou ainda batalha nas lides do magistério e é presidente da Associação dos Professores do Ensino Superior do Ceará (Apesc) desde 1984. Tem muitos títulos, mas prefere outras gratificações. “Você não tem ideia do que é ver um aluno deficiente visual concluindo o curso, ou já profissional. É estimulante”. ​O curso a que o professor se refere é um dos pré-vestibulares oferecidos pela Apesc a alunos do ensino público que queiram ingressar em uma instituição de ensino superior. Com 70% de aprovação nos vestibulares, esses cursos já se tornaram um referencial de qualidade no Ceará, tendo levado mais de

1.400 estudantes às faculdades e universidades de Fortaleza. Antes com poucas chances de ingresso numa instituição de ponta, os estudantes adquirem na Apesc os instrumentos para deslanchar na vida acadêmica. ​Formada por professores ativos e aposentados, a Apesc surgiu muito antes de seus cursinhos pré-vestibulares – estes, apesar dos excelentes serviços prestados, têm apenas 10 anos de vida. Já a Associação surgiu há cinco décadas, no dia 8 de maio de 1964, enfrentando o cenário extremamente convulsivo do golpe militar. ​ “Estou certo de que, ao trazer a ideia da Fundação, em 1964, em meio à ditadura, o professor Luís Cruz de Vasconcelos conseguiu reunir os professores de quase todo o Ceará para lutar pela melhoria do magistério, opondo-se ao regime militar implantado no Brasil”, declarou o professor Ari Sidou em


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discurso à Assembleia Legislativa cearense, que homenageou a Apesc pelo seu cinquentenário, em maio de 2014. ​Calejada pelos anos de luta, a Apesc, hoje, oferece aos associados uma série de serviços, como assistência médico-odontológica, auxílio jurídico e atividades de lazer e cultura. Do ponto de vista coletivo, porém, a frente de maior visibilidade é o trabalho social desenvolvido em sala de aula. Atraídos pelas mensalidades consideravelmente abaixo do preço de mercado, os alunos procuram os cursos Apesc na esperança de se qualificarem para uma boa universidade pública. ​Seguir uma vocação, ter um diploma de nível superior e crescer na vida é a esperan-

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ça que pulsa em todos eles, marcando a hora dos dias e, às vezes, entrando pela noite, em sessões intermináveis de estudos. Nas carteiras enfileiradas, atentos às aulas de redação, português e língua estrangeira, os estudantes da Apesc fazem também a revisão do ensino fundamental e médio, sob a batuta dos professores contratados. ​As turmas não são numerosas, possibilitando que cada aluno receba um direcionamento particular, ao contrário do que ocorre em muitos colégios. A equipe de professores competentes tem a consciência do dever cumprido. O curso Apesc, diga-se de passagem, não tem fins lucrativos, embora a Associação não seja filantrópica.


Turmas menores possibilitam um acompanhamento mais próximo dos alunos.

“se a educação não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”. (Paulo Freire)

“​ O curso é primordialmente destinado a alunos de escolas públicas. Nós subsidiamos os estudos desses jovens juntamente com a Fundação Beto Studart, nossa parceira desde 2010. A despesa é grande, mas dividimos a mensalidade em três partes, de modo que o aluno paga apenas R$ 40. É um curso altamente eficiente e muitíssimo barato mesmo para o estudante pobre”, comenta o professor Ari Sidou, condenando as escolas que se comportam como empresas em busca de ganhos financeiros. ​“Além disso, temos uma parceria com a Associação dos Cegos, e já conseguimos colocar nas universidades mais de duas dezenas de deficientes visuais, que jamais te-

riam tido essa oportunidade se não fosse o suporte que a Apesc lhes proporcionou”, comemora o diretor. A parceria com a Fundação Beto Studart garante 100 vagas para jovens de baixa renda nos cursos Apesc. Afinal, “se a educação não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”. Palavras do educador Paulo Freire, um homem que conhecia a importância fundamental de ser livre na vida.

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saúde

Considerado o maior hospital filantrópico do Ceará, a Santa Casa de Misericórdia cresceu junto com Fortaleza, colecionando parcerias com a força do trabalho cotidiano. Hoje, é um centro de referência nordestino em cirurgia de cabeça e pescoço. Sua Clínica Ginecológica é um equipamento fundamental no atendimento às mulheres de baixa renda.

uma santa

casa da saúde


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saúde

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m 150 anos de bons serviços prestados à população, a Santa Casa de Misericórdia colecionou conquistas históricas, como o pioneirismo no serviço de radiologia e na introdução de um aparelho de raio-X. Foi também na Santa Casa que o Instituto do Câncer deu seus primeiros passos, em meados da década de 1940, atendendo os pacientes do estado, que ainda não contava com o Hospital Haroldo Juaçaba. O modelo de atendimento médico baseado no Sistema Único de Saúde (SUS) passou a valer a partir dos anos 1980. ​Hoje referência no Nordeste em cirurgia de pescoço e cabeça, a Santa Casa de

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Misericórdia é um hospital filantrópico de grande porte, que conta com doações de importante aporte financeiro no atendimento à população. Atualmente, possui um equipamento primordial, recebendo mulheres na clínica ginecológica, montada para resolver problemas da saúde feminina, especialmente no que diz respeito à prevenção, detecção, tratamento e reabilitação do câncer de mama e de útero. ​A mulher sempre teve papel protagonista na história, mesmo com direitos suprimidos e voz silenciada durante muito tempo. Coube à figura feminina o poder de gerar a vida. Ao longo dos anos, cresceu o protagonismo


(dr. Pedro Wilson Leitão Lima)

a união faz a força

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“Apesar de ter mais de 40 anos de formado e de ser professor de duas universidades, o melhor local que tenho para aprender é a Santa Casa”.

das mulheres, bem como seu empoderamento econômico e social. Através de lutas e fortes mobilizações, a mulher, enfim, caminha para uma sociedade mais atenta aos seus direitos humanos, sexuais e reprodutivos. As conquistas, portanto, reforçaram a importância feminina no núcleo familiar. No Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), que teve como ano base 2011, cerca de 37,4% das famílias têm como pessoa de referência uma mulher. Além do poder supremo da materni-

O maior hospital filantrópico do Ceará, hoje com 400 leitos e oito salas de cirurgia, é o único do gênero a disponibilizar emergência 24 horas. Cerca de 30 mil pacientes são atendidos todos os meses no ambulatório e na emergência. Manter as contas saudáveis é um desafio diário que a Santa Casa enfrenta a partir de convênios, doações, parcerias e consultas populares. Isso é tanto mais necessário quando se leva em conta que 95% dos atendimentos são de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), mas que o repasse federal só cobre 65% dos procedimentos. Oferecendo à população diversas especialidades da medicina e cirurgias de alta complexidade, a Santa Casa possui um corpo clínico coeso e está sempre em busca do equilíbrio entre vários elementos: ética, transparência, capacidade de articulação, rapidez de decisão e vontade de acertar.

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saúde

dade, elas agora também mantêm seus entes, social, econômica e afetivamente. Nesse contexto, o sombrio número de morte de brasileiras impacta nefastamente a sociedade de um modo geral. Elas são mães, filhas, esposas e amigas morrendo de doenças que poderiam ser prevenidas e tratadas. ​Nos corredores da clínica de ginecologia da Santa Casa de Misericórdia, mulheres de baixa renda encontram o apoio necessário para tocar a vida com a certeza de um bom encaminhamento clínico. “No contexto geral do estado, podemos dizer que a clínica da Santa Casa é muito boa, porque ela é capaz de atender as pacientes que estão com câncer e aquelas que não têm a doença”, pontua o chefe da clínica ginecológica, dr. Pedro Wilson Leitão Lima, especialista em Mastologia e Cancerologia, que dirige o centro com pragmatismo e também com uma pitada de paixão: “Na verdade, a gente une o útil ao agradável”, diz ele. E explica: “Apesar de ter mais de 40 anos de formado e de ser professor de duas universidades, o melhor local que tenho para aprender é a Santa Casa”. ​A profusão de casos e as necessidades das pacientes se unem às exigências de um grande centro de saúde, configurando um quadro desafiador de aprendizagem cotidiana. A estrutura organizacional e a administração dos recursos são o coração e o pulmão do sistema da Santa Casa. O hospital é um grande celeiro de talentos e aprendizes, já que desde 2008 firmou um convênio de colaboração com a Faculdade de Medicina Christus. “Repito: todo dia a gente está aprendendo. A nossa profissão exige certo sacrifício: tem que entender muita coisa e fazer o bem às pessoas que nos procuram, não visando dinheiro”, comenta o dr. Pedro, que

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colabora com a Santa Casa desde que era estudante, e hoje chefia uma equipe de onze médicos. “Eu entrei aqui no terceiro ou quarto ano de faculdade, e não pretendo sair nunca mais. Nosso trabalho faz toda a diferença para as pessoas que precisam de tratamento. Isso é o que conta”. ​A clínica ginecológica da Santa Casa faz todo tipo de cirurgia das mamas e intervenções ginecológicas. Está plenamente equipada para tratar com eficiência as mulheres que procuram um bom acolhimento. Com o


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foi assim que começou

Dr. Pedro: colabora com a Santa Casa desde que era estudante.

apoio da Fundação Beto Studart, o número de atendimentos diários da clínica dobrou de 50 para 100 pacientes, que hoje encontram um ambiente totalmente reformado e preparado para recebê-las. O convênio entre os dois parceiros também viabilizou a compra de modernos equipamentos para exames de alta complexidade referentes ao diagnóstico precoce e ao tratamento de doenças, como câncer do útero. O aparelho de videolaparoscopia, que é o melhor do Ceará, foi 90% custeado pela Fundação.

​Em 1861, quando a Santa Casa de Misericórdia, primeiro hospital de Fortaleza, foi formalmente entregue à população, a cidade possuía menos de 40 mil habitantes. Pacatos e miúdos, os dias passavam sem qualquer alteração. As antigas ruas de areia já haviam sido pavimentadas com pedras toscas trazidas do Mucuripe, mas a iluminação ainda era a óleo de peixe – somente alguns anos mais tarde chegariam os lampiões a gás carbônico. ​“Agradaram-me as suas ruas largas, limpas, bem calçadas, ostentando toda sorte de cores, pois as casas que as ladeiam são pintadas dos mais variados tons”, anotou o naturalista suíço Louis Agassiz em visita a Fortaleza daqueles tempos. “Não tem esse ar triste, sonolento, de muitas cidades brasileiras. Fora da cidade, o traçado das ruas continua através dos campos, que belas montanhas limitam ao longe: as serras Grande e Baturité. Na frente da pequena cidade, corre uma extensa praia e o barulho do mar, batendo nos recifes, chega até o quarteirão central”. ​A Santa Casa fora instalada naquele local, a oeste do Centro, para que os “miasmas” tidos como prejudiciais fossem levados pelo vento para bem longe das casas e estabelecimentos comerciais. Construída com recursos públicos para combater o cenário de devastação delineado na última epidemia de febre amarela, o hospital possuía inicialmente 80 leitos.

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campeões no esporte e na vida Em Maracanaú, um centro esportivo de paratletas congrega jovens campeões da natação e do tênis de mesa. Em Fortaleza, meninos de comunidades pobres do Serviluz, de Santa Terezinha, da Varjora, do Mucuripe e do Castelo Encantado treinam hóquei sobre rodas. Vitoriosos, os dois projetos instituem novas possibilidades de vida a partir da força transformadora do esporte.


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“Percebi o que o esporte tinha feito na minha vida, me resgatado socialmente, então eu resolvi passar essa fórmula para os demais”. (Edivaldo Prado)

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osé Carneiro Lima nasceu com uma anomalia nos membros superiores. Sem as mãos, descobriu cedo o significado da palavra preconceito. Só começou a estudar aos 15 anos. Aos 27, trocou a cidade natal, Uruçuí, no Piauí, por Maracanaú, no Ceará. ​Eva Maria da Silva Sousa veio ao mundo com hemiparesia, uma paralisia parcial de um lado do corpo. Vivia em Maranguape com a família, que cedo notou algo “diferente” na menina, cuja vida escolar foi marcada pela discriminação. ​Jardel Pereira Soares adquiriu poliomielite aos seis meses de vida, perdendo o movimento dos membros inferiores. Ganhou sua primeira cadeira de rodas aos 16 anos, e durante muito tempo teve sérias dificuldades de relacionamento. ​Também vítima de poliomielite, Vandira Maciel cresceu sentindo-se incompreendida e menosprezada pela própria família, que a considerava “um peso” por não ser “igual” a todo mundo. ​O que une José, Eva, Jardel e Vandira não são as dificuldades; são as vitórias. Vitórias que começaram quando eles descobriram um núcleo no Conjunto Jereissati, em Maracanaú, que acolhe pessoas com a coragem de transmutar uma aparente desvantagem em placar positivo, com direito a podiuns e troféus. ​O Centro Paradesportivo Edivaldo Prado é esse local especial, capaz de fazer com que homens e mulheres com diferentes defici-

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ências físicas se tornem cidadãos mais realizados e até campeões paraolímpicos. Foi o caso de Vandira, que se destacou na natação, e de Eva, cuja paixão é o tênis de mesa. ​“Depois que eu conquistei competições nacionais e internacionais como nadador paraolímpico, vi a necessidade de passar toda a minha experiência para outras pessoas iguais a mim”, pontua Edivaldo Prado, o idealizador do Centro – ele mesmo foi oito vezes campeão brasileiro, campeão pan-americano no México, em 1999, e recordista mundial em provas de resistência. ​“Percebi o que o esporte tinha feito na minha vida, me resgatado socialmente, então eu resolvi passar essa fórmula para os demais. Eu me sinto um ser humano que está cumprindo uma missão. Tenho uma gratidão muito grande por conseguir, através da minha história, mudar a vida de outras pessoas iguais a mim, mostrando que elas são muito mais do campeãs no esporte, elas são campeãs na vida”. Edivaldo sabe o que fala. Passou anos lutando contra a paralisia infantil. Hoje tem o peito coberto de medalhas e já esteve em torneios na Argentina, na Nova Zelândia, no Canadá, na Inglaterra e em outros países. “Eu espero para o futuro que, através dos nossos exemplos, outras pessoas com deficiência se levantem de seus estados depressivos; que saiam de suas casas e olhem para o grande potencial que possuem”.


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Unidos pelas vitórias e não pelas dificuldades.

É ASSIM QUE SE FAZ UM GRANDE JOGO Como um polvo de muitos braços, o Centro Paradesportivo Edivaldo Prado mexeu com a realidade de Maracanaú, tornando-se uma referência no estado. O Projeto Faça do Deficiente um Atleta trabalha com o desafio de formar novos atletas na natação e no tênis de mesa. Já o Projeto Medalha de Ouro busca a convivência entre as crianças que possuem algum tipo de deficiência e as que não possuem, de modo a combater o preconceito e promover a integração. ​O espaço construído e equipado pela Fundação Beto Studart, em parceria com a CMM Engenharia, é um grande marco na realização do sonho de Edivaldo e atende

250 beneficiários diretos, além de contar com mais de 600 pessoas cadastradas. ​Edivaldo recorda: “Em 2006, depois de anos batendo na porta das empresas cearenses, sem conseguir nenhum tipo de apoio, conheci a Fundação e o seu projeto, que concedia bolsas para atletas e artistas”. Assim, ele foi selecionado para o Programa de Bolsa Talento e, com o apoio técnico e financeiro da Fundação, conseguiu tirar seu sonho do papel. O Centro Paradesportivo Edivaldo Prado é uma realidade que abriga pessoas e aspirações, colecionando medalhas nos campeonatos regionais, nacionais e internacionais de natação e tênis de mesa.

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Edivaldo Prado: oito vezes campeão brasileiro, campeão Pan-americano no México, em 1999, e recordista mundial em provas de resistência.


edivaldo por ele mesmo “Eu me chamo Edivaldo Prado, tive paralisia infantil aos oito meses, doença essa que atingiu todo o meu corpo, deixando-o totalmente sem movimento. Eu e minha família morávamos em Crateús, mas nos mudamos para Fortaleza, cidade em que minha mãe passou a me levar todos os dias, incansavelmente, para fazer fisioterapia no Hospital Geral de Fortaleza. Acordávamos às 5h da manhã e passávamos praticamente todo o dia nas sessões de fisioterapia. ​Toda a minha infância foi nessa luta; uma luta pela sobrevivência. Aos sete anos de idade, minha mãe me levava nos braços para a fisioterapia. O sacrifício era muito grande e ainda foi pior por causa do preconceito, mas minha perna esquerda e meus braços começaram a dar sinais de movimento. Ainda assim, foi difícil me acostumar com os aparelhos ortopédicos. Na escola, eu era muito discriminado e perdia o equilíbrio facilmente porque andava de muletas. Era motivo de chacota para outras crianças. ​Na adolescência, era apaixonado por esportes e adorava jogos de futebol, mas achava que, por ser uma pessoa deficiente, nunca iria praticar. Aos 13 anos de idade, criei coragem e perguntei ao professor de uma academia se eu poderia fazer musculação. Ele falou que eu não só poderia como deveria. Foi quando entrei para a musculação. Aos 17 anos, comecei a praticar o basquete em cadeira de rodas. Para melhorar no basquete, entrei na natação, fazendo um trabalho de desatrofiamento muscular.

“O sacrifício era muito grande e ainda foi pior por causa do preconceito, mas minha perna esquerda e meus braços começaram a dar sinais de movimento”.

​Às 4h horas da manhã já estava de pé para treinar, pegava dois ônibus todos os dias e demorava duas horas para chegar. Com 18 anos, fui campeão brasileiro de natação e fiquei conhecido no Ceará como um dos melhores paratletas de 1997. Fui convocado para várias competições nacionais e internacionais. Em 1999, estive no Parapan do México, que reuniu os melhores nadadores paraolímpicos do continente americano. Logo no primeiro dia, fui para a final dos 50 metros livres e terminei em terceiro lugar. Depois disso, conquistei mais três medalhas de bronze, num total de quatro.​ Mas Deus guardou o melhor para o último dia de competição, na prova de 200 metros livres. Eu era o único desconhecido entre os oito nadadores. Saí na prova em sexto lugar. Na primeira volta, já consegui passar para o quinto lugar. Na segunda, já estava em quarto. Na terceira, comecei a nadar como nunca tinha nadado na minha vida. Faltando 30 metros para acabar a prova, alcancei o segundo

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esporte

"Mas quando Deus dá a missão, podem acreditar, ele dá as ferramentas também".

lugar. E a 10 metros do fim, passei a travar um batalha com o campeão mundial. Eu me sentia como David enfrentando Golias. Nos últimos três metros, ele não resistiu e eu conquistei a medalha de ouro. Parecia uma criança ouvindo o hino nacional! ​No ano de 2000, quebrei o recorde mundial de resistência, que há dez não era quebrado. O detentor da marca era um inglês, que tinha feito três horas e 30 minutos, nadando sem parar. Treinei durante um ano e consegui chegar a 4h 2min 6seg. Quebrei o recorde mundial e me tornei o maior nadador paraolímpico na minha categoria. Mas, depois disso, senti um vazio muito grande dentro de mim, pois para que servia aquilo tudo? Só para dizer que tinha sido um grande atleta? ​Foi quando surgiu a inspiração de criar um projeto denominado Faça do Deficiente um Atleta, que, através do esporte, buscasse a reabilitação física, moral e espiritual das pessoas com deficiência. Não apenas atletas campeões, mas também cidadãos! Eu era recordista mundial, porém não tinha dinheiro no bolso. Mas quando Deus dá a missão, podem acreditar, ele dá as ferramentas também. ​Consegui dar aulas em piscinas emprestadas de colégios do município. Só que nós éramos vítimas de muitos preconceitos... Foi quando dei uma entrevista para uma emissora de televisão e, por sorte, essa entrevista saiu a nível nacional. Falei que tinha ganhado um terreno da prefeitura, embora não fosse verdade. E disse também que estava precisando de R$ 10 mil para a construção da pis-

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cina. Quando a entrevista saiu, me ligou um patrocinador dizendo que iria doar uma piscina, e um outro prometeu dar os R$ 10 mil. ​Só que não tinha o terreno... Parti, então, para conversar com o prefeito da cidade naquele ano 2000. Falei para ele que tinha dito na TV que a prefeitura havia doado o terreno para o Centro Paradesportivo. Ele respondeu que não tinha falado aquilo. Eu retruquei que, contando com o seu espírito humanitário, sabia que ele não negaria a solicitação da nossa classe. Somos mais de 10.800 pessoas com algum tipo de deficiência em Maracanaú (dados do IBGE). Então, o pre-


arquivo PESSOAL

feito disse que tudo bem, pois eu o colocara numa saia justa. Disse para eu procurar um terreno, pois a prefeitura iria doar. Os R$ 10 mil só deram para murar o terreno, construir um escritório e colocar o buraco da piscina. Passamos 10 anos lutando e batendo de porta em porta, nas empresas do Ceará. Até que, num dia de 2006, conhecemos a Fundação Beto Studart que, sensibilizada, construiu a sede atendendo as normas de acessibilidade, equipou e doou materiais esportivos, apostando no meu sonho. Sonho que não era só meu, mas de outras pessoas iguais a mim. E hoje o projeto é uma re-

alidade. Atendemos crianças, adolescentes e adultos, com aulas de natação, tênis de mesa e vôlei sentado. Aqui ensinamos muito mais do que fazer esporte; ensinamos a ajudar outras pessoas. Tenho certeza de que valeu a pena. Hoje sou um campeão de natação com vários títulos, mas a maior medalha que conquistei na minha vida foi passar esse testemunho para vocês.”

Fizemos uma versão reduzida do depoimento de Edivaldo Prado, que pode ser lido na íntegra no endereço www.edivaldoprado.com.br/

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esperança sobre rodas ​B

ola, stick (uma espécie de taco), patins, caneleiras, joelheiras, cotoveleiras, luvas, coquilhas e muita adrenalina, com manobras radicais entre as quatro linhas. Quem passa pela quadra de patinação da Volta da Jurema pode acompanhar os melhores lances de Fortaleza e do Ceará, dois times que, nesse caso, não têm nada a ver com futebol. ​Aqui se joga hóquei sobre patins, um esporte praticado em pelo menos 60 países, embora ainda desconhecido pela maior parte da população cearense. Aos poucos, a modalidade vai colecionando adeptos e vitórias em Fortaleza, cidade em que é utilizada como instrumento de inclusão social. ​Theodeberto Juarez Vieira do Nascimento, o Beto Vieira, é um dos responsáveis por esse feito. Há três décadas, ele lutou pela fundação da Federação Cearense de Patinagem. “Vim jogar hóquei aqui em Fortaleza, no final de 80, e terminei ficando. Antes disso, me formei em Educação Física no Recife”, recorda. ​Dinâmico, Beto dava aulas de hóquei numa escola particular de Fortaleza, ao mesmo tempo em que participava, como técnico,

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FOTOS: jarbas oliveira

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de um trabalho que envolvia crianças de baixa renda. Sentindo a necessidade de formar uma categoria de base, e sem apoio da escola em que trabalhava, resolveu pedir exoneração. Com o dinheiro recebido, comprou patins, tacos e outros materiais. ​“Pedimos apoio da prefeitura para recuperação da quadra aqui da Beira Mar e aí começamos um trabalho com 20 crianças, que depois passaram a ser 30, depois 40, depois 50...” E assim, há 12 anos, surgia o Projeto Esperança sobre Rodas, que congrega crianças do entorno e de bairros mais distantes, muitas oriundas de famílias desagregadas e núcleos desassistidos. ”O hóquei é um esporte em que a rivalidade é apenas dentro de quadra, fora dela nós realizamos encontros, festas, gincanas e palestras”, sorri o técnico, que durante todo esse tempo se virou como pôde; conseguiu apoio do Governo do Estado, através da Bolsa Atleta; obteve pares de patins com os amigos; fez muitas articulações. ​“Depois eu fiquei sabendo da Fundação Beto Studart, por meio de um amigo que também jogou hóquei, chamado Rodrigo Sales. Conseguimos uma audiência e, assim, obtivemos o apoio da Fundação, que nos ajuda a manter 51 atletas”, pontua. ​Na Beira Mar, um espaço marcado pelo alto poder aquisitivo da maioria dos moradores, meninos e meninas de comunidades carentes encontraram no hóquei sobre rodas a melhor acepção para palavras como disciplina, camaradagem, espírito de aventura e determinação. ​ Foi esse o caso do pequeno Cauã, que sempre vem à quadra com a mãe, Dilça Maria de Carvalho. “O Projeto ajudou muito, porque meu filho não saía de casa, pois a vizinhança é perigosa. Aqui ele está se desenvolvendo. Algumas vezes eu tenho dificuldades para vir, mas faço o possível. Se eu pedir para ele


"começamos um trabalho com 20 crianças, que depois passaram a ser 30, depois 40, depois 50...”.

estudar e prometer que trago para o hóquei, ele estuda e se esforça. Funciona como um estímulo”, avalia a mãe. ​Enquanto a meninada se movimenta, Beto Vieira analisa: “Com o Projeto, nós conseguimos diminuir a violência e o consumo de drogas. Essa questão do crack é muito séria na nossa capital... Também exigimos disciplina dos atletas e frequência na escola. Enfim, há uma mudança de comportamento por parte dos meninos”. ​O Projeto trabalha com crianças de 8 a 13 anos, mas os praticantes de hóquei têm as mais variadas idades e precedências. Daniela Souza dos Santos, de 26 anos, começou praticando com os patins de um primo. “Eu vinha para Beira Mar, via as pessoas jogando e comecei a pedir ao Beto para participar. Já treino há três anos”, relembra. Dizendose apaixonada pelo hóquei, ela acredita que encontrou no esporte uma grande família. “A garotada fica toda alegre, tanto os pequenos quanto os grandes. Não faltam um dia”. ​Assim como Daniela, Anderson Gadelha do Nascimento, de 16 anos, sonha em se tornar um jogador profissional. “Já estou há cinco anos no Projeto. Conheci na escola e depois vim para cá, sou apaixonado. Acho muito legal porque são meninos de diversas idades. Eles pedem ajuda, orientação, instrução, admiram, brincam... Os mais novos são o futuro do hóquei. Em vez de ficar rua fazendo coisas erradas, eles estão aqui”. ​Para finalizar, Beto Vieira comemora uma nova conquista: “Com o apoio financeiro da Fundação Beto Studart, nós conseguimos juntar 12 pares de patins e montar outra equipe de hóquei na Escola Ismael Pordeus, que fica no Jardim das Oliveiras. Nessa nova escolinha, nós já estamos treinando 20 garotos de 8 a 12 anos”. É mais um espaço de transformação, convivência e crescimento através do esporte.

MAS COMO É MESMO QUE SE JOGA? O hóquei sobre patins é praticado por duas equipas de cinco atletas cada, sendo quatro jogadores e um goleiro. A meta é enfiar a bola, que é conduzida pelo stick e mede cerca de 23 cm de circunferência, na baliza adversária. Assim como no futebol, há dribles, passes e lances de emoção. Além de muito equilíbrio, pois os jogadores se movimentam sobre patins. Desde 1992, quando ocorreram as Olimpíadas de Barcelona, o hóquei é tido como esporte olímpico.

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EM DEFESA DOS INVISÍVEIS 78 | Fundação beto studart


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MUITOS SAEM DAS RUAS E voltam ao Refeitório para dar testemunhos.

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perfeição não consiste na multiplicidade das coisas feitas, mas no fato de serem bem feitas”, pregava São Vicente de Paulo, um orador de reconhecidos méritos em seu tempo. Nascido na França, em 1581, filho de camponeses, Vicente ordenou-se padre aos 19 anos e destacouse pela excepcional inteligência. Com Luísa de Marilac, fundou a Confraria das Irmãs de Caridade. Sua vida foi dedicada aos pobres, aos doentes e aos abandonados – os habitantes “invisíveis” de uma Europa convulsionada pelos conflitos religiosos. Hoje, os vicentinos estão espalhados pelo mundo. Só no Brasil são mais de 300 mil, entre leigos e religiosos. Em Fortaleza, a Irmã Inês de Barros Lima faz parte desse grupo de inconformados com a miséria humana. Serena, é uma mulher que trabalha muito, dorme pouco e nunca eleva o tom de voz. Tem 86 anos, sendo 68 deles dedicados àqueles que a sociedade prefere não enxergar. “O homem que está na rua foi abandonado pela própria família. Ele sai da casa e se entrega a tudo que parece vantagem, muitas vezes ao vício, pensando que vai encontrar ali respostas para as suas interrogações”, pontua Irmã Inês, lembrando que “depois que eles entram é difícil sair”. Por isso mesmo, em 2002, ela fundou o Refeitório São Vicente de Paulo, que funciona sob os cuidados das Filhas da Caridade - entidade religiosa ligada à Congregação São Vicente de Paulo. Nela, 120 adultos tomam banho, almoçam e recuperam as forças para um novo dia. “Num primeiro momento, eu e outras irmãs fomos às praças públicas para convidar os moradores de rua para virem tomar uma refeição no nosso refeitório. E, assim, nós

começamos um trabalho de dignificação desses homens, porque aqui eles recebem tudo o que é importante na vida: a higienização, o resgate da cidadania, o encaminhamento para o trabalho e a alimentação”. Alimentação que é também espiritual, pois Irmã Inês faz questão que todos assistam a palestras informativas para tomarem consciência de que “são pessoas humanas e que não devem permanecer naquele estado a vida toda”. De palestra em palestra, várias existências já foram transformadas. “Têm muitos rapazes que saem realmente modificados, e eles voltam para darem seus testemunhos aos que permanecem, para que esses não fiquem acomodados. Porque também é uma tendência dos moradores de rua se acomodarem, mas a maior parte quer sair das ruas. Então os que saem, que se recuperam, que encontram uma vida digna, voltam ao Refeitório para dar testemunhos”. Há alguns anos, a Fundação Beto Studart apoia o projeto, responsável também por repassar orientações nas mais diversas áreas, incluindo saúde, trabalho e assessoria jurídica. A parceria com a Fundação consiste no apoio financeiro para a manutenção das atividades junto aos moradores de rua e idosos, bem como a construção de estrutura física para implantação de uma padaria do Projeto Novos Céus, Nova Terra, mais recente conquista de Irmã Inês.

NOVOS CÉUS, NOVA TERRA Idealizado em 2008, esse novo projeto nasceu como extensão do trabalho desenvolvido pelo Refeitório São Vicente de Paulo, mas com foco em um público ainda mais específico. Verdadeiro prodígio da força de vonFundação beto studart | 81


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tade, o empreendimento de Irmã Inês junto a um grupo de apoiadores e voluntários, é também uma prova do poder transformador dos laços solidários. Instalado em um sítio de Aquiraz, o projeto oferece acolhimento gratuito para dependentes químicos, dando a eles a tranquilidade que necessitam para superarem os tropeços do vício, vencendo o penoso período de abstinência. Em geral, pelo menos oito meses são necessários para a recuperação, que nunca é fácil, mas sempre possível. Sem remédios nem receitas mágicas, o tratamento de Irmã Inês se sustenta em três colunas, que ela faz questão de fortalecer, dia após dia, com a perseverança dos grandes construtores: espiritualidade, trabalho e convivência. No espaço agradável de acolhimento, os internos conversam, trocam experiências, falam de suas dores, leem textos bíblicos e encontram uma moradia digna, cujo nome condiz com a condição de muitos: Casa do Filho Pródigo. Em um outro espaço, chamado de Centro de Produção, eles trabalham na manufatura de pães, bolos e salgados, que são vendidos para os comerciantes das comunidades próximas. Esse espaço foi construído pela Fundação Beto Studart, e se tornou uma espécie de pulmão do sítio. “Todos aqueles a quem eu recorro me dão uma resposta, uma resposta de fé, então eu vejo que esses que estão me ajudando é porque acreditam que a vida deve ser vivida por todos os homens, e não por alguns. Eu conheço a Fundação Beto Studart desde que iniciei o trabalho com moradores de rua no refeitório São Vicente de Paula. Antes da Fundação ser Fundação, eu já recebia uma ajuda para os moradores de rua”. O Centro de Produção não apenas ajuda a manter o projeto, como dá aos internos a satisfação de se engajarem numa atividade produtiva, contribuindo para o resgate do amor-próprio. “O trabalho preenche a vida deles. Eles recuperam a autoestima e se

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sentem úteis ao projeto, úteis aos outros e úteis a si próprio. O trabalho dignifica”, considera Irmã Inês. Hoje, ela é procurada por muitos usuários de drogas, que pedem para entrar na Casa do Filho Pródigo. Todos eles passam por uma triagem antes de serem admitidos, pois o projeto não tem capacidade de acolher todos, apesar do empenho vigoroso dos envolvidos, sempre às volta com a necessidade de expandir o serviço. Uma assistente social faz a primeira entrevista, a partir da qual o solicitante é encaminhado para uma psicóloga. Irmã Inês tem a ficha de cada um deles e acompanha a rotina de todos. Ouve as queixas, acolhe as angústias, dá amparo sem esperar nada em troca. Vê um sentido muito profundo na ajuda ao outro. “São Vicente fundou a congregação para servir aos

“Ainda que a firmeza seja necessária para atingir o fim a que nos propomos em nossas boas obras é, contudo, necessário empregar muita ternura nos meios”. (São Vicente de Paulo)


Não sabemos quantos eles são. Homens e mulheres que vivem nas ruas de Fortaleza, catando restos, pedindo esmolas, sofrendo com o abandono e a violência. O último diagnóstico é de seis anos atrás, quando foram contabilizadas 1.701 pessoas em situação de rua. A pesquisa, realizada entre 2007 e 2008, levou em conta apenas a população acima de 18 anos. Desde então, Fortaleza não dispõe de dados oficiais unificados para compreender o tamanho do problema, que requer atenção e planejamento do poder público. As poucas casas de acolhimento e o limitado número de vagas existentes na cidade tornam o fenômeno ainda mais preocupante. E o trabalho de irmã Inês ainda mais especial.

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UM EXÉRCITO QUE NINGUÉM VÊ

pobres, então, como filhas da caridade, nós temos essa mística”, pontua. “Ainda que a firmeza seja necessária para atingir o fim a que nos propomos em nossas boas obras é, contudo, necessário empregar muita ternura nos meios”, dizia São Vicente. Assim como ele, Irmã Inês, essa mulher suave que cuida de homens endurecidos, acredita que é “preciso dar o seu coração, para obter em troca o dos outros”. Nunca pensou em desistir. “Estar no meio dessas pessoas é a minha verdadeira vocação”, sintetiza. E enquanto observa o movimento dos internos em suas atividades, acrescenta: “Eu vejo esse trabalho como um serviço à vida. A vida plena que Jesus veio trazer, porque ele disse: Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância”.

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um espaço de inspiração e desenvolvimento


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u me inspirei na minha própria história, nas necessidades que eu vivi. Quando amanhece o dia e a gente não tem nada para dar aos filhos, isso dói no coração. Eu passei por isso, de não ter com quem deixar meus filhos, de não poder trabalhar para ajudar meu companheiro, e eu não queria que essas crianças daqui passassem por isso também”. Com essas palavras, Edineusa Maria do Nascimento resume o que a faz acreditar no trabalho que desenvolve, com dedicação e desprendimento, em uma área de Fortaleza que já foi sinônimo de lixo a céu aberto e problemas sociais. É no Conjunto João Paulo II, no bairro do Jangurussu, antigo aterro sanitário da cidade, que Edineusa mantém, junto com a associação dos moradores, a Creche São Judas Tadeu, que hoje acolhe em horário integral 140 crianças de 0 a 5 anos. Ali elas encontram um espaço seguro, motivador e preparado para incentivar o seu desenvolvimento, com atividades recreativas e quatro refeições diárias. “Diante das dificuldades das famílias que precisavam trabalhar e não tinham com quem deixar seus filhos, criamos um grupo de mães e eu abri as portas da minha própria casa para receber essas crianças”, recorda Edineusa. Durante algum tempo foi assim, até que surgiu a ideia de se criar uma creche para atender essas famílias que dependiam do grande lixão do Jangurussu. Um parêntese: a União dos Moradores do Conjunto João Paulo II existe desde 1996 e é resultado da mobilização das famílias de baixa renda residentes no bairro. Desde 2005, tem o apoio da Fundação Beto Studart. “A creche foi uma conquista”, prossegue Edineusa. “Eu via o número de crianças crescer na minha casa, e eu precisava do meu espaço também. Aí surgiu uma oportunidade, uma casa vizinha estava sendo vendida e nós nos juntamos todos e conseguimos comprá -la. Cada um deu o que pôde: um deu o carro,

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outro deu um som, e por aí foi. Conseguimos negociar a compra e o passo seguinte foi organizar as coisas”. O funcionamento meio improvisado foi uma realidade que aos poucos a Creche São Judas Tadeu substituiu pelo método de trabalho. A Fundação Beto Studart participou ativamente desse processo, juntamento com a EDISCA reformando toda a estrutura da sede, contratando uma pedagoga para treinar as pessoas e transformando o espaço num local com orientação pedagógica, atividades programadas e estímulo ao desenvolvimento psicomotor. Isso o credenciou a firmar um convênio com a Prefeitura de Fortaleza.

140 crianças atendidas de 0 a 5 anos em horário integral.


“Eu me inspirei na minha própria história, nas necessidades que eu vivi”. FOTOS: igor de melo

(Edineusa Maria do Nascimento)

Mais uma vez, é Edineusa quem recorda: “O apoio que recebemos foi fundamental. Se não fosse a Fundação Beto Studart nós não teríamos condições de receber tantas crianças, já que foi a Fundação que nos deu o preparo para hoje poder contar com a ajuda governamental. Esse apoio vem antes mesmo da creche existir, com o pai do Dr. Beto Studart que já nos ajudava com as nossas crianças. Quando o pai do Dr. Beto faleceu, quem passou a nos ajudar foi ele, através da Agripec e depois com a Fundação”. Hoje, além das crianças atendidas em horário integral, outros 300 meninos e meninas são beneficiadas diariamente com o fornecimento de uma refeição. O desafio para manter a estrutura se renova a cada dia, mas o sorriso dos pequenos parece motivar os envolvidos. “A creche é tudo para essas mães e crianças, ela é especial. Aqui no conjunto João Paulo II, só temos essa creche. Sem ela, o que seria dessas mulheres que precisam trabalhar e não têm com quem deixar seus filhos? Tenho um amor enorme pela comunidade, por isso esse trabalho é tão envolvente pra mim. Porque afeta a vida de muitas pessoas, e realmente faz a diferença”, finaliza Edineusa.

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social

“Tenho um amor enorme pela comunidade, por isso esse trabalho é tão envolvente pra mim. Porque afeta a vida de muitas pessoas, e realmente faz a diferença”. (Edineusa Maria do Nascimento)

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igor de melo

além das crianças atendidas em horário integral, outros 300 meninos e meninas são beneficiados diariamente com o fornecimento de uma refeição.

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GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA

unindo forças para crescer

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igor de melo Fundação beto studart | 91


U

ma teia é uma estrutura que se comunica a partir de fios interligados. Pressupõe conjunto, enredo, organização, arcabouço. É feita para fortalecer, potencializar e abraçar oportunidades. Seu emaranhado é uma metáfora oportuna para a união de forças, o trabalho coletivo e a distribuição de benefícios. Por isso mesmo a Associação Teia Solidária traduz, no próprio nome, a motivação que a impulsiona, tecendo novos caminhos a partir da construção coletiva. Na Teia Solidária, nada menos que oito diferentes associações iniciaram as atividades fazendo da força a união, e da união, uma forma de potencializar os ganhos. Esses ganhos chegam por meio da venda dos produtos artesanais confeccionados em Maracanaú, Aracati e Fortaleza, locais em que vivem os atuais associados. Com destreza, eles fazem peças em fuxico e crochê, tricotam capas de almofadas, bordam guardanapos, costuram tapetes, elaboram bijuterias e confeccionam roupas de cama, mesa e banho. Das oito associações, cinco atuam efetivamente, cada qual com o seu saber, carregam em comum o fato de terem vocação produtiva, visão comunitária e maioria feminina. “Além das mulheres, os jovens e idosos aparecem em grande número”, pontua Maria de Fátima dos Santos, a Fathynha, uma das tecedoras dos fios que compõem a Teia. Essa “associação de associações” inaugurou uma nova tecnologia social. Nela, são mantidas a identidade e independência de cada elo, mas há um entrelaçamento de interesses que forma uma cadeia produtiva que traz resultados para todos. Juntos, os diferentes empreendimentos sociais – todos com aptidão para costura, bordado, fuxico e artesanato – podem atender a pedidos que não teriam condições de acolher sozinhos. Como uma chave-mestra com habilidade para abrir várias portas, a Teia

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arquivo

SOLIDARIEDADE EM CADEIA Com a participação das associações apoiadas pela Fundação Beto Studart na 1ª Mostra Nacional de Comercialização dos Produtos e Serviços da Economia Solidária (São Paulo, outubro de 2009), evento realizado pela Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS) em parceria com os governos estaduais e federal, o grupo se organizou em rede, surgindo daí a ideia da Associação Teia Solidária. A Teia tem como eixo de ação a descoberta e o desenvolvimento de talentos nas mais diversas formas de expressão, e o entrelaçamento desses para um resultado coletivo que fortaleça a troca de saberes, alimentando um processo de ajuda mútua para a solução de problemas comuns. A Fundação Beto Studart estruturou a Teia no aspecto físico e legal, cuidando do estatuto, ata, registro CNPJ, instalações físicas, mobiliário e capacitação. A Associação usufrui de autonomia em suas decisões, mas recebe assessoria, repasse de recursos e consultorias técnicas. Contribuições importantes, como a da Coelce, permitiram o desenvolvimento de coleções diferenciadas para comercialização, sob a orientação de designers. Entre elas, destaca-se a Coleção Flores da Restinga. Um conselho gestor cuida de todo o processo. Feiras, eventos e confecção de brindes corporativos robustecem o caminho da Teia, que nasceu em 2011, inicialmente como um Projeto da FBS-Programa Fazendo o Bem Sempre, com o apoio Instituto da Primeira Infância (Iprede), que doou tecidos e a assessoria do Instituto de Desenvolvimento Sustentável (INDS).

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GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA

galba sandras

o resultado vai além dA produção.

potencializa os resultados de vendas, a partir da capacitação de pessoas, prospecção de negócios, articulação de parcerias e divisão da produção. Uma divisão que multiplica. Nessa inovadora tabuada produtiva, é preciso pensar coletivo. “Tem mulheres aqui que nunca tinham saído de casa. Agora elas produzem muito. Já foram capacitadas em bordado, em gestão, fizeram vários cursos. Hoje, são novos seres humanos”, acredita Fathynha, coordenadora do Centro de Arte e Cultura Canoa Mulher e presidente da Associação Teia Solidária.

A FORÇA QUE TRANSFORMA Se a produção melhorou com a atuação da Teia (pois é possível aceitar encomendas vultosas), para que as associações não parem de crescer, é preciso firmar a mentalidade de colaboração. Com sede e instalações apropriadas, que incluem salas de costura, de

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reunião, de coordenação e de um almoxarifado, além de hall de entrada com expositores dos produtos, a Teia Solidária tem na Fundação Beto Studart uma força motriz cuja função é dar movimento ao conjunto. O conjunto de associações que forma a Teia recebeu não apenas instalações físicas, mas novas máquinas de costura, material de escritório e mobiliário, além de apoio em questões jurídicas, programas de capacitação e assessoria no planejamento estratégico. “A Fundação apoia técnica e financeiramente quatro dos oito empreendimentos que compõem a Teia, e esporadicamente estende seu apoio a mais dois. Assim, podemos receber designers, ter oficinas e organizar catálogos de produtos”, explica Fátima dos Santos. “Eu vou falar particularmente do Centro de Arte e Cultura Canoa Mulher, que fica em Aracati e tem como objetivo principal a geração de trabalho e renda. É uma associação


A conquista do saber, da independência e da autoestima por parte de mulheres que antes não tinham fonte própria de renda nem perspectivas de trabalho é a maior vitória de todas as associações que compõem a Teia Solidária. Em sua zona de atuação, Fathynha serve como uma alavanca que impulsiona outras talentosas artesãs a quererem algo mais, assim como ela própria, que graças à força de vontade conseguiu se capacitar e repassar o que sabe. O começo, ela recorda, não foi fácil: “No interior você raramente vê uma mulher à frente de alguma coisa. Tem sempre um homem na frente de um bar, de uma mercearia. E quando chega uma pessoa de fora, o pessoal estranha, fica desconfiado, meio receoso... Quando eu cheguei, foi duro até para encontrar um local para ficar. Hoje, todas as pessoas me conhecem e reconhecem o trabalho do Centro de Arte Canoa Mulher”.

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que começou devagarzinho. Trouxemos as mulheres que só viviam da televisão para o fogão, e do fogão para a televisão, mostrando a elas que era possível fazer diferente. Demos capacitação em artesanato e bordado. Hoje elas até já se mantêm com o trabalho. Quando tem algum pedido, elas bordam, produzem e recebem direitinho. É muito gratificante, porque se tornaram pessoas independentes”, conta Fathynha. Filha de uma família modesta, Fátima personifica a mulher batalhadora que acredita na criação de laços para dar sentido à vida. Nascida em Fortaleza, ela foi morar em São Paulo e depois Minas Gerais, mas prometeu que uma dia voltaria para desenvolver um projeto. “Aprendi muito”, diz ela, que retornou após 25 anos. Primeiro para Fortaleza e, em seguida, para Aracati, local em que, desde 2007, lidera o grupo de 30 pessoas que forma o Centro Canoa Mulher.

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Pra ele, educação é a melhor alternativa.

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Ela apóia a geração de renda solidária. Ele incentiva a cidadania através da música.

Ela acredita no esporte para ensinar bons valores. Ela quer um mundo com mais justiça social.

Ela luta para saúde ser um direito de todos. Fundação beto studart | 97


artigo

TECNOLOGIA SOCIAL

NA VIRTUDE DO CONTROLE

O funcionamento das Organizações Não Governamentais (ONGs) brasileiras ainda não parece claro para boa parte da sociedade, especialmente no que se refere às formas de financiamento e especificações estatutárias. A recente aprovação do Marco Regulatório do 3º Setor demonstrou isso.

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No Brasil, as entidades conhecidas como ONGs - Organizações não Governamentais, caracterizadas como sem fins econômicos, são constituídas em dois formatos jurídicos: fundações e associações guardando peculiaridades que perpassam pela instituição, pelo funcionamento e pela fiscalização das atividades e dos investimentos. Esses dois modelos possíveis, conforme o Código Civil brasileiro, podem receber ainda títulos de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); Organização Social (OS), Utilidade Pública (UP), dentre outros. Decidir qual dos dois modelos é o mais adequado no momento de instituir uma ONG depende, dentre outros aspectos, do porte e dos objetivos a que se propõe. “A Fundação é auditada pelo Ministério Público, existe um controle maior em cima dela. Já nas associações, a fiscalização é feita pelos próprios associados e conselheiros”, explica a administradora e especialista em gestão Val-

nísia Paiva Lima, que participou de todo o processo de constituição da Fundação Beto Studart. Segundo ela, o fato do formato jurídico da Fundação exigir o acompanhamento e a auditagem do Ministério Público foi um dos motivos pelo qual o dr. Beto optou por esse modelo. Ele foi enfático: “eu quero Fundação, quero que nosso trabalho seja auditado, que seja reconhecido pela seriedade. Como vamos criar, vamos criar uma Fundação que seja acreditada pela sociedade e pelos órgãos competentes. Não que as outras não sejam sérias, mas essa passa por uma auditoria, é diferente. Ou seja, você está criando, sabendo e querendo que ela seja auditada pelo Ministério Público”. Assim, desde a origem, em 2004, a Fundação Beto Studart trabalha com um grande rigor em suas atividades, mantém uma série de ferramentas de acompanhamento e de controle dos resultados e avalia a prestação de contas das entidades por ela financiadas e o desempenho dos bolsistas.


A porta de entrada para uma entidade ser beneficiada com aporte técnico e financeiro da FBS é o resultado de uma análise apurada da situação dela, que é feita a partir do preenchimento de um formulário. É realizada uma visita, na qual os gestores, colaboradores e beneficiados são ouvidos. Todos os aspectos são observados: a estrutura física, o pessoal, os processos de trabalho, o público atendido. Ou seja, é feito um retrato inicial que servirá de referência para as avaliações de processos e resultados. É evidente que precisa haver um projeto a ser desenvolvido com objetivos definidos, público adscrito, metas e métodos de trabalho afinados. A Fundação trabalha com o atendimento de demanda espontânea, ou seja, não há publicação de editais e prazos. As solicitações são recebidas e avaliadas à luz dos valores e das crenças da Fundação com a utilização de critérios definidos. Segundo Goreti Macêdo, Assistente Social Mestra em Planejamento e Políticas

Públicas, que faz parte da Fundação desde o início como coordenadora de programas e projetos, é importante ressaltar que a Fundação trabalha em coerência com as políticas definidas para todos os campos e segmentos da sociedade. No caso dos direitos da criança e do adolescente, por exemplo, se uma entidade não está agindo de acordo com o estatuto, infringindo o que preconiza a lei, a Fundação não agrega o seu nome aquele projeto. Por exemplo, quando visitamos uma creche, procuramos saber se está sendo aplicado o que define os Parâmetros Curriculares Nacionais no tocante à educação infantil, afirma Goreti. No dia a dia da Fundação e a partir de firmado o contrato de parceria, condição sine qua non, para que a entidade ou o bolsista receba apoio, há a rotina de “prestação de contas” com apresentação de relatórios trimestrais que contemplam dados quantitativos e informações qualitativas construídas com

base em variáveis que respaldam a análise da evolução, estagnação ou involução das atividades do apoiado. Para cada área de atuação da Fundação existe um modelo de relatório. “O resultado da análise dos relatórios, associado às visitas de monitoramento e às reuniões, fornece subsídios para a tomada de decisões dos gestores da Fundação. Entre essas decisões, estão a definição de programas de capacitação, reformas estruturais, doação de equipamentos, materiais, aumento do aporte financeiro, enfim, o que for necessário ser feito para otimizar o atendimento às pessoas assistidas, no caso de organizações, e redirecionar projeto de vida e carreira, no caso dos bolsistas, de forma a contribuir para seu crescimento”, esclarece Goreti.

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projetos

Música, teatro, literatura, cinema, artes plásticas, shows e eventos: a Fundação Beto Studart deixou a sua marca nas mais diversas áreas, impulsionando a produção local. Veja alguns dos projetos que apoiamos:

premiado documentário filipe, de margarita hernández

livro waldemar do ceará e dos alcântadas de claudia albuquerque

prateleira da

fundação

Cds/Dvds • • • • • • • • • • • •

A Sina do Cabra da Peste (Ubiratan Aguiar) A Sanfona do Ceará Para o Mundo (Ítalo & Reno) Chapada do Araripe (Iranildo Pereira) Do Espinho da Flor do Mandacaru (Eudes Fraga) O Forró de Israel Souza (Israel de Souza) Samburá (Cainã Cavalcante) O Tom do Chico (Universidade Federal do Ceará Coral Santa Casa de Misericórdia) Ana Gabriela (Ana Gabriela) No Tempo Certo (Simone Moura) Tente Descobrir (Marimbanda) Paulo José Marcus Café

Revistas • • • • • •

Revista das Qualidades (Nelson L. M. Tavares) Literapia (Sociedade de Médicos Escritores) Revista Harco (Associação Harco) Conexão (ICC) - Hospital Haroldo Juaçaba Fato Médico Innovare

Livros

• A Verdadeira Beleza (Vanessa Lima Vidal) • Mantenham as Lâmpadas Acesas (D. Aloisio Lorscheider) • Viagens Além do Olhar (Ana D´Áurea Chaves)

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• • • • • • • • • • • • • •

Clínica Médica (Academia Cearense de Medicina) Não Sei Direito (Alana Alencar) As Grandes Mártires do Cristianismo (José Jeová ) Antologia do Ciclo de Conferências Panorama Literário (Academia Cearense de Letras) Almanaque 50Tões (Tânia Maria Gurgel do Amaral) O Despertar do Equilíbrio (Renata Passos) Fragmentos de uma Vida (Goreti Macêdo) Na América de Outros Idiomas: a Propósito de Algumas Viagens (Eduilton Girão) Fotografia e Sensibilidade (Walbaneide Luna) I Antologia de Poesias Estudantil (Grupo Chocalho) Estado de Sítio (Alexandre Lima Sousa) Incentivos Fiscais para as Áreas Sociais e Culturais – Manual de Uso (Eduardo Szazi) A Rainha de Salém (Valdir Muniz) A Academia Cearense de Letras e o Palácio da Luz (José Murilo Martins e Regina Pamplona Fiúza)

Cinema

• 18º Cine Ceará • 7º Noia – Festival Brasileiro de Cinema e Música Universitária • Felipe Documentário Cinegrafista Margarita Hernadéz


livro criar, empreender e amar iris sampaio

CD samburá de cainã cavalcante

livro na américa de outros idiomas: a propósito de algumas viagens de josé eduilton girão

Eventos

• II Ciclo Internacional de Diálogos Antroplogia Universidade Federal do Ceará • Bioética em Defesa da Vida - Rede Missão • Queremos Deus • Caminhada com Maria • 4º Tocafort • Natal de Todas as Cores - Guaiúba - CE • I e II Caminhada pela Paz - Maracanaú - CE • VII Congresso da Rede Feminina de Combate ao Câncer • Comenda Maria da Penha - Encontro Comemorativo do 1º Ano da Lei Maria da Penha – Associação dos Parentes e Amigos das Vítimas de Violência • Xiv Torneio Nacional de Ginástica Rítmica - Confederação Brasileira de Ginástica Rítmica • Iv Mostra da Canção Petrúcio Maia - Marcos Caffé • Concerto da Capela - Associação dos ex-Alunos do Colégio Imaculada Conceição • Em Busca de Novos Amigos - Movimento Emaus Amor e Justiça • Xangai em Cantoria - Centro de Educação Arte e Cultura - Guaiúba - CE • Mostra Brasileira de Música Antiga – Instituto Actus Araripe - CE • I Mostra de Cultura Popular do Norte e Nordeste – Iv Festival Foclórico - Centro de Educação Arte e Cultura - Guaiúba - CE • Halleluya - Comunidade Católica Shalom • Kairós Tempo de Graça • II Congresso Mundial Pela Paz • Misericórdia Brasil - Instituto Hesed (2011/2012/2013) • IX Congresso Catholic Fraternity Communities Comunidade Face de Cristo • VII Caminhada Rumo à Coluna de Lourdes - Paróquia N. Sra. de Lourdes • VII Congresso Brasileiro de Autismo - Casa da Esperança • Feira da Ciência, Cultura, Tecnologia e Inovação do Estado do Ceará - Uece • 2º Raid Equestre de Regularidade do Sertão Associação Cearense de Cavaleiros de Enduro • 21º Fórum Nacional de Cidadania Empresarial - Cdl • Iv Encontro Estadual dos Profissionais do Meio Ambiente Escola Técnica de Maracanaú - CE • Grande Concerto de Natal - Leda Maria • Festival Internacional Violoncelos em Folia • Prêmio Gandhi de Comunicação - Agência da Boa Notícia • VI Fórum de Deficiência e Acessibilidade

Teatro

• Um Sonho de Maria - Fundação Imaculada Conceição • Paixão de Cristo - Pacatuba • Festival Recado de Teatro Católico - Comunidade Recado • Iluzão - Cia de Dança Experimentvs • Outros Rumos - Grupo Raízes do Teatro Maracanaú - CE • Gonzagas - Coral da UFC (todas as edições) • Urbes Favela - Edisca • O Mundo Encantado das Boroboletas - Cia de Dança Sobre Rodas • Romeu e Julieta - Fundação Social Raimundo Fagner • Invenção - Associação Canoa Criança

Artes Plásticas • • • •

Exposição Esboço e Citações - Vando Figueiredo A Morte da Pintura - Olga Mota Paralelo Vertical - Fotógrafos Cearenses Maternidade Arte Conteporânea - Efigênia Coelho

Geração de Trabalho e RendA

• II Feira Solidária Banco Paju - Associação dos Moradores da Área Verde de Pajuçara - Maracanaú • Feira do Empreendedor - Sebrae - CE • Empreender - Sebrae CE/ Jornal O Povo (todas as edições)

Shows

• Show Beneficente Raimundo Fagner - Instituto de Apoio aos Queimados • Show Beneficente Waldonys - Instituto de Apoio aos Queimados • Musical Streetlight Luzes da Cidade - Gen Rosso

Programa de Tv

• Semeando - Associação Cristã, Cultural e Social • História da Música - Ulysses Gaspar

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projetos

PARCERIAS QUE DÃO FRUTOS 1.

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7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

Associação Cearense de Profissionais Atuantes em Doenças Genéticas, Pacientes, Familiares e Voluntários (ACDG). Agência da Boa Notícia. Associação Beneficente São João Eudes – O Caminho. Associação Serviço Voluntário aos Irmãos de Rua. Associação das Irmãs Missionárias Capuchinhas. Associação Comunitária e Beneficente Nossa Senhora de Fátima. Associação Beneficente do Alto Alegre. Associação Herbert de Souza. Associação Nossa Senhora Rainha da Paz. Refeitório São Vicente de Paulo. Fundação Terra. Instituição Vida e Luz. Obras Sociais do Círculo de Renovação Espiritual – Lar Francisco de Assis.

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14. Associação Lar Irmã Joana. 15. Associação Madre Paulina. 16. União dos Moradores do Conjunto João Paulo II Creche São Judas Tadeu. 17. Academia Cearense de Letras. 18. Associação Cultural Vereador Francisco Walter Pontes. 19. Associação Cultural Canoa Criança. 20. Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. 21. Associação de Amigos do Coral da UFC – ACUFC. 22. Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente - Edisca. 23. Associação Elos da Vida. 24. Centro Educacional da Juventude Padre João Piamarta. 25. Associação Esportiva Tiradentes. 26. Projeto Faça do Deficiente Um Atleta – Centro Paradesportivo Edivaldo Prado.

27. Federação Cearense de Patinagem – Projeto Esperança Sobre Rodas. 28. Associação Beneficente dos Subtenentes e Sargentos Pm/ Bm do Estado do Ceará - ABSS. 29. Associação Beneficente As Crianças de Antônio Bezerra – Creche Anísia Távora. 30. Associação Criança e Cidadania - Creche Letícia. 31. Solidariedade, Operosidade, Liberdade (SOL). 32. Associação Primeira Chance. 33. Associação Teia Solidária. 34. Centro de Arte e Cultura Canoa Mulher. 35. Associação Cristã, Cultural e Social – Caminhada Com Maria. 36. Condomínio Espiritual Uirapuru (Ceu). 37. Movimento da Renovação Carismática Católica Arquidioce de Fortaleza - RCC “Queremos Deus”.

38. Associação Centro Católico de Evangelização Shalom – Halelluya. 39. Mosteiro da Visitação de Nossa Senhora. 40. Mitra Arquidiocese de Fortaleza – Paróquia de Nossa Senhora de Lourdes. 41. Academia Cearense de Medicina (ACM). 42. Instituto de Apoio ao Queimado - IAQ. 43. Irmandade Beneficente da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza - Clínica Ginecológica. 44. Grupo de Educação e Estudos Oncologicos – Geen. 45. Instituto Semear 46. Associação Recanto do Sagrado Coração - Projeto Novos Céus e Novas Terras. 47. Associação Teia Solidária.


Há quem diga que o talento cria as suas próprias oportunidades, mas todos reconhecem, também, o quanto as oportunidades dependem do incentivo para o talento aparecer. O apoio certo no momento ideal pode mudar vidas, transformar pessoas e reescrever o futuro, criando laços, beleza e esperança onde antes havia dificuldade, indiferença e omissão. É essa certeza que move a Fundação Beto Studart em uma década de trabalho e partilha. Com imensa alegria, saudamos todos os que caminham conosco nessa busca solidária por oportunidades de florescimento.

Bolsistas atuaiS ÁREA CULTURAL Pedro de Vasconcelos Barreto Heber Stalin Maciel Melo Larah Nóbrega de Araújo Giovana Lamboglia Paulo Ferreira Costa Cainã Veras Cavalcante Felipe Nogueira Costa Cássio Braga da Costa ÁREA DESPORTIVA Ewerton dos Santos Ferreira Francisco Ivan Anastácio José Sérgio de Lima Rodrigo Marinho Proença Pedro Ivens Gonçalves Maia Thiago Moura Monteiro Letícia Mayara Moura Monteiro James Auricélio Silva de Oliveira Raul Stoppelli de Oliveira Washington da Silva Ribeiro Pedro Henrique Rodrigues da Silva Elígio Brendo Ferreira Teleciro Felipe Vieira Mendes

ÁREA EDUCACIONAL Paulo Renato Macêdo de Andrade Antonia Helena Sampaio de Oliveira Furtado Luana Rodrigues Mourão Leticia Nogueira Albuquerque Francisco Danilo Rocha Gelson Nogueira dos Santos Maria Hildiane Chagas Soares Luiza Nogueira de Albuquerque Dyego Terceiro Sá Sandro Marcelo Braga Marx Júnior Luis Cesar Araujo Lima Haddad Filho Clarisse Maria Cabral Júlia Bezerra dos Santos Maria Camila da Silva Ferreira Hugo Rafael Rebouças Haddad Lucas Rebouças Haddad Anna Luiza Silva Haddad Sterfferson Maycon de Oliveira Morais Mickaelly Mendes Machado Maria Auxiliadora Cavalcante Ventura Luiz Eduardo Ferreira Paiva Júnior Ronald Pereira Rodrigues Carlos Junior de Souza Batista Maria Auxiliadora Cavalcante Ventura David Ivo dos Santos Oliveira José Valdemir Cordeiro Gonçalves Junior Marcelo Feitosa da Silva Vitor de Aquino Sousa Rafhael Holanda Marcelo Davi César Viana Pontes Ximenes Rodolfo Bluhm

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FUNDAÇÃO BETO STUDART EM CORDEL UMA FELIZ CAMINHADA Em janeiro dia treze Do ano dois mil e quatro Nascia sob aplausos A Fundação Beto Studart Com a heróica missão De igualar o cidadão

Do belo Maracanaú Veio para Fortaleza No ano dois mil e oito Tudo estava pronto então E já choviam projetos Cada dia uma adesão

Estava pronto o estatuto A vinte e cinco de março Do ano dois mil e quatro Chega a oficialização E a cinco de novembro Vem a inauguração

E aos poucos foram chegando Pessoas e mais pessoas Projetos e mais projetos Ideias se aglomerando E aí já era grande a equipe trabalhando Os bolsistas já são muitos E crescendo como artistas Saem na divulgação Mostrando pra todo mundo Que ritmo e melodia Faz da vida uma canção

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São muitas também as obras De caráter social Social também é arte Pois insere o cidadão Num mundo digno e fraterno Dando voz e opção

Nessa feliz caminhada Feita com amor e paixão Muitos são os contemplados Impossível enumerar Mas nos resta a certeza Igual trabalho não há!

A Fundação Beto Studart Promove o crescer humano Desenvolvendo talentos Com base no bem-estar Fé no homem – ator da vida Que mudança merecida!

(As estrofes acima fazem parte de um cordel de autoria de Mirian Carlos, em homenagem à Fundação Beto Studart)

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