Microbiota Gastrintestinal - Evidências de sua Influência na Saúde e na Doença, 2ª edição

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2a edição

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2a edição

Organizadoras

Alessandra Barbosa Ferreira Machado Ana Paula Boroni Moreira Damiana Diniz Rosa Maria do Carmo Gouveia Peluzio Tatiana Fiche Salles Teixeira

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Microbiota Gastrintestinal – Evidências de sua Influência na Saúde e na Doença, 2a ed. Copyright © 2021 Editora Rubio Ltda. ISBN 978-85-8411-134-3 Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução desta obra, no todo ou em parte, sem autorização por escrito da Editora. Produção Equipe Rubio Capa Bruno Sales Editoração Eletrônica Edel Imagem de capa iStock.com/Marcin Klapczynski

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A634 2. ed. Microbiota gastrintestinal: evidências de sua influência na saúde e na doença/organização: Alessandra Barbosa Ferreira Machado/Ana Paula Boroni Moreira/Damiana Diniz Rosa/Maria do Carmo Gouveia Peluzio/Tatiana Fiche Salles Teixeira. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Rubio, 2021. 464 p.; 24cm Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-8411-134-3 1. Gastrenterologia. 2. Fígado – Doenças. 3. Aparelho digestório – Doença. I. Alessandra Barbosa Ferreira. 14-15941

CDD: 618.9233 CDU: 616.33/34-053.2

Editora Rubio Ltda. Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo 20021-120 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: 55(21) 2262-3779 E-mail: rubio@rubio.com.br www.rubio.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Organizadoras

Alessandra Barbosa Ferreira Machado Professora Adjunta do Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG. Pós-doutora em Microbiologia pela UFJF. Pós-doutora em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutora em Microbiologia Agrícola pela UFV. Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Ana Paula Boroni Moreira Professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG. Doutora em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Especialista em Nutrição Clínica pelo Grupo de Apoio de Nutrição Enteral e Parenteral (Ganep) – Nutrição Humana, SP. Nutricionista pela UFV.

Damiana Diniz Rosa Pós-doutora em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Pós-doutora em Agricultural and Biological Engineering pela University of Illinois, Urbana-Champaign. Doutora em Ciência da Nutrição pela UFV. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Maria do Carmo Gouveia Peluzio Professora Titular do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Pós-doutora pela Universidade de Navarra, Espanha. Doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Agroquímica pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Tatiana Fiche Salles Teixeira Doutora em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Especialista em Nutrição Clínica Funcional pela Universidade Cruzeiro do Sul (Unicsul) – Valéria Paschoal (VP), RJ. Nutricionista pela UFV.

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Colaboradores

Aline Dias Paiva Professora Adjunta do Departamento de Parasito­ logia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), MG. Pós-doutora em Microbiologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutora em Microbiologia Agrícola pela UFV/Utre­ cht University (Holanda). Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV.

Mestre e Doutor em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduado em Ciências Biológicas pela UFMG, MG.

Ângela Aparecida Barra Membro do Corpo Clínico da Santa Casa de Miseri­ córdia de Juiz de Fora, MG. Professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG.

Nutricionista pela UFV.

Doutora em Cirurgia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ana Carolina Morais Apolônio

Mestre em Cirurgia pela UFMG.

Professora Adjunta do Departamento de Parasito­ logia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG.

Graduada em Medicina pela UFJF.

Mestre e Doutora em Microbiologia pela Universi­ dade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Coordenadora do Subcomitê de Higiene e Segu­ rança (HS) do Comitê Brasileiro (CB) da Fé­dération Inter­na­cio­nale du Lait (FIL)/International Dairy Fe­ dera­tion (IDF).

Cirurgiã-Dentista pela UFMG.

Ana Paula do Carmo Professora Adjunta do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), campus Vila Velha, ES. Pós-doutora em Virologia Básica e Aplicada pela Uni­versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-doutora em Biotecnologia de Leveduras pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), MG. Doutora em Microbiologia Agrícola pela Universi­ dade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV. Graduada em Ciência e Tecnologia de Laticínios pela UFV.

Anderson Assunção Andrade Professor-associado do Departamento de Parasito­ logia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), MG.

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Célia Lúcia de Luces Fortes Ferreira

Professora Titular da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Pós-doutora em Microbiologia de Anaeróbios, com ênfase em Clostridium difficile, no Food Research Institute pela University of Wisconsin-Madison, Ma­ dison. Pós-doutora em Avaliações Clínicas na área de probióticos/Functional Foods Forum pela Universidade de Turku, Finlândia. Especialista Consultora na formação de base para terminologia em alimentos funcionais, prebióticos, probióticos, simbióticos e alegações de saúde. Especialista em Biotecnologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Cambridge, EUA. Doutora em Food Science pela Oklahoma State University, EUA.

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Mestre em Food Science pela University of Wiscon­ sin-Madison, EUA. Bacharelado e Licenciatura em Ciências Domésticas pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG.

Claudia de Mello Ribeiro Doutora em Medicina Veterinária na área de Saúde Animal, Saúde Pública Veterinária e Segurança Alimentar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), SP. Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Paraíba (Univap), SP. Especialista em Biologia Molecular pela Universidade de Taubaté (Unitau), SP. Veterinária pela Unesp.

David Henrique Rodrigues

Flávia Xavier Valente Doutor em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Especialista em Nutrição Clínica pelo Grupo de Apoio de Nutrição Enteral e Parenteral (Ganep) – Nutrição Humana, SP. Nutricionista pela UFV.

Francis Moreira Borges Professora Adjunta do Departamento de Parasito­ logia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG. Doutora em Saúde pela UFJF. Mestre em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Professor Adjunto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG.

Farmacêutica e Bioquímica pela UFJF.

Pós-doutorado em andamento em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Professor-associado do Departamento de Microbio­ logia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG.

Doutor em Biologia Celular pela UFMG.

Hilário Cuquetto Mantovani

Mestre em Biologia Celular pela UFMG.

Pós-doutor pela University of Wisconsin-Madison, EUA.

Graduado em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG.

Doutor em Microbiologia pela Cornell University, EUA.

Éder Galinari Ferreira

Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV.

Professor Adjunto em Microbiologia e Imunologia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).

Engenheiro Agrônomo pela UFV.

Doutor em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFV. Licenciatura em Ciências Biológicas pelo Centro Uni­versitário do Leste de Minas Gerais (UnilesteMG).

Fernanda de Souza Freitas Especialista em Pesquisa e Projetos no Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Pós-doutor em Microbiologia Agrícola pela UFV.

Hudsara Aparecida de Almeida Paula Professora Adjunta da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Alfenas, MG. Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Joice de Fátima Laureano Martins Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Doutor em Microbiologia Agrícola pela UFV.

Julliane Dutra Medeiros

Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV.

Doutora em Genética pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Bacharelado em Bioquímica pela UFV.

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Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade

Professor Visitante (apoio da Coordenação de

Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG.

Aper­ feiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

Graduada em Ciências Biológicas pela UFJF.

Capes) no Departamento de Nutrição e Saúde da

Leandro Licursi de Oliveira Professor-associado do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutor em Imunologia Básica e Aplicada pela Uni­ versidade de São Paulo (USP).

Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Turku, Finlândia. Mestre em Biologia pela University of Sciences, Poz­ na  ń, Polônia.

Mestre em Imunologia Básica e Aplicada pela USP.

Manoela Maciel dos Santos Dias

Farmacêutico e Bioquímico pela Faculdade de Ciên­

Professora dos Cursos de Nutrição e Engenharia

cias Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP).

Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia de

Lisiane Lopes da Conceição Doutora em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Lívia Tavares Colombo Doutora em Microbiologia Agrícola pela Univer­ sidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV. Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Luciana Rodrigues da Cunha Professora Adjunta I da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), MG. Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG e na North Carolina State University, EUA. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFV. Graduada em Engenharia de Alimentos pela UFV.

Luís Fernando de Sousa Moraes Doutor em Ciência da Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Nutricionista pela UFV.

Viçosa (Univiçosa/Faviçosa), MG. Mestre e Doutora em Ciência e Tecnologia de Ali­ mentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Engenheira de Alimentos pela UFV.

Marcelo Nagem Valério de Oliveira Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), campus Governador Valadares, MG. Doutor em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV. Biólogo pela UFV.

Márcia de Carvalho Vilela Professora Adjunta do Departamento de Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutora em Infectologia e Medicina Tropical pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Patologia pela UFMG. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), MG.

Márcio Tavares Rodrigues (in memoriam) Professor-associado III do Departamento de Parasi­ tologia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG. Doutor em Saúde pela UFJF.

Łukasz Marcin Grześkowiak

Mestre em Microbiologia pela Universidade Federal

Cientista pesquisador da Freie Universität Berlin,

de Minas Gerais (UFMG).

Alemanha.

Graduado em Medicina pela UFJF.

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Marcos Rodrigo de Oliveira

Sérgio Oliveira de Paula

Professor da Pós-graduação em Farmácia Clínica na Univiçosa, MG.

Professor-associado do Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG.

Farmacêutico-Bioquímico da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutor em Bioquímica Aplicada pela UFV.

Doutor em Imunologia Básica e Aplicada – Bioa­ gentes Patogênicos pela Faculdade de Medi­cina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP/ USP).

Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), MG.

Mestre em Imunologia Básica e Aplicada – Bioa­ gentes Patogênicos pela FMRP/USP.

Especialista em Citologia Clínica pela UFOP.

Veterinário pela UFV.

Ex-coordenador do Curso de Farmácia da Univiçosa.

Farmacêutico pela UFOP.

Monise Viana Abranches Professora do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), campus Rio Parnaíba, MG. Doutora em Biologia Celular e Estrutural pela UFV. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV.

Tatiana do Nascimento Campos Nutricionista do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Mestre em Ciência da Nutrição pela UFV. Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Gama Filho (UGF), RJ.

Nutricionista pela UFV.

Nutricionista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Natalia Filardi Tafuri

Vanessa Cordeiro Dias

Professora do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM), MG.

Professora Adjunta do Departamento de Parasito­ logia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), MG.

Mestre em Bioquímica Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Habilitação em Análises Clínicas pela UNIPAM. Farmacêutica pela UNIPAM.

Rita de Cássia Gonçalves Alfenas Professora-associada da Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Doutora em Nutrição pela Purdue University, EUA. Mestre em Microbiologia Agrícola pela UFV. Nutricionista pela UFV.

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Mestre e Doutora em Ciências Biológicas pela UFJF. Farmacêutica e Bioquímica pela UFJF.

Victor Satler Pylro Professor Adjunto do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA), MG. Mestre e Doutor em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), MG. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), MG.

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Dedicatória

Dedicamos este livro a todos os estudantes e profissionais das áreas da saúde e afins que desejam ter um ponto de partida, seja em pesquisas científicas ou na prática clínica. Ainda estamos enxergando apenas a ponta do iceberg. As Organizadoras

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Agradecimentos

Agradecemos ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Nutrição da Universidade Federal de Viçosa por direta ou indiretamente permitir e incentivar a dedicação de parte do nosso tempo a esta obra. Aos órgãos de fomento Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por financiarem projetos e proverem bolsas de estudo para a formação de recursos humanos nessa área do conhecimento. Aos colaboradores, pela dedicação e por apostarem na nossa proposta. Aos nossos familiares, pelo apoio incondicional. Ao trabalho em equipe, que é uma maneira maravilhosa de apresentar um conteúdo de modo democrático. As Organizadoras

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Apresentação

O médico pediatra Theodor Escherich (1857-1911) foi um dos pioneiros a introduzir o conceito de que os microrganismos intestinais interagem uns com os outros e podem interferir nas propriedades do hospedeiro e até causar-lhe doenças. Tal visão perdura até os tempos atuais e a evolução das técnicas moleculares tem inspirado diversos grupos de pesquisadores a investigar e caracterizar a microbiota gastrintestinal. A conclusão do sequenciamento do genoma humano foi um marco para a era “ômica” nas diversas áreas relacionadas com a saúde. Em 2001, David Relman & Stanley Falkow* alertaram para a necessidade de se desenvolver um segundo projeto genoma humano: O corpo humano é hospedeiro para uma diversidade de microrganismos. Ainda somos, de certa forma, ignorantes quanto à composição e variabilidade da microbiota endógena. Muitos destes microrganismos dependem dos seres humanos para sua sobrevivência, e ainda desconhecemos qual a dependência da vida humana em relação à microbiota. No espírito do recente projeto “Genoma Humano” e com a esperança de capturar a imaginação da comunidade científica, é tempo de embarcarmos na compreensão do amplo inventário genômico representado por grande proporção de vida celular do corpo humano – a microbiota endógena –, a qual tem sido ignorada até então. Um grande estudo de sequenciamento genômico dos quatro principais nichos microbianos do corpo humano – a boca, o trato intestinal, a vagina e a pele – ajudaria a preencher as *Relman DA, Stanley F. The meaning and impact of the human genome sequence for microbiology. Trends in Microbiology. 2001; 9(5):206-8.

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lacunas importantes na compreensão da evolução humana,

desenvolvimento,

função

imune

e

doenças. Não é necessário nenhum salto de fé para reconhecer que esse inventário também contribui substancialmente para o âmbito da conhecida diversidade funcional da biosfera. O bioma humano é tanto uma fronteira inexplorada quanto uma coleção de vidas, encontradas também em fontes hidrotermais no fundo do mar, senão mais.

Desse modo, surgiu o projeto “Microbioma Humano”, por iniciativa do National Institute of Health (NIH), nos EUA, como uma extensão do projeto “Genoma Humano”. Iniciado em 2007, tem como um dos objetivos aprofundar a caracterização da microbiota ou do microbioma, com vistas a construir conhecimentos para melhorar a saúde humana a partir do monitoramento ou da manipulação do microbioma humano. O ser humano, nesse contexto, passa a ser visto como um superorganismo, ou seja, um conjunto de células microbianas e humanas, no qual o arcabouço genético deste agrega os genes do genoma microbiano. Essa interação reflete-se nos aspectos metabólicos humanos, como resultado da interação da expressão gênica do genoma humano e do microbioma. O trato gastrintestinal apresenta-se como o laboratório natural para estudo da microevolução em humanos, em razão da disponibilidade de ferramentas experimentais e computacionais que possibilitam o conhecimento da diversidade da microbiota intestinal. Uma importante visão advinda da revolução da ecologia molecular foi que a composição da microbiota é específica de cada indivíduo e dominada por filotipos ainda não totalmente caracterizados. As análises metagenômicas revelaram

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que a diversidade da microbiota gastrintestinal foi subestimada pelos estudos que utilizaram técnicas dependentes de cultivo. O metagenoma intestinal humano criou um catálogo que contém virtualmente milhares de genes microbianos prevalecentes e ofereceu uma ampla visão de funções importantes para a vida bacteriana no intestino. Além disso, mostrou a complementaridade entre o metagenoma intestinal e o genoma humano e indicou que muitas espécies bacterianas são, de fato, compartilhadas por diferentes indivíduos. As relações entre a microbiota intestinal e o hospedeiro são diversas e complexas e a elucidação de como a interação das diferentes espécies contribui para a saúde humana permanece um desafio para a ciência. A principal dificuldade é a de correlacionar o status de saúde do hospedeiro com a presença ou a ausência de certas espécies bacterianas. A análise metagenômica de comunidades complexas oferece uma oportunidade para examinar como ecossistemas respondem a perturbações ambientais e, no caso dos humanos, como o ecossistema microbiano contribui para a saúde e a doença. A obra que aqui apresentamos está organizada em 16 capítulos. O Capítulo 1 aborda a origem da vida, a sua árvore evolutiva, o conceito de espécie microbiana, as diversas interações dos microrganismos no trato gastrintestinal e o conceito de biologia de sistemas. O Capítulo 2 trata do projeto “Microbioma Hu­ mano”, abrangendo a importância da amostragem e a evolução das técnicas utilizadas no estudo da microbiota gastrintestinal humana. O Capítulo 3 discorre sobre os principais modelos in vivo e in vitro desenvolvidos para o estudo da microbiota, os quais podem ser empregados por aqueles que planejam avançar nesse campo da pesquisa. O Capítulo 4 é resultado da junção dos Capítulos 4 e 6 da primeira edição. Descreve os principais substratos da dieta humana que podem ser utilizados pelas bactérias intestinais e como os produtos da atividade metabólica da microbiota intestinal podem influenciar o metabolismo e a fisiologia do hospedeiro, debatendo brevemente a disbiose intestinal.

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O Capítulo 5 discute o conceito de redundância funcional e aborda a composição de microrganismos ao longo do trato gastrintestinal e os fatores que influenciam essa composição ao longo da vida. O Capítulo 6 é uma novidade desta segunda edição, abordando a micobiota, ou seja, os fungos pertencentes à microbiota do trato gastrintestinal nos processos de saúde e doença. O Capítulo 7 aborda como a microbiota intestinal pode influenciar o desenvolvimento do sistema imunológico e como ele, por sua vez, regula a colonização de microrganismos intestinais. O Capítulo 8 apresenta a estrutura química do lipopolissacarídeo e descreve seus efeitos biológicos e os métodos de detecção do composto. O Capítulo 9 discute a relação entre a microbiota e a biotransformação de fármacos e compostos bioativos. O Capítulo 10 aborda a influência da microbiota nas doenças intestinais. O Capítulo 11 apresenta as evidências da participação de microrganismos provenientes da microbiota oral ou intestinal no aumento do risco cardiovascular. O Capítulo 12 discute os principais destaques apontados pela comunidade científica em relação à participação da microbiota intestinal na obesidade e no diabetes melito tipo 2. O Capítulo 13 descreve alguns mecanismos que são propostos para explicar a influência indireta ou mesmo direta da microbiota intestinal sobre o sistema nervoso central e o comportamento. O Capítulo 14 aborda o uso dos probióticos como adjuvante para os indivíduos imunodeprimidos. O Capítulo 15 aborda o potencial de uso de probióticos no tratamento e/ou na prevenção das doenças crônicas. Por fim, o Capítulo 16 trata dos aspectos gerais das principais etapas do processo produtivo de probióticos e das alegações de propriedade funcional. Esperamos que o leitor amplie sua visão a respeito dos microrganismos, especialmente no que se refere às complexas relações entre eles e o hospedeiro. Uma excelente leitura! As Organizadoras

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Prefácio

Por muito tempo acreditou-se que o ser humano era um organismo isolado, autônomo. A associação de homem e microrganismos era vista como uma desvantagem para o hospedeiro; e os microrganismos (bactéria ou fungo) eram inimigos a serem combatidos. Mesmo após a descoberta das interações entre os diversos microrganismos entre si e a constatação de que temos mais microrganismos do que nossas próprias células em nosso corpo, o universo das interações entre homem e microbioma ainda não tinha se consolidado. Aos poucos estamos entendendo a estreita associação, vantagens e desvantagens para o hospedeiro de uma microbiota estável e saudável. Em paralelo, o estudo das relações de causa e efeito entre desordens específicas e o microbioma tem se tornado cada vez mais frequente, assim como seu o papel na biotransformação de fármacos e compostos bioativos. A partir daí, manipulação da microbiota como uma estratégia terapêutica tornou-se bastante atraente; e muitos esforços estão agora voltados nessa direção. Hoje sabemos que não há órgão do organismo humano que não possa sofrer a influência do nosso microbioma. Dessa forma, é necessário que todo profissional da área de saúde conheça e compreenda a rede de interações entre o homem e sua microbiota. Nesse sentido a obra Microbiota Gastrintestinal – Evidências de sua Influência na Saúde e na Doença, 2a edição, vem, de forma elegante, clara e atual, nos oferecer uma sequência de excelentes capítulos, conduzindo o leitor em uma jornada de conhecimento, que começa com a organização do trato gastrintestinal e o microbioma humano. A seguir, os autores incluem um outro importante elemento,

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a relação entre hospedeiro, microbiota e dieta, apontando as consequências favoráveis e desfavoráveis dessa complexa interação. A importância da microbiota não só nas desordens intestinais, mas também em doenças cardiovasculares, metabólicas e neurológicas/comportamentais é brilhantemente demonstrada nos capítulo que se seguem. Por fim, a obra culmina nos aspectos práticos e clínicos da produção e utilização de probióticos na prática clínica e para a manutenção de uma vida saudável. O sucesso da obra, já na sua segunda edição, se dá pela competência e pelo comprometimento das autoras. Atuando em campos que se complementam – Nutrição, Microbiologia e Biologia Geral –, as autoras e os colaboradores nos revelam as mais recentes descobertas na área da microbiota intestinal e suas interações. Essa junção faz da obra uma fonte confiável e abrangente do estado da arte, escrita por professores e profissionais comprometidos com o ensino e a pesquisa. Tenho certeza que o leitor encontrará neste livro uma leitura instigante, direcionada para estudantes e profissionais envolvidos na área da saúde, mas também recomendada para aqueles que querem ampliar sua visão em tema tão emergente e dinâmico. Jaqueline Isaura Alvarez Leite Médica, Nutróloga. Doutora em Bioquímica e Imunologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professora Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG. Chefe do Laboratório de Aterosclerose e Bioquímica Nutricional (LABIN/UFMG). Coordenadora da Equipe de Terapia Nutricional na Obesidade Extrema (ETNO/UFMG).

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Abreviaturas

5-ASA

ácido 5-aminossalicílico

ATP

trifosfato de adenosina (do inglês, adenosine triphosphate)

5-HT

5-hidroxitriptamina

5-HTP

5-hidroxitriptofano

AZT

zidovudina

AAS

ácido acetilsalicílico

BAL

bactérias ácido-láticas

AB

ácidos biliares

BDNF

acetil-CoA

acetilcoenzima A

ACSC

anticorpos contra Saccharomyces cerevisiae

fator neurotrófico derivado do cérebro (do inglês, brain-derived neurotrophic factor)

BFS

AGCC

ácidos graxos de cadeia curta

bactérias filamentosas segmentadas

AIDS

síndrome da imunodeficiência adquirida (do inglês, acquired immune deficiency syndrome)

BMP

Brazilian Microbiome Project

CD

células dendríticas

CE

células enterocromafins

receptores tipo ausente em melanoma 2

CEH

células esteladas hepáticas

CEI

células epiteliais intestinais

AMP

monofosfato de adenosina (do inglês, adenosine monophosphate)

CESH

células endoteliais sinusoidais hepáticas

AMPK

proteína cinase ativada por monofosfato de adenosina (do inglês, AMP-activated protein kinase)

CETP

proteína de transferência de éster de colesterol (do inglês, cholesteryl ester transfer protein)

Anvisa

Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CF

citometria de fluxo

CG

células globet

AOAH

acil oxiacil hidrolase (do inglês, acyloxyacyl hydrolase)

CgA

cromogranina A

CH4

metano

AP-1

proteína ativadora 1 (do inglês, activator protein 1)

ChREBP

APC

células apresentadoras de antígenos (do inglês, antigen presenting cells)

proteína de ligação ao elemento em resposta a carboidrato (do inglês, carbohydrate response element-binding protein)

CLI

células linfoides inatas

apoA-I

apoproteína A-I

CO

monóxido de carbono

ASF

flora Schaedler alterada (do inglês, altered Schaedler flora)

CO2

dióxido de carbono

COX

ciclo-oxigenase

AIM-2

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CPT1

carnitina palmitoil transferase 1

ETC

excreção transintestinal de colesterol

CST

catestatina

CTCAF

Comissão de Assessoramento Técnico-Científico em Alimentos Funcionais e novos Alimentos

EU

unidade de endotoxinas

FAI

fosfatase alcalina intestinal

FcRn

receptor Fc neonatal

CTEI

células-tronco epiteliais intestinais

FDA

Food and Drug Administration

CTSL

cisteína protease catepsina L

FeS

sulfeto de ferro

DA

doença de Alzheimer

FHC

DAC

doença arterial coronariana

alimentos com alegações de saúde (do inglês, food with health claims)

DAMP

padrões moleculares associados a estresse endógeno (do inglês, dangerous associated molecular patterns)

FISH

hibridização fluorescente in situ (do inglês, fluorescence in situ hybridization)

FMLP

DC

doença celíaca

fagócitos mononucleares da lâmina própria

DCO

ácido desoxicólico

FMO

flavinas mono-oxigenases

DCV

doenças cardiovasculares

FNFC

DECH

doença do enxerto contra o hospedeiro

alimentos com alegações de função de nutrientes (do inglês, foods with nutrient function claims)

DHGNA

doença hepática gordurosa não alcoólica

FOS

fruto-oligossacarídeos

FOSDU

alimentos para uso dietético especial (do inglês, food for special dietary uses)

FOSHU

alimentos para uso específico em saúde (do inglês, foods for specified health uses)

FXR

receptor nuclear farnesoide X (do inglês, farnesoid X receptor)

GABA

ácido gama-aminobutírico (do inglês, gamma-aminobutyric acid)

GALT

tecido linfoide associado ao intestino (do inglês, gut-associated lymphoid tissue)

DII

doença inflamatória intestinal

DLG

dieta livre de glúten

DM2

diabetes melito tipo 2

D-MALT

tecido linfoide associado à mucosa difuso (do inglês, diffuse mucosaassociated lymphatic tyssue)

DMB

3,3-dimetil-1-butanol

DNA

ácido desoxirribonucleico

DNAr

DNA ribossômico

DSS

dextrana sulfato de sódio

ECAI

Escherichia coli aderente e invasiva

eCB

endocanabinoide

GF

germ-free

EFSA

Agência de Segurança Alimentar Europeia (do inglês, European Food Safety Agency)

GFP

proteína fluorescente verde (do inglês, green fluorescent protein)

GGALI

Gerência Geral de Alimentos

EHNA

esteato-hepatite não alcoólica

GlcNAc

N-acetilglicosamina

EMP

Earth Microbiome Project

GLP-1

ERK1/2

cinases 1 e 2 reguladas por sinal extracelular

peptídio 1 semelhante ao glucagon (do inglês, glucagon like peptide-1)

ERO

espécies reativas de oxigênio

GNI

gliconeogênese intestinal

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GPCR

receptores acoplados à proteína G

GPI

glicosilfosfatidilinositol

H2

hidrogênio

H2O

água

H2S

ISAPP

International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics

ISRE

elemento de resposta estimulado por interferon

sulfeto de hidrogênio

ITS

HDL

lipoproteína de alta densidade (do inglês, high density lipoprotein)

espaçador interno transcrito (do inglês, internal transcribed spacer)

JNK

proteína cinase C-Jun N-terminal

HFA

associado à flora humana (do inglês, human flora-associated)

JO

junção de oclusão

HIV

vírus da imunodeficiência humana (do inglês, human immunodeficiency virus)

KDO

ácido 2-aceto-3-desoxioctanoico

LBP

HLA

antígeno leucocitário humano

proteína de ligação de lipopolissacarídeos (do inglês, lipopolysaccharide binding protein)

HMP

Human Microbiome Project

LCAT

lecitina colesterol acil transferase

HOMA

índice de resistência à insulina (homeostasis model assessment)

LCO

ácido litocólico

LDL

lipoproteína de baixa densidade

HSB

hidrolases de sais biliares

LDLox

HSP

proteínas de choque térmico (do inglês, heat shock proteins)

lipoproteína de baixa densidade oxidada

LDLR

receptor de lipoproteína de baixa densidade

ICC

insuficiência cardíaca crônica

IDO

indoleamina-2,3-dioxigenase

LNM

linfonodos mesentéricos

IFN-gama

interferon-gama

LP

lâmina própria

IgA

imunoglobulina A

LPL

lipase lipoproteica

IgAS

imunoglobulina A secretória

LPS

lipopolissacarídeo

IgG

imunoglobulina G

LXR

IHMC

International Human Microbiome Consortium

receptor hepático X (do inglês, liver X receptor)

MAG

monoacilglicerol lipase

IL

interleucina

IL-8

interleucina-8

MALT

tecido linfoide associado à mucosa

IMST

infarto do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST

MAMP

iNKT

células natural killers invariantes

padrão molecular associado a microrganismos (do inglês, microbe-associated molecular patterns)

iNOS

óxido nítrico sintase indutível (do inglês, inducible nitric oxide synthase)

MAO

monoamino oxidase

MAP

Mycobacterium avium paratuberculosis

IRAK-1

interleucina-1 associada à cinase 1 (do inglês, interleukin-1-receptor associated kinase)

MAPA

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MAPK

proteína cinase ativada por mitógeno (do inglês, mitogen activated protein kinases)

MCO

ácido muricólico

IRF3

fator 3 regulador de interferon (do inglês interferon regulatory factor 3)

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proteína de quimioatração de monócitos-1 (do inglês, monocyte chemoattractant proteins 1)

PCR

reação em cadeia da polimerase

PC-R

proteína C-reativa

PGE2

prostaglandina E2

MetaHIT

Metagenomics of the Human Intestinal Tract

PGF

proteína G fluorescente

PGRP

MHC

moléculas do complexo de histocompatibilidade

proteínas de reconhecimento de peptidioglicanos (do inglês, peptidoglycan recognition protein)

MIMARKS

Minimum Information About a MARKer gene Sequence

Pi

pirofosfato

MIP-2

proteína inflamatória de macrófagos-2 (do inglês, macrofage inflammatory protein-2)

pIgR

receptor polimérico de imunoglobulina (do inglês, polymeric immunoglobulin receptor)

MYD88

proteína de resposta à diferenciação mieloide 88

PP

placas de Peyer

PPAR

receptores ativados por proliferadores de peroxissomo (do inglês, peroxisome proliferatoractivated receptor)

MCP-1

N2

nitrogênio

NAG

N-acetilglicosamina

NF-κB

fator nuclear kappa B

NGS

sequenciamento de nova geração (do inglês, next generation sequencing)

PSA

polissacarídeo A

PXR

receptor pregnana X

PYY

polipeptídio Y

NH3

amônia

QDC

ácido quenodesoxicólico

NHP

produto natural de saúde (do inglês, natural health product)

qPCR

PCR quantitativa

RCU

retocolite ulcerativa

NIH

Instituto Nacional de Saúde

RDP

Ribosomal Database Project

NK

células natural killers

RIG-1

NMDA

N-metil-D aspartato

receptores tipo ácido retinoico induzido por gene 1

NOD

receptores de domínio de oligomerização de ligação de nucleotídio

RN

receptores nucleares

RNA

ácido ribonucleico

RNAm

RNA mensageiro

O-MALT

tecido linfoide associado à mucosa organizado

RNAr

RNA ribossômico

RNAt

RNA transportador

OSAF

oligossacarídeos solúveis de arabinoxilanoferoilados

RRP

receptores de reconhecimento de padrões

OTU

unidades taxonômicas operacionais (do inglês, operational taxonomic units)

RXR

receptor de ácido retinoico

RYGB

bypass gástrico em Y de Roux (do inglês, Roux-en-Y gastric bypass)

PAF

fator ativador de plaquetas (do inglês, platelet-activating factor)

SBID

supercrescimento bacteriano no intestino delgado

PAMP

padrão molecular associado aos patógenos (do inglês, pathogenassociated molecular patterns)

SCI

síndrome do cólon irritável

SDMO

síndrome da disfunção múltipla de órgãos

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SDS

dodecil sulfato de sódio (do inglês, sodium dodecyl sulfate)

TGF

fator de transformador do crescimento

SERT

transportador de serotonina

TGI

trato gastrintestinal

SHIME

simulador do ecossistema microbiano intestinal humano (do inglês, simulator of the human intestinal microbial ecosystem)

TGY

levedura glicose triptona

TLR

receptores tipo toll (do inglês, toll-like receptors)

TMA

trimetilamina

SIBO

supercrescimento bacteriano intestinal

TMAO

N-óxido de trimetilamina

sICAM-1

molécula de adesão intercelular-1 solúvel (do inglês, soluble intercellular adhesion molecule-1)

TMAU

trimetilaminúria

TMF

transplante de microbiota fecal

TNF

fator de necrose tumoral (do inglês, tumor necrosis factor)

TO

tolerância oral

TPH

triptofano hidroxilase

TRC

transporte reverso de colesterol

UDCO

ácido ursodesoxicólico

SII

síndrome do intestino irritável

SNC

sistema nervoso central

SNP

polimorfismo de nucleotidio único (do inglês, single nucleotide polymorphism)

SR

síndrome de Rett

UFC

unidades formadoras de colônias

SREBP-1

proteína de ligação ao elemento em resposta ao esterol-1

UTI

unidade de tratamento intensivo

UTO

unidades taxonômicas operacionais

proteína de ligação ao elemento de regulação de esterol-2

UV

ultravioleta

VCAM-1

molécula de adesão vascular-1 (do inglês, vascular adhesion molecule 1)

VHB

vírus da hepatite B

VLDL

lipoproteína de muito baixa densidade (do inglês, very low density lipoprotein)

ZO

zônula de oclusão

SREBP-2 STAT

transdutores de sinal e ativadores de transcrição (do inglês, signal transducers and activators of transcription)

TCR

receptores de células T

TDO

triptofano-2,3-dioxigenase

TEA

transtorno do espectro autista

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Sumário

CAPÍTULO 1

O Mundo Microbiano: Evolução e Diversidade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Alessandra Barbosa Ferreira Machado | Marcelo Nagem Valério de Oliveira | Fernanda de Souza Freitas | Lívia Tavares Colombo

CAPÍTULO 2

Como Estudar a Microbiota Gastrintestinal Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Alessandra Barbosa Ferreira Machado | Marcelo Nagem Valério de Oliveira | Ana Paula do Carmo | Lívia Tavares Colombo | Victor Satler Pylro | Julliane Dutra Medeiros

CAPÍTULO 3

Modelos Animais e Sistemas in vitro para Estudo da Microbiota Intestinal. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Monise Viana Abranches | Tatiana Fiche Salles Teixeira

CAPÍTULO 4

Interações Metabólicas e Fisiológicas entre a Microbiota Intestinal e o Hospedeiro . . . . . . . . . . . 65 Aline Dias Paiva | Hilário Cuquetto Mantovani | Ângela Aparecida Barra | Ana Paula Boroni Moreira

CAPÍTULO 5

Microbiota do Trato Gastrintestinal Humano: Composição e Fatores Determinantes. . . . . . . . . . . 87 Tatiana Fiche Salles Teixeira | Alessandra Barbosa Ferreira Machado | Vanessa Cordeiro Dias

CAPÍTULO 6

Micobiota: Impactos na Saúde e na Doença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 Francis Moreira Borges | Anderson Assunção Andrade | Márcio Tavares Rodrigues (in memoriam) | Ana Carolina Morais Apolônio | Lisiane Lopes da Conceição | Alessandra Barbosa Ferreira Machado

CAPÍTULO 7

Microbiota Intestinal e Sistema Imunológico: Uma Via de Mão Dupla. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143 Tatiana Fiche Salles Teixeira | Monise Viana Abranches

CAPÍTULO 8

Lipopolissacarídeos: Estrutura e Influência sobre o Hospedeiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193 Leandro Licursi de Oliveira | Tatiana Fiche Salles Teixeira | Monise Viana Abranches | Manoela Maciel dos Santos Dias | Sérgio Oliveira de Paula

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CAPÍTULO 9

Microbiota e Biotransformação de Fármacos e Compostos Bioativos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 Natalia Filardi Tafuri | Marcos Rodrigo de Oliveira

CAPÍTULO 10

Microbiota e Doenças Intestinais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 Luís Fernando de Sousa Moraes | Flávia Xavier Valente | Tatiana do Nascimento Campos

CAPÍTULO 11

Microbiota do Trato Gastrintestinal e Doenças Cardiovasculares. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 Tatiana Fiche Salles Teixeira

CAPÍTULO 12

Microbiota Intestinal, Obesidade, Esteato-hepatite não Alcoólica e Diabetes Melito Tipo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 295 Tatiana Fiche Salles Teixeira | Ana Paula Boroni Moreira | Rita de Cássia Gonçalves Alfenas

CAPÍTULO 13

Interações entre a Microbiota Intestinal e o Sistema Nervoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319 Márcia de Carvalho Vilela | David Henrique Rodrigues

CAPÍTULO 14

Probióticos e Prebióticos como Adjuvantes Dietéticos na Saúde de Indivíduos Imunodeprimidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329 Célia Lúcia de Luces Fortes Ferreira | Éder Galinari Ferreira | Hudsara Aparecida de Almeida Paula | Luciana Rodrigues da Cunha | Claudia de Mello Ribeiro | Joice de Fátima Laureano Martins

CAPÍTULO 15

Potencial de Efeitos Benéficos do Uso de Probióticos nas Doenças Intestinais e Crônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 343 Łukasz Marcin Grześkowiak | Tatiana Fiche Salles Teixeira

CAPÍTULO 16

Probióticos: Definições, Complexidade dos Critérios de Seleção e Regulamentação. . . . . . . . . . . . 379 Tatiana Fiche Salles Teixeira | Célia Lúcia de Luces Fortes Ferreira

Índice. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429

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O Mundo Microbiano: Evolução e Diversidade

1

Alessandra Barbosa Ferreira Machado • Marcelo Nagem Valério de Oliveira • Fernanda de Souza Freitas • Lívia Tavares Colombo

Temas abordados neste capítulo Desde sua origem, há 4,6 bilhões de anos, a Terra vem sofrendo um processo contínuo de alterações físicas e geológicas que criaram condições que originaram a vida há cerca de 3,9 bilhões de anos. Com a evolução dos métodos moleculares, foi proposta a divisão dos organismos vivos em três domínios – Archaea, Bacteria e Eukarya – a partir da análise comparativa de sequências de RNA ribossômico (RNAr), possibilitando a reconstrução da árvore filogenética da vida. Nesse sentido, este capítulo aborda a origem da vida, a árvore evolutiva da vida, o conceito de espécie microbiana, as diversas interações dos microrganismos no trato gastrintestinal (TGI) e o conceito de biologia de sistemas.

INTRODUÇÃO Desde sua origem, a Terra tem passado por diversas alterações físicas e geológicas que criaram condições que originaram a vida. Para entendermos a evolução e a diversidade do mundo microbiano, é importante relembrar o contexto terrestre em que esses seres surgiram.

A ORIGEM DA VIDA A idade da Terra é de 4,6 bilhões de anos. Os cientistas dispõem de evidências de que as células surgiram na Terra há 3,8 a 3,9 bilhões de anos. Esses organismos eram exclusivamente microbianos e, por muito tempo, foram a única forma de vida na Terra.1 Há evidências de que a atmosfera original da Terra primitiva era composta principalmente por água (H2O), dióxido de carbono (CO2), nitrogênio (N2), monóxido de carbono (CO), hidrogênio (H2), metano (CH4), amônia (NH3), sulfeto de hidrogênio (H2S) e sulfeto de ferro (FeS), proporcionando um

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ambiente bastante redutor.2 Além disso, em razão da forte incidência de raios ultravioletas (UV) e descargas elétricas, as altas temperaturas encontradas nessa atmosfera permitiam a existência de água somente na forma gasosa. Com a origem e a evolução de formas de vida, alguns desses componentes químicos foram explorados para dirigir uma forma primitiva de metabolismo oxidativo de obtenção de energia.3 O conceito de que a vida tenha surgido a partir da conversão, catalisada pela radiação UV, de metano, água e amônia em compostos orgânicos é atribuído a Oparin (1924)4 e Haldane (1929).5 Em razão da ausência de vida capaz de consumir essas moléculas, houve o acúmulo de “caldo primordial”, em que ocorreram as reações que deram origem às primeiras macromoléculas.4,5 Tempos depois, essa teoria foi experimentalmente confirmada por Miller (1953).6 Outra hipótese, a da origem da subsuperfície, indica que a vida tenha se originado em fontes hidrotermais no leito oceânico, cujas condições

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2

Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

seriam mais estáveis do que na superfície e compostos reduzidos, como H2S e H2, poderiam ser utilizados como fonte de energia. O fluxo da água hidrotermal quente e alcalina para as águas oceânicas mais frias e levemente ácidas resultou na formação de precipitados de pirita (FeS2), silicatos, carbonatos e argilas montmorilonita contendo magnésio. Os argilominerais formaram, por sua vez, estruturas de superfícies adsorventes contendo áreas porosas e semipermeáveis. As superfícies e os poros seriam ricos em minerais, os quais teriam catalisado a formação de aminoácidos, peptídios simples, açúcares e bases nitrogenadas, capturando e concentrando esses compostos. O fosfato presente na água do mar foi precursor para a formação de nucleotídios catalisada por argila montmorilonita. O fluxo de compostos orgânicos, reduzidos a partir da crosta, promoveu o suprimento de fontes constantes de elétrons para a química pré-biótica. Os gradientes redox e de pH desenvolvidos pelas superfícies semipermeáveis de FeS constituíam uma força próton-­ motiva pré-­biótica.1 A concentração de compostos orgânicos criou os primeiros sistemas autorreplicantes precursores da vida. Em decorrência das propriedades da molécula de RNA, acredita-se que estas tenham originado os primeiros sistemas autorreplicantes. O RNA pode ligar-se a moléculas, como nucleotídios, e apresentar atividade catalítica, podendo ter catalisado sua própria síntese a partir de açúcares, bases e fosfato disponíveis.1 Novas variações das moléculas de RNA autorreplicantes se desenvolveram com a capacidade adicional de catalisar a condensação de peptídios. À medida que diferentes proteínas emergiram, elas assumiram o papel catalítico dos RNA. Eventualmente, moléculas de DNA mais estáveis que as de RNA substituíram sua função co­ dificadora.7 Evidências

de vida microbiana na Terra remota

Restos fossilizados de células e o isótopo “leve” de carbono, abundante em rochas sedimentares, forneceram evidências de vida microbiana na Terra

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remota.1 Foram documentadas formações microbianas denominadas estromatólitos (massas microbianas fossilizadas) em rochas de 3,5 bilhões de anos.8 A comparação de estromatólitos antigos com estromatólitos modernos, desenvolvendo-se em bacias marinhas rasas ou em fontes quentes, demonstrou que os estromatólitos primitivos foram formados por bactérias fototróficas anoxigênicas filamentosas. Ainda que a natureza microbiana desses fósseis seja discutível, eles fornecem a estimativa de que a vida microbiana era abundante há cerca de 3,5 bilhões de anos.1 Metabolismo

primitivo

Por um longo período, não havia oxigênio molecular na atmosfera em concentrações significativas e o metabolismo primitivo para geração de energia seria anaeróbio e autotrófico, uma vez que as fontes de carbono formadas abioticamente eram limitadas. Outra evidência é a descoberta de bactérias autotróficas como Aquifex, uma bactéria de genoma pequeno e que se ramifica próximo à raiz da árvore evolutiva da vida, propriedades que poderiam ser associadas a um organismo primitivo. Assim, considerando esse conjunto de fatores associados à abundância de H2 e CO2 na Terra remota, acredita-se que as primeiras células tenham sido autotróficas e anaeróbias.1 Após o desenvolvimento das formas iniciais de metabolismo energético e de carbono, a vida microbiana sofreu diversificação metabólica mediante as fontes de energia abundantes disponíveis na Terra. A atividade metabólica dos microrganismos no ambiente químico da Terra criou novos desafios à sobrevivência, bem como oportunidades de utilização dos recursos. O surgimento de microrganismos fotoautotróficos data de aproximadamente 3,2 bilhões de anos. A capacidade de utilizar radiação solar como fonte de energia possibilitou a extensa diversificação dos fototróficos e o desenvolvimento de linhagens de cianobactérias com um fotossistema capaz de utilizar H2O na redução fotossintética de CO2 liberando O2. À medida que o O2 se acumulava, a atmosfera modificava-se gradativamente de anóxica para óxica, criando uma vantagem

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Interações Metabólicas e Fisiológicas entre a Microbiota Intestinal e o Hospedeiro

4

Aline Dias Paiva • Hilário Cuquetto Mantovani • Ângela Aparecida Barra • Ana Paula Boroni Moreira

Temas abordados neste capítulo A microbiota intestinal é essencial para maximizar a utilização de nutrientes da dieta pelo hospedeiro. As bactérias intestinais podem influenciar a recuperação de energia da dieta, produzindo metabólitos, como carboidratos digeríveis, ácidos graxos de cadeia curta (AGCC), aminoácidos e vitaminas, e modificando os ácidos biliares. Tais atividades ilustram a participação da microbiota em diversas vias metabólicas do hospedeiro. Dessa maneira, a microbiota intestinal assume um papel bem definido na manutenção da saúde do hospedeiro, sendo o desempenho dessas funções influenciado pelo equilíbrio microecológico saudável das espécies bacterianas. Distúrbios na composição da microbiota intestinal estão associados a vários processos patológicos e doenças crônicas. Neste capítulo, serão descritas as funções da microbiota intestinal para o hospedeiro, destacando os principais substratos da dieta humana que podem ser utilizados pelas bactérias e os produtos da atividade metabólica da microbiota que podem influenciar o metabolismo, bem como a disbiose intestinal.

INTRODUÇÃO A microbiota do trato gastrintestinal (TGI) dos seres hu­manos representa um ecossistema complexo, composto por diversas espécies de microrganismos, cujas bactérias constituem o grupo com maior diversidade e abundância.1 No estômago e no intestino delgado, o número de bactérias é relativamente menor, uma vez que o ambiente é desfavorável para colonização e proliferação em decorrência da ação bactericida do suco gástrico, da bile e da secreção pancreática, bem como ao intenso peristaltismo do intestino delgado. Ressalta-se que o íleo é um local de transição bacteriológica, entre a escassa população bacteriana do jejuno e a densa microbiota do cólon. No cólon, as bactérias encontram condições favoráveis para sua proliferação em razão da ausência de

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secreções intestinais, da ocorrência de peristaltismo lento e do abundante suprimento nutricional. As bactérias presentes no lúmen intestinal também podem diferir daquelas incorporadas na camada de muco, assim como nas imediações do epitélio.2,3 A comunidade microbiana se desenvolve ao longo da vida do hospedeiro, estabelecendo relações simbióticas que tornam possível a coexistência dos microrganismos em um equilíbrio ecológico dinâmico.4 A composição da microbiota gastrintestinal é influenciada por fatores intrínsecos do hospedeiro (genótipo, idade, condições de saúde e nutrição), por interações com outros microrganismos e pela disponibilidade de nutrientes da dieta.5 A microbiota intestinal é essencial para maximizar a utilização de nutrientes da dieta pelo hospedeiro. A atividade metabólica complexa da microbiota resulta em energia adicional e substratos que

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

podem ser prontamente utilizados pelo hospedeiro, além do suprimento de energia e de produtos para o crescimento e a proliferação das próprias bactérias residentes no cólon.6 A diversidade e a estabilidade da comunidade microbiana do intestino são contínuas e rapidamente alteradas em resposta às mudanças na ingestão de nutrientes pelo hospedeiro.7 A relação entre dieta e composição da microbiota intestinal tem reflexos tanto no metabolismo microbiano quanto no metabolismo do hospedeiro.8,9 A capacidade das bactérias intestinais em atuarem na recuperação de energia da dieta, na geração de carboidratos digeríveis, AGCC, aminoácidos, vitaminas e na modificação de ácidos biliares10 ilustra a participação dessa microbiota em diversas vias metabólicas do hospedeiro. Nessa perspectiva, a microbiota intestinal desempenha múltiplas e diversificadas funções, assumindo um papel bem definido na manutenção da saúde do hospedeiro. Entretanto, para o desempenho adequado dessas funções há necessidade de um equilíbrio microecológico saudável das espécies bacterianas, conhecido como eubiose. Assim, distúrbios da microbiota intestinal estão associados a vários processos patológicos, como obesidade, diabetes, câncer, doenças cardiovasculares e intestinais.11 Neste capítulo serão discutidas as funções da microbiota intestinal para o hospedeiro, destacando os principais substratos da dieta humana que podem ser utilizados pelas bactérias e os produtos da atividade metabólica da microbiota que podem influenciar o metabolismo, bem como a disbiose intestinal.

ASPECTOS GERAIS DO METABOLISMO MICROBIANO Além de ser o motor de cada microrganismo individualmente, o metabolismo é o centro das inte­ rações microrganismos versus microrganismos e microrganismos versus ambiente. Muitas dessas interações se resumem a um processo global de “reciclagem molecular” por meio da captação ou

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secreção de nutrientes e produtos do metabolismo entre as diversas espécies. Os microrganismos podem cooperar entre si ou competir por nutrientes, de modo que a evolução do metabolismo microbiano é muito influenciada pelas possíveis interações simbióticas e pela capacidade de remodelamento de rotas metabólicas a partir da transferência horizontal de genes.12 A diversidade da comunidade bacteriana fornece uma variedade de enzimas e vias bioquímicas distintas dos recursos constitutivos do hospedeiro, sendo possível a promoção do crescimento e da proliferação das próprias bactérias, além de influenciar o próprio metabolismo do hospedeiro.13 A comunidade bacteriana do intestino desempenha, portanto, importantes funções para o hospedeiro: nutrição e metabolismo, imunomodulação, proteção contra patógenos, estrutura e funcionamento do TGI, além de funções extraintestinais. A capacidade de um microrganismo em interagir com o hospedeiro (p. ex., aderência à mucosa), se adaptar e competir por substratos na complexidade do ecossistema intestinal determina sua presença e abundância. Desde a introdução do conceito de prebiótico, muitos substratos dietéticos têm sido testados quanto à sua habilidade de alterar beneficamente a composição e/ou a atividade metabólica da microbiota do cólon.14 No entanto, o entendimento de como a dieta do hospedeiro pode alterar a composição da microbiota é muito complexo. Por exemplo, testes in vitro que avaliam a capacidade de microrganismos isolados em utilizar substratos purificados não refletem a preferência dos mesmos por determinado substrato no complexo ecossistema gastrintestinal, por ignorarem as consequências da competição ou cooperação interespécies.15 Estudos de evolução demonstraram que a coexis­ tência de diferentes linhagens de microrganismos é possível por meio da alimentação cruzada (crossfeeding), uma rede de interações metabólicas entre espécies/linhagens, inclusive não relacionadas (sintrofia). Uma linhagem pode apresentar crescimento superior em relação a outra quando há limitação de um substrato primário (p. ex., glicose).

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Interações Metabólicas e Fisiológicas entre a Microbiota Intestinal e o Hospedeiro

respectivamente), quando comparada à microbiota predominante em outros ambientes, como solos e oceanos. Os principais tipos de carboidratos provenientes da dieta do hospedeiro utilizados pela microbiota do intestino grosso incluem amido, dextrinas, pectinas, arabinogalactanas, goma-arábica, goma-guar e hemicelulose, oligossacarídeos não digeríveis (fruto-oligossacarídeos, inulina, rafinose, estaquiose, galactanas e mananas), porções não digeridas de dissacarídeos (p. ex., lactose) e alcoóis de açúcar (p. ex., lactitol e isomalte).24,25 A taxa de utilização desses substratos pode variar entre as diversas espécies de bactérias do cólon. Entretanto, alguns oligossacarídeos não digeríveis, como rafinose e galactanas, são seletivamente fermentados por um número menor de bactérias, como bifidobactérias e lactobacilos.26

69

As principais espécies sacarolíticas encontradas no cólon pertencem aos gêneros Bacteroides, Bifi­ dobacterium, Ruminococcus, Eubacterium, Lacto­ bacillus e Clostridium (Tabela 4.1).27 Os glicanos derivados do hospedeiro são uma fonte importante de nutrientes e energia para os microrganismos e atuam como locais de aderência para bactérias (patogênicas e comensais).28 Contudo, a degradação dos glicanos endógenos pelos microrganismos é limitada, uma vez que poucas espécies bacterianas presentes no cólon são capazes de utilizá-los.29 Os carboidratos endógenos componentes da mucina, sulfato de condroitina e glicoesfingolipídios contribuem com cerca de 2 a 3g por dia de substratos potencialmente fermentáveis pela microbiota do intestino grosso. Mucinas são glicoproteínas de alta massa molecular, contendo domínios glicosilados N-linked

zzTABELA 4.1 Bactérias presentes no intestino grosso, seus substratos e produtos

*

Bactérias

Gram

Concentração*

Utilização de substrato

Produtos de fermentação

Bacteroides

11,3

Sacarolítica

Act, Pr, Su

Bacteria

+

10,7

Sacarolítica, algumas espécies fermentam aa

Act, Bu, La

Bifidobacteria

+

10,2

Sacarolítica

Act, La, f, e

Clostridia

+

9,8

Sacarolítica, algumas espécies fermentam aa

Act, Pr, Bu, La, e

Lactobacilli

+

9,6

Sacarolítica

La

Ruminococci

+

10,2

Sacarolítica

Act

Peptostreptococci

+

10,1

Sacarolítica, algumas espécies fermentam aa

Act, La

Peptococci

+

10

Fermentação de aa

Act, Bu, La

Methanobrevibacter

+

8,8

Quimiolitotrófica

CH4

Desulfovibrio

8,4

Variadas

Act

Propionibacteria

+

9,4

Sacarolítica, fermentação de lactato

Act, Pr

Actinomyces

+

9,2

Sacarolítica

Act, Pr

Streptococci

+

8,9

Fermentação de CHO e aa

La, Act

Fusobacteria

8,4

Fermentação de aa e assimilação de CHO

Bu, Act, La

Escherichia

8,6

Fermentação de CHO e aa

Diferentes ácidos

log10.g-1: peso seco das fezes.

aa: aminoácidos; CHO: carboidratos; Act: acetato; Pr: propionato; Su: succinato; Bu: butirato; La: lactato; f: formato; e: etanol. Fonte: adaptada de Salminen et al.,1998.27

04-Microbiota Gastrintestinal.indd 69

14/04/2021 18:25:04


80

Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

Supercrescimento

intestino delgado

bacteriano no

O supercrescimento bacteriano no intestino delgado (SBID) acontece quando se alteram mecanismos reguladores da microbiota intestinal com consequente proliferação de bactérias colônicas no intestino delgado, sobretudo em segmentos ileais, interferindo consequentemente nos processos digestivos e absortivos.116 A lentificação do trânsito intestinal decorrente de uso de medicamentos como antidiarreicos, antiácidos ou como resultado de intervenções cirúrgicas provocando peristalse menos efetiva possibilita a estase do conteúdo intraluminar, favorecendo tanto o crescimento de populações bacterianas quanto a redução na sua eliminação pelas ondas peristálticas. As condições clínicas que possibilitam a estase intestinal estão listadas na Figura 4.3. As manifestações clínicas dependem do grau de comprometimento e da causa do SBID, podendo ocorrer desde sintomas inespecíficos (flatulência, desconforto e dor abdominal, diarreia) até sintomas de má absorção (perda de peso, esteatorreia e desnutrição) e deficiências nutricionais, uma vez que o supercrescimento bacteriano pode interferir negativamente na digestão, na absorção e no metabolismo do hospedeiro. Lesões na mucosa

intestinal podem ocorrer com consequências indesejáveis na permeabilidade intestinal e na atividade das dissacaridases. As bactérias podem metabolizar vitamina B12 e proteínas intraluminares, diminuindo a disponibilidade para absorção, além da produção excessiva de amônia. Desconjugação de ácidos biliares pelas bactérias pode resultar em diminuição na absorção de lipídios e vitaminas lipossolúveis.117 Diagnóstico

A disbiose é um distúrbio que pode afetar todo o organismo e requer investigação detalhada e tratamento adequado. O diagnóstico pode ser realizado por meio do exame clínico com investigação da história de constipação crônica, flatulência e distensão abdominal e dos sintomas associados (fadiga, depressão ou mudanças de humor). Exames bioquímicos podem revelar deficiências relacionadas com a disbiose (p. ex., vitamina B12 e proteínas séricas). A realização de culturas bacterianas fecais e análises da composição fecal (p. ex., triacilgliceróis, colesterol, AGCC, fibras, quimiotripsina e pH) também pode auxiliar no diagnóstico. No caso de suspeita de SBID, pode-se coletar aspirado por meio de sonda monitorada por radioscopia para o posicionamento do segmento jejunal ou ileal e posterior avaliação das bactérias.105,117,118

Alterações

Motilidade intestinal

Comunicação entre ID e IG

Gastroparesia diabética, esclerodermia, amiloidose, hipotireoidismo, enterite actínica, doença de Crohn

Ressecção da valva ileocecal, fístulas gastrocólica e/ou enterocólica

Anatômicas

Doença diverticular, estenoses, póscirúrgicas (aderências, obstrução intestinal, síndrome da alça cega, anastomose ileocólica, gastrectomias)

Múltiplas

Insuficiência hepática, síndrome do intestino irritável, doença celíaca, pancreatite crônica, imunodeficiências, doença renal, idade avançada

zzFigura 4.3 Condições clínicas associadas ao supercrescimento bacteriano no intestino delgado ID: intestino delgado; IG: intestino grosso.

04-Microbiota Gastrintestinal.indd 80

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Microbiota do Trato Gastrintestinal Humano: Composição e Fatores Determinantes

5

Tatiana Fiche Salles Teixeira • Alessandra Barbosa Ferreira Machado • Vanessa Cordeiro Dias

Temas abordados neste capítulo A microbiota do trato gastrintestinal (TGI) é diversa, numerosa e complexa. Estima-se que seja composta por mais de mil espécies microbianas em uma população superior a 39 trilhões de microrganismos. Os microrganismos que compõem a microbiota exercem diferentes funções que impactam diretamente a fenologia humana. Nesse sentido, este capítulo aborda a composição da microbiota no TGI e os fatores que influenciam sua formação no decorrer da vida.

INTRODUÇÃO Representantes dos três grandes domínios da vida, Bacteria, Archaea e Eukarya, estão presentes no TGI. Archaea e Eukarya são representados por membros de apenas um filo cada, ao passo que a comunidade bacteriana é diversa e constitui a forma de vida predominante no TGI.1,2 Assim como o genoma de cada indivíduo é uma impressão digital, a composição da microbiota gastrintestinal também parece ser. A composição da microbiota pode ser discutida sob diversas perspectivas: Abundância relativa: identificação da abundância com base na quantidade de sequências obtidas no processo de extração DNA e amplificação de sequências-alvo (de acordo com os primers utilizados para a análise, é possível mensurar a abundância relativa de filos, gêneros ou espécies).1 Metagenômica: essa abordagem possibilita revelar a composição de genes (microbioma) de determinada amostra e explorar análises comparativas funcionais (como os genes presentes na microbiota podem dotar os seus hospedeiros com propriedades fisiológicas ou potencial

05-Microbiota Gastrintestinal.indd 87

metabólico).3 Essa abordagem é limitada no sentido de não identificar quais genes estão sendo expressos, ou mesmo se estes são provenientes de células ativas, viáveis, inativas ou mortas.4 Metaproteômica: traz informação direta de quais proteínas estão sendo expressas, evidenciando funções dominantes e/ou funções-chave desempenhadas pela microbiota.4 Metabolômica: essa abordagem mostra uma excelente oportunidade para avaliar a interação de metabólitos bacterianos e vias sistêmicas hu­ manas.5 O interesse em determinar quais microrganismos compõem a microbiota, em que proporção e o que esses microrganismos produzem ou como interagem com as células do hospedeiro decorre da percepção de que interações hospedeiro-microbiota podem influenciar o estado saúde versus doença e o avanço das técnicas moleculares. Ao contrário de parâmetros bioquímicos, cujos valores de referência estabelecem limites para a identificação de desvios do padrão de normalidade, a definição de um perfil de composição da microbiota “normal” ou “saudável” ainda parece

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88

Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

precoce em função da complexidade da interação de microbioma e genoma do hospedeiro e do número limitado de indivíduos submetidos à análise da diversidade microbiana intestinal.1 Assim como ocorre em polimorfismos, em que um mesmo tipo de dieta pode não ser adequado para determinado objetivo (p. ex., aumento dos níveis de lipoproteínas de alta densidade [HDL; do inglês, high density lipoprotein]),6 um perfil de microbiota semelhante pode, em teoria, resultar em desfechos diferentes (saúde ou doença), dependendo de aspectos genéticos do hospedeiro. Portanto, ainda há necessidade de aprofundamento sobre como as variabilidades interindividuais na composição da microbiota, na dieta e no genoma humano influenciam o estado saúde versus doença.7,8

REDUNDÂNCIA FUNCIONAL E MICROBIOMA CENTRAL O conhecimento da diversidade da comunidade microbiana intestinal e do potencial genético das populações que a compõem expandiu-se com a aplicação de técnicas independentes de cultivo.9 A partir de análises metagenômicas e metotoxonômicas, é possível caracterizar o microbioma e melhor compreender a interação das células do hospedeiro com a comunidade microbiana residente.8 A coevolução adaptativa entre hospedeiro e bactérias resulta em relações comensais, nas quais um se beneficia e o outro não é afetado, e em relações simbióticas, nas quais ambos se beneficiam.10,11 Ao mesmo tempo, o comensalismo e a simbiose refletem uma “corrida dinâmica”, que se inicia no encontro da bactéria com o hospedeiro vulnerável e prossegue com respostas adaptativas entre os dois organismos. Em alguns casos, a coevolução atenua a virulência e conduz a uma coexistência pacífica, com ou sem franca codependência. Em outras circunstâncias, a relação patogênica é mantida por meio da superação dos mecanismos de defesas inatas ou adaptativas do hospedeiro pelas bactérias.12 A colonização do TGI humano ocorre gradativamente desde o nascimento. Todos os nichos são ocupados por microrganismos bem adaptados, muitos

05-Microbiota Gastrintestinal.indd 88

dos quais são inicialmente adquiridos da mãe. De acordo com a teoria de exclusão de nicho, é extremamente difícil para um organismo acidentalmente ou intencionalmente introduzido, por exemplo, no intestino, se estabelecer ou persistir nesse ambiente. Assim, é provável que a composição da microbiota intestinal seja o resultado da pressão seletiva que é imposta pelo hospedeiro e pela competição e interações microrganismo versus microrganismo e microrganismo versus hospedeiro.11,13,14 A pressão seletiva imposta pelo hospedeiro (topdown) aos microrganismos favorece as sociedades estáveis, que, no conjunto, são benéficas. Ao mesmo tempo, as condições ambientais impostas aos microrganismos pressionam a seleção das células microbianas funcionalmente especializadas e adaptadas àquelas condições (bottom-up). Princípios ecológicos predizem que a seleção do hospedeiro (top-down) resultaria em uma comunidade composta de várias linhagens microbianas, cujos genomas conteriam genes funcionalmente similares (redundância funcional), principalmente pela ocorrência ampla de mecanismos de transferência horizontal de genes. No entanto, as diferenças nas taxas de crescimento e na capacidade de utilização do substrato afetam o desempenho dos microrganismos individuais em um meio competitivo, e essa competição entre membros da microbiota exerceria a seleção bottom-up que resulta em genomas especializados com características gênicas funcionais distintas (traços metabólicos). Uma vez estabelecidos, esses traços linhagem-específicos podem ser mantidos por barreiras para a recombinação homóloga.13,15,16 Esses princípios ecológicos explicam por que a abundância e a composição das espécies da microbiota do TGI humano permanecem relativamente constantes durante a fase adulta. Nesse sentido, dois conceitos podem ser destacados no contexto da diversidade microbiana, uma vez que a variabilidade entre indivíduos é observada: redundância funcional e microbioma central (core human microbiome). O primeiro se refere ao conceito de que a comunidade microbiana garante que processos-chave não sejam afetados por mudanças na diversidade, existindo uma estabilidade

14/04/2021 18:26:54


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Densidade microbiana: 1012 UFC g–1

Ph: 5,0 a 5,7 Diversidade: >1.000 filotipos e >7.000 linhagens Filos: Firmicutes, Bacteroidetes, Actinobacteria, Proteobacteria Gêneros: Bacteroidetes, Bifidobacterium, Clostridium, Enterobacteria, Enterococcus, Escherichia, Eubacterium, Klebsiella, Lactobacillus, Methanobrevibacter, Peptococcus, Prevotella, Porphyromonas, Proteus, Ruminococcus, Staphylococcus, Streptococcus, Fusobacteria, Candida, Aspergillus

Densidade microbiana: 107 UFC g–1

Ph: 2,0 Diversidade: 102 a 128 filotipos Densidade microbiana: 103 UFC g–1 Filos: Proteobacteria, Firmicutes, Actinobacteria, Bacteroidetes e Fusobacteria Gêneros: Streptococcus, Lactobacillus, Prevotella, Enterococcus, Helicobacter pylori

Ph: 6,8 a 7,2 Diversidade: 19 mil filotipos Saliva: Streptococcus e Veillonella (filo Firmicutes) e Prevotella (filo Bacteroidetes) Placa supragengival: gêneros Corynebacterium e Actinomyces (filo Firmicutes e Actinobacteria) Fungos: Candida, Closporidium, Aureobasidium, Saccharomycetales, Aspergilus, Fusarium e Cryptococcus Cavidade oral

Cólon

Íleo

Estômago

Jejuno

Duodeno

Esôfago

Fonte: adaptada de Jandhyala et al., 2015.21

UFC: unidade formadora de colônias; g: gramas.

zzFigura 5.2 Características da microbiota ao longo do trato gastrintestinal humano

Densidade microbiana: 104 UFC g–1

Ph: 5,0 a 7,0 Enterococcus, Lactobacillus

Densidade microbiana: 103 UFC g–1

Ph: <4,0 Gêneros: Bacteroides, Gemella, Megasphaera, Pseudomonas, Prevotella, Rothia spp., Streptococcus, Veillonella

Microbiota do Trato Gastrintestinal Humano: Composição e Fatores Determinantes

91

15/04/2021 09:38:02


98

Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

Staphylococcus epidermidis

43

Staphylococcus caprae

4,7

Staphylococcus aureus

4,7

Enterococcus faecalis

81

Enterococcus falcium

4,7

Streptococcus mitis

9,4

Streptococcus oralis

4,7

Leuconostoc mesenteroides

4,7

Bifidobacterium bifidum

4,7

Rothia mucilaginosa

4,7

Enterobacter spp.

23,8

Escherichia coli

28,5

Klebsiella spp.

4,7

Parabacteroides distasonis

4,7

Bacteroides dorei

4,7 0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Porcentagem (%)

zzFigura 5.5 Percentual de amostras de mecônio positivas para microrganismos (recém-nascidos a termo por parto cesariano) Fonte: adaptada de Jiménez et al., 2008.64

linfoide. Desse modo, a bactéria marcada também foi detectada no mecônio dos filhotes nascidos também por parto cesariano,64 o que indica que a microbiota materna pode influenciar a colonização inicial do intestino antes mesmo do nascimento. Em conjunto, esses dois trabalhos questionam a importância do trânsito vaginal para a colonização microbiana do intestino. Tipo

de aleitamento

O leite humano é considerado um dos principais fatores na iniciação e no desenvolvimento da microbiota do neonato, uma vez que contém substratos (prebióticos) para estimular o crescimento bacteriano e também é fonte de microrganismos. Estima-se que o consumo de 800mL de leite materno por dia proporcione 1 × 105 a 1 × 107 bactérias comensais durante a amamentação.65

05-Microbiota Gastrintestinal.indd 98

Crianças alimentadas com leite humano são cons­ tantemente inoculadas com bactérias presentes no leite da mãe, de modo que a contagem de Bifidobacterium se eleva drasticamente,66 Lactobacillus e Bacteroides aumentam em menor proporção e enterobactérias e enterococos diminuem. Espécies de Bifidobacterium correspondem a 80% a 90% do total dos componentes da microbiota fecal infantil, sendo Bifidobacterium bifidum, B. infantis e B. longum as principais espécies presentes em bebês amamentados ao seio. Em recém-nascidos alimentados com fórmulas infantis, a microbiota é muito mais complexa, sendo composta por Bifidobacterium, Bacteroides, Clostridium e Streptococcus.49,51 Diferenças e similaridades no aspecto qualitativo das fezes de crianças coletadas entre 4 e 20 dias de vida em regime de amamentação exclusiva ou fórmula foram identificadas. Bifidobacterium spp. e

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Microbiota do Trato Gastrintestinal Humano: Composição e Fatores Determinantes

99

Escherichia coli pertencem ao grupo dominante da

do tipo de parto realizado (Tabela 5.2). As espécies

microbiota de ambos os grupos, sendo observados

de bifidobactérias mais frequentemente detectadas

também Enterococci, Staphylococci, Bacteroides e

no leite materno foram B. longum (77%), B. anima-

Veillonella. Bactérias láticas foram mais isoladas de

lis (58%), B. bifidum (26%), B. catenulatum (15%),

amostras de crianças amamentadas, ao passo que

B. breve e B. adolescentis (ambas 7%). A mediana

Clostridia e Bacteroides foram principalmente iso-

da contagem do gênero Bifidobacterium no leite foi

lados de amostras de crianças recebendo fórmula

1,4 × 103 bactérias mL−1.69 Alguns autores levantaram a hipótese de que as

67

(Tabela 5.1).

O leite materno é fonte de bactérias tanto Gram-

bactérias do ácido lático presentes no leite mater-

positivas (bactérias do ácido lático, Streptococci e

no sejam originárias do canal vaginal materno. A

68

Staphylococci) quanto Gram-negativas e essa com-

cavidade oral dos bebês seria colonizada por essas

posição difere entre as mães, independentemente

bactérias após o parto, as quais seriam transmitidas

zzTABELA 5.1 Isolamento de bactérias* a partir de fezes de crianças amamentadas exclusivamente ao seio materno ou por fórmula artificial Amamentação exclusiva (n = 6)

Comum a ambos (n = 12)

Fórmula artificial (n = 6)

Espécies

n

Espécies

n

Espécies

n

Lactobacillus casei subsp. casei

2

Bifidobacterium longum

10

Bifidobacterium suis

4

Lactobacillus salivarius

1

Bifidobacterium bifidum

8

Bifidobacterium globosum

3

Lactobacillus casei subsp. rhamnosus

1

Bifidobacterium catenulatum

6

Bacteroides fragilis

2

Lactobacillus gasseri

1

Bifidobacterium adolescentis

4

Bacteroides thetaiotaomicron

1

Lactobacillus plantarum

1

Bifidobacterium infantis

3

Clostridium rhamnosum

3

Lactobacillus fermentum

1

Bifidobacterium breve

2

Clostridium clostridiiforme

2

Streptococcus waineri

3

Staphylococcus epidermidis

6

Clostridium innocuum

1

Streptococcus anginous

2

Bacteroides vulgatus

5

Clostridium sporogenes

1

Streptococcus agalactiae

1

Bacteroides ovatus

2

Clostridium carnis

1

Streptococcus salivarius

1

Escherichia coli

12

Clostridium freundii

1

Streptococcus sp.

1

Enterococcus faecalis

4

Clostridium spiroforme

1

Clostridium perfringens

1

Veillonella dispar

2

Clostridium xylanolyticum

1

Propionibacterium acnes

2

Veillonella atypica

2

Staphylococcus haemolyticus

1

Actinomyces neuii

1

Staphylococcus aureus

1

Arthrobacter globiformis

1

Staphylococcus saprophyticus

1

Bacillus subtilis

2

Rothia dentocariosa

1

Coriobacterium

2

Brevibacterium iodinum

1

Saccharomonas spora

1

Eubacterium sp.

1

Phascolarctobacterium faecium

1

*

Bactérias cultivadas em diferentes meios, isoladas para identificação molecular da espécie (por RAPD-PCR ou random amplified polymorphic DNA). Fonte: adaptada de Harmsen et al., 2000.67

05-Microbiota Gastrintestinal.indd 99

14/04/2021 18:26:55


100

Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

zzTABELA 5.2 Composição microbiana do leite materno no sétimo dia após partos cesariano e vaginal, segundo as técnicas de DGGE e PCR Espécie

LM c1

LM c2

LM v1

LM v2

Staphylococcus epidermidis

+

+

+

ND

Staphylococcus hominis

+

ND

ND

ND

Streptococcus salivarius

+

ND

ND

+

Streptococcus mitis

+

+

+

ND

Streptococcus parasanguinis

+

ND

+

ND

Streptococcus pneumoniae

ND

ND

+

ND

Streptococcus spp.

+

+

+

ND

Leuconostoc citreum

+

+

+

ND

Lactococcus lactis

+

+

+

ND

Lactobacillus plantarum

ND

+

ND

ND

Enterococcus faecalis

ND

+

ND

ND

Enterococcus faecium

ND

+

ND

ND

Weissella cibaria

ND

+

ND

ND

Weissella confusa

ND

ND

ND

+

Propionibacterium acnes

ND

+

ND

ND

Escherichia coli

+

+

+

ND

Serratia proteamaculans

ND

+

ND

ND

Acinetobacter spp.

+

ND

+

ND

Veillonella sp.

ND

ND

+

ND

Gemella haemolysans

ND

ND

+

ND

Pseudomonas synxantha

ND

ND

ND

+

Total

10

12

11

3

DGGE: eletroforese em gel com gradiente desnaturante; PCR: reação em cadeia da polimerase; LM: leite materno; c: parto cesariano; v: parto vaginal; ND: não detectado. Fonte: adaptada de Martín et al., 2007.68

para o seio materno durante o contato no ato da

de parto vaginal, indicando que o estabelecimen-

amamentação.65 Maior diversidade de bactérias lá-

to de bactérias desse gênero no leite materno não

ticas foi observada no leite de uma mãe que rea-

decorre da transmissão oral para o seio materno.

lizou parto cesariano. Como a coleta do leite foi

Além disso, o perfil de sequências de Lactobacillus

realizada no sétimo dia após o parto, os resultados

analisado nas fezes dos bebês foi mais semelhante

não controlaram a possível transmissão de bacté-

ao perfil do leite de sua respectiva mãe do que da

rias do bebê para o seio materno.68 No entanto, o

vagina delas.70

mesmo grupo de pesquisadores comparou o perfil

A análise de amostras de colostro de 36 mu-

de Lactobacillus da vagina (previamente ao parto

lheres saudáveis antes do início da amamentação

vaginal ou cesariano) e leite materno (sete dias

demonstrou que a contagem total de bactérias va-

pós-parto) e fezes dos bebês (sete dias pós-parto).

ria entre 2,11 e 6,94log UFC mL−1. Staphylococcus

Observaram que não houve semelhança entre as

esteve presente em 33 das 36 amostras, sendo S.

espécies de Lactobacillus detectadas nas amostras

epidermidis a espécie predominante, detectada em

vaginais e do leite de mães cujos filhos nasceram

83% das amostras. Enterococci foi o segundo grupo

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Microbiota Intestinal e Sistema Imunológico: Uma Via de Mão Dupla

7

Tatiana Fiche Salles Teixeira • Monise Viana Abranches

Temas abordados neste capítulo O intestino de mamíferos é um local onde residem comunidades complexas de trilhões de bactérias que interagem de maneira dinâmica com o sistema imunológico do hospedeiro. Determinar os princípios que regem a relação microbiota-hospedeiro é o objetivo de muitos estudos. Neste capítulo, busca-se ilustrar a via de mão dupla estabelecida entre o sistema imunológico e a microbiota, relatando como a microbiota intestinal pode influenciar o desenvolvimento do sistema imunológico e como este, por sua vez, regula a colonização de microrganismos intestinais. A função de barreira gastrintestinal, os mecanismos de resistência à colonização, o papel das células epiteliais e das imunoglobulinas como defesas contra a invasão de patógenos são também temas abordados. Ainda, destaca-se que a translocação bacteriana é um evento fisiológico controlado, mas que pode ser induzido, por exemplo, pelo uso de antibióticos, com implicações na homeostase intestinal. Discute-se sobre como a condição inflamatória favorece a ocorrência de disbiose, que, por sua vez, retroalimenta a inflamação. Finalmente, traz-se a noção da complexidade das interações entre diferentes sistemas do hospedeiro com a microbiota e sua influência na homeostase intestinal e nas respostas imunes, especificamente o papel da serotonina e dos ácidos biliares (AB).

INTRODUÇÃO A principal interface do organismo com o seu ambiente é representada pelas superfícies cobertas por células epiteliais. Aqui destacam-se as que revestem o trato gastrintestinal (TGI). O TGI é exposto a um incontável número de antígenos estranhos. Além de substâncias ingeridas via alimentação, o TGI e outras superfícies mucosas e epiteliais estão expostos a milhares de células microbianas.1 A composição e a concentração da microbiota intestinal são reguladas por fatores genéticos, dieta e interações entre bactérias comensais e patogênicas. A relação de simbiose garante às bactérias um habitat estável

07-Microbiota Gastrintestinal.indd 143

e, em troca, contribui para o metabolismo do hospedeiro com diversas enzimas e outros produtos do seu metabolismo.2 Assim, ao mesmo tempo que o hospedeiro precisa se proteger da ação de agentes externos patogênicos potencialmente nocivos, precisa também tolerar microrganismos residentes que auxiliam na absorção e na utilização de nutrientes. Diante disso, o sistema imune do hospedeiro desenvolveu-se para proteger os tecidos dos microrganismos e simultaneamente manter os benefícios da simbiose a partir da microbiota. Para essa tarefa complexa, o TGI é equipado de estratégias de segurança em múltiplos níveis2 dependentes de mecanismos imunológicos

14/04/2021 18:06:30


144

Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

e não imunológicos, incluindo a função de “barreira da mucosa gastrintestinal”,3 tratada em mais detalhes em um tópico separadamente. A mucosa gastrintestinal apresenta mais células linfoides que o baço, os linfonodos periféricos e o sangue. Exemplo disso é que as células B associadas ao intestino representam 80% de todas as células B do corpo.4 Esses dados indicam o quanto a microbiota intestinal tem potencial de influenciar o estado de saúde geral do hospedeiro por meio de interações com o sistema imunológico gastrintestinal. Assim, desequilíbrios principalmente na atividade imunológica, os quais podem ser desencadeados por alterações na composição ou na atividade metabólica da microbiota, têm o potencial de induzir processos inflamatórios locais e sistêmicos envolvidos com doenças infecciosas ou inflamatórias (alergias), doenças autoimunes, entre outras.1 Nesse sentido, os objetivos deste capítulo são: Definir de modo geral aspectos da imunidade, a estrutura do sistema imunológico do TGI e os receptores de reconhecimento de padrões. Fornecer evidências de como a microbiota intestinal pode influenciar o desenvolvimento intestinal, do sistema imunológico e como este, por sua vez, regula a colonização de microrganismos intes­tinais. Discutir sobre a barreira gastrintestinal e os mecanismos de defesa contra a penetração de microrganismos, além de abordar a translocação bacteriana. Descrever a relação entre disbiose e inflamação intestinal. Apresentar interações que se estabelecem entre moléculas do hospedeiro, especificamente serotonina e AB, o sistema imune e a microbiota intestinal e como essas interações influenciam aspectos da fisiologia intestinal e extraintestinal.

IMUNIDADE INATA E ADAPTATIVA: PRINCIPAIS TIPOS CELULARES E MECANISMOS DE ATIVAÇÃO Conceitualmente, a imunidade é dividida em respostas inata e adaptativa. A primeira é rápida e tipicamente identifica patógenos com base em

07-Microbiota Gastrintestinal.indd 144

receptores que detectam componentes imutáveis de patógenos, os chamados padrões moleculares associados a patógenos (PAMP; do inglês, pathogen-associated molecular patterns) ou padrões moleculares associados a microrganismos (MAMP; do inglês, microbe-associated molecular patterns). De modo geral e amplo, a imunidade inata corresponde às barreiras físicas (p. ex., muco, células epiteliais) ou secretadas (p. ex., peptídios antimicrobianos) e à atividade celular desempenhada por células mieloides/granulócitos, como macrófagos, células dendríticas (CD), basófilos, mastócitos, neutrófilos e eosinófilos. Existem ainda vários tipos de células linfoides inatas (CLI) que não apresentam especificidade a antígenos e estão concentradas principalmente em superfícies mucosas regulando a homeostase tecidual. Por não apresentarem receptores antígeno-específicos, atuam como organizadoras centrais das respostas imunes. CLI não medeiam diretamente respostas antígeno-específicas e, sim, coordenam sinais a partir do epitélio, da microbiota, de patógenos e de outras células imunes pela expressão de receptores de citocinas e eicosanoides.5 O epitélio atua como barreira para patógenos e, ao mesmo tempo, permite a amostragem seletiva de antígenos da microbiota e da dieta pelas células imunes adjacentes, a fim de promover homeostase. As respostas imunes inatas ativadas mediante exposição a um novo patógeno/antígeno direcionam a imunidade adaptativa, via ativação de linfócitos T e B, que aumentam a velocidade e a especificidade a exposições repetidas ao mesmo patógeno/ antígeno.6,7 As células apresentadoras de antígenos (APC; do inglês, antigen presenting cells) da imunidade inata, como as CD e os macrófagos, capturam o antígeno, degradam-no proteoliticamente a fragmentos menores, transportam e acomodam os peptídios antigênicos na fenda das moléculas MHC. A transposição do complexo MHC-peptídio é fundamental para o processo de seleção e maturação de células pré-T. A maturação se dá por meio da interação dos receptores de células T (TCR) e do complexo CD3 nas células pré-T com os complexos peptídio-MHC das APC.

14/04/2021 18:06:30


Microbiota Intestinal e Sistema Imunológico: Uma Via de Mão Dupla

155

zzTABELA 7.1 Componentes do trato gastrintestinal que participam da barreira contra a entrada de antígenos patogênicos na mucosa Componente do TGI

Função

Microbiota comensal

Evita a aderência e a multiplicação de microrganismos patogênicos (resistência à colonização) nas superfícies mucosas e a invasão deles nas células epiteliais e na circulação (resistência anti-infecciosa). No período pós-natal, estimula o desenvolvimento da imunidade local e sistêmica

Células epiteliais, glicocálice, vilosidades intestinais

Participam da digestão e da absorção, desempenham funções imunológicas como apresentação de antígeno, expressão de CD14 (ligante de lipopolissacarídeo), transportam imunoglobulinas produzidas pelos plasmócitos dos LNM para o lúmen, além de produzirem defensinas. Bloqueiam a penetração de patógenos

Defensinas

Peptídios antimicrobianos

Junções de oclusão nas células epiteliais

São formadas por proteínas (como zonulina, ocludina e claudinas) que, ligadas ao citoesqueleto, regulam a passagem de moléculas pelo espaço entre as células epiteliais (espaço paracelular). Disfunções na organização delas podem facilitar a penetração de antígenos através da mucosa

Fatores tróficos

Protegem contra uma variedade de agentes deletérios (toxinas bacterianas, compostos químicos e medicamentos). Ajudam na reconstituição da mucosa após lesão

Muco/mucinas

Bloqueiam a penetração de agentes estranhos. Vale ressaltar que a composição do muco influencia a aderência de microrganismos do lúmen intestinal, como alguns tipos de bactérias probióticas

Proteases: pepsinas, enzimas pancreáticas

Degradação de antígenos não próprios

Suco gástrico

Degradação de antígenos não próprios

Bile

Fonte de IgA e de sais biliares que participam da degradação de antígenos não próprios e exercem ação bacteriostática, impedindo o supercrescimento bacteriano no intestino delgado

Peristalse

Acelera a eliminação de agentes estranhos

Células caliciformes (globet cells)

Produzem muco e peptídios importantes para o crescimento e o reparo de células epiteliais

Células de Paneth

Tipo especializado de células localizadas na base das criptas de Lieberkühn, que secretam substâncias com propriedades antibióticas (lisozima, alfa defensinas, angiogeninas etc.)

Células M

Constituem o local indutivo do GALT e, associadas ao epitélio, sobrepõem as PP, servindo como porta para a captação de antígenos e entrega destes às APC na região subepitelial

Linfócitos intraepiteliais

Localizam-se na membrana basolateral dos enterócitos. Aqueles que expressam CD8+CD45+RO+ apresentam moléculas de aderência (integrinas) e contêm grânulos citoplasmáticos com proteínas citolíticas

Linfócitos difusos da lâmina própria

São as células mais numerosas e mais efetoras da mucosa, representadas pelas células T (predominantemente CD4+); células B (produtoras de IgA) e células Treg (CD25+), que sintetizam citocinas anti-inflamatórias (IL-10 e TGF-beta)

Imunoglobulina A secretória (IgAS)

Principal fator humoral presente na superfície mucosa. A produção diária de IgA (2 a 5g) indica que essa imunoglobulina seja a classe mais representativa no corpo e geralmente sua especificidade é direcionada contra a microbiota da mucosa. Ela é resistente à proteólise e evita a aderência de bactérias na superfície mucosa e a penetração de antígenos no ambiente interno do organismo

Placas de Peyer (PP)

São agregados linfoides encontrados principalmente no íleo distal, compostos de folículos de células B, uma região interfolicular de célula T, numerosos macrófagos e CD dispersas. Contêm maior proporção de células B em relação às células T, ricas em citocinas como TGFbeta, que induzem a síntese e a secreção de IgA. As CD localizam-se na região subepitelial adjacente ao epitélio associado ao folículo e migram em direção às células T e B após estimulação (continua)

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

Lúmen intestinal Bactéria

Bactéria

PAMP MYD88 Expressão de IRAK-1 reduzida pelo LPS

IRAK-1

ERO induzidas pela microbiota inibem ubiquitina ligases I B ubiquitinado e conduzido ao proteassomo para degradação

I B p50

p65

NF- B

p65

p50

p65

NF- B transcreve citocinas pró-inflamatórias, quimiocinas e defensinas

PPAR-gama

PPAR-gama

PPAR-gama induzido em resposta ao LPS desvia NF- B do núcleo

PPAR-gama aumenta a expressão de defensinas

Célula epitelial intestinal

zzFigura 7.4 Representação da resposta pró-inflamatória das células intestinais em resposta ao estímulo da microbiota. Células imunes e epiteliais detectam microrganismos por meio de receptores de reconhecimento padrão (p. ex., TLR). Após a ligação do lipopolissacarídeo (LPS) ao TLR, proteínas adaptadoras, como a proteína de resposta à diferenciação mieloide 88 (MYD88), são recrutadas e uma cascata de sinalização ativada, especialmente a via do fator nuclear kappa B (NF-κB), a qual estimula a transcrição de proteínas antimicrobianas, citocinas pró-inflamatórias e quimiocinas. Nas células não ativadas, o NF-κB é mantido no citoplasma pelo seu inibidor, IκB. Com a ativação de TLR, o IκB é fosforilado, ubiquitinilado e degradado pelo proteassoma, o que possibilita a translocação do NF-κB para o núcleo e a transcrição dos genes-alvo. Essa via pode ser modulada por fatores oriundos da microbiota, evitando respostas pró-inflamatórias excessivas e potencialmente deletérias do hospedeiro. Imediatamente após o nascimento, a expressão do receptor de interleucina-1 associado à cinase 1 (IRAK-1), um fator de ativação da cascata IκB, é inibida por LPS. A poliubiquitinação e a degradação de IκB podem ser inibidas por bactérias comensais, que inibem uma ubiquitina ligase comum por meio da indução de espécies reativas de oxigênio (ERO). O receptor ativado por proliferadores de peroxissomos gama (PPARgama), que é induzido em resposta à ativação de TLR4 por LPS, pode também direcionar a saída de NF-κB do núcleo. Os pontos controlados pela microbiota são indicados pelo símbolo (). O PPAR-gama pode estimular a expressão de peptídios colônicos como a defensina 1 e, simultaneamente, contribuir para a função de barreira intestinal Fonte: adaptada de Cerf-Bensussan & Gaboriau-Routhiau, 2010;18 Dahan et al., 2007;53 Artis, 2008.50

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Lipopolissacarídeos: Estrutura e Influência sobre o Hospedeiro

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Leandro Licursi de Oliveira • Tatiana Fiche Salles Teixeira • Monise Viana Abranches • Manoela Maciel dos Santos Dias • Sérgio Oliveira de Paula

Temas abordados neste capítulo Os lipopolissacarídeos (LPS) são importantes moléculas ativadoras da resposta imunológica contra bactérias Gram-negativas. O modo como essas moléculas in­teragem com as células do sistema imunológico e os efeitos biológicos que desencadeiam são focos de estudos, especialmente os que visam ao desen­volvimento de vacinas. Neste capítulo, será apresen­tada a estrutura química dos LPS, bem como descritos seus efeitos biológicos e os métodos de detecção do composto.

INTRODUÇÃO O termo endotoxina foi proposto por Richard Pfeiffer para caracterizar uma toxina constituinte da célula bacteriana e para diferenciar das exotoxinas secretadas pela bactéria causadora da cólera.1 Embora o termo endotoxina seja usado eventualmente para se referir a qualquer toxina associada às células bacterianas, em bacteriologia esse termo é reservado para fazer menção ao complexo LPS associado à membrana externa de bactérias Gramnegativas. O termo endotoxina é utilizado para enfatizar a atividade biológica, ao passo que LPS é aplicado para se referir particularmente à estrutura química e à composição da molécula.2 A toxicidade do LPS está associada ao componente lipídico (lipídio A), e sua imunogenicidade está relacionada com os componentes polissacarídicos. O LPS é capaz de ativar o sistema do complemento pela via alternativa (properdina) e induzir uma variedade de respostas inflamatórias, resultando na amplificação da resposta imunológica contra bactérias Gram-negativas.3 Entretanto, é importante ressaltar que nem todo LPS é tóxico, uma vez que o composto sintetizado por determinadas espécies

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pode não induzir resposta imunológica, mas, de maneira inversa, pode inibir a produção de citocinas inflamatórias, como no caso do LPS da bactéria não entérica Rhodobacter capsulatus.4 Alguns autores utilizam o termo lipopolissacarídeo não tóxico para moléculas de LPS que não promovem a indução da síntese de citocinas para diferenciá-las de moléculas de LPS que promovem o aumento desses mediadores e que, em virtude dessa ação, são nomeadas LPS tóxicos.

NATUREZA QUÍMICA DO LIPOPOLISSACARÍDEO A maior parte dos trabalhos sobre a estrutura química de endotoxinas tem sido conduzida com espécies de Salmonella e Escherichia coli. O LPS pode ser extraído por tratamento com fenol 45% a 90ºC. Trata-se de moléculas anfifílicas com massa molecular de aproximadamente 10kDa, estáveis ao calor (a 100ºC, não há desestabilização de sua estrutura) e que variam amplamente quanto à composição química entre as espécies bacterianas.5 A estrutura de uma molécula de LPS é mostrada na Figura 8.1.

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

Antígeno O

Lipídio A

Core R

KDO

P

P

KDO

GlcN

Hep

KDO

P GliNac Gli

Gal

Gal

Hep

Gli

Hep

n Subunidades de repetição

P

Core externo

Core interno

GlcN P

NAG ácidos graxos

zzFigura 8.1 Representação esquemática da estrutura do LPS de bactérias Gram-negativas. A estrutura química exata do lipídio A e dos componentes polissacarídicos varia entre as espécies de bactérias, mas a sequência de componentes principais (lipídio A – core R – antígeno O) é geralmente uniforme Gli-Nac: N-acetil-d-glicosamina; Gli: glicose; Gal: d-galactose; Hep: l-glicero-d-manano-heptose; P: fósforo; KDO: ácido 2-ceto-­ 3-desoxioctanoico; GlcN: d-glicosamina; NAG: N-acetilglicosamina. Fonte: adaptada de Madigan et al., 2010.6

O LPS de várias espécies bacterianas apresenta os três componentes principais: a cadeia de polissacarídeos O-específicos, o núcleo de oligossacarídeos e a porção lipídica. Cada um desses componentes tem diferentes propriedades estruturais e funcionais.5 Cadeia

de polissacarídeos O-específicos

A cadeia de polissacarídeos O-específicos ou antí­ geno O é composta de subunidades repetidas de oligossacarídeos constituídos por 3 a 5 açúcares. As cadeias individuais variam em comprimento, podendo chegar a 40 unidades. O antígeno O é mais longo do que o core R e é o domínio hidrofílico da molécula de LPS. É o principal determinante antigênico de bactérias Gram-negativas (local de interação com o anticorpo). Variações no conteúdo de açúcar do antígeno O con­tribuem para a grande variedade de tipos antigê­nicos de Salmonella e E. coli, bem como de outras estirpes de espécies Gram-negativas. Alguns açúcares na estrutura, especialmente os terminais, conferem a especificidade imunológica do antígeno O.7 Núcleo

de oligossacarídeos

O núcleo de oligossacarídeos ou core R é uma porção intermediária, formada por uma cadeia curta de

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açúcares (p. ex., KDO-Hep-Hep-Gli-Gal-Gli-Gli-Nac). Dois açúcares incomuns, heptose e ácido 2-aceto3-deso­ xio­ ctanoico (KDO), estão geralmente presentes no core R (core interno) e ligam a cadeia de polissacarídeos ao lipídio A. O KDO é o único presente invariavelmente no LPS e, por isso, tem sido utilizado como indicador em ensaios para endotoxina. Com pequenas variações, o core R é comum a todos os membros de um gênero de bactérias (p. ex., Salmonella), mas é estruturalmente distinto em outros gêneros de bactérias Gram-negativas. Os gêneros Salmonella, Shigella e Escherichia têm núcleos semelhantes, mas não idênticos.8 Porção

lipídica

Fração A ou lipídio A é o termo utilizado para identificar os compostos químicos que se tornam insolúveis após a hidrólise ácida do LPS. A estrutura básica consiste em um dímero de N-acetilglicosamina (NAG) fosforilado com seis ou sete ácidos graxos ligados. Todos os ácidos graxos no lipídio A são saturados, de modo que alguns estão ligados diretamente ao dímero NAG e outros são esterificados, como o ácido 3-hidroxitetradecanoico (beta-hidroximirístico). A cadeia dos ácidos graxos apresenta tamanhos entre 10 e 22 átomos de carbono. O ácido beta-hidroximirístico é o ácido graxo encontrado em maior concentração e parece ser único

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Microbiota e Doenças Intestinais

Luís Fernando de Sousa Moraes • Flávia Xavier Valente • Tatiana do Nascimento Campos

Temas abordados neste capítulo As doenças intestinais são um grupo de afecções de etiologias diversas que alteram o funcionamento normal do organismo. Há evidências de que a microbiota intestinal possa estar envolvida na etiologia e no tratamento das principais doenças intestinais: doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e retocolite ulcerativa), síndrome do intestino irritável (SII), intolerância à lactose e doença celíaca.

INTRODUÇÃO O trato gastrintestinal (TGI) é responsável pela digestão e absorção de nutrientes, além de desempenhar papel metabólico e imunológico. As doenças intestinais são um grupo de afecções de etiologias diversas que alteram o funcionamento normal do organismo e podem cursar com sintomas característicos, como diarreia, constipação e má absorção. O intestino é povoado por um conjunto de bactérias anaeróbicas chamadas de microbiota intestinal, que têm participação na manutenção da homeostase por meio da sua influência no desenvolvimento do sistema imunológico inato e adaptativo e da secreção de substância com efeito bactericida. Neste capítulo, discutiremos detalhadamente o papel dessa microbiota intestinal na etiologia e no tratamento das principais doenças intestinais: doen­ças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e retocolite ulcerativa), SII, intolerância à lactose e doença celíaca.

DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS As doenças inflamatórias intestinais (DII) são desordens inflamatórias crônicas do intestino que se

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caracterizam por uma ativação inadequada da imunidade da mucosa intestinal, cujo estímulo é advindo também do conteúdo da microbiota intestinal, em indivíduos geneticamente suscetíveis.1 Seus dois principais constituintes são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa (RCU). Descrita por Crohn, Ginzburg e Oppenheimeir, em 1932, como ileíte terminal,2 a doença de Crohn é um distúrbio inflamatório multifatorial, que afeta o tubo digestório e acomete, principalmente, pontos mais específicos como a região do íleo terminal, partes do cólon e ânus.2,3 A inflamação na doença de Crohn é intercalada com áreas sadias ao lado de outras, nas quais há alterações histológicas evidentes, formação de granulomas, infiltrado inflamatório e espessamento da submucosa.2 Por sua vez, os pacientes com RCU, enfermidade idiopática crônica inflamatória, apresentam a doença limitada ao reto (proctite), afetando a porção média do sigmoide (proctossigmoidite), com envolvimento do cólon descendente até o reto (colite esquerda) e de porções proximais à flexura esplênica (pancolite).4 Em aproximadamente 25% dos pacientes, é comum a inflamação de todo o cólon.5 As DII apresentam-se com períodos de remissão e exacerbação, podendo gerar complicações graves e, às vezes, fatais.6 Frequentemente, desencadeiam

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

dor abdominal (com cólica de localização difusa), febre, fadiga generalizada, falta de apetite e sinais clínicos de obstrução intestinal ou diarreia, com perda de sangue e/ou muco7 e, até mesmo, manifestações extraintestinais, como as ulcerações orais e gastresofágicas.8 O prognóstico das DII não é favorável. Na maioria dos pacientes, o curso é crônico e intermitente, independentemente do segmento acometido.9 A RCU e a doença de Crohn são consideradas doenças raras nos países da América do Sul.10 No entanto, as DII fazem parte de uma das áreas da gastrenterologia em que há grande atividade investigadora, com aperfeiçoamento dos métodos diagnósticos, fato este que proporcionou uma melhoria dos dados epidemiológicos.11,12 Assim, a incidência das DII varia entre 3 e 20 casos por 100 mil pessoas por ano nos EUA e no Canadá.13 Em São Paulo, há uma estimativa da prevalência da doença de Crohn de aproximadamente 15/100 mil habitantes.14 Em geral, as DII apresentam uma prevalência equivalente entre homens e mulheres13 e maior ocorrência na raça branca e em judeus, sendo rara em negros e orientais.15 Iniciam-se mais frequentemente na segunda na terceira décadas de vida, porém podem afetar qualquer faixa etária.4,16 Mesmo com os avanços ocorridos nos últimos anos, a etiologia das DII ainda é incerta. É provável que a sua causa tenha origem infecciosa, imunológica, genética e ambiental.17-19 O desenvolvimento de métodos para definir a composição da microbiota intestinal revelou o papel da microbiota, no que tange à sua composição quantitativa e qualitativa, na patogênese das DII – a microbiota de pacientes com a doença difere daquela encontrada em pessoas saudáveis.20 Assim, a composição alterada da microbiota intestinal (disbiose), bem como defeitos na barreira intestinal e alterações na resposta imune inata e adaptativa podem levar a uma condição inflamatória crônica desregulada característica dessas doenças.21 Papel

da microbiota intestinal nas DII

A microbiota intestinal é de grande relevância no desenvolvimento da inflamação crônica, o que inclui as DII. No entanto, ainda permanece obscuro

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em humanos se alterações na composição da microbiota contribuem para que as DII sejam desencadeadas, mesmo já havendo indícios de que essas alterações possibilitem que patógenos alcancem a barreira intestinal, provoquem uma inflamação crônica e, por conseguinte, desencadeiem a doença.20 Dessa maneira, a microbiota intestinal é um importante fator ambiental na etiologia das DII. Em certos modelos animais com DII, a inflamação não é induzida naqueles que não apresentam a microbiota intestinal (germ-free conditions).22 Pacientes com DII, particularmente aqueles com doença de Crohn, podem ter uma perda da tole­ rância a antígenos bacterianos específicos e autoan­ tígenos, sendo agrupados em quatro grupos, a depender do seu padrão de resposta imunológica:23 1. Anticorpos contra Saccharomyces cerevisiae (ACSC). 2. Anticorpos contra a proteína porina C na membrana externa de Escherichia coli. 3. Anticorpos contra sequências associada a Pseu­ domonas fluorescens. 4. Anticorpos contra antígenos nucleares, como o anticorpo citoplasmático antineutrófilo perinuclear.24 Pacientes com altos níveis sorológicos de ACSC apresentam uma doença mais grave e são mais indicados à cirurgia de intestino.23 Os Bacteroides e Firmicutes estão reduzidos em pacientes com DII.25 O número reduzido de Bacteroides fragilis, simbionte humano, pode contribuir para a inflamação, já que ele apresenta efeitos protetores. Dentre os Firmicutes, Faecalibacterium prausnitzii tem propriedades anti-inflamatórias e, em quantidades diminuídas, está associado a um risco de recorrência pós-ressecção ileal.26 As bactérias predominantes em secções inflamatórias do tecido de pacientes com RCU em geral pertencem ao gênero Lactobacillus.27 Eles também apresentam menor diversidade bacteriana, com um percentual maior de Actinobacteria e menor de Proteobacteria em comparação a indivíduos saudáveis. No entanto, uma maior abundância relativa de Enterobacteriaceae, sobretudo Escherichia coli, foi observada em pacientes com doença de Crohn, notavelmente na microbiota associada à mucosa.28-30

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Microbiota do Trato Gastrintestinal e Doenças Cardiovasculares

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Tatiana Fiche Salles Teixeira

Temas abordados neste capítulo As doenças cardiovasculares (DCV) são uma das mais prevalentes no mundo. Uma rede complexa de fatores de risco interage de modo a convergir o aumento da captação de lipídios oxidados e o processo inflamatório na progressão de lesões na parede das artérias. As infecções no periodonto e alterações da microbiota intestinal parecem interagir nessa complexa rede de fatores de risco, incluindo genética e dieta, que culminam com a formação de células espumosas. Nesse sentido, este capítulo aborda os mecanismos gerais de regulação do colesterol, a caracterização de microrganismos orais e intestinais no contexto de pacientes com DCV, e como eles podem contribuir para a aterosclerose, em especial o papel de lipopolissacarídeos (LPS), metabólitos da atividade microbiana (TMAO) e ácidos biliares nesse cenário.

INTRODUÇÃO A interação entre fatores genéticos e ambientais (ta­ bagismo, dieta, sedentarismo) pode resultar no es­ tabelecimento de condições de risco, que incluem dislipidemia, hipertensão, obesidade e diabetes. Essas condições, por sua vez, podem influen­ciar o desen­ volvimento de DCV, como doença arterial corona­ riana (DAC) – aterosclerose – a qual é muitas vezes essencial para a ocorrência de doenças isquêmicas do coração. A aterosclerose é um processo crônico e progressivo. Clinicamente, há uma longa fase assin­ tomática, que durante anos passa a se manifestar por meio de sintomas associados à isquemia crônica em órgãos afetados ou ao processo de desestabilização da placa e formação de trombos.1 O principal marco patogênico da aterosclerose é a interação bidirecional entre lipídios oxidados que se acumulam em macrófagos e o início da inflama­ ção, sendo a formação de células espumosas um evento que retrata essa complexa interação na gra­ dual progressão da aterosclerose para uma doença

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inflamatória crônica.2,3 Dessa maneira, o acúmulo e a oxidação de lipídios na parede arterial e mecanis­ mos imunes inflamatórios crônicos estão envolvidos na formação da lesão aterosclerótica ao longo de anos. Fatores de risco tradicionais, incluindo marca­ dores inflamatórios como proteína C-reativa (PC-R) e dislipidemia, explicam cerca de metade dos casos de aterosclerose da carótida, ao passo que 10% das DCV são atribuídas a fatores hereditários.1 Portanto, outros fatores além desses contribuem para a ocor­ rência de DCV, sendo a interação com microrga­ nismos da cavidade oral ou do trato gastrintestinal (TGI) um fator, senão causador, pelo menos poten­ cializador. O postulado de Robert Koch estabelece três cri­ térios para que um agente infeccioso seja conside­ rado causador da doença:4 1. O organismo causador deve ser isolado do hos­ pedeiro afetado.

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

2. O agente infeccioso deve ser identificado por cultura ou diretamente por microscopia. 3. A transferência do agente infeccioso para um hospedeiro suscetível produz a doença. Já nos anos 1980, foi apontada a existência da associação entre saúde dental e infarto agudo do miocárdio. Desde então, a periodontite é um tipo de infecção cada vez mais associada à ocorrência de problemas cardiovasculares, apontando para a possível participação da microbiota oral na indução e na progressão da aterosclerose.5 Similarmente, a comunidade microbiana intestinal, formada e re­ modelada sob influência de fatores genéticos e ambientais, parece estabelecer uma relação com­ plexa com o hospedeiro e influenciar a homeosta­ se fisiológica por meio da produção de compostos

biologicamente ativos que ganham a circulação, entre outros mecanismos.6 O intestino é um órgão que demanda muito sangue, de modo que a redução do débito cardía­ co e/ou edema intestinal em função da congestão sistêmica em pacientes com insuficiência cardía­ ca aumentam o risco de isquemia intestinal não oclusiva. Casos de insuficiência cardíaca ilustram a existência do eixo cardiovascular-intestinal (Figura 11.1). O menor fluxo sanguíneo para o intestino em função da insuficiência cardíaca afeta a mor­ fologia, a permeabilidade e a função intestinal. A composição da microbiota intestinal também pode sofrer mudanças em função de isquemia e re­perfusão intestinal ou do aumento da pressão da veia porta.6,7

Disfunção endotelial, ativação inflamatória, células espumosas, aterosclerose, eventos cardiovasculares adversos

Dislipidemia, hipertensão, obesidade e diabetes

Insuficiência cardíaca: ↓ débito cardíaco, congestão sistêmica

Débito cardíaco normal

Eixo cardiovascularintestinal

Morfologia, permeabilidade, função intestinal e microbiota intestinal fisiológica

↓ do fluxo sanguíneo intestinal

Edema intestinal

↑ LPS, TMA entre outros na circulação

Alteração da morfologia, permeabilidade e da microbiota intestinal

zzFigura 11.1 Eixo cardiovascular-intestinal. A falha do sistema cardiovascular em proporcionar o fluxo sanguíneo adequado ao funcionamento normal do intestino, como em casos de insuficiência cardíaca, provoca muitas alterações locais nesse órgão. O não fornecimento adequado de sangue às celulas intestinais acaba afetando a morfologia delas e, com isso, a estrutura que controla a permeabilidade e até mesmo a microbiota nas proximidades celular. A alteração da microbiota em associação a maior permeabilidade poderia, além de aumentar a produção de diferentes metabólitos (p. ex., trimetilaminas, acetaldeídos), fornecer moléculas microbianas (LPS) ou mesmo permitir a translocação bacteriana, o que, em última instância contribui para exacerbar a insuficiência cardíaca por induzir ativação inflamatória, disfunção endotelial e formação de células espumosas LPS: lipopolissacarídeos; TMA: trimetilamina.

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Microbiota do Trato Gastrintestinal e Doenças Cardiovasculares

O entendimento de que há uma complexa li­ gação entre o sistema cardiovascular e o intestinal fortalece a visão da conexão de microrganismos (agentes infecciosos) com a aterosclerose, influen­ ciando essa interação entre lipídios e inflamação. A ativação de genes inflamatórios na parede dos vasos e as subsequentes aderência, quimioatra­ ção, migração subendotelial, retenção e ativação de células imunes, como monócitos e células T, são consideradas eventos críticos na iniciação, na progressão e na desestabilização da aterosclero­ se.8 Nesse sentido, tendo como pontos-chave o microrganismo e a doença, a Figura 11.2 resume que o desenvolvimento da DCV pode ocorrer por

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diferentes mecanismos, que possivelmente atuam de modo sinérgico, dependentes ou não do meta­ bolismo microbiano e/ou da ação direta e indireta de microrganismos. Ao longo do texto, serão abordadas as diver­ sas evidências que sugerem a participação dos microrganismos no desenvolvimento da lesão ar­ terial. Atividade metabólica dos microrganismos sobre os substratos disponibilizados no TGI do hospedeiro resulta na produção de metabólitos que potencialmente influenciam os mecanismos de regulação da homeostase de colesterol (me­ canismos dependentes do metabolismo microbia­ no). Além disso, como foi visto na Figura 11.1,

Fatores genéticos

Dislipidemia

Marcadores inflamatórios

Dieta

↑LDL e TGL ↓HDL

Microrganismos orais, intestinais

Independente do metabolismo microbiano

LPS

Produção de espécies reativas de oxigênio, citocinas, prócoagulantes e alteração do metabolismo lipídico

Ativação de vias inflamatórias

Infecção de leucócitos já presentes no ateroma

Efeitos indiretos

Lesão arterial Progressão

Iniciação Aderência

Dependente do metabolismo microbiano

Migração subendotelial

Quimiotração

Produção de metabólitos (TMAO), coprostanol, ácidos biliares e secundários

Alteração da homeostase de colesterol

Desestabilização Retenção e ativação de células imunes

Lise celular

Disfunções

Infecção ou transformação de células musculares lisas ou endoteliais dos vasos sanguíneos

Efeitos diretos

Pró-coagulantes Produção de citocinas pelas células endoteliais Recrutamento, aderência e ativação de leucócitos Proliferação celular

zzFigura 11.2 Visão geral do desenvolvimento da aterosclerose. Uma complexa rede de interações entre os cinco principais fatores (genéticos, dieta, dislipidemia, marcadores inflamatórios e microrganismos) contribui para as diferentes fases de desenvolvimento da aterosclerose (iniciação, progressão e desestabilização). O foco deste capítulo é especialmente em relação à microbiota oral e intestinal LDL: lipoproteína de baixa densidade; TGL: triglicerídeos; HDL: lipoproteínas de alta densidade; TMAO: N-óxido de trimetilamina.

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11-Microbiota Gastrintestinal.indd 248 Atenua inflamação sistêmica

↑Mediadores inflamatórios e ativa o inflamassomo ↓Inflamação crônica induzida por patógeno

↓Mediadores inflamatórios e evasão da ativação do inflamassomo

Liberação de vesículas contendo LPS

Sobrevive no macrófago e dissemina para outros sítios

Induz respostas inatas destrutivas

↓ As defesas

Ativa imunidade inata

Aterosclerose

+

Inflamação sistêmica

Inflamação oral e perda óssea não dependente da estrutura do lipídio A (TLR2)

Periodontite

Permite P. gingivalis colonizar a microbiota oral

Recrutamento de células imunes e ativação da inflamação local na artéria lesionada

Invasão e ativação de células endoteliais

Migração de bactérias para corrente sanguínea

na microbiota oral resultam da sua capacidade de reduzir a produção de IL-8 pelas células epiteliais gengivais e das modificações na estrutura do lipídio A que evadem o reconhecimento dela na cavidade oral. A inflamação local na região do periodonto e a perda óssea independem do tipo de estrutura de lipídio A da bactéria, implicando a participação de TLR2. As lesões destrutivas provocadas pela resposta imune inata permitem bacteriemias transitórias que podem resultar em invasão e ativação de células endoteliais dos vasos e, com isso, exacerbar a resposta imune localizada na artéria lesionada. A quantidade de grupos fosfatos é um dos aspectos de alteração do lipídio A, que pode torná-lo agonista ou antagonista do TLR4. Surpreendentemente, o tipo de estrutura antagonista de TLR4 é que parece favorecer o desenvolvimento da aterosclerose, uma vez que se associa a menor intensidade de mediadores inflamatórios e evasão do inflamassomo

zzFigura 11.4 Mecanismos que favorecem a indução de periodontite e aterosclerose pela bactéria Porphyromonas gingivalis. A colonização e persistência da P. gingivalis

Lipídio A antagonista

Lipídio A agonista

Número de grupos fosfatos

Modulação da resposta imune pela ativação ou não do TLR4

Alteração da estrutura do lipídio A (LPS)

Porphyromonas gingivalis

↓IL-8 (quimiotático e ativador de leucócitos)

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Maior potencial para o transporte de açúcares simples e aminoácidos; para o metabolismo de glicerolipídios e a degradação de ácidos graxos Aumento de genes para a síntese de antígeno-O do LPS (consistente com o enriquecimento de Enterobacteriaceae), de enzimas microbianas envolvidas na formação de TMA Reduzido potencial de metabolizar glicanos, como os glicosaminoglicanos, para a síntese da maioria das vitaminas, em especial, de tetrahidrofolato; para a síntese de ácidos graxos de cadeia curta Redução de genes para a síntese de lipídio A (possivelmente em função do menor nível do gênero Gram-negativo Bacteroides, o qual representa espécies produtoras de lipídio A penta-acilados não inflamatório)

F. cf. prausnitzii: ácido úrico sérico

Metagenoma Pacientes versus controles

K. oxytoca versus AST, alfahidroxibutirato desidrogenase e creatina cinase Streptococcus sp. C300, Streptococcus sp. oral taxon 07173H25Ap, S. salivarius, Oribacterium sinus, Clostridium perfringens versus pressão arterial sistólica ou diastólica

Atopobium parvulum Eggerthella lenta Enterobacteriaceae (Escherichia coli) Escherichia Klebsiella spp., Enterobacter aerogenes) Lactobacillus salivarus Ruminococcus gnavus Solobacterium moorei Streptococcus spp.

Chineses com doença aterosclerótica (n = 218) versus chineses saudáveis (n = 187)

HDL: lipoproteína de alta densidade; LDL: lipoproteína de baixa densidade; PCR: reação em cadeia da polimerase; TGL: triglicerídios; GS-GOGAT: glutamina sintetase – glutamato sintase; ATP: adenosina trifosfato; AST: aspartato aminotransferase; LPS: lipopolissacarídeos; TMA: trimetilamina.

Jie et al. (2017)31

Alistipes shahii Bacteroides Bacteroides spp. Faecalibacterium cf. prausnitzii Prevotella Prevotella copri Roseburia intestinalis

Enriquecimento de genes codificadores da síntese de peptidoglicano Enriquecimento do sistema GS-GOGAT, o qual a microbiota utiliza para assimilação de nitrogênio em aminoácidos. Em particular, a reação ATP-depedente catalisada pela glutamina sintase e glutamato sintase Depleção de genes da via de fitoeno desidrogenase (os pacientes também apresentaram baixos níveis circulantes de betacaroteno) Butirato-acetoacetato-CoA transferase (possivelmente proveniente de Clostridium sp. SS2/1) correlacionou-se negativamente com PCR Correlação positiva entre triglicerídios plasmáticos e abundância de vários KO na via de metabolismo de ácidos graxos, especificamente betaoxidação

Roseburia versus células brancas Eubacterium e Erysipelotrichaceae versus LDL e colesterol Clostridium, Peptostreptococcus, Clostridiales versus PCR Parabacteroides e Odoribacter versus TGL

Metagenoma Pacientes versus controles

Akkermansia e Acidaminococcus versus HDL Anaerotruncus versus LDL e colesterol

Bacteroides sp. Bacteroides xylanisolvens Eubacterium Roseburia

Collinsella

Correlação negativa

Suecos com aterosclerose sintomática (n = 12) Suecos controles (n = 13) pareados por sexo e idade

Karlsson et al. (2012)32

Correlação positiva

Grupos microbianos ↓ nos pacientes versus controles

Amostra

Referência

Grupos microbianos ↑ nos pacientes versus controles

zzTABELA 11.2 Caracterização da microbiota fecal de indivíduos suecos e chineses com aterosclerose, assim como do metagenoma

Microbiota do Trato Gastrintestinal e Doenças Cardiovasculares

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

Precursores

de TMA, TMAO, microbiota e risco de doenças cardiovasculares

Heianza et al. (2017)74 apresentam uma metanálise de estudos prospectivos e sugerem que indivíduos com níveis maiores de TMAO evidenciam risco 62% maior de manifestar um evento cardiovascular adver­ so ou 63% maior de morte por todas as causas. Essa relação parece ser independente de fatores de risco convencionais, como disfunção renal, diabetes e obe­ sidade. Os autores destacam que os níveis de TMAO foram medidos em um único momento, não captu­ rando os níveis desse metabólito em longo prazo.74 A associação de níveis mais elevados de TMAO a maior de risco de mortalidade já foi sugerida tam­ bém em outros estudos.73,75-79 A maior produção de TMAO, mais do que a exposição a seus precur­ sores colina e/ou betaína, é o que parece direcio­ nar o desenvolvimento de eventos cardiovasculares futuros.78 Indivíduos que não apresentam eleva­ dos níveis de TMAO, mesmo que possuam altos níveis de colina e betaína (produtores ineficientes de TMAO), têm significativamente menos chances de um evento cardiovascular adverso em compara­ ção àqueles que apresentam uma microbiota que prontamente produz altas taxas de TMA e TMAO (produtores eficientes de TMAO).78 Os três metabólitos dietéticos da fosfatidilcolina – colina, betaína e TMAO – foram também con­ siderados preditores independentes do risco de um evento vascular em modelo animal. Os níveis de TMAO em animais ApoE−/− correlacionaram-se positivamente ao aparecimento e ao tamanho do ateroma. A suplementação de animais ApoE−/− com 1% de colina aumenta a formação de células es­ pumosas e a expressão de receptores scavenger (CD36) em macrófagos, de modo que esse efeito é evitado pelo tratamento com antibiótico.80 A participação da microbiota no contexto das DCV e da produção de TMAO tem sido sugerida. De fato, a microbiota humana apresenta, por exemplo, o microrganismo comensal Proteus mirabilis, o qual possui atividade de colina-TMA liase, ou seja, ca­ pacidade de quebra da ligação C-N da colina para

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formar TMA e acetaldeído. O complexo enzimático único com radical glicil é composto de um polipep­ tídio catalítico, CutC, e uma proteína associada ati­ vadora, CutD. Outros complexos enzimáticos com atividade TMA liase também foram isolados de outras bactérias, como Acinetobacter baumannii (cntA/cntB, cujo substrato específico para pro­ dução de TMA é a carnitina), e de E. coli DH10B (YeaW/X com grande homologia para cntA/B pos­ sui maior amplitude de substratos para síntese de TMA, como colina, carnitina).81 Membros da classe Gammaproteobacteria, que engloba vários microrganismos deterioradores de alimentos, são capazes de reduzir TMAO a TMA e incapazes de posteriormente oxidar TMA. A con­ versão de TMAO a TMA pelas bactérias representa uma forma única de respiração anaeróbica, na qual a TMAO redutase atua como aceptora final de elé­ trons (de NADH ou formato). Dados metagenômicos sugerem que Proteobacteria (em especial Escherichia e Klebsiella spp.) contribuem fortemente para a pro­ dução de TMA a partir de TMAO no intestino huma­ no pela via da TMAO redutase, com Actinobacteria (Eggerthellaceae) se tornando mais importante sob estresse. O uso de antibiótico em camundongos re­ duz drasticamente a conversão TMAO a TMA, in­ dicando dependência da microbiota. Há indícios de que algumas bactérias que participam desse proces­ so sejam resistentes ao antibiótico. O TMA produzi­ do pela microbiota é absorvido e reoxidado a TMAO pelo fígado. Em sistema in vitro, o crescimento de Enterobacteriaceae, o principal produtor de TMA, foi rapidamente afetado pela TMAO.69 Importante destacar que isolados cecais de enterobactérias produzem mais TMA a partir de TMAO do que isolados fecais do mesmo grupo. A velocidade de conversão de TMAO a TMA por Enterobacteriaceae sugere que essa reação ocorra no intestino delgado ou cólon proximal de huma­ nos e intestino delgado/ceco de camundongos. A microbiota cecal – representada pela microbio­ ta presente na interseção do intestino delgado e grosso – é metabolicamente mais ativa do que seus semelhantes fecais em respeito ao metabolismo de TMAO. Tal informação se torna importante para

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Microbiota Intestinal, Obesidade, Esteato-hepatite Não Alcoólica e Diabetes Melito Tipo 2

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Tatiana Fiche Salles Teixeira • Ana Paula Boroni Moreira • Rita de Cássia Gonçalves Alfenas

Temas abordados neste capítulo Recentemente, as pesquisas científicas evidenciaram uma importante relação entre a microbiota intestinal e a manifestação de doenças metabólicas. Os resultados de diversos estudos mostram que a microbiota representa uma fonte de variabilidade metabólica para o hospedeiro, influenciando a extração e o armazenamento de energia, a expressão gênica, a inflamação subclínica e outros processos bioquímicos. Nesse sentido, este capítulo discute os principais destaques apontados pela comunidade científica em relação à participação da microbiota intestinal na obesidade, na esteato-hepatite não alcoólica (EHNA) e no diabetes melito tipo 2 (DM2).

INTRODUÇÃO Há evidências científicas do aumento da prevalência de obesidade, EHNA e DM2 em todo o mundo. O desenvolvimento dessas doenças metabólicas é atribuído a uma combinação de fatores genéticos e ambientais, os quais são representados principalmente pelo tipo de dieta ingerida e pela prática de atividade física. A partir de 2004, mais um fator ambiental foi apontado como importante para o controle do peso, do metabolismo hepático, da sinalização insulínica e da homeostase energética: a microbiota intestinal. As primeiras evidências da relação microbiota intestinal versus obesidade, dano hepático e DM2 foram constatadas em animais germ-free (GF) convencionalizados. Esses animais, mesmo consumindo menor quantidade de dieta e, portanto, menos calorias em comparação aos animais GF, apresentaram aumento da quantidade de gordura corporal. Além disso, após inoculação de conteúdo intestinal proveniente de animais criados convencionalmente, houve aumento do nível sanguíneo de insulina,

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leptina, glicose e do conteúdo hepático de triacilgliceróis.1 Nesse contexto, este capítulo aborda as diferenças na composição da microbiota intestinal na obesidade e os mecanismos indicados para explicar a influência da mesma na regulação do ganho de peso e nas alterações metabólicas, como o desenvolvimento da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA, com ênfase na EHNA) e do DM2.

COMPOSIÇÃO DA MICROBIOTA INTESTINAL NA OBESIDADE, NA ESTEATO-HEPATITE NÃO ALCOÓLICA E NO DIABETES MELITO TIPO 2 O grupo de pesquisa liderado por Jeffrey Gordon foi um dos primeiros a comprovar que a ecologia microbiana intestinal está alterada em resposta ao aumento da adiposidade. Em animais geneticamente obesos (ob/ob), foram observadas elevada proporção de grupos bacterianos pertencentes ao filo Firmicutes e reduzida proporção de grupos

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

zzTABELA 12.1 Composição da microbiota intestinal de humanos obesos e sobrepesos em relação a indivíduos-controle Grupos

Larsen et al. (2010)5

Turnbaugh et al. (2009)10

Tiihonen et al. (2010)17

Ley et al. (2006)18

18 DM2, 18 EUT (qPCR e pirossequenciamento)

154 OB e EUT gêmeos (metagenômica)

20 OB, 20 EUT (FISH, qPCR)

12 OB, 2 EUT (sequenciamento)

Referência

Características do estudo

Eubacteria

↔ ↓

Bacteroides/Firmicutes Grupos

Bacteroidetes

↑*

Bacteroides

↑*

Bacteroides fragilis Prevotella

↑*

Firmicutes

Clostridia

Grupo Clostridium coccoides A

Roseburia-Eubacterium rectale Grupo Clostridium leptum

↑*

Subgrupo Ruminococcus flavefaciens Grupo Clostridium hystoliticum ↔

Clostridium perfringens B

Lactobacillus-Enterococcus

Staphylococcus aureus Veillonella C

D

Actinobacteria

↑ ↑

Bifidobacterium Proteobacteria

↑*

Betaproteobacteria

Enterobacteriaceae Escherichia coli

E

Akkermansia muciniphila Methanobrevibacter smithii

Contagem maior (↑) ou menor (↓), porém não significativa (*); (↔) nível ou contagem semelhante. A: Bacteroidetes; B: Firmicutes; C: Actinobacteria; D: Proteobacteria; E: outros; EUT: controles (eutróficos); SP: sobrepeso; OB: obeso; DM2: diabetes melito tipo 2; IMC: índice de massa corporal; DHGNA: doença hepática gordurosa não alcoólica; FISH: hibridização fluorescente in situ; qPCR: reação em cadeia da polimerase quantitativa. Fonte: adaptada de Lyra et al., 2010.3

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Microbiota Intestinal, Obesidade, Esteato-hepatite Não Alcoólica e Diabetes Melito Tipo 2

Collado et al. (2008)19

Duncan et al. (2008)20

Armougom et al. Zhang (2009)22 (2009)21

Malinen et al. Scarpellini (2010)23 et al. (2010)24

Wu et al. (2010)25

Shen et al. (2017)26

36 EUT gestantes, 18 OB (FISH, qPCR)

33 OB, 24 EUT, (FISH)

20 OB (IMC 47), 20 EUT (IMC 20) (qPCR)

22 SB 17 EUT 33 OB, 33 (qPCR) SP, 30 EUT (qPCR)

16 DM2, 12 EUT (qPCR)

25 DHGNA (IMC 29), 22 EUT (IMC 22) (qPCR)

3 OB, 3 EUT (pirossequenciamento, qPCR)

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↔ ↑

↓ ↑

↓* ↓*

↔ ↑

↑*

↓ ↔

↓ ↑

↓ ↔

2: n

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Microbiota Intestinal, Obesidade, Esteato-hepatite Não Alcoólica e Diabetes Melito Tipo 2

Em animais não obesos e sem a preexistência de disfunções metabólicas, os efeitos da cirurgia RYGB também foram testados. Além da redução do peso e da ingestão alimentar, houve alterações na ecologia microbiana. Foram verificados redução nos representantes de filos Firmicutes (inclusive família Clostridiaceae) e Bacteroidetes, bem como aumento correspondente de Proteobacteria (família Gammaproteobacteria).29 Não é possível afirmar o quanto essas mudanças na ecologia microbiana contribuem para a perda de peso após a cirurgia, tampouco as consequências metabólicas dessa alteração em longo prazo.

MECANISMOS QUE RELACIONAM MICROBIOTA INTESTINAL COM GANHO DE PESO E HIPERGLICEMIA Várias revisões da literatura têm sido publicadas recentemente com o intuito de discutir como a microbiota intestinal pode influenciar o desenvolvimento de doenças metabólicas.31-36 Alguns dos processos mais citados e muitas vezes complementares sob influência da microbiota intestinal são: Extração de energia adicional da dieta: capilarização intestinal e produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC). Expressão gênica, homeostase energética e modulação do metabolismo. Indução de inflamação e resistência à insulina por meio da alteração da permeabilidade intestinal e aumento da quantidade de endotoxinas circu­ lantes. Modulação do eixo cérebro-intestino e do sistema endocanabinoide. A seguir, discutiremos com detalhes os quatro itens mencionados anteriormente. Extração

da dieta

de energia adicional

A transferência de H2 entre espécies bacterianas e Archaea é uma das hipóteses centrais utilizadas para explicar a maior capacidade da microbiota em

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extrair energia da dieta. O aumento na metanogênese pela oxidação de H2 facilita a fermentação de polissacarídeos de plantas e outros carboidratos por fermentadores produtores de H2, por exemplo, organismos da família Prevotellaceae. A fermentação acelerada estimula a hidrólise de matéria orgânica geralmente não digerível e acarreta produção de acetato, que pode ser absorvido no intestino e utilizado pelo hospedeiro. Foi observado que indivíduos obesos apresentaram maior abundância de Archaea e Prevotellaceae, o que indica que a microbiota do obeso favorece a metanogênese.37 Outras evidências de que a microbiota intestinal de obesos favorece a maior extração energética da dieta são originadas de estudos com animais germ-­ free (GF): A convencionalização dos animais GF favorece o desenvolvimento da microvasculatura intestinal por meio da sinalização das bactérias com células epiteliais específicas (células de Paneth).38 Esse aumento da capilarização da vilosidade intestinal contribui para a absorção de nutrientes. Mesmo consumindo maior quantidade de dieta, os animais GF apresentam menor percentual de gordura corporal em comparação ao animal que foi convencionalizado, mesmo consumindo menos dieta.1 A inoculação de microbiota de animal obeso em animais GF resulta em maior produção de acetato e propionato por grama de conteúdo cecal e maior ganho de gordura corporal do que a ino­ culação de microbiota de animal magro.16 O consumo de dieta ocidental com alto teor de lipídios e açúcares, a qual é tradicionalmente utilizada em modelos animais para induzir obesidade, não promove obesidade nos animais GF.39,40 Na ausência da microbiota, o consumo de uma dieta obesogênica parece não estimular o desenvolvimento da obesidade. O microbioma intestinal é enriquecido com um maquinário enzimático para biodegradação de substratos da dieta que normalmente não são ou são pouco absorvidos pelos humanos (alguns tipos de carboidratos complexos, glicanos ou açúcares). Assim, a ideia de que a microbiota contribui para maior extração energética

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Interações entre a Microbiota Intestinal e o Sistema Nervoso

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Márcia de Carvalho Vilela • David Henrique Rodrigues

Temas abordados neste capítulo Há evidências recentes de que as interações que ocorrem entre sistema imunológico e sistema nervoso central (SNC) e, noutro extremo, entre a microbiota e o sistema imunológico indicam o potencial das bactérias intestinais em influenciar o funcionamento do sistema nervoso e, com isso, o comportamento do hospedeiro. Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é explorar a literatura científica que tenta explicar a influência indireta (via sistema imunológico) ou mesmo direta da microbiota intestinal sobre o SNC.

INTRODUÇÃO A simbiose entre o corpo humano e a microbiota intestinal é imprescindível para a manutenção da vida. Além de participar do processo final de digestão e absorção de alimentos, os microrganismos presentes no intestino também são essenciais para o correto funcionamento do sistema imunológico. A resposta imunológica em animais que não possuem microbiota, denominados camundongos germ-­free (GF), é profundamente alterada1 e conjectura-se que alguns elementos do sistema imunológico existam para que nosso corpo possa estabelecer simbiose com vários desses microrganismos.2 A literatura vem refutando o tradicional dogma de que o SNC seja um sistema “imunoprivilegiado”, ou seja, inacessível a influências imunológicas. Algumas das evidências da interação entre o sistema imunológico e o SNC são: O sistema imunológico é capaz de modular o desenvolvimento e o funcionamento cerebral durante o crescimento e na vida adulta.3 Neurônios, astrócitos e micróglia expressam receptores de moléculas produzidas por células

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imunológicas4 e neurônios respondem a moléculas do sistema imune inato, como citocinas, quimiocinas e componentes de cascata do complemento.5 Surpreendentemente, o SNC apresenta um sistema de vasos linfáticos, que, embora tenha características peculiares, também exibe várias das características dos vasos linfáticos do restante do corpo, como drenagem de fluidos e transporte de células do sistema imune para linfonodos.6 Assim, considerando-se os vários pontos em que esses sistemas interagem, não é surpreendente que o comportamento, um fenômeno dependente do SNC, seja influenciado por alterações no sistema imunológico. Em diversas doenças, frequentemente em infecções virais, o paciente relata um estado de desânimo, anedonia, enfraquecimento e falta de apetite. Esse conjunto de sinais não específicos que ocorrem tanto em animais quanto nos seres humanos7 é coletivamente denominado “comportamento de doente” ou sickness behavior, resultando de alterações no sistema imunológico do doente provocadas por infecções de microrganismos. Quando o hospedeiro é infectado por bactérias, o sistema imunológico pode iniciar uma resposta

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inflamatória. As células do sistema imunológico produzem citocinas pró-inflamatórias e mediado­res, como as prostaglandinas, que são sinaliza­doras para o SNC e o sistema nervoso periférico8 em resposta ao lipopolissacarídeo (LPS) bacteriano. Funções cerebrais, como termorregulação, controle endócrino, sono, comportamento social e aprendizagem são alteradas nos pacientes acometidos por bactérias patogênicas.

Percebemos, então, que é possível definir um “eixo microbiota-intestino-cérebro” (Figura 13.1). A interação dos componentes desse eixo ocorre pelas seguintes vias:9 Mensagens neuronais via nervo vago e neurônios aferentes espinhais. Citocinas. Hormônios intestinais. Produtos derivados da microbiota.

Neurônio

Corrente sanguínea

Via nervo vago

Via fatores plasmáticos (intestino)

Corrente sanguínea

Células do intestino

Microbiota

zzFigura 13.1 Mecanismos de comunicação entre sistema nervoso central e microbiota intestinal. Fatores produzidos no intestino (círculos pequenos pretos) sob influência da microbiota (bastões) podem ser absorvidos por células do intestino, ter acesso à corrente sanguínea e se ligar a receptores presentes em neurônios no sistema nervoso central. Como alternativa, fatores produzidos no intestino podem se ligar ao nervo vago, que transmitirá o sinal para o sistema nervoso central

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Potencial de Efeitos Benéficos do Uso de Probióticos nas Doenças Intestinais e Crônicas

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Łukasz Marcin Grze'skowiak• Tatiana Fiche Salles Teixeira

Temas abordados neste capítulo O equilíbrio da microbiota gastrintestinal contribui para a homeostase geral do intestino e da saúde do hospedeiro. No último século, sugeriu-se que bactérias benéficas, classificadas como probióticos, desempenham papel na modulação da composição e da atividade da microbiota e, com isso, na manutenção ou melhora da saúde. Probióticos para a nutrição humana, como aditivos alimentares ou suplementos, objetivam estabelecer uma microbiota “saudável”, conceito que ainda está em desenvolvimento. Cada vez mais, a recomendação de seu uso se populariza, embora a indicação ou escolha do probiótico para objetivos ou condições de saúde específicos seja um desafio para profissionais ou consumidores. Este capítulo visa citar estudos em humanos que, por meio do uso de probióticos, observam efeitos benéficos aos grupos suplementados em diferentes condições clínicas.

INTRODUÇÃO Nos últimos 45 anos, o campo de pesquisas relacionadas com os probióticos cresceu de poucos estudos laboratoriais para uma entidade de pesquisa legítima e translacional que demonstra potenciais benefícios aos humanos. Para ilustrar tal expansão, o número de publicações desde 1973 saltou de menos de 20 para cerca de 20 mil. Puebla-Barragan & Reid (2019)1 apontam três razões para esse crescimento: 1. A busca por alternativas aos medicamentos atuais cuja eficácia é subótima ou os efeitos colaterais são graves. 2. O crescente interesse em produtos naturais e microrganismos, em função dos estudos que demonstram as relações funcionais entre microrganismos e humanos e com o planeta. 3. Evidências das propriedades genéticas e metabólicas de cepas probióticas e estudos clínicos demonstrando sua efetividade.

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A definição para probióticos proposta pela Food and Agriculture Organization (FAO)/World Health Organization (WHO) em 20022 foi reafirmada em 2014 pela Associação Científica Internacional para Probióticos e Prebióticos (ISAPP; do inglês, International Scientific Association for Probiotics and Prebiotics),3 sendo a mais utilizada atualmente: “microrganismos vivos que, quando consumidos em doses adequadas, conferem um efeito benéfico à saúde do hospedeiro”. Nesse sentido, dois pontos importantes da definição de probióticos podem ser ressaltados para aqueles que pretendem indicar ou escolher o seu consumo: a viabilidade (vivos) e a adequação da dose. De acordo com a definição atual, o efeito benéfico exercido por um probiótico está condicionado à sua viabilidade no momento do consumo e à sua sobrevivência ao longo do trato gastrintestinal (TGI) do hospedeiro. Nas últimas décadas, microrganismos não viá­ veis (o que automaticamente inviabiliza a sua deno-

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

minação como probióticos) têm recebido atenção e colocado em discussão esse critério de viabilidade para que algum benefício seja obtido. Existem relatos de potencial efeito benéfico na prevenção da adesão de patógenos ao muco, no estímulo ao sistema imune e no tratamento de diarreia. Além disso, tem-se reconhecido que frações celulares de determinados probióticos, como enzimas, polissacarídeos, peptídios, ácidos orgânicos, entre outros, exercem efeito benéfico ao hospedeiro. Dessa maneira, um novo termo é proposto – pós-­biótico – para designar as células não viáveis e os derivados microbianos com efeitos benéficos ao hospedeiro.4 Os probióticos formam um grupo de microrganismos que diferem entre si em relação aos benefícios proporcionados à saúde de quem os consome. O guia para avaliação e seleção de probióticos para uso em alimentos estabelecido pela FAO/WHO em 2002 mostra que os probióticos devem ser caracterizados até o nível de cepa, já que os efeitos deles são cepa-específicos. A eficácia e a segurança de cada espécie e cepa (ou estirpe) específicas devem ser avaliadas individualmente, assim como a vigilância e condução de estudos epidemiológicos precisos. A eficácia de probióticos para humanos deve ser comprovada por ensaios clínicos em humanos. Os benefícios obtidos vão depender da cepa ou combinação de cepas, da dose, do estado de saúde ou estágio da doença, tempo de uso, bem como de fatores do hospedeiro (genética, dieta). As formas de se mensurar o(s) benefício(s) incluem:2 Melhora de determinada condição, sintoma, sinal. Melhora do bem-estar ou qualidade de vida. Redução do risco de doença. Longo período de remissão até o próximo episódio de doença. Rápida recuperação de alguma doença. A maioria dos microrganismos probióticos consiste em bactérias pertencentes aos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium. Geralmente, bactérias do ácido lático e bifidobactérias apresentam longa tradição de uso e segurança, uma vez que estão normalmente presentes na microbiota gastrintestinal de humanos e têm longo histórico de uso seguro. Esses grupos de bactérias estão raramente

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associados a efeitos colaterais. Outros grupos de bactérias, nos quais podemos encontrar algumas espécies potencialmente probióticas, incluem enterococos, propionibactérias, lactococos e estreptococos, assim como cepas específicas de Escherichia coli e Clostridium butyricum. Leveduras, como Saccharomyces boulardii e Aspergillus oryzae, também são consideradas probióticos.5 Importante salientar que embora existam muitos estudos em modelos animais e estudos clínicos em humanos com diferentes cepas, a afirmação e aprovação de bactérias como probiótico por órgãos internacionais sobre o tema são muito limitadas. Apenas o sistema canadense oferece uma lista de espécies (mas não de cepas especificadas) de microrganismos probióticos permitidos em alimentos/suplementos, mas sem a indicação de uso.6,7 Outra ressalva importante é a questão de muitos fabricantes aproveitarem o crescimento do mercado (mais de 40 bilhões de dólares) e anseio dos consumidores para comercializar suplementos e alimentos com o rótulo de probiótico, sem as evidências necessárias de estudos humanos. Felizmente, também existem companhias que investem na ciência para o desenvolvimento de suas formulações.1 Nesse sentido, o Capítulo 16, Probióticos: Definições, Complexidade dos Critérios de Seleção e Regulamentação aborda vários critérios (inclusive industriais) e aspectos legais importantes para definir um microrganismo como probiótico. Este capítulo não visa recomendar cepas específicas para cada doença, já que a maioria dos estudos é conduzida fora do Brasil e as cepas nem sempre estão disponíveis para o consumo no mercado brasileiro. O objetivo é apontar alguns estudos que reafirmam o potencial de microrganismos de influenciar positivamente o hospedeiro em diversas condições clínicas e, principalmente, estimular a pesquisa no país nessa área, se possível em colaboração internacional.

MECANISMOS GERAIS DE ATUAÇÃO DE PROBIÓTICOS Probióticos são, com frequência, considerados microrganismos transientes, influenciando beneficamente o hospedeiro enquanto passam pelo intestino.

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6 semanas

6 meses

4 semanas

12 semanas 5 meses

12 semanas

2 semanas placebo + 4 semanas probiótico

4 semanas

3 meses

1 × 1010

8 a 9 × 109 (de cada cepa/dia) 3 × 109 (2 vezes/dia)

2,5 a 25 × 109 1 × 107 (de cada cepa/ dia) 109 ou 1010

109

Baixa: 2 × 108 Média: 2 × 109 Alta: 2 × 5 × 109

1 x 108

50 crianças com SCI Placebo 103 pacientes com SCI

Crianças com SCI: • 52 placebo • 52 probiótico 60 placebo 60 probiótico 86 pacientes com SCI

Adultos com SCI: • 115 placebo • 112 dose baixa • 113 dose alta 275 com desconforto abdominal e empachamento Adultos: • 12 placebo • 9 dose baixa • 11 dose média • 10 dose alta 26 crianças com SCI (4 a 18 anos) 29 placebo

Lactobacillus rhamnosus GG

Lactobacillus rhamnosus GG, Lactobacillus rhamnosus LC705, Bifidobacterium breve Bb99, Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii JS

Lactobacillus rhamnosus GG

Escherichia coli Nissle 1917

Lactobacillus rhamnosus GG, Lactobacillus rhamnosus Lc705, Propionibacterium freudenreichii subsp. shermanii JS e Bifidobacterium animalis subsp. lactis Bb12

Lactobacillus acidophilus NCFM

Bifidobacterium infantis 35624

Lactobacillus gasseri BNR17

Lactobacillus reuteri DSM 17938

� 90 dias

� 2 × 10

� Adultos: • 20 placebo • 20 probiótico

9

Bacillus coagulans MTCC 5856

Período

Dose (UFC/dia)

Amostra

Probiótico

zzTABELA 15.1 Aplicação de diferentes cepas de probióticos no tratamento de indivíduos com síndrome do cólon irritável

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Bausserman & Michail (2005)11 Kajander et al. (2005)12

Gawrocska et al. (2007)13

Kruis et al. (2012)14 Kajander et al. (2008)15

Lyra et al. (2016)16

Ringel-Kulka et al. (2017)17

Kim et al. (2017)18

↓ Incidência de percepção de distensão abdominal ↓ Dor abdominal, distensão, flatulência ↓ Frequência de dor

↓ Intensidade, duração e frequência de dor ↓ Distensão e dor abdominal ↓ Dor abdominal moderada a grave

↑ Frequência de dias livres de empachamento abdominal ↓ Escore de dor abdominal no grupo dose alta

(continua)

Jadrešin et al. (2017)19

Majeed et al. (2018)10

� ↓ Sintomas como depressão

< Número de dias sem dor abdominal (51 versus 89 dias do grupo placebo)

Referência

Efeitos

Potencial de Efeitos Benéficos do Uso de Probióticos nas Doenças Intestinais e Crônicas

347

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16 semanas + 4 semanas seguimento

8 semanas

4 semanas 4 semanas

4 e 8 semanas

2 cápsulas/2 vezes/dia (total 8 × 109 UFC)

1 × 1010 (2 vezes/dia)

5 × 107 6,5 × 109

450 × 109 (2 vezes/dia)

Adultos: • 179 placebo • 181 probiótico

25 placebo 25 probiótico

27 placebo 25 probiótico 70 pacientes com constipação crônica 24 placebo 24 probiótico

Probiótico multicepas (14), Bio-Kult®, Bacillus subtilis PXN 21, B. bifidum PXN 23, B. breve PXN 25, B. infantis PXN 27, B. longum PXN 30, L. acidophilus PXN 35, L. delbrueckii subsp. bulgaricus PXN39, L. casei PXN 37, L. plantarum PXN 47, L. rhamnosus PXN 54, L. helveticus PXN 45, L. salivarius PXN 57, Lactococcus lactis PXN 63, Streptococcus thermophilus PXN 66

Lactobacillus acidophilus (KCTC 11906BP), Lactobacillus plantarum (KCTC 11867BP), Lactobacillus rhamnosus (KCTC 11868BP), Bifidobacterium breve (KCTC 11858BP), Bifidobacterium lactis (KCTC 11903BP), Bifidobacterium longum (KCTC 11860BP), Streptococcus thermophilus (KCTC 11870BP)

Lactobacillus plantarum 299V

Lactobacillus casei Shirota

VSL#3 Streptococcus thermophilus, Bifidobacterium breve, Bifodobacterium longum, Bifidobacterium infantis, Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus paracasei, Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus

2 semanas washout + 6 semanas probiótico

48 crianças com SCI ou Não citado no resumo dispepsia funcional

Período

Bifidobacterium infantis M-63, Bifidobacterium breve M-16V, Bifidobacterium longum BB536

Dose (UFC/dia)

Amostra

Probiótico

zzTABELA 15.1 Aplicação de diferentes cepas de probióticos no tratamento de indivíduos com síndrome do cólon irritável (continuação)

15-Microbiota Gastrintestinal.indd 348

Koebnick et al. (2003)24

Kim et al. (2005)25

↓ Flatulência Retardamento no trânsito sem alterar a função intestinal

Nobaek et al. (2000)23

↓ Flatulência Melhora na gravidade da constipação e na consistência das fezes

Ki et al. (2012)22

Ishaque et al. (2018)21

↓ Melhora da gravidade da dor abdominal e do escore Movimentos intestinais a partir do 2o mês Melhora dos indicadores QV Alívio dos sintomas e melhora da consistência das fezes

Giannetti et al. (2017)20

Referência

Completa resolução da dor abdominal (exceto para dispepsia funcional) ↑ Proporção de crianças com melhor QV

Efeitos

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Probióticos: Definições, Complexidade dos Critérios de Seleção e Regulamentação

16

Tatiana Fiche Salles Teixeira • Célia Lúcia de Luces Fortes Ferreira

Temas abordados neste capítulo O uso de microrganismos no desenvolvimento de produtos (alimentares ou medicamentosos) é uma das potenciais estratégias atuais para influenciar a microbiota/ microbioma, representando um mercado em expansão. Este capítulo aborda algumas definições e os aspectos gerais das principais etapas do processo de seleção e produção de alimentos probióticos, bem como os principais aspectos legais associados aos probióticos no Brasil e internacionalmente, com o objetivo de ampliar a visão daqueles que pretendem desenvolver estudos na área, prescrever ou consumir probióticos.

INTRODUÇÃO O estudo da microbiota e do microbioma humano e a tradução das evidências para a realidade meta­ bólica e fisiológica do organismo apresentam o po­ tencial de fomentar o desenvolvimento de futuros alimentos, ingredientes ou guias nutricionais para dar suporte à saúde diária, às intervenções diretas e/ou auxiliares na redução de riscos e ao alívio de sintomas. O uso de microrganismos no desenvol­ vimento de produtos (alimentares ou medicamen­ tosos) é uma das potenciais estratégias atuais para influenciar a microbiota/microbioma.1 De fato, as evidências de que microrganismos (bactérias e leveduras) podem beneficiar a saúde e o metabo­ lismo humano, em associação à disseminação do conceito de alimentos funcionais, têm estimulado o desenvolvimento, a demanda e a comercialização de uma subcategoria de alimento e de medicamento – os alimentos e medicamentos probióticos.2 A participação dos microrganismos na produção de alimentos, como a fermentação de matrizes ali­ mentares perecíveis, é identificada desde o perío­ do Neolítico.3 Alimentos fermentados e alimentos

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contendo microrganismos vivos são conhecidos e consumidos no mundo todo. Tradicionalmente, a fermentação de alimentos era utilizada para pos­ sibilitar o aumento da vida útil destes por meio da fermentação espontânea, promovida pela micro­ biota endógena presente na matriz alimentar. A fer­ mentação, sob uma perspectiva bioquímica, é um processo metabólico de derivar energia a partir de compostos orgânicos sem o envolvimento de um agente oxidante externo. As contribuições da fermentação para o pro­ cessamento alimentar incluem a preservação do alimento (produção de ácidos orgânicos inibitórios, como ácido lático, ácido acético, ácido fórmico, etanol, bacteriocinas) e a melhora da segurança alimentar pela inibição de patógenos ou remoção de compostos tóxicos e pelo aumento do valor nu­ tricional.4 Além disso, ao promover a redução do pH pela produção de ácido, alteração do sabor pelo acúmulo de metabólitos microbianos e alteração da textura pela quebra de carboidratos,5,6 a fermen­ tação proporciona um alimento com características marcantes em relação à matriz alimentar original. Da fermentação espontânea, a indústria alimentícia

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

evoluiu com o uso de métodos de produção para processos fermentativos mais eficientes, altamente controlados e padronizados para obtenção desses alimentos, enaltecendo o papel dos microrganis­ mos na produção de alimentos.6 No entanto, como discutiremos a seguir, microrganismos usados na produção de alimentos são diferentes de microrga­ nismos probióticos. O desenvolvimento de produtos probióticos constitui um mercado em expansão, que paralela­ mente tem atraído esforços de vários setores (uni­ versidades, órgãos governamentais, indústria). Em 2016, o mercado global de probióticos foi avaliado em 35,9 bilhões de dólares.7 A Associação Científica Internacional para Pro­ bióticos e Prebióticos (ISAPP; do inglês, International Scien­tific Association for Probiotics and Prebiotics) publicou, em 2014, um documento consensual no qual destaca, por um lado, o crescimento de inves­ tigações que abordam o termo “probióticos” (mais de 8 mil), assim como o lançamento de produtos probióticos e, por outro, o crescimento também do uso inapropriado do termo por produtos que não atendem aos critérios para essa classificação.8 Os produtos probióticos têm recebido legítima aten­ ção das autoridades regulatórias interessadas em proteger consumidores de alegações enganosas.8-10 Portanto, diretrizes que proponham um modo de avaliação sistemática de um microrganismo pro­ biótico em relação a sua identificação, segurança, função e alegação são fundamentais para todos os interessados no tema. Nesse sentido, este capítulo aborda algumas de­ finições e os aspectos gerais das principais etapas do processo de seleção e produção de alimentos probióticos, bem como os principais aspectos legais associados aos probióticos no Brasil e internacional­ mente, com o objetivo de ampliar a visão daqueles que pretendem desenvolver estudos na área, pres­ crever ou consumir probióticos.

DEFINIÇÕES Alimentos contendo microrganismos vivos não são necessariamente alimentos probióticos. A

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inoculação de uma preparação contendo elevado número de células viáveis de pelo menos um tipo de microrganismo – classificada como cultura lática (também denominada cultura starter, cultura ini­ ciadora ou fermento) – é comumente usada para acelerar e direcionar o processo fermentativo de uma matriz alimentar, resultando em um alimento fermentado.6 Bourdichon et al. (2012)4 publicaram uma lista de microrganismos com histórico de uso em alimentos fermentados. Eles definem culturas microbianas alimentares (microbial food cultures) como bactérias, leveduras e fungos vivos usados na produção de alimentos. As preparações são for­ mulações que consistem em uma ou mais espécies e/ou cepas microbianas.4 Os fermentos são compostos por bactérias me­ sofílicas ou termofílicas, termos que definem a tem­ peratura ótima de crescimento das bactérias (Tabela 16.1). Os fermentos termofílicos são comumente utilizados para a produção de iogurtes, outros tipos de leites fermentados e determinados tipos de quei­ jos. Os fermentos atualmente estão disponíveis para as indústrias, sob as formas liofilizada ou congelada concentrada, sendo esta última essencial para a ela­ boração de produtos probióticos não fermentados.11 Vários gêneros e espécies de bactérias têm sido considerados potencialmente probióticos, mas, co­ mercialmente, as bactérias ácido-láticas (BAL) são

zzTABELA 16.1 Fermentos mesofílicos e termofílicos Fermento

Temperatura Microrganismos de incubação

Mesofílico

21º a 35ºC

Lactococcus lactis ssp. lactis Lactococcus lactis ssp. cremoris Lactococcus lactis ssp. lactis biovar diacetylactis Leuconostoc mesenteroides ssp. cremoris Leuconostoc mesenteroides ssp. lactis

Termofílico 37º a 50ºC

Lactobacillus casei (L. casei) Lactobacillus delbrueckii subsp. bulgaricus (L. bulgaricus) Lactobacillus delbrueckii subsp. delbrueckii (L. delbrueckii) Streptococcus thermophilus (S. thermophilus)

Fonte: adaptada de Ferreira, 2001.11

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Probióticos: Definições, Complexidade dos Critérios de Seleção e Regulamentação

2. Consumo da linhagem adequada adicionada de prebiótico, que garantirá a manutenção das es­ pécies consumidas. 3. Consumo do prebiótico com a função de esti­ mular espécies probióticas do próprio indivíduo.

CRITÉRIOS ESPECÍFICOS PARA SELEÇÃO DE PROBIÓTICOS E COMPLEXIDADE DO PROCESSO A Figura 16.3 pontua os vários aspectos a serem considerados no processo de desenvolvimento de

SEGURANÇA

TECNOLÓGICOS

FUNCIONALIDADE

385

um produto probiótico, o qual pode ser generica­ mente subdividido em três etapas: seleção do mi­ crorganismo, produção e comercialização. Seleção

do microrganismo probiótico

A seleção da linhagem do microrganismo probió­ tico é a primeira etapa do processo. Ela depende de uma série de avaliações que consideram tanto propriedades importantes dos microrganismos can­ didatos em relação às barreiras impostas pelo hos­ pedeiro quanto as propriedades tecnológicas que eles devem apresentar (Figura 16.3). Nesse sentido,

SELEÇÃO DE ESTIRPE

PRODUÇÃO

Identificação inequívoca Origem GRAS e QPS Sobrevivência e/ou viabilidade ao longo do TGI (resistência ao estresse GI, desconjugação de sais biliares Efeitos na homeostase intestinal (perturbação de comensais, resistência e antibióticos/antimicrobianos, plasmídios, degradação de muco, fatores de virulência) Adesão e risco de translocação (adesão à mucosa, degradação à mucosa, atividade hemolítica) Atividade metabólica deletéria (d-lactato, toxinas, aminas biogênicas) Efeitos remotos (agregação plaquetária, genotoxicidade, alergenicidade)

Fatores que influenciam a viabilidade na cultura probiótica e no produto probiótico Métodos de proteção das estirpes (p. ex.: microencapsulação) Ajuste da matriz alimentar ao probiótico Ajuste do processo de produção ao probiótico (formas de adição da cultura) Resitência a fagos Desenvolvimento de embalagens Condições de armazenamento (refrigeração e congelamento)

COMERCIALIZAÇÃO Categorização do produto (alimento, suplemento, medicamento) Exigências para registro Marketing: aprovação de alegações de saúde e fucionais pelas agências regulamentadoras Educação do consumidor Fiscalização do uso adequado do termo probiótico

Exercer um ou mais efeitos benéficos imunológicos (p. ex., imunomodulação) ou não imunológicos (p. ex., redução de colesterol) comprovados Capacidade de sobreviver: tolerância a ambientes ácidos (suco gástrico), baixas tensões superficiais (bile), resistência ao peristaltismo (aderência) Quantidade adequada

Estabilidade genética Viabilidade para produção em larga escala Rendimento da produção Resistência a fagos Viabilidade no produto final Promoção de qualidades organolépticas ou não alteração delas

zzFigura 16.3 Desenvolvimento de um produto probiótico. A seleção do microrganismo é a primeira etapa e depende da avaliação de critérios de segurança, funcionalidade e tecnológicos. A produção, seja das culturas concentradas de probiótico ou do produto probiótico final, tem como principal desafio manter a viabilidade do(s) microrganismo(s) probiótico(s) ao longo de todo o processo até o consumidor final; para tanto, pode contar com algumas estratégias, como proteção da linhagem, ajuste da matriz ou do processo, embalagens e condições de armazenamento. As condições para comercialização dependem da categorização do produto, de modo que as legislações específicas possam ser devidamente atendidas para o registro e a possibilidade de veiculação de alegações GRAS: generally recognized as safe; TGI: trato gastrintestinal; GI: gastrintestinal; QPS: sistema de classificação europeia (do inglês, qualified presumption of safety).

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

a seleção da linhagem de bactérias probióticas de­ ve-se basear em três critérios principais: segurança, funcionalidade e aspectos tecnológicos.13,24,25

está sendo testado como intervenção probiótica, de modo que pesquisadores idependentes possam repetir o estudo. A nomenclatura correta pode ser consultada em uma lista de nomes procarióti­

XX Critérios de segurança

cos (List of Prokaryotic Names with a Standing in

Alguns suplementos probióticos incluem espécies de Bacillus, Clostridium, Enterococcus e Escherichia, gêneros associados a preocupações de segurança, como toxicidade, infectividade, fonte potencial de genes transferíveis para microrganismos inócuos. Por isso, esses gêneros só devem ser usados quando o fabricante demonstra adequadamente a seguran­ ça da linhagem específica para a população-alvo.26 Ademais, tanto culturas starters quanto micror­ ganismos probióticos apresentam representantes do gênero Lactobacillus, presentes naturalmente em vários sítios do corpo humano e em produtos fermentados e, por isso, comumente considera­ dos seguros. No entanto, há relatos de infecções por Lactobacillus, normalmente associadas a uma doença de base preexistente ou imunossupressão. A bacteriemia por Lactobacillus é raramente fatal por si,4 mas serve como importante alerta para profissionais e consumidores de que a segurança em relação ao consumo deve ser contextualizada diante do estado atual de saúde de quem consome. No Brasil, o uso de probióticos em alimentos requer a comprovação da sua segurança, avaliada e autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).27 Como o órgão brasileiro baseia seus critérios de avaliação da segurança em muitas referências internacionais, abordaremos neste tópi­ co esse assunto de maneira mais global. A avaliação de segurança não somente de novos isolados pro­ bióticos, como também de microrganismos utiliza­ dos na produção de alimentos tem sido amplamen­ te discutida na literatura.3,13-15,24,25,28 Para a segurança no uso de probióticos, é impor­ tante que as linhagens sejam identificadas taxono­ micamente de forma inequívoca. Hill et al. (2016)29 ressaltam que, mesmo na literatura científica, erros de nomenclatura têm sido cometidos. A nomencla­ tura apropriada e a designação correta da linhagem são essenciais para a identificação clara do que

Nomenclature – http://www.bacterio.net/).29 Outras

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referências que podem ser consultadas para as re­ gras de nomenclatura incluem a classificação pro­ posta pelo International Committee on Systematics of Prokaryotes (ICSP – http://www.the-icsp.org)30 e publicações disponíveis no International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology (IJSEM – https://ijs.microbiologyresearch.org).4 Embora o aspecto origem seja muito debatido, existem evidências corroborando melhor atuação das bactérias probióticas isoladas de organismo da mesma espécie. Ou seja, para uso humano, o microrganismo deve ser preferencialmente isolado de indivíduos sadios. Algumas bactérias probió­ ticas usadas comercialmente são de origem hu­ mana (Lactobacillus rhamnosus GG, Lactobacillus casei Shirota, Lactobacillus acidophilus LA-1), ao passo que outras não são colonizadores humanos nativos (Bifidobacterium animalis subsp. lactis e Saccharomyces cerevisiae var. boulardii). Na verda­ de, fontes não convencionais, como trato gastrin­ testinal (TGI) de animais, leite humano, alimentos fermentados ou não, ar e solo, podem ter represen­ tantes probióticos.7 É comum o uso da sigla GRAS (generally recognized as safe) para se referir à segurança de um microrganismo probiótico. O conceito GRAS faz parte de um programa de notificação do órgão nor­ te-americano Food and Drug Administration (FDA), o qual afirma que qualquer substância intencional­ mente adicionada a um alimento é considerada um aditivo alimentar. Assim, deve ser submetida à revi­ são e aprovação por esse órgão, a menos que essa substância seja geralmente reconhecida por espe­ cialistas qualificados, com base em procedimentos científicos ou histórico de consumo da substância antes de 1958, como sendo segura para consumo nas condições pretendidas.28

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Probióticos: Definições, Complexidade dos Critérios de Seleção e Regulamentação

405

Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Gerência geral de medicamentos e produtos biológicos (GGMED)

Probióticos

Medicamento: produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico (RDC no 323/2003)

O uso de probióticos requer comprovação da segurança e dos benefícios à saúde para uso em alimentos (RDC n° 241/2018), suplementos (RDC n° 243/2018) ou medicamentos (RDC n° 323/2003)

Medicamento com obrigatoriedade de registro sanitário e comprovação de segurança

Gerência Geral de Alimentos (GGALI)

A petição de registro de alimentos contendo probióticos está vinculada à decisão prévia da petição de avaliação de segurança e eficácia

Alimento: substâncias ou mistura de substâncias destinadas à ingestão por humanos, que tenham como objetivo fornecer nutrientes ou outras substâncias necessárias para a formação, manutenção e desenvolvimento normais do organismo, independentemente do seu grau de processamento e de sua forma de apresentação Alimentos com obrigatoriedade de registro sanitário (RDC n° 240/2018)

Medicamentos probióticos (RDC n°323/2003)

Medicamento Probiótico Novo: contém micro-organismos não registrados no Brasil

Medicamento Probiótico: contém microorganismos registrados no Brasil

Alimentos com alegações de propriedade funcional e/ou de saúde (RDC nos 18 e 19/1999)

Suplementos contendo enzimas ou probióticos (RDC n° 243/2018 e IN n° 28/2018)

Alimentos infantis (RDC nos 43, 44 e 45/2011)

Fórmulas para nutrição enteral (RDC nos 21 e 22/2015)

Novos alimentos e novos ingredientes

Embalagens e novas tecnologias

zzFigura 16.5 Regulação dos probióticos no Brasil. A Anvisa apresenta legislação específica para probióticos categorizados como medicamento (RDC no 323/2003),71 requisitos de comprovação de segurança e benefícios para uso em alimentos (RDC no 241/2018)27 e para suplementos (RDC no 243/2018).72 Algumas legislações específicas são também citadas na figura. Os alimentos que podem conter probióticos obrigatoriamente devem ter registro sanitário (RDC no 240/2018)73 e cumprir os requisitos específicos de cada legislação. Alimentos que contenham probióticos podem ser enquadrados na legislação de alimentos com alegações de propriedades funcionais e/ou de saúde (RDC no 18 e 19/1999),74,75 de suplementos (RDC no 243/2018 e IN no 28/2018),72,76 alimentos infantis (RDC no 43 a 45/2011)77-79 e fórmulas enterais (RDC no 21 e 22/2015)80,81 e, dessa maneira, atender aos requisitos específicos de cada uma delas modo mais geral e outras que tratam dos probió­ ticos (mencionando o termo ao longo do texto) de forma mais específica (Figura 16.6). Como discutido nos tópicos anteriores deste capítulo, o termo “probiótico”, em nível interna­ cional, está intrinsecamente relacionado com a se­ gurança de uso. Nesse sentido, para contextualizar a abordagem legislativa da Anvisa, desde 1999, ela entende a necessidade de estabelecer os requisitos

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de registro de alimentos e/ou novos ingredientes como forma de aperfeiçoar o controle sanitário na área de alimentos, a fim de proteger a saúde da população. Portanto, alimentos ou substâncias sem históri­ co de consumo no país ou alimentos com susbtân­ cias já consumidas, mas utilizadas em níveis muito superiores aos comumente observados na dieta regular devem ser registrados (RDC no 16/1999);82

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Microbiota Gastrintestinal • Evidências da sua Influência na Saúde e na Doença

Resoluções aplicáveis a alimentos em geral no aspecto segurança e alegações

Resoluções aplicáveis especificamente a probióticos em alimentos, suplementos e medicamentos

RDC n° 16/1999

RDC n° 17/1999

RDC n° 18/1999

RDC n° 19/1999

RDC n° 241/2018

RDC n° 243/2018

RDC n° 323/2003

Registro de alimentos e novos ingredientes

Avaliação de risco e segurança de alimentos

Análise e comprovação de propriedades funcionais e/ou de saúde

Registro de alimentos com alegações, propriedades funcionais e/ou saúde

Comprovação de segurança e benefícios à saúde do uso de probióticos em alimentos

Requisitos sanitários de suplementos alimentares

Registro, alteração e revalidação de registro de medicamentos probióticos

Âmbito – alimento ou novo ingrediente: alimentos ou substâncias sem histórico de consumo no país, ou alimentos com substâncias já consumidas, que, entretanto, venham a ser adicionadas ou utilizadas em níveis muito superiores aos atualmente observados nos alimentos utilizados na dieta regular

Âmbito: alimentos e ingredientes para consumo humano

Funcional: relativa ao papel metabólico ou fisiológico que o nutriente ou não nutriente tem no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções normais do organismo humano De saúde: é aquela que afirma, sugere ou implica a existência da relação entre o alimento ou ingrediente com doença ou condição relacionada à saúde

Âmbito: alegações de propriedades funcionais e/ou de saúde de alimentos e ingredientes para consumo humano veiculadas em rótulos de produtos

Âmbito: procedimentos para registro de alimentos com alegações de propriedades funcionais e/ou de saúde na rotulagem

Âmbito: segurança do uso de probióticos (microrganismos vivos, que quando administrados em quantidades adequadas, confere benefícios à saúde) em alimentos. Complementa RDC n° 17 e 18/1999

Âmbito: requisitos para composição, qualidade, segurança e rotulagem dos suplementos alimentares (produtos para ingestão oral em formas farmacêuticas tabletes, comprimidos, pós, drágeas, soluções, suspensões - para suplementar a alimentação de indivíduos saudáveis com nutrientes, substâncias bioativas, enzimas ou probióticos)

Âmbito: medicamentos probióticos (contém microrganismos vivos ou inativados para previnir ou tratar doenças humanas)

Exige comprovação de segurança e demonstração de eficácia e propriedades alegadas (quando for o caso)

zzFigura 16.6 Resoluções da Anvisa relacionadas com alimentos e ingredientes para consumo humano no aspecto de segurança e veiculação de alegações (registro e comprovação das alegações) e, em específico, a respeito de probióticos para uso em alimentos, suplementos ou medicamentos. As setas indicam a complementariedade entre as resoluções. Por exemplo, um alimento ou novo ingrediente administrativamente nem sempre será enquadrado nessa categoria se houver legislação sanitária específica que prevê enquadramentos mais específicos, como os novos alimentos que contenham alegações de propriedade funcional Fonte: adaptada de Anvisa, 2013.68

para tanto, deve-se apresentar um relatório técni­cocientífico (ver Tabela 16.6), o qual deve conter, en­ tre outras informações, evidências científicas para comprovação de segurança de uso, a ser apreciado e avaliado por uma Comissão de Assessoramento Técnico-Científico em Alimentos Funcionais e no­ vos Alimentos (CTCAF). Concomitante a essa visão da necessidade de comprovação de segurança, também em 1999, a Anvisa já entendia que o meio científico começava a demonstrar a estreita relação alimentação-saúde-­ doença, com aumento do estímulo à produção de novos alimentos (que podem tanto oferecer efeitos benéficos quanto adversos) e, ao mesmo tempo, à possibilidade de veiculação de alegações que pode­ riam confundir o consumidor. Nesse sentido, diretri­ zes básicas foram estabelecidas tanto para avaliação

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de risco e segurança dos alimentos e ingredientes para consumo humano (RDC no 17/1999)83 quanto para disciplinar o uso – de caráter opcional – e com­ provação de alegações de propriedades funcionais e ou de saúde (RDC no 18/1999)74 no tocante ao registro de alimentos com tais propriedades (RDC no 19/1999).75 A Tabela 16.8 detalha o tipo de in­ formação necessária, de acordo com as resoluções já citadas, seja para registro, comprovação de se­ gurança ou das alegações propostas, enquanto a Figura 16.6 indica o assunto e âmbito de aplicação de cada uma dessas resoluções. É possível perceber, com base na Figura 16.6, que resoluções gerais em relação aos alimentos e in­ gredientes e específicas de probióticos apresentam como item comum a necessidade de comprovação de segurança. Em 2013, a Anvisa publicou o “Guia

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Probióticos: Definições, Complexidade dos Critérios de Seleção e Regulamentação

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Pode contribuir para a saúde do TGI

Pode reduzir o risco de eczema (dermatite atópica)#

Pode contribuir para redução de desconforto intestinal de lactentes <6 meses

Pode auxiliar na redução de sensações de ansiedade em pessoas saudáveis

Ajuda a reduzir complicações gastrointestinais como dor abdominal e náusea/vômito em consequência de estresse

Advertência no rótulo

zzTABELA 16.13 Alegações permitidas aos probióticos descritos na IN no 76 de 5 de novembro de 2020,85 desde que os suplementos apresentem conteúdo das cepas que atendam aos valores mínimos estabelecidos nesta instrução

Bifidobacterium animalis subsp. lactis BB12 (DSM 15954)

S

E

Bifidobacterium animalis subsp. lactis HN019 (ATCC SD5674)

S

A

Bifidobacterium lactis NCC 2818

S

B

Lactobacillus acidophilus NCFM (ATCC SD5221)

S

A

Lactobacillus gasseri BNR17 (KTC10902BP)

S

A

Lactobacillus rhamnosus HN001 (ATCC SD5675)

S

D

Lactobacillus rhamnosus GG (ATCC 53103)

S

E

Lactobacillus rhamnosus GG (DSM 33156)

S

B

Limosilactobacillus reuteri DSM 17938

S

S

B

Lactobacillus rhamnosus R0011 (CNCM I-1720) + Lactobacillus helveticus ROO52 (CNCM I-1722)

S

C

Lactobacillus helveticus ROO52 (CNCM I-1722) + Bifidobacterium longum RO175 (CNCM I-3470)

S

S

A

Bifidobacterium lactis BI-O7 (ATCCSD522O) + Lactobacillus acidophilus NCFM (ATCC SD5221) + Bifidobacterium lactis BI-O4 (ATCC SD5219) + Lactobacillus paracasei Lpc-37 (ATCC SD5275)

S

A

Probiótico

S: alegação aceita para o microrganismos marcados com S. Rotulagem complementar: advertências que devem constar no rótulo de acordo com a cepa de probiótico veiculada (A, B, C, D, E). A: “Este produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, lactentes, crianças, pessoas imunocomprometidas ou pessoas acometidas de condição de saúde debilitante grave”. B: “Este produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, pessoas imunocomprometidas ou pessoas acometidas de condição de saúde debilitante grave”. C: “Este produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, lactentes, crianças de até 3 anos de idade, pessoas imunocomprometidas ou pessoas acometidas de condição de saúde debilitante grave”. D: “Este produto não deve ser consumido por pessoas imunocomprometidas ou pessoas acometidas de condição de saúde debilitante grave”. E: “Quando administrado a gestantes e lactantes, desde a 35a semana de gestação até o 6o mês de amamentação, e aos seus filhos, lactentes de alto risco desde o nascimento até os dois anos de idade”.

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