"Contos do Parque Encantado" - VERSÃO INTEGRAL

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Não tem qualquer formação em fotografia. As suas fotografias são ao natural. São os olhos que comandam. O nosso Mundo é um Mundo de cores e são essas cores, em todas as suas formas, que a encantam e procura captar, respeitando-as. Faz o que gosta e gosta do que faz.

Jorge Pinto Guedes É natural do Porto e nesta altura tem 55 anos. É casado, tem duas filhas, dois cães e um gato. Editor de profissão (criador do sistema de publicação Almalusa) é também fotógrafo, formado em 1988 pelo Estado Maior do Exército e escritor, essencialmente de prefácios de muitos dos livros que publica e artigos sobre fotografia. Nas horas vagas escreve umas «coisinhas» que nunca publica mas desta vez o desafio fez com que escrevesse com princípio, meio e fim.

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C O N T O S D O P A R Q U E E N C A N T A D O     •     M a r i a E d u a r d a C o r t e z

Maria Eduarda Cortez

Contos do parque encantado Maria Eduarda Cortez (Fotos)  •  Jorge Pinto Guedes (Textos)

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Contos do parque encantado Maria Eduarda Cortez (Fotos) Jorge Pinto Guedes (Textos)

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TÍTULO

Contos do parque encantado AUTORES

Maria Eduarda Cortez (Fotos) Jorge Pinto Guedes (Textos) EDITORA

Journey Spirit Lda GERENTE

Matilde Pinto Guedes CHANCELA

Almalusa EDITOR

Jorge Pinto Guedes PRODUÇÃO

Almalusa DATA DE PUBLICAÇÃO

2020 administracao@almalusa.org www.issuu.com/almalusa.org © Copyright. Todos os Direitos Reservados

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Introdução Lá, perto de onde eu morava em pequeno, existia um lago dentro de um belo Parque. Nem lago nem parque existem mais pois os prédios e moradias foram crescendo, mais e mais, quais cogumelos, e hoje o bairro onde nasci e cresci está verdadeiramente irreconhecível. Muitas vezes, à tarde, depois do lanche, dizia a minha mãe, já de fugida, que ia até ao parque e ela não se opunha porque sabia que o Sr. Januário, o guarda, não me deixava muito à solta e vigiava-me sempre. Ele aproveitava e, como já era bem velhote (pelo menos para mim) sentava-se numa pedra junto ao lago e contava-me estórias sobre os animais que estavam a seu cargo já que era ele que os alimentava e olhava pelo seu bem estar. Estes dois contos foi ele que mos transmitiu. Na altura fiquei convencido que eram verdadeiros e, ao contá-los aos meus pais, geralmente ao jantar ou à noitinha, antes de me deitar, eles acreditavam, muito embora eu suspeitasse um pouco dos Olhares cúmplices que trocavam. Hoje, já homem e pai, sei que eram estórias inventadas mas, de tão curiosas que eram, decidi reproduzi-las tal como as recordo. Por isso aqui vão. Espero que gostem.

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O Patinho que queria Ser pombo

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Numa Primavera ensolarada de há muitos anos atrás nasceu neste parque um patinho, filho da pata Amélia e do pato Zacarias. O pai, pouco depois desapareceu misteriosamente, talvez para o forno de algum malvado que o juntou a um belo arroz deixando a mãe a tomar conta do patinho sózinha. A mãe Amélia deu à luz o patinho no pombal, talvez porque era mais quentinho e aconchegante. Era a primeira vez que tal sucedia mas ninguém se importou muito com isso. Houve um certo falatório entre os restantes animais do parque mas logo se dissipou. O Necas — nome dado pelo Pombo-Chefe Ezequiel — cedo se mostrou diferente pois era muito vivo e espertalhão. As primeiras semanas passaram e o Necas tornou-se num reguila juvenil.

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A pata Amélia tinha um enorme orgulho no seu filho e, a princípio, não o largou por um minuto que fosse, ensinando-lhe as técnicas básicas de como ser um pato neste mundo assaz difícil. O Pombo-Chefe Ezequiel e a sua bela mulher Genoveva ajudaram no que puderam, dividindo com mãe e filho o milho que o guarda do parque diariamente lhes levava. Como as noites, naquela altura do ano, eram ainda um pouco frias, todos juntos ficavam muito quentinhos e o Necas tinha sempre o lugar no meio do grupo para se sentir ainda mais aconchegado. A pomba Genoveva arrulhava muito bem e era considerada uma grande cantora por todos os animais do parque por isso, todas as manhãs cantava para o Necas que, embevecido, ficava muito quieto e curioso a ouvir, batendo as suas asinhas no fim de cada cantoria da sua madrinha pomba.

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Já o mês de Abril tinha começado quando o Necas, aproveitando uma desatenção da sua mãe que dormitava ao sol e dos seus padrinhos pombos que tinham ido voar por aí, resolveu descer a prancha de madeira que dava para o lago, chamado por um instinto que não sabia identificar mas que o empurrava para a água fria e escura. Era a sua herança de muitas gerações de patos nascidos naquele parque que o faziam correr para lá. Não pensou nem tentou travar. Eram os seus bisavós, avós e tios e também o seu pai que estavam com ele nesse belo dia como que a dizerem-lhe ao ouvido: «Vai Necas! É disso que um pato é feito e foi para isso que nasceste.»

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O Necas mergulhou, enfiou a cabeça na água, bateu as asas com vigor e logo voltou a um sítio menos fundo. Algo estranho se passava pois, ao mesmo tempo que achava simpática a ideia de nadar no lago, pensava para consigo: «Acho que isto é giro mas muito mais giro é ser pombo e os pombos não andam feitos malucos a rebolar dentro desta água fria e escura!» Eles só se lavavam em águas rasas e logo desatavam a arrulhar e a voar por esse mundo fora. «Isso sim, isso é que é vida, pensava o Necas. Ora bolas para isto de ser pato. Eu quero é ser pombo e pombo vou ser!»

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Deixou-se estar mais um pouco por ali, olhou à sua volta para ver se não estava ninguém, e tentou imitar o canto dos pombos: «Pruuu, Pruuu… Quá! Ops! Este «Quá» não estava no programa mas sai sempre, que maçada», pensou ele. «Talvez seja uma questão de treino. Vamos lá outra vez: Pruu, pruuu, pruuuuu. Quá, quá! Bolas!» Assim os outros vão logo perceber que eu não sou um pombo e o Guarda Januário não me vai deixar sair para ver o mundo». Que hei-de eu fazer?» Necas deixou-se estar ali sózinho, pensativo, e prometeu a si próprio que não iria desistir pois isso não estava no seu ser. Se queria algo iria insistir tanto até conseguir e ninguém, nem a mãe Amélia nem o Guarda Januário o iriam impedir…

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Porque ouviu ruídos próximos enfiou-se de novo dentro de água e nadou para mais longe, dirigindo-se a uma zona do lago que estava quase sempre à sombra e, por isso, nenhum dos animais do parque costumava ir para lá. Enquanto nadava ia pensando na sua enorme e difícil missão de se tornar o primeiro pato do mundo a ser pombo e achava que era perfeitamente fazível e normal, para ele, é claro, pois todos sabemos que quem nasce pato nunca poderá ser pombo. O Necas lá ia dando voltas à sua pequenina cabeça: «Ora bem, posso treinar o arrulhar até não sair nenhum «Quá, quá», tavez me possa rebolar na terra para ficar com as penas mais escuras e extrair tinta das folhas para dar um tom verde a algumas das minhas penas… Hummm, não é má ideia», achava ele.

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Chegando ao fundo do lago, onde ninguém ia, encontrou uma bela pedra e para lá subiu. E, enquanto planeava a sua suposta transformação ouviu uma voz vinda de baixo: «Ouve lá, ó pato desmiolado! Então tu acreditas que podes arrulhar como os pombos e voar por esse mundo fora? Olha que precisas de crescer!» «Quem falou?», perguntou o Necas assustado. «Ora, quem há-de ter falado? Acaso o menino vê mais alguém por aqui? Fui eu, é claro, a Pedra Milú, a mais velha do lago.» «O quê?» indagou o Necas muito espantado. «Mas as pedras não falam!» «Ai falam, falam». Aqui, no parque, todos falamos porque todos temos vida em nós. E esta velha pedra diz-te para teres juízo nessa cabeça de pato!»

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Muito assustado o patinho Necas fugiu, nadando o mais depressa que pôde até perto da mãe Amélia que estava junto das escadas, do outro lado do lago e, refugiando-se junto ao seu peito perguntou, assustado: «Ó mãe, as pedras não falam, pois não?» «Aqui todos nós falamos mas as pedras só falam quando têm algo de importante para dizer», explicou-lhe a mãe pata. Se foi a pedra Milú que falou contigo é porque algo de importante tinha para te dizer. Ela é a pedra mais velha do lago e é muito sábia e avisada. Deves sempre ter muito respeito pelas suas sentenças, Necas. O que aconteceu?» E o patinho Necas contou à mãe o seu plano que já se tinha, para ele, tornado numa missão. A sua confissão demorou uns bons minutos e a mãe escutou-o sem o interromper.

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Quando o Necas terminou a sua mãe, olhando-o com desvelo e ternura, disse-lhe calmamente: «Compreendo que tu queiras ser pombo mas tens que perceber que nasceste pato e pato sempre serás. Vens de uma longa e antiga linhagem de patos. Teu bisavô paterno foi o primeiro Pato-real a ocupar este parque. Depois veio a tua bisavó e, daí para cá, todos somos seus descendentes. Somos uma grande e antiga família de nobres patos, não somos uns patos quaisquer. Isso ainda traz mais importância e responsabilidade para ti, meu querido filho. Nasceste no pombal porque o teu pai faltou-nos quando mais era preciso mas sei que não foi por querer. Quando cresceres serás o Pato-real mais bonito e importante do parque, não duvides.»

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Mas… ó mãe, eu quero ser pombo! Quero cantar tão bem como a pomba Genoveva e quero voar por esse mundo fora como eles fazem, livres e saudáveis!» Ó mãe, porque não me deixas? Vá lá, mãezinha, faz-me essa vontade!» pediu a Necas a choramingar. «Anda cá. Meu Necas pequenino» chamou a mãe pata aconchegando o filho com o seu bico. Quem nasceu pato nunca chegará a pombo como quem nasceu lagartixa nunca chegará a jacaré, percebes? Deus criou milhares de bichos e cada um tem a sua função neste mundo, meu filho. Como já te expliquei tu tens a tua e não é menos bela e nobre que a dos pombos. Um dia também voarás — não muito mesmo porque sair daqui é perigoso — terás a tua companheira e os teus filhos também virão. Sê quem és, peço-te.»

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Dito isto lançou-se na água e levantou vôo para mais longe, deixando o patinho Necas sózinho a choramingar. Por ali ficou, confuso e triste, pensando no que a pedra Milú e a mãe lhe tinham dito e remoendo tudo aquilo que lhe parecia tão injusto e inapropriado. Ora não podia ele ser quem desejasse ser? Passadas umas horas começou a sentir-se cansado e sonolento e, saindo da água, buscou umas folhas sombrias onde se pudesse recolher e esconder de toda aquela enorme injustiça pela qual o estavam a obrigar a passar.

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Logo adormeceu profundamente e teve o mais belo sonho. Sonhou que era um belo e gordo pombo e que voava bastante alto por cima de prédios e casas. Via os humanos, lá em baixo, apressados, quais formigas, entrando nos comboios da estação ferroviária, em direcção aos seus empregos na grande cidade. Espantou-se com as longas filas de automóveis, rumando muito lentamente aos grandes parques de estacionamento onde ficavam todo o dia à espera do retorno dos seus proprietários. Viu um estádio de futebol com a relva muito verdinha. E cruzou-se com alguns melros esfomeados e pardalecos de vôo tonto, seus parentes afastados, é claro. Mais à frente uma mancha azul-esverdeada a perder de vista. Era o mar, com os seus navios e veleiros. Que bonito era, e que maravilha ser pombo!

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Quando acordou percebeu que nada daquilo era real. Então, triste e cabisbaixo, voltou aos seu ninho no pombal do parque, decidido a não mais sair de lá enquanto não o deixassem ser pombo! Essa é que era essa, exclamou de si para si. A isso os humanos chamavam greve e era isso mesmo que ia fazer: greve até que o deixassem cumprir o seu sonho que, ainda por cima, fazia todo o sentido!.. A mãe Amélia bem que o tentava demover mas o Necas era muito teimoso e empertigado — não fosse ele um Pato-real — e não queria saber das palavras meigas da mãe a chamá-lo para a água. A mãe pata começou a ficar preocupada pois há várias semanas que o Necas não saía do ninho e mal comia. Não lhe restava mais nada senão pedir ajuda ao Pombo-Chefe Ezequiel, para que tentasse pôr juízo naquela cabecinha teimosa do seu filhote Necas, o seu filhote querido mas tão cabeça dura…

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O Pombo-Chefe Ezequiel logo apareceu, numa bela e elegante aterragem e deu com o nosso Necas deitado, mais magro e muito tristonho. «Ora bem, vamos então cá a saber o que se passa com o nosso amiguinho Necas», sentenciou o pombo. «Senhor Pombo-Chefe», respondeu o patinho Necas. «Por favor, suplico-lhe, leve-me consigo a conhecer o mundo. Eu quero tanto ser pombo! Mas a minha mãe não deixa…» «Ora, ora», pigarreou o pombo. «Vamos lá ver se te consigo explicar, meu querido Necas. Tu és igual a mim e eu sou igual a ti, tal como a pedra Milú ou a árvore Maria Aurora, que é a maior e mais bela deste parque. Deus, ou o universo, criou-nos a todos por igual só que cada um de nós assumiu uma forma e uma função diferentes.

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A minha função, como pombo, é arrulhar e voar por aí. Já a tua é nadares com elegância e divertires os meninos e meninas que nos vêem visitar ao parque. E olha que é uma missão bem bonita, fazeres as pessoas felizes, não achas? Vais ver que te vão dar pedacinhos suculentos de pão e outras goluseimas que o Guarda Januário não te costuma dar. E, um dia, vais encontrar uma linda patinha com quem vais acasalar e ser feliz…» «Mas, mas…» balbuciou o Necas. «Ora, Necas, deixa-te de fitas», sentenciou o Pombo-chefe. Compreendo que por agora, que ainda és um jovem, queiras ser como nós mas podes estar certo que em breve vais perceber quem és e vais ter muito orgulho nisso! Olha que a tua mãe tem muito orgulho em ti, tu não vês?»

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O Pombo-chefe e a mãe pata deixaram o patinho Necas sózinho para que ele pudesse pensar no que acabara de ouvir. Mas estava confuso, muito confuso, e pediu ajuda aos céus, aos seus antepassados e ao seu pai. E eles falaram-lhe. Pediram-lhe para ter calma, para viver um dia de cada vez, e para deixar o tempo passar. Pediram-lhe também para viver cada momento sem se preocupar com o futuro e que deixasse as coisas correrem naturalmente, tranquilamente, e que desse ouvidos aos mais velhos pois eles, por já terem vivido mais, tinham mais experiência e isso ele devia respeitar.

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Disseram-lhe também que, pelo menos, lhes desse o benefício da dúvida, e que desse o seu melhor como Pato-real que era, que honrasse os seus ancestrais que tantas alegrias deram aos visitantes do parque e que, depois, mais tarde, decidisse o que verdadeiramente queria ser pois, para eles, antes um pato fraquito que um falso pombo. Necas, a princípio, ficou ainda mais confuso mas algo o fez levantar-se e dirigir-se para a água do lago, achando que uma boa nadadela lhe poderia aclarar as ideias. Porque não? Afinal era um pato, disso não havia dúvidas. E, se até os humanos que vira no sonho e que visitavam o parque eram quem eram, porque havia ele de ser algo que não era de todo?

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Entrou na água e logo se sentiu muito melhor. Deu umas «remadelas», ganhou velocidade e adorou a sensação da água fria a acariciar as suas penas ainda amarelas que um dia iriam ser tricolores, com a sua bela cabeça verde metálica. «É verdade», pensou. «Um dia, não muito longe, serei um belíssimo pato, o mais bonito do parque, quem sabe, e serei não só o orgulho da minha mãe como do Guarda Januário e de todos os que aqui vierem visitar-me. Os pombos são os pombos, eu serei o melhor pato que possa ser e, para isso, vou passar a ouvir o que os mais velhos têem para me ensinar, dia após dia, sem me armar em tolo. Sim! Sim! Sou um Pato-real e disso agora tenho plena consciência.»

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Nisto avistou a sua mãe ao longe e nadou até ela, veloz e muito contente com a decisão que tinha acabado de tomar. «Mamã, mamã», gritou ele enquanto se aproximava. «Tomei uma decisão! Queres saber qual é?» «Eu sei qual é, meu filho, não precisas de ma contar. Basta olhar para ti para saber que tomaste a decisão certa e que, de ora em diante, serás aquilo que tens que ser, para minha grande alegria.» E, assim, o pato Necas viveu muito alegre e durante muitos anos neste parque maravilhoso onde todos são um e um são todos, mas cada um no seu lugar e com a sua função.

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O Ganso Sabichão (com citações de Neale Donald Walsch)

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Havia no parque encantado um ganso, o Sebastião. Este ganso, já bem crescido tinha a mania que sabia mais que todos os outros animais e seres vivos que por lá habitavam. Talvez por isso fosse um pouco altivo e senhor do seu nariz. Não se dava lá muito com os restantes seres e passava muito tempo sózinho. Dizia ele que era próprio dos animais inteligentes, isso de estar só, até porque estando afastado dos outros permitia-lhe «cogitar», isto é, pensar nas coisas complicadas da vida, tais como: quem somos, de onde viemos e para onde vamos, entre muitas outras coisas que o preocupavam muitíssimo e que faziam com que fosse muitas vezes visto a falar sózinho, agitando as asas, como se estivesse a discutir consigo mesmo. Por isso, dizia o Guarda Januário, era um Ganso Filósofo.

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Sebastião nadava pelo lago fora, de uma ponta a outra, num vai e vem constante, por vezes horas a fio. Os outros seres do parque, embora já estivessem habituados, riam e troçavam dele amiúde. O nosso ganso vivia sózinho. Dele corria a lenda que tinha tido esposa e filhos. A esposa falecera ao dar à luz e os filhos tinham sido oferecidos ao Jardim do Campo Grande, em Lisboa, já há alguns anos, onde eram famosos pela sua beleza e graciosidade. Sebastião ficara só, o que a ele não causava grande dano pois acreditava que um ser evoluído devia poder dar amor a todos por igual, sejam eles quem fossem, não se cingindo ao amor à família e esposa, que era, por assim, dizer, curto para os seus infinitos horizontes.

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Sebastião acreditava que o bem que fizesse voltava para ele amplificado muitas vezes mais. Também acreditava que o mal só existia como forma de tornar o bem real. Para ele a vida resultava das suas verdadeiras intenções e, por isso, revelava-se nos seus próprios actos. Por isso via a vida como um círculo onde as suas atitudes «davam a volta» e voltavam para si. Se fossem boas atitudes, vivia alegre e contente mas, se fossem más, passava a estar triste e revoltado. Também acreditava que os sentimentos são a linguagem da alma e, por isso, dizia sempre aos outros o que sentia. Isso trazia-lhe muitos dissabores porque a maioria dos seres do parque não aceitavam muito bem a honestidade e transparência que Sebastião usava para com eles: quando era algo positivo pensavam que ele estava com segundas intenções, isto é, que queria algo deles. Quando era uma observação negativa por algo que faziam ficavam ofendidos.

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Por essas e por outras a vida de Sebastião no parque não era fácil mas ele pouco se importava pois estava certo que, bastava que ajudasse um animalzinho a ser melhor, a sua missão já valia a pena. Uma das máximas de Sebastião era: consciência, honestidade e responsabilidade. Passava a vida a dizer isto aos outros e a maior parte das vezes era vítima de troça e desdém, embora eles, no fundo, percebessem que o ganso até estava certo. Só que, não só dava muito trabalho seguir esse comportamento, como os impedia de roubar um bocadinho de pão ou uns grãos de milho, ou mentir, ou não partilharem o que tinham quando o Guarda Januário gastava o dinheiro destinado à sua comida em vinho na Taberna da Porca Suja, lá perto. No entanto o ganso não se cansava de arengar a sua máxima: consciência, honestidade e responsabilidade.

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Todas as manhãs, bem cedinho, Sebastião subia para a sua pedra preferida, que lhe servia de púlpito, e arengava aos bichos e outros seres vivos do parque: «Ouvi, seres deste parque!», bradava ele. «Lembrai-vos sempre: nós não somos a flor, nem sequer somos o fruto. Nós somos a árvore, e as nossas raízes são fundas, enraizadas em Deus. Ele é o solo de onde brotámos e tanto os nossos rebentos como os nossos frutos voltarão a ele, criando assim um solo mais rico. Assim a vida gera a vida e não pode nunca conhecer a morte». Os outros seres não percebiam nada daquilo. «Árvores, então eu sou uma rã e ele diz que eu sou uma árvore? E então o velho salgueiro aqui ao lado é um fruto? Não percebo nada», exclamava a rã Marionela.

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«Não vês que ele fala por metáforas, sua básica?», respondia a pata Amélia, grande amiga do ganso Sebastião. «Rebento? Ora essa! Eu não sou um rebento, sou um gato!», respondia o Pantufa, rebolando de riso, na margem do lago. Os outros bichinhos também riam e gozavam com Sebastião, não percebendo a sua tristeza em não se conseguir fazer entender. A pata Amélia também ficava triste ao ver os seus vizinhos a gozar com algo que estava perfeitamente correcto e, embora tentasse ajudar, não conseguia grandes resultados pois os seres do parque pareciam não dar qualquer importância ao que realmente interessava, preferindo viver uma vida de alguma boémia, esperando somente a paparoca que o Guarda Januário distribuia, não todos os dias, como sabemos.

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Mas o ganso Sebastião voltava à carga e, abrindo as suas enormes asas replicava, levantando a voz: «O futuro, sempre o futuro! É aí que está a nossa vida, não no passado. No futuro! É lá que está a nossa verdade, não no passado. O que fizemos ontem não é importante comparado com o que podemos fazer amanhã. O que errámos é insignificante comparado com o que podemos criar. Porque Deus perdoa tudo, porque Deus é o único que pode, verdadeiramente, libertar!» Mais um enorme ruído de apupos, gargalhadas e comentários jocosos. E, assim, os animais lá se desmobilizavam e iam às suas vidas, comentando e rindo em surdina os ensinamentos «tolos» do ganso, a quem chamavam o ganso Sabichão.

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Nesse dia Sebastião foi nadar sózinho, para pôr as ideias no lugar, mas viu ao longe a sua grande amiga, a pata Amélia. Dirigindo-se até ela perguntou-lhe se podiam nadar um pouco juntos. Ela logo concordou e, dando às patinhas, lá foram por ali fora. Sebastião estava pouco falador e um pouco acabrunhado. Amélia, estranhando, perguntou-lhe o que se passava. Então o ganso lá lhe disse que tinha tomado uma decisão. Como os seres do parque pouco ligavam aos seus ensinamentos, tinha nesse próprio dia, decidido ir de abalada. «De abalada? Para onde, Sebastião?», perguntou a pata surpeendida. «Não sei, Amélia», retorquiu o ganso. «Para onde calhar, ou melhor, para todos os sítios onde me quiserem ouvir»

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No dia seguinte, ainda o sol mal se tinha levantado, já Sebastião descia as escadas do parque que davam para a rua principal, passando pela guarita do Guarda Januário que, cozendo o vinho que tinha bebido até de madrugada, roncava alto e bom som. Foi por ali fora sem olhar para trás, com a certeza que os seus ensinamentos iriam valer bem mais a quem o quisesse ouvir, sem saber, no entanto, se isso iria suceder ou quando e onde isso se iria passar.

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A sua viagem também serviria para se poder encontrar consigo próprio, desenvolvendo mais ideias que transmitiria aos outros. Ao passar pela ponte da vila, olhou o rio ainda escuro, lembrou-se dos seres do parque e uma voz dentro de si disse: «Olha a escuridão mas não a amaldiçoes, Sebastião. Sê antes a luz na escuridão e transforma-a. Deixa a tua luz brilhar ante todos de forma a que os que se encontrem nas trevas sejam iluminados pela luz do teu ser e todos possam ver, por fim, quem realmente são. Sê um portador da luz pois a tua luz pode ser a que ilumina verdadeiramente o mundo. Que seja essa a tua tarefa, que seja essa a tua maior alegria: restituir os seres a si próprios!» Sebastião ergueu a cabeça, orgulhoso, e seguiu em frente, certo da sua nova e importante missão.

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Sebastião foi por ali fora até que encontrou outra ponte. Esta era a que ligava uma povoação à outra mas, até ali, Sebastião não encontrara outros seres, a não ser humanos, que não estavam minimamente interessados no que ele tinha para dizer, até porque, pura e simplesmente, não percebiam nada dos seus grasnados. Por muito que ele tentasse tudo o que conseguia era caras de espanto ou gente que o tentava espantar com medo que o nosso ganso lhes mordesse isto porque, como sabemos, os gansos podem morder e quando o fazem são piores que os cães! Quanto aos outros seres, os pássaros voavam com um ar muito ocupado à procura de alimento que era sempre escasso por aquelas bandas, os gatos não queriam saber dele para nada, e os cães ladravam-lhe, assustados e receosos de tal bicho pouco familiar.

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Aproveitou o caminho para melhor reflectir e pensar nestas coisas importantes da vida, na esperança de encontrar alguém a quem as transmitir. Assim lá foi andando, metro após metro, quilómetro após quilómetro, sem rumo nem destino mas com uma ideia fixa, não experênciar mais o mal. Não fazer mais mal a ele próprio, e disse em voz alta:

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«Todo o mal que desejar aos outros voltar-se-á contra mim próprio: a ira, o ciúme, a inveja. Posso trilhar o meu caminho adormecido ou acordado. Só a mim compete decidir. E há 3 caminhos: aquele em que deixamos que os nossos pensamentos nos controlem, aqueloutro em que podemos permitir que a nossa consciência criativa crie o momento e por fim aquele em que a consciência colectiva cria o momento. Este é o mais difícil de resistir mas eu vou, doravante, escolher sempre o segundo, o que os meus pensamentos criam o momento».

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Sebastião andou e andou, dormindo pouco e alimentando-se de bagas e uvas caídas das videiras das zonas por onde passava. Por vezes sentia-se cansado e fraco, desanimado. Mas, nessas alturas, a tal voz interior voltava e dizia-lhe de forma bem nítida: «Celebra a vida; Sebastião! Celebra o teu ser. Celebra as predições, celebra Deus, celebra o jogo! Enfrenta o caminho com audácia e compreende o processo, vendo a perfeição de todo ele. Essa paz, essa serenidade, essa calma afastar-te-á da maior parte das exeperiências e desfechos a que os outros chamam negativos. Lembra-te, Sebastião: todo o pensamento é energia, todas as coisas estão em movimento e todo o tempo é agora!»

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Ao longo de uma grande recta deserta, cercada de árvores centenárias e muita verdura, o ganso Sebastião sentiu uma enorme leveza e alegria como há muito tempo não sentia e então teve a certeza que a sua missão de vida era servir o mundo e partilhar a sua sabedoria e conhecimento — o que já sabia e tudo o que estava a aprender nesta fantástica viagem sem rumo — de forma a que a sua perspicácia e compaixão pudessem dar aos outros em abundância, em quantidade e no maior respeito. Assim passaria a ser um verdadeiro portador da luz. Nisto uma suave brisa fez-se sentir nas suas penas e as árvores e arbustos inclinaram-se à sua passagem, como que agradecendo a sua presença e, ao mesmo tempo, desejando-lhe toda a sorte e coragem para a sua nova vida.

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Exausto o nosso ganso adormeceu enfiando a cabeça no meio das suas asas onde encontrou o calor necessário para o descanso tão merecido. E então sonhou. Sonhou que estava num lindo sítio onde todos os seres se amavam por igual, sem medo, sem ganância, sem inveja ou ciúmes. Um sítio mágico, onde reinava a alegria constante, dia após dia, onde todos se cumprimentavam e abraçavam, mostrando um total respeito mútuo. Era um campo lindo, verde, cheio de árvores e flores onde todos partilhavam os alimentos e viviam em paz. Era um sítio perfeito, o sítio que ele tanto desejava encontrar para poder viver com todos os outros seres. E ele estava lá, estava a experênciar esse autêntico paraíso! Que maravilha!

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Algo o fez acordar e perceber que tinha sido um sonho, mas não um sonho qualquer. Era o sonho pelo qual esperava. Era a prova de que esse sítio existia ou podia mesmo existir e ele era responsável pela sua criação. Agora só faltava torná-lo real. Para isso teria que voltar ao parque pois era aí que tudo teria que começar. Era lá que ele teria que mudar as coisas, agora que se mudou a si próprio ao longo da sua difícil mas magnífica viagem sem destino. Afinal a viagem tinha tido um propósito e um destino: recriar-se para poder recriar o parque onde nasceu e todos os seus habitantes. Essa seria, então, a sua verdadeira missão. Começaria por aí, até Deus lhe dar forças. Um dia de cada vez, até ao fim. Depois logo se veria. Sem pressas, sem aflições, em paz com ele próprio e com os outros. Dar luz a quem não via seria o seu grande trabalho.

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Passados uns dias voltou a ver os portões do parque e a sua grande escadaria amarela, que lhe era tão querida e familiar. Sentiu uma alegria imensa e nem o Guarda Januário deu pela sua chegada, entretido que estava jogando a bisca lambida com o seu amigo, o coveiro Zé Manel, lá da vila, mais conhecido pelo «covinhas» ou «Zé do Buraco». Desceu as escadas, de cabeça levantada, e logo os pardalecos do parque deram o sinal aos outros habitantes a chegada do ganso sabichão.

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Sebastião não se dirigiu a ninguém em especial e retomou a sua vida como se nunca tivesse saído dali. A comida era pouca e o seu sítio para dormir estava agora ocupado por um outro ganso mais jovem que ele não conhecia mas não se importou nada. Lá foi debicando algumas pedritas para enganar a fome, juntamente com umas poucas migalhas dos pedaços de pão que os visitantes normalmente levavam para dar aos habitantes do parque. A sua nova vida — ou o seu novo ser — faziam-no enfrentar a realidade com toda a calma e tranquilidade do mundo. Aceitava tudo e não esperava nada.

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Como o parque era bastante grande Sebastião pôde andar pelos sítios mais sombrios sem levantar grande azáfama entre os animaizinhos de lá e os poucos que o viram devem-no ter confundido com o novo ganso pois nem se lhe dirigiram. Sebastião tinha aprendido que nesta vida nada tem que ser doloroso pois nada é verdadeiramente real. Somos nós que criamos a nossa própria realidade.

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As suas manhãs passava-as a nadar no sítio mais afastado do lago, longe dos olhares. Não que não quisesse ver os seus amigos do parque, sim, porque de amigos se tratavam mas, naquela altura, precisava de paz, de muita paz interior para poder pôr a cabeça e as ideias em ordem. Ele sabia que à medida que observava a vida a desenrolar-se perante ele não podia deixar-se ele mesmo desenrolar. Tinha que manter o seu «eu» inteiro. Por isso via a ilusão mas não se transformava nela porque sabia que ele não era a ilusão mas sim o criador. Ele sabia que estava neste mundo mas que o mundo não era dele. Como já antes tinha dito aos seres do parque, ele não é mais que a árvore à sombra da qual nunca se sentará.

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Nisto viu a sua grande amiga Amélia, a pata, que se aproximava, com um ar de grande alegria. «Que bom, Sebastião, voltaste! Que saudades tínhamos de ti! O que me podes contar da tua viagem?» Então o ganso contou com detalhes tudo o que aprendeu na sua longa viagem e a forma como descobriu ser alguém muito diferente, e muito mais crescido e iluminado. E, também lhe deu conta do seu propósito, que pretendia glorificar quem era hoje mas sem condenar o que fora antes, nem evitar no que se poderia tornar amanhã. «Sabes?», disse-lhe Amélia. «Todos, na tua ausência, pensaram muito nos «sermões» que nos davas e todos estamos prontos a ouvir-te com outros ouvidos, a partir de agora. Anda daí, vamos ter com os demais.

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Foram ambos até à borda da parte central do lago e a pata Amélia chamou todos os animais do parque. Aos poucos juntaram-se e foi então que Sebatião lhes baixou a cabeça, em sinal de total respeito. Então, a pata Amélia, exclamou: «Sebastião, quero que saibas que a partir de agora és um connosco e por isso és muito bem vindo a nossa casa, à casa do Pai. Todos te ouviremos e todos te daremos a alegria que precisas para nos iluminar. Porque é tudo o mesmo ar, é tudo a mesma alma. Este é o segredo do Universo! Bem dito sejas, ganso Sebastião.

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Não tem qualquer formação em fotografia. As suas fotografias são ao natural. São os olhos que comandam. O nosso Mundo é um Mundo de cores e são essas cores, em todas as suas formas, que a encantam e procura captar, respeitando-as. Faz o que gosta e gosta do que faz.

Jorge Pinto Guedes É natural do Porto e nesta altura tem 55 anos. É casado, tem duas filhas, dois cães e um gato. Editor de profissão (criador do sistema de publicação Almalusa) é também fotógrafo, formado em 1988 pelo Estado Maior do Exército e escritor, essencialmente de prefácios de muitos dos livros que publica e artigos sobre fotografia. Nas horas vagas escreve umas «coisinhas» que nunca publica mas desta vez o desafio fez com que escrevesse com princípio, meio e fim.

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C O N T O S D O P A R Q U E E N C A N T A D O     •     M a r i a E d u a r d a C o r t e z

Maria Eduarda Cortez

Contos do parque encantado Maria Eduarda Cortez (Fotos)  •  Jorge Pinto Guedes (Textos)

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