Nazaré, por Ricardo Bravo

Page 1

Nazaré

NA Z ARÉ

“Lembro-me de estar no porto na companhia de amigos, de estar contigo, com a Celeste, o meu amigo Ventura e a Marlise, de estar tudo a curtir, de sentir uma boa vibração. E no campeonato também, sei que estava a ser bom, que nos estávamos a divertir muito. Depois aconteceu… há ali um momento em que o Hugo veio buscar-me e de repente percebemos que estamos rodeados de espumas por todos os lados. De um lado vinha uma onda enorme, do outro uma parede de espuma e a solução era mesmo galgar aquela parede branca e lembro-me de pensar: Ok isto agora vai ser duro, agarra-te! Mas não deu, fomos projetados no ar, bati contra a mota e pronto, só me restou desligar as fichas todas e apagar…”

Rica rdo B ravo

Rica rdo B ravo

I remember being in the harbor in the company of friends, being with you, with Celeste, my friend Ventura and Marlise, enjoying everything, feeling good vibes. And during the contest too, I know it was going well, that we were having a lot of fun. Then it happened ... there was a moment when Hugo came to pick me up and suddenly we realized that we were surrounded by foam on all sides — on one side there was a huge wave, on the other side, a wall of foam –– and the solution was to climb over the foam and I remember thinking: OK now this is going to be hard — hold on! But it didn’t work — we were thrown into the air, I hit the ski and the only thing left to do was unplug and shut down …”

A n d re w C ot to n | A l ex B ote l h o | J o ã o d e M a c e d o | J o ã o Va l e n te | Pe d ro A d ã o e S i l va



Obrigado: // Thank you: Ana Adão, André Domingos, António Cardoso, Andrew Cotton, Alemão de Maresias, Alex Botelho, Benjamin Sanchis, Cláudia Pinto, Damien Hobgood, Dino Casimiro, Hugo Vau, Jamie Mitchell, Joana Duarte, Joana Schenker, João de Macedo, João Valente, Kai Lenny, Luís Pereira, Lucas Chumbo, Lynne Crytser, Manuel Castro, Pedro Adão e Silva, Pedro Monteiro, Pedro Pisco e Teresa Almeida. À minha família e amigos. // To my family and friends. À Feerica pelo voto de confiança. // To Feerica for the vote of confidence.


TÍTULO

Nazaré AUTOR

Ricardo Bravo www.ricardobravo.pt Fotografias e Texto ©Ricardo Bravo Prefácio 1 © Pedro Adão e Silva Prefácio 2 © João Valente

EDITORA

Almalusa.org https://issuu.com/almalusa.org DIRECTOR GERAL

Jorge Pinto Guedes EDITOR

João Valente TRADUÇÃO

Lynne Cryster DESIGN/PRODUÇÃO

B&B Design para Almalusa DATA DE PUBLICAÇÃO

Novembro de 2020 ISBN

978-989-33-1188-2

administracao@almalusa.org © Copyright. Todos os Direitos Reservados


3


Prefácio 1 É tentador olhar para os elementos da paisagem e deixar que estes nos revelem as características de um povo. Como se o lugar onde vivemos e o espaço para o qual olhamos quotidianamente, enquanto marcam os nossos destinos económicos e materiais, também fossem capazes de contaminar o nosso espírito. Esta asserção é válida para cada um de nós, mas também para um país. Portugal é, nessa perspetiva, uma combinação singular: um país atlântico e mediterrânico. A geografia fez de nós, ao mesmo tempo, um povo inclinado a sul (com um chamamento das paisagens áridas e do tempo ocioso) e de ambição atlântica (a enfrentar o mar imenso e o clima indomável). É nesta dualidade do território, em que se entrelaçam influências opostas, ensinou-nos Orlando Ribeiro, que construímos a identidade portuguesa. Mas em poucas partes de Portugal os traços da fisionomia atlântica se impõem de forma tão aguda como na Nazaré – um acidente geográfico bem distante de qualquer marca mediterrânica. Ali não há qualquer vestígio das terras avermelhadas do Sul e o mar fustiga as gentes e a terra, não deixando margem para indolência. Quando, no Sítio da Nazaré, olhamos de frente o mar da Praia do Norte, aquele espaço imenso onde o areal a perder de vista se cruza com o mar implacável, o que se vislumbra é Portugal como absoluto atlântico. É essa a originalidade ancestral da Nazaré. Uma terra que vive na margem de um mar imenso, que sabia existir mas procurava contornar. A vila levou sempre o seu dia-a-dia temerosa, consciente do oceano que estava do outro lado, mas, na verdade, procurando ignorar a energia que o Atlântico faz desembocar de modo incontrolado na Praia do Norte. De certa forma, a possibilidade de algo de positivo ser trazido por aquela praia, tantos anos esquecida, é uma revelação recente, que contrasta com o medo razoável e humano que sempre dali proveio. Há, no entanto, elementos de continuidade na forma como esta combinação paradoxal de tumulto e calmaria persiste, agora na relação entre a experiência furiosa do surf e a pacatez da vida na vila. O que vislumbramos nestas fotografias magníficas do Ricardo Bravo é, precisamente, uma terra que se redescobre a si própria enquanto lança um novo olhar para uma praia que, sendo próxima, nunca foi verdadeiramente familiar. Mas o que prevalece nesta sucessão de momentos capturados pela sensibilidade e pela sabedoria do Ricardo são os traços persistentes da geografia e um caos calmo. O estrondo que abala a terra de cada vez que um set, varrido a ondulações profundas – vindas desde milhares de quilómetros e afagadas por ventos favoráveis –, choca com o canhão que se esconde no fundo do mar. A forma como aos momentos de turbulência se seguem instantes amenos, de esperas tranquilas. Acima de tudo, as vagas que se levantam, ameaçando não só quem se arrisca na água, mas inclusive quem, com temor reverencial, olha desde uma terra que a qualquer momento pode desabar sob o impacto das ondas. Deste entrecruzar de imagens resulta uma certeza, confirmada pelo mar grandiloquente que nos chega sazonalmente: nunca somos tão grandes como quando encaramos aquelas ondas e as enfrentamos, nem que seja com um olhar fortuito. Costuma ser sugerido que a natureza, na sua imponência, nos redimensiona e reduz-nos a uma identidade pequena, demasiado humana. Nada de mais equívoco, a medida da nossa humanidade está, também, na possibilidade de olharmos de frente as ondas poderosas, que o mar nos concede por instantes efémeros. Já aqueles que são capazes de as domar, movidos por uma coragem altiva, transformam-se, mesmo que fugazmente, em proprietários legítimos do mar. Possibilidade sublime, desde sempre reservada apenas aos deuses.

4

Pedro Adão e Silva


Preface 1 It is tempting to look at the elements of a landscape and let them reveal the characteristics of a people. As if the place where we live and the space we look at every day, while shaping our material destinies, are also capable of influencing our spirit. This assertion is valid for each one of us, but also for a country. Portugal is, from this perspective, a unique combination: a country both Atlantic and Mediterranean. Geography has made us, concurrently, a people with a ‘southern’ inclination (feeling the lure of arid landscapes and leisure time) and an ‘Atlantic’ ambition (confronting an immense sea and untameable weather). It is in this territorial duality – in which opposing influences are interwoven, as Orlando Ribeiro has taught us – that we construct the Portuguese identity. But few parts of Portugal manifest traces of Atlantic features as distinctly as Nazaré – a geographical accident distant from any Mediterranean mark. There, no sign exists of the red landscapes of the South and the sea lashes the people and the land, leaving no room for idleness. When, at the Sítio da Nazaré, we gaze at the sea in front of Praia do Norte – that immense space where sand as far as the eye can see intersects with the relentless ocean – what we catch sight of is an absolutely Atlantic Portugal. That is the fundamental originality of Nazaré. A land poised on the edge of an immense sea that it knew existed but that it tried to circumvent. The village has always led its day-to-day life in fear – aware of the ocean just on the other side – but, in truth, trying to ignore the energy that the Atlantic uncontrollably releases onto Praia do Norte. In a way, the possibility of something positive being brought to that beach – forgotten for so many years – is a recent revelation, which contrasts with the reasonable and human fear that has always come from that place. There are, however, elements of continuity in the way this paradoxical combination of turbulence and calm persists to this day in the relationship between the frenzy of surfing and the tranquility of village life. What we discern in Ricardo Bravo’s magnificent photographs is, precisely, a land that is rediscovering itself while taking a fresh look at a beach that, although nearby, was never truly familiar. But what prevails in this succession of moments captured by Ricardo’s sensitivity and wisdom are enduring geographical features and calm chaos: the impact that shakes the land each time a set – swept into deep swells coming thousands of kilometers and caressed by favorable winds –, collides with the canyon hidden on the ocean floor; the way turbulent times are followed by pleasurable moments, by calm lulls; above all, the rising waves, threatening not only anyone who ventures into the water but even anyone who, with respectful fear, watches from land that can collapse at any moment under the impact of the waves. This intertwining of images leads to a certainty, confirmed by the bravado of the seasonal sea: we are never as great as when we face those waves and confront them, even if that be with a chance gaze. It is usually suggested that the grandeur of nature resizes and reduces us to a small and all-too-human identity. Nothing is more questionable; our humanity is also measured by the possibility of facing down powerful waves, which the sea grants us for a few brief moments. Those who are able to tame them, animated by supreme courage, become – even fleetingly – the legitimate lords of the sea. Sublime possibility, since the beginning of time reserved exclusively for the gods.

Pedro Adão e Silva

5


6


7


Nazaré

NA Z ARÉ

“Lembro-me de estar no porto na companhia de amigos, de estar contigo, com a Celeste, o meu amigo Ventura e a Marlise, de estar tudo a curtir, de sentir uma boa vibração. E no campeonato também, sei que estava a ser bom, que nos estávamos a divertir muito. Depois aconteceu… há ali um momento em que o Hugo veio buscar-me e de repente percebemos que estamos rodeados de espumas por todos os lados. De um lado vinha uma onda enorme, do outro uma parede de espuma e a solução era mesmo galgar aquela parede branca e lembro-me de pensar: Ok isto agora vai ser duro, agarra-te! Mas não deu, fomos projetados no ar, bati contra a mota e pronto, só me restou desligar as fichas todas e apagar…”

Rica rdo B ravo

Rica rdo B ravo

I remember being in the harbor in the company of friends, being with you, with Celeste, my friend Ventura and Marlise, enjoying everything, feeling good vibes. And during the contest too, I know it was going well, that we were having a lot of fun. Then it happened ... there was a moment when Hugo came to pick me up and suddenly we realized that we were surrounded by foam on all sides — on one side there was a huge wave, on the other side, a wall of foam –– and the solution was to climb over the foam and I remember thinking: OK now this is going to be hard — hold on! But it didn’t work — we were thrown into the air, I hit the ski and the only thing left to do was unplug and shut down …”

A n d re w C ot to n | A l ex B ote l h o | J o ã o d e M a c e d o | J o ã o Va l e n te | Pe d ro A d ã o e S i l va


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.