Mosteiro de S. Cristovão de Lafões, por António Homem Cardoso

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Seguem-se alguns anos de fotografia “vadia” entre bares e casas de fado e a publicação dos primeiros trabalhos na imprensa, (cenas de rua) nomeadamente no Diário de Notícias e Diário Popular. Por volta dos 17 anos monta o seu primeiro laboratório na Quinta de S. Vicente onde fica como fotógrafo residente, e onde conhece diversas personalidades com quem estabelece relações de amizade para toda a vida. Integrado no Exército em 1966, concluiu aí o curso de operador de fotografia e cinema com altas classificações, e cumpre todo o serviço militar (até 1969) nesta especialidade. Em 1968 conhece Mestre Augusto Cabrita – a pessoa que mais amou na vida aparte a sua família mais chegada – que influencia extraordinariamente a sua carreira e o convida para a realização em co-autoria de diversos trabalhos, entre os quais o livro “Cozinha Tradicional Portuguesa” atualmente com mais de seiscentos mil exemplares vendidos e traduzido em diversas línguas. Ao serviço da revista “Observador” realizou grandes reportagens em Africa. No início dos anos setenta monta o seu estúdio na Lapa, em Lisboa, onde começa uma actividade vertiginosa de fotógrafo de publicidade, de moda e de editorial.

A partir de 1974 com a restauração da democracia, e até a actualidade, participa como autor de retratos em muitas das campanhas políticas feitas em Portugal. Em 1980 começa uma parceria com o Arqº. Hélder Carita de defesa e mostra do património cultural português com a publicação de diversos livros entre os quais o “Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal” referenciado como livro de arte excepcional pela revista francesa Vogue. Algumas participações como ator em novelas e filmes como p.ex. “O Fio do Horizonte”de Fernando Lopes, onde contracena com Claude Brasseur Tem cerca de cem livros publicados, e alguns no prelo. Realizou imagens para discos fonográficos para, entre outros, Trovante, Madre Deus, Rui Veloso, José Cid, Marco Paulo, Frei Hermano da Câmara, etc. Foi director das revistas Foto e Super Foto Pratica no primeiro ano do seu lançamento, e foi director de fotografia de diversas publicações de índole generalista. Escreveu textos de paixão sobre diversas personalidades com quem manteve relações excepcionais como p.e. Amália Rodrigues. É autor das fotografias oficiais de muitos “Primeiros” e Chefes de Estado, e de algumas personalidades do mundo. É autor de colecções filatélicas sobre gastronomia e arquitectura tradicional portuguesa. É fotógrafo oficial da Casa Real Portuguesa. Nunca concorreu a qualquer concurso fotográfico, sendo que, os prémios obtidos foram atribuídos ao seu trabalho sem qualquer participação própria. Trabalha há 35 anos com Maria João de Moraes Palmeiro, responsável pela produção e pós-produção de todas as suas imagens.

António Homem Cardoso

Nasceu em S. Pedro do Sul, em 1945. Dez anos depois ruma a Lisboa onde tem o primeiro contacto com a fotografia pela mão do ator Americano Edie Constantine aos 14 anos, quando é figurante do filme Edie em Lisboa e conquista, nessa data, a sua primeira câmara fotográfica, uma Voigtlander Vito B com telémetro Medis acoplado, generosidade do actor na sua despedida de Portugal.

Mo s t e i r o d e S . C r i s t ovão d e L a f õ e s

©Alfredo Cunha

António Homem Cardoso

Mosteiro de S. Cristovão de Lafões António Homem Cardoso



Mosteiro de S. Cristovão de Lafões António Homem Cardoso


TÍTULO

Mosteiro de S. Cristovão de Lafões AUTOR

António Homem Cardoso EDITORA

Almalusa.org https://issuu.com/almalusa.org DIRECTOR GERAL

Jorge Pinto Guedes EDIÇÃO FOTOGRÁFICA

Maria João Morais Palmeiro DESIGN/PRODUÇÃO

B&B Design para Almalusa DATA DE PUBLICAÇÃO

Novembro de 2020

administracao@almalusa.org © Copyright. Todos os Direitos Reservados


Nota Introdutória Quando, em Fevereiro deste ano de 2020, vim pela primeira vez visitar e tomar posse da casa antiga e rústica onde resido e trabalho, na pequena e semi-abandonada aldeia da Gralheira, na freguesia de S. Cristovão de Lafões, quem me acompanhou foi António Homem Cardoso ou o “Querido Mestre”, como carinhosamente o trato, já que, para além de um grande, grande amigo, muito me tem ajudado neste meu périplo pela edição de revistas e livros de fotografia. Nessa altura, e porque na verdade eu pouco ou nada conhecia da zona ou mesmo da região, a primeira coisa que terá referido foi a existência do lindíssimo mosteiro, muito perto de mim. Logo no primeiro passeio, acompanhado pelos dois cães que comigo trouxe e pela cadelinha local que nos adoptou, dirigi-me a um pequeno promontório logo abaixo de minha casa, dotado de uma lindíssima e antiga cruz onde rezo, e de onde se pode avistar o mosteiro em todo o seu incontornável esplendor. Desde esse dia que os arredores do mosteiro foram por mim esquadrinhados: o aqueduto, a levada com as suas cascatas, que me faz sempre lembrar um filme do Harry Potter e os seus lagos naturais, um dos quais foi a minha “piscina privativa” no verão, já que nunca vi lá mais ninguém. Foi assim que começou a germinar a ideia de publicar um livro sobre o mosteiro e a sua lindíssima zona envolvente. Daí a juntar à ideia a mestria e a arte de António Homem Cardoso foi um salto. Depois de uma conversa prévia com o meu Querido Mestre, que logo aceitou o desafio, parti para a proposta aos representantes da proprietária do mosteiro, a mui simpática e atenciosa Dra. Domingas e o autêntico e sábio cavalheiro que é o Professor Osswald, que prontamente acolheram a ideia com entusiasmo, abrindo as portas do mosteiro e acompanhando os trabalhos com entusiasmo. A ambos os meus mais sinceros agradecimentos pelo excelente acolhimento e pela oportunidade de nos permitirem dar corpo a esta obra. Ao meu Querido Mestre: todo e qualquer agradecimento é pouco, pois o seu carácter, nobreza de espírito e bondade fazem dele uma alma superior que eu tenho a enorme fortuna de ter perto de mim há já muitos anos. A sua arte, a sua perspicácia para a captura de detalhes e a sua intuição para os enquadramentos paisagísticos são por demais conhecidos e fazem deste livro uma obra da qual não posso deixar de “rebentar” de orgulho porque é, seguramente, inigualável e único. Jorge Pinto Guedes Editor S. Cristovão de Lafões, Outubro de 2020

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Walter Osswald


prefácio Numa modesta aproximação ao tantas vezes citado verso de Gertrude Stein (rosa é uma rosa, é uma rosa é uma rosa, é uma rosa) podemos afirmar que um livro é um livro – e podemos reforçar a asserção acrescentando e restringindo-a: um livro é apenas um livro. Mas quem abre as páginas deste livro e se vai lentamente embebendo nas suas imagens, cedo descobre outra realidade: este livro é um livro, mas conduz a outros espaços e convida a outras dimensões. Quem o desfruta torna-se companheiro de viagem de quem captou o real, aparentemente de pétrea estabilidade e secular imobilidade emocional, para o traduzir em imagens que não se limitam a reproduzir o objectivamente presente (embora o documentem fielmente), antes lhe emprestam significado e transcendência. Mesmo quem conheça bem o Mosteiro e se julgue perito na sua história, significado e volumetria, será surpreendido por imagens de contextos inesperados, por ângulos que introduzem leituras novas, por pontos de vista que fornecem novas chaves de leitura. Sim, este é o Mosteiro, esta é a sua mata, o seu aqueduto, mas nada neste livro é registo cru e nu, nada é descrição fria e rigorosa de um monumento, antes retrato vivo de presença viva, de herança consciente da sua idade e sabedoria da sua vida vindoura. De facto, António Homem Cardoso não é apenas “um olhar fixo sobre as coisas” como Cézanne terá dito de Monet, embora acrescentasse, “mas que olhar!”. Homem Cardoso é um criador, as suas fotografias são o real mas também estados de alma, convites à viagem, hermenêutica da realidade sonhada; às vezes surpreendem-no, “calham-lhe” sem que tenha havido uma escolha deliberada, uma decisão lógica e artística. Nestas páginas as provas do que fica dito abundam e a impressão que fica, quando se fecha o livro, é a de ter tido uma experiência rara e sumamente deleitosa, a da fruição de uma obra de arte que sem roupagens eruditas ou tecnológicas se entrega, com a gratuidade do que é belo e superior, a quem a procura. Se, como diz o velho provérbio britânico, “uma coisa bela é uma alegria para sempre”, esta obra representa uma garantia de perene acesso ao reino da serena fruição do bem e do belo. A Homem Cardoso, o artista, e a Pinto Guedes, que reverentemente o edita, devemos sincero agradecimento por esta singular obra. Quem tem o prazer de a ler, repetidamente por certo, entende, pela mão de António Homem Cardoso, o que Diane Arbus escreveu em 1985: “uma fotografia é um segredo acerca de um segredo. Quanto mais diz, menos ficamos a saber”. Estas fotografias são, seguramente, um segredo que protege um segredo, e quanto mais nos dizem, mais sábios ficamos, por ser a sageza, e não o conhecimento, a dádiva última da arte.

Walter Osswald

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O Mosteiro de S. Cristovão de Lafões Apresentação Erguido num promontório abraçado pelo rio Varoso, afluente do Vouga, o Mosteiro de S. Cristovão de Lafões emerge, na brancura das suas paredes, no meio de uma frondosa mata. Simples e poderoso na sua cantaria de granito de grão fino, podendo servir de exemplo da arte cistercense, este pequeno mosteiro testemunha, simultaneamente, o início e o fim da saga cistercence em Portugal: o princípio, por ter sido o primeiro, ou um dos primeiros mosteiros lusitanos da Ordem de Cister, recém chegada a Borgonha e a fase final por ter sido o último a ser alvo do alargamento e reconstrução, nos séculos XVII-XVIII. Em 1834, a expulsão das ordens religiosas representou o fim da presença cistercense, longa de quase sete séculos, e o princípio de um processo de degradação e ruína, só estancado em 1984, data em que os actuais proprietários o adquiriram e iniciaram o seu restauro.

Os princípios A Ordem de Cister (Cîteaux), nascida em 1098 como tentativa de reforma dos beneditinos, já existentes desde o século VI, cedo veio para o território portucalense, já que é na década de quarenta do século XII que assistimos à filiação de S. Cristovão de Lafões e de S. João de Tarouca na ordem cistercense, através de Claraval (Clairvaux), o mosteiro do qual Bernardo de Fontaine (que havia de ser canonizado S. Bernardo) era o abade. É provável, segundo opinião hoje maioritária entre os estudiosos da época, que S. Cristovão tenha tido a primazia; mas o que não sofre dúvida é que ambos os mosteiros existiam já quando os monges brancos (Cister destinguia-se pelos hábitos brancos, quando os beneditinos se vestiam de negro) chegaram às respectivas casas e, nelas se integrando, as fizeram filhas de Claraval. S. Cristovão foi, de facto, fundado por D. João Peculiar, natural da vizinha Vouzela, figura excelsa de diplomata e sacerdote, que terminou a sua brilhante carreira como Arcebispo de Braga. Colaborador muito próximo de Afonso Henriques, viajante incansável, peregrino de Jerusalém e romeiro que sete vezes se deslocou a Roma (certamente para defender junto do Papa o direito de Afonso Henriques se intitular rei de Portugal), encontrou-se duas vezes com S. Bernardo, a quem deve ter oferecido bom acolhimento por parte de D. Afonso Henriques e até o seu mosteiro de S. Cristovão. A verdade é que o santo cistercense deve ter tido especial carinho pelo jovem rei, já que a vinda dos monges brancos é muito precoce, passados apenas 50 anos sobre a fundação de Cister (…) Pode supor-se que a esta atitude de ajuda não terá sido estranho o facto de ter havido ligações afectivas entre o Abade, saído de uma família da nobreza borgonhesa, e o Rei, descendente de um rei de França e de um duque de Borgonha. Afonso Henriques deu especial atenção aos recém- chegados monges brancos, concedendo coutos aos seus mosteiros e os mais variados bens, por exemplo, cumulando de terras o mosteiro de Alcobaça, fundado em 1153, ano da morte de S. Bernardo. (…) No contexto da fundação, não pode deixar de ser citado o nome de João Cirita. O crédulo Frei Bernardo de Brito, cronista cistercense, atribui-lhe a fundação de vários mosteiros de Cister e até o título de abade geral da ordem, cargo

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inexistente na sua época. O que sabemos dele é que foi abade de S. Cristovão, provavelmente antes da sua filiação em Cister, e que existem algumas relíquias suas na igreja conventual, em cenotáfio que uma placa de mármore, muito mais tardia, assinala como pertencendo a João Cirita, “padre fundador deste mosteiro”. Cirita existiu e teve importante papel no desenvolvimento do mosteiro; a importância que lhe era atribuída reflecte-se não só nos seu cenotáfio (único na igreja do mosteiro) bem como na designação do vizinho morro coroado pela capela da Senhora da Boa Morte – Monte Cirita.

A extinção A extinção das ordens religiosas, ocorrida em 1834, não foi acontecimento inopinado, antes culminou uma já então longa época de decadência e perda de relevância social das congregações. Depois do absolutismo iluminista de Pombal vieram as ideias frontalmente opostas à religião, incubadas e proclamadas pela revolução francesa e veiculadas para Portugal pelas tropas napoleónicas, que saquearam, destruíram e queimaram igrejas e mosteiros. Deste modo apressou-se Joaquim António de Aguiar, por alcunha o Mata Frades, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, a apresentar ao Conselho de Estado, poucas semanas após a vitória definitiva da causa liberal (…) a proposta de liquidação das Ordens. O Conselho, certamente temendo as consequências de tão radical medida, não aprovou a proposta. O Duque de Bragança, porém, redigiu do seu próprio punho o Decreto. (…) Na sua sucinta crueza o Decreto estabelece a extinção em todo o território nacional de “todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as ordens regulares”, e a incorporação de todos os seus bens na Fazenda Nacional. (…) Para se entender a estratégia adoptada, é necessário ler o famigerado Relatório, que acusa as ordens de serem responsáveis por todos os males da nação, dada a sua cupidez, ganância, acumulação de riquezas, soberba, inutilidade social; factores de todas as desgraças, os religiosos seriam expoentes de todos os vícios. (…) Acresce que os religiosos foram acusados de apoiar, ao menos pela palavra, no púlpito ou no confessionário, a causa do usurpador D. Miguel. Assim foram sanguinolentos, traidores, fanáticos, praticantes de roubo, assassínio e incêndio. (…) A situação só é revertida com o decreto Lei de 25.07.40 que, na sequência da Concordata assinada com a Santa Sé que manda proceder ao arrolamento dos bens constituídos pela igreja de S. Cristovão e capelas dos lugares da Gralheira, Paredes, Chousas, Vilarinho, Janarde e S. Cristovão (da freguesia de S. Cristovão) e respectivos pertences. (…) Assim a Igreja recupera o que sempre fora seu.

S. Cristovão após a extinção Com inusitada celeridade as autoridades locais deram cumprimento ao estabelecido pela lei. (…) A 11 de Julho de 1834 o Corregedor da Comarca de Viseu, acompanhado pelo Fiscal da Fazenda e pelo Escrivão, deslocam-se a S. Cristovão para dar execução ao que lhes fora ordenado. Só a igreja escapou pois servia de igreja paroquial. Devido a esta feliz circunstância, conserva a igreja a sua antiga imponência e foram preservados os quadros e imagens que a ornamentam. (…) A 6 de Agosto foram a leilão os “bens móveis, semoventes e frutos” bem como as terras e tudo o que tinha mais valor foi arrecadado pelos

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licitantes. (…) Bem diferente foi o destino do edifício e seus anexos, já que pouco interesse despertava, por estar “em lugar ermo e não convidar à residência”. (…) Terá sido adquirido somente em 1838 por 1 conto e oitocentos. (…) Entre a exclaustração (1834) e a aquisição (1984), o Mosteiro conheceu quatro proprietários, mas nenhum fez dele sua residência. Funcionou como armazém e celeiro, mas também nele se deu a catequese e funcionou uma escola rural, a cargo do pároco. No início do Séc. XX encontrava-se ainda em bom estado, como atesta o facto da Rainha D. Amélia nele ter oferecido brilhantes recepções às gentes gradas da região, por ocasião das suas estadias em S. Pedro do Sul, cujas termas frequentava. A partir dos anos 40-50 do século XX é que se verifica o grande descalabro. O Mosteiro encontrava-se abandonado, a porta derrubada e transformava-se aos poucos num estaleiro à disposição de quem necessitasse de material de construção: travejamento dos tectos, caixilharias e portas, tudo de madeira de qualidade (castanho e carvalho) foram retiradas para uso em construção. O vandalismo vai mais longe e encarrega-se do arranque de todos os belos azulejos de figura avulsa, alguns estão referenciados em propriedades particulares da zona. Assim,a partir de 1984, os adquirentes do Mosteiro lançam mãos à obra de restauro, respeitadora do traço original, recuperado com todo o rigor – obra descontínua, que leva cinco anos e meio a completar.

O mosteiro A sua situação privilegiada, num largo esporão rochoso, rodeado de frondosa mata em que predominam as espécies autóctones (aveleiras, carvalhos e castanheiros) e indo terminar, em declive pronunciado, nas margens do rumoroso Varoso (ou Baroso, como aparece grafado em documentos antigos), esta invulgar localização confere-lhe particular encanto, posto em destaque por quantos a ele se referem nos seus escritos e de que Dom Maur Cocheril é o mais ilustre representante. Diz o sábio cistercense francês que o mosteiro era um prazer para os olhos, solitário e encastoado no verde da floresta, testemunho do amor pela beleza e pela solidez que é o legado dos primeiros mosteiros da Ordem. (…) S. Cristovão foi habitado por monges cistercienses durante cerca de sete séculos, mas dos edifícios primitivos nada resta (se exceptuarmos algumas pedras que ostentam arquetas românicas e que foram reaproveitadas para paredes e pisos). Desta forma, o que se oferece à vista do visitante é obra iniciada no século XVII e nunca terminada, já que a fachada prevista, a sul e nascente, não chegou a ser construída, substituída pela face nascente – norte do mosteiro, certamente a título provisório, que se tornou definitivo. Na sua forma actual, o quadrilátero do mosteiro tem adossada à sua parede sul-poente a igreja e encontra-se separado, por um largo rossio, de uma correnteza de edifícios anexos, em forma de L, de um só piso, a não ser na extremidade nascente, em que há uma pequena casa sobradada. Dadas as peculiares condições do terreno, a construção não obedeceu a algumas regras geralmente observadas no edificado cistercense; assim, o claustro encontra-se situado a norte e não a sul da igreja e o eixo desta diverge um pouco da orientação nascente- poente. Deve todavia notar-se que alterações deste tipo não eram infrequentes, já que a “arte de edificar” própria de Cister era suficientemente flexível para permitir desvios à regra, sempre que as ciscunstâncias o justificassem.

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Pequeno e modesto (não terá tido nunca mais que uma dúzia de habitantes e, à data de extinção, eram apenas nove monges, um irmão converso, o abade e o procurador quem ocupava a casa) continua a erguer-se no meio de uma paisagem montanhosa mas verdejante, isolado e preservado de construções vizinhas, tal como S. Bernardo aconselhara (“um mosteiro nosso deve ser construído em lugar onde haja madeira, pedra, água – e não haja gente). (…) O claustro, como habitualmente quadrado, com cinco arcos de volta quase inteira em cada face, é o centro e o coração do edifício, importante do ponto de vista funcional pois nele se abrem os acessos à igreja, à sala do capítulo, às tulhas, ao refeitório e até à cozinha. No aspecto simbólico-religioso é igualmente significativo (nele se procedia ao lava-pés dos momges, à colação do fim do dia e à leitura e estudo quando o tempo o permitia). Em épocas iniciais, o jardim claustral era entendido como símbolo e até representação do jardim do Éden e o monge, concentrando-se na meditação, face ao íntimo, virava de facto as costas ao mundo exterior. Na zona zona sul-poente encontram-se 6 túmulos abaciais, rasos e simplesmente identificados pelo respectivo algarismo. Pelo menos um deles foi violado, tendo-se encontrado apenas ossadas, pedaços de cal (certamente usada para acelerar a decomposição do cadáver e para desinfecção) e fragmentos de serapilheira, tecido grosseiro do saco em que o defunto era depositado. A fonte, a meio do jardim claustral (com cameleiras e uma enorme laranjeira), encarrega-se de fornecer a frescura e o som pacificador que se espera de um claustro. (…) Ao primeiro piso ou andar nobre tem-se acesso por uma monumental escadaria de amplas e harmoniosas proporções, bem iluminada por três janelões gradeados. (…) A dois lanços laterais sucede um lanço central; perfeitamente proporcionados, os degraus, cada um dos quais talhado numa única pedra, conduzem ao sobre-claustro (…) Neste piso constituem curiosidades interessantes um pequeno cárcere ou quarto de castigo, desprovido de iluminação e situado sobre a sacristia da igreja, bem como as latrinas, em número de quatro, oferecendo privacidade e higiene mais evoluída do que se possa pensar. DE citar ainda a existência, neste andar, de uma ampla divisão que servia de enfermaria e de outra, com três janelas, onde se encontrava a livraria (ou biblioteca) do mosteiro. Os aposentos do abade, incompletos, e uma vasta hospedaria, com alcova para homens e outra para mulheres completam esta parte residencial do mosteiro. Note-se que só existiam lareiras na enfermaria e hospedaria; nos rigorosos invernos os monges só se podiam defender visitando por curtos períodos o calefactório, cubículo do primeiro piso cuja parede exterior era constituída pela chaminé da cozinha.

A Igreja A igreja monástica, hoje paroquial, oferece algumas particularidades arquitectónicas que a tornam interessante. Assim, a fachada, orientada a sudeste, tem a a ladear a porta principal dois pares de colunas toscanas, prováveis re-aproveitamentos que não se enquadram estilisticamente no resto da fachada, barroca e de nobres proporções, ostentando um óculo trifoliado na continuidade do magnífico brasão bipartido (à esquerda armas portuguesas e à direita as da Congregação portuguesa de Cister), sobrepujado pela coroa real, a atestar que este é o Real Mosteiro de S. Cristovão de Lafões, patrocinado e protegido pelo Senhor D. João V. À generosidade do monarca se deve a tela do altar-mor, representando a Assunção, realizada em Roma em 1750 e devida ao pincel de Agostino Masucci, o pintor preferido do rei e que tão relevante

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Luz e sombras num

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corredor de acesso Ă s celas


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Páginas 74, 75 e 76: Levada de Paradela, que conduz a água desde as cercanias do mosteiro até ao lugar de Paradela, originalmente pertença daquele, juntamente com muitas outras terras e lugares à volta.

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A levada de Paradela.

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Seguem-se alguns anos de fotografia “vadia” entre bares e casas de fado e a publicação dos primeiros trabalhos na imprensa, (cenas de rua) nomeadamente no Diário de Notícias e Diário Popular. Por volta dos 17 anos monta o seu primeiro laboratório na Quinta de S. Vicente onde fica como fotógrafo residente, e onde conhece diversas personalidades com quem estabelece relações de amizade para toda a vida. Integrado no Exército em 1966, concluiu aí o curso de operador de fotografia e cinema com altas classificações, e cumpre todo o serviço militar (até 1969) nesta especialidade. Em 1968 conhece Mestre Augusto Cabrita – a pessoa que mais amou na vida aparte a sua família mais chegada – que influencia extraordinariamente a sua carreira e o convida para a realização em co-autoria de diversos trabalhos, entre os quais o livro “Cozinha Tradicional Portuguesa” atualmente com mais de seiscentos mil exemplares vendidos e traduzido em diversas línguas. Ao serviço da revista “Observador” realizou grandes reportagens em Africa. No início dos anos setenta monta o seu estúdio na Lapa, em Lisboa, onde começa uma actividade vertiginosa de fotógrafo de publicidade, de moda e de editorial.

A partir de 1974 com a restauração da democracia, e até a actualidade, participa como autor de retratos em muitas das campanhas políticas feitas em Portugal. Em 1980 começa uma parceria com o Arqº. Hélder Carita de defesa e mostra do património cultural português com a publicação de diversos livros entre os quais o “Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal” referenciado como livro de arte excepcional pela revista francesa Vogue. Algumas participações como ator em novelas e filmes como p.ex. “O Fio do Horizonte”de Fernando Lopes, onde contracena com Claude Brasseur Tem cerca de cem livros publicados, e alguns no prelo. Realizou imagens para discos fonográficos para, entre outros, Trovante, Madre Deus, Rui Veloso, José Cid, Marco Paulo, Frei Hermano da Câmara, etc. Foi director das revistas Foto e Super Foto Pratica no primeiro ano do seu lançamento, e foi director de fotografia de diversas publicações de índole generalista. Escreveu textos de paixão sobre diversas personalidades com quem manteve relações excepcionais como p.e. Amália Rodrigues. É autor das fotografias oficiais de muitos “Primeiros” e Chefes de Estado, e de algumas personalidades do mundo. É autor de colecções filatélicas sobre gastronomia e arquitectura tradicional portuguesa. É fotógrafo oficial da Casa Real Portuguesa. Nunca concorreu a qualquer concurso fotográfico, sendo que, os prémios obtidos foram atribuídos ao seu trabalho sem qualquer participação própria. Trabalha há 35 anos com Maria João de Moraes Palmeiro, responsável pela produção e pós-produção de todas as suas imagens.

António Homem Cardoso

Nasceu em S. Pedro do Sul, em 1945. Dez anos depois ruma a Lisboa onde tem o primeiro contacto com a fotografia pela mão do ator Americano Edie Constantine aos 14 anos, quando é figurante do filme Edie em Lisboa e conquista, nessa data, a sua primeira câmara fotográfica, uma Voigtlander Vito B com telémetro Medis acoplado, generosidade do actor na sua despedida de Portugal.

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