Plant Project #33

Page 1

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness CHINA EM CAMPO Como o maior cliente do agro brasileiro prepara-se para produzir mais e comprar menos O DRAGÃO ESTÁ VIVO A INFLAÇÃO DO AGRO VEIO PRA FICAR? ALERTA DIGITAL HACKERS INVADEM SISTEMAS DE MÁQUINAS E QUESTIONAM A SEGURANÇA DOS EQUIPAMENTOS EMBARCADOS BRINDE NO PICO A EXÓTICA ENOLOGIA QUE COLOCOU OS AÇORES NA ROTA DOS VINHOS PLANT TALKS Ministro do Meio Ambiente quer o Brasil na liderança da bioenergia DRAMATURGIA O centenário de Dias Gomes, o autor que levou as lendas do interior ao horário nobrevenda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

Editorial

O ANO QUE NÃO VAI TERMINAR

Ainda faltam algumas semanas para o fim de 2022, um ano que, de tão in tenso, parece estar sendo mais longo. Deveria ter sido o momento de reto mada global com a redução dos impactos da pandemia de Covid-19. Foi (ou tem sido), no entanto, o ano em que redescobrimos o temor dos efeitos de um mal ainda mais avassalador: o de uma guerra em escala mundial. Cons truímos uma era de vidas e economias interconectadas e, a partir da invasão russa na Ucrânia, compreendemos como essas conexões nos colocam, mes mo estando tão distantes, na área de influência do conflito.

Bombas que explodem lá nos ferem aqui. Primeiro, na alma, ao comparti lhar a dor de famílias destruídas e histórias destroçadas. E também no bol so. Cadeias de fornecimento interrompidas no celeiro da Europa espalham uma onda de escassez e inflação por todos os continentes. O espírito de cola boração internacional perde espaço para o protecionismo. Portas se fecham, antigos parceiros se distanciam.

É difícil vislumbrar solução no curto prazo. Num cenário como esse, visão estratégica é ainda mais relevante a países e empresas. Quando muitos se isolam no nacionalismo, reforçar-se internamente e, ao mesmo tempo, en tender o valor de ampliar laços externos se faz mais necessário. Só assim é possível enxergar o todo e buscar alternativas.

O Brasil exporta seus alimentos para o mundo todo, mas nos últimos anos parece ter se acomodado com a grande demanda de grãos vinda da China. Olhamos para o país oriental como um gigante capaz de proezas em vários campos, mas dependente do mundo para alimentar sua monumental po pulação. E nem sempre prestamos atenção nos movimentos que aconte cem dentro do país da Muralha.

A China está acordada. Espalha seus tentáculos comerciais pelo mundo ao mesmo tempo que cria as condições para a autonomia alimentar. A revolu ção agrícola chinesa está em curso – e isso nos interessa muito. Precisamos estar próximos, mas preparados para uma redução nos volumes de enco mendas de nosso mais importante comprador. Se o mundo muda, temos de ser ágeis para nos adaptar. E estar atentos às lições que 2022 nos trouxe, pois é um ano que vai demorar a acabar.

4

plantproject.com.br

Diretor Editorial

Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br

Diretor

Luiz Felipe Nastari

Arte Andrea Vianna

Projeto Gráfico e Di reção de Arte

Colaboradores :

Texto: Amauri Segalla, André Sollitto, Evanildo da Silveira, Karina Pastore, Marco Damiani, Ronaldo Luiz, Suzana Barelli Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo

Administração e Finanças

Cláudia Nastari Sérgio Nunes

publicidade@plantproject.com.br

Impressão e acabamento: Cipola Grafica e Editora

EDITORA UNIVERSO AGRO LTDA.

Calçada das Magnólias, 56 - Centro Comercial Alphaville – Barueri – SP CEP 06453-032 - Telefone: +55 11 4133 3944

6
Índice G GLOBAL pág. 7 A AGRIBUSINESS g pág. 17 F FORUM o pág. 58 F FRONTEIRA r pág. 63 W WORLD FAIR pág. 71 rA ARTE pág. 85 S STARTAGRO pág. 91 M MARKETS pág. 106

O Censo das Formigas:

Pesquisadores calculam quantas são para entender a evolução da sua população

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

G

O lado cosmopolita do agro HONG KONG

O PLANETA

DAS FORMIGAS

Estudo global aponta que existem mais de 20 quatrilhões desses insetos. Por que esse número é importante?

Para cada humano na face da Terra existem 2,5 milhões de formigas. É uma forma mais simples de indicar o resultado de um levantamento feito por cientistas da Universidade de Hong Kong, divulgado recentemente na Proceedings of the National Academy of Sciences, uma das mais respeitadas publicações científicas do mundo. Outra forma seria citar o número total, até difícil de imaginar: 20.000.000.000.000.000. Você não viu errado: são 20 quatrilhões.

Para chegar a esse número, os pesquisadores analisaram 489 estudos realizados por cientistas de todo o mundo.

A partir deles, concluíram que, reunidas, elas representam um peso total de 12 megatoneladas de carbono (dry carbono), padrão usado para medir a biomassa de animais. É mais do que a soma de todos os mamíferos e aves que habitam o planeta.

Há mais do que simples curiosidade nesse estudo, que envolveu pesquisadores e vasculhou dados em todos os continentes – apenas no Alaska e em algumas regiões da África as informações foram consideradas insatisfatórias. Onipresentes, as formigas têm diferentes papéis, quase sempre relevantes, para o bem-estar de diferentes ecossistemas, assim como para

8

a agricultura, onde muitas vezes são vistas apenas como pragas.

Os túneis que escavam ajudam a arejar o solo e muitas vezes as sementes que arrastam para eles brotam e ajudam na recomposição de áreas. Além disso, são fonte de alimentos para uma série de pássaros, mamíferos e artrópodes. Nas florestas, colaboram para a decomposição de madeira morta, contribuindo para os ciclos da vida.

Além disso, formigas são especialmente fascinantes para cientistas pelo seu comportamento social. Muitos laboratórios mantêm formigueiros voltados especialmente para estudos em torno desse tema e as informações ali obtidas têm sido utilizadas em vários campos inusitados, como a engenharia de tráfego.

A pesquisa agora divulgada é a primeira de uma série, que pretende entender a evolução da população desses insetos.

Entomologistas de todo o mundo vêm observando declínios em várias espécies, como borboletas, abelhas e besouros, importantes agentes polinizadores, e estima-se que 40% delas correm risco de extinção. Também já foram identificadas reduções na população de formigas em pontos específicos de países como Alemanha e Porto Rico. Mas não há dados globais históricos confiáveis.

“Para ser honesto, não temos ideia”, disse Patrick Schultheiss, pesquisador e um dos líderes do estudo, atualmente professor da Universidade de Würzburg, na Alemanha, ao The Washington Post quando questionado sobre uma eventual queda populacional das formigas. Segundo ele, houve “um esforço verdadeiramente global” para se chegar aos números atuais. E novos esforços serão feitos no futuro para entender o que está acontecendo.

9PLANT PROJECT Nº33
G

A VOLTA DOS BISÕES

Apenas dois animais em 210 hectares de bosques. E 1,575 milhão de libras, algo como R$ 9 milhões, no câmbio do início de outubro. É esse o ponto de partida de um projeto ambicioso: reintroduzir o bisão europeu em solo britânico. O mamífero, praticamente extinto no século passado, é considerado estratégico para a recuperação do ecossistema nativo da Inglaterra e o primeiro passo para que ele volte a correr solto por lá está

sendo dado no Wildwood Wildlife Park, na região de Kent, no sul do país. Será replicado ali um modelo que teve sucesso em experiências semelhantes na Polônia, na Holanda e na Romênia. Hoje existem 7,5 mil bisões vivendo livres em reservas no continente europeu – todos descendentes de uma dúzia de animais criados em zoológicos. Nas florestas, eles atuam como

“engenheiros de ecossistemas”: ao fazer suas atividades normais –pastar, forragear, pisar, chafurdar, defecar –, eles mantêm a floresta de uma maneira que humanos com máquinas pesadas não conseguem. “Eles vão administrar a floresta para nós”, afirma Tom Gibbons, administrador de Wildwood, para onde mais animais devem ser levados em breve. “E farão isso de graça.”

FINLÂNDIA

Coma

os ossos

Frangos representam 40% da oferta global de proteína animal., segundo dados da FAO. Mas poderiam alimentar ainda mais pessoas sem que nenhuma ave a mais fosse abatida, segundo os finlandeses Tuomas Koskinen e Santtu Vekkeli, fundadores da startup SuperGround. A empresa patenteou um processo para transformar os ossos dos frangos em uma massa homogênea e saborosa, que pode ser usada para engrossar a carne de frango moída usada em produtos como nuggets. O segredo está em misturar ossos que ainda têm um pouco de carne

com uma proteína vegetal e submeter a altas temperaturas. A mistura, então, é passada por uma extrusora. O resultado é uma pasta com textura indistinguível da carne moída pura. Ao aproveitar todo o “potencial nutricional dos ossos”, como diz em seu site, a SuperGround afirma obter um rendimento 30% maior em cada frango, reduzindo o desperdício e gerando um benefício ambiental à cadeia produtiva. O produto foi apresentado na IFFA, principal feira do setor de carnes, e deve estar disponível em supermercados no próximo ano.

10 REINO
G

O mapa da insegurança alimentar

Junte uma pandemia global, uma crise climática no horizonte e uma guerra envolvendo um dos maiores produtores de commodities agrícolas do mundo e você terá uma receita explosiva. Com esses ingredientes, elabora-se um cenário de desorganização das cadeias mundiais de fornecimento, resultando em inflação, desabastecimento e, consequentemente, insegurança alimentar.

É a partir dessa conjuntura potencialmente catastrófica que o site americano Business Insider destacou sua rede de jornalistas em cinco continentes para fazer um levantamento sobre as áreas mais afetadas pela dificuldade de se comprar comida – seja pela escassez, seja pelos preços acima do poder de compra de suas populações. Secas extremas, falta de insumos como fertilizantes e a dificuldade de importar commodities se refletem no cotidiano em diferentes regiões. Confira como, segundo o levantamento, foi o impacto em alguns mercados ao redor do mundo:

Carnes – Califórnia (EUA):

Nos ranchos do estado que mais produz alimentos no país, também a oportunidade de lucrar com as boas cotações do gado neste ano. Por conta da ausência de chuvas nos níveis necessários, que se prolonga por anos, e da alta dos preços dos grãos, muitos pecuaristas da região chegaram ao seu limite e concluíram que era mais negócio liquidar seus rebanhos do que alimentálos. O resultado foi a desorganização do mercado, com recorde de abates no começo do ano e uma perspectiva de que faltará carne já a partir do fim de 2022, pois não haverá o que ofertar aos frigoríficos. O departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estima que, mesmo que os pecuaristas decidam reinvestir em seus rebanhos, levará pelo menos três anos para a situação voltar ao normal.

Laranjas – Flórida (EUA):

A pandemia aumentou a demanda por fontes de vitamina C – e isso foi uma boa notícia para produtores de laranja em várias regiões do mundo. Mas no estado americano da Flórida não houve tempo para comemorar. Nos últimos anos, a região sofreu com o greening, principal doença que afeta a cultura, e com quatro furacões, que causaram graves estragos em seus pomares. Em 2022, a expectativa era de produção em alta e recuperação de parte das perdas. Mas o furacão Ian, em setembro, voltou a devastar as fazendas.

Abacates – México:

O México é o maior produtor de abacates do mundo. Os frutos rendem mais de US$ 3 bilhões ao ano para a economia local. Mas eles estão se tornando artigo raro na mesa dos mexicanos, depois de os preços subirem 250%, em dois anos. A responsabilidade pelas altas é da convergência nefasta de pandemia, crise climática e até mesmo a guerra na Ucrânia. Por conta do conflito, as altas nos preços de combustíveis elevaram custos dos produtores. A inflação no país atingiu o índice mais alto dos últimos anos.

Arroz jollof – Nigéria:

Arroz, tomates, pimentas, vegetais e frango, carne ou peixe. De maneira geral, é essa a receita do arroz jollof, prato cotidiano na mesa dos nigerianos. O prato é tão popular que existe um índice Jollof para medir a inflação de alimentos no país baseado em seu preparo. No segundo trimestre deste ano, o índice registrou alta de 8,3%, segundo a consultoria SBM Intelligence, de Lagos. Os índices oficiais, que incluem outros alimentos e custos, são ainda mais alarmantes. O instituto nacional de estatísticas da Nigéria estimou em 19,5% a inflação de maio.

12 G ESTADOS

Tapas – Espanha:

Óleo de cozinha: 96%; queijos: 15%; farinha: 21%; ovos: 60%.

Esses ingredientes, quase que obrigatoriamente, fazem parte do preparo das tapas, os tradicionais petiscos que os espanhóis consomem com frequência – e que encantam os turistas na noite de cidades como Madri e Barcelona. As percentagens indicam a alta dos produtos nos últimos 12 meses. Abalados pela ausência de visitantes durante a pandemia, os restaurantes espanhóis agora têm dificuldade em manter a freguesia em função dos preços em alta e de restrições no fornecimento de alguns desses itens.

Queijos – Holanda:

Cada cidadão holandês consumiu, em média, 26 quilos de queijos em 2020. Em 2022, a expectativa é que essa média fique menor. Apenas nos primeiros quatro meses o consumo caiu 6%, possível reflexo da alta dos preços do produto, que ficou também em 6%. Os motivos são os mesmos verificados em outras cadeias ao redor do mundo: alta na energia e outros insumos após a invasão da Ucrânia. Mas há uma razão adicional: produtores de leite e governo holandês vivem uma queda de braços em torno de restrições ambientais, o que afetou a oferta da principal matéria-prima da indústria queijeira.

Cerveja – Alemanha:

Além de ucranianos e russos, é possível dizer que os alemães são os mais afetados pelo conflito no Leste Europeu. Até sua bebida favorita foi gravemente atingida, por várias frentes, e está custando bem mais caro nos bares e supermercados. A inflação da cerveja tem diversas origens: o preço do malte, em parte produzido na Ucrânia, subiu cerca de 70% no último ano; o preço da energia elétrica, que movimenta os equipamentos das cervejarias, disparou com os cortes de fornecimento de gás russo ao país; outros combustíveis, como gasolina e diesel, também subiram, fazendo o transporte da bebida custar mais. A alta, no último ano, acumula quase 10%.

Comida de rua – Singapura:

Situação semelhante à dos espanhóis é vivida pelos proprietários de barracas e trailers de comida de rua em Singapura.

A tradição de comer bem e barato nessas bancas atrais milhares de moradores e visitantes diariamente. O movimento voltou depois da pandemia, mas os lucros caíram na medida em que muitos dos comerciantes têm ignorado os aumentos de matérias-primas como óleo de cozinha e ovos e mantido os preços. O quilo do frango, carne mais popular no país, subiu 80% em um ano.

Salmão – Japão:

Iguaria mais conhecida da gastronomia japonesa, o sushi está em risco. Uma tempestade perfeita afetou a oferta de salmão, peixe mais consumido pelos restaurantes japoneses, reduzindo estoques e elevando preços. O setor já vinha sofrendo com a redução da população dos peixes provocada por alterações no ambiente marinho em função das mudanças climáticas. Desde fevereiro, a guerra na Ucrânia se refletiu também aqui, desde que a Rússia impôs restrições para voos em seu espaço aéreo, interrompendo a principal rota de transporte do salmão importado da Noruega. Em um ano, o preço do pescado nos mercados de Toquio subiu mais de 30%.

13PLANT PROJECT Nº33

O rótulo na embalagem traz um desenho fofo: uma vaquinha comendo uma planta qualquer. E, no destaque, um texto chamativo: “O segredo? O rebanho está arrotando e peidando menos graças à nossa pré-adição de algas”. A marca é nova nas prateleiras da rede de supermercados sueca Coop:

LOME. Também precisa explicar a sigla, que significa Low on Methane, ou baixa em metano, na tradução literal. Os diferentes cortes de carne são vendidos como os primeiros do mundo oriundos de bovinos alimentados com uma ração contendo algas vermelhas, vegetais marinhos que, além de nutritivos, têm efeito

SUÉCIA

BIFE COM POUCO METANO...

benéfico na digestão dos animais, reduzindo as emissões de metano. As algas são cultivadas pela startup Volta Greentech. A empresa desenvolveu um sistema para produzir as algas em terra, onde afirma obter mais qualidade que no mar. A dificuldade, agora, é escalar a produção. “ainda estamos testando diferentes sistemas de cultivo em estufas e armazéns”, afirma Fredrick Akerman, CEO da Volta.

ESTADOS UNIDOS

...E carne amiga das aves

Uma das mais conhecidas organizações ambientais americanas, a Audubon Society, está usando um novo indicador para certificar pecuaristas que atuam de forma responsável, trabalhando pela restauração dos ecossistemas em que produz: pássaros. A entidade anunciou recentemente que passou a adotar a presença (em número e diversidade) de espécies de aves como parâmetro ao verificar que, em fazendas que atuaram de forma ambientalmente positiva, elas tendem a retornar e as suas populações crescem. Essa métrica, de certa forma, ajuda

a simplificar a mensuração de benefícios ambientais nem sempre simples de quantificar. O novo selo de aprovação da Audubon vem acompanhado da campanha “Carne Amiga das Aves”. O movimento é considerado um marco, já que até então a atuação da maior parte das principais organizações colocava produção agropecuária e preservação como antagonistas. Com o novo conceito, a Audubon concilia as duas atividades na ideia de que é possível manejar a terra de forma a atender a todos os interesses. Quem vai merecer o selo? Os pássaros decidem.

14
G

Unipar, faz a química acontecer!

A Unipar, líder da América Latina na produção de Ácido Clorídrico (HCl), com investimentos na ampliação da capacidade de planta a partir de 2023 e novas plantas até 2025, tem como uma das apostas a revolução do setor sucroalcooleiro. Focada em levar ao mercado brasileiro um insumo nacional de maior con ança e previsibilidade, traz como alternativa o uso de Ácido Clorídrico (HCl) na fermentação, em substituição ao Ácido Sulfúrico (H2SO4). Já em andamento, desde 21 de julho de 2022, a Usina de Açúcar e Álcool São José da Estiva, com sede em Novo Horizonte (SP), opera nesse novo modelo. O insumo fornecido à usina pela Unipar é resultado de um bem-sucedido desenvolvimento tecnológico realizado em parceria com a Fermentec, empresa líder no mercado em tecnologia para o setor sucroenergético e uma das grandes referências no desenvolvimento e seleção de leveduras.

Você sabia que o Ácido Clorídrico e demais produtos fabricados pela Unipar é produzido através de matérias-primas geradas em seus processos de eletrólise? Nesse processo, as matérias primas são transformadas em produtos químicos essenciais à vida das pessoas e da indústria química em geral e em todas as etapas produtivas, a Unipar se preocupa em preservar o meio ambiente e promover o bem estar e segurança das comunidades e das pessoas ao entorno.

A Unipar tem por essência em seu ecossistema a sustentabilidade como tema de importância, assim como o compromisso como agente de transformação do futuro.

Pensando em potencializar suas iniciativas em sustentabilidade, a Unipar tem investido em fontes renováveis de energia elétrica, um dos principais insumos utilizado no processo de fabricação.

Quer saber mais sobre a Unipar, projetos, produtos e serviços? Entre em contato! @grupounipar

15PLANT PROJECT Nº33
unipar.com

SOLDADOS NO SOLO

Há um exército em ação, combatendo a escassez de fertilizantes na África. Os soldados são larvas de moscas da espécie black soldier, que têm a missão de contribuir com agricultores de Uganda, que enfrentam dificuldades de comprar insumos desde que a guerra na Ucrânia interrompeu o comércio internacional de produtos à base de nitrogênio e fósforo. As larvas aceleram um antigo processo biológico, a compostagem. Colocadas em grandes tinas repletas de alimentos fermentados, elas os digerem. O resultado dessa digestão é um fertilizante orgânico de boa qualidade, que, literalmente, tem salvado a lavoura no país. Uganda é conhecido pela qualidade de seus cafés e também produz algodão, tabaco e chás. A maior parte da produção está nas mãos de pequenos produtores familiares, cuja renda não acompanhou a elevação dos custos dos fertilizantes sintéticos.

SUIÇA

CAFÉ EM BOLAS

A suíça Nestlé revolucionou a forma de se tomar café ao introduzir o sistema Nespresso, com suas máquinas e cápsulas que levaram para dentro de casa a experiência de se fazer e tomar um espresso. É também do país alpino que surge um candidato a desafiá-la. A rede de supermercados Migros, maior da Suíça, começou a vender em suas lojas a CofeeB, uma máquina que, ao invés das já tradicionais cápsulas, utiliza bolas de café, as Coffee Balls. O desafio de ganhar mercado é enorme, mas o discurso

está afiado e toca no calcanhar de aquiles da Nespresso: o descarte das cápsulas, feitas de alumínio ou plástico. Embora a marca mantenha e incentive programas de reciclagem, a Migros afirma que o sistema líder produz mais de 100 mil toneladas de resíduos por ano no mundo. Já as bolas de café,

revestidas com um biofilme à base de algas marinhas – que se dissolve na água quente e não deixa gosto no espresso –, são 100% aproveitáveis e descartam apenas o pó, que pode ser usado para compostagem. A dificuldade da CoffeeB é ganhar escala e, como a Nespresso já fez, ganhar o mundo.

16 G
UGANDA

Negócio da China:

País investe para se tornar autossuficiente na produção de grãos e depender menos de importações

AAGRIBUSINESS g

Empresas e líderes que fazem diferença

A CHINA ENTRA

Empresas e líderes que fazem diferença
Ag
P or A m A uri S eg A ll A Novo plano estratégico do país para o agronegócio deverá alterar o jogo de forças na produção global de alimentos e obrigar o Brasil a rever a sua pauta exportadora ENTRA EM CAMPO

Os chineses passaram boa parte das últimas décadas copiando o que os outros países faziam de melhor. Foi assim na indústria de computadores, na produção de carros, na criação de jogos eletrônicos e, mais recentemente, no desenvolvimento de mídias digitais. A ânsia de repetir o sucesso dos inspiradores originais ajudou a consolidar um conceito arraigado na imaginação ocidental, o de que a China é uma “nação imitadora”. Se isso foi verdade durante um bom tempo, agora não poderia estar mais distante da realidade. De tanto investir e se dedicar à inovação, o país despertou um fenômeno inverso: seus produtos é que passaram a ser imitados pelos outros.

A nação da cópia virou o centro global mais pulsante da inovação, e tudo isso resultou em titãs corporativos inigualáveis em força, influência e tamanho. No primeiro semestre de 2022, a BYD superou a americana Tesla como a maior fabricante de carros elétricos do mundo. Desde 2018, a Alibaba lidera o e-commerce global. E atualmente não há rede social que cresça mais do que o TikTok. Em comum, todas elas são conglomerados chineses de ambição desmedida e competência inquestionável, prontas para atacar e, como se viu, superar rivais no Ocidente.

Depois de tornar a inovação tecnológica uma política de Estado, a superpotência emergente se prepara agora para fazer algo parecido – e talvez ainda mais ambicioso – no agronegócio. Em linhas gerais, a ideia central é garantir ao país autossuficiência nas principais culturas – soja, milho, arroz e trigo, principalmente –, tornando-se assim imune às intempéries do mercado global de alimentos. No início do ano, um documento divulgado pelo presidente Xi Jinping deixou produtores de soja de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil, bastante apreensivos e mostrou claramente que os chineses vão direcionar esforços, sejam eles quais forem, para esse objetivo. Segundo o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais, até 2025 a nação da Muralha

20

gMatéria de Capa

A

deverá estar pronta para produzir 23 milhões de toneladas do produto. Se a meta for cumprida, representará um acréscimo de 40% em relação aos níveis atuais, de 16,4 milhões de toneladas.

É fácil entender a preocupação dos chineses. O país depende do mercado global para 85% de sua demanda de soja, e as origens de importação são altamente concentradas, especialmente no Brasil e nos Estados Unidos. Além disso, o cenário piorou nos últimos anos. Em 2021, a produção local do grão caiu 16% em relação ao ano anterior, já que alguns agricultores abandonaram o cultivo da oleaginosa e se voltaram para culturas mais lucrativas, como o milho. Para se contrapor a esse cenário, o governo de Pequim expandirá a área de soja plantada, fornecerá subsídios para os agricultores e estimulará a inovação no campo como forma de aumentar a produtividade. Diante do que foi capaz de realizar em outros setores, não é exagero dizer que a China está pronta para virar do avesso o mercado global do agronegócio.

A segurança alimentar na China piorou nas últimas décadas com o aumento explosivo da população ao mesmo tempo que o uso da terra agrícola mudava de grãos para outras culturas. Em 2021, de acordo com dados da Organização das Nações Unidos para a Alimentação e Agricultura (FAO), apenas 33% da demanda total do país pelos três principais óleos alimentares – óleo de soja, óleo de amendoim e óleo de colza – foi suprida pela produção doméstica. Em 1990, o índice era de 100%. “A demanda no país cresce

conforme avançam o desenvolvimento econômico, a urbanização e o desejo de uma dieta mais diversificada por parte da nova classe média”, afirma Larissa Wachholz, ex-assessora do Ministério da Agricultura para assuntos da China, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e sócia da consultoria Vallya Agro. “A demanda do mercado chinês é tão grande que, mesmo com números de produção interna que beiram a autossuficiência, a China continua importando para complementar ou diversificar a disponibilidade de alimentos dentro do país.”

O cenário, porém, vale para a fotografia atual, mas como será no futuro? Embora inúmeros líderes chineses tenham enfatizado a importância vital da segurança alimentar para o país, Xi Jinping foi quem, de fato, tratou a questão como prioridade máxima. Em 2019, a seu pedido, o Conselho de Estado publicou o documento “Segurança Alimentar na China”, que basicamente impôs aos produtores a responsabilidade de fornecer comida para toda a população. “Olhando para o futuro, a China tem condições, capacidade e confiança para promover a segurança alimentar dependendo de seus próprios esforços”, enfatiza o texto.

As principais políticas sobre a produção de grãos concentram-se na necessidade de rendimentos cada vez maiores nas lavouras, a proteção das terras aráveis e o uso mais eficiente da água. Para a analista Trina Chen, do banco americano Goldman Sachs, outro destaque do projeto foi o plano de revitalização da indústria de sementes,

22

AgMatéria de Capa

23PLANT PROJECT Nº33
A China tem condições, capacidade e confiança para promover a segurança alimentar dependendo de seus próprios esforços”
"
24
A China passou a agir adquirindo companhias de sementes, de fertilizantes e empresas que negociam os grãos, as tradings"
"

gMatéria de Capa

considerado fundamental para que o país alcance a autossuficiência. O projeto prevê a adoção irrestrita de sementes geneticamente modificadas (GM), uma iniciativa que vinha sofrendo forte resistência, mas que agora, dadas as urgentes necessidades para alimentar a crescente população, parece inevitável. Por enquanto, as sementes GM são usadas – com reconhecido sucesso, diga-se –na produção de algodão, e certamente outras deverão ser introduzidas nas diferentes lavouras.

Não é de hoje que a China se prepara para ampliar as suas fortalezas no agronegócio. Um ponto de virada foi a compra, em 2016, da gigante suíça de sementes Syngenta pela empresa pública China National Chemical (ChemChina), um movimento que não só respondeu a interesses comerciais como, acima de tudo, estava conectado à estratégia nacional de segurança alimentar. Ao autorizar a aquisição da Syngenta, o Partido Comunista chinês quis aproveitar a experiência da empresa no campo dos pesticidas e organismos transgênicos. A partir daí, a China teve acesso às melhores tecnologias nesse ramo e pôde espalhá-las pelo país.

Se antes, em especial na indústria automotiva, os chineses copiavam o trabalho feito por montadoras de forte presença internacional, no agronegócio decidiu ir direto à fonte, incorporando empresas relevantes. Como não poderia deixar de ser, o Brasil, protagonista do agronegócio, virou alvo dos chineses.

“A China passou a agir adquirindo companhias de sementes, de fertilizantes e empresas que negociam os grãos, as tradings”, afirma o engenheiro agrônomo Anderson Galvão, diretor da consultoria especializada em agronegócio Céleres.

Outro grande desafio dos chineses é garantir o acesso a grãos para a alimentação animal e a produção de carne e lácteos. Para alcançar esse objetivo, o país triplicou os investimentos em tecnologia agrícola na última década, conforme estimativas da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, na sigla em inglês). Entre 2017 e 2021, a taxa de mecanização do cultivo e da colheita aumentou 72% e a expectativa é de que o índice cresça mais de 100% até 2025, puxado principalmente pelos avanços na produção de arroz, milho e trigo. O governo também lançou um programa de financiamento rural que tem por objetivo ampliar os ganhos dos agricultores. Deu certo: nos últimos quatro anos, a renda dos residentes rurais subiu cerca de 30%, o mesmo ritmo observado entre os trabalhadores das grandes cidades.

O desenvolvimento de tecnologias nativas voltadas para o agronegócio se tornou uma obsessão no país. No ano passado, um relatório produzido pela empresa de Venture Capital AgFunder apontou a China como o segundo maior destino de investimentos em agtechs no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Espera-se que, em três ou quatro anos, os chineses ultrapassem os americanos, tornando-se assim, ao menos por esse

25PLANT PROJECT Nº33 A

critério, a nação mais inovadora em se tratando de agronegócio. Em áreas como inteligência artificial aplicada no campo, poucos países no mundo são capazes de rivalizar com a China. Certamente Estados Unidos. Talvez Israel. E só. Aumentar os níveis de produção, mesmo com notáveis avanços em tecnologia, é bastante desafiador. “Além de terras agricultáveis, os recursos hídricos também são limitados”, diz Larissa Wachholz.

Nenhuma outra nação possui programas tão abrangentes para diminuir os riscos da insegurança alimentar. Para evitar riscos de desabastecimento mesmo em cenários turbulentos – guerra na Ucrânia, crise energética global e problemas de logística, para citar apenas alguns desafios da conjuntura atual –, a China vem ampliando drasticamente seus estoques de alimentos. No

A China detém um estoque de alimentos em níveis historicamente altos, que conseguem responder a uma demanda equivalente a um ano e meio"

primeiro semestre de 2022, os chineses controlaram 69% das reservas de milho do mundo, 60% de arroz e 51% de trigo, conforme levantamento realizado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). “A China detém um estoque de alimentos em níveis historicamente altos, que conseguem responder a uma demanda equivalente a um ano e meio”, afirmou Qin Yuyun, responsável pelo departamento de cereais da Administração Nacional de Alimentos e Reservas Estratégicas de Pequim. Qual o efeito do acúmulo excessivo de reservas? A resposta é óbvia: inflação. Se há menos alimentos disponíveis em diversas partes do mundo, os valores naturalmente sobem. Em 2021, conforme dados da Agência para a Alimentação e Agricultura da FAO, os preços globais dos alimentos dispararam 30%. Outra decisão polêmica do governo

26
"

de Pequim, a redução da oferta de fertilizantes no mercado global como forma de assegurar o suprimento interno, elevou os preços desses insumos em cerca de 300% nos últimos quatro anos. Em resposta a esse fenômeno, os custos de produção de commodities como milho e soja subiram 52% apenas em 2021.

Basta olhar com atenção para os números superlativos da China para entender o seu nível de influência no mercado internacional. Os chineses são os maiores produtores e consumidores de grãos do planeta. Conforme projeção da FAO, quase todas as 585 milhões de toneladas produzidas no país em 2021 (o equivalente a 19,2% da produção global) são absorvidas pela monumental demanda doméstica. A China lidera a produção de arroz, respondendo por 144 milhões de toneladas (28% do volume global), e de feijão, com 24 milhões de toneladas (40% do total produzido no

mundo). O grão mais cultivado pelos chineses, contudo, é o milho, com safra de 287 milhões de toneladas (23,4% do total mundial). Apesar do consumo interno de 116 milhões de toneladas de soja, a China produz apenas 16 milhões de toneladas – é somente o quarto maior produtor do cereal – o que explica por que o país quer, a todo custo, ampliar os negócios nesse segmento.

Enquanto a China se protege, o planeta sofre os efeitos adversos, mas esse é apenas um aspecto dos impactos que o novo programa alimentar dos chineses provocará em outras nações, inclusive no Brasil. Por ser a maior potência do mundo no agronegócio, qualquer mudança na escala de produção chinesa causa grande efeito nos mercados internacionais e na cadeia global de alimentos. Para o Brasil, as consequências das ambições chinesas são especialmente preocupantes. A China é o maior cliente internacional do agronegócio brasileiro.

27PLANT PROJECT Nº33
28
A maior preocupação por parte do governo brasileiro deveria ser diversificar a pauta de exportação para a China"
"

Em 2021, o Brasil exportou para lá US$ 41 bilhões, o equivalente a 34% das vendas externas do agronegócio. Além disso, somos os maiores fornecedores de produtos agrícolas para a China, respondendo por aproximadamente 20% de tudo o que o país asiático importa.

Segundo a especialista Larissa Wachholz, a pauta exportadora do agronegócio brasileiro reflete uma grande transformação no país asiático nos últimos anos: o incremento do consumo da proteína animal pela emergente classe média. O crescimento econômico dos últimos anos e o consequente aumento da renda fizeram o consumo per capita de carnes, incluindo bovinos, suínos e aves, saltar de 5 quilos por ano em 1960 para 63 quilos anuais atualmente. Os produtores brasileiros surfaram essa onda, mas será que ela continuará por muito tempo? A julgar pelos novos planos chineses, a resposta talvez seja não. O cenário agrava-se pela declarada intenção dos chineses em diversificar os fornecedores, tornando-se menos dependentes de países-chave como o Brasil.

Se a demanda chinesa diminuir, especialistas alertam que a resposta brasileira deveria ser na mesma moeda. Ou seja: diversificar as exportações agora e cada vez mais no futuro, seja em termos de destino ou tipo de produto vendido ao exterior. A inserção de carnes na pauta exportadora nos últimos anos foi um avanço, mas, de acordo com Larissa Wachholz, é preciso prospectar oportunidades internacionais especialmente nos segmentos de frutas, castanhas e legumes processados. “A maior preocupação por

parte do governo brasileiro deveria ser diversificar a pauta de exportação para a China”, concorda Henrique Reis, gerente de Relações Internacionais do Grupo China Trade Center.

De fato, a pauta exportadora do agronegócio é excessivamente concentrada. O Brasil exporta de tudo, mas, em termos de volume, os grãos respondem por cerca de 30% do total. Buscar novos mercados também é um caminho indicado e certamente inevitável nos próximos anos. Para Marcos Jank, professor de Agronegócio Global do Insper, a Europa é um parceiro de tremendo potencial, mas cultivá-lo depende da adoção de fortes compromissos ambientais por parte dos produtores brasileiros.

Não são poucos os desafios para o agronegócio brasileiro. A China se prepara para fechar 2022 com o PIB mais fraco dos últimos 40 anos. É consenso entre analistas que a economia do país não crescerá mais do que 3%, mas alguns bancos, como o britânico Barclays, acham que o número ficará em torno de 2% –isso é quase nada perto dos padrões chineses. A desaceleração da economia chinesa, claro, não é boa para o Brasil. No primeiro semestre, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o volume de exportações brasileiras para a China caiu 11,5% e o resultado não deverá ser diferente nos últimos meses do ano. Atualmente, a nação asiática responde por 28% das exportações brasileiras. Um ano atrás, a participação estava em 34%. O mundo mudou e o agronegócio brasileiro precisa ser ágil para se adaptar à nova realidade.

29PLANT PROJECT Nº33
Ag Economia

O DRAGÃO ASSUSTA

AGRO?

Inflação

global, custos e preços: o novo patamar veio para ficar? Especialistas apontam para uma retomada da normalidade no mercado de insumos agrícolas e valor das commodities apenas no segundo semestre de 2023
O
Damiani

Avolta da inflação ao mundo, impulsionada nos últimos anos pela pandemia de Covid-19 seguida pela guerra na Ucrânia, impactou diferentes setores da economia, mas nenhum mais do que o agronegócio. As fortes altas nos preços dos alimentos encabeçam, globalmente, todos os índices inflacionários dos países.

A dúvida presente é entender se as commodities agrícolas mudaram em definitivo para um patamar mais alto de preços, ou se há espaço para o retorno aos valores da normalidade anterior à crise de saúde e o conflito patrocinado pela Rússia.

No Brasil, uma comparação entre a variação dos valores de comercialização da ureia e a alta do petróleo, insumos de base para cadeias produtivas do campo e da cidade, dá a dimensão exata do quanto a produção agrícola foi mais afetada.

Na pré-pandemia, em fevereiro de 2020,

enquanto um barril do tipo brent era negociado a US$ 53, uma tonelada de ureia custava US$ 260. Já em dezembro do ano passado, o barril estava valendo US$ 130, com alta de 150%, e a ureia disparava a US$ 850, nada menos do que 214% além. Ao contrário da indústria, que precisa do petróleo, mas não demanda fertilização, a agricultura depende da ureia e, com suas máquinas e equipamentos, também consome derivados de petróleo, como o diesel e a gasolina. Sente, portanto, duas vezes os reflexos da volatilidade.

Em consequência, a soja bateu recordes históricos, subindo mais de 60% desde o início da guerra. Em alta constante, o trigo aumentou 130% entre janeiro de 2020 e abril de 2022, segundo estudo da consultoria MLB. Ao consumidor, produtos como açúcar e café triplicaram, no caso do

32

primeiro, e dobraram de preço durante esse período atribulado. Na frente da pecuária, o preço do boi gordo oscilou para cima cerca de 55%.

“Na hora em que a política voltar ao normal, com o fim da guerra na Ucrânia, os preços de insumos para a produção e ao consumidor final também voltarão à normalidade. É uma questão de tempo”, afirmou à PLANT PROJECT o CEO do Grupo SLC, Aurélio Pavinato. “Talvez não exatamente aos preços que tínhamos antes, uma vez que a oscilação faz parte do mercado de commodities, mas sem dúvida 2022 é um ano de pico, enquanto 2023 já deve apresentar recuos”, acrescenta. Ele ressalva que a volatilidade nas cadeias de produção de energia será determinante sobre o comportamento dos preços.

O pico de valores de comercialização neste ano também encontra explicação nas quebras das safras de soja do Brasil e da Argentina, do milho nos Estados Unidos e do milho e do trigo na Europa. “Foi uma sequência grande de quebras, o que aumentou a demanda e puxou os preços finais para cima. Para a oferta, a reativação parcial das cadeias de suprimento de insumos já começou a deixá-los mais baratos.”

Como um todo, os produtores brasileiros conseguiram minimizar os impactos da alta nos insumos graças a compras antecipadas de

fertilizantes, foram beneficiados pela apreciação do dólar frente ao real e, igualmente, surfaram a onda de elevação dos preços de comercialização das safras, em razão do aumento da demanda internacional. “As expectativas para a venda da safra 2022/23 são bastante positivas. Graças à eficiência, o agro brasileiro conseguiu compensar os aumentos nos custos de produção”, agrega o CEO à frente da maior produtora nacional de grãos, com 660 mil hectares plantados com soja, milho, algodão e criação de gado.

A projeção de recuo dos preços dos insumos no médio prazo coincide com as análises de comportamento do mercado que são feitas pelo Rabobank. Os radares da instituição financeira holandesa, líder global em financiamento ao agronegócio, apontam o segundo semestre de 2023 como o momento em que o atual patamar de preços descerá de modo significativo. “Já há indicadores como o cloreto de potássio em níveis de preços abaixo dos praticados antes da guerra e a ureia a menos dos US$ 650 por tonelada. Isso mostra uma tendência de retorno aos patamares anteriores”, avalia Bruno Fonseca, analista sênior para a área de Fertilizantes do Rabobank. “É uma descida lenta, que deve se estabilizar no ano que vem”, calcula ele. “O importante é o produtor ficar muito atento ao cenário global,

Pavinato, da SLC, e Fonseca, do Rabobank: sinais de recuos nos preços dos insumos

33PLANT PROJECT Nº33 AgEconomia

Barbosa, da Abitrigo: “No médio prazo, preços de venda continuarão elevados”

para aproveitar janelas de volatilidade a seu favor e tentar se proteger das surpresas negativas que sempre podem ocorrer”, agrega.

Expectativas de renomadas consultorias internacionais apontam, com efeito, para muita turbulência à frente. “Novas sanções à Rússia são prováveis após os referendos falsos na Ucrânia. Uma escalada na guerra é iminente”, projeta a consultoria americana AgResource Company em relatório no qual indica uma extensão de problemas no sistema de transportes da produção. “Com o recrudescimento da guerra, os proprietários de embarcações estarão ainda menos dispostos a sacrificar capital e mão de obra”, diz a avaliação.

A compensação da alta nos custos de produção pelas correções para cima nos preços das commodities também ancora expectativas positivas entre os produtores de trigo. “No médio prazo, os preços de venda vão continuar elevados, com oscilações na Bolsa de Chicago indicando uma clara tendência de alta”, afirma ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo). “Os custos de produção e as receitas cresceram de forma equilibrada e devem continuar assim”, prevê. “O setor está aumentando a produção para chegarmos em cinco a dez anos à condição de exportadores líquidos. Este ano, das 10 milhões de toneladas que iremos produzir,

34
Ag Economia

3 milhões de toneladas serão para exportação. A tendência é que essa parcela cresça”, agrega Barbosa.

Apesar dos ganhos na gangorra de custos de produção versus preço final, as grandes companhias do agronegócio foram colocadas em compasso de espera pelo mercado financeiro no último ano. “É natural que, com tantas variáveis e incertezas, os prêmios fiquem para o momento em que a normalidade volte de modo mais amplo, sem a guerra dentro do cenário”, explica o investidor Fernando Laudísio Corrêa, gestor de renda variável de um family office. “Ao nosso ver, o pior já passou, mas isso ainda não é suficiente para adicionar valor ao conjunto do setor. Num estudo sobre o desempenho dos papéis de gigantes do agronegócio brasileiro, a tese de

que a fase é de cautela se confirma. Em 12 meses, completados em 5 de outubro, as ações do Grupo Brasil Agro na B3 experimentavam uma valorização de 0,42%, enquanto São Martinho, Raízen e SLC tinham quedas, respectivamente, de 9,03%, 2,56% e 0,33%. “Nada que não possa ser recuperado quando os preços internacionais dos insumos se normalizarem e, em linha com a expectativa geral, a demanda pelas commodities continue em alta”, afirma Corrêa.

Nesse ínterim, as indicações são de descida dos atuais patamares de custos de produção e valores de comercialização, mas com os disparos ainda sendo trocados na Ucrânia, dentro de um cenário de relações internacionais cada vez mais complexas, ainda é cedo para comemorar.

35PLANT PROJECT Nº33

FÁBRICAS DE VIDA

Koppert inaugura nova unidade no interior de São Paulo e coloca o Brasil no centro da estratégia de expansão dos biodefensivos

Plant +

O pequeno município de Charqueada, na região de Piracicaba, em São Paulo, entrou definitivamente para o mapa da agricultura brasileira no final de setembro. Não pelo cultivo em suas terras – em grande parte cobertas de canaviais. Mas por um complexo de edifícios com instalações de última geração localizado em uma das entradas da cidade. Ali, a multinacional holandesa Koppert, líder mundial em soluções para controle biológico, instalou, em uma área de 8 mil metros quadrados, a sua nova unidade para formulação de defensivos microbiológicos no País. A menos de 200 metros dela está a biofábrica que produz agentes macrobiológicos, igualmente avançada, tornando aquele pedaço do interior paulista o principal centro de tecnologia de bioinsumos do Brasil.

Foi uma semana agitada em Charqueada e a importância estratégica da inauguração pode ser medida pelos visitantes que lá estiveram. Nunca antes nos 12 anos da Koppert no Brasil todo o primeiro escalão da empresa familiar – fundada há 55 anos por Jan Koppert –desembarcou simultaneamente por aqui. “O Brasil tem sido uma inspiração para nós”, afirmou à PLANT Paul Koppert, ex-CEO e hoje membro do Conselho de Administração da companhia. Juntamente com ele estiveram em Charqueada o atual CEO, René Koppert, o executivo-chefe para a área de Agricultura (que responde pelos produtos para cultivos de

grandes commodities), Martin Koppert, e Joram Oosthoek, principal executivo financeiro do grupo, também membro da família. Paul representou a segunda geração do clã. Os três jovens, a terceira geração, que assumiu o comando da empresa no ano passado.

A nova fábrica tem capacidade para produzir 300 toneladas de produtos por dia, 15 vezes mais que a anterior. “A unidade de formulações está preparada para operar em três turnos, de domingo a domingo. Com alto índice de automatização e robotização dos processos, garante mais segurança e, consequentemente, mais qualidade aos produtos”, comemora Danilo Pedrazzoli, diretor industrial da Koppert Brasil. “Com ela, a Koppert pode fornecer insumos biológicos para cobrir 10 milhões de hectares cultivados”, completa Gustavo Herrmann, diretor comercial.

Isso significa levar os bioinsumos da Koppert a um em cada sete hectares plantados no País. A ambição da companhia, confirmada pelos seus controladores, é ir muito além. A fábrica, com custo estimado em R$ 70 milhões, é apenas o primeiro resultado de um plano de investimentos aprovado por eles, que prevê o desembolso de R$ 700 milhões nos próximos anos no Brasil. Já está prevista a expansão dessa unidade, com mais R$ 70 milhões, além de investimentos em mais três, todas na mesma região.

PRONTA PARA O FUTURO

“Não usaremos tudo agora, mas estamos preparados para o crescimento dos próximos cinco anos”, afirma Pedrazzoli. E as projeções são de um futuro promissor para o setor de biodefensivos, que cresce a taxas de 30% ao ano no País, segundo a CropLife Brasil – em 2021, as vendas do segmento somaram R$ 1,79 bilhão.

A família Koppert acompanha tudo de perto. “O Brasil é pioneiro e deve se tornar uma referência. Tem áreas enormes e desafios da agricultura tropical”, diz Martin Koppert, referindo-se ao mercado de produtos para grandes culturas como soja e milho. “Estamos construindo esse negócio passo a passo e certamente o Brasil será um país-chave no desenvolvimento de soluções”, acrescenta o CEO René Koppert.

Os biodefensivos têm uma história ainda pequena no Brasil – as formulações de produtos à base de vírus, fungos e bactérias passaram a fazer parte das opções para os produtores brasileiros apenas a partir da chegada da Koppert ao mercado nacional, em 2010. Ainda assim, Paul Koppert ressalta que a matriz tem buscado no Brasil conhecimento para ser aplicado em outras filiais ao redor do mundo. “Temos muito o que aprender aqui”, afirma. “Vemos no Brasil como é importante levar a mensagem dos biológicos ao produtor. É preciso explicar de maneira mais fácil o que são nossos produtos e como eles beneficiam as lavouras e o ambiente como um todo.”

Joram Oosthoek, o CFO, concorda. “A expertise dos brasileiros não é importante apenas no desenvolvimento e uso de produtos, mas também na abordagem de mercado, no relacionamento com produtores, na atuação das lideranças”, diz. Alguns dos aprendizados colhidos aqui já estão, segundo ele, sendo aplicados até mesmo na Europa, berço dos negócios familiares que hoje se espalham por vários continentes.

Lá, onde a companhia surgiu fornecendo seus produtos a pequenos agricultores do segmento de

hortifrútis que fazem da Holanda a maior produtora de alimentos do continente, a adoção dos biodefensivos vem crescendo de forma acelerada, estimulada pela legislação ambiental que restringe o uso de químicos.

“Até 2030, os biológicos devem estar em 50% das lavouras europeias”, afirma o CEO, René Koppert. “Essa é uma tendência global em torno de uma agricultura mais sustentável e, por isso, acredito que em 10 ou 15 anos seremos líderes não apenas em biológicos, mas dentro do contexto geral do setor.”

Se os Koppert olham para o Brasil, o mundo olha para a Koppert, frequentemente vista como alvo potencial para aquisição por grandes companhias do setor de insumos agrícolas. A terceira geração da família mantém-se firme na direção indicada pelas anteriores. Palavras de René Koppert: “Nosso objetivo é manter a empresa familiar e focada em tornar a agricultura cada vez mais sustentável. Ainda somos um nicho, mas sabemos que há muita gente olhando para o nosso sucesso. Não é fácil chegar aonde chegamos. Mais do que investimento, requer muito conhecimento dos processos naturais da agricultura”.

Plant +
O comando no Brasil: Joram Oosthoek, Gustavo Herrmann, Paul, René e Martin Koppert e Danilo Pedrazzoli (da esq. para a dir.) na inauguração da nova planta
Pesquisadores da USP trabalham no desenvolvimento de uma variedade capaz de gerar duas safras ao ano e, assim, acabar com o período ocioso das usinas A CANA DO FUTURO
Por Evanildo da Silveira
AgCiência

Numa estufa de 250 metros quadrados, instalada no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), crescem alguns pés de cana-deaçúcar semelhantes a quaisquer outros da espécie. Mas as aparências enganam. Eles são transgênicos e carregam em seu DNA o potencial de revolucionar a indústria sucroalcooleira. A expectativa é que sejam os primeiros exemplares de uma variedade a dar duas safras por ano, a exemplo do milho. Criada em laboratório, por meio de engenharia genética, essa variedade cresce mais rápido e morre mais cedo – o que pode ser uma vantagem – e é capaz de produzir até cinco vezes mais açúcar do que as comuns.

A nova planta está sendo desenvolvida por pesquisadores do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI). Trata-se do projeto Avanços para Cana-de-açúcar e Novas Fontes de Bioenergia, financiado pela Shell do Brasil e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “A indústria canavieira fica parada

durante um período do ano, após a colheita e processamento”, explica o biólogo e coordenador da pesquisa Marcos Buckeridge, do IB-USP. “Isso é bem conhecido e daí imaginamos se não seria possível termos duas safras no ano, mesmo que as plantas ficassem menores, mas que tudo acontecesse mais rápido.”

Um primeiro passo para isso é controlar o seu crescimento e o acúmulo de açúcares. “Temos ainda que entender como alterar as respostas à seca, pois há uma parte do ano com pouca chuva, em que a cana cresce mais devagar”, acrescenta Buckeridge, que é diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, sediado no IB-USP. “Se houver irrigação, é possível obter plantas bem maiores e, com isso, aumentar a produção. Mas seria importante também obter mais resistência à seca.”

De acordo com ele, os programas de melhoramento genético da cana-deaçúcar realizados até hoje já fizeram um “trabalho esplêndido” durante décadas e, por causa disso, existem variedades muito

42

boas. “Mas acreditamos que seja possível melhorar ainda mais”, diz. “Se for, e se tivermos em paralelo o controle do crescimento e do acúmulo de açúcares, poderemos desenhar plantas que se desenvolvam mais rápido e ocupem o campo e a indústria durante todo o ano.”

Para chegar a isso, são quatro passos principais e paralelos, que já começaram a ser dados pelo projeto. O primeiro é conseguir fazer transformações genéticas de plantas de cana utilizando a técnica mais moderna de edição de genomas, chamada Conjunto de Repetições Palindrômicas Regularmente Espaçadas (CRISPR), que rendeu o prêmio Nobel de Química em 2020 para suas desenvolvedoras, a bioquímica norte-americana Jennifer Doudna e a microbiologista francesa Emmanuelle Charpentier.

Buckeridge explica que essa técnica torna possível editar o DNA de qualquer espécie, com um trabalho de “copia e cola” de genes, para alterar regiões selecionadas do genoma e assim alterar o funcionamento da planta. Depois da edição do DNA, os pesquisadores selecionam os mutantes desejados, ou seja, aqueles que crescem mais rápido e acumulam mais açúcares. “Estamos trabalhando em conjunto com o grupo do pesquisador Marcelo Menossi, da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], para estabelecer

a técnica de forma a podermos mudar os genes com segurança e eficiência”, conta. As plantas desenvolvidas pela CRISPR não são transgênicas.

O segundo passo é obter a sequência do genoma da cana, que possa ser abordada com clareza pelos pesquisadores. Esta é a missão do grupo de Diego Riaño, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP. Com uma abordagem sofisticada de computação, baseada em três tipos diferentes de sequenciamento genômico, a ideia é conseguir o sequenciamento ao nível cromossômico. Apesar de toda a tecnologia usada, não é uma tarefa fácil. A cana-de-açúcar é uma planta híbrida, resultante de uma combinação de duas espécies de gramíneas originárias da China, o que torna seu genoma extremamente complexo. Cada célula da planta tem entre 8 e 12 cópias dele, diferentemente do ser humano, que tem apenas duas.

O terceiro passo é obter um mapa do metabolismo do carbono nos pés de cana, inclusive com os genes relacionados aos mecanismos de controle. Esse trabalho está sendo feito em conjunto com a pesquisadora Eny Floh. “Nosso laboratório já vem obtendo as sequências completas desses genes”, diz Buckeridge. “Temos mais de 700 que constituem uma espécie de painel de controle do fluxo de carbono na planta. Com

43PLANT PROJECT Nº33
AgCiência

o genoma completo e com a técnica de edição dominados, poderemos dar o quarto passo, que é escolher os genes que seriam capazes de transformar a planta e com isso controlar tanto o seu crescimento como o acúmulo de açúcar.”

Apesar de o sequenciamento da cana ainda não estar concluído, o grupo de Buckeridge conseguiu criar a nova variedade transgênica, que está em teste na estufa. Para isso, eles utilizaram sequências longas do genoma da planta, que foram colocadas em Bacterial Artificial Chromosomes (BACs), ou cromossomos artificiais de bactérias. A espécie usada foi Agrobacterium tumefaciens, na qual foi inserido um pedaço de DNA, chamada de “cassete de transformação”, que tem o gene que foi implantado no genoma junto com um promotor (que vai ativar o gene).

O que foi inserido é um

fator de transcrição que acelera o envelhecimento. “Esse gene acelerou o crescimento e acabou levando a um acúmulo maior de açúcar”, explica Buckeridge. “A partir daí, temos que observar as plantas e analisá-las para ver o que a expressão dele causa. Normalmente, começamos com algumas dezenas de plantas transformadas e vamos afunilando, até encontrar aquelas em que a inserção do gene funciona melhor em termos de mostrar as alterações que esperamos. Hoje, temos seis transformantes (plantas transformadas com um gene da própria cana tornado mais ativo por engenharia genética), que foram selecionados durante os últimos quatro anos.”

Mesmo já tendo feito experimentos com essas plantas há quatro anos, só agora os pesquisadores têm certeza absoluta de quais delas são transgênicas entre as que sobreviveram durante esse tempo. Com isto, só agora eles têm um experimento com replicatas, que estão possibilitando aplicar cálculos estatísticos confiáveis.

“Nesse experimento bem mais controlado, as plantas estão com seis meses de idade e não temos como avaliar de forma integral os parâmetros de crescimento durante todo o desenvolvimento”, explica Buckeridge.

Sabe-se que elas estão envelhecendo mais rápido, pois começaram a perder folhas mais

44
Ag Ciência

cedo e ficaram menores. Em laboratório, as plantas transgênicas atingem de 1 metro a 1,5 metro, o que representa entre 50 e 70% da altura daquelas que não foram transformadas, que podem chegar a 2 metros aos cinco meses. “Sabemos que o efeito é principalmente nas raízes, mas ainda não compreendemos completamente como o impacto sobre elas afeta o desenvolvimento da parte aérea”, diz. “Elas também apresentam bem mais perfilhos (brotação de novos ramos), produzem de três a cinco vezes mais açúcar e completam o seu desenvolvimento mais rapidamente (de cinco a seis meses).”

Ou seja, os pesquisadores já sabem que as plantas transgênicas crescem menos e que completam seu ciclo de vida

mais rápido. “Além disso, quando ainda estão jovens, já têm altas quantidades de açúcar”, diz Buckeridge. “Portanto, podem ser aptas para uma estratégia de duas safras. Tudo isso terá que ser testado no campo em maior escala para termos certeza de que funciona. Mas os resultados são bastante promissores.”

Os pesquisadores também estão preparando uma outra transformação, que é nas paredes celulares. Eles a chamam de “cana papaya”, pois acreditam que conseguirão fazer com que as plantas transformadas tenham paredes celulares mais moles e facilitem o processo de produção de etanol de segunda geração (de parede celular). Isso é importante, porque com o aumento da produção de açúcar também vai aumentar o volume de bagaço e palha (biomassa), usados para produzir esse

tipo de álcool.

Diante disso, será necessário terminar o experimento, ou seja, chegar a um ano, para ter uma ideia clara de até onde as transgênicas vão em relação às plantas não transformadas. Depois, os pesquisadores precisam ver como elas se comportam no campo, mas eles acreditam que há a possibilidade de que estas plantas produzam uma safra mais rápida com uma concentração bem razoável de açúcar.

Buckeridge ressalta um ponto que considera importante para o projeto, que será fazer os cálculos de produção por meio de modelagens tanto do crescimento e produção de açúcares pela nova variedade quanto do retorno econômico dela. “Não sabemos ainda se haverá vantagens caso

45PLANT PROJECT Nº33

consigamos ter duas safras”, explica. “Nossa esperança é que, se isso acontecer e os cálculos de retorno econômico derem positivo, ou seja, a soma das duas safras com menor produtividade for maior do que uma única safra, poderemos aumentá-la como um todo e melhorar o impacto sobre o uso da terra. O uso da terra e os cálculos de uma possível diminuição nas emissões de gases do efeito estufa também precisarão ser feitos.”

Como a liberação para uso comercial de um organismo pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é processo demorado e caro, os pesquisadores pretendem desenvolver uma variedade com as mesmas características da que está em teste usando a técnica CRISPR. Ou seja, uma planta não transgênica. Para isso eles estão apurando seu uso na cana-de-açúcar.

Para José Antonio Bressiani, diretor de Tecnologias Agrícolas da GranBio, uma empresa de biotecnologia que produz biocombustíveis, bioquímicos e materiais renováveis a partir de biomassa, o projeto do RCGI é interessante. “Ele tem potencial de contribuir enormemente para o aumento da produtividade da cana” , avalia. “Com isso poderá verticalizar a produtividade de açúcar, etanol e energia e demais produtos por hectare plantado com a nova variedade, contribuindo para aumentar a competitividade do setor,

reduzindo custos de produção e os preços para o consumidor final.”

Além disso, a nova variedade, com paredes celulares mais moles, vai possibilitar a produção de etanol de segunda geração. Para cada tonelada de cana produzida (por cana, entenda-se colmos, nos quais se encontra o caldo açucarado utilizado na produção do açúcar e/ou do etanol), temos cerca de 150 a 250 kg de bagaço e palha”, calcula. “Essa biomassa poderá ser utilizada para a produção de etanol e bioquímicos de segunda geração.”

Se o projeto for bemsucedido, isso é algo que poderá vir a ocorrer num prazo relativamente curto. “Acreditamos que em cerca de dois anos teremos algumas variedades em teste para validar ou não o que estamos fazendo”, estima Buckeridge. “É difícil dizer quando, pois em ciência nossas hipóteses nem sempre são confirmadas e temos que encontrar caminhos alternativos. Se tudo der certo, acho um prazo de cinco anos razoável para termos prova de conceito [modelo prático que tenta provar o conceito teórico estabelecido por uma pesquisa] de que as duas safras poderiam funcionar.”

46
Variedade em estudo na estufa do IB-USP: aposta em mais produtividade
Ag Ciência

CORTEVA

47PLANT PROJECT Nº33 Acreditar no futuro do seu canavial é a nossa energia. LINHA CANA DA
AGRISCIENCE

UMA ALTERNATIVA DE CONFIANÇA

O diretor comercial da Unipar, Rogério Costa, explica como a empresa desenvolveu uma solução sob medida para o setor sucroenergético

Durante mais de uma década, a Unipar, líder na produção de cloro e soda e segunda maior produtora de PVC na América do Sul, investiu em um projeto estratégico que reforça sua busca contínua em implementar novas tecnologias e modernização de processos industriais, garantindo ainda mais qualidade e confiabilidade dos produtos produzidos. A companhia, produtora de Ácido Clorídrico (HCl), entendia que seu produto poderia ser uma alternativa segura, eficiente e com ótimo custo no fornecimento de um insumo fundamental para o acerto do pH no tratamento de leveduras, um passo importante no processo de produção das usinas de açúcar e etanol.

Foi um período de estudos meticulosos, que contou com o apoio de parceiros renomados para oferecer ao setor sucroenergético um produto capaz de substituir, com benefícios, o Ácido Sulfúrico, tradicional insumo utilizado nessa etapa. Bem-sucedido, o projeto ganhou escala comercial e

a safra 2022, iniciada em abril, da Usina São José da Estiva, em Novo Horizonte (SP), marca a reestreia do Ácido Clorídrico nesse mercado.

Na entrevista a seguir, Rogério Costa, diretor comercial da Unipar, conta o que moveu a empresa a investir no setor sucroenergético e por que o Ácido Clorídrico tem tudo para conquistar uma fatia representativa desse mercado nos próximos anos. Confira:

O que levou a Unipar a trazer de volta o Ácido Clorídrico como solução ao mercado sucroenergético?

Acreditamos que a utilização do Ácido Clorídrico pelo setor sucroenergético possa ser melhor explorada, principalmente agora que temos estudos e análises que comprovam a eficácia do uso do insumo no processo. Vale lembrar que o Ácido Clorídrico é uma solução cientificamente aprovada há 15 anos no Brasil.

48

Unina São José da Estiva: inovação e parceria

Com cenário favorável e alinhado ao objetivo de dobrar de tamanho nos próximos anos, seguindo o direcionamento estratégico de crescimento sustentável e observando as tendências de mercado, a Unipar anunciou dois importantes investimentos. O primeiro foi a expansão da fábrica de Santo André, no final do ano passado, que terá um adicional de mais de 15% a sua produção. O segundo investimento, anunciado neste ano, foi o primeiro projeto greenfield da empresa, uma nova fábrica no Polo Petroquímico de Camaçari, que será responsável pela produção de 20 mil toneladas de cloro e 22 mil toneladas de soda cáustica por ano, assim que a fábrica estiver em operação. A previsão é de que isso aconteça em até 24 meses.

Quando associamos esse crescimento com a necessidade do mercado por uma alternativa estratégica, avaliamos que fazia sentido focar no segmento sucroalcooleiro.

Quais foram os desafios no desenvolvimento da solução para as usinas?

O processo de validação dessa solução, como foi dito, começou há cerca de 15 anos. Para isso a Unipar buscou parceiros renomados no mercado sucroenergético que pudessem trabalhar em duas frentes importantes. A primeira em relação à corrosão e a segunda, demonstrar a viabilidade na fermentação. E para esse trabalho convidamos como parceira a Fermentec, que é uma empresa conceituada como sumidade no segmento de fermentação. Foram realizados testes de viabilidade e análises, e o uso do insumo foi aprovado. Com relação à corrosão, nosso primeiro parceiro foi o Coppetec, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, com o professor Luiz Miranda. Na ocasião foram feitos testes e ficou provado que não havia diferença significativa entre o uso do ácido atual e o Ácido Clorídrico, solução da Unipar.

Posteriormente, apresentamos esse conceito em um workshop em Ribeirão Preto e nos desafiaram a fazer o mesmo teste com

temperaturas mais altas. Foi quando buscamos outro centro de excelência, o Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materiais (CCDM), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a mais renomada em engenharia de materiais no Brasil. E mais uma vez foi provado e certificado que não há diferença entre a utilização dos dois ácidos. Recentemente, quando trouxemos à tona esse projeto para o mercado, fizemos novas parcerias com a USP, através da professora Idalina Aoki, que é uma sumidade na questão de corrosão no mercado brasileiro, e continuamos com a Fermentec, nossa parceira desde o primeiro momento. Também fizemos estudos no Senai de Sertãozinho (SP), onde rodamos uma simulação em uma planta piloto. Então, temos, em vários momentos, vários centros de excelência certificando e confirmando a viabilidade desse projeto.

Qual o papel dos parceiros nessa fase comercial da solução?

O papel dos parceiros nesse projeto é fundamental. O setor sucroenergético é bastante tradicional e o seu processo produtivo é o mesmo há muitos anos. A apresentação dessa alternativa só é possível graças aos parceiros renomados que selecionamos para estar junto conosco nesta jornada. Eles certificam, validam e transmitem credibilidade, o que faz com que as empresas tenham interesse no uso do insumo. O papel da Fermentec é fundamental para a questão da fermentação e está nos acompanhando, inclusive, nos testes para validação em cada usina, assim como a USP na questão da corrosão. Todo teste, toda usina nova que está utilizando, nós fazemos o acompanhamento nesses dois aspectos.

Como foi a parceria com a Usina São José da Estiva e qual a importância deles para o futuro da utilização do Ácido Clorídrico no setor?

A parceria com a Usina São José da Estiva tem sido fantástica. Eles se mostraram muito

49PLANT PROJECT Nº33
Plant +

inovadores, pois assim que tiveram contato com a solução apresentada, com os dados científicos, com os depoimentos da Fermentec e da USP, não titubearam e começaram a implementar na sua produção. O Ácido Clorídrico já está sendo utilizado na safra de 2022, sem nenhuma dúvida do investimento na solução. Outro ponto importante é que eles estão totalmente abertos para visitação e para troca de ideias. Então, novas usinas que quiserem ver in loco a utilização do Ácido Clorídrico e quiserem debater aspectos técnicos, de processo e tirar dúvidas, eles estão totalmente abertos.

Clorídrico de síntese das Américas, assim que tivermos a expansão de 2023 operando. Temos redundância de fornecimento, com produção em Cubatão, em Santo André e futuramente, como já anunciamos, em um novo site na Bahia. Não há dúvidas de que, tendo contrato conosco, as usinas vão receber esse ácido. O nosso compromisso é continuar investindo no aumento de capacidade. Então, assim que a demanda for crescendo, a Unipar, que já está em um momento de expansão, não terá problema algum em analisar novos investimentos.

Qual a tendência da evolução futura dos preços do Ácido Clorídrico em relação aos seus concorrentes?

Quais os principais benefícios na utilização do Ácido Clorídrico no processo de fermentação?

Temos vários benefícios, mas eu destacaria a previsibilidade de custos. Vale lembrar que o ácido utilizado hoje depende de variações cambiais, do mercado internacional e da sazonalidade do mercado de fertilizantes. Já a produção do Ácido Clorídrico da Unipar fica praticamente toda concentrada no mercado nacional. Os três insumos, sal, energia e água são captados quase em sua totalidade no mercado interno, inclusive a companhia tem projetos em andamento para autoprodução de energia elétrica. Os três empreendimentos realizados a partir das joint ventures fechadas com a Atlas Renewable Energy e AES Brasil produzirão 485 MW de energia, dos quais 149 MW médios serão para consumo nas plantas da Unipar. Com isso, iremos oferecer ao mercado Ácido Clorídrico verde, o que é outro benefício.

Além disso, há a confiança do fornecimento. A Unipar será a maior fabricante de Ácido

A diferença entre os dois mercados é muito clara. O Ácido Clorídrico tem mercado regional e a precificação é em reais. Os concorrentes, como já disse antes, têm muito a ver com uma dinâmica internacional, com a cotação do dólar, com sazonalidade do mercado de fertilizantes. Além disso, têm muito impacto também com frete internacional, de imposto de importação. Portanto, são muitas variáveis. Na alternativa estratégica que trazemos para esse mercado, o cliente basicamente tem um contrato com a Unipar, uma precificação por safra, preços em reais e a variação sal/energia elétrica. Então, facilmente se consegue avaliar que há muito menos variáveis na alternativa de Ácido Clorídrico da Unipar do que nas outras existentes no mercado de ácidos.

50
"O Ácido Clorídrico é uma solução cientificamente aprovada há 15 anos no Brasil"
Plant +

JOAQUIM LEITE

MINISTRO DO MEIO AMBIENTE

O Brasil aproveitará a COP27, pró xima Conferência das Nações Uni das sobre Mudanças Climáticas, que acontece em novembro, no Egito, para se apresentar como o país das “energias verdes”. Foi o que destacou o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em en trevista à PLANT PROJECT. “Tere mos um estande de 300 metros quadrados, que apresentará os te mas energias verdes, a indústria e o agro sustentável. Vamos destacar a oportunidade de empreender e investir no Brasil, sobretudo devido às energias verdes e ao excedente de volume energético que temos. Será uma conferência do clima de um Brasil real e sustentável.”

De acordo com o ministro, a crise energética na Europa, deflagrada pela guerra no Leste Europeu, abre uma oportunidade para o Brasil. “As indústrias procuram um local onde a energia seja acessível e o país oferece isso.” Segundo Leite, o Brasil já produz muita energia lim pa, entre elas a eólica, a solar e a biomassa, e ainda tem enorme po tencial para ampliá-las.

“O Brasil bateu recorde de energia eólica em terra: 21 gigawatts (GW). Só para ter uma ideia, Itaipu tem uma capacidade instalada de 14 GW. Então, o volume é bastante re levante. Solar também são 14 GW, uma ‘Itaipu’ já instalada de solar. E,

claro, a originária da biomassa. Es sas três fontes são as principais para aproveitar e gerar essa ener gia limpa que todo mundo procu ra. Temos 50 ‘Itaipus’ que podem ser instaladas no mar e toda essa energia excedente pode ser trans formada em hidrogênio e amônia verde para exportação.”

Confira a seguir os principais tre chos da entrevista:

52
Joaquim Leite
PARA COMEÇAR, GOSTARIA QUE O SENHOR FALASSE BREVEMENTE SOBRE SUA TRAJETÓRIA LIGADA A AGRICULTURA E ENTIDADES SETORIAIS, QUE CULMINOU EM

SUA CHEGADA AO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE.

Eu venho de uma tradicional fa mília de produtores de café e fui vice-presidente da Sociedade Ru ral Brasileira (SRB), uma das prin cipais associações representativas do agro. Essa experiência me trou xe para ser diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente em 2019. Em seguida fui secretário de Serviços Ambientais na Amazô nia e estou como titular da pasta há pouco mais de um ano. Neste período, temos procurado im plantar políticas que mostrem si nergia e promovam conexões en tre a produção agrícola e o meio ambiente. Nossa agricultura é sustentável, conservacionista e regenerativa. O Brasil tem uma das menores pegadas de carbono do mundo.

O SENHOR TEM PROCURADO CONSTRUIR UMA AGENDA DE RETORNO FINANCEIRO A QUEM PRESERVA O MEIO AMBIENTE. POR QUÊ?

Sim. A ação de comando e contro le, com base na legislação, no Có digo Florestal, tem que existir e ser aplicada de maneira rigorosa

onde há crime ambiental. Agora, só isso não basta. Assim, o que es tamos buscando é fortalecer a outra ponta, de incentivo, estímu lo, inclusive com mecanismos fi nanceiros, que possam reconhe cer quem preserva e conserva o meio ambiente. É muito impor tante apresentarmos fórmulas de identificar e remunerar quem protege e cuida da floresta.

NESTE SENTIDO, QUAIS POLÍTICAS O SENHOR DESTACA?

Quando assumi o Ministério, disse ao presidente Jair Bolsonaro: “Pre sidente, nós temos uma política na direção correta, que é reconhecer e remunerar, valorizar quem cuida da floresta e o produtor faz muito bem isso”. Hoje, nós temos uma lei robusta dedicada ao Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que atua de uma forma muito cla ra, colocando em prática dispositi vos do Código Florestal que esta vam travados. Desta forma, um produtor rural, por exemplo, que cuida da floresta nativa de sua pro priedade, seja na área de preserva ção permanente ou Reserva Legal, pode e deve ser reconhecido e re munerado por meio de condições mais favoráveis de financiamento agrícola – juros mais baixos, prazos mais alongados, limites maiores –, entre outros benefícios.

Daí, então, criamos o Programa Floresta+, que surgiu com o objeti vo de fomentar e consolidar o mercado de Pagamento por Servi ços Ambientais (PSA), reconhe cendo e valorizando atividades

ambientais realizadas e incenti vando sua retribuição monetária e não monetária. O programa tem foco exclusivo em área de vegeta ção nativa e engloba todas as cate gorias fundiárias: unidades de conservação, terras indígenas, as sentamentos e propriedades pri vadas em todos os biomas.

QUAIS EXEMPLOS REAIS DE PSA QUE O SENHOR PODE CITAR?

Um deles é o do “produtor de águas”, que remunera quem cuida de nascentes em suas respectivas propriedades. Além deste, temos o do mercado de carbono de flores ta nativa, que apresenta potencial para muitas regiões.

O mundo enxerga o Brasil como um país na vanguarda de PSA e de crédito de carbono. Um dos mecanismos de remuneração de floresta nativa é atrelar a recom pensa pelo volume de carbono, que é estocado em respectiva área. Atualmente, já existem di versos projetos que contam com a participação da iniciativa privada, em particular na Amazônia, que seguem esse conceito de gerar crédito de carbono tendo como lastro a proteção da floresta.

QUAIS OUTRAS OPORTUNIDADES EXISTEM PARA GERAÇÃO DESSES CHAMADOS CRÉDITOS VERDES?

Em maio, assinamos portaria em que criamos o crédito de metano, uma moeda verde que deve gerar receita adicional aos projetos de

53PLANT PROJECT Nº33
"O Brasil mostrará na Conferência do Clima que é o país da energia verde"

biogás e biometano, sob o guarda -chuva do programa Metano Zero. Os setores da suinocultura e sucro energético, por exemplo, têm gran de potencial para gerar esses crédi tos, a partir dos dejetos dos suínos e de subprodutos da cana-de-açúcar. Além disso, nós estamos traba lhando para identificar e mensu rar a fixação de carbono no solo, com base nas boas práticas do agro brasileiro, e isso é bastante relevan te. Talvez isso não se torne, de fato, um crédito, mas pode, na prática, se tornar um atributo de diferen ciação de mercado, o qual mostre que aquele processo produtivo – o cultivo de grãos por meio do siste ma de plantio direto – contribuiu para fixar carbono no solo. Isso pode vir a agregar valor à soja, ao milho brasileiro nos mercados in ternacionais.

NÓS TEMOS NO BRASIL UM EXEMPLO EM CURSO NO SETOR SUCROENERGÉTICO DE UM MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO. QUAL AVALIAÇÃO O SENHOR FAZ?

Temos o desafio de fazer com que os Créditos de Descarbonização (CBios), peça-chave do RenovaBio, também possam ser inseridos, re conhecidos como um ativo am biental nos mercados internacio nais. Isso pode abrir um mercado gigantesco para os CBios. O minis tro Adolfo Sachsida [Minas e Energia] tem trabalhado este pon to de integração. Aqui no Ministé rio do Meio Ambiente, por exem plo, firmamos recentemente uma parceria com o Japão para fomen

tarmos um mercado bilateral de crédito de carbono, no qual o CBio pode vir a ser inserido como um ativo ambiental que tenha seu lastro reconhecido globalmente para compensar emissões.

A QUESTÃO AMBIENTAL NOS ÚLTIMOS ANOS, DE FATO, ASSUMIU PAPEL-CHAVE NA GEOPOLÍTICA INTERNACIONAL. NESSE ASPECTO, NO ENTANTO, NÃO É RARO QUE O BRASIL SEJA ALVO DE BARREIRAS COMERCIAIS, COM ALEGAÇÕES QUE TENHAM A QUESTÃO

biental iminente que temos é o de eliminar o desmatamento ilegal, em particular na Amazônia, o que passa também por avanços na re gularização fundiária da região. Mas, do ponto de vista ambiental, o Brasil é muito mais parte da so lução do que do problema.

COM OS DESARRANJOS PROVOCADOS PELA PANDEMIA, A ECLOSÃO DA GUERRA NO LESTE EUROPEU, A SEGURANÇA ENERGÉTICA COLOCOU A PREOCUPAÇÃO AMBIENTAL EM SEGUNDO PLANO EM SOLO EUROPEU?

Nenhum país tem o pacote de ati vos ambientais que temos, a co meçar pela extensão de território protegido de aproximadamente 66%, com dados reconhecidos in ternacionalmente. O desafio am

Vejo que a Europa está buscando garantir sua segurança energéti ca, deixando de lado, neste mo mento, os acordos do clima, au mentando por consequência suas emissões. Creio que daqui em diante teremos dois blocos na co munidade internacional. Um mais cinza e um verde, em que o Brasil estará inserido, com base em nossa matriz energética verde e renovável próxima a 85%. Isso nos posiciona como um fornece

54
AMBIENTAL COMO PANO DE FUNDO. COMO DIFERENCIAR UMA MEDIDA, DIGAMOS, LEGÍTIMA DE UMA MERAMENTE PROTECIONISTA, SEM JUSTIFICATIVA TÉCNICA. É POSSÍVEL?
Joaqim Leite

dor em potencial de energia lim pa, a partir de fontes eólica, solar, provenientes da biomassa, hidro gênio verde, e assim por diante. É um diferencial gigantesco que te mos nesse momento de crise energética global.

FALANDO SOBRE A AMAZÔNIA, COMO PROMOVER ESSA INTERLIGAÇÃO ENTRE A AGRICULTURA E O MEIO AMBIENTE, DO FOMENTO À BIOECONOMIA?

Primeiramente, reitero que é pre ciso, inicialmente, nos atermos à regularização fundiária da região. Além disso, há o desafio do sanea mento básico, inclusive nas me trópoles locais. Em seguida, continuar a investir em Pesquisa e Desenvolvimento, a fim de fazer com que os achados científicos viabilizem a produção em consonância com o meio am biente. É preciso também dar es cala aos produtos típicos locais, integrar a Amazônia ao Brasil, o Brasil à Amazônia, desenvolven do economicamente e de modo

sustentável a região. Para isso, é necessário ainda levar infraestru tura logística, porque somente tendo acesso à Amazônia é que conseguiremos protegê-la. E não podemos nunca nos esquecer que, além da floresta, temos mais de 30 milhões de brasileiros que vivem na região.

QUAL SERÁ A AGENDA PARA A COP27, QUE ACONTECE EM NOVEMBRO NO EGITO?

Vamos destacar o Brasil como a nação das “energias verdes”. Tere mos um estande de 300 metros quadrados, 100 a mais do que no ano passado, que irá abrigar o MME, Apex, CNA, Sebrae, entre outras instituições públicas e pri vadas. Iremos destacar o Brasil real, que produz com sustentabili dade, tanto na agricultura quanto na indústria. Será a oportunidade para reafirmarmos que o Brasil é uma potência agroindustrial am biental, ressaltando a energia eó lica, solar, gerada a partir da bio massa, que podem ser transformadas em hidrogênio e

amônia verde para exportação. Um ponto que sempre merece atenção nas conferências do clima é o do financiamento para redu ção e mitigação de emissões e adaptação às mudanças climáti cas. Neste ponto, os países ricos invariavelmente se esquivam, com as nações em desenvolvi mento pressionando-os por recur sos. Dar escala à economia verde requer investimentos, o que inclui público e privado, bem como a ge ração de créditos ancorados em ativos ambientais. Será assunto na mesa de negociações.

55PLANT PROJECT Nº33
“Nenhum país tem o pacote de ativos ambientais que temos”

F FORUM o

Ideias e debates com credibilidade

“As agrifintechs estão resolvendo um dos problemas mais críticos para os agricultores brasileiros”

CRISE, QUE CRISE? APOSTANDO NA FAZENDA AGRITECH!

O índice S&P 500, uma referência para os mercados financeiros globais, caiu para o que o mercado chama de território de “urso” no início deste ano, com queda superior a 20% em relação às máximas do mercado, en quanto índices tecnológicos como o Nasdaq (queda de 25%) e ações blue chip como Meta (anteriormente Fa cebook) caíram até 50% no acumu lado do ano. O movimento reflete as altas taxas de juros e a inflação mun dial causadas em parte pela restrição no fornecimento de energia e de ali mentos, como resultado da guerra na Ucrânia. E esse movimento de “baixo risco” teve um efeito cascata no Ven ture Capital, a classe de ativos mais arriscada de todas.

Se considerarmos a classe de ati vos Venture Capital em mercados de alto risco, como a América Latina, parece que o apetite dos investido res secou completamente. Essa fal ta de liquidez foi um dos principais pontos de discussão em uma recente reunião em São Paulo, realizada pela Lavca, a Associação Latino-Ameri cana de Venture Capital, em que o principal conselho foi concentrar-se em escorar as empresas do portfólio atual, antes de assumir novos inves timentos.

Refúgio da tempestade

O Brasil não é alheio a crises fi nanceiras. Lembro-me com muita clareza da minha primeira crise em 1998, coincidentemente causada pelo calote da dívida da Rússia, quando fui demitido do meu emprego em um banco de investimentos. No entanto, toda nuvem tem um lado positivo e,

consequentemente, encontrei um ca minho para os mercados de commo dities agrícolas em rápido crescimen to do Brasil.

Como se viu naquela ocasião, e em muitas outras, uma crise financeira foi realmente muito boa para os agricul tores brasileiros, principalmente os produtores de commodities, pois en fraqueceu a moeda local e os tornou muito mais competitivos no mercado internacional. Mesmo durante as cri ses financeiras, as pessoas precisam comer, vestir e consumir energia, o que impulsionou a expansão agríco la brasileira para regiões de fronteira que antes não eram competitivas.

Voltando ainda mais no tempo, aos dias da hiperinflação brasilei ra, era comum os investidores locais comprarem terras e cabeças de gado como proteção natural contra o risco de mercado e a inflação. Descobri isso nas minhas primeiras consultas com médicos e dentistas em São Paulo, sempre muito interessados em conhe cer os mercados agrícolas, pois mui tos possuíam terras e gado nas regi ões de fronteira, adquiridos em crises anteriores do mercado financeiro.

Nova reviravolta, para uma velha história

Desde a década de 1990 conti nuei no Brasil, atuando próximo aos mercados agrícola e de commodities. Trabalhei para o CME Group, a maior bolsa de commodities do mundo e, atualmente, no The Yield Lab, uma rede global de fundos AgriTech Ven ture Capital. Mais uma vez, parece que a agricultura está se movendo em sentido contrário à direção geral

57PLANT PROJECT Nº33
#COLUNASPLANT

dos mercados financeiros.

Os preços das commodities estão em níveis recordes há vários anos. As empresas agrícolas tradicionais, incluindo produtores, e a cadeia de suprimentos, como empresas de sementes, fertilizantes e produtos químicos, não sofreram perdas nos mercados financeiros, ou mesmo nos mercados de criptomoedas mais ar riscados. Atualmente, eles estão in crivelmente bem capitalizados e à procura de oportunidades.

No passado, isso teria sido possí vel através da compra de mais terras ou cabeças de gado. Agora eles têm alternativas e que fazem muito sen tido para eles – o mundo das agrite chs – focados em trazer eficiência e inovação a um setor que ficou para trás em relação aos outros na ado ção das mais recentes tecnologias digitais. Muitos dos investidores do nosso novo fundo agritech são inves tidores estratégicos ou inteligentes, como Jacto, Damha Agro, Ubyfol e outros, que veem o enorme potencial nesse mercado em que o Brasil tem uma vantagem natural tão forte.

Os “Soonicórnios” do Brasil na AgriTech

A primeira onda de agritechs nos Estados Unidos e na Europa repre sentou uma decepção para o mundo do Venture Capital. O motivo é que as agritechs, focadas em atender agri cultores diretamente com tecnolo gia, são um negócio difícil de escalar, principalmente em um setor no qual se espera um crescimento exponen cial. No entanto, uma nova onda de agritechs, conhecida como agrifin techs, especialmente adequada para os mercados agrícolas intensivos em capital da América Latina, vem cha mando a atenção de fundos de Ven ture Capital locais e estrangeiros.

As fintechs são as favoritas do público de Venture Capital e produzi ram inúmeros unicórnios nos últimos anos. Ironicamente, a tendência das fintechs começou durante a crise fi nanceira anterior de 2008, quando muitas das falhas dos bancos tradi cionais foram expostas. As agrifinte chs são duplamente atrativas, pois se concentram em um grande mercado – agricultura – e possuem todas as características de um modelo de ne gócios escalável e repetível – fintech.

De fato, o primeiro investimento do The Yield Lab no Brasil, uma agri fintech chamada TerraMagna, foi um enorme sucesso, com crescimento de dez vezes nos últimos dois anos, atraindo a atenção do gigante inves tidor de capital de risco Softbank, marcando seu primeiro investimento em agritech em qualquer lugar do mundo.

Acontece que as agrifintechs es tão resolvendo um dos problemas mais críticos para os agricultores bra sileiros, que os mantém acordados à noite, o acesso ao crédito. Se eles não puderem obter acesso oportuno ao crédito, não poderão comprar insu mos e plantar suas colheitas durante a janela ideal de plantio. Mas não é apenas um problema dos agricultores.

Nesta era de crescente preocu pação dos consumidores com sus tentabilidade, mudanças climáticas, fontes alternativas de energia, ges tão da água, segurança alimentar e emissões de gases de efeito estufa, as agritechs estão envolvidas na so lução de alguns dos problemas mais críticos que o planeta enfrenta. Por isso, em tempos de crise severa, a moda envolvendo startups e unicór nios desaparece, mas não é surpresa que, nesse cenário, os fundos agri techs e agritech de Venture Capital estejam cada vez mais prosperando.

58 #COLUNASPLANT
Fo

* Kieran Gartlan é diretor do The Yield Lab Latam, que faz parte de uma rede global de fundos de Venture Capital focada em agrifoodtech. Originalmente da Irlanda, ele cresceu em uma pequena fazenda leiteira, que desde então foi completamente transformada pela tecnologia. Possui mestrado em Economia pela UCD, na Irlanda, e MBA em Gestão de Ris cos pela USP. Sua carreira profissional abrange mais de 25 anos, principalmente no Brasil, como fundador de startup, repórter de commodities, banqueiro de investimentos, Country Head do CME Group no Brasil e três anos em Chicago, no CME Ventures.

COP27 COLOCA A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NO CENTRO DO DEBATE SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS

A Conferência das Partes (COP27) reúne anualmente os líderes mun diais de todos os países signatários do Acordo de Paris, que deverão apresentar dados e relatórios sobre a evolução das ações necessárias para o cumprimento de metas, bem como negociar propostas mais rígidas para reduzir as emissões de gases de efei to estufa (GEE) até 2030. O Good Food Institute (GFI) reconhece a centralidade deste evento e do fó rum anual da COP na condução das agendas climáticas das nações, or ganismos multilaterais, corporações e ONGs. A COP, inserida no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), é instância multi lateral de maior legitimidade em que se reconhecem e se discutem os de safios relacionados ao clima.

A conferência permite acompa nhar avanços, analisar resoluções e cobrar compromissos mais ambicio sos em direção às soluções práticas e factíveis no que diz respeito aos vá rios setores produtivos que têm im pacto e são impactados pelo clima.

A participação do GFI no evento será estratégica para posicionar as proteí nas alternativas (PAs) como uma das soluções-chave para o clima, água e

biodiversidade entre governos, filan tropos e fundações, ONGs, corpora ções e a mídia focada no clima, bem como para garantir compromissos nacionais concretos para o avanço das proteínas alternativas, incluindo financiamento público de P&D e in clusão de PAs nos planos nacionais de mitigação do clima, incluindo as Contribuições Nacionalmente Deter minadas (NDCs, na sigla em inglês).

Espera-se que a COP27 tenha um forte enfoque nos alimentos este ano, com ênfase nas estratégias de adaptação (versus mitigação), devi do à localização da conferência no continente africano, lar de muitas das pessoas já desproporcionalmente im pactadas pelas mudanças climáticas.

O Pavilhão dos Sistemas Alimen tares foi concebido para criar, em colaboração com todos os atores en volvidos no sistema global de produ ção de alimentos, ações, estratégias e soluções que possam ser executadas ao longo de toda a cadeia. A agro pecuária convencional é responsável por aproximadamente 20% do total das emissões anuais de GEE do mun do, uma porcentagem maior do que a de todo o setor de transporte glo bal. Portanto, o papel da agricultura e

59PLANT PROJECT Nº33
#COLUNASPLANT

dos sistemas industriais de produção de alimentos nas mudanças climáti cas já são conhecidos.

Agora é necessário colocar a agri cultura e os sistemas alimentares no centro dos debates sobre as políticas de mitigação e adaptação às mu danças para que seja possível evoluir em ações práticas pelo alcance das metas estabelecidas no Acordo de Paris. Estima-se que a transformação dos sistemas alimentares do mundo poderia gerar US$ 4,5 trilhões anuais em novas oportunidades econômicas até 2030 e auxiliar no avanço de vá rias metas dos Objetivos de Desen volvimento Sustentável, ao mesmo tempo que garantiria justiça social e segurança alimentar.

O GFI é parceiro desta iniciativa, pois acredita que não existe uma úni ca solução para as questões climá ticas, mas as proteínas alternativas apresentam uma série de possibilida des para avançar na transformação dos sistemas alimentares, que impac tam severamente no clima e na capa cidade das pessoas se alimentarem de forma segura e sustentável.

Com a população mundial prevista a aumentar para 9,7 bilhões até 2050, será preciso aumentar rapidamente, e não diminuir, o suprimento global de proteínas. Uma transição para prote ínas mais sustentáveis ajudará a pro teger o planeta, reduzindo conside ravelmente as emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo, elimi nando ao mesmo tempo o uso de me dicamentos antimicrobianos na pro dução de produtos de origem animal e a possibilidade de que a produção de alimentos, em especial de carne, venha a causar outra pandemia.

O Pavilhão dos Sistemas Alimen tares na COP27 não focará unica mente em proteínas alternativas, mas na diversidade de soluções e estraté gias para a garantia da alimentação segura e sustentável para as pessoas e o planeta. Serão dez dias temáti cos em que será evidenciado o pa pel crítico que a transformação dos sistemas alimentares desempenha na construção de resiliência climática no mundo todo, bem como nas estraté gias nacionais de mitigação e adap tação às mudanças do clima.

* Marina Bernal, analista de Políticas Públicas, Internacionalista, cursando mestrado em desenvolvimento sustentável pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Fo #COLUNASPLANT

Vaqueiro em lida com gado:

Estudos mostram como o treinamento de equipes refletem em ganhos para o ambiente e para o bolso do pecuarista

As regiões produtoras do mundo
As regiões produtoras do mundo

EDUCAR, PRODUZIR E CONSERVAR

Treinamento em recuperação de pastagens é vantajoso tanto para pecuaristas quanto para as florestas do Brasil

Segundo um estudo recente, treinar pecuaristas brasileiros na recuperação de pastagens degradadas pode reduzir as emissões de dióxido de carbono, diminuir o desmatamento para fins agrícolas nos biomas da Amazônia e do Cerrado e aumentar suas rendas.

Publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences, o estudo revelou que os agricultores no Cerrado que receberam treinamento em grupo e assistência técnica individualizada conseguiram melhorar a produtividade da atividade pecuária e aumentar sua receita em 39%, um modelo que, segundo os pesquisadores, pode ser replicado na Amazônia.

O programa de treinamento com duração de dois anos também foi associado a uma redução de 1,19 milhão de toneladas de emissões de dióxido de carbono através da combinação do sequestro de carbono e do total de emissões diretas e evitadas.

“Melhorar a qualidade das pastagens já é suficiente para ajudar

a produtividade e o meio ambiente”, afirmou o autor principal do estudo, Arthur Bragança, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), ao Mongabay por telefone. “As áreas recuperadas terão mais matéria orgânica para o gado comer e para o sequestro de carbono. Mais matéria orgânica absorve mais carbono.”

O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, um terço da qual vem de fazendas de médio porte como aquelas envolvidas no estudo. A expansão agrícola é a principal causa de desmatamento na Amazônia, com até 70% das terras desmatadas sendo supostamente usadas para pecuária.

A degradação da terra pode levar à diminuição da produtividade, perda de cobertura vegetal e menos matéria orgânica no solo, de acordo com Bragança. Até 100 milhões de hectares (247 milhões de acres) de pastagens no Brasil são considerados degradados –área maior que a Venezuela – o que é uma preocupação ambiental, pois a

64

degradação da terra é um dos maiores contribuintes para as mudanças climáticas, segundo a IUCN.

A pesquisa se concentrou numa iniciativa de crédito do governo brasileiro conhecida como programa de Agricultura de Baixo Carbono (ABC). O programa visa reduzir as emissões de carbono por meio de empréstimos a juros baixos para agricultores que desejam implantar práticas agrícolas sustentáveis, como integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), fixação biológica de nitrogênio e recuperação de pastagens.

O estudo analisou o impacto de treinar 1.369 pecuaristas em restauração de pastagens através do programa ABC. Um grupo não recebeu treinamento, 395 produtores receberam 56 horas de treinamento e 311 fizeram o curso de capacitação e receberam assistência técnica personalizada, que incluiu visitas mensais de técnicos de campo.

Os dados revelaram que os pecuaristas que receberam treinamento e assistência técnica foram os únicos que apresentaram melhorias significativas na produtividade, receita e níveis de emissões de carbono. O curso sozinho não teve impacto.

“A maior parte da política agrícola brasileira baseia-se na concessão de subsídios e crédito aos produtores”, explicou Bragança. Ele acrescentou

que, embora o crédito seja importante, sua pesquisa revelou que os produtores rurais somente fizeram mudanças sustentáveis em suas propriedades depois de receber treinamento individualizado. “Isso sugere que o problema não está na falta de recursos, e sim na falta de informação”, disse Bragança.

BENEFÍCIOS AMBIENTAIS

De acordo com o estudo, hoje, apenas 20% dos produtores brasileiros têm acesso à assistência técnica que poderia ajudá-los a implantar o manejo sustentável em suas fazendas. “Manter políticas que melhorem o acesso pode ser uma das formas de aumentar a produtividade e ajudar o meio ambiente, além de proporcionar segurança alimentar e mais renda”, explicou Bragança.

Especialistas também explicam os efeitos negativos dos programas de compensação por terras degradadas.

“Em todo o país, mas especificamente na Amazônia, a forma tradicional de compensar as perdas de produção causadas por pastagens degradadas ou abandonadas é expandir a fronteira para novas pastagens à custa do desmatamento”, explica Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior do World Resources Institute (WRI) no Brasil, ao Mongabay por e-mail. Sua pesquisa, independente do estudo de Bragança, revelou

Rebanho em sistema ILPF: pecuária de baixo carbono é estimulada no Plano ABC

65PLANT PROJECT Nº33
Amazônia
Fr

Amazônia

que 15 milhões de hectares (37 milhões de acres) da Amazônia brasileira foram desmatados entre 2010 e 2020 para compensar terras degradadas e abandonadas.

Ricardo Rodrigues, professor da Universidade de São Paulo (USP) e que não participou de nenhum dos estudos, disse que a restauração de pastagens pode ajudar a reduzir o desmatamento e liberar terras para a recuperação da vegetação nativa, sem afetar o setor do agronegócio brasileiro. “Usando tecnologia pecuária, poderíamos liberar para restauração até 32 milhões de hectares [79 milhões de acres] de pastagens degradadas para outras finalidades, mantendo o mesmo número de cabeças de

gado”, explicou Ricardo ao Mongabay por telefone.

Peter Newton, da Universidade do Colorado em Boulder, nos EUA, coautor do estudo com Bragança, concordou que a restauração de pastagens poderia reduzir a necessidade de desmatamento para fins agrícolas e diminuir a pressão sobre os habitats naturais.

“A pecuária na Amazônia e no Cerrado tem uma densidade de ocupação relativamente baixa, com poucas cabeças de gado por hectare”, disse Newton ao Mongabay por telefone. “Se você puder aumentar o número de cabeças num mesmo espaço, em princípio, haveria menos necessidade de desmatamento”, ele explicou, acrescentando que “isso só será possível se vier acompanhado de políticas para evitar a expansão agrícola”

Entretanto, pastagens degradadas e a demanda por mais terras nem sempre são a principal causa da expansão agrícola, segundo Celso Manzatto, pesquisador da Embrapa, braço de pesquisas agrícolas do Ministério da Agricultura do Brasil. “Embora a pecuária esteja normalmente associada ao desmatamento, na verdade trata-se de uma estratégia de extração ilegal de madeira”, disse Manzatto ao Mongabay por telefone. “Depois de extrair a madeira, eles buscam uma forma de legalizar terras em áreas públicas. A

66
Animais em fazenda na região da Amazônia: recuperação de pastagens degradadas aumentou receita em 39%
Fr

pecuária é a forma mais barata de ocupar uma área.”

As atividades de extração de madeira contribuem significativamente para o desmatamento na Amazônia. Entre agosto de 2019 e julho de 2020, 464 mil hectares (1,15 milhão de acres) de floresta tropical foram desmatados, a maior parte de forma ilegal. A pesquisa do WRI mostra que a conversão de florestas em pastagens pode ser uma forma de garantir a posse da terra ou de especulação fundiária, em vez de obter lucro.

“O desmatamento] é um problema complexo que requer muitas soluções”, disse Newton. “A agricultura tem uma enorme pegada global no solo. E em lugares onde o uso das terras é ineficiente ou prejudicial ao meio ambiente, como a Amazônia e o Cerrado, a intensificação sustentável

pode ser parte da solução.”

A restauração de pastagens também pode ajudar a reduzir o impacto climático do consumo global de carne bovina, que Newton acredita que não terminará tão cedo. “Reduzir o consumo de produtos ambientalmente intensivos, como a carne bovina, é importante, mas não significa que não possamos atuar simultaneamente no lado da produção”, explicou. “Isto faz parte de um amplo conjunto de práticas que podem ser adotadas globalmente tanto por produtores agrícolas quanto por pecuaristas para produzir mais numa área menor.”

PRIORIZANDO A RECUPERAÇÃO DE PASTAGENS

O plano ABC original terminou em 2020 e foi sucedido pelo ABC+, que se estenderá até

67PLANT PROJECT Nº33

2030. Este plano visa reduzir as emissões de carbono em 1,1 bilhão de toneladas métricas até 2030, sete vezes mais do que o plano ABC original, e inclui a recuperação de áreas degradadas como um importante meio de promover a agricultura sustentável.

Contudo, a recuperação de pastagens ainda está em fase inicial, especialmente em n regiões mais pobres e em áreas de expansão agrícola, disse Feltran-Barbieri, do WRI. Além disso, a verba destinada à recuperação de pastagens sugere que isso não é prioridade.

“Nos últimos nove anos, foram contratados menos de US$ 7 bilhões para recuperação de pastagens, o que representa menos de 0,2% do total de crédito rural contratado ao longo desse período”, acrescentou Feltran-Barbieri. “Esse valor não é suficiente

nem para recuperar 5% das pastagens que precisam ser recuperadas a cada ano.”

Ele acrescentou que a tecnologia para recuperar pastagens degradadas no Brasil já está amplamente disponível, e que a recuperação de um quinto das pastagens degradadas já seria suficiente para ajudar o Brasil a alcançar suas metas climáticas assumidas no Acordo de Paris, conhecidas como sua contribuição determinada nacionalmente (NDC, na sigla em inglês). “Isso aumentaria a produção, permitiria ao País cumprir sua NDC e quebraria o ciclo de desmatamento de florestas primárias com alto grau de biodiversidade.”

*Esta reportagem foi republicada do site Mongabay sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://news.mongabay. com/2022/05/training-on-pasturerecovery-is-a-win-win-for-brazilscattle-ranchers-and-forests/

68
Fr Amazônia

Flor de passiflora em jardim da Weleda:

Empresa de cosméticos cultiva seus insumos em sistema biodinâmico

WORLD FAIR

W
A grande feira mundial do estilo e do consumo
A
grande feira mundial do estilo e do consumo
W Canteiro
de calêndulas em Schwäbisch Gmünd, na Alemanha:
filosofia
aplicada
na agricultura

OS JARDINS ESOTÉRICOS DA WELEDA

As oito fazendas da empresa cofundada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, em 1921, servem de paradigma para a agricultura biodinâmica, proposta por ele, alguns anos mais tarde. Segundo suas teorias, energias cósmicas regem o tempo de semear, plantar e colher
Por Karina Pastore

Os cuidados parecem inspirados em rituais do misticismo pagão. Quando o inverno chega, chifres de vacas com esterco dentro são enterrados a meio metro de profundidade. Ficam lá até a primavera, época em que são resgatados. Misturado à água da chuva, em temperatura ambiente, o estrume vira adubo e é respingado nas raízes da plantação com um pincel. Flores de mil-folhas secam ao sol do verão, em trouxinhas feitas com bexiga de animal macho. No início do outono, são jogadas em buracos de, no máximo, 30 centímetros, de onde também só saem na primavera.

E por aí vai... Camomila, dente-de-leão, valeriana, urtiga, carvalho, cavalinha, quartzo moído... Tripa de boi, crânio de bicho doméstico, mesentério bovino... Nove preparados, usados em doses homeopáticas, mediadores das energias intercambiadas entre a Terra e o Cosmo –segundo prega a filosofia. Da semeadura à colheita, a lavoura deve obedecer aos movimentos da lua e dos planetas. Uma

cabeça de repolho com mais folhas? Uma espiga de milho com mais grãos? As constelações do Zodíaco indicam o momento mais adequado para o cultivo.

Homem, animais, plantas, terra, água e ar – cada fazenda é força de vida, um organismo pulsante, no qual todos os seus elementos estão em equilíbrio. Cabe ao produtor mantê-los em harmonia, da maneira mais natural possível. Aliás, agricultor não é apenas uma profissão, e, sim, uma vocação. Bem-vindos ao universo holístico da agricultura biodinâmica.

O método agrícola foi idealizado pelo controverso filósofo e professor austríaco Rudolf Steiner. Em 1924, um ano antes de morrer, ele foi convidado para um ciclo de oito palestras, na cidade polonesa de Koberwitz (hoje, Breslávia). O aceno partiu de fazendeiros locais, preocupados com a queda na qualidade das colheitas, o empobrecimento do solo e a deterioração da saúde dos animais. Cento e onze pessoas, de seis países, foram ouvir

72
W Cosméticos

o filósofo condenar o uso de fertilizantes e pesticidas sintéticos e exaltar o poder da espiritualidade para a prosperidade da lavoura.

Àquela altura, Steiner já era famoso. No início da década de 1910, ele havia estabelecido os preceitos da antroposofia. Tudo na natureza, pregava o professor, está interligado e conectado ao Cosmo. Definida como “ciência espiritual”, por seus seguidores, e pseudociência, pelos acadêmicos mais céticos, a antroposofia foi aplicada em várias áreas do conhecimento. Na educação, inspirou a pedagogia Waldorf – Steiner abriu sua primeira escola em 1919, na cidade alemã de Stuttgart. Na saúde, embasou o surgimento da medicina antroposófica. Em 1921, com a ginecologista holandesa Ita Wegman, o filósofo fundou a Weleda – hoje, uma gigante do setor de medicamentos

e cosméticos naturais.

A matéria-prima para a fabricação dos produtos da marca sai de oito fazendas (ou jardins, como a empresa as denomina), na Alemanha, Inglaterra, França, Suíça, Holanda, Nova Zelândia, Argentina e Brasil – mais especificamente na cidade de São Roque, a 50 quilômetros de São Paulo. Cerca de 50 agricultores credenciados cuidam de 23 hectares de campos de plantas e ervas medicinais, 50 espécies de pássaros e 30 de abelhas. Alguns fazendeiros seguem à risca as orientações esotéricas de Steiner.

E todos partilham da devoção do filósofo ao solo – “nossa terra”, como chamam. Como receptáculo das energias cósmicas, o solo deixa de ser um mero substrato. A adubação é mais (muito mais) do que apenas nutrir a plantação. É vivificá-la. Só assim é possível, segundo as

73PLANT PROJECT Nº33

diretrizes biodinâmicas, desenvolver uma agricultura verdadeiramente sustentável e regenerativa.

Alfazema, nenúfares, carvalhais, bétulas, malvas, calêndulas, malmequeres, camomila, mil-folhas, amorperfeito selvagem, prímulas... os jardins da Weleda são coloridos e perfumados. O maior deles fica na Alemanha, em Schwäbisch Gmünd, nos Alpes Orientais, onde se cultivam nada menos do que 260 espécies de plantas medicinais. “Nosso jardim é um lugar feliz”, costuma dizer Michel Straub, diretor do lugar.

Nos oito jardins, a colheita é manual e as culturas são consorciadas e/ou alternadas. Em média, de três a dez espécies compartilham o mesmo espaço do terreno. Em comparação à monocultura, o cultivo simultâneo preserva a saúde do

solo, depende menos clima, é menos suscetível ao ataque de pragas e aumenta o rendimento da lavoura, entre outras benesses. Já a troca de cultura a cada novo plantio exige tipos diferentes de adubo, o que mantém preservadas as características físicas, químicas e biológicas da terra e, consequentemente, evita a sua exaustão.

Tais técnicas agrícolas favorecem a biodiversidade do ecossistema local, no qual todos têm o que fazer, disse o argentino Jorge Giusto, em entrevista ao jornal La Nación. Passarinhos, abelhas e borboletas ajudam na polinização, enquanto espantam invasores indesejáveis. “A natureza faz o que quer e o homem administra”, define. Giusto é o responsável pelas 70 espécies de plantas medicinais, da fazenda de Córdoba, a noroeste de Buenos Aires.

74

Na Inglaterra, lê-se em material produzido pela Weleda que os campos de calêndula, geridos segundo os princípios da agricultura biodinâmica, recuperaram o solo nos arredores de Ilkeston, no condado de Derbyshire, uma região tradicionalmente ligada à mineração de carvão. No jardim de Havelock, aos pés de Te Mata Peak, no norte da Nova Zelândia, três vacas fornecem o estrume necessário para a produção de adubo, os tais preparados.

No ano passado, a Weleda recebeu o atestado de Empresa B. Criada em 2006, pela organização sem fins lucrativos B Lab, sediada em Berwyn, na Pensilvânia (EUA), a certificação é dada às companhias alinhadas aos mais altos padrões de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilidade legal. A empresa também tem o reconhecimento da Union for Ethical BioTrade, uma ONG global de avaliação das melhores práticas no fornecimento de ingredientes naturais. Os jardins da Weleda têm também, claro, o aval da Demeter International, entidade de observação do cumprimento das normas biodinâmicas.

A agricultura biodinâmica ocupa hoje 230 mil hectares de terra, em 65 países. “Os fazendeiros podem ser encontrados em todos os cantos do globo, com sucesso em todos os continentes, em diversas condições climáticas”, lê-se em

relatório da Demeter International. “Sejam bananas na República Dominicana, chá na Índia, ervas medicinais no Egito e carne e lã na Nova Zelândia.” Ah, e queijo, na França, e seda, na China.

Isso, no entanto, não significa que a filosofia agrícola de Steiner seja amplamente aceita. Ao contrário. Muitos acadêmicos, estudiosos da agricultura e da ecologia, dizem que essa história de influência cósmica é uma patacoada. Garantem que, desconsiderando os conceitos esotéricos, os resultados da agricultura biodinâmica são muito semelhantes aos da agricultura orgânica. Que a troca de aditivos e defensivos sintéticos por insumos naturais, o consórcio e a rotação de culturas, essas, sim, são alternativas sustentáveis, bem-vindas em tempos de emergência climática e devastação das terras aráveis.

75PLANT PROJECT Nº33
W
Portão de entrada do jardim Schwäbisch Gmünd: experiência sensorial
Cosméticos

O ARQUIPÉLAGO DOS VINHOS

Na paisagem estéril e bela dos Açores, vinhedos desafiam a natureza e dão origem a rótulos que estão conquistando apreciadores em todo o mundo

W
Vinhos A Azores Wine Company, com o Pico ao fundo: cartão-postal foto: Fabrice Demoullin/AWC

WVinhos

As nove ilhas do Arquipélago de Açores parecem perdidas no meio do Oceano Atlântico. Fruto de erupções vulcânicas há milhares de anos, elas foram descobertas e conquistadas pelos portugueses na época das Grandes Navegações. E quis o destino – ou melhor, as condições de solo e clima – que uma delas revelasse a sua vocação para os vinhos. É a ilha do Pico, a segunda maior do arquipélago, e que tem em sua principal montanha o ponto mais alto de Portugal. Com 2.351 metros acima do nível do mar, não raro encoberto de nuvens que formam um anel em torno das encostas – quem olha de longe, enxerga o cume sobre elas –, o Pico marca a paisagem local e é orgulho

não apenas dos ilhéus como de todos os portugueses, que não deixam de comentar sobre a sua altura.

Mas o que impressiona mesmo na paisagem, para quem chega de avião ou de barco à ilha do Pico, são seus vinhedos, que rodeiam a costa de 42 quilômetros de comprimento por 20 quilômetros de largura. As uvas são cultivadas próximas ao Oceano Atlântico e cercadas de muros de pedra vulcânica, que as protegem dos ventos intensos que vêm do mar. Apelidados de currais, estes muros compõem um cenário meio rústico, de beleza única – as vinhas, aproveitando, se tornaram patrimônio mundial pela Unesco em 2004.

78
Antonio Maçanita e Filipe Rocha, fundadores da Azores Wine Company, e detalhes da propriedade: na rota do enoturismo
foto: Francisco Nogueira/AWC

É neste cenário árido que as uvas lutam para sobreviver. Com o vento e a brisa salina, não é fácil dar frutos. Plantadas muito rentes ao chão, as vinhas crescem rasteiras, retorcidas, sem nenhuma condução, o que torna o seu cultivo bem mais trabalhoso. Vale lembrar que são plantas trepadeiras, que pedem um amparo para serem conduzidas e crescerem. E nem adianta afastar os vinhedos do litoral e ir em direção ao Pico. Como toda grande montanha sozinha na paisagem, ele “segura” as nuvens que se formam nesta região do Atlântico Norte. Ao seu redor,

79PLANT PROJECT Nº33
foto: Francisco Nogueira/AWC foto: Francisco Nogueira/AWC

o clima é muito chuvoso, o que atrapalha o cultivo das videiras, mas cria diversas lagoas que encantam os turistas. Perto da montanha chove inacreditáveis 5 mil milímetros por ano; no litoral, menos de 1 mil milímetros. Em anos clássicos, Bordeaux, na França, conhecida pelas chuvas, tem um índice pluviométrico, ao redor de 1,8 mil milímetros.

Mas o fato é que as dificuldades de clima e o solo vulcânico relativamente jovem acabam por trazer maior complexidade aos vinhos locais. Como ilha mais nova do arquipélago, sua formação data de 270 mil anos atrás. A ilha de São Miguel, não muito distante dali, tem 5 milhões de anos e a famosa ilha da Madeira, mais de 7 milhões de anos. Isso faz com que o solo do Pico tenha

mais pedras, já que ainda não houve tempo geológico para uma decomposição das lavas vulcânicas. Cabe às videiras vencerem este solo e encontrarem seu alimento no subsolo. Não é fácil.

Três variedades marcam os vinhos do Pico, todas brancas: a Verdelho, a Arinto dos Açores e a Terrantez do Pico. A Verdelho é a mais tradicional da região e a mais cultivada. A Arinto é autóctone da ilha e a mais resistente ao clima local. Sabe-se que não é a mesma da Arinto que faz sucesso nos vinhos portugueses do continente. E a Terrantez é a mais emblemática. A uva quase foi extinta, já que é mais vulnerável às doenças e nem todos os produtores gostam de cultivá-la. Mas resulta em um branco de boa mineralidade, às vezes com um toque salino característico.

80
foto: Francisco Nogueira/AWC

Muito do trabalho de sua recuperação e valorização se deve ao intrépido e muitas vezes polêmico enólogo António Maçanita, sócio da Azores Wine Company. Nascido em Lisboa, de pai açoriano e mãe alentejana, Maçanita se encantou pelo Pico e é um dos grandes nomes da enologia portuguesa – é dele o projeto Fita Preta, no Alentejo, por exemplo. Maçanita integra o time de profissionais do vinho, em sua maioria portugueses, que está colocando o Açores novamente no mapa dos bons vinhos. No passado distante, a ilha do Pico fazia sucesso com os seus vinhos e, dizem, competia com a Madeira como melhor morada para os vinhos

WVinhos
fotos: Francisco Nogueira/AWC

WVinhos

Os currais de pedra para cultivo das vinhas: sistema protege as plantas dos ventos e da maresia

ilhéus de Portugal. Mas as pragas, principalmente o oídio, tiraram o atrativo da ilha.

Maçanita, no entanto, não reina sozinho na ilha do Pico. Paulo Laureano foi o primeiro dos grandes enólogos portugueses a apostar na ilha. Desde 1998, ele é consultor e tem uma parceria com a vinícola Curral Atlântis, e fica no Lajido da Criação Velha, onde nasceu a viticultura local e estão algumas de suas vinhas mais antigas. E o mais recente é Dirk Niepoort, referência nos vinhos continentais, como Douro, Porto e Bairrada, que também elabora um branco no Pico, com primeira safra em 2022. Niepoort tem uma parceria com o enólogo Paulo Machado, que decidiu fixar residência na ilha, tem seu próprio projeto e também dá consultorias por lá. Suas uvas vêm dos vinhedos de A Cerca dos Frades, do empreendedor Tito Silva, que conseguiu financiamento da comunidade

europeia para recuperar vinhedos e, assim, manter a cultura dos vinhos do Pico viva.

Interessado na ilha há também o italiano Alberto Antonini, conhecido por trabalhar em vinícolas como a uruguaia Garzón, a argentina Zuccardi, aqui na América do Sul. Antonini é consultor da Adega do Vulcão, um pequeno projeto da também italiana Cinzia Caiazzo, que mora na ilha do Faial, que fica em frente ao Pico, que mescla uvas das duas ilhas. O interesse dos enólogos mostra o potencial dos vinhos locais. Agora só há uma questão para resolver: com todas essas tipicidades e adversidades, os vinhos dos Açores são também mais caros do que os demais rótulos portugueses. E isso explica por que há, ainda, poucos destes brancos no Brasil. Em breve, os vinhos de Maçanita devem chegar por aqui, mas não há previsão para os demais rótulos. É esperar e torcer.

82
foto: Suzana Barelli

Cena de adaptação de O Pagador de Promessas :

Obra foi um dos marcos da carreira de Dias Gomes

rA

ARTE

Um campo para o melhor da cultura

Lima Duarte, Regina Duarte e José Wilker em Roque Santeiro : problemas com a censura
r
A ARTE Um campo para o melhor da cultura

PALCOS

O centenário do dramaturgo Dias Gomes, autor de clássicos como O Bem Amado e O Pagador de Promessas, joga luz sobre uma obra volumosa e atemporal, que retratou de forma precisa algumas das principais mazelas do País O BRASIL NOS
Por

Alguns personagens da nossa literatura ficaram tão populares que deixaram as páginas dos livros para entrar no inconsciente coletivo brasileiro. São mencionados em conversas e se tornam sinônimos de um comportamento particular. Odorico Paraguaçu é um deles. Prefeito corrupto da cidade fictícia de Sucupira, fez de tudo para inaugurar um cemitério e concretizar uma promessa de campanha. Roque Santeiro, o herói de uma cidade que após sua suposta morte é canonizado pelos habitantes da também fictícia Asa Branca, é outro. Bem como o poderoso fazendeiro Sinhozinho Malta e sua amante, a viúva Porcina.

Todos eles são criações de Dias Gomes (1922-1999), um dos grandes nomes do teatro brasileiro, dono de um estilo que valorizava as lendas e costumes do interior do Brasil e autor de inúmeras obras que se tornariam clássicas, encenadas e adaptadas para a televisão e o cinema até hoje. Em 2022, comemora-se o centenário do escritor e alguns de seus textos mais importantes voltam aos palcos e às prateleiras das livrarias.

É o caso de O Bem Amado, sobre as artimanhas de Odorico Paraguaçu e sua tentativa de manter Sucupira sempre sob seu poder. A peça ganhou uma montagem do diretor Ricardo Grasson com Cassio Scapin (o eterno Nino, de Castelo Rá-TimBum) no papel principal, uma versão musicada com canções escritas por Zeca Baleiro e Newton França que mostra a atualidade do texto original. Outras obras importantes, como sua autobiografia, Apenas um Subversivo, estão sendo reeditadas pela editora Bertrand Brasil. Comemorar o centenário do dramaturgo é celebrar uma trajetória que se mescla a um dos períodos mais férteis da produção teatral brasileira.

O baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes nasceu em Salvador e mostrou interesse pela escrita cedo. Começou imitando o irmão, dez anos mais velho, Guilherme de Freitas Dias Gomes, membro da Academia dos Rebeldes, grupo de intelectuais baianos que incluía Jorge Amado e Mãe Stella de Oxóssi, quinta ialorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, tombado pelo Instituto do

86

ADramaturgia

Dias Gomes (no alto, à dir.) e cenas de suas obras no teatro e na TV: olhar para o interior do Brasil

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2000. Com a morte do pai, foi morar com a mãe e o irmão na casa de parentes, e o incentivo do patriarca da casa foi fundamental para que ele seguisse escrevendo.

Chegou a ingressar no curso de direito, mas abandonou a faculdade no terceiro ano. A carreira no teatro começou quando Gomes chegou ao Rio de Janeiro. Com apenas 18 anos, foi se apresentar ao ator, diretor de teatro e dramaturgo Procópio Ferreira e assinou um contrato para escrever peças para sua companhia. Muitos textos se perderam, mas a história conta que Pé de Cabra, sua primeira peça encenada, foi censurada pelo Estado Novo. A alegação era de que o texto tinha muito “conteúdo marxista” – mesmo que o autor nunca tivesse lido uma frase do pensador alemão. Trabalhou no rádio, adaptando clássicos da literatura. Seu trabalho no então popular meio de comunicação só acabou

depois que ele foi fotografado ao lado do túmulo de Lenin, na União Soviética. Reportagens da época diziam que ele, então diretor da Rádio Clube do Brasil, havia usado dinheiro público para fazer a viagem, ao lado de Jorge Amado. Foi demitido.

Na volta, retomou o trabalho teatral. E foi então que escreveu seus principais textos. Em 1960, lançou O Pagador de Promessas A trama mostra a jornada do sertanejo Zé do Burro para levar uma cruz até o interior da Igreja de Santa Bárbara, em Salvador, e seu sofrimento para cumprir a promessa. Em 1962, foi adaptada para os cinemas por Anselmo Duarte, e o filme, além de ser a primeira produção sulamericana a receber uma indicação ao Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro, foi o único longa-metragem brasileiro a conquistar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França.

O autor escreveu ainda outras peças importantes, como O Berço do Herói, O Santo Inquérito e a própria O Bem Amado, e teve um papel extremamente importante nos palcos brasileiros. “Dias Gomes integrou uma geração de dramaturgos, que inclui Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho. A geração como um todo teve impacto em nossa dramaturgia, pois ela introduziu no Brasil, com maior ou menor consciência técnica, algumas das mais importantes conquistas do teatro

épico”, afirma a professora Iná Camargo Costa, autora do livro Dias Gomes: Um Dramaturgo Nacional-popular

Mesmo hoje, décadas após terem sido escritos, vários deles continuam muito atuais –o que diz muito tanto sobre a qualidade de seu trabalho quanto para problemas estruturais do Brasil que continuaram sem solução. “Ele olhou para a nossa estrutura de classes, para as nossas iniquidades, para as nossas mazelas, como a corrupção que vem de cima, e tratou de desmascarar uma série de hipocrisias, incluindo a religiosa”, completa Iná.

Além de seu trabalho para os palcos, conseguiu levar suas histórias para um público ainda mais amplo por meio da teledramaturgia. Seus principais textos, como O Bem Amado e O Berço do Heró,i foram adaptados em formato de telenovela pelo próprio Gomes. O Berço do Herói virou Roque Santeiro, em versão que foi censurada pela ditadura

87PLANT PROJECT Nº33
r

A Dramaturgia

militar em 1975 e só foi exibida uma década depois, em 1985. Mas foi além. É um dos autores de Saramandaia, uma história ambientada na zona canavieira de Pernambuco, na fictícia cidade de Bole-Bole. Exibida originalmente em 1976, ganhou um remake livremente inspirado no texto original em 2013, que abandonou a ambientação rural. Um de seus últimos trabalhos na TV foi a nova versão de Irmãos Coragem, lançada em 1995. A obra era baseada no folhetim original de 1970 escrito por Janete Clair (1925-1983), com quem Gomes foi casado. Também adaptou Dona Flor e Seus Dois Maridos, clássico de Jorge Amado, para uma série em 1998, e escreveu o roteiro da série Carga Pesada, a versão original exibida entre 1979 e 1980.

Embora tenha dito em entrevistas e em sua própria autobiografia que seu principal objetivo ao escrever hoje clássicos como O Pagador de Promessas era construir apenas boas peças, o autor se voltou diversas vezes para a vida do brasileiro comum. Não raro, ambientou suas histórias em comunidades rurais. Mostrou a vida dos trabalhadores, deu espaço para rituais e práticas muitas vezes ignoradas. “Dias Gomes tinha uma capacidade especial de entender o Brasil e os brasileiros. Transformou suas observações e suas preocupações políticas e sociais em obras e personagens capazes de emocionar o público. Do choro

ao riso, passando pela farsa e pelo realismo fantástico, transitou por todos os gêneros do teatro brasileiro”, escreveu sua neta, Renata Dias Gomes, na ocasião da estreia de O Bem Amado no Sesc Santana, na capital paulista.

O inevitável contorno político de seu trabalho, que denunciou diversas mazelas do Brasil que persistem até hoje, contribui para a atemporalidade de sua obra. “Desde o século 20 é exatamente a conotação política consciente que assegura a longevidade de uma obra. Isto porque, ao partir de uma avaliação política da realidade do País, o autor dirige os olhos para o que ele tem de pior, a ser criticado, ou ao risível, para o espectador se divertir com as nossas esquisitices. E, quem sabe, pensar no que pode ser mudado para melhor”, diz Iná Camargo Costa.

O Bem Amado , o filme: crítica ao cenário político

Apesar de sua importância para a dramaturgia, Dias Gomes ainda é menos estudado na academia do que poderia – e deveria. Parte disso se deve ao fato de que o autor era militante do Partido Comunista Brasileiro, e foi rechaçado por parte da intelectualidade. “Sou otimista, acho que, mais dia, menos dia, essa síndrome anticomunista, que também acomete os meios acadêmicos, vai acabar passando e então será possível reconhecer o lugar de Dias Gomes nas nossas letras. Quando isso acontecer, ele será estudado como tantos outros autores que por enquanto estão numa espécie de limbo”, diz a professora Iná. O centenário do autor, celebrado nos palcos e em reedições de sua obra, pode ser um indício de que, de fato, esse reconhecimento vem sendo conquistado.

88
r

Conectadas, as máquinas agrícolas ganham softwares mais avançados, mas também viram alvo de ataques cibernéticos

SSTARTAGRO

As inovações para o futuro da produção
As inovações para o futuro da produção
S STARTAGRO

OS

Como os invasores de sistemas ajudaram a colocar lenha em uma disputa entre produtores e fabricantes de máquinas agrícolas em torno do direito ao reparo fora das revendas oficiais
HACKERS E OS TRATORES

No início de maio, poucos meses após o começo da guerra na Ucrânia, saqueadores russos roubaram todo o maquinário agrícola de uma revendedora na cidade ocupada de Melitopol. As máquinas, avaliadas em mais de US$ 5 milhões, foram enviadas para a Chechênia, a mais de 1.100 quilômetros de distância. Mas quando lá chegaram os saqueadores perceberam que o plano tinha uma falha: as máquinas não funcionavam, pois haviam sido remotamente desativadas. Não poderiam mais ser usadas na lavoura e, no máximo, renderiam alguma coisa se desmontadas.

Embora os casos de saques e roubos provocados pelo Exército da Rússia tenham pululado desde o início do confronto, este, em particular, chamou a atenção pela rapidez com que foi possível bloquear seu uso de forma remota. Até mesmo a viagem que os equipamentos fizeram foi monitorada pelo sofisticado sistema de GPS

embutido no hardware. Muitos foram rápidos em elogiar a segurança tecnológica envolvida nesse maquinário, mas o episódio revela um lado controverso dessa tecnologia de ponta.

Da mesma maneira que a John Deere, dona das colheitadeiras e tratores roubados pelos russos, foi capaz de bloquear o acesso, hackers malintencionados poderiam fazer o mesmo. E já ficou provado que esse acesso é possível. Em agosto, o hacker Sick Codes, australiano conhecido por encontrar falhas de segurança nos sistemas de empresas, apresentou um jailbreak, como são conhecidas as ferramentas que permitem o acesso ou o uso de aplicativos e caminhos não autorizados, para o maquinário da John Deere na DefCon, convenção de cibersegurança realizada em Las Vegas, nos Estados Unidos. Ele provou ser possível acessar e controlar diversos modelos por meio de suas telas touch screen. Em seu Twitter,

92
S Segurança

ele mostrou até que é possível jogar o clássico game Doom no sistema hackeado – uma versão customizada em que o jogador aparecia no meio de uma fazenda cheia de ovelhas.

O que Sick Codes quis mostrar é a quantidade de bugs e falhas em um sistema que deveria ser mais seguro.

O processo, no entanto, não foi fácil. Durante meses, ele testou diversas gerações de modelos, buscando maneiras de conquistar acessos mais profundos. Registros criados no sistema para facilitar os reparos também forneciam caminhos para ir cada vez mais longe, até que ele finalmente conseguiu superar a proteção do sistema. “Lancei um ataque e dois minutos depois eu consegui acesso ao ‘root’”, afirmou o hacker à revista Wired. Ou seja, ele havia conseguido privilégios de administrador e poderia mexer no maquinário como se fosse um técnico autorizado. Ele não conseguiu acesso

remoto, mas afirmou que seria possível desenvolver uma ferramenta capaz de fazer o ataque sem ter acesso direto aos tratores.

A preocupação com a segurança da cadeia de produção é legítima. Em 2021, a JBS sofreu um ataque do grupo REvil que forçou a empresa a paralisar suas operações na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos. Os hackers ameaçaram divulgar dados sigilosos da companhia e exigiram o pagamento de US$ 22,5 milhões em resgate. No fim, a JBS concordou em pagar US$ 11 milhões para resolver o ataque, uma modalidade conhecida como “ransomware”. E há diversos incidentes do tipo. O exemplo da JBS se tornou o mais conhecido pelo tamanho do prejuízo, mas outras empresas do setor, como a cervejaria Molson Coors, a cooperativa agrícola americana New Cooperative e a produtora

O hacker Sick Codes na DefCon: ele apontou falhas de segurança e demonstrou que é possível jogar Doom na tela dos computadores de bordo das máquinas

93PLANT PROJECT Nº33

francesa de champanhe Laurent Perrier foram algumas das companhias do agronegócio afetadas por invasões semelhantes.

A descoberta de Sick Codes também teve um outro efeito: deu subsídios para os produtores que exigem maior liberdade no controle de seus equipamentos. O crescente movimento, que já ganhou o apelido de “free the tractors”, ou “libertem os tratores”, está relacionado ao direito de fazer reparos em seu próprio maquinário sem depender dos fabricantes originais.

O que acontece hoje é que as empresas exigem que qualquer manutenção seja obrigatoriamente feita com um técnico credenciado ou com

representantes das revendas. Se o produtor optar por fazer o conserto de outra forma, deve chamar o técnico para habilitar o equipamento ou corre o risco de perder a garantia. E isso vem causando dores de cabeça para muitos. “Os fazendeiros preferem equipamentos mais antigos porque eles são mais confiáveis. Eles não querem que as coisas deem errado no momento mais importante do ano, quando eles precisam tirar os alimentos da terra”, afirmou Sick Codes à revista americana Wired “Então, é isso que devíamos fazer. Queremos que os produtores possam consertar as coisas quando elas dão problema, e hoje isso significa tomar decisões relacionadas ao software de seu maquinário.”

Trata-se de um problema antigo que já causou revolta em outros setores econômicos. A indústria automobilística foi pioneira em desenvolver sistemas que só permitem que a manutenção seja feita em concessionárias autorizadas, reduzindo a autonomia dos motoristas e mecânicos em fazer ajustes em seus veículos. A justificativa oficial é que o processo garante mais segurança. Na prática, no entanto, o bloqueio só concentra mais poder nas mãos das grandes empresas, que podem cobrar valores acima da média do mercado pelos reparos e pode forçar consumidores a aposentar veículos antes do planejado ao decretar que uma unidade não

94
S Segurança

pode mais ser consertada. Há outro caso famoso na medicina. A Medtronic, fabricante de ventiladores mecânicos, resolveu mudar sua política de manutenção e impediu que a manutenção fosse feita nos hospitais e consultórios, exigindo que os equipamentos fossem levados a revendedores e assistências técnicas autorizadas. A situação ficou caótica durante a pandemia, quando essas peças foram muito usadas e os médicos não podiam esperar dias ou semanas por um técnico oficial.

A solução veio de um hacker polonês que trabalhou na Medtronic e passou a divulgar os códigos de liberação dos aparelhos, escondidos em itens do dia a dia, como relógios e luminárias de mesa, e enviados a diversos mecânicos do mundo.

A controvérsia envolvendo o “direito de reparo” dos produtores chegou à Justiça americana. Em 2021, a Casa Branca emitiu uma ordem executiva obrigando órgãos governamentais a ampliar a fiscalização sobre práticas que suspendam a garantia dos equipamentos em caso de reparos feitos fora das revendedoras oficiais. O estado de Nova York foi mais longe e aprovou uma lei que garante o direito dos produtores à manutenção. A própria John Deere, que minimizou o ataque provocado por Sick Codes,

anunciou em março que vai disponibilizar novas funcionalidades de seu software de manutenção aos produtores e que, no ano que vem, vai lançar uma “solução avançada” para que mecânicos e fazendeiros possam baixar atualizações remotamente, sem a necessidade de entrar em contato com representantes ou levar o maquinário para as revendedoras.

No caso dos tratores, há outros questionamentos envolvidos no uso de sistemas fechados como o da John Deere. O principal está relacionado ao fato de que os produtores que pagam milhões de dólares em um trator ou colheitadeira não estão comprando o equipamento, mas apenas garantindo o uso temporário.

É o que a própria John Deere afirmou em 2017: como o software original é de sua propriedade, assegurada pelo direito de copyright americano, durante 90 anos, os fazendeiros apenas utilizam o sistema,

Trator da John Deere em campo ucraniano: hackers do país quebravam códigos para controlar equipamentos

95PLANT PROJECT Nº33

e precisam concordar com os termos cada vez que ligam a máquina. O ecossistema tecnológico da empresa oferece diversos benefícios, envolvidos ao que se convencionou chamar de agricultura 4.0. Com GPS, telemetria, softwares de mapeamento e machine learning, produtores podem tomar decisões mais assertivas baseadas em dados, que contribuem para um plantio mais eficaz. Mas o que os ativistas questionam é se o preço que se paga por esses benefícios justifica a adoção dessas práticas.

“Devemos construir tratores – e telefones, carros, ventiladores e implantes médicos – que sejam robustos e resilientes, sustentáveis e reparáveis mesmo quando as cadeias de suprimentos quebram”, escreve o jornalista e ativista Cory Doctorow em sua página no Medium. “Há riscos para isso – um dispositivo sem um kill switch (o

dispositivo de segurança que desliga o equipamento) é um pouco mais atraente para os ladrões. Mas os kill switches impõem riscos que superam amplamente as vantagens que oferecem”, conclui. A Ucrânia, por exemplo, é uma das principais exportadoras de códigos ilegais que burlam os dispositivos de segurança – e fazendeiros americanos já estão comprando esses códigos para mexer em seus tratores. Se os saqueadores russos conseguissem usar os equipamentos roubados, provavelmente fariam isso usando as táticas ilegais ucranianas. O hacker Sick Codes demonstrou que a segurança dos sistemas tem brechas. Se hackers malintencionados forem capazes de invadi-los, toda a cadeia de produção de alimentos que a própria fabricante de maquinário diz proteger pode estar em risco.

96
C M Y CM MY CY CMY K
Evento “Abertura de Safra – Soja, Milho e Algodão” acentua força da produção brasileira de grãos SAFRA 2022/23: EM BUSCA DAS 300 MILHÕES DE TONELADAS

patrocínio

O evento “Abertura de Safra – Soja, Milho e Algodão 2022/23”, realizado pela DATAGRO no dia 29 de agosto em formato híbrido – sendo o presencial na capital paulista –, destacou o potencial do agronegócio brasileiro em assegurar o abastecimento interno e gerar excedentes exportáveis, contribuindo de maneira decisiva para garantir a segurança alimentar global em meio a uma série de desafios, entre os quais, eventos climáticos adversos em importantes países produtores agrícolas, efeitos ainda dos desarranjos provocados pela pandemia da Covid-19, a eclosão da guerra no Leste Europeu etc.

Compuseram o cerimonial de abertura do evento, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura (Mapa), Guilherme Soria Bastos Filho; o diretor comercial da Koppert, Gustavo Herrmann; a presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Teresa Vendramini; e o coordenador do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Cesario Ramalho. Foram recepcionados pelo anfitrião, o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari.

Em sua exposição, Nastari reafirmou o papel do agro brasileiro em produzir volume e qualidade, com sustentabilidade, com a perspectiva de colher uma safra de grãos 2022/23 acima de 300 milhões de toneladas, montante

99PLANT PROJECT Nº33

que se for confirmado representará alta significativa ante o ciclo anterior. “E não estamos falando somente de soja e milho, mas também do algodão, entre outras culturas de grãos, que são a base do enorme sucesso que é a integração das cadeias produtivas do agro nacional, que agrega valor sob a forma de proteína animal, farelo, biocombustíveis, e assim por diante.”

Na oportunidade e em nome dos organizadores do Global Agribusiness Forum (GAF), realizado no final de julho e também organizado pela DATAGRO, Nastari homenageou o ministro da Agricultura, Marcos Montes, e sua antecessora Tereza Cristina, entregando placas comemorativas ao atual secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Guilherme Soria Bastos Filho. “Ambos foram fundamentais para o arranque e a consolidação

OTIMISMO

A expectativa é de uma safra 2022/23 cheia, com bom nível tecnológico nas lavouras, lucratividade positiva, ainda que a estiagem tenha impactado a produção da temporada passada e os preços dos insumos, em particular dos fertilizantes, tenham registrado significativa alta.

A área destinada à soja, por exemplo, deverá ser de 43 milhões de hectares, aumento de 3%, projeção que se for confirmada significará o 16º ano consecutivo de crescimento, indicam números divulgados pelo economista e líder da DATAGRO Grãos, Flávio Roberto de França Júnior, no evento. A produção tem potencial para ultrapassar 150 milhões de toneladas, podendo chegar a 151,8 milhões, superando, e muito, a colheita do ciclo anterior, que ficou em 126,6 milhões.

No caso do milho, estima-se

uma colheita de 25,8 milhões de toneladas para a safra verão 2022/23, contra 25,1 milhões da anterior. Já a 2ª safra 2022/23 deve alcançar 94,6 milhões de toneladas, avanço de 2%. Com isso, a produção total de milho em 2022/23 é prevista em 120,4 milhões de toneladas, volume que, se for confirmado, representará incremento de 3%.

Para o algodão, a produção nacional deve saltar de 2,5 milhões de toneladas para 3 milhões na temporada 2022/23, projetou o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), Miguel Faus. “A área de plantio vem crescendo cerca de 5% ao ano.” Segundo o dirigente, a expectativa é que até 2030 o Brasil esteja produzindo 4,5 milhões de toneladas de algodão a cada ciclo. “A estimativa é que as exportações alcancem 3,6 milhões de toneladas em 2030, com o consumo doméstico permanecendo estável próximo a 900 mil toneladas.”

100
do RenovaBio”, disse.

:: Relação de troca para compra de insumos está desfavorável para o produtor

O presidente da Aprosoja (SP), Azael Pizzolato Neto, alertou que, apesar dos bons preços da soja, a relação de troca para o produtor da oleaginosa para compra de insumos está ruim. A relação de troca é o cálculo que considera quantas sacas do grão são necessárias para aquisição de um determinado volume de insumo, em particular defensivos, fertilizantes e sementes.

“A relação está desbalanceada, precisa melhorar.”

Segundo o dirigente, um dos termômetros desse cenário é o ritmo de comercialização da safra, que está aquém do registrado em igual período do ano passado. Ou seja, o produtor está segurando a produção para vender.

O presidente executivo da Abiove, André Nassar, acrescentou que, do ponto de vista da indústria processadora da oleaginosa e das tradings, a

comercialização está lenta, devido ao quadro de incertezas relacionado às tarifas de frete e também à mistura do biodiesel no diesel. Contextualiza-se que a soja é a principal matéria-prima usada para fabricação do biocombustível no Brasil, e neste ano o governo reduziu o teor de mistura do biodiesel no diesel como uma tentativa de reduzir o preço do combustível na bomba.

No que diz respeito às exportações, Nassar disse que uma boa surpresa estão sendo os embarques de óleo de soja, que devem chegar a 2,2 milhões de toneladas este ano, 500 mil toneladas a mais em relação a 2021.

:: Dependência do fertilizante importado preocupa

“A guerra na Ucrânia escancarou a dependência do agro brasileiro da importação de fertilizantes”, alertou o diretor executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), Ricardo Tortorella. Atualmente, o

101PLANT PROJECT Nº33
patrocínio
CONFIRA MAIS DESTAQUES DO “ABERTURA DE SAFRA –SOJA, MILHO E ALGODÃO”

Brasil é o quarto consumidor global de adubos e é o maior importador mundial. Importamos cerca de 80% de todo o fertilizante usado na produção agrícola nacional. No caso do potássio, o percentual importado é de cerca de 95%. A Rússia é responsável por fornecer cerca de 25% dos fertilizantes para o Brasil. “Precisamos viabilizar o Plano Nacional de Fertilizantes”, ressaltou Tortorella, citando iniciativa do governo federal para estimular a produção doméstica.

Como alternativa em um intervalo de tempo menor, o diretor comercial da Koppert e membro do conselho da CropLife Brasil, Gustavo Herrmann, citou os bioinsumos. “Por serem majoritariamente fabricados internamente, estes insumos podem ajudar a diminuir a dependência do fertilizante importado, bem como contribuir para redução de custos”, afirmou.

De acordo com Herrmann, o uso de inoculantes biológicos

também deve ser considerado, porque eles têm como característica promover a fixação de nitrogênio e outros nutrientes no solo, reduzindo assim a necessidade de aplicação dos fertilizantes tradicionais. Ademais, o diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola (Abracal), Euclides Jutkoski, pontuou ainda as oportunidades que o melhor uso do calcário para correção do solo podem trazer para o aumento de produtividade agrícola, lembrando que, neste caso, somos autossuficientes em produção.

:: Preços dos grãos elevam custos do setor de proteína animal

O líder de pesquisa na DATAGRO Pecuária e coordenador técnico do Indicador do Preço do Boi, o economista João Otávio Figueiredo, ressaltou que a carne brasileira avança cada vez mais nos mercados internacionais, impulsionada pela

oferta de volume e qualidade, com sustentabilidade promovida pelos produtores, bem como pelo poderio econômico dos três maiores frigoríficos de origem nacional, que têm forte presença no exterior.

Segundo Figueiredo, os preços da arroba do boi gordo estão operando em viés de baixa na conjuntura atual, com escalas alongadas, devido à retração no mercado doméstico. “Há uma certa perspectiva de melhora com a chegada das festas de final de ano e a Copa do Mundo, fatos que tradicionalmente impulsionam o consumo, mas no momento o que sustenta o mercado são as exportações.”

De acordo com Figueiredo, a relação de troca da arroba do boi gordo para aquisição de milho, um dos principais insumos usados no confinamento de bovinos, vem piorando com a alta do grão. A valorização do milho também é preocupação para os segmentos da avicultura e suinocultura, pontuou a

102

coordenadora de inteligência de mercado da ABPA, Laiz Foltran.

Segundo ela, a entidade, que reúne os principais frigoríficos de aves e suínos, vem promovendo junto com a Embrapa uma série de iniciativas para estimular a produção de grãos de inverno que possam funcionar como alternativa ao milho para alimentação dos plantéis.

:: Avanço do etanol de milho

Em painel sobre o etanol de milho, o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco, salientou que o biocombustível fabricado a partir do grão avançou de um nicho de mercado para passar a representar hoje cerca de 15% da produção nacional de etanol.

Dados da Unem revelam que a produção de etanol de milho no Brasil vem registrando anualmente um crescimento acima de 30%, e a perspectiva é de que dobre até 2030.

A projeção para a temporada 2022/23 é de uma produção de 4,5 bilhões de litros, contra 3,4 bilhões do ciclo passado.

No mesmo painel, o diretorsuperintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Júlio Cesar Minelli, defendeu a importância da cadeia produtiva do biodiesel face a recentes medidas governamentais, que reduziram o teor de mistura do biocombustível no diesel.

:: Governador Rodrigo Garcia destaca regularização ambiental e fundiária em SP

Também presente ao evento, o governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, destacou que o estado está em processo de conclusão da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR), avançando no processo de regularização ambiental de todas as propriedades rurais, de acordo com o Código Florestal. “O

CAR, por exemplo, é fundamental para a questão de acesso ao crédito porque traz segurança jurídica para o produtor.”

Em sua fala, Garcia tratou ainda da regularização fundiária do Pontal do Paranapanema, bem como dos avanços das obras relacionadas às estradas rurais. “Estamos ainda em um momento de entendimento dos impactos dos desarranjos provocados pela pandemia, mas diante de tantas incertezas, uma certeza que existe é de que, obviamente, continuaremos a comer e de que o agro manterá sua preponderância para o Brasil e para São Paulo.”

Também presente ao evento, o secretário de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, Francisco Matturro, ressaltou que o estado caminha para ser autossuficiente em milho.

“Produzimos hoje cerca de 3 milhões de toneladas, e nosso consumo gira em torno de 9 milhões. Em breve, conseguiremos colher 12 milhões de toneladas.”

103PLANT PROJECT Nº33

MDATAGRO Markets

No último dia 28 de setembro, a IMO (Organização Marítima Internacional), em parceria com a Unep (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e o governo da Noruega, realizou em Londres o seu Fórum de Inovação para discutir como promover a descarbonização do transporte marítimo.

A organização, composta de 175 países-membros, é responsável pela definição da regulamentação relacionada ao transporte marítimo internacional e suas deliberações tem alcance decisivo em práticas do transporte marítimo internacional.

Prova dessa importância foi o impacto da recente decisão de restringir o limite de enxofre no combustível marítimo internacional, que elevou a demanda mundial de óleo diesel de baixo teor de enxofre, no Brasil conhecido como diesel S-10, aumentando o seu preço devido à limitação da capacidade de refino do produto em todo o mundo.

A descarbonização do transporte marítimo é tema particularmente sensível ao Brasil, visto que o eixo do comércio internacional está cada vez mais direcionado à Asia, região para a qual o Brasil é um grande supridor de minério de ferro e produtos agrícolas. Nesse sentido, o Brasil é o país mais distante dos principais mercados, e concorrem com o Brasil a Austrália, grande supridor de minério de ferro, além de ser grande supridor de carvão mineral, e os EUA em mercadorias agropecuárias, pela rota do Canal do Panamá e Oceano Pacífico.

A IMO discute a descarbonização tendo dois eixos principais, o uso de hidrogênio verde produzido a partir da eletrólise da água usando energia renovável, principalmente eólica e solar fotovoltaica e, surpreendentemente, os biocombustíveis.

Os biocombustíveis se apresentam como alternativa viável para esse uso, pois contêm alto teor

de hidrogênio, o que possibilita que a reforma do combustível possa ocorrer a bordo dos navios, o que representa uma enorme vantagem logística e operacional.

A reforma é a separação do hidrogênio do combustível líquido, da mesma forma como ocorre nas células a combustível em desenvolvimento para aplicação automotiva. Essa seria uma solução mais prática, econômica e segura do que o hidrogênio propriamente dito, que precisaria de uma nova infraestrutura nos portos, requerendo a instalação de tanques de alta pressão, e a necessidade de investimentos elevados. Além disso, o hidrogênio representaria um risco na operação portuária e nos próprios navios, o que exigiria todo um treinamento das equipes de terra e de bordo.

Os biocombustíveis, em termos gerais, têm um elevado teor de hidrogênio. A molécula de etanol –C2H5OH – contém 3

104 ! "#$ % &'()"#! * &"% $$ * + , * &#-. / ",0 1 ! #* &)* &2% "* 3 4 / & )#$ ,"#56()* & )% & % 1 % "2#* &)% &5#/* $$ *&% &"% $ ()6/ $& ! UM OCEANO AZUL PARA OS BIOCOMBUSTÍVEIS COMO ENERGIA PARA O TRANSPORTE MARÍTIMO
MARKETS
Por Plinio Nastari Plinio Nastari, presidente da DATAGRO e do Ibio, Instituto Brasileiro de Bioenergia e Bioeconomia, foi palestrante do Fórum de Inovação da IMO, Unep e Noruega ocorrido em Londres no dia 28 de setembro de 2022.

átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono. O metanol renovável, produzido a partir da síntese do CO2 biogênico com o hidrogênio verde, tem em sua molécula –CH3OH –4 átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono.

Como comparação, a gasolina, que é um coquetel de hidrocarbonetos e tem como referência o indolene, tem 1,62 átomos de hidrogênio para cada átomo de carbono. Isso significa que, em tecnologias que valorizam o conteúdo de hidrogênio do combustível, o etanol vale quase o dobro da gasolina, e o metanol renovável vale quase 2,5 vezes.

O mercado potencial é enorme. A produção mundial de etanol é estimada pela DATAGRO em 106.416 milhões de litros em 2021. Isso equivale a aproximadamente 85,13 milhões de toneladas por ano.

O mercado potencial de etanol para substituição de combustível marítimo é estimado em mais de 400 milhões de toneladas por ano até 2030.

Abre-se à frente um verdadeiro oceano azul em termos de novos mercados potenciais para o etanol, metanol e o biodiesel renováveis,

que têm a seu favor vários atributos.

Representam uma solução drop-in, pois não requerem a construção de uma nova infraestrutura, principalmente pelo fato de que a solução a ser adotada precisa ser inclusiva ao conectar portos no mundo todo, e praticamente todos eles já dispõem de tanques de líquidos.

Os biocombustíveis representam uma solução que oferece segurança de operação, transporte, armazenagem, e carregamento a bordo. Permitem implementação e resultados imediatos.

Representam uma solução acessível em preço, e têm uma pegada de carbono bastante baixa na Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), sendo, portanto, muito eficientes na mitigação de emissões de gases do efeito estufa.

Os biocombustíveis têm elevado teor de hidrogênio e podem ser usados diretamente ou em reforma a bordo dos navios para produção de hidrogênio de forma localizada, prática e segura.

Representam uma solução replicável, pois não existe barreira tecnológica significativa para a sua produção. No mundo, há 124 países produtores de açúcar,

candidatos naturais para serem também produtores de etanol, além de muitos outros potenciais produtores de metanol e biodiesel. Em vários países, os biocombustíveis podem ter sua produção escalável, podendo começar com uma escala modesta, expandindo ao longo do tempo.

A experiência brasileira com o RenovaBio indica que a certificação da produção por critérios internacionais de sustentabilidade oferece a garantia de que a produção de biocombustíveis ocorra sem oferecer nenhum risco de ser associada ao desmatamento ou estar em desacordo com práticas modernas de produção. Os biocombustíveis têm a seu favor também um histórico muito favorável e consolidado de benefícios ao meio ambiente e à saúde, além de promoverem empregos descentralizados e renda local para produtores rurais.

Abre-se, portanto, um mercado promissor para os biocombustíveis ao serem possivelmente utilizados como combustível para a navegação marítima. Um verdadeiro oceano azul para os biocombustíveis, do Brasil e do mundo.

105PLANT PROJECT Nº33 M MARKETS

SUA REDE DE COM O AGRO DO FUTURO CONEXÃO

Todo dia é uma oportunidade de criar novas e relevantes histórias no campo. Com a Plant é assim: desenvolvemos conexões inteligentes, consistentes e decisivas entre o agro do futuro e as grandes marcas através de projetos transformadores.

Quer transformar seus negócios no campo? Conecte-se com o agro do futuro. Acesse: www.plantproject.com.br

/PlantProjectBrasil/plant-project revistaplantproject
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.