Plant Project #23

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

ENERGIA RENOVADA No ano de estreia do RenovaBio, o setor sucroenergético supera desafios e se firma como âncora da sustentabilidade no agro PERSPECTIVAS 2021 AS SEMENTES DE OTIMISMO QUE BROTAM DO CAMPO

PLANT TALKS ODÍLIO BALBINOTTI FILHO FAZ A PONTE DA LAVOURA COM O AGRO DIGITAL FRONTEIRA ÁFRICA, UM CONTINENTE DE OPORTUNIDADES QUE O BRASIL PODE ESTAR PERDENDO

BEBIDAS O RITMO DAS CERVEJAS ESPECIAIS, DO SAMBA AO HEAVY METAL

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Sem pressa e sem alarde, herdeiro do Unibanco caça unicórnios AgTech PLANT PROJECT Nº23

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PLANT PROJECT Nº23

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E d ito ri a l

Esta edição da PLANT PROJECT marca a virada de um ano diferente de

2021, O ANO DA ESPERANÇA

todos os que já vivemos. Um ano de dificuldades inesperadas, com variáveis complexas e que exigiram de todos (pessoas, empresas, cidades, estados, países) grande capacidade de adaptação. Mesmo quem saiu-se bem nesse

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

período – e o agronegócio é um exemplo nesse sentido – no futuro olhará ENERGIA RENOVADA

para ele sem saudades. Vamos nos lembrar para sempre do ano da pande-

No ano de estreia do RenovaBio, o setor sucroenergético supera desafios e se firma como âncora da sustentabilidade no agro

mia. E seguiremos, pois é o que se faz quando as adversidades nos desafiam.

PERSPECTIVAS 2021 AS SEMENTES DE OTIMISMO QUE ROTAM DO CAMPO

PLANT TALKS ODÍLIO BALBINOTTI FILHO FAZ A PONTE DA LAVOURA COM O AGRO DIGITAL FRONTEIRA ÁFRICA, UM CONTINENTE DE OPORTUNIDADES QUE O BRASIL PODE ESTAR PERDENDO

Vislumbramos, então, 2021, que já nasce com o signo da esperança, armaze-

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nada em ampolas e ministrada com seringas. Aos poucos, vacinas nos trarão de volta o sentido de normalidade e da plenitude de viver. E de produzir. O #agroquenuncapara comandará uma vez mais a retomada econômica. Mais que futurologia, é perspectiva baseada em dados, conforme mostram líderes de vários segmentos ouvidos pela reportagem da PLANT. Números positivos brotaram no campo a despeito do pesado baque sentido em praticamente todos os demais setores. A resiliência, abundante nas nossas propriedades rurais, revelou-se mais uma vez um insumo poderoso. Assim como obstinação, crença na ciência e nas novas tecnologias, espírito empreendedor. Tudo isso nos permite olhar para a frente e acreditar ainda mais. Que venha 2021, o ano da esperança!

Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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Í ndi ce

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D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Ronaldo Luiz Produção: Daniele Faria Design: Bruno Tulini Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes

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Vaso com exemplar da Monsera Adansoni Variegata:

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: Shutterstock

Na pandemia, plantas ornamentais raras viraram investimento rentรกvel nos Estados Unidos

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O lado cosmopolita do agro

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GLOBAL

E S TA D O S U N I D O S

DINHEIRO QUE DÁ EM VASOS Mercado de plantas raras explode na pandemia

Deu no The Wall Street Journal, a bíblia do capitalismo americano: numa espécie de versão moderna da bolha das tulipas – cuja comercialização em Amsterdã, nos anos 1600, deu origem às atuais bolsas de valores –, um frenesi por plantas ornamentais nos Estados Unidos provocou uma valorização sem precedentes para algumas espécies raras. A alta dos preços coincide com o ápice da pandemia de Covid-19. Sem poder sair de casa, mais americanos passaram a se dedicar ao cultivo de jardins dentro de quatro paredes. E descobriram que o hobby tem seus tesouros. 8

As estrelas da temporada são as Monsera Adansoni Variegatas, planta de origem tropical da mesma família das costelas-de-adão, bastante populares no Brasil. O que elas têm de especial? As variegatas apresentam raras mutações nas células de suas folhas que as fazem nascer e crescer sem clorofila, a substância que dá coloração verde e é fundamental para a realização da fotossíntese. Assim, parte das folhas (algumas vezes folhas inteiras) ficam descoloridas. Outro ponto que dá valor às plantas é a existência de “janelas”, aberturas no meio das folhas. Antes da pandemia, vasos com essas


Colecionadores como Garcia (ao centro) e o casal Nick e Lani faturam alto com mudas extraídas de suas plantas: será uma bolha prestes a explodir?

plantas eram comercializados a menos de US$ 100. Hoje, superam facilmente os US$ 1 mil. “É melhor que o mercado de ações”, afirmou ao WSJ o mecânico de aviões Jerry Garcia, um apaixonado por plantas que está lucrando com a bolha. “Comprei algumas dessas plantas quando sua cotação estava nos dois dígitos e hoje elas estão na casa dos quatro dígitos”. Em agosto passado ele vendeu duas mudas das suas variegatas por US$ 2 mil cada. O jornal registrou o caso de uma empresa da Flórida, a NSE Tropicals, especialista no cultivo de plantas tropicais, que colocou à venda 300 exemplares da mesma planta pela internet. Vendeu todas em apenas 7 minutos. Por uma delas chegou a receber US$ 3,5 mil. “Não faz sentido”, surpreendeu-se Ennid Offolter,

dona da empresa. “Isso está ficando fora de controle”. Como toda moda, não basta possuir, precisa ostentar. Nas redes sociais, fotos de estufas e jardins de inverno ganharam status semelhantes aos de artigos de luxo. Colecionadores, porém, dizem que as plantas têm uma clara vantagem sobre produtos de grife. “Sua bolsa Chanel gera outra bolsa Chanel?”, diz a californiana Lilly Liu, que trabalha em biotecnologia mas já faturou um extra vendendo mudas extraídas da sua coleção. Se tem mercado, existe gente de olho no patrimônio alheio. O mecânico Garcia mantinha o seu em uma estufa alugada e começou a perceber alguns desfalques na coleção. Instalou câmeras no local e flagrou um intruso subtraindo suas joias botânicas. A mesma

providência tomada por Nick Watchorn e Lani Dy, um casal no estado do Oregon, que depois de anos como colecionador, passou a comercializar plantas por valores inacreditáveis: quase US$ 5 mil por uma Monstera Adansoni Variegata com quatro folhas que combinavam a mutação e as janelas e mais US$ 2,8 mil por uma com uma única folha, da mesma variedade, entre outras. A pandemia infla a bolha e o que se pergunta é se as seringas das vacinas serão suficientes para estourá-la. Enquanto isso, amantes de plantas advertem: as monsteras variegatas são plantas que precisam de muita luz e umidade para se manterem saudáveis, compensando a deficiência da clorofila. Para ostentar e lucrar, precisa saber cuidar. PLANT PROJECT Nº23

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G E S TA D O S U N I D O S

POLINIZAÇÃO DE PRECISÃO

A redução das populações de abelhas no mundo todo é um desafio para a agricultura. Sem o trabalho de polinização feito por elas, várias culturas sofrem perda de produtividade, além do imensurável impacto ambiental provocado pelo desaparecimento de espécies de

plantas silvestres. É um desafio e tanto para a ciência e várias abordagens têm sido usadas para protege-las, multiplicá-las e, de certa forma, substituí-las. Pesquisadores da Universidade do Estado de Washington (WSU) seguem essa linha e desenvolveram uma técnica

pulverização de substâncias polinizadoras sobre as plantações. Os estudos preliminaries levaram à dissolução do pole mem uma solução química capaz de resistir até uma hora no ambiente depois de ser aplicado com o uso de um pulverizador estático. Os primeiros testes foram feitos em pomares de cerejeiras e macieiras. Foram feitas duas aplicações, em três diferentes taxas. Estudos semelhantes estão em curso em plantações de kiwi na Nova Zelândia e também em universidades europeias.

AUSTRÁLIA

A SOLUÇÃO ESTÁ NO LEITE No século 19, o governo australiano teve uma ideia: importar dromedários de países do Oriente Médio, da Índia e do Afeganistão para ajudar na colonização de suas imensas áreas desérticas. Cerca de 200 anos depois, a ideia tornou-se um problema. Abandonados, os animais se multiplicaram, tornaram-se uma praga e passaram a ser uma competição aos rebanhos bovinos do país. Fazendeiros foram, então, autorizados a abater os camelos, exóticos e selvagens. Até que um vaqueiro, sensibilizado, decidiu buscar uma solução, em parceria com o bioquímico Jeff Flood. Eles convenceram alguns pecuaristas a deixar de atirar nos animais e reuniram 20 dromedários em um uma fazenda leiteira no estado de Queensland. Adaptaram os equipamentos utilizados com as vacas para as novas lactantes e começaram uma produção alternativa. As fêmeas de dromedários 10

produzem em média 2,5 litros de leite por dia, contra cerca de 50 das vacas. Mas o preço obtido com o leite e derivados (como queijos e sorvetes), comercializados com apelo de ser mais saudável (tem 5 vezes mais vitamina C e propriedades antimicrobiais), compensa. Em cinco anos, o rebanho chegou a 550 dromedários e a produção da Summer Land Camels é superior a 1 mil litros por semana. E o melhor: a ideia se espalhou e mais pecuaristas estão trocando os tiros pela domesticação de camelos selvagens, salvos pelo leite.


I N G L AT E R R A

CARNE SEM OSSO Pessoas que não consomem carne estão mais sujeitas a sofrer fraturas ósseas. Isso em virtude de uma menor ingestão de cálcio e proteína, segundo um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra. O estudo, que acompanhou a dieta de consumidores durante 17 anos e a relacionou com seus dados médicos, descobriu que a ocorrência de fraturas em vegetarianos é 4,1 vezes maior e 19,4 vezes maior em veganos do que em carnívoros. “A pesquisa demonstra que a saúde

óssea dos veganos exige mais estudos”, esqcreveram os autores em artigo publicado na revista BMC Medicine. O alerta coincide com o aumento da popularidade das proteínas alternativas a base de plantas, cujo marketing é apoiado na crença de que são mais saudáveis do que as proteínas animais.

H O N G KO N G

Fome de democracia A tensão política em Hong Kong tem duas cores. O azul identifica os apoiadores do poder central do governo chinês, que pressiona pelo fim da liberdade econômica do território, que durante xx anos foi independente graças a um acordo com o governo britânico. O amarelo, por sua vez, simboliza a democracia – e foi adotada pelos manifestantes que, durante meses, têm resistido às ações de Pequim. É uma divisão que se estende por vários setores e chegou ao universo da alimentação. A província possui hoje um chamado “círculo econômico amarelo”,

que reúne lojas, restaurantes e até pequenos produtores rurais que apoiam movimentos de protestos. Com bandeiras nas fachadas, eles sinalizam ao seu público de que lado estão, quem contratam e com quem querem fazer negócios. A PickEat, um site de entrega de comida, não cobra taxa de entrega para

esses estabelecimentos, que privilegiam, por sua vez, fornecedores locais alinhados com a mesma ideia. Esse é um dos pontos fracos do movimento: 90% dos alimentos consumidos em Hong Kong vem da China continental e apenas 6% do pequeno território da província é usado para agricultura.


G ISRAEL

Churrasco em Marte? Produzir carne em laboratório a partir de células de animais já não é mais uma peça de ficção. Em vários pontos do mundo, startups desenvolvem as suas versões e algumas delas já receberam sinal verde até para lançarem seus produtos no mercado. Investidores olham com apetite para essas iniciativas, que ganham simpatia de muitos consumidores por evitarem o abate de bovinos, suínos, aves e até frutos do mar. A israelense Aleph Farms é provavelmente a principal candidata a liderar esse mercado. Sua ambição, porém, vai além dos limites do nosso planeta. A empresa anunciou recentemente o projeto Aleph Zero, que visa a instalar “fábricas de carne” (internamente chamadas de Biofarms) no espaço. A Lua e Marte, acompanhando os planos de agências como a Nasa e empresas como a SpaceX de retomar as viagens espaciais tripuladas, seriam os naturais destinos das instalações. Antes disso, a ideia é conduzir experiências para produzir bifes na estação espacial internacional, entendendo se é possível reproduzir em gravidade zero o sucesso já obtido na Terra. Enquanto isso não passa de sonho, conheça alguns dos avanços do mercado de carnes de laboratório:

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_ Meat-Tech (Israel): a empresa anunciou que conseguiu produzir bifes em impressoras 3D. A matéria-prima utilizada foi um compost desenvolvido a partir de células de gordura e uma biotinta produzidas a partir de células tronco bovinas. O bife tinha uma espessura de 1 centímetro. Fundada em 2018, a companhia já recebeu mais de US$ 14 milhões em investimentos, inclusive de gigantes da carne como a americana Tyson Foods.

_ Future Meat (Israel): o foco da startup é a produção de carne de laboratório em larga escala – e, assim, a preços mais acessíveis. Seu trunfo seriam as células utilizadas na origem do processo. Enquanto a maioria das concorrentes utiliza células tronco ou de músculos dos animais, a empresa aposta nos fibroblastos, que formam os tecidos conuntivos. _ SuperMeat (Israel): Aqui a especialidade é carne de frango e a startup inovou ao testar seus protótipos. Abriu um restaurante próprio em Tel Aviv, The Chicken, de serve hambúrgeres e nuggets especiais. SuperMeat retira células dos frangos e as cultiva emu ma espécie de “fermento para carnes” para que se tornem músculos, gordura e outros tecidos que conhecemos como... carne.

_ Higher Steaks (Reino Unido): Em junho passado a empresa anunciou ter desenvolvido os primeiros protótipos de bacon e barriga de porco a partir de células animais. Segundo a CEO da companhia, Benjamina Bollag, foi necessário um mês de cultura das células tronco suínas em laboratório para se chegar aos protótipos. O potencial é grande: a carne de porco é a mais consumida no mundo. _ Vow (Austrália): Um banquete oferecido em Sydney há poucos meses surpreendeu pelo cardápio. Os quitutes eram feitos com carne de coelho, cordeiro, alpaca, canguru e até zebra. Zebra? Isso mesmo. A startup australiana Vow foca em carnes exóticas para buscar seu espaço no mercado de carnes produzidas em laboratório. A “biblioteca” de células da empresa é diversificada e do início do cultivo à mesa o tempo estimado é de seis semanas.

_ BlueNalu (EUA): Com um novo laboratório inaugurado em San Diego e planos para construir mais um, com capacidade de produzir até 8 mil toneladas de carne de pescados como atum e pargo por ano. Para divulgar seus produtos, a empresa tem promovido degustações em que os serve crus, como ceviche ou cozidos e grelhados de diferentes formas. PLANT PROJECT Nº23

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G BRASIL

Na periferia de São Paulo, dois fenômenos simultâneos se uniram para criar um terceiro. Hortas urbanas começam a ganhar espaços antes baldios, fornecendo verde e alimentos para a população. A onda fitness também ganha versões populares e a busca por saúde, adeptos. E por que não, então, juntar os dois? No projeto Viveiro Escola, que mantém uma horta comunitária em São Miguel Paulista, no extremo leste da capital paulista, um grupo de moradores, agricultores, designers, professores de educação física, estudantes, entre outros, desenvolveu um circuito de atividades físicas em que, enquanto queima calorias e tonifica os músculos, a população do bairro ajuda no pesado trabalho de produzir alimentos.

foto: UOL

FORÇA NA AGROGINÁSTICA

Os equipamentos usados na Agroginástica, como foi batizado por eles, são originais. Uma bicicleta fixa ajuda a mover um triturador de galhos. Uma bomba manual para retirar água do poço ajuda na malhação dos membros superiores. Cartazes junto a eles indicam como fazer e quantas calorias são consumidas. “É uma academia a céu aberto, que ainda estimula os mutirões para ajudar as agricultoras”, afirmou a designer Maria Augusta Bueno, do São Paulo Lab, em uma reportagem sobre o projeto publicada no portal UOL.

E S TA D O S U N I D O S

OS CAÇADORES DAS MAÇÃS PERDIDAS Para um grupo de americanos aficionados, maçãs são um tesouro histórico. Levadas aos Estados Unidos pelos primeiros colonizadores europeus, elas significaram, para muitos deles, uma fonte fácil de alimento e energia (eles obtinham açúcar de seu cozimento). Desde a descoberta da América, em 1492, até hoje, estimase que 17 mil variedades tenham sido plantadas no país. Hoje, no entanto, menos de um terço 14

delas ainda são cultivadas. Encontrar espécimes e preservar as demais é a missão da Lost Apples Project, uma instituição que reúne voluntários em diversos estados que buscam pistas sobre possíveis macieiras raras. Muitas vezes é preciso faro de detetive. Não por acaso, o líder do projeto é um ex-investigador do FBI, Dave Benscoter. Desde 2014 a organização já descobriu 23 variedades que se julgavam extintas.


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G E S TA D O S U N I D O S

O AGRO NA FILA DA VACINA

Tomar ou não tomar a vacina contra a Covid-19? Para trabalhadores das propriedades rurais americanas, eis a questão. Para uma coalizão de entidades que representam a categoria no estado americano da Califórnia, agricultores não apenas precisam ser vacinados como devem ser incluídos nas listas de públicos prioritários nas campanhas de imunização. As entidades entraram com uma petição nesse sentido junto ao governo do estado, sob a alegação

de que, em função de suas condições genéticas e de trabalho e de vida, esses trabalhadores são considerados essenciais e possuem taxas mais altas de infecção do que a média de outras atividades – ficariam atrás apenas dos trabalhadores de saúde. A origem latina de mais da metade do contingente rural seria um ponto importante: na Califórnia, que tem 39% da população latina, 59% dos casos e 48% das mortes por Covid encontram-se nesse grupo étnico. O estado tem o maior número de trabalhadores rurais registrados – e estima-se que mais de 800 mil sem registro, vivendo como imigrantes ilegais. Esse seria o ponto de dúvida dobre a vacina. Para muitos desses imigrantes, antes da saúde vem o temor de, ao se apresentarem para a imunização, serem presos e expulsos do país.

CHINA

A MAIOR GRANJA(?) DE SUÍNOS DO MUNDO À primeira vista, mais parece um grande projeto imobiliário, com 21 edifícios reunidos em uma espécie de bairro planejado. Desde setembro passado, quando as obras do primeiro deles foram concluídas, começou a funcionar ali o que, em um futuro próximo, será a maior fazenda (se assim se pode chamar) para produção de suínos do mundo. O local é Nanyang, na zona rural chinesa, e ocupa uma área que costumava concentrar pequenas propriedades familiares. Quando estiver operando em total 16

capacidade, de lá sairão 2,1 milhões de porcos por ano. O projeto é da empresa Muyuan Foods, que se propõe a substituir o antigo modelo de produção – improdutivo e sujeito a graves problemas sanitários, como a epidemia de febre suína africana que, em 2019, reduziu o rebanho chinês à metade -- por um industrial, de larga escala,

totalmente automatizado e, segundo a empresa, forte controle das condições sanitárias. Grandes corporações, como a Muyuan, também perderam com a peste, mas tiveram suas perdas compensadas pelas altas dos preços da carne suína. Os lucros da empresa no primeiro semestre, por exemplo, saltaram mais de 1.400%.


Canavial no Interior de SP: Estreia do RenovaBio marca uma certeza em um ano de desafios para o setor sucroenergético

Ag AGRIBUSINESS

foto: Shutterstock

Empresas e líderes que fazem diferença

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Ag Empresas e líderes que fazem diferença

A TRAVESSIA Em seu primeiro ano, absolutamente singular devido à covid-19, a Política Nacional de Biocombustíveis mostra envergadura como primeiro mercado regulado de carbono do País

P or R onaldo L uiz

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foto: Shutterstock

DO RENOVABIO

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Q 20

uinta-feira, 19 de novembro de 2020. A data se tornou um marco histórico para a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Neste dia, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o volume de Créditos de Descarbonização (CBios), validados na Plataforma CBio, chegou a 15 milhões. Hospedada no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Plataforma CBio é o caminho oficial para validação das Notas Fiscais Eletrônicas dos produtores e importadores de biocombustíveis certificados junto à Receita Federal para fins de utilização como lastro para emissão dos CBios. Com este volume, garantiu-se a disponibilidade de 14,9 milhões de CBios, montante suficiente para que os distribuidores de combustíveis fósseis (gasolina e óleo diesel), partes obrigadas a adquirir os ativos ambientais negociados na B3 sob o formato de títulos, possam cumprir suas respectivas metas individuais no âmbito do RenovaBio para os anos de 2019 e 2020. Essa marca, destacou, em nota, o Ministério de Minas e Energia (MME), apenas reforçou a credibilidade do programa. Alguns dias antes, no final de outubro, durante a 20ª. Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol, que foi realizada em formato on-line, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já havia enaltecido o RenovaBio, afirmando que o programa está plenamente incorporado aos instrumentos de planejamento energético do Brasil. Na oportunidade, o ministro também salientou que os planos de longo prazo para a geração de energia têm como pilares os potenciais benefícios do RenovaBio, que endereçam um cenário promissor, com grandes oportunidades de investimento em energia sustentável. Albuquerque ressaltou, ainda, que com o RenovaBio, a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira deve crescer para 46% em 2030. Segundo a B3, já foram emitidos 16,7 milhões de CBios e 10,3 milhões já estão em poder das distribuidoras, montante que corresponde a 70% da meta prevista para o ano de 2020. Além disso, sete distribuidoras já cumpriram todas as metas a que eram obrigadas. “A expectativa é que até o final de 2020, as distribuidoras cumpram suas metas e que o número de CBios emitidos e comercializados supere os 18 milhões”, pontua o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues.


Ag

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Matéria de capa

O feito tem ainda mais relevância quando se observa o contexto em que foi obtido. 2020 foi o ano das incertezas – e foi nesse cenário que o RenovaBio viveu seu ano de estreia, superando desconfianças e demonstrando ser um instrumento de capitalização para o setor sucroenergético, ao mesmo tempo que um consolidador do mercado brasileiro de créditos de carbono. Se a pandemia da Covid-19 gerou instabilidade nos preços de commodities (incluindo o etanol) em seu início, a valorização das cotações do açúcar e a recuperação do mercado do biocombustível no segundo semestre permitiram que o balanço do ano para a grande cadeia em volta da cana fosse promissor (leia texto a seguir). “O fato de o RenovaBio estar sendo bem-sucedido em um ano como este comprova o comprometimento dos produtores de biocombustíveis com a descarbonização e o combate às mudanças climáticas. Trata-se de uma conquista da sociedade brasileira como um todo, com reflexos para todo o mundo”, afirma o presidente da Unica, Evandro Gussi. Padua endossa: “O RenovaBio foi desenhado como resposta prática aos compromissos firmados pelo Brasil na esfera do Acordo de Paris. Temos a matriz energética mais limpa do mundo, com uma a participação de 45% de fontes renováveis, e uma baixa pegada de carbono na mobilidade graças aos biocombustíveis. Poucos sabem que um carro flex movido a etanol tem um padrão de emissão de CO2 menor do que um veículo elétrico à bateria europeu, quando analisado o ciclo de vida, isso porque a energia elétrica lá é majoritariamente produzida a partir de fontes fósseis. O RenovaBio está aí para ampliar esses benefícios, por meio de mecanismos de mercado, ao incentivar a competição pela redução de emissões na produção de biocombustíveis”. PLANT PROJECT Nº23

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Ag Matéria de Capa

Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol, em versão digital: confirmação do RenovaBio como instrumento de planejamento energético

A LÓGICA DA DESCARBONIZAÇÃO Implantado em dezembro do ano passado, o RenovaBio tem como objetivo reduzir as emissões de carbono do Brasil por meio do aumento da capacidade de produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel) e pela compensação da emissão de dióxido de carbono (CO2) gerada pelos combustíveis fósseis a partir da comercialização dos CBios (1 CBio equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida na atmosfera). “Com o avanço deste mercado, os CBios já estão se configurando em um novo ativo financeiro para o balanço das usinas”, sublinha o coordenador de desenvolvimento sustentável da Raízen, André Valente. Para receber a certificação do RenovaBio, produtores de biocombustíveis precisam fazer um levantamento de quanto CO2 emitem em todo o processo produtivo. Feito isso, uma firma inspetora credenciada junto à ANP confere esse levantamento. Após a conclusão da certificação pela agência reguladora, a empresa produtora precisa firmar contrato com o Serpro para enviar suas notas fiscais de venda de biocombustíveis e obter o direito de emissão de CBio para o volume comercializado. Os CBios são negociados em ambiente de balcão na B3 e tem seu preço definido pelo livre mercado. Pessoas físicas e jurídicas poderão comprar e vender CBios, mas deverão procurar instituições financeiras que atuem nesse mercado para efetuarem suas compras. Cada CBio tem vencimento no mesmo ciclo em que foi emitido. Para validar a compra de CBios e concretizar a descarbonização da matriz energética, o comprador precisa dar baixa, junto à ANP, no crédito adquirido, o que, na prática, se configura na “aposentadoria” do título, impedindo qualquer negociação futura. Os primeiros CBios, aliás, em um total de 100, foram adquiridos pela DATAGRO Conferences, unidade de conferências da DATAGRO, em junho, por meio de intermediação da trading Sucden. CRÉDITO PARA O RENOVABIO Outro destaque da Conferência DATAGRO em relação ao RenovaBio foi o anúncio feito, em primeira mão, pelo chefe do 22


departamento do Complexo Agroalimentar e Biocombustíveis do BNDES, Mauro Mattoso, de que o banco prepara o lançamento de linhas de crédito para o setor sucroenergético vinculadas à Política Nacional de Biocombustíveis. "A iniciativa está sendo desenvolvida em parceria com o Ministério de Minas e Energia e a ANP”, adiantou Matoso, acrescentando "que as empresas interessadas terão que, obviamente, estar certificadas no RenovaBio e terem já passado pelo crivo da RenovaCalc – ferramenta desenvolvida pela Embrapa para comprovação do desempenho ambiental das usinas de biocombustíveis”. De acordo com o executivo do BNDES, os desembolsos serão feitos de uma vez e não será necessária a apresentação de projeto. "O que iremos considerar como objetivo é a redução de emissões. Ou seja, na época de contratação da linha, checamos o nível de emissão da atividade financiada e depois de um tempo verificamos se houve queda. Em caso positivo, as taxas de juros serão reduzidas." Ainda na Conferência DATAGRO, outras lideranças do setor sucroenergético e de distribuidoras de combustíveis avaliaram como positivo este primeiro ano do RenovaBio. O CEO da Raízen, Ricardo Mussa, disse que o programa, como já era de se esperar, viveu a dor do início de qualquer novo mercado, mas que “gradativamente ajustes serão feitos, fazendo com que o funcionamento flua de modo natural”. Com o tempo, acentuou o presidente do Grupo Ipiranga, Marcelo Araújo, os CBios irão se consolidar como um instrumento de mercado indutor da produção de biocombustíveis. PERCALÇOS E DESAFIOS Todavia, como era aguardado, a travessia do RenovaBio em seu primeiro ano de operação não veio sem percalços. O principal, certamente, foi a pandemia da Covid-19, que levou o CNPE a reduzir, pela metade, as metas de descarbonização previstas originalmente. Diante deste quadro, o mercado ficou paralisado por um determinado tempo e com o anúncio das novas metas houve certa corrida das distribuidoras para compra de CBios, o que se refletiu no valor dos títulos. “Esse processo de redefinição acabou atrasando a aquisição de CBios por parte das distribuidoras, que iniciaram a compra apenas em meados de setembro”, explica a superintendente comercial de Agronegócios PLANT PROJECT Nº23

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Valente, da Raizen, e Padua, da Única: meta de CBios cumprida demonstra compromissos do setor com produção sustentável

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Corporate do Santander, Caroline Perestrelo. “Isso fez o preço do CBio se valorizar significativamente, embora já tenha caído, devido à diminuição da procura com o passar dos meses. A preocupação agora é com questões de judicialização em torno do RenovaBio.” O evento jurídico ao qual Caroline se refere é relativo ao ingresso na Justiça, por parte da Associação das Distribuidoras de Combustíveis (BrasilCom), que solicitou a redução das metas individuais para 2020 de compras de CBios pelas distribuidoras de combustíveis em 25%, considerando os objetivos originais estabelecidos em março, alegando elevados valores para aquisição dos títulos, bem como tempo exíguo para cumprimento das obrigações. A liminar obtida pela entidade das distribuidoras foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), embora o assunto não esteja pacificado, com o risco de novas ações de judicialização. Na avaliação da Unica, o que parte das distribuidoras buscou na Justiça foi uma autorização para poluir mais. “Esperamos que as autoridades constituídas impeçam tais avanços, já que a lei considera ‘infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente’ (art. 70, da lei 9.605/98). Esperamos, ainda, que tais entidades e companhias se apressem para não perder, na próxima parada, o trem da sustentabilidade, que já partiu. Qualquer coisa diferente disso será um inaceitável atentado contra o Brasil e contra os brasileiros”, reforçou, em comunicado, a entidade. Em mais um capítulo sobre o assunto, a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), que representa empresas produtoras de biometano – biocombustível elegível no RenovaBio - entrou com pedido junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 26 de novembro, para se manifestar enquanto Amicus Curiae (amigo da corte) no mandado de segurança impetrado pela Brasilcom. Para o advogado Rafael Filippin, que representa a ABiogás por meio do escritório Andersen Ballão, o argumento das distribuidoras de que a cotação dos CBios ficou muito cara, atingindo cerca de R$ 60, não se sustenta, até porque este patamar mínimo de preço na B3 só foi atingido em três dias, 27, 29 e 30 de novembro, recuando, gradativamente, para em torno de R$ 42 em 04 de dezembro – último dado disponível na bolsa até o fechamento desta edição em 08 de dezembro. De acordo com o presidente da ABiogás, Alessandro Gardemann, a tentativa da Brasilcom de reduzir a meta anual compulsória das distribuidoras afeta diretamente a demanda de CBios no mercado e, consequentemente, ameaça os direitos das empresas associada da ABiogás. “A tentativa de boicote por meio das distribuidoras demonstra um retrocesso em relação a todos os movimentos globais que buscam solucionar a crise climática atual”, afirma.


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Ag

TRIBUTAÇÃO Outra questão que ronda o RenovaBio são as incertezas tributárias sobre os CBios, conforme alertou, na Conferência DATAGRO, o ex-diretor do departamento de Biocombustíveis do MME, Miguel Ivan Lacerda Oliveira, figura-chave para criação da Política Nacional de Biocombustíveis. Segundo Lacerda, a despeito da derrubada do veto presidencial ao artigo da MP do Agro referente ao tema – o qual definiu que o imposto de renda sobre os CBios será, exclusivamente, na fonte com alíquota de 15% - ainda existem outras indefinições fiscais. Entre elas, a não regulamentação de impostos sobre pessoas físicas que desejam operar no mercado de CBios – o que diminui a atratividade para as partes não obrigadas, enfraquecendo o potencial de um mercado de terceiros -, bem como a tributação incidente sobre as empresas de biocombustíveis que emitem os títulos. “Isso não está claro nem para o emissor tampouco para o operador financeiro”, observa Lacerda, que complementa: “O Governo Federal deveria enviar ainda este ano uma Medida Provisória regulamentando por completo a comercialização de CBios, promovendo as correções tributárias necessárias”.

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UM ANO DE ALTOS E BAIXOS Pandemia impactou muito mais preços do etanol do que do açúcar

Não poderia ser diferente. O comportamento dos preços do açúcar e do etanol em 2020 foi, obviamente, influenciado pelos impactos provocados pela pandemia do novo coronavírus. Começando pelo etanol, a derrocada dos preços do biocombustível, simbolicamente, teve seu início no dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia global para a covid-19. Com o anúncio, medidas de restrição de circulação foram adotadas mundialmente, diminuindo por consequência a necessidade do uso de combustíveis. Adiante, este quadro, pouco mais de um mês depois, desencadeou uma queda abrupta das cotações internacionais do petróleo e derivados, que, em meados de abril, recuaram para abaixo de zero. Formou-se, então, uma tempestade perfeita para os preços do etanol, que têm relação intrínseca com os do petróleo. “O setor foi do céu ao inferno”, diz o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari. Contudo, já a partir de maio e junho, com o relaxamento gradual das medidas de restrições de circulação, destaca Nastari, iniciou-se a retomada do consumo de combustíveis, com gradual recuperação dos preços do petróleo e da gasolina, o que também começou a se refletir positivamente nos valores do etanol. De acordo com a Unica, no acumulado da safra atual, as vendas de etanol, porém, sofrem retração de 12,5%, com um total de 19,05 bilhões de litros comercializados até 16 de novembro. O destaque fica para as exportações, que registram crescimento de 40,8% neste período, somando 1,94 bilhão de litros. Em linhas gerais, a redução de consumo de combustíveis do ciclo Otto [gasolina mais etanol] em 2020 deverá ser de 8,8%, estima o presidente da DATAGRO. Na avaliação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a expectativa de recuperação dos preços médios do barril de petróleo, para US$ 45 em 2021, de US$ 41 em 2020, e o relaxamento do distanciamento social devem 26

contribuir para elevar a demanda por combustíveis no próximo ano, podendo beneficiar os fluxos de caixa dos produtores e aumentar a competitividade do etanol brasileiro. AÇÚCAR O açúcar, por sua vez, sofreu menos que o etanol, diante dos efeitos da pandemia, avalia a pesquisadora do Cepea/Esalq-USP, professora Heloisa Lee Burnquist, que destaca: “Os preços do adoçante nos mercados internacionais atingiram níveis que não observávamos há cerca de dois, três anos”. Heloisa conta que os elevados estoques de açúcar já estavam sendo desovados na maioria dos países consumidores desde o final de 2019. Este quadro, diz a pesquisadora, impulsionou as exportações brasileiras do produto em 2020, que tiveram como principal destino a China. “Além disso, o fator câmbio também contribuiu para um bom retorno com os embarques do adoçante.” Dados do Ministério da Economia, de fato, revelam que a exportação brasileira de açúcar mostrou excelente desempenho em 2020. Em novembro, por exemplo, o volume embarcado superou três milhões de toneladas, aumento de 60% na comparação com igual período do ano passado. No mercado interno, Heloisa relata que, em decorrência das medidas de restrições de mobilidade, também houve aumento no consumo do adoçante, com as pessoas utilizando mais açúcar, na preparação das refeições dentro de casa. Para o professor das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto, Marcos Fava Neves, com o incremento nas vendas internacionais de açúcar e dólar em patamares elevados, o setor sucroenergético passa por uma boa fase de redução de alavancagem, a qual deve se estender visto as antecipações de vendas já constatadas. “Ano que vem, temos que alocar mais cana para etanol e fazer o mercado de açúcar permanecer firme”, acentua Fava Neves. “O que determina preço no mercado internacional de açúcar é estoque, e se estamos com estoques baixos, a tendência é altista para safra 2021/22”, conclui Helena.


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Ag

BLOCKCHAIN COM AÇÚCAR

Tecnologia poderá ser empregada para contabilização de CBios

A tecnologia de blockchain, usada largamente para registro de transações financeiras, está sendo aplicada em um projeto de pesquisa, conduzido pela Embrapa em parceria com o setor que atua na cadeia produtiva da cana-de-açúcar. A ideia é gerar uma ferramenta que armazene, registre, organize e rastreie os processos e produtos agroindustriais dessa cadeia, garantindo maior confiabilidade e segurança das informações fornecidas ao consumidor sobre a origem das matérias-primas e insumos. Por meio de cooperação técnica com a Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana), a Safe Trace e a Usina Granelli, a Embrapa iniciou pesquisas para a geração de ativos e soluções tecnológicas baseados em inteligência artificial, rastreabilidade e sensoriamento remoto. Os trabalhos em campo, liderados pela Embrapa Informática Agropecuária (SP), tiveram início este ano. Dois experimentos são conduzidos em conjunto com produtores de Piracicaba e Tambaú; outro é realizado em Charqueada, todos municípios no interior do estado de São Paulo. “Há uma demanda recorrente na agricultura pela rastreabilidade dos produtos e processos”, conta o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Informática Agropecuária, Stanley Oliveira. “Em geral, sistemas baseados em blockchain proporcionam uma forma segura e

distribuída para fornecer informações no âmbito de uma cadeia produtiva agrícola, ou de quaisquer outros processos agroindustriais, permitindo rastrear informações como a origem do produto e de insumos, o uso de agrotóxicos na lavoura, entre outras, atendendo às exigências dos consumidores”, exemplifica. O termo em inglês significa cadeia de blocos, ou seja, a tecnologia permite que as informações sejam registradas em uma sequência de blocos, funcionando como um registro público e impedindo alterações ou fraudes nos processos. “Entre as principais vantagens está a invariabilidade das informações para todos os elos, criando assim um caminho confiável de procedência que fortalece toda a cadeia produtiva”, esclarece o pesquisador da Embrapa, Alexandre de Castro. Com o desenvolvimento de um sistema de rastreabilidade usando blockchain, as embalagens dos produtos da usina parceira vão receber um selo “Tecnologia Embrapa” e um código QR. Assim, será possível disponibilizar todas as informações coletadas, desde a produção no campo até a chegada ao consumidor final, passando pela moagem da cana-de-açúcar, extração na usina, distribuição e comercialização desses produtos. “A adoção de tecnologia blockchain pelos cooperados da Coplacana vai proporcionar um ganho efetivo de mercado, uma vez que os PLANT PROJECT Nº23

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elos agrícola, industrial, certificador e distribuidor envolvidos na cadeia produtiva passarão a estabelecer uma relação de confiabilidade nos dados compartilhados”, afirma o pesquisador da Embrapa, Fábio Cesar da Silva. “O consumidor também ganha mais transparência, elegendo produtos com uma rastreabilidade confiável, além de maior segurança alimentar e ambiental”, complementa. O acordo com a cooperativa inclui a geração de processos agropecuários, softwares, modelos, banco de dados e metodologia técnico-científica. Por meio da parceria, ainda será criada uma tecnologia baseada em sensoriamento remoto para organizar, processar e disponibilizar em nuvem imagens de satélite proximais, suborbitais e orbitais, aplicadas a análises de lavouras da cana-de-açúcar, que vão contribuir para apoiar o planejamento e o controle operacional da cultura, tanto na fazenda como em talhões. Outra novidade é que imagens aéreas de canaviais serão usadas em uma solução tecnológica para detecção de doenças das plantas e pragas daninhas, deficiências nutricionais, estresse hídrico e estimativas de produção de biomassa. O diagnóstico vai permitir aos produtores a adoção de medidas de controle com mais rapidez e eficiência. 28

“É um novo modelo de trabalho com esses cooperados, que traz segurança e promove maior integração, já que estão participando das pesquisas e do desenvolvimento das soluções e contando com a expertise da Embrapa”, destaca o gerente técnico corporativo da Coplacana, Francisco Severino. Com 71 anos de atuação no mercado, a cooperativa firmou o acordo com a Embrapa no fim de 2019. “É o primeiro investimento da história da Coplacana em pesquisa, a primeira parceria dessa natureza”, comemora. RASTREABILIDADE NO RENOVABIO A tecnologia blockchain também apresenta inúmeras vantagens com relação à segurança criptográfica de dados. Além de custodiar informações de interesse de consumidores da cadeia produtiva sucroenergética, nos modelos empresa para empresa (B2B, na sigla em inglês) e empresa para consumidor (B2C), o sistema de rastreabilidade que será implantado na Usina Granelli vai armazenar dados primários de custódia da Política Nacional de Biocombustíveis, o programa RenovaBio. A custódia das informações ao longo do fluxo de produção é considerada crucial para identificar gargalos econômicos e tecnológicos do setor, ajudando na assertividade das medidas corretivas


Patrocínio

e alavancagem na emissão de CBios. Por isso, a equipe do projeto está trabalhando no desenho dos processos agroindustriais para rastrear os CBios, além de fazer o levantamento de certificações de interesse estratégico do programa. Uma solução tecnológica de blockchain que será desenvolvida pela Embrapa e pela Safe Trace poderá ser empregada em toda a cadeia produtiva, passando pela produção de matéria-prima, industrialização e comercialização dos CBios. Essa tecnologia será capaz de registrar, armazenar, organizar, rastrear e disponibilizar informações coletadas ao longo da cadeia, desde a implantação no campo até as etapas finais de extração, tratamentos, fermentação e destilação para etanol nas unidades agroindustriais. “A parceria realizada entre a Usina Granelli, a Embrapa e a SafeTrace será algo primordial e revolucionário no setor sucroenergético. Trabalhos de rastreamento sempre foram vistos na pecuária e no cultivo de grãos, contudo não havia histórico dessa tecnologia na cadeia produtiva da cana-deaçúcar”, lembra a diretora jurídica da usina, Mariana Abdalla Granelli. Para a executiva, as vantagens da cooperação serão sentidas tanto pelo agricultor e indústria, quanto pelo consumidor, uma vez que a qualidade do produto final será garantida pelo rastreamento feito pela SafeTrace e chancelada pela Embrapa, agregando valor na venda do açúcar mascavo. “O agricultor terá capacidade de avaliar as práticas de manejo de suas terras, possibilitando um controle mais assertivo dos tratos culturais e rendimentos de sua plantação. Já para a agroindústria, essa nova tecnologia permitirá maior comando e gerência sobre os processos industriais, tornando-os padronizados e mais precisos”, diz.

CONFIANÇA E TRANSPARÊNCIA EM TODO O PROCESSO Blockchain é uma tecnologia de registro descentralizado, ou seja, um livro-razão distribuído que utiliza códigos de autenticação criptográfica como medida de segurança. Assim, são atribuídas assinaturas digitais às informações registradas, que garantem imutabilidade e transparência nas transações, substituindo processos manuais de verificação de autenticidade e criando um ambiente de confiança de dados compartilhados entre os participantes de cadeia. O principal objetivo é trazer mais transparência e confiabilidade ao processo de compartilhamento de informações, beneficiando todos os interessados que atuam na cadeia. “Sistemas de criptografia ainda permitem que os dados trafeguem na rede com mais rapidez e sejam acessados de forma absolutamente segura”, afirma o presidente da Safe Trace, Rodrigo Argüeso. A empresa, em parceria com o CPQD, já emprega a tecnologia na produção de carne bovina, café, frutas, legumes e verduras. A Embrapa Meio Ambiente (SP) e a Embrapa Informática Agropecuária também estão desenvolvendo outras soluções tecnológicas digitais para aprimorar o processo de certificação do RenovaBio. Pelo potencial impacto que a tecnologia de blockchain pode provocar no setor, algumas empresas já formalizaram interesse em que as pesquisas sejam estendidas às cadeias de etanol de milho e biodiesel de soja, por exemplo. “É uma satisfação estarmos agora em uma cadeia tão importante como a da cana-de-açúcar, trabalhando em conjunto com a Embrapa. Esperamos que isso se estenda a outras cadeias produtivas. Em conjunto, temos muito a contribuir para a evolução e a sustentabilidade do agronegócio brasileiro”, ressalta o executivo. PLANT PROJECT Nº23

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É praticamente impossível falar sobre perspectivas para 2021 no agronegócio – e em qualquer atividade econômica dentro e fora do Brasil – sem antes passar pela retrospectiva da Covid-19. Desde aquele momento inicial da pandemia, ainda muito duvidoso e inseguro, até a real expectativa pelo início da vacinação, que ainda traz dúvidas e inseguranças, muita coisa aconteceu. E no caso do agro, aconteceu bem rápido. As cadeias agropecuárias rapidamente se estruturaram para garantir a segurança sanitária, das pessoas e dos produtos, e apertaram o passo do avanço tecnológico, principalmente com a digitalização, para manter o ritmo de suas atividades de forma sustentável. Como resultado, a sociedade continuou a ser abastecida com alimentos, fibras e energia. Ficou mais evidente a relação entre a qualidade da comida e a saúde da população, e o papel do agronegócio nessa história. Com medo da contaminação pelo coronavírus, as pessoas quiseram saber mais sobre a origem dos alimentos, como são produzidos, processados e transportados. Se além da responsabilidade que tem nesse trajeto todo, o agro passar a contar à sociedade a sua versão da cadeia, de forma clara e direta, pode até estabelecer conexões mais robustas e duradouras com os consumidores. A informação será um dos insumos mais importantes da produção agropecuária em 2021, tanto que a comunicação já entrou na lista de prioridades do setor. De maneira geral, o setor espera ainda preços elevados para as commodities, sobretudo grãos como soja e milho, tanto pela valorização do dólar frente ao real, relação atrativa para quem exporta, quanto pela crescente demanda internacional por proteína animal. As importações de carne suína pela China, por exemplo, podem seguir em alta por mais de um ano, enquanto o país recompõe seu plantel, quase todo dizimado pela Peste Suína Africana. Esse cenário sustenta a perspectiva de aumento de área plantada e o maior investimento em insumos, inclusive de forma antecipada. Entre janeiro e julho de 2020, quase 20,4 milhões de toneladas de fertilizantes já haviam sido entregues no mercado nacional, volume 15% maior do que o registrado em 30

igual período de 2019, segundo dados da Anda (Associação Nacional para Difusão de Adubos). Outro sinal de que a produção agropecuária deve seguir aquecida é o aumento de contratações de crédito rural. De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada), nos primeiros quatro meses da safra 2020/2021 (julho a outubro), o volume de concessões era de R$ 93 bilhões, 20,6% maior do que no mesmo período da temporada anterior. A lista de desafios para o agro em 2021 também não é pequena, vai desde questões como preservação e sustentabilidade, cada vez mais relevantes, até o entendimento sobre a relação do Brasil com o novo governo dos Estados Unidos. Há ainda discussões referentes à carga tributária, tema espinhoso por natureza que ficou ainda mais pesado após uma medida do governo paulista que limita isenções do ICMS em diversos segmentos, com impactos diretos sobre os insumos agropecuários. Setores como saúde e alimentação animal, e outros que têm grande parte do parque industrial instalado no estado de São Paulo, já calculam os efeitos negativos e o que fazer a respeito. Conversamos com representantes de importantes segmentos de insumos agropecuários para entender melhor as perspectivas para o novo ano e saber como estão se preparando para superar os desafios e aproveitar o que há de melhor nesse momento.


Perspectiva

Ag

INSUMOS PARA UM NOVO ANO

O agronegócio tem muito a colher e mais ainda para semear em 2021. O setor que conseguiu manter o ritmo diante da Covid-19, e passou por uma positiva mudança de hábitos, tem outros grandes desafios pela frente Por Romualdo Venâncio

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PARADOXOS DA ALIMENTAÇÃO ANIMAL

As exportações brasileiras de carne suína em 2020 devem passar de 1 milhão de toneladas. O faturamento acumulado já havia superado os US$ 2 bilhões em novembro. Esta é a primeira vez que o setor alcança tais resultados, divulgados pela ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal). A previsão é que sejam ainda melhores em 2021. A notícia é animadora também para a indústria de nutrição animal, que alimenta esses suínos, as aves, os bovinos – leite e corte –, os peixes e outras cadeias de proteína animal. Dados do Sindirações (Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal) mostram que o setor de nutrição animal já havia crescido 5,2% nos primeiros seis meses de 2020. Dois fatores foram determinantes para esse desempenho. O primeiro é a grande demanda chinesa por carne suína, consequência do 32

baque causado pela peste suína africana na potência asiática. “A doença praticamente dizimou o rebanho de suínos da China, então esse cenário se manterá por algum tempo. Mas eles estão trabalhando, profissionalizando o que era subsistência, dentro de um ano e meio devem se recuperar”, diz Ariovaldo Zani, vice-presidente executivo do Sindirações. O outro fator é o auxílio emergencial disponibilizado pelo governo federal aqui no Brasil por conta da Covid-19, que estimulou o consumo e aqueceu o mercado. Segundo Zani, a expectativa é de encerrar o ano com crescimento de 5%, pois o segundo semestre costuma ser mais fraco para o setor de nutrição animal, embora ainda conte com o reforço por conta das festas de final de ano. Mas passando o réveillon, começam as preocupações. “Pode ser que não tenha mais auxílio


Perspectiva

emergencial no primeiro trimestre de 2021, e não haverá uma geração gigantesca de empregos, então o consumo doméstico de proteína animal deve diminuir”, afirma o executivo. As indústrias de alimentação animal terão bons desafios em 2021 para equilibrar produção, faturamento e lucratividade. Da mesma forma que o cenário cambial, com o real desvalorizado frente ao dólar e ao euro, favorece quem exporta proteína animal, também estimula a venda de soja e milho, principais ingredientes das rações, para o mercado externo. E onera parte da matéria-prima. “Há vitaminas, enzimas e outros suprimentos que não fabricamos, vêm da Ásia, Índia, Estados Unidos, Europa, e pagamos em dólar”, comenta Zani, que acrescenta: “Por causa da pandemia, essas fábricas

de química fina diminuíram o ritmo de produção, o fornecimento foi menor, então chegou muito mais caro”. Em 2021, o pessoal da nutrição animal ficará ainda mais com um olho no crescimento da demanda e outro na elevação do custo de produção. “Embora o setor vá muito bem, é preciso fazer a distinção de que o custo é muito alto. É um paradoxo”, avalia Zani. Ele comenta haver certa tranquilidade em relação ao abastecimento de milho, pelo menos para o primeiro trimestre do ano, mas o preço será menor para os agricultores. No caso da soja, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), do Ministério da Economia, derrubou a cobrança de impostos de importação para grão, farelo e óleo, até 15 de janeiro. “Há muito tempo eu

PRODUÇÃO DE RAÇÕES ESTIMATIVA DO PRIMEIRO SEMESTRE 2020 Setor Produção 2020 Comparação (milhões ton.) com 2019 (%) Frango de corte 17,50 5,0 Poedeiras 3,50 7,0 Suínos 8,40 4,5 Bovinos de leite 2,80 5,0 Bovinos de corte 2,30 6,9 Cães e Gatos 1,40 5,5 Equinos 0,30 3,5 Aquacultura 0,76 11,5 Outros 0,24 0,0 TOTAL GERAL 37,2 5,2

Ag

dizia que temia que o Brasil viesse a importar farelo de soja produzidos com grãos que a gente exportou. Na época, diziam que eu estava paranoico, porque o setor estava crescendo, ampliando área plantada, mas hoje está aí a importação de soja”, comenta Zani. O Brasil é o maior exportador mundial de soja. Como para os demais setores de insumos agropecuários com grande concentração no estado de São Paulo, a questão tributária também será uma preocupação central em 2021. Sobretudo pela entrada em vigor, a partir de janeiro, do Decreto 65.254/2020, medida tomada pelo governo paulista que aumenta o impacto do ICMS sobre diversos segmentos. “São Paulo reúne praticamente um quarto de toda a cadeia produtiva brasileira de alimentação animal e produziu 11% dos mais de 77 milhões de toneladas de rações do Brasil em 2019”, acrescenta Zani. Essas empresas podem perder competitividade em r elação às demais localizadas fora do estado.”

Fonte: Sindirações PLANT PROJECT Nº23

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TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO PROATIVA O mercado de defensivos agrícolas foi impactado por fatores como câmbio e clima. A valorização do dólar frente ao real tornou os custos de produção mais elevados, ao mesmo tempo em que aumentou a margem de rentabilidade dos agricultores, principalmente no caso das commodities destinadas à exportação. No caso das variações climáticas, o alongamento da estiagem em várias regiões levou os produtores a ajustarem tanto a aquisição de insumos quanto o manejo para aproveitar melhor as janelas de plantio. No entanto, em termos gerais, a expectativa é de estabilidade no balanço final dos negócios com defensivos. De acordo com o estudo Perspectivas para o Agronegócio Brasileiro 2021, elaborado pelo Rabobank, esse mercado chegar a US$ 13,7 bilhões em 2020. O 34

documento diz que, para 2021, os preços dos defensivos continuarão a ser influenciados pelos preços das commodities e pela relação cambial. Esses indicadores são essenciais no planejamento dos agricultores e das cadeias produtivas em todas as safras, mas há outros temas ganhando espaço na agenda de prioridades do setor. Um desses temas é a comunicação, área considerada como desafiadora para grande parte dos segmentos do agronegócio brasileiro, e por diferentes razões. “Ainda precisamos apresentar o que a tecnologia faz de bom e o que nós fazemos, inclusive dentro de controle regulatório, segurança e preservação”, diz Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil, associação criada em outubro de 2019 e que reúne os principais representantes de quatro áreas da produção agrícola


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sustentável – germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos. Lohbauer afirma ser muito importante para o setor falar claramente com a sociedade, até porque os defensivos têm tomado o lugar dos alimentos transgênicos frente à pressão dos consumidores. Esse desafio da comunicação passa tanto pelo conteúdo quanto pela forma como as mensagens são entregues ao público de maneira geral. “Ainda não encontramos uma solução, mas a conscientização de que há essa dificuldade já é um começo”, diz. “Passamos a trabalhar com diferentes interlocutores e falando de um jeito diferente”, acrescenta o dirigente, referindose a um programa de entrevistas veiculado no Portal Uol. A conversa conduzida pelo jornalista Zeca Camargo teve a participação do próprio Lohbauer e da toxicologista Cristiana Corrêa, para falarem sobre a relação dos defensivos com produção agrícola, qualidade e segurança de alimentos, evolução das pesquisas científicas. “Não é mais só falar de ciência, é de segurança alimentar”, diz o presidente da CropLife Brasil. Esse assunto ficou ainda mais palpitante com o evento da Covid-19, que intensificou a preocupação global com a segurança dos alimentos, os riscos de contaminação, entre

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outros pontos. Nesse ponto, informar sobre evolução tecnológica é um grande desafio. “Estamos tentando comunicar que um fabricante de defensivos agrícolas é uma indústria de tecnologia, com investimentos gigantes em pesquisa para descobrir novas técnicas, não só novas moléculas”, comenta Christian. Exemplo da evolução tecnológica e do amadurecimento na relação com a segurança dos alimentos e a sustentabilidade é o avanço do uso de insumos biológicos na produção agrícola, inclusive com o investimento de grandes indústrias de defensivos químicos nesse segmento. Não por acaso, o mercado nacional de biodefensivos faturou R$ 675 milhões em 2019, resultado 15% maior do que no ano anterior. Em maio de 2020, o próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) lançou o Programa Nacional de Bioinsumos. A tendência é de que esse movimento continue crescendo. “A grande sacada foi a integração dessas tecnologias para que possam ser usadas da maneira mais interessante em cada situação”, comenta Lohbauer, que deixa também um alerta: “Criou-se a ideia de que tudo o é bio é bom. E não é bem assim, pois o biológico é um organismo vivo, se for usado de maneira errada pode influenciar o ambiente”. PLANT PROJECT Nº23

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GENÉTICA EM DOBRO

Quando a Asbia (Associação Brasileira de Inseminação Artificial) fechou o relatório de vendas de sêmen de 2019, com mais de 18,5 milhões de doses comercializadas – entre gado de corte e de leite – e aumento de 18% sobre o ano anterior, o presidente da entidade, Márcio Nery, cravou que em 2020 seria possível praticamente dobrar esse crescimento. “Nossa perspectiva é chegarmos a 25 milhões de doses. Eu já havia comentado isso em janeiro deste ano, e olha que tenho acertado bastante”, diz o dirigente. O Relatório Index Asbia é produzido em parceria com o Cepea (Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada), da Esalq-USP. Se de fato essa meta for alcançada, representará evolução de 35% sobre os resultados de 2019. A segurança de Nery em relação 36

a essa expectativa vem de uma combinação de fatores, entre eles sua experiência de 20 anos no setor, e dos números contabilizados ente janeiro e setembro de 2020. Nesse período, as vendas de sêmen chegaram a quase 17 milhões de dose, volume 30% maior que o registrado no mesmo período do ano anterior. “A pecuária de corte avança com muito vigor e a de leite vem crescendo bem a cada trimestre. E os últimos três meses serão ainda mais fortes, pois com o atraso das chuvas as estações de monta também serão estendidas”, explica Nery. O presidente da Asbia acredita que a tendência para 2021 é o setor da carne bovina continuar forte, com demanda elevada por fêmeas Nelore para reposição. Como a raça zebuína é predominante no rebanho nacional, pressupõese um mercado aquecido. “Segundo o Cepea, já estamos


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com 16% das vacas de corte inseminadas. Se pegar nossos concorrentes, como Austrália, Estados Unidos, Uruguai e Argentina, não chegam a 8%, em média. Podemos chegar a 25% no corte e 20% no leite em quatro anos, e isso não é o limite”, destaca Nery. O dirigente ressalta outros indicadores que reforçam o otimismo para o setor de genética bovina. “Temos um fluxo de novos entrantes no negócio, o que é confirmado pela venda de botijões [de nitrogênio]”, diz. “A adesão à tecnologia é crescente, inclusive inseminação artificial em tempo fixo e sêmen sexado.” Para Nery, quanto mais os produtores compreenderem os benefícios do uso de sêmen bovino, maior será o crescimento do setor de genética e a eficiência da pecuária como um todo. “A genética representa entre 1% e 2% do custo total da atividade. É um insumo barato, permanente e cumulativo”, explica. “E quando investe em genética, em sêmen, acaba trabalhando melhor fatores como sanidade, nutrição, fertilidade, e isso contribui para reduzir custo.” É tudo uma questão de se adaptar à tecnologia. E se depender da agilidade com que o agronegócio respondeu ao cenário de pandemia da Covid-19, muito mais porteiras devem se abrir para as

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inovações tecnológicas. Como a maioria dos segmentos agropecuários, a indústria de genética bovina rapidamente adotou protocolos sanitários de proteção e passou a compartilhar conhecimento técnico sobre a situação, além de mensagens positivas. Grandes desafios vieram da logística. “Quando tudo começou a fechar, em março, a Asbia conseguiu um documento de livre trânsito para os profissionais do setor, para que pudessem prosseguir quando fossem parados em barreiras sanitárias”, diz Nery, destacando que a logística foi o maior desafio naquele momento. “Os postos de combustíveis estavam fechados, não tínhamos hospedagem nem transporte dos produtos, travou exportação. Só a partir de julho é que começou a clarear um pouco.”

VENDAS DE SÊMEN (JAN/SET)

Ano Doses 2020 16.696.269

Ano Doses 2019 12.837.333

Variação 30,1%

Outros dados do período entre janeiro e fevereiro de 2020 • 4.146 – Número de municípios brasileiros que utilizaram inseminação artificial (75% do total) • 42% – Aumento das vendas de sêmen – corte* • 18% – Aumento das vendas de sêmen – leite* • 9,8 milhões – produção de doses de sêmen – corte • 7,5 milhões – produção de doses de sêmen – leite *na comparação com o mesmo período de 2019

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O presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), João Carlos Marchesan, fala com entusiasmo sobre as expectativas do setor para 2021, ainda que a Covid-19 represente um grande risco à saúde da população e ao próprio agronegócio. “A perspectiva para o ano que vem é a mesma deste ano”, afirma. Essa certeza é sustentada pelas ações emergenciais para conter o avanço do coronavírus no setor e pelos resultados no campo. O agro não parou, nunca para, e segundo o dirigente mostrou muita competência. Marchesan avalia que o cenário otimista é sustentado por aumento de área plantada e de produção e pela fórmula dos “quatro cês” que favorecem o agricultor: câmbio, crédito, clima e commodity. No caso dos produtores que exportam commodities e acabam sendo beneficiados pela desvalorização do real frente ao dólar. “Maior parte da safra de 2020 já estava fechada, agora estão negociando a de 2021 e a de 2022”, comenta. O câmbio como está favorece também a exportação de máquinas agrícolas. “Em torno de 40% do que as indústrias da Abimaq produzem é exportado”, diz. “E sempre há a chance de abrirmos novos mercados, temos

INSUMO MECÂNICO E DIGITAL trabalhado para isso.” No mercado interno, o horizonte é bem amplo. Marchesan afirma que 50% da frota nacional de máquinas já tem entre 10 a 12 anos. “Estão tecnologicamente defasadas, e o agro precisa de produtividade”, comenta o dirigente, destacando a importância da Agricultura 4.0. “Precisamos da inclusão digital no setor de forma que o agricultor possa monitorar em tempo real toda a produção no campo.” Foi esse avanço na digitalização que ajudou a indústria de máquinas agrícolas e diversos outros segmentos do agro a superarem o

MÁQUINAS AGRÍCOLAS E RODOVIÁRIAS Ano Vendas internas Exportação Produção (Jan-Nov) (unidades) (unidades) (unidades) 2020......................42.071.......................................8.042..............................42.952 2019.......................40.514.......................................11.924.............................50.838 Fonte: Anfavea

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cancelamento de grande parte das feiras agropecuárias. Não é difícil imaginar a aflição, para dizer o mínimo, de organizadores e expositores de um evento como a Agrishow (a Abimaq é uma das realizadoras), por exemplo, que em 2019, ao completar 25 anos de existência, atraiu quase 160 mil visitantes a Ribeirão Preto (SP) e registrou volume de negócios próximo de R$ 3 bilhões. Foi preciso encontrar rever conceitos. “As empresas que estão digitalizadas têm investido para manter o produtor conectado, como foi o Agrishow Experience”, comenta Marchesan, sobre o novo formato do evento, totalmente digital, que reuniu mais de 20 horas de conteúdo ao vivo e gravado. O otimismo que substituiu a apreensão com a chegada da Covid também é sustentado pelas condições para os


Perspectiva

agricultores investirem. “Os recursos do Moderfrota, que deveriam durar até junho do ano que vem acabaram em outubro. O agricultor está capitalizado, vendo o quanto está retornando para ele, investindo em insumos, em máquinas”, avalia o presidente da Abimaq. A opinião de Marchesan é reforçada por Alexandre Bernardes de Miranda, vicepresidente da Anfavea (Associação Nacional de

Fabricantes de Veículos Automotores). Segundo o dirigente, mesmo que os recursos do Moderfrota tenham se esgotado, os produtores não ficaram desamparados. “A ministra Tereza Cristina [Agricultura] vem atuando junto ao Ministério da Economia para não desassistir os agricultores. O BNDES, inclusive, havia disponibilizado outra opção de crédito agrícola para assistir os produtores, mesmo com juros um

Ag

pouco acima do Moderfrota”, explica Miranda. “O governo está olhando essa questão com bons olhos, porque o agro é pujante.” De acordo com a Anfavea, o agro também tem impulsionado o segmento de máquinas rodoviária, para o desenvolvimento de questões logísticas. Os desafios, de maneira geral, ficam por conta dos altos custos de matéria-prima, com os reajustes para o aço – e aí questão cambial tem efeito contrário.

FUTURO BEM EMBALADO

Costuma-se dizer que o segmento de papelão ondulado é um bom termômetro do setor de alimentos, por ser a matériaprima que protege 75% de tudo quanto é produto embalado no mundo, segundo a Associação Brasileira do Papelão Ondulado (ABPO). Essa relação ficou ainda mais explícita durante o isolamento provocado pela Covid-19, com tanta gente optando pelo comércio on-line e

recebendo suas compras em casa. “O e-commerce no Brasil representava pouco mais de 5% das vendas totais do varejo e subiu para 12% durante a pandemia”, diz Gabriela Michelucci, presidente da ABPO. O segmento de delivery de comida teve grande participação nessa mudança de hábito do consumidor final. “A entrega da alimentação também disparou, por conta dos restaurantes

fechados e do aumento de refeições sendo transportadas direto para a casa das pessoas, demandando mais embalagens de papel”, acrescenta a executiva. O desempenho do setor de embalagens também foi registrado em várias ondas no primeiro semestre de 2020. Gabriela conta que a partir do crescimento de 5,8% nos dois primeiros meses do ano, o setor já projetava evolução de 2,6% para PLANT PROJECT Nº23

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2020. O início da pandemia, em março, e o receio do desabastecimento geraram alta de 11%, que foi seguida por uma queda de 2,4% em abril e outra redução, de 12,5%, em maio. “Mas na segunda quinzena de junho já iniciamos a retomada”, diz a presidente da ABPO. Com a entrega de embalagens para os segmentos de alimentos, fármacos, higiene e limpeza, higiene pessoal, produtos descartáveis, e-commerce, e a retomada da indústria de bens duráveis e semiduráveis, o setor de papelão ondulado produziu mais de 1,76 milhões de toneladas no primeiro semestre, volume 2,1% maior do que nos seis primeiros meses de 2019. Esse movimento continuou na segunda metade do ano, chegando a 15,4% de aumento em setembro na entrega de caixas, acessórios e chapas de papelão ondulado, comparado ao mesmo mês de 2019. “A projeção da Fundação Getúlio Vargas é de que o crescimento em 2020 passe de 5%. Com a expectativa de que continue assim em 2021, pelo menos até o primeiro trimestre”, comenta Gabriela. Como consequência, a evolução da demanda trouxe um alargamento no prazo de entrega. “Os prazos que costumavam ser de 7 a 30 dias se estenderam. A previsão de regularização nas entregas é de médio prazo, a depender de como seguirá a economia, principalmente em função do término do auxílio emergencial”, diz a executiva. Este será o grande desafio do 40

setor para 2021. Gabriela destaca haver muitas oportunidades de ganhar mais espaço no agronegócio, sobretudo pela capacidade de o setor ofertar embalagens customizadas, atendendo às necessidades de cada produto. “Ainda há registros de perdas importantes de safras pelo acondicionamento inadequado de frutas e legumes, e o segmento está pronto para acondicionar de gengibre à uva”, afirma. Ela comenta que a indústria de papelão ondulado já atende toda a exportação brasileira de frutas, produtos que vão de um continente a outro, atravessando oceanos, e chegam intactos e protegidos para o consumidor. Outro fator que favorece a evolução do setor é a questão da sustentabilidade, pois o papelão ondulado é um material 100% reciclável e 100% produzido a partir de fontes de matériasprimas renováveis. “A maior vantagem das embalagens de papel, papel cartão e papelão ondulado é sua rápida decomposição na natureza, em relação aos demais materiais de embalagens”, diz Gabriela sobre em relação à tendência global de reduzir a utilização de material plástico. A executiva chama a atenção também para a relevância da reciclagem do papelão ondulado. “O Brasil figura entre os principais países recicladores do mundo, com 4,1 milhões de toneladas retornando ao processo produtivo, segundo a associação Indústria Brasileira das Árvores (Ibá).”


Perspectiva

Ag

MAIS PREVENÇÃO PARA A SAÚDE ANIMAL

A indústria de saúde animal espera fechar 2020 com faturamento entre 7% e 9% maior do que no ano anterior, quando somou R$ 6,5 bilhões. Se confirmado, esse resultado ficaria próximo dos últimos três anos, conforme dados do Sindan (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal): 9,4% em 2019, 9,6% em 2018 e 8,5% em 2017. Mas olhando além desses números, este é um ano muito diferente, a começar pelos impactos da Covid-19, que já influenciam as estratégias para 2021. A revisão do portfólio de produtos por parte das indústrias é um exemplo. Ao final da terceira rodada da pesquisa Termômetro da Indústria de Saúde Animal, realizada pelo Sindan, cerca de 60% das empresas consultadas confirmaram a possibilidade de enxugar o portfólio devido ao aumento de custos durante a pandemia. Emílio Salani, vice-presidente executivo da entidade, esclarece não se tratar, necessariamente, da retirada de produtos, pode ser um ajuste na variedade de opções, por

exemplo. “Cada uma tem um peso na lucratividade, no custo de produção, logística e tipo de embalagem. Pode ser que um determinado produto, disponível com 50 ml e 100 ml, passe a ser oferecido em apenas uma das opções”, diz o dirigente, lembrando que dificilmente as indústrias se desfazem do portfólio, por ser um dos seus grandes ativos. Outro desafio significativo para o setor de saúde animal está na campanha nacional de vacinação contra febre aftosa. No início de setembro, o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) definiu mais quatro estados como áreas livres de aftosa sem vacinação – Acre, Paraná, Rio Grande do Sul e Roraima –, além de regiões do Amazonas e de Mato Grosso. Essa condição, que precisa ser reconhecida pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e é pleiteada também por outros estados, fortalece a pecuária brasileira frente ao mercado internacional, mas para a indústria de saúde animal também significa queda

de faturamento. O segmento de bovinos representa mais da metade dos negócios do setor. Segundo Salani, a indústria veterinária pode faturar R$ 3,5 bilhões com bovinos, em 2020, sendo R$ 240 milhões só de vacinas. Salani afirma que o Sindan não se opõe ao avanço desse processo, mas pede precauções. “Nos avisem com um ano de antecedência sobre as mudanças, porque nosso ciclo de produção da vacina é de oito a dez meses”, diz. O dirigente ressalta ainda a importância dos procedimentos para a retirada da vacinação. “O processo de validação dura dois anos, e se acontece alguma coisa você tem 90 dias para resolver, ou pode até perder o título de livre de aftosa com vacinação”, alerta. Outro tema que entra na pauta do planejamento para 2021 é o Decreto nº 65.254/2020. A medida entra em vigor no dia 1º de janeiro e vai impactar todos os setores de insumos agropecuários, porque limita isenções do ICMS para várias operações. No caso da indústria veterinária, pode pesar ainda PLANT PROJECT Nº23

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mais porque, segundo Salani, entre 70% e 80% dos laboratórios estão em terras paulistas, inclusive os dez maiores. “Entendemos que foi uma facada essa mudança em São Paulo. A lei é complexa porque tira uma série de isenções e atinge diversos produtos”, comenta. “Isso pode gerar evasão de empresas do estado. Estamos levantando informações de faturamento e número de funcionários das empresas para termos dados mais exatos sobre os impactos financeiros.”

TERMÔMETRO DA INDÚSTRIA DE SAÚDE ANIMAL Esses dados são um recorte da pesquisa feita pelo Sindan com suas associadas e reflete o comportamento dessas empresas após um período de 120 de isolamento por causa da Covid-19. • 22,9% não registrou caso da doença • 22,9% continuava sem visitar clientes • 68,6% havia retornado parcialmente ao trabalho • 77,1% permanecia em home office • 40,0% continuavam com dificuldades para importar insumos • 22,9% superaram totalmente as dificuldades para importar insumos • 74,3% teve aumento nos custos de insumos • 60% considera reduzir portfólio de produtos (maior parte por aumento de custos) • 48,6% atingirão o planejamento do ano • 42,9% terão o planejamento impactado negativamente pela crise Fonte: Sindan

SEMENTES DE CONHECIMENTO Um dos comentários mais citados durante a pandemia da Covid-19 foi “isso vai ficar”. Para o setor de sementes, o avanço da digitalização e a preocupação da sociedade com a qualidade e a rastreabilidade dos alimentos são fatores que permanecerão e que já provocam outras mudanças permanentes. “O 42

home office é hoje uma prática que veio para ficar”, comenta José Américo Pierre Rodrigues, presidente da Abrasem (Associação Brasileira de Sementes e Mudas), quando fala sobre os impactos desse período. Em termos de negócios, o mercado “girou” normalmente, diz Américo, acrescentando que

só no início da pandemia houve um pouco mais de dificuldade. “Mas contamos com forte apoio do comitê de crise instalado no Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) para solucionar problemas pontuais.” Segundo o dirigente, houve uma adaptação muito rápida da maioria das atividades para as


Perspectiva

plataformas digitais, tanto as comerciais quanto de treinamento, ações dos comitês técnicos e eventos. Com os canais de comunicação digital, a Abrasem ganhou até mais potência no trabalho de prevenção e combate ao comércio de sementes piratas, um problema sério do setor que mostramos na edição 19 da PLANT. Segundo a Abrasem, o prejuízo no segmento nacional de sementes por causa da pirataria passa de R$ 2,4 bilhões por ano, praticamente 10% do faturamento previsto para o setor em 2020. Os mercados mais atingidos acabam sendo os mais representativos, como os de sementes de soja e milho, estimados em R$ 11,2 bilhões e R$ 8,0 bilhões, respectivamente. O maior envolvimento com as ferramentas digitais também foi primordial para a transformação no setor de hortifrúti, sobretudo para os pequenos produtores, que corriam o risco de reduzir o investimento em sementes e outros insumos. O fechamento de escolas e restaurantes impactou fortemente esse grupo de agricultores. Os médios e grandes, que fornecem para supermercados, viram a demanda aumentar, porque as pessoas passaram a preparar suas refeições em casa. Vieram então as inovações que certamente vão permanecer em 2021 e nos próximos anos.

“Os pequenos produtores tiveram de se reinventar, desenvolver novos canais, compras locais, vendas pelo WhatsApp com entrega na porta. Essa proximidade, que parece algo muito pequeno, acabou se tornando uma ótima saída. Tirou o atravessador, inclusive”, afirma Paulo Koch, presidente da Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas (ABCSEM). Por conta dessas adequações, o próprio o segmento de sementes de HF passou a se comunicar mais diretamente com o consumidor final. “Trabalhamos com um bem intermediário, então para fazermos o negócio girar temos de gerar demanda na outra ponta da cadeia. Para fazer o mercado crescer, não posso lidar apenas com o produtor agrícola”, avalia Koch. E essa relação com o consumidor final é determinante para transformar desafios em oportunidades, pois ele ficou mais exigente em relação à rastreabilidade dos alimentos e ao que esses produtos representam para sua saúde. Tudo isso está bastante ligado ao poder aquisitivo da população, pois como explica Koch, o público da classe A já consome produtos premium que atendem bem às exigências por qualidade e origem; as classes C, D e E acabam optando muito mais pelo fator preço; a maior novidade nessa demanda

Ag

vem mais da classe média. De qualquer forma, o presidente da ABCSEM aposta que o consumo de hortaliças, por exemplo, continuará tendo volumes altos nas classes A, B e C, inclusive pela contribuição desse alimento do ponto de vista imunológico. Se do lado do hortifrúti a conscientização das pessoas quanto aos benefícios de uma alimentação mais saudável é um potencial estímulo, do lado das principais commodities é a manutenção dos preços dos grãos em patamares elevados que vai incentivar o aumento de área plantada nas próximas safras. Foi exatamente por isso que ocorreu a antecipação da compra de sementes em 2020, deixando a oferta do insumo bem ajustada. Mas para Américo, presidente da Abrasem, é preciso superar o desafio do “marco regulatório” do setor para manter o crescimento com mais solidez. Segundo o dirigente, a legislação do setor deveria acompanhar a evolução que a indústria de sementes promoveu ao longo dos anos. “Necessitamos de uma visão, por parte dos órgãos reguladores, mais moderna, simplificando essas legislações e normas, priorizando a qualidade final do produto, melhorando as ferramentas para se combater a pirataria, priorizando o respeito à propriedade intelectual”, diz o dirigente. PLANT PROJECT Nº23

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foto: Romualdo Venâncio

Ag Pecuária

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DNA LEITEIRO Novo estudo sobre genômica pode acelerar o processo de seleção genética do Girolando, raça bovina com maior participação na produção nacional de leite, e dar mais visibilidade ao Brasil no cenário mundial da pecuária Por Romualdo Venâncio

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foto: Romualdo Venâncio

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caba de ser publicado no Journal of Dairy Science um artigo científico inédito sobre genômica de bovinos Girolando. Dois fatores a serem considerados aqui. Primeiro, esse gado mestiço formado a partir do cruzamento das raças Gir Leiteiro, zebuíno originário da Índia, e Holandesa, taurina de origem europeia, responde por cerca de 80% da produção de leite do País, de acordo com a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando. Segundo, o Journal of Dairy Science é considerado o periódico mais importante em matéria de ciência relacionada à indústria laticinista, e pertence à American Dairy Science Association, entidade norte-americana sediada em Illinois (EUA) com mais de 110 anos de contribuição para a evolução do setor lácteo. Essa equação, por si só, já é um

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prenúncio de boa notícia. O ponto alto desse novo estudo é que, pela primeira vez, foi aplicada em bovinos a abordagem breed-of-origin of alleles (BOA), antes usada apenas em aves e suínos. Ela permite identificar a origem dos alelos dos marcadores moleculares, neste caso, referentes a características adaptativas e de produção de leite. “Cada marcador tem dois alelos, então podemos ter um vindo do Gir e outro do Holandês, os dois vindos do Gir ou os dois vindos do Holandês. A tecnologia genômica nos dá ferramentas para identificar como surge essa composição”, afirma Pamela Itajara Otto, autora da tese de doutorado que gerou o artigo em questão, chamado de Single-step genome-wide association studies (GWAS) and post-GWAS analyses to identify genomic regions and candidate genes for milk yield in

Brazilian Girolando cattle. É preciso entrar um pouco mais nessa matemática genética para visualizar melhor a dimensão dos benefícios dessa pesquisa. O Girolando pode ter diferentes configurações levandose em conta os graus de sangue de suas raças formadoras. Como o produto do primeiro cruzamento entre o Gir e o Holandês, que é o animal 1/2 sangue. No caso de uma fêmea, se acasalada com um reprodutor da raça Holandesa vai gerar um animal 3/4 taurino e 1/4 zebuíno, e na geração seguinte, em um acasalamento da fêmea 3/4 com um touro Holandês, surge o 5/8 taurino. Essas proporções podem variar mais para um lado ou para outro, e essa flexibilidade é um dos diferenciais da raça mestiça, pois permite ao criador escolher o perfil de bovino mais adequado às condições de sua região, de sua fazenda e de seu


Pecuária

sistema produtivo. Como há diversos caminhos para se fazer essa combinação, quanto mais se sabe sobre quem contribui com qual característica para o rebanho, mais assertiva será a seleção. “Esse estudo, com o uso de marcadores moleculares, fornece uma abordagem poderosa para a identificação de regiões no genoma, onde podem estar localizados genes associados a diversas características de importância econômica”, diz Pamela, que é médica-veterinária, doutora e pós-doutoranda em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). O artigo sobre a abordagem BOA também é assinado por Simone Guimarães, professora da UFV; Mario Calus e Jeremie Vendenplas, professores da Wageningen University & Research (Holanda); e Marco Machado, João Cláudio Panetto e Marcos Vinícius Barbosa da Silva, pesquisadores da Embrapa Gado de Leite. SELEÇÃO ACELERADA O trabalho realizado por Pamela é um novo e importante passo na evolução genética do Girolando, processo que começou a ganhar força em 1997, com a implantação do teste de progênie da raça. Dez anos mais tarde, teve início o Programa de Melhoramento Genético do Girolando (PMGG), desenvolvido pela Associação Brasileira dos Criadores de Girolando e pela Embrapa, cooperação que foi ampliada em 2012, com o projeto

de seleção genômica, uma parceria público-privada (PPP) envolvendo também a central de inseminação CRV Lagoa e a empresa de saúde animal Zoetis. As características avaliadas pela genômica foram produção em uma lactação de 305 dias, intervalo entre partos e idade ao primeiro parto. A abordagem BOA pode otimizar os ganhos já conquistados até o momento, inclusive para o Gir Leiteiro, cuja seleção genética tem menos tempo do que a da raça Holandesa. A inédita análise vai mostrar exatamente qual é a contribuição de cada uma delas para o desempenho do Girolando. Marcos Vinícius, da Embrapa, que coordena as avaliações genéticas e genômicas do PMGG, analisa esse avanço comparando a seleção tradicional à realizada com os marcadores moleculares. A começar pela duração da seleção de um reprodutor por meio da primeira opção, que pode levar de seis a oito anos com um custo elevado. “É preciso coletar o sêmen do touro e distribuí-lo em alguns rebanhos, depois esperar que suas filhas nasçam, se desenvolvam ao ponto de emprenharem e comecem produzir. Aí se inicia a avaliação do reprodutor”, explica. Pela genômica, basta um chumacinho de pelos da bezerra, logo que nasce, para fazer a análise do potencial produtivo com base nos marcadores moleculares. “O custo com essa fêmea, do nascimento até a primeira lactação, o que dura cerca de três anos, é de R$ 4 mil. E sem retorno

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Pamela Otto, autora da tese que originou o artigo, e Marcos Vinicius, da Embrapa

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foto: Divulgação

Para Laiza Iung, da CRV Lagoa, e Odilon Filho, da Girolando, avanço em genômica aquece o mercado de genética bovina

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nesse período, pois o animal não está produzindo. Imagine o quanto posso economizar se, em um grupo de 100 fêmeas, eu conseguir identificar, com antecedência, quais são as 20 ou 30 melhores, que geralmente é o necessário para reposição no rebanho. Ao evitar o custo de manter todas as 100, eu tenho o lucro indireto”, analisa o pesquisador. “E depois vem o lucro direto, pelo aumento de produção consequente da seleção genética.” A biotecnologia dá condições para que isso seja feito até mesmo antes de o animal nascer, pois basta uma célula do embrião para a avaliação. “Há três anos colocamos a genômica à disposição dos produtores e hoje colocamos o Brasil no mesmo patamar que outros países, como Estados Unidos e Holanda”, diz Marcos Vinícius. Com isso, o Girolando, que já vem conquistando mercado em diversos países de clima tropical, ganha ainda mais projeção no cenário mundial. Até porque, na maior parte dos casos,

a exportação vai além do material genético, leva um pacote tecnológico de pecuária para os trópicos. “A genômica é uma grande ferramenta para aumentarmos a exportação genética do Girolando. A publicação desse artigo só fortalece nossa marca”, destaca Odilon de Rezende Barbosa Filho, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Girolando. O dirigente comenta que essa relação comercial já abrange países da América Central, da América do Sul, da África e da Ásia. Odilon também é criador e trabalha com produção de genética Girolando. Sua propriedade, o Rancho do Odilonzinho, fica no município de Chácara (MG), na Zona da Mata. Ele aposta alto nesse momento de evolução da raça. “Será antes e depois do genoma”, afirma. A participação dos produtores é fundamental para que esse movimento continue numa curva ascendente. “O criador está cada vez mais seguro do quanto essa


Ambiente

ferramenta auxilia no dia a dia da fazenda e que ela veio para ficar. Temos feito um trabalho diário de formiguinha com todo o nosso departamento técnico para levar informação aos associados. Agora ainda mais com os recursos para reuniões online.” Essa aproximação também contribui com a valorização da tecnologia, porque tão importante quanto ter informações à disposição é saber como utilizá-las. A responsabilidade é compartilhada com as empresas que comercializam a avaliação genômica do Girolando. MERCADO MAIS FORTE A participação da CRV Lagoa e da Zoetis nesse projeto de seleção genômica deu origem ao Clarifide® Girolando, primeiro produto brasileiro de avaliação genômica para rebanhos leiteiros. A comercialização do produto é exclusividade das duas empresas, mas o acesso à prestação de serviço é aberto para as demais companhias de genética bovina. “A ideia é buscar a melhoria da raça, então é importante que a tecnologia seja utilizada em mais rebanhos”, diz Laiza Iung, supervisora técnica em genômica da CRV Lagoa. Essa abrangência impacta até nas expectativas do mercado de sêmen. Laiza acredita que, mesmo com a pandemia da Covid-19, as vendas do Girolando possam alcançar 1 milhão de doses este ano, somando todas as centrais de inseminação artificial. Considerando todas as raças

Ag

leiteiras, no primeiro semestre de 2020 foram comercializadas mais de 2,5 milhões de doses de sêmen, segundo dados da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia). Esse volume é quase 10% maior do que o alcançado no mesmo período de 2019. Laiza afirma que boa parte dessa perspectiva está relacionada ao elevado nível de acurácia da genômica quanto ao que se pretende nos acasalamentos. “Antes, a acurácia era de 18%, hoje já está entre 60 e 70%, dependendo da relação entre as informações de DNA e do banco de dados que se tem sobre os animais e os rebanhos”, diz. Toda a bateria de reprodutores Girolando da CRV Lagoa – cerca de 30 animais – já tem a genotipagem. Mas o leque de opções à disposição do mercado é bem maior, a edição 2020 do sumário de touros do PMGG traz 121 reprodutores já com avaliação genômica, isso é praticamente o dobro do que havia no ano passado. Para Laiza, o estudo realizado por Pamela pode incrementar essa acurácia, pois saber qual raça está contribuindo mais com uma determinada característica aumenta a segurança na indicação de um acasalamento. “A pecuária ainda não é tão tecnológica quanto a agricultura, mas pode avançar bastante com ferramentas como a genômica”, afirma. Ela também chama a atenção para a relevância das informações que vêm do campo, PLANT PROJECT Nº23

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foto: Divulgação

das análises dos resultados na prática. O Sumário de Fêmeas do PMGG, por exemplo, conta com registros zootécnicos de mais de 236 mil animais, com informações de controle leiteiro e genealogia. São esses dados que vão calibrar a leitura da genômica, que por maior que seja o grau de confiabilidade ainda se trata de uma previsão. Além das três características já citadas sobre produção e reprodução, o Clarifide® pode apresentar outros dados, caso o cliente solicite, como verificação de informações de pedigree, componentes do leite – a exemplo da beta-caseína A2 – e doenças comuns no gado de leite, tais como mastite, metrite, algumas respiratórias, claudicação, retenção de placenta e deslocamento de abomaso. “Estamos preocupados com o bem-estar animal, não é só saúde, e pela genética podemos selecionar bovinos mais resistentes, que não necessitem 50

tanto de antibióticos, e sejam mais produtivos por mais tempo”, diz Cleocy Júnior, gerente de Marketing Bovinos de Leite e Genética da Zoetis. Foi essa preocupação que levou produtores dos Estados Unidos a reverem as prioridades do processo de melhoramento genético de seus rebanhos leiteiros. Durante muito tempo, só se pensava em volume de leite, em aumentar a produção diária por vaca, o que acabou comprometendo a longevidade dos animais. “Houve um período em que a duração média de uma vaca nos rebanhos dos EUA mal chegava a duas lactações. Isso tem um impacto muito grande na reposição, um dos custos mais altos do rebanho”, afirma Cleocy. Quando se cuida do bem-estar da vaca, ela pode chegar a cinco lactações, produzindo com eficiência. Cleocy também ressalta a importância da genômica para ajustar o trajeto quando há uma


Ambiente

A FILHA DO CLONE Outra boa notícia em relação à genética de gado de leite é o nascimento da bezerra Florida da Cerrados, que aconteceu no dia 31 de agosto, no Centro de Tecnologia em Raças Zebuínas Leiteiras (CTZL) da Embrapa Cerrados, unidade localizada no Distrito Federal. Florida é filha da vaca Acácia da Cerrados TN, o primeiro e único clone da raça Gir Leiteiro. Acácia é um clone da vaca Calidora, também do CTZL, e foi gerada a partir da técnica de transferência nuclear, daí a sigla TN no nome. “O nascimento da Florida é a comprovação de que a reprogramação nuclear do processo de clonagem que gerou a Acácia foi bem-sucedido”, diz Carlos Frederico Martins, pesquisador e supervisor do CTZL. Mais uma possibilidade gerada pela evolução da biotecnologia: Florida também é filha do touro PH Uísque, que já morreu, mas ainda há sêmen dele disponível em uma central de inseminação.

foto: Breno Lobato

mudança de conceitos, pela necessidade de ter dados mais seguros. “E esse trabalho da Pamela vai nos ajudar a incluir mais características nas avaliações, como longevidade e qualidade do leite – gordura, proteína e células somáticas –, o que esperamos ter em breve”, diz. Mas o gerente da Zoetis faz uma ressalva: “Genética é parte de um todo, se não oferecer bemestar, não adianta”. E isso envolve o cuidado com as instalações e o conforto dos animais, a oferta equilibrada de comida e todos os cuidados com a saúde do rebanho. Por isso, vale o reforço, tão importante quanto ter dados sobre o rebanho é saber utilizá-los. “O pecuarista está evoluindo, não fica mais só no que ele acha e no que o vizinho está fazendo. Está tomando decisões baseado em dados, se especializando, se profissionalizando. Estamos avançando para a pecuária de precisão, utilizando dados micro e não mais só o macro. E transformando isso em ação”, comenta Cleocy. Outra mudança favorável, na opinião do gerente da Zoetis, é a entrada de novas gerações no negócio, pois de maneira geral são mais habituadas à adoção de tecnologias, inclusive a genômica. E, segundo ele, a resistência não é apenas de produtores, mas também de técnicos. “Imagina alguém que a vida toda identificou um bom animal no olho, e era reconhecido por essa habilidade. Como diz um amigo, não dá mais tempo de saber quem são os pais do touro, tem muita informação e a evolução é muito rápida.”

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Com Odílio Balbinotti Filho

ODÍLIO BALBINOTTI FILHO 56 ANOS, CASADO, UM FILHO

Assista aos vídeos desta e de outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.

PRESIDENTE DO GRUPO ATTO

Foto: Divulgação

ENGENHEIRO AGRÔNOMO FORMADO PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ (PR)

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Patrocínio

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sobrenome Balbinotti é rapidamente reconhecido por quem milita há décadas no agronegócio, sobretudo nas regiões produtivas do Mato Grosso. Há quatro décadas a família fixou-se em Rondonópolis e lá construiu uma das maiores produtoras de sementes para grãos do Brasil, a Adriana Sementes. Nos últimos anos, uma atividade intensa tem provocado grandes transformações na empresa, a começar pela troca do nome. Liderada pelo eclético e inquieto Odílio Balbinotti Filho, ela assumiu uma nova identidade como Grupo Atto, como forma de mostrar a diversidade frentes de negócios que haviam sido abertas, todas com foco no agro. Agrônomo amante da tecnologia, Balbinotti também guiou a companhia para a fronteira da agricultura digital e implantou um espírito de startup em um grupo antes tradicional. Nessa entrevista para a série PLANT TALKS, ele conta os primeiros e os próximos passos dessa jornada em direção ao futuro. Confira a seguir os melhores momentos da conversa. Nossas conversas começam sempre com a formação do entrevistado. No seu caso, ela reflete muito o que o Grupo Atto é hoje, com negócios no agro tradicional e na tecnologia... Minha formação é em Agronomia. Eu me formei em 1986 na Universidade Estadual de Maringá. A gente começou atividades aqui no Mato Grosso com agricultura e estamos no ramo de semente há 40

“A agricultura tradicional vai precisar trazer algumas pessoas diferentes para irrigar, para saber explorar melhor esses dados que vêm através das soluções digitais”

anos. É o nosso principal negócio. Hoje o grupo Atto tem também uma iniciativa na área digital. Sou ainda presidente do conselho curador da Fundação Mato Grosso e presidente do conselho de administração da TMG, que é uma empresa de genética de soja, milho e algodão. Exerci por muito tempo a agronomia e hoje eu estou mais na administração. Mas essa parte de tecnologia sempre me atraiu. Quando a internet chegou no Brasil lá por 1993, 1994, eu já estava desenvolvendo softwares. Sempre tive muita vontade de usar essas ferramentas para uma característica minha, que é de ter dados, me organizar e organizar a empresa. Gerar informações que me ajudassem a fazer a gestão. Essa história de desenvolvimento de softwares acabou abrindo a possibilidade de o grupo Atto entrar também com a produção de produtos digitais. Até pouco tempo atrás, o grupo ATTO era mais conhecido como Adriana Sementes. O que levou vocês a fazer essa mudança? Provavelmente muitas pessoas ainda vão conhecer mais A Adriana Sementes do que o grupo Atto. Foram 40 anos utilizando esse nome. Fizemos essa transição por vários

motivos, mas um deles está relacionado a ter um nome mais institucional, um nome que possa ir para os outros países. A empresa está se internacionalizando, então ela precisa de um nome que vá bem também em outros países. Nos últimos anos foram muitas mudanças, inclusive de atitudes. Criamos um nome que mostrava um pouco dessa nossa atitude, dessa nossa vontade de fazer essas transformações, que precisam ser feitas constantemente e, agora, numa velocidade muito maior. Como você vê a participação da tecnologia dentro do total de receitas do grupo nos próximos anos? A produção de sementes é o principal negócio em receitas e assim vai permanecer por um bom tempo. Isso é natural. Negócios tecnológicos, digitais, têm uma tradição de dar muito custo no início. O resultado ele vem mais na valorização do negócio do que na realidade no lucro efetivo. É muito importante para nossa empresa que a gente acesse realmente esse mundo digital, não só como usuário, mas principalmente como uma empresa de soluções digitais. Isso valoriza a empresa no conjunto. PLANT PROJECT Nº23

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Com Odílio Balbinotti Filho

Foi preciso uma mudança de mentalidade interna para trazer um espírito aí de startup para dentro desse grupo tradicional? Sim. Somos produtores de sementes, temos 800 funcionários. É um desafio interno fazer com que essas pessoas utilizem essas ferramentas digitais e se insiram de verdade dentro do mundo digital. A competitividade do Agro vai passar exatamente pelo digital. Não tem outro caminho. É uma estrada que já foi seguida por diversos outros setores da economia e vamos passar na mesma estrada. Tenho feito minha equipe interagir o máximo possível com soluções digitais e também se qualificar, porque não existem no mercado agro pessoas qualificadas para atuar com o digital. Houve uma mudança muito grande no perfil desse time? Sim. A gente começou a trazer outras áreas de conhecimento para dentro da empresa. Com a agricultura que era praticada até então, não precisávamos de algumas áreas tão desenvolvidas como as que a gente teve que desenvolver, como essa parte de TI, de hardware, de manter tudo isso funcionando, de lidar com os dados. Agora nós temos todos uma equipe para lidar com BI (Business Intelligence) para transformar esses dados em visões, mais para gestão efetivamente. Então nossa equipe de TI e de programação triplicou. Mas é pequena ainda, porque realmente a demanda aumentou bastante. A agricultura tradicional vai 54

precisar realmente tentar trazer algumas pessoas diferentes para irrigar, para saber explorar melhor esses dados que vêm através das soluções digitais. Hoje, na gestão do grupo, vocês trabalham com programas desenvolvidos internamente, ou com soluções de prateleira de empresas que produzem soluções digitais? É um mix. Tem algumas soluções que não precisamos desenvolver, sobretudo as administrativas. Então, para ERP, por exemplo, tem diversos excelentes programas para você adquirir e implantar na sua empresa. Mas tem a parte agronômica e do funcionamento das máquinas. Alguns softwares estão trabalhando nessa parte, operam junto com a telemetria, em que você busca os dados lá na propriedade. Isso não existia no ERP tradicional e nem existe ainda. Assim, em algumas áreas da empresa é necessário o desenvolvimento de softwares. No nosso laboratório de controle de qualidade, por exemplo. Não existia um software adequado para nossa realidade. Nós desenvolvemos na empresa. Na área comercial, precisávamos de um portal de

vendas e desenvolvemos na empresa. E daí também surgiram diversos serviços na empresa em que também não existiam soluções prontas. Os sistemas Plantha e o Protege, que são serviços da empresa, são softwares criados por nossa equipe de desenvolvimento. Tudo isso já está integrado? Você consegue hoje ter uma visão 360 da empresa, com os softwares conversando bem entre si? Realmente a integração para nós é o ponto básico. Hoje mesmo estávamos discutindo a aquisição de um outro software de prateleira. A grande preocupação é se ele ia conseguir falar com as outras soluções que nós temos dentro da empresa. Na nossa empresa, está tudo interligado e nós agregamos, nos últimos cinco anos, soluções de BI. Do software com que a gente convivia até então era muito difícil você tirar informações organizadas, fazer análise realmente mais sofisticadas para tomar decisão. Servia para coisas que são regidas por lei, como RH, mas quando você olhava em gestão da empresa mesmo, tinha pouca coisa em termos de facilidade para pegar um relatório, usar aquilo para tomar decisões.


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"Daqui a cinco anos eu tenho a ideia de abrir o capital na bolsa, fazer um IPO da plataforma, até para que agricultores do Brasil inteiro possam participar da plataforma como acionistas"

Hoje, por exemplo, eu pego o meu celular aqui, entro na área agrícola e sei quanto falta para plantar, quanto rendeu o plantio ontem, que variedade está sendo plantada. Consigo olhar a área industrial e o que está sendo processado, os rendimentos, entro na área comercial, sei o que está sendo vendido, com que preço está sendo vendido... Vamos falar do PlantUp, seu produto de agricultura digital. Como ele se diferencia de outras plataformas que estão no mercado? Para falar do PlantUp precisamos ter uma visão ampla das abordagens feitas para agricultura digital. Uns falam de um grande guarda-chuva da era digital, de plataformas que se propõem a coletar dados da colheitadeira, da plantadeira, do funcionamento da máqui-

na, do desempenho e assim por diante. Esse é um aspecto de agricultura digital. Outros, da coleta das informações agronômicas, dados agronômicos, que produto apliquei, a praga, o controle. Isso ajuda a tomar decisões como o melhor produto, a hora de aplicar e assim por diante. Então, são várias vertentes, mas essas aí, normalmente, dependem de conectividade. Que é um dos gargalos da agricultura digital... É preciso ter uma estrutura mais sofisticada de conectividade para que isso seja facilitado, mastamém é possível ir lá buscar os dados com um pendrive. Só que isso dá um trabalho danado, muita gente não se anima muito. Na hora que você colocar a conectividade, isso cai tudo automaticamente lá no teu servidor. O PlantUp vem dentro de uma outra filosofia. Sabemos que a conectividade, apesar de estar acelerando agora, vai ter um tempo para amadurecer. E nós não podemos deixar de usar os dados que produzimos hoje na fazenda. São dados que estão na cabeça do produtor, na sua agenda, numa planilha de Excel ou até mesmo em um ERP. Mas esse conhecimento está distribuído e nós não podemos ficar esperando tudo isso acontecer, temos que utilizar esses dados já. O PlantUp é um exemplo de plataforma que não precisa dessa conectividade. O dia que tiver, que conseguir alguns dados de forma automática, melhor ainda. O produtor pega todos esses dados que estão nesses lugares que eu fa-

lei e os coloca em uma plataforma web. Isso pode ser em qualquer computador, na cidade ou na fazenda, se ele tiver internet na sede. A gente teve uma preocupação de não complicar muita coisa para o agricultor, porque na agricultura tem muitos dados, é uma loucura. O que nós fizemos no PlantUp? Procuramos localizar uma dor, algo que incomoda quem está usando a forma tradicional. E qual é essa dor? No PlantUp centramos na questão das cultivares de soja milho e algodão. A gente pretende, depois, expandir para todas as culturas. O mercado oferece ao agricultor, hoje, cerca de 150 cultivares de soja são lançadas anualmente. Há 20 anos atrás eram cinco. Então, não era um problema ele decidir o que utilizar. Hoje, até ele achar, no meio dessas 150 cultivares, aquilo que se adapta a realidade dele, podem passar muitos anos e ele perde a oportunidade. O que é que nós fizemos na plataforma? Criamos um ambiente onde ele coloca alguns dados, poucos, relacionados à genética. Qual cultivar que ele plantou no talhão? As características do talhão? Então tem lá um perfil de solo, o tamanho dos talhões, a produtividade, o dia que ele plantou e o dia que ele colheu. Com esses dados, no primeiro momento, ele tem o histórico da propriedade dele, que ele acessa a qualquer momento, e das cultivares plantou nos últimos anos. Ele consegue organizar todo esse ambiente de genética e tecnologias, um monte de PLANT PROJECT Nº23

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Com Odílio Balbinotti Filho

“Tem um monte de ideias boas no Brasil. Falta dinheiro e falta colaboração no desenvolvimento. São duas coisas que eu acho que o agricultor tem condição de fazer. Ele tem condição de colaborar no desenvolvimento da agricultura digital”

informações que acabam surgindo e são disponibilizados através de um BI muito bacana, interativo. Aí nós criamos um segundo ambiente que aí vem para solucionar aquela dor. Digamos que, daquelas 150, ele plantou três cultivares novas. Mas e o resto das cultivares, onde é que estão? Estão sendo testadas por outros produtores, na mesma região que ele. Então criamos um ambiente de compartilhamento de informações agrícolas. O produtor consegue avaliar por similaridade ou resultado aí de outros produtores? A plataforma, de certa maneira, digitalizou aquela conversa que eles tinham na revenda, em que eles ficavam trocando informação, a experiência de cada um? Exato. Mas ali na revenda, às vezes, um mente para o outro, no bom sentido. Não conta as piores situações. Agora, no software, caem todas as situações, as piores, as intermediárias e as melhores. E quem está lá pode explorar, a análise sai de 2 mil para 200 mil hecta56

res. Ali o produtor consegue identificar realmente aquelas cultivares sobre as quais ele tinha um teste só, mas que outros 20, 30 agricultores, também usaram e tiveram resultado excepcional. Aí ele conclui: “Poxa então é verdade, eu posso utilizar”. Assim ele ganha velocidade na implantação das novas tecnologias genéticas. Além disso, tem um terceiro ambiente que é o ranking. É muito importante. Às vezes o agricultor está produzindo 60 sacas por hectares. Mas isso é bom ou ruim? Nesse ambiente estarão vários agricultores que aportaram esses dados e será possível ver a produtividade média da região, daqueles 300 mil hectares, e comparar com a sua propriedade. E ali mostra também quais as tecnologias que podem ser agregadas para que esse produtor possa produzir mais do que 60 sacas, mais do que a média. Como tem sido a adesão à plataforma? Surpreendente. Ela completou um ano em setembro, oficialmen-

te. São mais de 10 milhões de hectares, entre soja, milho e algodão, já aportados dentro da plataforma. Seguramente, pelo tempo de vida, é hoje a plataforma que mais recebeu resultados, dados de agricultores. Então o que eu posso dizer é que é um sucesso. Isso é porque nós acertamos a dor, aquilo que realmente incomoda o produtor. Qual o perfil do produtor que está utilizando a plataforma? É uma fotografia dos agricultores brasileiros. Tem desde pequeno até o grande produtor, numa porção muito parecida com o que existe mesmo no mercado. São pessoas que gostam mais de lidar com informação. Em termos de região, é mais Centro-Oeste, Norte e Nordeste do país. Então isso mostra um desafio, para nós da plataforma, para que os dados do Sul e Sudeste também sejam aportados. A plataforma é aberta e gratuita. Assim, qual é o modelo de negócios dos PlantUp. Qual é a sua previsão de gerar receita com essa plataforma? Foi uma decisão difícil. A gente sabia que ia entregar muito resultado já de cara para o agricultor, mas se cobrasse, teria o segundo desafio que seria vender o produto. Muitos poderiam achar que não compensa. Então decidimos ir por outro caminho, que existe em outros segmentos de mercado. Nossa ideia é manter gratuita essa plataforma básica, onde o produtor controla tudo isso aí, tem todas essas oportunidades. Mas já estamos,


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por exemplo, olhando para os dados e, agora mesmo, fechando um acordo com uma empresa de inteligência artificial para que faça modelagem desses dados e a gente passa a produzir um produto preditivo. No primeiro momento, a intenção é que ela faça uma prescrição para aqueles agricultores que não querem entrar e ficar manuseando a plataforma, já querem uma coisa mais pronta. Então aí você cobra os produtos que você fornece a partir desse. Também a parte de comunicação e marketing pode ser utilizada para levar alguma publicidade ou outros tipos de produtos aderentes ao agricultor. Nosso acordo com o agricultor é não passar no nome dele para frente, mas a gente pega aquele conjunto de dados, que aquilo gera informações. Empresas podem usar essas informações e gerar produtos mais aderentes a uma categoria de agricultores, a uma determinada região. É uma outra forma de monetizar como o Waze, como o Google. Recentemente vocês anunciaram a entrada da SLC, uma das maiores empresas agrícolas do Brasil, como parceira no Plant Up. No início desse ano, o Aurélio Pavinato, CEO da SLC, disse aqui em uma entrevista acreditar que o Brasil pode sonhar em ser um grande exportador de tecnologia agrícola. Qual é o objetivo dessa parceria? Foi muito interessante, nos deixou até muito orgulhosos essa parceria. A SLC é uma entusiasta de tecnologias, vem investindo em

soluções digitais. Eles não falam muito, mas têm feito diversos investimentos e são usuários de primeiro momento de soluções digitais. A SLC, com certeza, foi uma das primeiras a usar o PlantUp. Há uns 4 meses atrás o Pavinato me procurou e falou: “Odílio, a gente é usuário, gosta muito e queríamos investir em soluções. Nós acreditamos muito no PlantUp, gostaríamos de investir”. E eu falei para ele: “Pavinato, nesse momento ela não é nenhuma empresa, ainda é um produto da Atto Intelligence, que é a nossa empresa digital. Não tem jeito de você investir nela hoje”. Mas eu falei: “Daqui a cinco anos eu tenho a ideia de abrir o capital na bolsa, fazer um IPO da plataforma, até para que agricultores do Brasil inteiro possam participar da plataforma como acionistas”. E aí ele falou: “Nossa, ótimo! Então vamos fazer o seguinte: já que você vai fazer um IPO lá na frente, me dá a oportunidade então de eu ser um investidor. Eu tenho garantido, se eu quiser investir, pelo menos 10% da plataforma”. Então, o que eles têm hoje é o direito de comprar, de virar acionista, mas não de participar do produto em si e de ter acesso aos dados. Isso ele tem como usuário. Ele seria um acionista, acreditando que a ideia vai gerar frutos e vai valer muito no futuro. Tomara que ele esteja certo. Como você vê o papel dos produtores como investidores em tecnologia? Você acha que há uma tendência de haver uma participação maior dos produto-

res como investidores em startups de tecnologia para o agronegócio? Não tenho dúvida. Tenho, inclusive, incentivado vários amigos meus agricultores. Falo para eles reservarem um pouquinho do dinheiro. Graças a Deus nos últimos anos no Agro tem tido bons resultados. Ao invés de comprar tanta terra, digo para começarem a olhar para fora também do Agro. Na realidade, é dentro do Agro. Tem um monte de ideias boas no Brasil. Essas soluções daqui a pouco virão de fora se não tiver incentivo financeiro daqui mesmo. Falta dinheiro e falta colaboração no desenvolvimento. São duas coisas que eu acho que o agricultor tem condição de fazer, ele tem condição de ser colaborador realmente no desenvolvimento dessas soluções digitais, porque ele é que sabe realmente as dores, sabe mais do que qualquer um. Ele pode por o dinheiro nessas startups, nessas ideias, e aí o que é que vai acontecer? Vamos desenvolver rapidamente, vamos ser competitivos na oferta de soluções para o Agro. Daqui a pouco nós estaremos exportando. A ideia do PlantUp é ir para o Estados Unidos, para Europa. O produto já está registrado, já tem site nos outros países. A ideia é que o Brasil exporte conhecimento também da era digital dentro do Agro. É uma grande oportunidade para os agricultores, só que eles precisam olhar para fora da fazenda. Eles têm de olhar realmente para essa nova onda, essa nova era que nós estamos vivendo agora no Agro. PLANT PROJECT Nº23

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Com Mike Stern

E

m 2017, a reportagem da PLANT encontrou Mike Stern no interior de Goiás. Então CEO da The Climate Corporation, uma empresa de soluções digitais para a agricultura que havia sido adquirida pela Monsanto por uma soma bilionária, a agtech dava seus primeiros passos no país, apresentando a plataforma FieldView. De lá para cá, muita coisa mudou. A Monsanto foi adquirida pela Bayer, que levou a Climate no pacote e a transformou no ponto central de sua estratégia digital. Stern ficou encarregado de implementá-la e hoje é o Head de Agricultura Digital da Bayer Crop Sciences. Em novo encontro com a reportagem – mas desta vez através de uma chamada de vídeo, uma exigência dos novos tempos –, ele faz um balanço desse período de transformações. Há três anos você esteve no Brasil lançando a Climate Corporation. Na época era uma divisão da Monsanto. Hoje foi incorporada pela Bayer. Haveria diferença se você pudesse visitar o país agora? Como a agricultura digital evoluiu nesse período? É uma pergunta muito interessante e vou tentar responder sob a perspectiva da Bayer. Os pilares da companhia são inovação, sustentabilidade e transformação digital. Portanto, quando Monsanto e Bayer se fundiram, não houve uma grande diferença quanto ao foco do nosso trabalho, particularmente do

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MIKE STERN HEAD DE AGRICULTURA DIGITAL DA BAYER CROP SCIENCES DOUTORADO EM FILOSOFIA E QUÍMICA PELA UNIVERSIDADE DE PRINCETON PÓS-DOUTORADO EM BIOQUÍMICA E BIOLOGIA MOLECULAR PELO MIT MESTRADO EM QUÍMICA ORGÂNICA PELA UNIVERSIDADE DE MICHIGAN

Assista aos vídeos desta e outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.


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“Os produtores brasileiros estão sempre buscando novas formas de aumentar sua produtividade. Isso é fantástico e explica porque as tecnologias de agricultura digital são adotadas tão rapidamente”

que já fazíamos na área de agricultura digital. O que mudou muito nesse período foi o alcance do FieldView no Brasil. Há três anos, quando estive no País, estávamos apenas lançando o produto e estávamos no primeiro ano nos Estados Unidos e começando a demonstrar o produto no Brasil. Hoje estamos em 23 países do mundo. O Brasil é nosso segundo maior mercado e um dos que mais cresce. Vemos uma rápida adoção de tecnologia digital em geral no país, e em particular do FieldView. Se há três anos falávamos principalmente de grãos, hoje nosso time já trata do uso da plataforma em culturas como cítricos, cana, algodão e, é claro, milho e soja. Estamos realmente expandindo o uso de ferramentas digitais no Brasil. Os produtores são muito engajados e estamos muito entusiasmados em testar novos usos para as tecnologias. O que pode nos dizer sobre o número de propriedades e de hectares cobertos pelo FieldView? Nós não costumamos abrir esses números por países, especificamente, mas vou te dar uma noção sobre esse crescimento. Temos dezenas de milhões de acres co-

bertos com usuários pagos (1 hectare corresponde a pouco menos de 2,5 acres), considerando uma variedade de produtos da plataforma. O crescimento tem sido realmente incrível. Há três anos você dizia que o objetivo era fazer da plataforma uma agregadora de soluções digitais de vários fornecedores, integrando maior oferta aos produtores. O plano está se realizando? Acredito que o plano ainda seja mais ou menos o mesmo, mas evoluímos muito nesse período. Quando se trata de recomendações agronômicas específicas e de produtos específicos que temos no nosso marketplace, temos tido mais foco na oferta de soluções da Bayer, pois temos mais informações sobre os produtos Bayer. Mas ao mesmo tempo temos exemplos em que fomos capazes de fazer recomendações mais amplas, envolvendo outros players da indústria. Algumas delas dizem respeito a densidade de sementes, como combiná-las, sendo da Bayer ou de outras empresas. Um dos avanços que estamos fazendo é o desenvolvimento, para o Brasil, de um produto que já temos nos Estados

Unidos, visando a oferecer a melhor genética para cada área. Esse produto requer muitos dados e muita informação genética. A questão é que essas informações geralmente são proprietárias das empresas e alguns de nossos concorrentes podem ter problemas em compartilhá-las conosco. Por isso é mais difícil para nós desenvolver esses produtos e optamos por começar focando em produtos da Bayer Crop Sciences. Outra coisa que evoluiu bastante no Brasil foi nosso marketplace, Orbia. Ali são comercializados produtos de várias origens, não apenas da Bayer. O FieldView está np merketplace e os produtores podem usar seus pontos dos programas de fidelidade para comprar também nossos produtos. Isso era algo que também não falaríamos três anos atrás e que mostra uma evolução rápida no Brasil. Você ficou surpreso com a velocidade da adoção de tecnologia pelos produtores brasileiros? Fiquei impressionado, mas não surpreso. Tive a oportunidade de comandar outros negócios no Brasil antes de liderar a Climate e pude me relacionar com muitos produtores. Eles são muito progressistas, estão sempre dispostos a testar novas tecnologias. Estão sempre buscando novas formas de aumentar sua produtividade. Isso é fantástico e explica porque as tecnologias de agricultura digital são adotadas tão rapidamente. PLANT PROJECT Nº23

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Com Mike Stern

“É importante para o ecossistema, para a agricultura e para a sociedade que tenhamos mais gente envolvida na invenção de novas tecnologias”

Como está sendo o desenvolvimento de novas ferramentas digitais no Brasil? Qual o foco para os próximos anos? Temos alguns focos principais. O primeiro, como disse, é a expansão do uso das recomendações para densidade de sementes. Estamos também vislumbrando oportunidades no controle de nematoides e acreditamos que podemos usar ferramentas digitais para ajudar os produtores a mapear suas lavouras para identificar onde estão as áreas de maior pressão nesse sentido. Trabalhamos em recomendações para combate a de doenças nas lavouras de soja e milho. Finalmente, olhamos muito para o mercado de carbono, em como podemos fornecer informações e recomendações 60

agronômicas aos produtores de forma a que eles possam sequestrar carbono nas suas lavouras e, assim, gerar receita com créditos de carbono. Temos alguns projetos pilotos nesse sentido, a maior parte deles no Brasil. Estamos pensando em novos modelos de negócios e conversando com produtores para desenvolver novas formas de levar informações a eles e ajuda-los a fazer gestão de riscos. Estamos com um piloto no Brasil com um novo modelo de negócios para o caso de recomendações sobre densidade de sementes. Dizemos ao produtor: “Você deveria estar plantando um adicional de 5 mil sementes por hectare”. Sabemos que isso custa mais ao produtor. Mas desenvolvemos algoritmos que nos permitem dizer a ele que se fizer o que indicamos terá um crescimento de produtividade que compensará o investimento. Se não houver o incremento de produtividade, nós nos propomos o valor adicional ou parte desse valor, ou damos crédito para ele usar no próximo ano. O quanto vocês estão abertos a integrar na plataforma soluções digitais de outras empresas ou de startups? Estamos muito abertos. Se você pensar no tamanho dos desafios que temos na agricultura e pensa que nosso foco na Bayer tem sido remodelar o futuro da agricultura, produzindo mais alimentos de maneira cada vez mais sustentável, verá que temos grandes problemas a resolver. Nenhuma empresa vai resolvê-los de forma independente.

Estamos muito comprometidos em buscar parcerias. Hoje temos mais de 70 parceiros em na plataforma FieldView, muitos deles startups. Temos um grupo no Brasil especificamente voltado a identificar startups com quem podemos interagir.E não é apenas no Brasil. Na Ásia, nosso olhar é para tecnologias que possam ser úteis em pequenas propriedades. É todo um ecossistema que precisamos desenvolver no mundo todo. Quanto mais gente participar desse ecossistema, quanto mais aberto ele for e mais países incluir, mais valor geraremos para todos. Há muitas startups com ideias interessantíssimas, mas que não sabem como acessar os produtores. Na Climate, graças a base de produtores da Bayer, temos condições de oferecer esse acesso. Podemos ser o link entre as duas partes. Isso é muito relevante na nossa estratégia. As grandes companhias de insumos agrícolas, conhecidas como Big Ags, estão cada vez mais se transformando em AgTechs, criando seus negócios de agricultura digital e incorporando tecnologias de parceiros. A Bayer é um exemplo claro disso, mas não é a única. Não existe um risco de haver uma concentração nesse mercado, como ocorreu no caso dos insumos? Acho que falamos de modelos de negócio diferentes. Á área de insumos agrícolas exige uso intensivo de capital, na produção dos insumos, canais de distribuição, equipes


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de venda, por exemplo. Ferramentas digitais, por definição, não funcionam assim. É por isso que vemos uma tamanha proliferação dessas soluções, não apenas na agricultura, mas em outras áreas da sociedade. As barreiras de entrada nesses mercados são bem menores. Se você olha especificamente para o investimento no ecossistema de agricultura digital nos últimos cinco anos, veremos bilhões de dólares fluindo para milhares de startups no mundo inteiro. Acredito que isso continuará funcionando dessa forma. Novas ideias para ferramentas digitais surgirão em diversos locais e receberão investimentos, mantendo um robusto ambiente competitivo. Essa é a natureza dos ambientes digitais. É importante para o ecossistema, para a agricultura e para a sociedade que tenhamos mais gente envolvida na invenção de novas tecnologias. Quais seriam as principais tendências, na sua opinião, para a agricultura nos próximos cinco anos? O que vai mudar até a nossa próxima conversa, digamos, dentro de cinco anos? A primeira coisa é que continuaremos assistindo a uma evolução na adoção das tecnologias digitais nas

fazendas. Isso foi catalisado pela Covid-19 este ano e se transformou em uma necessidade em todo o mundo. Muita gente foi forçada a acelerar essa adoção. Eles tiveram de comprar seus insumos online, coisa que não pensavam em fazer tão cedo. Tiveram de usar essas ferramentas para falar com seu consultor, com os agrônomos... Assim, caiu a barreira da energia que gastaríamos para ativar esses canais digitais. O segundo ponto é que haverá um avanço considerável no desenvolvimento de algoritmos que ajudarão os produtores a tomar decisões agronômicas em suas propriedades. Digo isso porque temos trabalhando nisso há pelo menos seis anos e agora começamos a ver uma aceleração na capacidade dos algoritmos de compreender e analisar as imensas variáveis existentes em lavouras de soja, milho, algodão e outras. Vamos entregar melhores informações digitais para os produtores, porque avançamos em nossa capacidade de capturar os dados e devolvê-los ao produtor com recomendações de ações. Tanto empresas como a Bayer como outras menores serão mais eficientes em trazer esses produtos ao mercado com uma agricultura digital mais

prescritiva. E em terceiro lugar acredito que haverá também uma aceleração dramática na busca de soluções digitais para pequenos produtores. Isso é muito importante, sobretudo em regiões como América Latina, Ásia e África. O digital é a única maneira que temos de ir em frente e nos conectarmos com esse segmento tão importante. O aumento do uso de celulares e smartphones nessas regiões abriu uma oportunidade enorme para que nos comuniquemos com esses produtores e os ajudemos a melhorar sua condição de vida. Temos visto, particularmente na Ásia, o incremento do uso de tecnologias usando drones para açlões como pulverização, por exemplo, em pequenas propriedades. Para atingir esse público, não é preciso simplificar os sistemas e as intefaces, para facilitar sua utilização pelos pequenos produtores? Sim, acho que esse é o caso. A experiência do usuário é um desafio constante para nós, independente do porte do usuário, e temos tido resultados positivos inclusive no Brasil também. Vai exigir muito trabalho ainda até chegarmos ao ponto ideal. PLANT PROJECT Nº23

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Ag Orgânicos

Projeto de produção de café trouxe outras espécies com tempos diferentes de retorno, o que contribui para a sustentabilidade econômica

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O CAFÉ DOS SONHOS Da vontade de investir em uma pequena propriedade surgiu a chance de produzir café em sistema agroflorestal e a oportunidade de criar um grande negócio Por Romualdo Venâncio

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A

próxima safra do Café dos Contos trará a primeira colheita de grãos produzidos em sistema agroflorestal, um projeto iniciado em novembro de 2018 para agregar mais valor à produção orgânica de cafés especiais. E tornar ainda mais favorável a equação composta por variáveis como a redução de custos com insumos e a diversificação de fontes de renda. Essa conta tem também significativos ganhos em conservação ambiental, começando pelo processo de recuperação e enriquecimento de solo. Confirmada essa perspectiva, abre-se um caminho para que a propriedade se torne um centro de formação dedicado a difundir os benefícios da agricultura regenerativa. Tudo isso é a evolução de um plano mais modesto que começou lá em 2012, quando a socióloga Mariana Mota e o jornalista Paulo Araújo decidiram investir em uma pequena propriedade e realizar o desejo de terem uma casa de campo e até alguns cavalos, uma paixão de Paulo.

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Exceto a parte dos animais, o plano vem se concretizando. Nesses oito anos Mariana e Paulo desenvolveram o cultivo de café orgânico e especial, criaram sua própria marca e iniciaram a comercialização direta para cafeterias e consumidores finais, despertaram a curiosidade de gente que quer conhecer o modelo adotado – no ano passado receberam 600 pessoas – e até já conquistaram um prêmio. Na edição 2019 do Prêmio Novo Agro, realizado pela Esalq-USP e pelo Banco Santander, ficaram com a primeira colocação na categoria Sustentabilidade / Pequeno Produtor. “Isso é muito interessante e empolgante, pois além de uma academia bastante respeitada tem uma instituição financeira, ou seja, um banco olhando para um negócio que já foi visto como algo amador ou de subsistência”, comenta Paulo. “Pela modelagem financeira bem feita conseguimos mostrar o projeto como oportunidade de negócio rentável.” A satisfação por esse reconhecimento


Orgânicos

Ag

Uma das vantagens da agrofloresta é que pode ser implementada em áreas de diversos tamanhos com a mesma eficiência

é consequência de um trajeto que exigiu muita dedicação de Mariana e Paulo, começando pela busca do local ideal. Eles levaram cerca de um ano “garimpando”, primeiro em São Paulo e depois em Minas Gerais, antes de chegarem ao Sítio Santa Fé, na Serra da Mantiqueira, mais precisamente na cidade mineira de Monte Sião. O café já estava lá, em uma pequena produção convencional, então decidiram apostar na cultura. As condições da região, como clima, altitude e condições de solo, favorecem o desenvolvimento da cafeicultura com alto padrão de qualidade. Se por um lado faltava conhecimento técnico em produção agrícola, pois ambos nasceram na capital paulista e sempre viveram no ambiente urbano, por outro já estava bem definido o conceito de agricultura que seria implementado ali. “Por já termos uma perspectiva de conexão com a terra entendemos que o modelo convencional, com uso de agrotóxicos, não nos servia”, diz Mariana. “De cara não queríamos manter essa lógica, então iniciamos um processo de transformação, buscamos informação, fomos estudar para fazer essa transição para o orgânico.” Até por se tratar de uma área pequena, menos de três hectares, era preciso agregar valor à produção, e aí veio o aprendizado sobre o mercado – como produzir e processar os grãos e para quem vender. “Buscamos o mercado de

cafés especiais”, diz Mariana, lembrando que foi preciso entender as condições para ter um produto classificado como especial, até para saberem em que patamar se encontravam no quesito qualidade. “Levamos uma amostra para a Isabela Raposeiras, proprietária da cafeteria Coffee Lab, e ela confirmou que tínhamos um café especial.” Esse reconhecimento do alto padrão de qualidade gerou novas mudanças no manejo e na comercialização. A colheita passou a ser feita de forma seletiva, com a retirada apenas dos grãos maduros, e a comercialização feita diretamente para cafeterias Para entender melhor o impacto dessa avaliação de Isabela Raposeiras, a Coffee Lab fica bem no coração da Vila Madalena, na cidade de São Paulo, e é uma vitrine para cafés especiais vindos de diferentes regiões e fornecidos por diversos produtores, sobretudo os que trabalham com áreas menores, e que a própria Isabela faz questão de encontrar. Em sua participação no encontro Conexão Comida, promovido pela PLANT durante o Global Agribusiness Forum 2018, a empresária contou que mais do que comprar os grãos, acompanha esses cafeicultores durante o ano todo, inclusive traçando estratégias para cada tipo de café – como trabalhar, secar, manejar – com o intuito de alcançar um determinado sabor. Isso porque a remuneração também é feita com base em qualidade sensorial. PLANT PROJECT Nº23

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CAFÉ E AGROFLORESTA Grande desafio de Mariana e Paulo é que não deixaram as atividades profissionais que já desenvolviam para administrar a gestão do Sítio Santa Fé e todas essas mudanças. Daí a importância de contarem com um colaborador que está no dia a dia do sítio. Mariana trabalha há 13 anos no Centro de estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), uma organização não governamental que se dedica a reduzir as diferenças estudantis. Paulo integra a equipe de comunicação da Fazenda da Toca (Itirapina, SP), propriedade do empresário Pedro Paulo Diniz, que abriu a primeira temporada da série TOP FARMERS, na categoria sustentabilidade. Aliás, existe aí uma coincidência curiosa, como recorda o jornalista: “Eu comecei a trabalhar na Fazenda da Toca no dia em que vocês gravaram a entrevista com o Pedro Paulo”. Isso foi em 2 de junho de 2017. Foi na Fazenda da Toca que Paulo conheceu o conceito de agrofloresta e os profissionais que implementariam esse sistema no Sítio Santa Fé: a engenheira florestal e bióloga Paula Costa e o também engenheiro florestal e mestre em agrofloresta Valter Ziantoni. 66

Paula e Valter são os fundadores da Pretaterra, empresa dedicada à disseminação de sistemas agroflorestais regenerativos com modularidade, replicabilidade e elasticidade. “Podemos projetar um sistema agroflorestal tanto para a Amazônia como para o Pampa”, diz Valter. Prova dessa amplitude é que assim como está sendo aplicado no Sítio Santa Fé, começando por um talhão em um terreno com menos de um hectare, também serve para uma área de pecuária agroflorestal com 1,2 mil hectares, dos quais 950 são agricultáveis. É o caso do projeto Pasto Vivo, elaborado para o grupo Luxor Agro, que pode ser expandido para 23 mil hectares. “Queremos mostrar que é possível aplicar em qualquer sistema agrícola ou pecuário, pequeno ou de larga escala. O sistema agroflorestal já foi muito estigmatizado, considerado algo mais romântico, coisa de hippie”, diz Paula. Ela conta que hoje é comum serem procurados por produtores com grandes extensões de terra e uma visão mais inovadora. Ou mesmo por quem nem sequer possui terras. “Temos um cliente holandês que comercializa pimenta e outros temperos e não tem um hectare, mas compra de gente ao redor

do mundo e quer manter uma agricultura com impacto positivo”, afirma. O projeto do Café dos Contos foi desenvolvido com base em culturas de valor agregado; insumos locais, por representarem menor custo; um manejo viável, que pudesse ser tocado com tranquilidade por uma pessoa relativamente leiga; e dentro do orçamento disponível. A variedade de café escolhida foi a arábica Catucaí Amarelo 2SL, desenvolvida pela Fundação Procafé, que apresenta alta produtividade e qualidade de bebida acima de 80 pontos, de acordo com estudos realizados pela Embrapa Rondônia. Como segunda cultura entrou a macadâmia, que pode ser colhida no quinto ou sexto ano e vai representar renda próxima à do café. “Quando consorciada com o café, a macadâmia, que tem o ciclo mais longo, dá frutos mais cedo”, comenta Paulo Araújo. O cedro australiano foi a opção para produção de madeira, é a poupança do sistema, pois o primeiro corte acontece após um prazo de 20 anos. Também foram escolhidas duas plantas de serviço que são manejadas o ano todo e servem como biomassa: o ingá, uma espécie nativa da Mata Atlântica, e a banana, que ainda


Orgânicos

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Mariana e Paulo, à direita, tiveram a ideia do Café dos Contos em agrofloresta. Paula e Valter, da Pretaterra, deram as diretrizes para a implementação do projeto

vai fornecer bons frutos, embora tenham sido considerados como fonte de renda no projeto. A previsão de produção por hectare nesse projeto é de aproximadamente 2,6 toneladas de café e 3,7 toneladas de macadâmia, com início de retorno financeiro em três anos e o retorno permanente superior a R$ 20 mil/hectare, em pelo menos 70% do ciclo total da agroflorestal. ARQUITETURA AGRÍCOLA O layout do projeto agroflorestal do Café dos Contos foi desenhado para otimizar a produtividade de todas as culturas. Os pés de café, por exemplo, foram dispostos em linha dupla, com espaçamento de um metro entre as plantas e as linhas, e na diagonal, não lado a lado. Essa medida foi adotada para aumentar a área de copa dos cafeeiros e melhorar a capacidade de fotossíntese. Em um lado dessa linha dupla estão as bananas e no outro, o cedro e o ingá. Ao longo dela também foi cultivado feijão-guandu, uma leguminosa rústica que não precisa de grandes cuidados, fixa nitrogênio e tem grande capacidade de enraizamento, contribuindo para a descompactação do solo. “Por germinar e crescer rápido, o

guandu ainda fornece sombra para as mudas. E por ser uma arbustiva semiperene os benefícios são mantidos por muito tempo”, explica Paula Costa. Nada disso teria sido possível sem a crucial etapa de preparação do solo. Valter Ziantoni, da Pretaterra, conta que o terreno estava em péssimas condições. “Tudo era desafiador, um barranco com pasto deteriorado e muita pedra”, diz. A limpeza começou de forma orgânica, com a entrada de vacas no espaço para roçarem a pastagem, para só entrar na fase com maquinário. Primeiro um subsolador com um gancho para abertura dos sulcos, processo que eventualmente era interrompido pelas pedras, e posterior aplicação de carvão e calcário. “Alugamos uma motocoveadora para fazer as covas e já misturar o carvão e o calcário dentro delas”, afirma o engenheiro florestal. Depois veio a distribuição de fósforo e cama de frango, uma alternativa de adubo orgânico. Nessa adubação foi aplicado o conceito de compostagem laminar, que é formada por uma lâmina com a fonte de nitrogênio e outra com a de carbono, já no local de aplicação. “A decomposição desse material no campo traz uma explosão da micro vida do solo. Em seis meses

foi possível ver uma mudança gigante nas condições do solo”, diz Paula. Ela explica que a outra forma de se fazer essa adubação seria por pilha de compostagem, que alterna várias lâminas de nitrogênio e carbono e é feita em um local separado. Conforme o material vai se decompondo passa a levado até as plantas. “Na pilha você tem essa energia onde é formada, mas quando transporta ao local de aplicação perde a condição de cobertura de solo e o impacto maior”, acrescenta a bióloga. Outro fator de proteção para o solo do Sítio Santa Fé foi a preservação da braquiária – aquela mesma roçada pelas vacas – nas linhas do café. Agora ela é roçada mecanicamente para fornecer cobertura e biomassa que contribui para a nutrição da terra, além de melhorar a condição de infiltração de água. Esse modelo também será aplicado em outros dois talhões, que somam dois hectares. “Quando chegamos não tínhamos noção exata para onde iríamos e a natureza foi nos mostrando: uma terra que é sua e o que você quer gerar de valor de negócio, com responsabilidade, com uma troca justa entre o que você oferece e o que você colhe. Temos muito a aprender e a fazer”, comenta Mariana Mota. PLANT PROJECT Nº23

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foto: Tito West/Brigada Aliança da Terra

Brigada da etnia Caiamurá: treinados pela equipe da Aliança da Terra, indígenas atuam na prevenção e combate de chamas na região do Alto Xingu 68


ONDE HÁ FUMAÇA, HÁ HERÓIS

O ano de 2020 deixou mais evidente a importância do sério trabalho das brigadas de incêndio no campo, seja no combate direto ao fogo, seja em ações preventivas junto às comunidades que vivem nas áreas rurais e próximo às florestas

Por Romualdo Venâncio

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foto: Divulgação/Brigada Aliança da Terra

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e já foi chocante para quem viu, apenas em imagens, o Pantanal sendo consumido por incêndios em 2020, sobretudo quando eram mostrados animais feridos ou mortos pelo fogo, imagine como deve ser para quem estava na linha de frente do combate às chamas, vivenciando tudo aquilo de perto. Ou o mais próximo que o calor do fogo permitisse. Essa é visão e a sensação de quem integra as brigadas de incêndio, pessoas comuns que se tornam profissionais diferenciados pelo que fazem e pelos riscos que correm. E que precisam se preparar durante o ano todo para agir antes – principalmente antes –, durante e após ocorrências de incêndio. “O que as reportagens mostraram sobre os animais é ínfimo, considerando que os felinos são bichos rápidos e ainda assim apareceram com as patas queimadas”, comenta Osmano Melquíades Santos, brigadista efetivo e chefe de Operação de Equipe da Brigada Aliança. Sediado em Novo Santo Antônio, região nordeste de Mato Grosso, Santos não esteve no Pantanal, mas nem por isso descansou. Imagens semelhantes ele viu ao vivo na região do Xingu, onde atua há mais de uma década. “Não sei exatamente o que houve no Pantanal, surgiram vários focos em diferentes pontos que acabaram se

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encontrando. Talvez só tenhamos mais respostas no ano que vem, após o trabalho da perícia”, diz, ressaltando a importância dessas informações, até para que se possa ter mais proatividade na prevenção. “Se foi acúmulo de massa orgânica que pode queimar, por exemplo, a gente precisa fazer algo para evitar.” Santos só teve a oportunidade de se tornar um brigadista porque há algum tempo esse movimento vem ganhando destaque nas áreas rurais mais próximas a florestas, com iniciativas de agentes do próprio agronegócio, cientes do valor da preservação e da importância da prevenção. Embora já gostasse do tema preservação ambiental e até já tivesse trabalhado como voluntário de fiscalização de pesca, Santos atuava como autônomo, fazendo bicos de serviços braçais, em 2009, quando se inscreveu para a primeira turma do curso de prevenção e combate a incêndio do grupo Aliança da Terra, e foi treinado pela SmokeJumpers, equipe de elite do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS). Ao formar uma brigada de incêndio especialista em prevenção e combate a incêndios florestais, e em conscientização de produtores rurais de diferentes perfis e comunidades indígenas, a Aliança da Terra ampliou o trabalho realizado por meio de


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Treinamento da Brigada Aliança da Terra: esforço durante o ano todo para prevenir e reduzir números de focos durante período seco

sua plataforma Produzindo Certo, que tem ajudado diversos fazendeiros a buscarem alta performance de suas lavouras sob rigorosos padrões de comprometimento social e ambiental. Já são mais de 1,3 mil propriedades atendidas e quase 5,7 milhões de hectares monitorados. Outro resultado dessa equação é a atenção com a questão dos focos de fogo durante o ano todo. “Quando vem o período de chuvas, ninguém fala de prevenção, só vai pensar quando começarem os incêndios. Temos de ser proativos, não reativos”, diz Santos. AGENTE DE CONSCIENTIZAÇÃO Ninguém entra para uma brigada de incêndio sem o devido treinamento técnico e a preparação física e psicológica. No caso de quem vai atuar no ambiente rural, lidando com florestas, é precisa também ter a habilidade de conscientizar, conciliar e agregar. “Não conseguimos fazer o trabalho todo sozinhos, precisamos do apoio de todo mundo – bombeiros, fazendeiros, assentamentos, indígenas”, diz Santos, que procura conversar com as pessoas que moram nas diversas comunidades e que produzem em pequenas áreas. “A gente chega de maneira amistosa, busca conhecer, saber se usa queimada como manejo, sem o caráter de fiscalização, assim ganha a confiança para levar

orientação”, afirma o brigadista. Ele diz ser preciso entender a cultura e o comportamento desses grupos para que a mensagem seja compreendida. Mais do que combatentes, os brigadistas da Aliança são multiplicadores desse conhecimento e formadores de novas equipes, levando treinamento a diversas propriedades e comunidades indígenas. “Treinamos uma brigada de 12 combatentes indígenas em Camaiurá (MT) para atender nove aldeias”, diz Santos. Em muitas situações pode haver resistência às medidas preventivas por uma questão cultural, a velha história de que o pai e o avô já faziam de tal maneira, ainda que não fosse a mais eficiente e segura. “Nesses casos, trabalhamos com o convencimento pelo custo que o produtor pode ter com e sem a prevenção”, diz Santos. Ele conta que muitos questionam, por exemplo, a necessidade de se abrir aceiros, uma prática para ajudar a interromper o avanço de um possível incêndio. “Não quer dizer que vai conter todo e qualquer incêndio, mas quando existe o aceiro você já tem uma ferramenta estratégica que está pronta”, explica. A brigada também alerta que a queimada feita de maneira errada pode prejudicar quem começou o fogo e seus vizinhos, caso o fogo atravesse a cerca. E eles podem até ser multados por uma

Santos, da Brigada Aliança, e Ferreira Junior, da Agropalma: investimento na conscientização de produtores e comunidades

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foto: Divulgação

infração que não cometeram. É dessa forma que também atuam as brigadas de incêndio da Agropalma, produtora de óleo de palma localizada no Pará que ocupa uma área de 171 mil hectares. São 107 mil do complexo agroindustrial (áreas plantadas, infraestrutura, indústrias, estradas e moradias) e 64 mil de reservas florestais, que abrangem quatro municípios (Tailândia, Acará, Moju e Tomé-Açu). “Nessa área florestal, temos uma equipe de 30 profissionais dedicados exclusivamente para realizar

rondas visando ao controle de prevenção de incêndios e proteção das áreas”, diz Raimundo Gonçalves Ferreira Júnior, gerente de Saúde, Segurança e Meio Ambiente Corporativo da Agropalma. Segundo Júnior, esses brigadistas realizam um intenso trabalho de conscientização junto às comunidades e produtores parceiros, inclusive com transferência de conhecimento por meio de folhetos explicativos. “Anualmente, temos focos de incêndios que ocorrem através de combustão espontânea, por meio de queimadas realizadas por produtores locais que colocam fogo em suas áreas para eliminar a vegetação e realizar o plantio ou por focos na malha rodoviária estadual”, explica. Por conta das certificações de sustentabilidade, como RSPO (Rountable on Sustainabel Palm Oil), os produtores parceiros da

TRABALHO EM EQUIPE “No combate a incêndios, não dá para bancar o herói.” A frase de Osmano Melquíades Santos, brigadista efetivo e chefe de Operação de Equipe da Brigada Aliança, é categórica para mostrar que a ação frente ao fogo é um trabalho que se realiza em equipe. “Sempre falo nos cursos e nos treinamentos que a composição da brigada é como a formação de uma família. Como líder, estou preocupado com toda a equipe, mas todos devem cuidar uns dos outros”, acrescenta. O discurso de Santos pode até parecer óbvio ou um cliché motivacional, mas só quem vive o dia 72

a dia de enfrentamento ao fogo pode mesmo saber o real valor dessas palavras. “A segurança da equipe não está apenas na qualidade dos equipamentos, dos EPIs, mas na preparação de cada integrante para atuar em diversas situações e em difíceis tomadas de decisão”, diz. Não por acaso, os integrantes passam por testes físicos, pela necessidade de resistência, e psicológicos, pois o trabalho pode ser muito desgastante. Ainda mais para quem está na posição de liderança. “Para ser um bom líder, primeiro precisa ser um bom ser humano.”


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foto: Divulgação Agropalma

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Agropalma são proibidos de usar fogo em suas plantações. O entendimento sobre os períodos mais críticos, que exigem maior atenção, é um grande reforço para a prevenção, tanto em relação aos focos que surgem naturalmente, quanto aos provocados pelo homem, pois já se sabe quando o ambiente está mais susceptível. “Temos intensificado as ações preventivas e os alertas à comunidade do entorno, que começam no início de junho”, afirma Júnior. Ele conta que no caso da região da Agropalma, os focos se intensificam de maio a novembro, com os maiores ocorrendo entre agosto e setembro. AÇÃO ESTRATÉGICA As brigadas da Agropalma contam com o importante auxílio do monitoramento via satélite, a partir de um sistema que emite alertas de focos de calor, o que permite a verificação antecipada de possíveis ocorrências. Se for preciso agir, a empresa dispõe

ainda de três caminhões-pipa para evitar que o fogo se alastre. A Brigada Aliança também usa a tecnologia espacial, com um sistema de detecção de incêndio com dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e da Nasa (National Aeronautics and Space Administration), e trabalha com drones. Mas para Santos, em se tratando de combate ao fogo, ainda pode não ser rápido o suficiente, o que justifica o monitoramento permanente, ainda que não tenha incêndio nem fumaça, como age também a equipe da Agropalma. A ação estratégica faz muita diferença nas etapas de prevenção, e isso não é exclusividade das brigadas, passa também pela eficiência produtiva e da gestão ambiental das fazendas. A Produzindo Certo, por exemplo, tem um sistema que acompanha pelo menos 70 indicadores socioambientais, entre os quais estão focos de calor e desmatamento. Como

consequência, as propriedades cadastradas têm apresentado índices abaixo da média em relação a esses dois itens, por conta de fatores como vigilância permanente, apoio e assistência técnica, conscientização e aplicação de boas práticas socioambientais. Segundo estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que analisou informações das propriedades cadastradas na plataforma Produzindo Certo, 92% das fazendas apresentaram redução do número de focos de calor após iniciarem o monitoramento com a empresa. Já na linha de frente, nas ações de combate ao incêndio propriamente dito, a estratégia é fundamental até para preservar a vida dos brigadistas e das pessoas que estão no trajeto do fogo. “A gente precisa estar sempre com o plano A para agir e o plano B na mente para colocar em prática imediatamente se necessário. E já ter um plano C, dependendo da situação, pois tudo acontece PLANT PROJECT Nº23

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Ambiente

muito rápido”, diz Santos. Segundo ele, o vento é um fator que pode dificultar as ações e até furar as estratégias. “Ele pode mudar de direção ou velocidade e começar outro incêndio.” A estratégia também envolve o conhecimento das áreas de atuação e da infraestrutura disponível. A base da Brigada de Incêndio Aliança fica em Novo Santo Antônio, região nordeste de Mato Grosso, e opera nos biomas Cerrado e Amazônia, cobrindo diversos parques florestais, como o Parque Estadual do Araguaia, uma área com mais de 223 mil hectares. “Dentro do parque, até que é mais tranquilo, a gente consegue ir cortando de camionete. A ação é mais difícil em áreas cercadas, fechadas, ou de assentamentos que não têm acesso”, comenta Santos. “Às vezes o foco de incêndio está a 200 ou 300 metros, mas é preciso dar uma volta de 2 quilômetros para alcançá-lo”, acrescenta. A equipe da Brigada Aliança procura também visitar as fazendas em sua área de atuação para saber o que há de infraestrutura nessas propriedades, equipamentos que podem auxiliar nas ações de combate a incêndios. É uma forma de já estarem mais bem preparados, inclusive os produtores. “Se você está vendo fumaça e não tem certeza se é na sua propriedade ou no vizinho, vá verificar. Se for no vizinho e tiver condições de ajudar, vá ajudar com o que puder, maquinário,

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equipamento, equipe. As fazendas devem ser parceiras, os vizinhos precisam ajudar”, orienta Santos. Como exemplo dessa ação conjunta, o gerente da Agropalma conta que em 2020 houve uma ocorrência de incêndio em uma das vilas próximas da empresa que poderia ter tomado dimensões trágicas. “Embora não tenha afetado diretamente a nossa área, nossa brigada foi comunicada e imediatamente mobilizada para atuar no incêndio, que chegou a cerca de dois quilômetros de extensão”, descreve Júnior. Segundo ele, a ação foi ainda mais desafiadora por se tratar de uma área de difícil acesso. “Mas atuamos e debelamos o incêndio, que pela nossa avaliação, poderia ter tomado proporções inimagináveis entre as áreas da empresa e de preservação ambiental, além de impactos irreversíveis à fauna.”

SOS ARAGUAIA Em 2017, a Fundação Black Jaguar e a empresa de locação de automóveis Movidas criaram o Programa Carbon Free, para promover o plantio de 1 milhão de mudas de árvores nativas às margens do Rio Araguaia até 2022, chegando a 10 milhões até 2025. Essa iniciativa deu origem à SOS Araguaia, uma campanha de arrecadação de fundos para o combate a incêndios nas proximidades dos municípios de Santana do Araguaia (PA) e Caseara (TO). A ideia, que tem também o apoio do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, é ter recursos suficientes para apoiar as pessoas na linha de frente das ações contra o fogo.

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“TĂ­tulos como os CBios tendem a ser copiados em outras partes do mundo por serem inovadores e atrativos, gerando, inclusive, renda aos produtoresâ€?

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foto: Shutterstock

Ideias e debates com credibilidade

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OS NOVOS ATIVOS AMBIENTAIS E SEU ENQUADRAMENTO JURÍDICO POR ANA MALVESTIO*

Criados pela Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio), os Créditos de Descarbonização (CBIOs) estão alinhados aos objetivos de cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris e de promoção da expansão dos biocombustíveis na matriz energética. Esses títulos tendem a ser copiados em outras partes do mundo por serem inovadores e atrativos, gerando, inclusive, renda aos produtores e importadores de biocombustíveis. Nesse primeiro ano de implementação do Renovabio, os balanços começam a refletir as receitas/custos dos produtores e importadores, além das despesas das distribuidoras que precisam adquirir CBIOS, em razão da venda de combustíveis fósseis. Mas, justamente pela inovação que representa o CBIO, ainda estamos na fase de buscar o entendimento do que esse crédito representa no mundo jurídico. E essa definição refletirá em outra muito relevante para todo o processo de comercialização dos CBIOS: sua tributação. A despeito da definição trazida pelo artigo 15A da Lei 13.576/2017 quanto à incidência de imposto de renda exclusivamente na fonte à alíquota de 15% para as operações de comercialização de CBIOs pelos produtores ou importadores de biocombustível, face à complexidade de nosso sistema tributário, dúvidas significativas residem quanto às demais incidências tributárias tais como PIS, Cofins, Contribuição Social sobre o Lucro e Contribuição Previdenciária.

Na origem de toda a discussão sobre a tributação do CBIO encontra-se a necessidade de definição de sua natureza jurídica. Conceitualmente definido como ativo ambiental, sua natureza seria operacional (produto) ou financeira. Isso porque, a depender do enquadramento como ativo financeiro ou ativo operacional, a tributação será completamente diversa. Pode-se entender que os CBIOs, por serem negociados na B3, seriam ativos financeiros e, como tais, tributados. Por outro lado, os CBIOs podem ser entendidos como mais um ítem dos produtores de biocombustíveis, sendo tributados de maneira equivalente ao etanol/biodiesel, especialmente para fins de PIS, Cofins e Contribuição Previdenciária. E, como não temos precedentes para nos amparar, já que esses ativos praticamente acabaram de ser criados, temos estudado a fundo a experiência internacional com títulos de crédito de carbono, como a que ocorre na Califórnia (EUA), e buscado aplicá-la à nossa realidade. Baseados nos estudos desenvolvidos pela PwC Brasil até o momento, existe uma preferência para o enquadramento do CBIO como de natureza operacional. Nesse contexto é que se torna relevante a necessidade de amadurecimentos dos estudos visando ao enquadramento jurídico do CBIOS para se evitar que a definição de sua tributação não se torne casuística e as partes envolvidas estejam preparadas para fazer os acertos com os entes tributantes. E esse momento chegará em breve.

*Sócia da PwC Brasil especialista em agronegócio

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O BOM, O MAU E O FEIO POR RICARDO CAMPO*

A cena não é incomum. Ambiente árido, tensão no ar, olhares fixos e corpos pareados. Os desafiantes se encaram frente a frente, esperando pelo melhor momento ou um deslize para sacarem seus argumentos e começarem a troca de disparos. Nessa peleja quase que frequente, o debate polarizado entre produção agrícola e sustentabilidade segue ganhando contornos de Spaghetti Western. “Faroeste espaguete” ou “Bang-bang à italiana” foi como ficaram conhecidos os filmes de Western produzidos na Itália, com clara referência aos filmes americanos do gênero. Um dos mais famosos e aclamados filmes desse período formam a “A trilogia dos dólares”*: Por um punhado de dólares (1964), Por uns dólares a mais (1965) e Três homens em conflito, ou do original em inglês, “The Good, the Bad and the Ugly” (1966). Na opinião pública, na mídia e nas redes sociais há uma pressão genuína e crescente por mais e melhores práticas de produção sustentável para garantir o que precisamos no presente sem comprometer as gerações do futuro. E a voz das massas deixa claro o tom da mensagem: não é só possível e viável produzir assim, é mais do que necessário. Com uma pandemia que nos colocou em isolamento e reflexão, o agro seguiu forte alimentando o mundo, mas esse período trouxe para a mesa a discussão de como o desequilíbrio ambiental e social podem limitar aquilo que desejamos para quando tudo isso passar. De um lado os produtores e os empreendedores rurais que sabem o real valor da Terra e de seus recursos

naturais. Do outro, as velhas práticas daqueles que ainda insistem na visão de curto prazo e ganho ilimitado, prejudicando o equilíbrio de um setor que evoluiu com profissionalismo, gestão e tecnologia. Com mais de 15 milhões de produtores rurais em nosso país (Censo Agropecuário 2017), e por tudo o que essa atividade representa para famílias e comunidades inteiras, é de se concluir que nesse enredo há muito mais mocinhos do que vilões. Mas, com uma imagem formada na grande maioria por quem desconhece a essência dos negócios do campo e, em partes, pela falta da organização setorial para um marketing capaz de desmistificar o que é verdade e o que não é, o agronegócio está na mira do grande público. SE VOCÊ JÁ COMEU HOJE, ABAIXE SUA ARMA. “Agradeça a um produtor rural três vezes ao dia”. Nesse ditado americano está a síntese da importância da produção rural ao nosso cotidiano como provedora de alimentos para, pelo menos, nosso café da manhã, almoço e jantar. Se incluirmos aqui as fibras das roupas que vestimos e os biocombustíveis que usamos para nos movimentar, essa gratidão tenderia a ser maior ainda. Porém, como em toda obra cinematográfica, há quem aplauda e há quem critique. Entre eles, infelizmente, alguns “forasteiros” que, por um punhado de likes e por uns seguidores a mais, seguem disseminando a desinformação, atirando fake news sobre um dos segmentos mais importantes da economia brasileira.


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Fatos reais e temas delicados devem sim ser trazidos à tona e discutidos como forma de melhorar a atuação de players do agro e mobilizar lideranças mundiais para ações concretas que resolvam a causa raiz dos problemas. E aqui um destaque para a série documental Rotten (“Podre” em inglês), produzida pela Netflix, que aponta questões sensíveis e expõe situações de cadeias produtivas globais com o objetivo de propor maior consciência sobre a produção e consumo dos alimentos. Comida e produção audiovisual é uma combinação que sempre gera boa audiência e nem tudo é amargo no final. Na mesma plataforma de streaming, ao procurar pelo tema “Food” é possível encontrar pelo menos uns cinquenta títulos entre filmes, séries de culinária, reality shows e outros conteúdos positivos sobre alimentação. Se em frente à TV comemos com os olhos, por que não tentar abrir a cabeça para algumas novas receitas e alimentar também a mente? A COMIDA DO FUTURO É UM DESAFIO NO PRESENTE. Concebido em 1957 por John Da-

vis e Ray Goldberg, pesquisadores da Universidade de Harvard, o conceito de agribusiness envolve a produção, processamento e distribuição de produtos agropecuários. É um sistema complexo que inclui o mercado de insumos, a atividade dentro das fazendas, operações de armazenagem e logística, processamento, atacado e varejo, em fluxos de transação que chegam até o consumidor final. Por algumas práticas questionáveis, o agronegócio passou a carregar estigmas que destoam do seu significado original. Mas, nessa história que mescla contos de ficção e vida real, o roteiro pode ser reescrito para um final surpreendente. Até mesmo um dos “pais” do conceito já entendeu que o mundo mudou e ampliou sua visão sobre o tema. Na sua obra mais recente de 2018, Goldberg compartilha ideias e outras provocações em “Food Citizenship: Food System Advocates in an Era of Distrust”, ou, em tradução livre, “Cidadania alimentar: defensores do sistema alimentar em uma era de desconfiança”. O livro destaca como os consumidores estão mais conscientes de suas PLANT PROJECT Nº23

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escolhas agroalimentares, passaram a demandar alimentos mais saudáveis e sustentáveis, exigindo uma postura diferente das empresas do agro para uma atuação mais inclusiva e interconectada, numa transição de meros agentes econômicos para responsáveis pela estabilidade e futuro do planeta. TRÊS TEMAS EM CONFLITO, UM CAMINHO PARA A SOLUÇÃO. Produção agropecuária, um mundo em mudança e a sustentabilidade. O que num primeiro momento pode até parecer um trajeto tortuoso, na verdade é um caminho sem volta para continuarmos produzindo alimentos, fibras e bioenergia. E nesse ponto a tecnologia é chave para a integração de agentes e interesses, trazendo para o agro um novo olhar de quem acredita em mudança e na resolução de problemas. Agfoodtechs, as startups com foco em agro e alimentação, começam a abrir fronteira para um mercado totalmente novo e que gera oportunidades para quem é do campo ou para quem é da cidade e quer empreender em outros ares. Com novos entrantes, chegam também novos consumidores e há uma chance de se comunicar mais e melhor com quem está disposto a fazer diferente. Startup, esse bicho estranho que desafia o mercado com espírito jovem, inquieto e conectado, tem ajudado a trazer novos investimentos para o setor e também a aumentar a transparência em toda a cadeia produtiva. Com soluções para rastreabilidade, agricultura de precisão, melhor uso dos recursos naturais, redução do nível de aplicação de insumos químicos, desenvolvimento de defensivos

e fertilizantes biológicos, fazendas urbanas e verticais, agricultura regenerativa, bem-estar animal e proteínas alternativas. E não para por aí. Carne que não é carne, leite que não é leite. Inteligência artificial e algoritmos para identificar as melhores matérias-primas para um produto final que pode surpreender em termos de textura e sabor. Tecnologia como a da Notco, startup chilena de produtos veganos que já recebeu aportes de grandes investidores, entre eles Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon. O desafio é escalar para um ponto ótimo, atingindo uma base massiva de consumidores e com preços acessíveis. O mesmo se aplica às novas tecnologias para o campo que precisam se provar viáveis e atingir um número expressivo de clientes, incluindo grandes e pequenos produtores, num ambiente onde há pouca margem para testar e arriscar. E o que esperar como cenas dos próximos capítulos? Luzes, câmera e muita ação! O bom é que há expectativa de um “novo” normal pós-pandemia com empresas e consumidores muito mais engajados. O mau é saber que ainda tem gente interessada em prosperar às custas de comprometer as futuras gerações. O feio é ficar sem fazer nada e apenas torcer pelo insucesso do equilíbrio entre agronegócio e sustentabilidade. * A “Trilogia dos dólares” é sucesso cult até hoje. Os três filmes são estrelados por Clint Eastwood, dirigidos por Sergio Leone e com trilhas de Ennio Morricone, maestro que recebeu um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra e entrou para o Grammy Hall of Fame pelo trabalho no filme “Três homens em conflito”

Ricardo Campo é coordenador de inovação da Raízen e gestor do Pulse Hub. É técnico em artes gráficas pelo Senai Fundação Zerrenner, graduado em Propaganda e Marketing pela Universidade Mackenzie, especialista em Marketing de Varejo pelo Senac e possui MBA em Marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV)


Produção de soja na Tanzânia: O governo criou um plano para modernizar o setor agrícola e aumentar a produtividade

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foto: Shutterstock

As regiões produtoras do mundo

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As regiões produtoras do mundo

Vista aérea de área agrícola na Etiópia: o país africano é um dos grandes produtores do continente e o agro emprega 70% da população economicamente ativa 82


UM CONTINENTE DE OPORTUNIDADES Vista como uma possível adversária comercial, a África, na realidade, oferece enorme potencial para cooperação com o agronegócio brasileiro Por André Sollitto

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o grande debate sobre aumento de produtividade com o objetivo de alimentar a população crescente do planeta, a África, muitas vezes, fica de fora da conversa. O que é surpreendente, já que o continente possui 65% de terras agricultáveis e sua produção ainda é composta principalmente por agricultura familiar – o que indica um enorme potencial ainda pouco explorado. "Se olharmos de maneira um pouco mais aprofundada, logo fica claro que a África não está produzindo como poderia", afirma Natália Dias, CEO do Standard Bank Brasil. "Por isso, o desenvolvimento do agronegócio está no topo da agenda de vários governos do continente". A instituição financeira é uma das maiores da África do Sul e atua em 18 países africanos. Mantém um escritório brasileiro e tem como uma das missões atrair investimentos para o continente. E, nesse quesito, o agro é estratégico. A necessidade de uma produção mais eficiente fica evidente com o rápido crescimento africano. A população aumenta em ritmo acelerado, mas esta não é a única tendência. O desenvolvimento econômico do continente fica atrás apenas da Ásia, e a demografia tem mudado, com uma tardia urbanização. “A ascensão de uma nova classe média também aumenta a demanda por proteínas animais e outros

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alimentos”, diz Natália. Em janeiro de 2020, por exemplo, a Coca-Cola anunciou o desempenho referente a 2019 e a África aparece como um dos mercados de maior crescimento, em especial a região oeste do continente. Como em tantos outros setores, os impactos da pandemia provocaram uma resposta imediata que só vai acelerar processos que normalmente demorariam mais. “Na perspectiva africana, os problemas não foram sentidos de imediato”, afirma Linda Manda, head global de agribusiness do Standard Bank. “A pandemia chegou entre safras e os governos agiram rapidamente para proteger as cadeias de produção e garantir o alimento para a população. Mas países que exportavam para a África foram atingidos. Nesse momento ficou clara a necessidade de autossuficiência”, afirma ela. Em uma estratégia para garantir a segurança alimentar de sua população após a pandemia, a China está diversificando seus canais de importação e vem olhando com interesse crescente para a África. A relação entre os chineses e o continente é antiga e remonta à década de 1950, mas ganhou força a partir dos anos 2000, com a ampliação de programas de cooperação técnica. Neste ano, o governo chinês


África

O PAPEL DO BRASIL Nessa busca por oportunidades na África o Brasil tem, no entanto, ficado para trás. Nem sempre foi assim. O país já foi um grande parceiro comercial do continente, mas situação vem mudando. De 2011 a 2020, a corrente de comércio, a soma de exportações e importações, passou de US$ 20,3 bilhões para US$ 8,3 bilhões, considerando os nove primeiros meses de cada ano. As exportações brasileiras para as dez principais economias caíram – respectivamente 48% e 37% no caso de Nigéria e África do Sul, as duas maiores do continente. Dos cinco produtos mais exportados para a África, quatro são agrícolas: açúcar, milho, carne bovina e carne de aves. As oportunidades para o agronegócio brasileiro em solo africano são evidentes. Começam por uma grande similaridade climática entre nosso País, que nas últimas décadas desenvolveu conhecimento sem igual na

agricultura tropical, e o continente africano. “A savana é muito semelhante ao nosso cerrado. Há um enorme potencial não apenas tecnológico, mas de expertise”, afirma Natália. “Se tomarmos o Brasil como exemplo, o setor agrícola se tornou uma potência mundial em cerca de 30 anos. São muitas lições que poderiam ser compartilhadas com a África”, afirma ela. A Embrapa já enviou à África especialistas capazes de compartilhar conhecimentos com produtores locais, mas essas iniciativas perderam força nos últimos anos. Em abril deste ano, em uma tentativa de retomar essa cooperação, o presidente da Embrapa, Celso Moretti, participou de uma videoconferência com o embaixador da África do Sul no Brasil, Ntsiki Mashimbye, para discutir o desenvolvimento agrícola. As conversas, ainda

Criação de gado no Quênia e o uso de tecnologias no agro africano: a produção no continente ainda é dominada por pequenos produtores e tem taxas baixas de modernização

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assinou um contrato para comprar soja da Tanzânia, reduzindo sua dependência tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos. Em contrapartida, o governo tanzaniano vai importar maquinário, eletrônicos e produtos manufaturados. A China mantém ainda outros acordos com Quênia, Etiópia, Namíbia, África do Sul e Botsuana para a exportação de produtos agrícolas, incluindo café, chá, abacate, soja, carne bovina e frutas.

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preliminares, apontam para um interesse mútuo em estabelecer acordos. "Fora da Embrapa, no entanto, vemos pouco engajamento do setor privado", diz Natália. Na prática, as oportunidades são inúmeras. O governo nigeriano adotou uma estratégia de priorizar a produção nacional de açúcar. O Brasil deixará de exportar, mas de acordo com as novas regras poderá produzir na Nigéria. A produção de soja na Tanzânia precisará ser otimizada para dar conta da crescente demanda da China, o que abre outra possibilidade de cooperação. A Etiópia é um grande produtor têxtil que exporta para a Ásia, embora sua produção de algodão também tenha bastante espaço para melhorias. Moçambique, por exemplo, ainda depende muito da importação de alimentos, outra janela que pode ser explorada. Além disso, o Brasil não vende grãos diretamente para diversos países africanos, o que significa um enorme lucro para as traders, mas um potencial desperdiçado pelos produtores daqui. E isso sem

falar nos investimentos privados que podem ser feitos no desenvolvimento de infraestrutura agrícola em países como Angola. Para atrair investimentos brasileiros no continente, o Standard Bank realizou a terceira edição de seu evento Focus on Africa dedicada ao agronegócio. Totalmente digital, o encontro contou com a participação da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, que falou sobre a necessidade dos países africanos de abrirem suas agendas para o agro brasileiro. Reportagens da imprensa europeia sobre o descaso ambiental brasileiro repercutem de forma negativa na África, prejudicando a imagem do país como parceiro comercial. E ainda existem muitas medidas protecionistas que precisam ser discutidas para permitir uma cooperação unilateral. CAMPO FÉRTIL PARA INOVAÇÃO As oportunidades não ficam restritas apenas à troca de

conhecimento agrícola e aos investimentos privados. Há muito espaço para a inovação no campo. O ecossistema de agtechs na África ainda é pequeno, mas a situação vem mudando rapidamente. De acordo com dados do Standard Bank, o continente já tem 350 startups desenvolvendo soluções para o campo. “Elas estão mostrando como é possível aumentar significativamente a produtividade de pequenos produtores - que representam 80% de todo o agronegócio africano”, diz Linda. “Para esses agricultores é difícil, mas não impossível, aproveitar os benefícios das tecnologias agrícolas”. A falta de conectividade nas zonas rurais, um problema bastante conhecido pelos produtores e empreendedores brasileiros, é outro ponto de conexão que abre oportunidades para agtechs brasileiras. O Agri-Footech Investing Report de 2019, levantamento anual realizado pelo site AgFunder News sobre os investimentos feitos em agtech e foodtech, aponta um crescimento


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À esq., produção de café na Etiópia, estufa de pepinos na África do Sul; abaixo, produção de chá no Quênia e de milho na África do Sul: as condições climáticas do continente são semelhantes às do Brasil, o que possibilita muitas oportunidades de cooperação técnica

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para os produtores das zonas rurais. Em 2019, arrecadou US$ 50 milhões e decidiu apostar em uma expansão, incluindo outros serviços, como um serviço de compartilhamento de corridas de carro, semelhante ao uber, e uma plataforma de comércio online. Agora, fechou esses outros serviços e decidiu focar em sua vocação como agfintech. As oportunidades são inúmeras, mas ainda há muito trabalho a ser feito para estimular a cooperação entre Brasil e África. “O primeiro passo”, diz Natália Dias, “é parar de olhar para o continente africano como um competidor e perceber nele um aliado”.

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significativo. O continente como um todo recebeu o dobro de investimentos em relação a 2018, chegando a US$ 282 milhões. A Nigéria, sozinha, recebeu US$ 201 milhões e aparece entre os 20 países que mais captaram recursos. Os valores ainda são baixos em comparação com a América Latina, que recebeu US$ 1,4 bilhões em 2019, mas mostra um rápido desenvolvimento e a necessidade por soluções. Uma das startups mais populares do continente é a Hello Tractor. Com escritórios na Nigéria e no Quênia, a empresa desenvolve uma solução de gestão de tratores e outros maquinários agrícolas. O aplicativo para smartphones se conecta a um hardware vendido pela agtech e permite que o produtor gerencie sua frota, mas também ofereça seu equipamento para aluguel. A solução já foi chamada de "Uber dos tratores" e despertou a atenção da gigante John Deere, que a convidou para um programa de desenvolvimento de startups, e até do bilionário Bill Gates, que mencionou a solução em seu blog Gates Notes como uma das "cinco inovações tecnológicas que estão mudando a nossa vida". Outra agtech que atraiu a atenção dos investidores é a nigeriana Opay. Sua principal é uma solução de pagamentos que ajuda a driblar os problemas de acesso aos bancos tradicionais, algo especialmente complicado

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Costa do Marfim - Maior produtor e exportador de cacau do mundo, o país quer investir, até 2024, na modernização da cadeia de produção de outras culturas, como arroz, vegetais e manga

ONDE ESTÃO ALGUMAS DAS PRINCIPAIS OPORTUNIDADES PARA O AGRO BRASILEIRO Uganda - Quase 25% da população trabalha no setor agrícola, que responde por 70% do PIB do País. Os planos do governo preveem investimentos para aumentar a produtividade de alimentos como bananas, milho, mandioca e batata, entre outros

Nigéria - Um projeto de promoção da agricultura busca o desenvolvimento de pesquisas de inovação no campo nos próximos anos - Sugar Master Plan: quer atingir a autossuficiência na produção de açúcar Angola - A agricultura é fonte de renda para 90% da população rural. Até 2022, o governo angolano que fortalecer a adoção de práticas agrícolas sustentáveis África do Sul - Uma das maiores potências do continente, estabeleceu um plano de longo prazo que pretende acabar com a pobreza e reduzir a desigualdade até 2030. Nesse cenário, o agronegócio terá um papel determinante na geração de empregos e desenvolvimento econômico

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Quênia - O café é dos principais produtos enviados ao mercado externo, mas as taxas de exportação se mantém estáveis desde 2013 Tanzânia - Com a empregabilidade na agricultura em declínio, o governo tanzaniano quer transformar o agro, atualmente com baixíssima produtividade, em um setor semiindustrializado até 2025 Zâmbia - Quer criar, até 2030, um setor agrícola efiMoçambique ciente, competitivo e - Apenas 16% sustentável a partir da das terras culadoção de práticas tiváveis do país que minimizem os imestão sendo de pactos das mudanças fato exploradas climáticas Zimbábue - Até 2032, o país quer fortalecer a produção de milho (que registrou recorde de produtividade em 2017) e trigo e ampliar a contribuição da agricultura no PIB


Receita brasileira de IPA com cacau: Parceria entre a cervejaria curitibana Bodebrow e o Iron Maiden foi iniciativa da banda britânica de heavy metal

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A grande feira mundial do estilo e do consumo

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W WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

CERVEJAS COM MUSICALIDADE Novos rótulos, receitas exclusivas e grandes nomes da música. Cervejarias brasileiras apostam nessa harmoniosa combinação, com produção diferenciada, para emplacar suas criações entre as mais tomadas e conquistar um público cada vez maior Por Romualdo Venâncio

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relação entre sabor e ritmo deu um novo significado para o termo “harmonização” no universo cervejeiro no Brasil. A musicalidade se tornou um item tão valioso para aprimorar as receitas das bebidas quanto dos negócios. E com uma versatilidade que não se vê em outros países. A diversidade de ingredientes tropicais abre um leque gigante de combinações entre sons e sabores, que vão desde a marcação vibrante do samba até a agressividade do heavy metal, com suas guitarras gritantes. A recompensa vem com o aquecimento do mercado e rótulos premiados. A combinação brasileira mais abrangente entre música e cerveja é certamente a criação da Brassaria

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Ampolis, fabricante de “diuréticos diferenciadis”, como diz Sandro Gomes, um dos sócios da empresa. A cervejaria, que faz parte do Grupo Petrópolis, nasceu como uma homenagem ao pai de Sandro: ele é filho de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o eterno Mussum. Famoso como músico por sua participação no grupo “Os Originais do Samba” e mais ainda como humorista, ao fazer parte do quarteto “Os Trapalhões”, Mussum era uma figura muito carismática, divertida, tinha um dialeto peculiar e uma admiração única pelos “mésis”. Até por isso os primeiros rótulos da Ampolis, lançados em 2013, eram autoexplicativos, como a vienna lager Biritis, a primeira do portfólio. Depois


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vieram a session ipa Forévis e a wheat beer DiTriguis. O objetivo inicial era atender alguns poucos pontos de venda no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas o cenário mudou rapidamente. “Assim que saiu a notícia de que ‘vem aí a cerveja do Mussum’, a procura foi imediata em todos os pontos do Brasil e a gente não tinha nem como suprir a demanda”, diz Sandro. “Sabíamos do carinho de todos, mas subestimamos um pouquinho o que hoje a gente chama, brincando, de ‘The Power of Mussum’”, acrescenta Diogo Mello, também sócio da Ampolis. Um ano depois, a Ampolis lançou a Cacildis, cerveja concebida para ser o carro-chefe. “Ela veio para conquistar o volume, é uma premium american lager com alta bebabilidade, para ser consumida em qualquer ocasião”, descreve Sandro, que mais uma vez foi surpreendido. A crescente demanda e a diversidade do público consumidor da Cacildis mostraram que a popularidade do Mussum é um diferencial único e atemporal, considerando que o artista faleceu em 1994. “É uma relação que vai além de uma simples cerveja, é uma love brand, as pessoas têm um vínculo emocional com a Cacildis que não têm com nenhuma outra marca”, afirma Diogo. Essa é uma relação bem local, mais restrita ao público brasileiro, que se divertiu com o Mussum ou descobriu seus 92


A receita da Trooper brasileira, uma IPA com cacau, foi desenvolvida em conjunto pelos irmãos Samuel e Claudio Cavalcanti e Bruce Dickinson, o vocalista do Iron Maiden. Ao lado, Sandro Gomes e seu sócio Diogo Mello, e a linha de “diuréticos diferenciadis” da Ampolis

talentos mais tarde nos registros audiovisuais e tem essa conexão cultural. Mas quando se trata de qualidade e sabor, o reconhecimento não tem fronteira. Em 2018, a Cacildis foi medalha de ouro no World Beer Awards, na categoria Lager (style Internacional Lager). Na mesma edição do prêmio, a cervejaria conquistou bronze com a Biritis, na categoria Lager (style Vienna), e com a Forévies, na categoria IPA (style Session). DO SAMBA AO METAL Outra cerveja nacional premiada na Europa é a Trooper Brasil Ipa. Produzida pela Bodebrown (Curitiba, PR), ela foi lançada em 2019, durante o Mondial de la Bière, evento realizado no Pier Mauá, no Rio de Janeiro. No início de novembro de 2020, o rótulo foi medalha de prata

na nona edição do Brussels Beer Challenge, o primeiro concurso profissional de cervejas da Bélgica, na categoria Flavoured Beer – Chocolate. “Esse é um dos principais concursos de cerveja do mundo”, comenta, orgulhoso, Victor Oliveira, o diretor de Marketing da Bodebrown. Para quem gosta de cerveja e heavy metal, não é difícil juntar os pontos para entender qual é a relação musical nessa história e qual é sua dimensão. O nome da cerveja é uma referência à música “The Trooper”, um dos grandes sucessos do Iron Maiden, a histórica banda de heavy metal nascida na Inglaterra, em meados dos anos 1970, e que se tornou também um exemplo para o mundo dos negócios. Principalmente pela inquietação de seu frontman, Bruce Dickinson, vocalista, empresário, piloto de avião – é ele quem conduz o Ed Force One, o Boeing 747-400 Jumbo da própria banda –, esgrimista e, entre outras coisas, mestre cervejeiro. “Ele tem uma resposta muito rápida para os sabores”, comenta Victor, sobre a habilidade de Bruce experimentando cervejas. A Trooper Brasil Ipa também é uma cerveja original do Iron Maiden, e foi desenvolvida em parceira pela Bodebrown e pela banda, representada pelo Bruce. O mais interessante é que foi o grupo quem procurou a cervejaria. Os irmãos Samuel e Claudio Cavalcanti, proprietários da Bodebrown, costumam rodar o mundo em busca de informação, PLANT PROJECT Nº23

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Trooper IPA Brasil

Cacildis

Tropicana

The Drummer

Cervejaria Bodebrown (Curitiba/PR)

Cervejaria Colorado (Ribeirão Preto/SP)

Cervejaria Colorado (Ribeirão Preto/SP)

CBCA

Brassaria Ampolis (Petrópolis/RJ)

_ SESSION IPA

_ AMERICAN LAGER

_ SUMMER ALE

_ FRUIT BEER

_ AMERICAN LAGER

A goiabada deixou de ser somente a sobremesa, como cantava Tim Maia, ela entrou também na cerveja. Esse toque de tropicalidade deixou a novidade da Colorado com sabor frutado e um leve dulçor.

Misturar umbu e cajá na cerveja só pode ser coisa de brasileiro, no melhor sentido da expressão. Ainda que o Alceu Valença seja conhecido mundo afora, em que outro país se imaginaria tal combinação? Como não poderia deixar de ser, a Tropicana tem sabor frutado e um leve dulçor.

A cerveja é uma parceria comercial entre a CBCA e o ex-baterista do Guns N’ Roses, Matt Sorum, que já chama o rótulo de “a cerveja do rock’n’roll”. Fabricada por aqui, será exportada para a Califórnia.

5% de grau alcoólico 21 IBU

Resultado de uma parceria com o Iron Maiden, a histórica banda de heavy metal que já têm vários rótulos produzidos na Inglaterra. A combinação do cacau com outros ingredientes com sabor tropical deixa a cerveja mais leve e com nível de drinkability mais alto.

4,6% de teor alcoólico 13 IBU

5% de teor alcoólico 20 IBU

A Cacildis surgiu com a proposta de ganhar espaço no segmento de cervejas premium e trazer a imagem do músico e humorista Mussum para a rotina das pessoas, como diz Sandro Gomes, filho do artista e sócio da Ampolis. Segundo ele, “o resultado é muito positivo”.

conhecimento, novas ideias e oportunidades de negócio. E por isso já cultivavam boas relações no mercado inglês, a ponto de serem convidados pela Adnams Brewery para produzir uma pale ale lá na Inglaterra. “Essa cerveja foi distribuída em muitos bares, levando o nome da Bodebrown, e alguém deve tê-la apresentado ao pessoal do Iron”, diz Victor. Em um primeiro encontro com Bruce, os irmãos Cavalcanti mostraram a ele alguns de seus rótulos e o vocalista se encantou com a Cacau IPA, porque ele queria mesmo algo com referências tropicais. Embora o cacau seja o grande diferencial da nova cerveja, a combinação dos outros ingredientes reforça a pegada tropical, como os 94

Do Leme ao Pontal

4,3% de teor alcoólico 10 IBU

lúpulos amarillo e korasheis, mais cítricos, e o sabro, que tem notas de coco. “E há ainda quatro tipos de malte que fazem essa conexão com os lúpulos, e a combinação toda dá uma impressão de chocolate branco”, diz Victor. O gerente de Marketing da Bodebrown conta que o cacau é fornecido em sementes torradas, por uma fazenda de Ilhéus, na Bahia. Já os lúpulos são, na maioria das vezes, importados. “É um desafio, porque depende muito de características climáticas e de solo. Temos muitas plantações no Brasil, mas não atendem tanto o que precisamos”, afirma Victor. Nas duas situações, certamente há oportunidades para o agronegócio brasileiro.


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A Cervejaria Colorado aposta na brasilidade, como a mistura de umbu e cajá da Tropicana. Já a The Drummer é o passaporte da CBCA para o mercado externo

Por falar em oportunidades, a Trooper representa um salto nos negócios da Bodebrown, pois com pouco mais de um ano de existência a cerveja é a que ocupa mais espaço no armazenamento da empresa, que tem capacidade para 180 mil litros. A associação à imagem do Iron Maiden, que tem uma enorme legião de fãs no Brasil, deu uma projeção gigante para a marca, que avançou sobre as fronteiras do nicho de cervejas artesanais e entrou nas mais diversas redes de supermercado, inclusive as que atendem um público mais popular, como a Condor, no Paraná, e o Dia, em São Paulo. Victor conta que já existem planos de outros rótulos ligados a bandas, mas os projetos ainda estão em análise, até por conta da infraestrutura para produção. Aguardemos. DO SWING AO HARD ROCK A Cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), é uma das indústrias que apostam alto nessa receita de música e cerveja. Conhecida por explorar sabores tipicamente brasileiros, a empresa lançou em outubro de 2019 a “Tropicana”, uma cerveja fruit beer com umbu e cajá, ingredientes que vieram da música “Morena Tropicana”, de Alceu Valença. Um ano depois, a Colorado

apresentou uma nova fórmula de sabor e ritmo, agora com mais swing e um toque de goiabada para atiçar a curiosidade do público. Em outubro de 2020, chegou ao mercado a cerveja summer ale “Do Leme ao Pontal”, inspirada, claro, em Tim Maia. Com a “Do Leme ao Pontal”, a Colorado também trouxe mais musicalidade para sua estratégia de marketing, criando uma playlist com grandes sucessos do “síndico” Tim Maia no Spotify. Lá o público encontra ainda o link para ir direto à página da cerveja no site da empresa. A Companhia Brasileira de Cerveja Artesanal (CBCA), dona das cervejarias Leauven (Piracicaba, SP), Schornstein (Pomerade, SC) e Seasons (Porto Alegre, RS), também investiu nessa mistura, mas com um formato diferente de negócio. Em setembro de 2020, a empresa anunciou uma parceria com Matt Sorum, ex-baterista do Guns N’ Roses, uma das principais bandas de hard rock que surgiram nos anos 1980. Juntos, Sorum e a CBCA lançaram a cerveja american larger “The Drummer”, que será fabricada no Brasil e comercializada na Califórnia, nos Estados Unidos, onde o músico mora. Toda a estratégia de lançamento e posicionamento do novo rótulo está sendo realizado pela agência Global Shooper. PLANT PROJECT Nº23

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FUTURO AMADEIRADO Ao contrário do que possa parecer, intensificar o uso de madeira na construção civil e na arquitetura tende a ser um caminho para tornar tanto o agronegócio quanto o mercado imobiliário mais sustentáveis

foto: Shutterstock

Por Romualdo Venâncio

Lâminas de madeira usada em revestimentos: material ganha novos usos na construção 96


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nquanto muitas discussões sobre o desmatamento e a sustentabilidade do agronegócio brasileiro não saem do lugar, empresas e instituições ligadas ao setor da madeira aumentam suas apostas para que essa matéria-prima seja cada vez mais utilizada nos segmentos da construção civil e da arquitetura. A recente inauguração do primeiro edifício, no Brasil, todo em madeira CLT (Cross Laminated Timber) ou mass timber, é um exemplo de como essa tendência global ganha força por aqui. A loja aberta pela Dengo Chocolates, empresa criada pelo fundador da Natura Gulherme Leal, tem 1.500 m2 em quatro pavimentos, fica na capital paulista, na Av. Brigadeiro Faria Lima, uma das principais vias da cidade. Essa obra é apenas uma mostra do que está por vir. As placas de CLT utilizadas na loja da Faria Lima foram importadas pela Urbem, empresa do grupo Amata, que tem quatro operações florestais no País e anunciou investimento de R$ 100 milhões na construção de uma fábrica de madeira engenheirada de pinus na região Sul. A previsão é de que a nova unidade entre em operação em 2022, com capacidade de produção anual acima de 60.000 m3 que abastecerão os mercados interno e externo. Não para por aí. Em parceria com o escritório de arquitetura Triptyque, a Amata projeta erguer um prédio de 13 pavimentos, todo em CLT, em uma área construída de 5.500 m2, com espaços coliving, lojas e restaures. Batizado de Floresta Urbana, o edifício também será

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em São Paulo, na Vila Madalena. Isso tudo reflete o que já vem acontecendo em vários lugares do mundo, como Estados Unidos, Ásia e Europa, e reforçam o conceito defendido pelo FSC (Forest Stewardship Council), organização independente, não governamental e sem fins lucrativos que promove e certifica o manejo florestal. Para a instituição, que tem sede na Alemanha e atua em mais de 80 países, o uso mais amplo da madeira na construção civil e na arquitetura contribuiria para a redução da pegada de carbono e ainda seria um estímulo à diversificação de espécies usadas, reduzindo a pressão sobre as mais demandadas atualmente. “A madeira não é tão popular na construção civil aqui no Brasil, mas o mercado nacional tem um potencial de crescimento muito grande”, diz Daniela Teixeira Vilela, engenheira florestal e coordenadora técnica do FSC Brasil. A especialista lamenta não aproveitarmos mais as oportunidades. “Acabamos exportando matéria-prima para ser usada na construção civil de outros países.” Daniela explica que esse pouco espaço para a madeira tanto na construção civil quanto na arquitetura resulta de diversos fatores, desde mercadológicos até culturais. “Por conta da nossa colonização, há uma ideia de que construção boa é a de alvenaria, a de madeira é algo mais simples”, diz ela, acrescentando que o uso inadequado da matéria-prima acabou criando certos PLANT PROJECT Nº23

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foto: Rewood

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preconceitos. “Existe uma ideia negativa relacionada ao risco de fogo e de que é um material perecível, não tão resistente.” Por razões como essas, profissionais do setor são desestimulados a considerar a madeira em seus projetos, nem mesmo os cursos acadêmicos relacionados a construção civil e arquitetura dedicam espaço suficiente para o tema. A situação é parecida no Chile, onde apenas 18% das casas familiares são de madeira, segundo Eduardo Hernandéz, COO Forest & Wood Products da CMPC Celulosa S.A. “A indústria florestal chilena tem grande interesse em promover a construção de casas de madeira”, diz Hernandéz, que 98

tem como base de trabalho exatamente o maior edifício de madeira da América do Sul, localizado na cidade chilena de Los Ángeles. O prédio, inaugurado em março de 2019, abriga todo o administrativo da operação da centenária companhia de madeira e celulose no Chile, e foi construído também com o intuito de promover o uso da madeira. O projeto do Edificio Los Ángeles tem certificação do FSB. BENEFÍCIOS DIVERSOS Entre as vantagens da madeira como matéria-prima para os mais diversos projetos imobiliários e de infraestrutura, o FSC destaca, além da pegada ambiental, o fato de ser um material renovável, que


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A loja da Dengo em SP (à esq.): primeiro edifício todo em madeira CLT do Brasil. No exterior, a tendência já está consolidada

consome menos energia para ser produzido, pode ser adaptável às mais diversas situações com o uso de tecnologia e reduz o tempo de conclusão das obras. De acordo com a instituição, há inclusive uma resistência maior das estruturas mais densas em relação ao fogo, pois como a madeira queima devagar, durante a primeira hora de um incêndio apenas a camada superficial estaria em chamas. “Temos o exemplo do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, que não foi pior porque as vigas de madeira resistiram”, comenta Daniela. A informação da coordenadora técnica do FSC Brasil é confirmada pelo próprio site do Museu da Língua Portuguesa. Após o incêndio que ocorreu em 21 de dezembro de 2015, bombeiros e especialistas recomendaram a reconstrução da cobertura do edifício com madeira. Inclusive, peças de madeira recuperadas foram reaproveitadas para a construção de outros elementos do prédio. “Em cerca de 85% da madeira necessária para a recuperação das esquadrias foi utilizado o

material já existente no edifício: dos 20 m³ de madeira necessários para a restauração das esquadrias, 17 m³ são reaproveitados da sustentação da cobertura do prédio”, informa o site. A diversidade de espécies disponíveis no Brasil, tanto de floresta nativa quando plantada, abre um leque enorme de possibilidades de aplicação. “Nossa floresta é riquíssima, e por lei as empresas têm de trabalhar com a diversidade. E tratamos de muitas espécies nativas, mas há espaço para utilização das exóticas, que podem ser plantadas, basta que a gente busque a solução mais adequada para aquele uso”, comenta Daniela. “Acontece de algumas espécies que não são tão famosas apodrecerem nos pátios porque não há demanda. Às vezes querem ipê e nem sabem exatamente por quê. Poderíamos dobrar a utilização de espécies diferentes.” Essa é uma das razões pelas quais a holding Precious Woods trabalha com cerca de 90 espécies, das quais 60% são do Brasil os outros 40% são de origem africana, da atuação do PLANT PROJECT Nº23

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foto: Precious Wood

grupo no Gabão. Esses números podem variar de um ano para outro, mas fica sempre em 90 ou mais espécies. “Assim, qualquer demanda do consumidor pode ser atendida por várias dessas opções, seja para engenharia, seja para móveis, pisos, forros, acabamentos e outras possibilidades”, diz Jeanicolau Lacerda, sócio-proprietário da Empresa Avaplan Engenharia e assessor da Precious Woods. “Temos avaliações do comportamento e utilização de cada uma das espécies que comercializamos. Além disso, há uma série de bases técnicas para consulta de ‘usabilidade’ de muitas madeiras pouco conhecidas, material desenvolvido pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológivas),

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SFB (Sistema Florestal Brasileiro), Embrapa Florestas, entre outros.” DESAFIO DE MERCADO Fundada em 1990 por investidores suíços, a Precious Woods opera no País sob o nome de Mil Madeiras Maravilhosas, na região de Itacoatiara (AM), e desde 1997 maneja florestas tropicais com certificação do FSC. Lacerda conta que hoje a área de operação da holding passa um pouco de 500 mil hectares de florestas nativa, e que a empresa pretende ampliar sua operação em área de concessão. Mas esse crescimento tem como foco a exportação, pois a venda de madeira no Brasil pela empresa é ínfima. “O mercado nacional não

remunera de forma justa, o valor é definido pela madeira ilegal”, afirma. Para o assessor da Precious Woods, se não fosse essa injusta concorrência, as oportunidades no Brasil seriam enormes para a empresa, assim como para outras companhias. “O consumidor brasileiro tem por hábito adquirir pouquíssimas espécies pelo menor preço, não importando a origem”, lamenta Lacerda. Ele acrescenta que esse problema não é uma exclusividade do mercado nacional. “O mercado ilegal de madeira é um fenômeno mundial, presente em todos os países que têm florestas tropicais nativas, e movimenta, segundo a Interpol, valores anuais entre 50 a 150 bilhões de dólares”, diz. Para


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Construção em madeira CLT em Tóquio (à dir.) e exemplos de sua utilização na Europa: obras mais rápidas e com menor impacto ambiental

a Interpol, o mercado ilegal de madeira faz parte de uma estrutura maior, que envolve ainda tráfico de pessoas, armas e drogas, lavagem de dinheiro, mão de obra escrava e corrupção. Não por acaso, têm surgido diversas movimentações aqui no Brasil com o intuito de jogar luz sobre temas espinhosos como esse e buscar soluções coletivas. Essas ações envolvem representantes das cadeias agropecuárias, empresas direta e indiretamente relacionadas com o agro, autoridades, governos, instituições de pesquisa, força policial, enfim, quem mais puder somar para apertar o cerco. “Temos participado ativamente de movimentos como a Coalizão Brasil Clima e auxiliamos diversos órgãos governamentais focados em comando e controle, colaborando com nossa expertise no desenvolvimento

de operações e mecanismos para o combate ao comércio ilegal de madeira”, diz Lacerda. Para Daniela Vilela, do FSC Brasil, essa questão da redução da oferta de madeira ilegal também envolve conscientização do consumidor final. “Quando as pessoas veem um caminhão de madeira na estrada já associam a desmatamento ilegal”, comenta. Ela afirma ser fundamental o questionamento, pois faz pensar, refletir, buscar informação, o que só aumenta a importância de se ter dados corretos à disposição. O FSC criou até uma hashtag #manejoflorestalnãoé desmatamento – para chamar a atenção da sociedade aos diferenciais do manejo sustentável, como corte seletivo de árvores, retirada limitada apenas no momento certo e o fato de que a floresta continua de pé. Esses fatores

Vantagens da madeira - Por ser uma matéria-prima renovável, tem uma pegada ambiental mais favorável - Os avanços tecnológicos permitiram torná-la mais adaptável - Construções de madeira são concluídas mais rapidamente - Outros materiais, como o concreto, consomem mais energia para ficar prontos - Permite reciclagem, pode ser reutilizada - Do ponto de vista estético, tem uma diversidade muito maior - Estudos indicam ser mais aconchegante Fonte: FSC, com adaptação Plant Project

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também ajudam a explicar a diferença de preço entre madeira certificada e ilegal. A tecnologia é uma grande aliada nessa jornada, desde os sistemas gestão das fazendas, com identificação e monitoramento das árvores, até as imagens de satélite que dão uma visão mais ampla de todo o setor. Agora, o FSC trabalha em um projeto inovador, em parceria com AgroIsolab, US Forest Service, WRI (World Resources Institute) e Royal Botanic Garden, que visa a identificar a espécie e a origem da madeira a partir da utilização de isótopos. É como se fosse um teste de DNA, e por isso será necessária uma base comparativa. Daniela conta

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que a ideia é um atendimento global e que o processo de coleta de amostras já começou e será intensificado em 2021, para que no ano seguinte já comecem os testes de comparação. “Esse projeto vai servir a diversos propósitos, pesquisas e construção de conhecimento, o que trará muito mais segurança."

NOVOS DESAFIOS Em fevereiro, Daniela Teixeira Vilela completaria três anos no cargo de coordenadora técnica do FSC Brasil, mas a celebração foi antecipada. A partir de janeiro ela assume a gestão da instituição, como diretora executiva, substituindo Aline Tristão Bernardes. Daniela é engenheira florestal formada pela Esalq/ USP, com especialização em Sistemas de Gestão de Qualidade pela Unicamp, e desde o início de sua carreira se dedicou à certificação. Um de seus primeiros desafios no novo cargo será elaborar o Plano Estratégico 2021-2025, com estratégias para ampliar o reconhecimento da marca FSC, fortalecer a certificação no Brasil, promover a participação efetiva e equilibrada entre as câmaras e assegurar o empoderamento do escritório nacional. “Assumo a diretoria executiva do FSC Brasil, com todos os desafios e projetos importantes que estão sendo realizados, e espero corresponder às expectativas. Posso dizer que estou totalmente comprometida a termos Florestas para Todos para Sempre!”, comenta Daniela. 102

Crescimento do uso de madeira na construção civil e na arquitetura pode reduzir pressão sobre poucas espécies aqui no Brasil


O violeiro carioca Yassir Chediak: Apรณs se apaixonar pelo instrumento ouvindo Tiรฃo Carreiro e Pardinho, criou o maior portal de viola caipira do Brasil

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Um campo para o melhor da cultura

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Um campo para o melhor da cultura

A VIOLA NÃO É UMA MODA Símbolo da cultura sertaneja, a viola caipira é o mote de um site produzido pelo músico Yassir Chediak para divulgar a música, a gastronomia e os causos do homem do campo, além de mostrar o potencial ilimitado do tradicional instrumento Por André Sollitto

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uem não gosta de viola que não ponha o pé lá em casa/A viola está tinindo, o cantador tá de pé/Quem não gosta de viola, brasileiro bom não é". Com esses versos Tião Carreiro (1934-1993), um dos maiores violeiros da história, e seu parceiro Pardinho (1932-2001) terminam o clássico "Chora, Viola". A canção é uma homenagem ao instrumento mais associado ao homem do campo e à música sertaneja de raiz descendente direta das violas portuguesas trazidas da Europa, mas que encontrou no Brasil um sotaque próprio. Preservar esse legado, mas também para mostrar todo o potencial do instrumento além da música sertaneja, é uma missão para o músico Yassir Chediak, criado em Ipanema, no Rio de Janeiro, mas com a alma forjada no Interior do Brasil. Há mais de três décadas, quando a internet ainda era discada e websites eram raros, ele criou a página Viola Caipira e lançou o embrião de um ambiente digital para promover o símbolo da cultura sertaneja junto a novos públicos. O site virou portal e mostrou, nesse tempo todo, que a moda de viola resiste a tudo – principalmente a modismos. "Registrei o domínio em 1998", conta o violeiro Chediak. O site só foi ao ar mesmo quatro anos depois. "Na época, a gente tinha três, às vezes quatro visitas por dia. E isso era incrível", conta. Um tempo depois, conseguiu um patrocínio da Rozini, uma das principais fabricantes do instrumento no Brasil, e o portal engrenou. "Eu fazia matérias, programava a primeira webrádio de música caipira de raiz, dava dicas, publicava cifras de viola." O portal atualmente está de cara nova.

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Agora, a versão online é a 5.0, como diz Chediak. Seu objetivo é divulgar a cultura caipira principalmente por meio das modas e dos pagodes, mas também incorporar outros elementos tradicionais, como a gastronomia e os causos. Trata-se de uma tentativa do violeiro de promover uma identidade cultural muito ligada ao agro, mas pouco explorada pelo setor. "Os americanos investem em sua identidade cultural. É na música, é em Hollywood. Tem todo um contexto", afirma ele. Aqui, isso ainda precisa ser trabalhado. O público do site vem de vários lugares do mundo, mas a maior parte dos acessos é de habitantes do interior. "Tem muita gente do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais e da região Sul", conta. Para ele, o interesse pela música e pela cultura caipira está relacionada a uma busca para recuperar hábitos e interesses. "As pessoas, principalmente na pandemia, estão buscando conexões consigo mesmas, com suas histórias. Elas estavam desconectadas de seus lugares. Agora, mesmo isoladas, estão se reencontrando com aquilo que amam, com suas famílias". A ARTE ESTÁ NO SANGUE Yassir vem de uma família de artistas. Seu pai, Braz Chediak, é cineasta, diretor de filmes como A Navalha Na Carne, de 1969, e Dois Perdidos Em Uma Noite Suja, de 1970. Seu primo, Almir Chediak (1950-2003), foi um importante produtor, compositor e pesquisador. O próprio músico conta que apareceu em um filme pela primeira vez ainda criança, com quatro anos. As memórias mais antigas que tem com a música estão relacionadas à folia de reis que via quando ia passar as férias com a avó, em Minas Gerais. Na


Yassir Chediak no palco: antes de se dedicar à viola ele se afastou das raízes artísticas da família e foi para o mercado financeiro

QUATRO MODAS INESQUECÍVEIS 1 "Chora, Viola", de Tião Carreiro e Pardinho 2 "Folia de Reis", de Renato Andrade 3 "Disparada", de Geraldo Vandré, na versão de Tonico e Tinoco 4 "Corumbá", de Almir Sater

adolescência, virou músico. "Mas eu era guitarrista, tocava Rush e Iron Maiden", lembra. Decidiu se afastar da música e entrou no mercado financeiro. Até que comprou um LP de Tião Carreiro e Pardinho. "Achei aquilo demais. Depois de um tempo, resolvi largar o mercado financeiro de vez". Desde então, aperfeiçoou sua técnica na viola. Se formou em música, compôs trilhas sonoras para programas de televisão e para novelas, como Paraíso, da TV Globo. Também estudou atuação com grandes professoras, como Myriam Muniz. Trabalhou com teatro, mas continuou escrevendo canções para a televisão. É dele o tema do programa de rádio Brasil Caminhoneiro, e também a trilha de episódios do Chico Bento. Também apresentou programas no Canal Rural, levando uma viola para

preencher qualquer espaço na programação. Agora, diz ter encontrado seu espaço de maior liberdade na internet. Além do portal Viola Caipira, Chediak abastece suas redes sociais pessoais com conteúdo. Tem quase 20 mil seguidores no Instagram e outros 27 mil no Facebook. Ele se empolga com a repercussão dos vídeos que publica. Dentro do site faz três atualizações semanais. Em uma, dá dicas de como tocar viola. Em outra, apresenta alguma moda clássica e faz sua interpretação. Na terceira, abre o espaço para outros instrumentistas. HERDEIRO DE UM LEGADO Com o objetivo de popularizar a cultura sertaneja, Yassir Chediak vê a si mesmo como um Rolando Boldrin moderno. “Só que toco bem!”, brinca. O compositor, pesquisador e apresentador do PLANT PROJECT Nº23

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Música

Com Geraldo Azevedo e Renato Teixeira: como parceiro de grandes lendas da música Yassir quer mostrar a versatilidade da viola caipira

programa Sr. Brasil é uma das maiores influências do violeiro, principalmente por conta da pluralidade de interesses e habilidades artísticas. “Nesse segmento da viola eu estou herdando essa genética do Rolando. E tudo isso sendo um carioca de Ipanema, responsável pelo maior portal de viola do Brasil. Um amigo brinca que sou o violeiro surfista de botina de goma". Essa sua vivência motiva sua pesquisa ampla sobre o instrumento. Como diz na nova versão do portal, quer apresentar as tendências que existem na viola. "As pessoas falam sempre da música caipira. Mas também

existe uma tendência dos violeiros instrumentais, que tocam choro, que tocam jazz. Antigamente ela era, de fato, exclusivamente caipira. Hoje ela abraça tudo: de Beatles a Bach", diz ele. “Existe a viola do nordeste, dos repentistas. Existe a viola caiçara. A viola da Bahia, ligada ao samba do recôncavo baiano. As violas do Sul. E também as origens europeias. É um instrumento muito mais amplo do que se pode imaginar”, afirma. Mesmo com o site há tanto tempo no ar, ele apenas começou a explorar a história da viola e tudo que ela pode proporcionar.

OS MAIORES VIOLEIROS DE TODOS OS TEMPOS, SEGUNDO YASSIR CHEDIAK Renato Andrade "Inovou a viola caipira instrumental e marcou profundamente a história pela beleza de sua música"

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Tião Carreiro "Também inovou a viola, dentro do formato das duplas caipiras tradicionais. Tem uma marca muito forte em seus solos"

Tonico "Enquanto Tião Carreiro virou um deus da viola, Tonico ficou meio esquecido, mas é um grande instrumentista"

Almir Sater "Modernizou o instrumento e divulgou a viola de uma forma bem ampla"

Ivan Vilela "Um erudito, levou a viola para uma cadeira universitária"


Comprando insumos online: A necessidade apresentou uma nova opção ao agricultor

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STARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

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STARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

Ao experimentar os marketplaces do agro, até produtores reticentes viram as vantagens do formato 110


O MERCADO GANHOU O DIGITAL Sem muitas opções durante a pandemia, o produtor se volta aos marketplaces do agro e consolida um novo canal de compra e venda que deve conviver com os distribuidores e revendas tradicionais Por André Sollitto

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E-commerce A Orbia e a Agrofy: as duas plataformas tiveram um crescimento bastante expressivo durante os meses de pandemia

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echados em casa, muitos brasileiros resolveram experimentar as compras online pela primeira vez. Um levantamento feito pela Ebit/Nielsen mostra que 7,3 milhões de pessoas tiveram o primeiro contato com e-commerce em 2020, e o setor como um todo cresceu 47% do primeiro semestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019, maior alta em 20 anos. No campo não foi diferente. Com a mobilidade restringida e muitos comércios fechados, produtores que ainda não haviam testado a compra de insumos pela internet se viram empurrados a testar o formato. E perceberam que esse modelo de negócios pode ser prático e vantajoso. Assim, um novo termo foi incluído no vocabulário dos negócios dp campo: marketplace, palavra em inglês que define os ambientes digitais que reúnem compradores e vendedores de produtos e serviços. Mas a consolidação dos marketplaces não aconteceu de repente. Para entender essa movimentação é preciso retroceder alguns anos. "Antes da transformação digital, tínhamos um modelo de compra muito fixo a uma cadeia de valor", diz Ivan Moreno, CEO da Orbia. "Os players que atuavam no mercado eram muito bem estabelecidos. Havia pouca movimentação ", afirma. Com a digitalização, empresas pequenas, startups e estudantes passaram a ter acesso ao mesmo tipo de recurso que grandes multinacionais. Surgiram novos produtos, capazes de substituir os antigos. "Esse processo bagunçou essas cadeias de valor", diz Moreno. Nesse cenário, os marketplaces surgiram como uma forma de organizar o mercado, reunindo os produtos em um único lugar e oferecendo uma plataforma tanto para vendedores quanto para compradores.

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"Como toda inovação, temos uma curva de aprendizado. O que a pandemia fez foi achatar essa curva, que já era uma tendência. Ia acontecer de maneira natural", afirma o executivo. A Orbia foi lançada pela Bayer a partir de uma joint venture com a empresa de tecnologia Bravium em 2019 com o objetivo de se tornar o marketplace "mais famoso do agro", como afirmou Gerhard Bohne, presidente da divisão agrícola da multinacional no evento de lançamento. A plataforma começou com 34 distribuidores e uma base de 170 mil produtores conectados, que representam 70% da área plantada no País, de acordo com Ivan Moreno. Quando a pandemia chegou, a Orbia já estava bem posicionada para dar conta da demanda. "Hoje, temos por volta de 160 distribuidores. Estamos com uma taxa de crescimento de 12 distribuidores ao mês", diz ele. As vendas na plataforma também dispararam. "Em junho, fizemos uma campanha de venda, de teste. Foram R$ 16 milhões transacionados em dois meses. Em agosto, fizemos uma segunda campanha e passamos para R$ 140 milhões em apenas uma semana. Na Black Friday, fizemos uma terceira, a Agro Friday, e em um único dia comercializamos R$ 51 milhões", afirma Moreno. A Agrofy também teve um impacto semelhante. A agtech surgiu na Argentina em 2015 e chegou ao Brasil três anos depois. A estratégia da empresa é cobrir todas as categorias de produtos que o agricultor pode precisar. A operação brasileira começou com o maquinário, em 2018, e novas categorias foram adicionadas ao longo de 2019. Na Show Rural Coopavel deste ano, realizada semanas antes das medidas de isolamento


social serem colocadas em prática, a Agrofy passou a incluir insumos entre os produtos disponíveis. Inicialmente foram sementes, depois fertilizantes e defensivos. Assim como a Orbia, já estava plenamente estabelecida para atender aos produtores quando outras formas de venda ficaram indisponíveis. De acordo com Rafael Sant’Anna, business manager da Agrofy Brasil, a demanda gerada dentro da plataforma no primeiro semestre de 2020 chegou a R$ 21 milhões, um salto enorme em relação aos R$ 3,5 milhões registrados no mesmo período de 2019. "Tem um impacto muito forte da pandemia, claro, mas também da entrada de novos produtos e serviços", afirma Rafael. Entre o final de outubro e começo de novembro, a empresa lançou a Agro Week, uma semana de descontos e financiamentos especiais. Houve um aumento de 32% nos usuários registrados na plataforma por conta da ação. Tanto Orbia quanto Agrofy oferecem uma plataforma para que distribuidores e empresas ofertem seus produtos e produtores possam fazer a compra. Mas nenhum dos dois vende nada diretamente. "Nossa proposta de valor é atrair o agronegócio, conectando o produtor rural dentro desse ambiente virtual e respeitando a estratégia go-to marketing de cada empresa que oferta seus serviços e produtos", diz Rafael

Sant'Anna, da Agrofy. Ivan Moreno concorda. "No mercado agrícola, o distribuidor está muito longe de ser um mero intermediário. Tem uma agregação de valor muito grande", diz. Ele faz referência à assistência local, à entrega de última milha e a outros serviços prestados de forma mais próxima do produtor. "É como o Magazine Luiza. Nasceu a partir do e-commerce de uma empresa de varejo, mas de fato cresceu e virou relevante quando abriu a plataforma para outros distribuidores". A Agrofy inclusive expandiu a oferta de soluções e serviços. "Digo que ela é uma empresa de tecnologia para o agronegócio", diz Rafael Sant'Anna. Segundo ele, o setor que inclui o mercado é apenas um dos pilares da organização, que conta ainda com um outro, dedicado à digitalização de meios de pagamento tradicionais do setor, e um terceiro voltado

para projetos customizados para a indústria agrícola. "Queremos realmente suportar, em todas as vertentes, o processo de digitalização do agronegócio", afirma. PRODUTOR DIGITAL Essa digitalização, que já vem acontecendo e é uma característica do agricultor brasileiro, foi determinante para esse movimento das compras online. Uma pesquisa realizada pela consultoria McKinsey antes da pandemia já apontava para essa tendência: 36% dos entrevistados diziam já usar o ambiente online para pesquisar preços e produtos e se mostravam dispostos a comprar online. O número colocava os brasileiros à frente dos americanos. "Embora não seja uma visão comum, o produtor sempre adotou muita tecnologia. Antes, ela vinha embarcada em uma semente ou no maquinário. Agora, ele está PLANT PROJECT Nº23

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Cristian Rosa, da Feira do Ceasa, e Rafael Sant'Anna, da Agrofy: os executivos acreditam que a consolidação dos mercados online é um caminho sem volta

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adotando essa tecnologia de maneira autossuficiente", afirma Ivan Moreno. "Um fator decisivo foi a imensa troca geracional que aconteceu na última década no controle das propriedades. É uma segunda ou terceira geração que chega com nível educacional mais alto, Muitos são nativos digitais, não têm receio de fazer transações online, e chegam querendo empregar novos modelos de gestão. Isso acelera o uso das tecnologias", diz o CEO da Orbia. E os marketplaces, ao contrário de outras soluções inovadoras do agro, não dependem tanto da conectividade em toda a propriedade. A internet da sede é suficiente para que os pedidos sejam feitos online. Para aqueles produtores que ainda estavam reticentes em fazer suas compras online, os clubes de fidelidade e de relacionamento têm dado o empurrão necessário para que eles se familiarizem com as plataformas de compra. Participantes do Impulso Bayer, o programa de fidelidade da empresa lançado no ano passado, podem resgatar seus pontos dentro do marketplace da Orbia. De acordo com Ivan Moreno, muitos resolveram testar o resgate pela primeira vez nos últimos meses. O programa de relacionamento Clube Agro foi lançado em março, no meio da pandemia. A proposta da

plataforma é oferecer um programa de pontos que beneficie o custeio do agricultor. Ele faz um cadastro, baixa um aplicativo e escaneia as notas fiscais de produtos de lojas ou empresas parceiras para acumular os pontos. Os resgates podem ser feitos quanto se atinge a pontuação equivalente a R$ 100. "Já passamos de 37 mil clientes cadastrados", conta Simone Rodrigues, idealizadora do clube. "Recebemos o cadastro de R$ 1 bilhão em notas fiscais. E distribuímos R$ 1,5 milhão em descontos. Tudo isso de forma digital", diz ela. Mesmo sem um histórico prévio, Simone credita o sucesso do clube à nova dinâmica que surgiu por conta do isolamento social. "No ano passado, se eu tivesse que fazer uma reunião na Coamo, seria uma falta de respeito não estar lá presencialmente. Agora, eles só me perguntam qual plataforma de videoconferência vou usar", diz. Ela conta ainda que logo após o lançamento foram feitos muitos resgates de vouchers de R$ 100, o valor mínimo. "Quando fomos pesquisar os motivos entendemos que os produtores estavam vendo se o programa 'era de verdade'", conta. "Existe um certo bloqueio cultural para a questão digital em várias faixas etárias, não apenas entre os mais velhos. Mas em geral o produtor é muito ligado em tecnologia". Por enquanto o clube está disponível apenas para produtores do Paraná, Santa


E-commerce

Catarina e Rio Grande do Sul. Mas a empresa já prepara sua expansão para todo o Brasil. "Esperamos atingir R$ 5 bilhões em notas escaneadas em 2021", afirma Simone. MERCADOS DE NICHO Os grandes marketplaces ganharam tração nos últimos meses, mas não foram os únicos beneficiados. Outros e-commerces de nicho dentro do agro também viram suas vendas dispararem. Pequenos clubes de assinatura, tema de reportagem da PLANT 21, viram o número de assinantes aumentar significativamente nos primeiros meses da pandemia e correram para agilizar sites que pudessem atender clientes avulsos. Outro case importante é o da Feira do Ceasa, que abriu uma oportunidade para que permissionários do Ceagesp pudessem ofertar produtos que de outra maneira seriam perdidos com o fechamento de tantos restaurantes. O projeto da Feira do Ceasa é antigo. “Desde 2013 minha empresa de tecnologia presta

serviços para a entidade Ceasa. E sempre vi muitas oportunidades de negócios naquela ‘bagunça’”, conta Cristian Rosa, idealizador e fundador. “Em 2016, contratei uma pesquisa para entender o mercado de foodservice e saber se havia mercado para um marketplace. O estudo foi bem abrangente, com foco em frutas, legumes e verduras, e mostrou um resultado bem promissor”, conta ele. O projeto acabou engavetado e só foi retomado dois anos mais tarde. “Resolvi fazer o investimento para implantá-lo. O desenvolvimento começou em 2019 e mesmo sem ter um pedigree de tecnologia resolvemos encampar internamente. Em novembro, ele está no ar, com alguns parceiros cadastrados já fazendo vendas em um formato piloto”. O início de 2020 parece tão distante que quase não conseguimos lembrar do que aconteceu antes da pandemia, mas fevereiro apresentou um outro desafio imenso para o Ceagesp. “Uma grande enchente deixou o Ceagesp embaixo d'água. Demorou dois dias pra água

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O site do marketplace Feira do Ceasa: projeto que havia sido lançado semanas antes da pandemia ganhou força nas vendas para o varejo

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baixar, e depois ainda tivemos que bombear o que sobrou. Como a maioria dos permissionários tem centros de distribuição externos, continuaram vendendo por meio da nossa plataforma”, conta Cristian. Logo depois, em março, o lockdown fechou muitos clientes de foodservice. Inicialmente, a ideia era fazer uma pausa nas vendas, mas a demanda que surgiu nas redes sociais fez com que eles acelerassem um plano antigo de abrir as vendas também para o varejo. “O negócio explodiu. Não imaginava que ia vender tanto.” A Feira do Ceasa fechou o segundo quadrimestre de 2020 com um aumento de 500% em faturamento e incremento de 30% no número de vendedores. Os dados ainda não foram consolidados, mas a previsão para fechar o ano é dobrar o faturamento e aumentar em 50% o número de vendedores. O delivery de hortifrúti viu o ticket médio diminuir, mas a quantidade de pedidos aumentou significativamente. Para 2021, a estratégia é agregar hortifrútis locais para fazer as entregas em cada bairro da cidade. "Vamos retomar esse planejamento no primeiro semestre. A ideia é não ter uma grande empresa de varejo, mas uma coisa descentralizada", afirma Cristian. MAIS OPÇÕES AO PRODUTOR A consolidação dos marketplaces não vai acabar com as revendas e os métodos

tradicionais que o produtor já tem à disposição para comprar insumos, maquinário e o que mais precisar em sua propriedade. "Em nenhuma indústria um canal online substituiu completamente um canal offline", diz Rafael Sant'Anna. Ela representa uma nova alternativa, uma opção adicional para que ele tome a decisão com maior embasamento, conhecendo preços e a diversidade existente. Para entender em que estágio está esse processo de amadurecimento dos mercados online do agro e também do comportamento dos produtores, os executivos recorrem a analogias com outros mercados. Para Rafael, o setor automobilístico dá algumas pistas. “Em 2013, 2014, ninguém imaginava a compra de um veículo online. Hoje, ninguém sai de casa sem ter

visto preços em algum site, feito simulações de financiamento”, diz ele. Ivan Moreno faz um paralelo com os e-commerces de eletrônicos. "Você entrava no site, via o melhor preço e imprimia para levar na loja e exigir um desconto parecido. Hoje ninguém sai de casa para ir comprar uma geladeira. Daqui a 10 anos vai ser impensável para um produtor sair para comprar os insumos". De fato, é um caminho sem volta. “O consumidor entendeu que pode receber as compras em casa com a mesma qualidade que ele está acostumado", diz Cristian Rosa, da Feira do Ceasa. Isso vale para as hortaliças que ele compraria na feira ou para os defensivos que encontraria na revenda de sua cidade. Sabendo que a plataforma é confiável e que oferece uma boa experiência de compra, o e-commerce torna-se mais uma opção ao produtor PLANT PROJECT Nº23

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AGRO (E INVESTIMENTO) NO SANGUE Em silêncio e sem pressa, Antonio Moreira Salles, herdeiro do Unibanco, e Julio Benetti, de uma família de produtores gaúchos, comandam um fundo de investimentos com perfil único no ecossistema agtech Por Luiz Fernando Sá

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startup Gaivota é um caso quase que único no ecossistema de inovação para o agronegócio. Enquanto a maioria das jovens companhias tenta a todo custo se fazer notar, seus sócios trabalham de forma quase sigilosa em sistemas de digitalização de processos relacionados à agropecuária, como 118

automação para fazendas de gado leiteiro. Já possui clientes, mas não se apresentou ao mercado, não tem sequer site ou informações em redes sociais. Recebeu aporte (valor não revelado) de investidores, que não se importam com a discrição e não têm pressa de colher resultados. É o cenário dos sonhos de qualquer


Perfil

empreendedor. Ainda mais quando se sabe que por trás desse investimento está um dos sobrenomes mais ilustres do mercado financeiro no Brasil. “A nossa base da capital é bem paciente, sem pressão”, afirma à PLANT Antonio Moreira Salles, sócio da Mandi Ventures, o fundo que fez a aposta na quase desconhecida Gaivota. Pelo menos para os outros. O herdeiro da família fundadora do Unibanco e acionista do Itaú – seu pai é Pedro Moreira Salles, atual presidente do Conselho de Administração, e o avô foi Walther Moreira Salles, um dos mais respeitados banqueiros do País. O jovem Moreira Salles segue, assim, uma versão agtech da saga da dinastia. A fortuna de seu bisavô, João Moreira Salles, o fundador do Unibanco, foi erguida a partir do café. Primeiro, no início do século 20, na compra e venda dos grãos no interior de São Paulo e Minas. Depois, ele passou a oferecer crédito aos cafeicultores, que o pagavam, em parte, com a produção. Depois, passou a comandar algumas das maiores operações de cafeicultura do mundo. Entre os anos 1950 e 1960, com os filhos já comandando os negócios financeiros do grupo, o patriarca dedicou-se à expansão dos cafezais por áreas de terra roxa no Noroeste do Paraná. Também foi sócio dos Rockefeller, mítico clã de banqueiros americanos,

na exportação de café e em fazendas de pecuária na região do Pantanal. A Cambuhy, holding que administra os investimentos de Pedro Moreira Salles, tem esse nome em referência a uma grande fazenda da família na região de Matão (SP), uma das últimas remanescentes do império agrícola. Formado em administração de empresas pelo Ibmec (RJ), Antonio começou a carreira trabalhando na City de Londres, no Santander e no Morgan Stanley. Em 2015, mudou-se para Stanford, no coração do Vale do Silício, na Califórnia (EUA). Foi lá, em 2015, que ele conheceu Julio Benetti, nascido em uma família de produtores rurais que planta, soja, trigo e linhaça e criam gado em Ijuí (RS). Benetti havia se formado em Engenharia Mecânica (na Unicamp) e também seguiu para a Califórnia. Em Stanford, em meio à efervescência do surgimento das primeiras agtechs e foodtechs – naquela época começava a se falar na produção de alimentos com base em proteínas alternativas e nasciam empresas como a Impossible Foods e a Beyond Meat – se aproximaram e compartilharam visões sobre vários temas, inclusive uma inquietação com a falta de sincronia entre a produção de alimentos e a mudança de comportamento dos

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Benetti (esq.) e Moreira Salles, sócios na Mandi Ventures: raízes no campo, encontro no Vale do Silício e parceria com ambições globais

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João Moreira Salles desbravando terras no Noroeste do Paraná: comércio e plantio de café deram origem a fortuna do clã

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consumidores. Identificaram oportunidades com a chegada de uma nova geração mais crítica aos meios de produção tradicionais e preocupada com a gestão de outros elos da cadeia de valor da indústria alimentícia, como sustentabilidade e logística. “Havia, e ainda há, muitas oportunidades em vários pontos da cadeia”, afirma Benetti. Terminado o curso, porém, cada um seguiu um rumo. Benetti foi atuar na área de tecnologia em uma startup. Começou como estagiário na Samsara, especializada no de desenvolvimento de produtos para IOT em indústrias, onde pode compreender toda a área de logística da cadeia de alimentos. Quando deixou a empresa, ela já valia mais de US$ 5 bilhões e contava com mais de 1,5 mil pessoas no time. Moreira Salles voltou a Londres e começou a investir em startups de biotecnologia,

agtechs e foodtechs. Depois, passou uma temporada na China, trabalhando na General Atlantic, até retornar à Inglaterra em 2019, para onde Benetti havia sido transferido para montar a operação local da Samsara. No reencontro dos amigos, as ideias compartilhadas afloraram e se transformara em sociedade na Mandi Ventures. “São duas perspectivas diferentes e juntamos as duas para fazer essa jornada”, diz Benetti. “Não somos experts no agronegócio, mas temos visões particulares e criamos um grupo de conselheiros que conhecem a fundo”. Também aqui, discrição, nada de nomes. O máximo que Salles abre é que são quatro e que suas idades variam entre 30 e 60 anos. Tem gente do setor de suco de laranja, tem um biólogo e tem até um especialista em produtos oriundo do Google. As conversas são frequentes,


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quase semanais, e as decisões são maturadas lentamente. Levou quase um ano, por exemplo, para que o primeiro investimento fosse feito. Mais de 300 empresas passaram pelo escrutínio dos sócios e conselheiros. “A gente estuda a empresa e o mercado. Se não entende, não entra”, resume Salles. “Tomamos muito mais tempo para decidir que um fundo de VC (venture capital) tradicional”. O foco é em empresas com produtos que possam ser aplicados em escala global. Assim como a pouco conhecida Gaivota, eles fizeram aporte (valores mantidos em segredo) em uma startup que ocupa posição de destaque na prateleira das startups, a americana Farmers Business Network (FBN). Potencial unicórnio do setor, a empresa atua como um misto de rede de conexões entre produtores e marketplace, já atua em três países (Estados Unidos, Canadá e Austrália) e observa o mercado brasileiro há algum tempo. Na FBN, os produtores compartilham dados sobre as operações de suas propriedades, indicando aos demais o que deu certo e o que não deu em determinadas condições. A troca de informações tem potencial para se transformar em recomendações para uso de sementes e outros insumos, que podem ser adquiridos no próprio ambiente digital. A seletividade demonstrada

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Os sites da Mandi e da FBN: brasileiros investem em rede americana com potencial para se tornar unicórnio

na escolha das investidas também se aplica também à entrada de recursos no fundo. “Buscamos levantar dinheiro com gente que conhece o setor e suas características”, resume Moreira Salles. “Acreditamos que, assim, podemos trazer muito valor para as startups. Mais do que cobrar resultados no curto prazo, imaginamos que, como investidores, podemos trabalhar para que elas prosperem”. Se possível, à moda mineira, sem pressa e em silêncio. PLANT PROJECT Nº23

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M MARKETS

DATAGRO Markets

REGIÃO CENTRO-SUL DO BRASIL ATINGE PRODUÇÃO RECORDE DE AÇÚCAR Po r Pl i ni o N as t ar i

Antes da chegada da pandemia, as usinas de açúcar e etanol da região Centro-Sul do Brasil se preparavam para iniciar a safra 2020/21 com perspectivas mais construtivas para os preços, considerando as previsões iniciais de déficit no balanço mundial do ano comercial de 2019/20 acima de 10 milhões de toneladas, crescimento na demanda doméstica de combustíveis e a inauguração do mercado de créditos de descarbonização no âmbito do RenovaBio. De repente, com a chegada da Covid-19, as usinas tiveram que iniciar a safra 2020/21 como se estivessem em um quarto escuro, tateando as paredes em busca de uma saída. Quanto do consumo mundial de açúcar iria sofrer com a pandemia? Haveria capacidade de tancagem suficiente

Plinio Nastari, Presidente da DATAGRO

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para estocar etanol? Haveria outra alternativa senão bisar mais cana devido ao choque de demanda? As operações de moagem poderiam ser interrompidas por conta do isolamento social dos colaboradores? E afinal, as usinas teriam capacidade para produzir 38 ou 39 milhões de toneladas de açúcar? Eram perguntas que muitos ousavam fazer, e quase ninguém estava preparado para responder. Em um primeiro momento, às usinas restava apenas assistir, um tanto assustadas, o derretimento do preço do açúcar bruto em NY, de US$ 15,59 centavos por libra-peso para US$ 9,21 centavos por libra-peso, enquanto o petróleo WTI marcava com ineditismo um preço negativo de US$ 37,63/barril na segunda feira negra de 20 de abril. Era

tempo de refazer as contas, segurar os investimentos, cortar despesas e replanejar o mix de produção. Praticamente nove meses passaram desde o início da pandemia e vemos, afinal, que o setor não sofreu com falta de tanques para estocar etanol, muitas usinas bateram recordes na moagem de cana, houve espaço no mercado mundial para absorver mais açúcar do Brasil, e sim, as usinas do Centro-Sul do Brasil mostraram condições para produzir mais de 38 milhões de toneladas de açúcar. O que talvez ninguém esperava para esta safra de 2020/21 seria o aumento estrondoso do nível de ATR contido na cana por conta do clima mais seco, com uma média de 145,13 kg de ATR/tc no acumulado até o final de novembro, um marco


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que poucos acreditariam possível em tempos de maior mecanização na colheita da cana. Como praticamente não houve interrupção nas operações de colheita, quase 595 milhões de toneladas de cana foram processadas até o final de novembro, resultando em um crescimento de 7,7% na oferta total de ATR, para 86,33 milhões de toneladas. Dado que 46,3% dessa oferta de ATR foi direcionada à fabricação de açúcar, índice semelhante ao registrado em mesmo período da safra 2016/17, 38,09 milhões de toneladas de açúcar já foram produzidas entre os dias 1 de abril e 30 de novembro de 2020, restando ainda quatro meses para a conclusão oficial da safra 2020/21. Até o final da safra 20/21 em 31 de março de 2021, estimamos que a produção de açúcar no Centro-Sul atinja 38,8 milhões de toneladas, um número muito próximo à estimativa inicial de 39 milhões de toneladas de açúcar de fevereiro deste ano, no ápice das incertezas por conta da pandemia. Agora os olhos começam a se concentrar ainda mais sobre o que pode

acontecer na safra 2021/22. Em um ano marcado pela presença do La Niña, a região Centro-Sul sofreu com uma das piores secas ao menos nas últimas duas décadas. E mesmo que as chuvas retornem nos próximos meses, a estiagem de 2020 já provocou sequelas nos canaviais a serem colhidos no terço inicial de 2021/22, a exemplo de canas com colmos mais encurtados e falhas de brotação causadas pela seca. Por fim, cabe ressaltar para o fato de que a renovação do plantio em 2020 foi relativamente menor do que a de 2019, os incêndios aumentaram as falhas de brotação, além da perda marginal de área para o cultivo de grãos. Dessa forma, tudo indica que a safra 21/22 deverá ser menor do que a deste ano em oferta de açúcar totais recuperados. Como os preços do açúcar para exportação em Reais continuam bem mais atrativos do que os preços do etanol, o que tem levado as usinas a antecipar as operações de hedge para as vendas de 2021, tudo indica que o mix de produção para o açúcar em 2021/22 no

Centro-Sul não deverá ser muito diferente da proporção estimada para 2020/21. Estes elementos indicam que os preços do açúcar e etanol, e portanto de cana, devem se manter em níveis remuneradores, em particular pela perspectiva apontada pelo Departamento de Energia dos EUA que aponta a possibilidade do preço do petróleo voltar ao patamar de US$ 65 por barril já em 2021.

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