Plant Project #20

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

#OAGRONUNCAPARA A palavra e as ações de quem produz em meio à pandemia ESPECIAL CLIMA COMO O AGRO ESTÁ AGINDO PARA ENFRENTAR A ERA DOS EVENTOS EXTREMOS

PERSONAGEM TEKA VENDRAMINI QUEBRA PARADIGMAS NA LIDERANÇA RURAL

FRONTEIRA

A agricultura abre espaço no concreto de São Paulo VIAGEM POLÊMICA

Exportação de gado vivo gera lucros e debates na mesma proporção TECNOLOGIA

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

COMO A CIÊNCIA ESTÁ DESENHANDO O QUE PLANTAMOS E COMEMOS


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Porque, para alimentar o mundo, o planeta não precisa passar fome.

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Todo grande evento deixa marcas, transforma vidas. Quanto maior sua

O LEGADO DA PANDEMIA

magnitude, mais impactantes serão seus efeitos. Por isso, pode parecer prematuro fazer previsões sobre que mundo encararemos quando superarmos as ameaças da pandemia de Covid-19. É certo que carregaremos cicatrizes desse período único, que feriu a todos indistintamente. Mas também levaremos na bagagem a possibilidade de um grande aprendizado,

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

que se bem aproveitado pode ser revertido em um legado positivo desses tempos sombrios.

#OAGRONUNCAPARA A palavra e as ações de quem produz em meio à pandemia ESPECIAL CLIMA COMO O AGRO ESTÁ AGINDO PARA ENFRENTAR A ERA DOS EVENTOS EXTREMOS

PERFIL TEKA VENDRAMINI QUEBRA PARADIGMAS NA LIDERANÇA RURAL

FRONTEIRA

A agricultura abre espaço em meio ao concreto de São Paulo VIAGEM POLÊMICA

Exportação de gado vivo gera lucros e debates na mesma proporção

TECNOLOGIA

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

COMO A CIÊNCIA ESTÁ DESENHANDO O QUE PLANTAMOS E COMEMOS

Não é preciso esperar o fim das restrições impostas pelo coronavírus para se começar a refletir sobre o que podemos colher desse campo sinistro. Talvez a principal lição a ser aprendida é que devemos tratar com urgência o que é urgente, sem subestimar ou negligenciar as ameaças que já estão postas. Questões climáticas, de sanidade, de combate à fome devem ser tratadas com o mesmo sentido de emergência e de mobilização internacional que verificamos no enfretamento da pandemia. Tudo está conectado, as pessoas, as nações, as cadeias alimentares, como nos alertou, de forma implacável, um microrganismo invisível. Hoje entendemos o valor do conhecimento, da ciência e da união mundial de esforços em torno de objetivos únicos. E também o efeito devastador da negação da realidade, da postergação de decisões, do olhar de curto alcance em detrimento de uma visão humanista e globalizada. O agronegócio, que mais uma vez se mostra essencial à preservação da vida, precisa reforçar seu caráter como instrumento fornecedor de saúde, de paz e de ciência sem fronteiras. Nesse sentido, o Brasil pode, num futuro breve, estar no epicentro de um movimento positivo, desde que compreendamos nosso papel no mundo – e não isolado dele. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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Í ndi ce

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G pág. 7 Ag pág. 17 Fo pág. 83 Fr pág. 89 W pág. 99 Ar pág. 115 S pág. 123 M pág. 134 G LO B AL

D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andréa Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla, Evanildo da Silveira, Flavia Tonin, Leonardo Gottems Produção: Daniele Faria Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes

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Pesquisador alemão com resultado da colheita na estação Neumayer III, na Antártida:

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: Shutterstock

No Polo Sul, um modelo de produção para levar a Marte

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GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

ALEMANHA

COLHEITAS NA ANTÁRTIDA Cientistas cultivam frutas e legumes no continente gelado para replicar a experiência em futuras missões espaciais

Nenhum lugar na Terra é tão parecido com o espaço sideral quanto a Antártida. O continente mais gelado é também o maior dos desertos, porque apresenta as condições mais adversas para a manutenção e proliferação da vida. Foi na Antártida que os cientistas detectaram a menor temperatura da história: -89,2 °C, marca registrada na base russa de Vostok, em 1976. É lá também o lugar das noites mais longas, que duram de quatro a seis meses, e dos ventos mais fortes, que provocam erosões devastadoras nas camadas de gelo. Por todas essas razões, a Antártida foi escolhida por cientistas alemães para receber uma experiência 8

inédita: o cultivo de hortaliças, legumes e frutas nos cenários mais inóspitos possíveis. A ideia é replicar em futuras missões espaciais tripuladas as experiências adquiridas nas plantações em pleno continente gelado. O projeto, chamado de Eden-ISS, é resultado de uma parceria entre o Centro Alemão de Aeronáutica e o Instituto Alfred Wegener, especializado em pesquisas polares e marinhas. Ele vem sendo realizado na estação Neumayer III, encravada em uma plataforma de gelo no Polo Sul, e é considerado um dos mais ambiciosos da chamada agricultura espacial. As plantas são


cultivadas em contêineres que funcionam como estufas. A técnica utilizada é chamada de aeroponia, que consiste em deixar as plantas suspensas no ar de forma que suas raízes caiam em direção ao chão, ficando completamente expostas ao ambiente. Nas raízes são borrifados todos os nutrientes de que precisam, o que permite que cresçam sem o contato com o solo. Para reproduzir as condições climáticas ideais, as plantas são iluminadas com luzes de LED e o ar da estufa é enriquecido com dióxido de carbono. A regulagem da iluminação, com maior ou menor intensidade, e a borrifação de nutrientes são feitas a 16 mil quilômetros de distância, no Centro Alemão de Aeronáutica, em Bremen. O trabalho remoto, realizado graças à tecnologia de comunicação via satélite que aciona os equipamentos sem a presença humana, permite o cultivo durante todo o inverno, quando a escuridão dura seis meses, período em que os cientistas voltam para as suas bases na Alemanha. Graças a essas artimanhas, pepinos, rúculas, acelgas e ervas nascem em qualquer estação do ano. A produção no espaço sideral

de plantas comestíveis será importante, no futuro, para expedições espaciais longas – como idas a Marte – ou, no presente, para permanências prolongadas na Estação Espacial Internacional, a ISS. A alimentação dos astronautas é um dos grandes desafios da ciência espacial. Segundo Vickie Kloeris, chefe de pesquisa em alimentos da Nasa, dietas industrializadas são inapropriadas em períodos muito extensos. “Plantas frescas oferecem nutrientes indispensáveis”, disse Kloeris à revista National Geographic. Acredita-se que a primeira expedição tripulada para Marte será realizada em 2030. A jornada será árdua. Projeções indicam que, com a tecnologia atual, a espaçonave irá demorar seis meses para pousar em solo marciano. A aclimatação e o trabalho de pesquisa dos cientistas vão exigir, no mínimo, 18 meses de permanência. Depois serão outros seis meses para voltar à Terra. “Apesar dos conservantes, em períodos superiores a dois anos a qualidade dos alimentos industrializados ficaria comprometida, inclusive com a perda de nutrientes”, afirma

Kloeris. “Instalar uma estação que produza plantas em pleno espaço causará uma melhora significativa na dieta dos astronautas.” Alimentos frescos também terão efeito positivo na saúde mental dos astronautas. Um estudo recente realizado pela nutricionista Lina Begdache, da Universidade de Binghamton, nos Estados Unidos, mostrou que dietas baseadas em frutas e verduras reduzem a ansiedade e a depressão – como são alimentos ricos em antioxidantes, protegem as funções cerebrais. Em depoimento para a reportagem da National Geographic, a fotógrafa Esther Horvath, que passou nove dias na estação Neumayer III captando imagens do projeto Eden-ISS, disse que o consumo de alimentos frescos melhorou o humor de toda a equipe. Ela acrescentou que comer frutas e legumes em pleno continente gelado despertou lembranças positivas e que ajudou os cientistas a se sentirem em casa. Para astronautas que serão submetidos a grande estresse e que viajarão aos lugares mais distantes que o homem já pisou, essas sensações podem fazer muita diferença. PLANT PROJECT Nº20

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G BÉLGICA

ROBÔS CATADORES DE MORANGOS Apesar dos notáveis avanços nos últimos anos, os robôs usados na agricultura são, em sua maioria, máquinas desajeitadas que realizam tarefas rudimentares, como plantar sementes ou pulverizar lavouras. Essa realidade, porém, começa a mudar. A startup belga Octinion criou um equipamento capaz de colher delicadamente um morango de seu caule. Segundo a empresa, o robô chamado Rubion usa um sistema de visão especial para detectar quando uma baga está madura e, então, puxá-la com suas pequenas garras. Lançado no ano passado, o projeto decolou

apenas agora, depois de diversos experimentos confirmarem a sua eficácia. Por enquanto, a Octinion vende as máquinas apenas no mercado europeu, principalmente para o Reino Unido e a Holanda, mas a ideia é levar os robôs para lavouras em diversas partes do mundo.

E S TA D O S U N I D O S

PRODUÇÃO CADA VEZ MAIS SUSTENTÁVEL A agricultura americana está se tornando uma das mais sustentáveis do mundo. Um extenso relatório recémpublicado pelo Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) mostrou que o setor agrícola é responsável por 10% das emissões de gases do efeito estufa no país. Há uma década, esse percentual estava 10

em 15%. Globalmente, a agricultura responde por 24% das emissões, percentual que vem aumentando a cada ano. Segundo a EPA, diversas razões explicam os bons indicadores americanos. Entre elas, o notável aumento da produtividade (que requer áreas menores para o cultivo e contribui para a preservação de

florestas), o avanço tecnológico (importante para a chamada agricultura de precisão) e a diversidade de culturas (fundamental para o equilíbrio produtivo). A EPA, porém, não está satisfeita. A Agência deseja que, em até cinco anos, o setor agrícola represente no máximo 8% das emissões totais nos Estados Unidos.


E S TA D O S U N I D O S

BABÁ DIGITAL PARA SUÍNOS

A agtech americana SwineTech, especializada no uso de inteligência artificial no agronegócio, criou um produto inusitado: uma babá digital para suínos. Chamado de SmartGuard, o sistema monitora, em tempo real, o comportamento das porcas e seus leitões recém-nascidos, detectando eventuais

agitações que possam afetar a segurança dos animais. Entre outros alertas, o sistema informa os produtores quando o desmame é precoce ou se há algum problema de saúde no recém-nascido. O equipamento também mede a temperatura corporal dos porcos e indica quando é necessária a aplicação de antibióticos.

Segundo a SwineTech, fazendas que adotaram a babá digital reduziram em 17% a mortalidade de leitões. O projeto tem chamado a atenção de investidores. No início de abril, a startup recebeu US$ 5 milhões em aportes de diversos fundos americanos. A SwineTech captou, desde o lançamento de sua plataforma de inteligência artificial, há dois anos, um total de US$ 7 milhões em investimentos.

ÍNDIA

MANGAS CONTRA A SECA Os cada vez mais longos períodos de seca na Índia começaram a afetar nos últimos anos a produção de algodão, milho e arroz. Sem chuva, a rentabilidade das lavouras diminuiu e milhares de agricultores não tiveram sequer como garantir a manutenção de suas lavouras. Para evitar falências generalizadas, o governo decidiu, com o apoio de institutos de pesquisa, ONGs e organismos internacionais, distribuir sementes de manga para agricultores do país inteiro. A manga tem uma qualidade peculiar: suas mudas sobrevivem até 20 dias sem água, o que reduz

sensivelmente os custos com irrigação. Elas também combatem a erosão do solo, impedindo que terras se tornem improdutivas, e são mais resistentes ao ataque de pragas. O projeto vingou. Desde o seu lançamento, no ano passado, os agricultores beneficiados aumentaram em 20% a sua renda. PLANT PROJECT Nº20

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G I TÁ L I A E C H I N A

Como será o mundo depois do coronavírus? O mundo pós-coronavírus será diferente. Depois que a pandemia acabar, novos modelos de negócios irão surgir, empresas e consumidores mudarão suas prioridades, a maneira de trabalhar não será a mesma, produtos e serviços inéditos vão provocar grandes transformações. A seguir, conheça algumas previsões feitas por especialistas:

DELIVERY POR DRONES O uso de drones para diferentes aplicações comerciais estava ganhando força antes do coronavírus, mas acelerou com a pandemia. Na China, durante o auge da contaminação, os aparelhos foram adotados com sucesso para o transporte de medicamentos. Já que máquinas não propagam vírus como os humanos, a tendência é que os drones passem a ser amplamente utilizados para o delivery de todo tipo de mercadoria – inclusive no agronegócio.

LIVES, PALESTRAS E FEIRAS AO VIVO As lives vão revolucionar não apenas a indústria do entretenimento, mas os negócios de maneira geral. Uma palestra poderá ser transmitida ao vivo para milhares de pessoas. No agronegócio, feiras e eventos no campo poderão ser exibidos, em tempo real, para interessados em qualquer lugar do mundo.

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PERSIANAS ENTRE OS ASSENTOS Para evitar o contato entre as pessoas e reduzir os riscos de contaminação, a empresa italiana Aviointeriors projetou uma espécie de persiana transparente entre os assentos, que poderia ser colocada ou tirada pelo próprio passageiro. Além disso, também desenhou um assento de duas faces, que permitiria que três passageiros ficassem separados por uma barreira protetora também transparente, isolando-os.

VIAGENS VIRTUAIS As restrições de circulação e o receio de contaminação vão deixar sequelas no setor de turismo. Nesse cenário, as viagens virtuais serão uma alternativa para o turista conhecer o mundo sem sair de casa. Ferramentas que usam realidade virtual, como óculos especiais, “transportam” o espectador para dentro da cena. Já existem aplicativos especializados nesse tipo de viagem, como o Travel World e o Sygic Travel VR, que simulam passeios por cidades e paisagens icônicas.

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G TA I L Â N D I A

Os caracóis que protegem o café

A ferrugem do café é um fungo conhecido por atacar lavouras na América Latina, gerando todos os anos milhões de dólares em prejuízos. Uma recente descoberta, porém, traz novas esperanças aos agricultores. De acordo com biólogos da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, a praga pode

ser combatida por um pequeno gastrópode, típico dos jardins residenciais: o caracol. Enquanto arrastam suas conchas sobre as folhas de café, eles são capazes de aspirar, em apenas 24 horas, 30% da ferrugem presente. Além disso, os caracóis também se alimentam de microparasitas comuns nos cafezais. Por enquanto, a pesquisa está em fase preliminar, mas tudo indica que o controle biológico das pragas que devastam as plantações de café irá funcionar. O próximo passo é ampliar o estudo para lavouras em diferentes países.

AUSTRÁLIA

PLÁSTICO DE CASCA DE CAMARÃO No início de 2019, durante um jantar em família, a estudante australiana de medicina Angelina Arora fez um comentário que mudaria a sua vida: se as cascas de camarão parecem plástico, por que não usá-las como um substituto natural? Obcecada pela ideia, ela levou meses desenvolvendo uma alternativa biodegradável ao plástico feita a partir das cascas do crustáceo. Segundo Angelina, o material é flexível e transparente, o que o torna a solução perfeita para embalagens comuns. Além 14

disso, o bioplástico de camarão se degrada completamente em 33 dias após o descarte – o plástico convencional precisa de 450 anos para se decompor – e, por ser rico em nitrogênio, pode ser usado para a fertilização de vegetais. A invenção de Angelina rendeu frutos. Ela recebeu neste ano um dos principais prêmios científicos da Austrália e foi procurada por diversas empresas para financiar um projeto de fabricação em escala de seu plástico biodegradável.


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TÂMARAS DE 2 MIL ANOS Em 1986, a israelense Sarah Sallon ficou doente em uma viagem à Índia, mas se curou graças ao consumo de plantas medicinais. Depois da experiência, ficou obcecada pelo tema e descobriu que havia relatos antigos dos poderes curativos das plantas. Foram décadas de espera até que Sarah se deparasse com o seu Santo Graal: escavações arqueológicas desenterraram sementes de árvores desaparecidas há 2 mil anos. O achado levou a uma ideia extraordinária. Por que não germinar as sementes? Com a ajuda de Elaine Solowey, pesquisadora do Instituto Arava de Estudos Ambientais de Israel, elas deram vida a uma pequena tamareira macho, que produz o pólen que fecunda a árvore fêmea. O projeto, porém,

precisava de mais sementes. Eis que o milagre aconteceu: com a ajuda de arqueólogos, elas conseguiram sementes vindas de Qumran, lugar onde os Manuscritos do Mar Morto foram encontrados. Depois de alguns meses, duas árvores fêmeas nasceram. Assim que as fêmeas florescerem, será possível fecundá-las com o pólen dos machos. E o mundo saberá, enfim, qual é o sabor de uma tâmara de 2 mil anos atrás. PLANT PROJECT Nº20

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I N G L AT E R R A

PARA SALVAR AS ABELHAS Desde 2016 na lista de espécies ameaçadas de extinção, as abelhas têm um papel vital como polinizadoras. Estima-se que um terço do que comemos depende direta ou indiretamente do trabalho delas. Sem as abelhas, portanto, o mundo viverá uma tragédia alimentar sem precedentes. Para combater o problema, a startup britânica Urban Bees criou um projeto para ajudar as abelhas a prosperem na Inglaterra. O programa consiste principalmente em ensinar

empresas e comunidades a se tornarem apicultores. Nos últimos dois anos, aproximadamente 100 companhias britânicas abraçaram a ideia, lançando pequenos apiários espalhados por diversas regiões do país –

inclusive na cosmopolita Londres. Com o sucesso da iniciativa, a Urban Bees planeja levar o projeto para outras grandes cidades. A primeira candidata a participar do programa será Nova York, nos Estados Unidos.

ALEMANHA

A DOCE CIBERESPINAFRE

Pesquisadores de Instituto Max Planck de Microbiologia Terrestre em Marburg, Alemanha, estão próximos de replicar de forma sintética uma das mais importantes estruturas usadas pelas plantas no processo de fotossíntese. Comandado por Tobias Erb, especializado em Biologia Sintética, eles construíram uma versão artificial do cloroplasto, que utiliza luz solar e enzimas para ativar a transformação de CO2 em açúcar fundamental para o crescimento das plantas. A descoberta envolveu uma combinação de 16

reações com uma rede de enzimas em laboratório e resultou em um ciclo batizado de CETCH, 20% mais eficiente em termos energéticos que as formas naturais de fotossíntese. O próximo passo foi testar se o ciclo seria compatível com uma célula viva. Para explorar essa possibilidade, os pesquisadores recorreram ao espinafre. Retiraram as membranas que captam o sol do cloroplasto das células da planta e as colocaram junto às enzimas do CETCH, para funcionarem em conjunto. Funcionou. Novos estudos, agora, entenderão se é possível reproduzir esse processo em larga escala – e, se tudo der certo, ter mais uma arma na importante missão de remover o CO2 da atmosfera.


Colheita no Mato Grosso: Trabalho no campo foi mantido, respeitando as regras de isolamento social

Ag AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

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Ag Empresas e líderes que fazem diferença

#OAGRON 18


UNCAPARA PLANT PROJECT Nยบ20

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ncerteza. Resiliência. Segurança. Desafio. Cuidados. Reflexão. Saúde. Futuro. Nas próximas páginas, estas e outras palavras com sentido semelhante surgirão dezenas de vezes, numa repetição que lembra uma espécie de mantra. Elas expressam o momento que o mundo atravessa nos últimos meses, desde que o novo coronavírus começou a deixar seu rastro de contaminação e mortes aos ignorar fronteiras e se alastrar de forma pandêmica pelo globo. Para quem milita no agronegócio, resumem também o cotidiano de atividades muitas vezes invisíveis, mas sempre essenciais. Perplexos e impactados, milhões de brasileiros que se dedicam a levar do campo às cidades alimentos, fibras e energia foram buscar forças em outro verbete e em outros tempos. Nas fazendas e na agroindústria, parar nunca foi uma opção, não importa o tamanho e a natureza da crise. Produzir para alimentar, vestir e mover o planeta é, acima de tudo, uma MISSÃO. Nas últimas semanas, PLANT PROJECT também se dedicou à sua missão: dar voz às mulheres e homens que dedicam suas vidas a conduzir e transformar o mais relevante setor da economia brasileira. Optamos por fazer isso de forma direta, abrindo nossas páginas às manifestações de produtores, executivos, estudiosos, líderes de entidades e representantes de diversas áreas do agronegócio. O que se pode ver a seguir é um mosaico de temores e esperanças, de ações e propostas, de constatações e análises, construído através das visões de quem, ininterruptamente, superam adversidades com trabalho. Gente que não para nunca e nunca vai parar. Com a palavra, o agronegócio.

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Matéria de Capa

Um Novo Olhar para o Agro Cleber Oliveira Soares, diretor de Inovação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

O agronegócio é um dos poucos setores que tem condições concretas de contribuir com o gigante desafio de superar a crise causada pela Covid-19, e outras que poderão vir. Em quaisquer cenários temporais, para mitigar uma potencial crise humanitária é preciso olhar na perspectiva de oportunidades para o setor. A OMS cunhou o conceito “One World, One Health” (“Um Mundo, Uma Saúde”) para abordar de forma integrada as relações entre seres humanos, animais, plantas e meio-ambiente. E o que o agronegócio tem a ver com isso, com essa pandemia e com crises futuras? Ele é o forte eixo de mitigação de muitos dos problemas, com soluções para liderar uma transformação mundial a partir da conexão alimento-saúdehumanidade. O modelo está baseado em três pilares, uma perspectiva transversal, e consequente resultante. Um dos pilares está na sustentabilidade pela qual o agronegócio brasileiro e global buscará intensificar sistemas de produção cada vez mais sustentáveis, seja no aspecto ambiental, econômico, social e produtivo. Em curso está a valorização dos sistemas integrados, das rotações e consórcios de culturas, do uso de práticas conservacionistas e alternativas para a exploração sustentável dos biomas. A resiliência ganhará mais espaço, seja nos ajustes dos sistemas de produção ao território, ao bioma e ao ecossistema, como também à demanda do mercado consumidor. Outro pilar baseia-se na segurança alimentar, que terá o papel de entregar valor para os atores das cadeias produtivas, para o consumidor e a sociedade. Há um déficit alimentar no mundo. Nações pobres e algumas populosas vivem

Ag

quadros de insegurança alimentar. Cerca de 821 milhões de pessoas passam fome e 25 mil morrem de fome aguda todos os dias. A pandemia está contribuindo para aumentar essa tragédia. Neste cenário, o Brasil será essencial, pois já produz o suficiente para alimentar mais de cinco vezes a sua população. O outro lado dessa riqueza estará na habilidade em refinar os sistemas, incrementar produtividade, desenvolver cadeias de ciclo curto, agregar mais e mais valor aos produtos. A segurança do alimento integra o terceiro pilar e é componente vital para essa superação. A insegurança nutricional no mundo é imensa. O agro precisará entregar, a partir de 2027, mais 214 trilhões de calorias para suprir esse déficit. Além da questão nutricional, o consumidor cobra mais qualidade, sabor, suculência, vitaminas, minerais, experiência e outras funcionalidades. A Covid-19 elevará a demanda por inocuidade dos alimentos. Este tem que chegar à mesa sem causar nenhum prejuízo à saúde, especialmente em países como o Brasil, onde mais de 50% do hábito alimentar da população é baseado em alimentos in natura. Essa pandemia despertará a exigência e a percepção sobre segurança do alimento. É o princípio, como se diz na pecuária: “saúde entra pela boca”. O digital é a perspectiva transversal e será a ciência transformadora do agronegócio. Desde a gestão de dados, passando por big data, uso de sensores, aplicativos e dispositivos móveis, aprendizagem virtual, até o blockchain, certificações inequívocas, gêmeos digitais e a computação holográfica. A Covid-19 criou um novo dogma no mundo e, no agro, o digital será a alavanca para esse salto. Quanto à resultante da fórmula, haverá um novo paradigma nas relações das pessoas com os animais, as plantas, o ambiente, e com tudo aquilo que se consome e se entrega desse ecossistema. A agricultura estará cada vez mais conectada com a vida. Numa visão exponencial, poucos países têm condições de contribuir de forma efetiva para essa equação como o Brasil. Esse novo olhar estará focado em humanidade.

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A piscicultura deve se realinhar e tocar o barco! Mauro Takeshi Nakata, diretor Industrial e Comercial da Piscicultura Cristalina - Top Farmer Nova Geração/Piscicultura

Diante do cenário de urgência mundial em saúde no qual nos encontramos, se desdobram incertezas nos campos pessoal e profissional, e em relação ao futuro econômico da piscicultura e do Brasil como um todo. Nesse momento, é imperativo que nós, empresários da piscicultura, avaliemos criteriosamente a segurança dos nossos trabalhadores, os riscos operacionais e financeiros do setor e as perspectivas do negócio a fim de tomarmos ações assertivas que garantam a perpetuação da nossa indústria. Entre os desafios enfrentados por minha empresa, o mais importante tem sido garantir a segurança de nossos colaboradores seguindo todas as recomendações dos especialistas em saúde pública, para que somente após essas precauções, a piscicultura e o frigorífico continuem a garantir alimento para os consumidores. A tarefa seguinte foi avaliar em nossa cadeia de suprimentos se haveria riscos de desabastecimento ou ruptura de fornecimento e onde estariam. Após essa análise para trás na cadeia, buscamos entender a visão e as perspectivas dos clientes – restaurantes e supermercados – em relação ao momento que vivemos. No food service, a maioria paralisou temporariamente suas atividades; no varejo, há muitas dúvidas nas lojas sobre como será o comportamento do consumidor e a consequente falta ou sobra de mercadorias perecíveis, como peixes, nos supermercados. Essa realidade nos obrigou a reforçar nosso capital de giro, estreitar

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parcerias com clientes pequenos prorrogando títulos e concedendo mais prazos. Também houve impacto na logística para o varejo que foi refinada para atender aumentos ou cortes repentinos de pedidos. As perspectivas para a piscicultura brasileira antes da crise eram as mais otimistas possíveis, havia crescimento anual constante da produção, aumento de exportações, entre outros fatores positivos. O pós-crise nos traz muitas incertezas, contudo é possível o setor retomar essa marcha, talvez partindo de um patamar abaixo do qual paramos, porém trazendo na bagagem como aprendizado a necessidade de: I) Formalização do setor: os impactos das medidas de isolamento social foram mais graves para piscicultores e indústrias que atendem mercados informais ou menos complexos. Produtores integrados ou com contratos de fornecimento a frigoríficos conseguem escoar sua produção, ainda que sofram consequências da crise. E o acesso a programas de socorro econômico será facilitado aos produtores regularizados. II) Diversificação de mercados: empresas que atendem poucos clientes, por vezes no mesmo mercado, como a Ceagesp, devem reavaliar sua estratégia de comercialização e seus riscos inerentes. III) Comunicação proativa: este é um momento importante para a piscicultura brasileira mostrar seus bons exemplos à sociedade e tudo o que faz para garantir um alimento seguro. Isso nos ajudará a tomar as rédeas do nosso futuro e da maneira que seremos vistos pelos consumidores. IV) Plano estratégico para o setor de aquicultura e pesca: das quatro principais proteínas animais consumidas no Brasil, o pescado é a única em que o País não é autossuficiente. O setor não deve buscar políticas de substituição de importações, mas sim demandar dos governos federal e estaduais regramentos se não iguais, ao menos semelhantes, entre os estados, tratamento


Matéria de Capa

tributário isonômico às demais proteínas, com o propósito de garantir a oferta de pescados, mesmo em momentos de crise. Fazendo uma releitura do provérbio chinês “na vida há três coisas que não voltam: a flecha lançada, a palavra proferida e a oportunidade perdida”, ao qual Evaristo Marzabal Neves, o mestre “Vavá” (Esalq, F66), sempre se refere, os tempos que vivemos não são para lançar

Ag

flechas em inimigos políticos, concorrentes comerciais, nem desafetos; ao contrário, urge que a cadeia da piscicultura profira sua palavra, contando sua história e cumprindo sua função social de alimentar os brasileiros e, finalmente, não perca a oportunidade de unir o setor com a finalidade de construir as bases para nosso crescimento de longo prazo, que certamente virá.

A Covid-19 criou um novo dogma no mundo e, no agro, o digital será a alavanca para esse salto. Cleber Oliveira Soares, secretário de Inovaçãodo Mapa

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Novos desafios, a mesma âncora Geraldo Martins, presidente da Agro-Pecuária CFM – Top Farmer Pecuária/Primeira Temporada

O termo “âncora verde” foi muito utilizado para descrever a importância do agronegócio na consolidação do Plano Real. O setor agro, com sua ordem de grandeza, capacidade de produção e geração de divisas para o País, bancou a volta à estabilidade da economia brasileira após longo período de inflação descontrolada e um país decadente. Os demais setores da economia não eram capazes de impulsionar essa mudança. Este foi um marco importante na mudança da ótica de como a população enxergava o agronegócio. Até então, dizia-se que a agropecuária não passava de uma cadeia primária, quando motivo de orgulho era estar nos setores secundário e terciário da economia. Nesse momento, a imagem do agronegócio sofreu uma inflexão. Houve o reconhecimento da aptidão brasileira como celeiro do mundo, orgulho da tecnologia embarcada e adotada no campo nos sistemas de produção. Voltando ao presente, e à crise do coronavírus, mais uma vez o agronegócio será o carro-chefe, sustentando o PIB brasileiro no mundo pós-pandemia. O momento atual certamente requer adequação das atividades do dia a dia para resguardarmos a saúde das pessoas, mas a produção não pode parar. Acreditando nisso, cada uma das unidades da empresa está tomando as medidas necessárias para mitigar o risco à saúde das nossas equipes e das comunidades do nosso entorno, mas seguimos trabalhando conscientes da responsabilidade que temos de não deixar faltar nada na mesa das pessoas. Será um grande desafio. De um lado, pessoas ávidas por repor estoques e abastecer

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as residências. De outro, produtores impactados pelas dificuldades logísticas e pelo aumento dos custos de produção. Quem não vive a produção rural dificilmente tem a percepção de que a maior parte dos insumos, como defensivos agrícolas e fertilizantes, é importada e tem seus preços atrelados ao dólar – que saltou do patamar de R$ 4 para mais de R$ 5 em menos de um mês! Os grãos, que são um componente importante da produção animal, também têm as cotações internas fortemente influenciadas pelas cadeias globais. A Agro-Pecuária CFM atua na produção de cana-de-açúcar, florestas e pecuária, sendo a maior vendedora de touros Nelore certificados do País e tendo comercializado 1.387 reprodutores em 2019. Muitos não se atentam ao fato de que a produção de um touro começa com a inseminação de uma fêmea e que entre esse momento e a efetiva utilização do reprodutor transcorrem cerca de 1.100 dias. É um processo longo, que não pode ser interrompido pelas turbulências conjunturais, sob pena de não atendermos nossos clientes lá na frente. Comercializamos touros de acordo com as regras Ceip – Certificado Especial de Identificação e Produção, regulado pelo Ministério da Agricultura –, que determinam que apenas serão classificados como touros os 30% melhores machos produzidos. Os outros 70% serão terminados em confinamento e abatidos em frigoríficos. Para chegar a este momento, teremos lançado mão de insumos de produção de alto custo e altamente afetados pelos humores do mercado. Por mais conturbado que seja o cenário econômico, a posição da CFM é de sempre conduzir as atividades de campo aplicando toda a técnica e tecnologia preconizadas e mantendo os investimentos estratégicos. Foi assim durante os tempos de inflação galopante, durante os planos econômicos e tantas outras crises enfrentadas pelo Brasil nos últimos 100 anos. E será assim, mais uma vez, porque acreditamos no futuro do País e prezamos o compromisso com nossos clientes.


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Impactos do coronavírus sobre a economia Rubens Barbosa, presidente-executivo da Abitrigo (Associação Brasileira da Indústria do Trigo) e presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior (Coscex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)

A indústria do trigo também está sendo afetada pela crise econômica em consequência da epidemia do coronavírus. Sendo a alimentação uma atividade essencial, indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, o principal foco dos moinhos neste momento é o de garantir o abastecimento de toda a cadeia do trigo – supermercados, atacados, padarias, indústrias de massas, biscoitos, pães industriais e bolos e demais canais de food service. Os estoques de matérias-primas, embalagens e materiais auxiliares estão em nível compatível com as vendas, agora afetadas pela crise. O fluxo de recebimento desses materiais continua ocorrendo normalmente, apesar de medidas isoladas de fechamento de fronteiras estaduais ou municipais. As empresas adotaram as melhores práticas divulgadas pelos órgãos de saúde do Brasil e do exterior, de forma a garantir a segurança de seus colaboradores e consumidores. Além do processo de industrialização do trigo ser bastante automatizado e sem intervenção manual, os procedimentos adicionais garantem a segurança alimentar dos nossos produtos. O setor está atento às principais medidas dos governos, em todos os níveis, principalmente às que se referem ao transporte público e à circulação do transporte de cargas, que afetam tanto a distribuição dos produtos finais quanto o abastecimento de matérias-primas e insumos de produção.

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Importante ressaltar que 60% do trigo consumido no Brasil é importado e depende do funcionamento normal dos portos brasileiros e estrangeiros. Além das dificuldades que a pandemia traz a todos os setores, a grande desvalorização cambial, combinada com o aumento do custo de reposição do trigo, traz grandes desafios ao setor. Para enfrentar a vulnerabilidade da economia e a segurança alimentar dos consumidores, representada pela dependência do mercado externo para garantir o suprimento da farinha em decorrência da limitada produção nacional, a Abitrigo formulou uma proposta de política nacional para o trigo, envolvendo governo, agências reguladoras, organismos internacionais, academia, sindicatos, entidades empresariais, parceiros potenciais e mídia. A proposta de uma nova política para o setor – entregue oficialmente ao governo atual – levou em conta, em especial, as seguintes condições internas: > Produção estagnada nas regiões tradicionais, plantio em novas áreas (norte do Cerrado, Bahia, São Paulo e Minas Gerais); > Consumo estagnado de farinha, que, com a recuperação da economia, tenderá a crescer; > Viabilização de novas variedades de sementes para novos produtos (a exemplo dos EUA); > Desenvolvimento de variedades resistentes ao fungo brusone e giberela, pela Embrapa e outros obtentores. O objetivo central da proposta de uma Política Nacional do Trigo é o de aumentar a produção interna, reduzir a dependência do Brasil em área tão estratégica e possibilitar uma variedade maior de sementes, preservando o livre mercado. Espera-se que o governo federal, através dos ministérios da Agricultura e da Economia, em coordenação com o setor privado, possa levar adiante essa proposta, em linha com as preocupações da FAO quanto ao risco de tensões no sistema alimentar global póscoronavírus.

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Há algo capaz de parar o agro? Jeffrey Abrahams, sócio-gerente da Fesa Group, consultoria especializada em gestão de talentos e desenvolvimento organizacional

O agro está acostumado com as pragas e todo ano ele é atacado. De acordo com especialistas, cerca de 45% da área plantada em todo o País sofre com espécies de insetos, ervas daninhas, fungos e viroses que prejudicam o desenvolver das lavouras. Por séculos os agricultores enfrentam pragas. Hoje, temas como aquecimento global, rastreabilidade e segurança alimentar são discutidos no agronegócio. O setor busca sempre estar preparado e um passo à frente para possíveis ameaças. Nosso papel na Fesa Group é de ajudar a cadeia de valor do agro com a busca de talentos capazes de contribuir para o crescimento da área. Diante de temas como esses citados, cada vez mais as demandas e as exigências de conhecimento aumentam. Com esse choque atual, fazemos sacrifícios e, em meio ao lockdown global, será que isso será capaz de parar o agro? Menos automóveis circulando deixarão estoques enormes de etanol no mercado. Grandes empresas utilizam a quebra de contratos utilizando a cláusula de "força maior". Adquiriremos menos roupas, e isso pode afetar a cultura de algodão por produtos mais sintéticos causados pela queda de preço do petróleo. Menos entretenimento com os estabelecimentos fechados pode afetar o consumo de cerveja, o que reflete em menos uso de cevada. A demanda de soja deverá continuar forte pela demanda da China, apesar dos efeitos do coronavírus. Contudo, o mundo continuará comendo em casa neste momento. Todos estão buscando alternativas para continuar com

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as atividades e não permitir que tudo pare de vez. O choque do coronavírus afetará o pequeno agricultor de plantas, verduras e frutas, que, se não tiver um capital de giro, corre risco de quebrar se não houver apoio das empresas e governos. Em uma situação como essa, um profissional preparado é crucial. Um setor como o agro, de cara, irá exigir profissionais mais criativos para minimizarem perdas. Os profissionais de finanças e gestão do risco serão mais demandados. Também haverá pressão nos profissionais de marketing e vendas para encontrarem inovação. Demandando a criação de valor na cadeia do agronegócio que vai até as gôndolas dos supermercados. Os fundos estão ativamente comprando revendas de insumos agrícolas enxergando a consolidação do setor e estas, por consequência, terão que integrar empresas de culturas diferentes. Deste modo, serão exigidos profissionais de RH com competências de integração e desenvolvimento de programas para uma nova cultura. Como as plantações são fábricas naturais a céu aberto, o agricultor não consegue controlar o clima e nem o preço. Neste caso, há um esforço maior em controlar custos e, por isso, aumenta a exigência por profissionais mais dinâmicos e digitalizados, com capacidade analítica acima da média para interpretar o data analytics e, assim, tomar decisões mais precisas em busca da constante produtividade. Agora, com o mundo em turbulência, o mercado do agronegócio exige profissionais que consigam encontrar alternativas em meio a situações de crise, não importa qual. Profissionais capazes de liderar com inspiração e propósito para poderem atravessar esse momento, encontrarem uma saída e não permitirem que qualquer ameaça pare o agro. Foco, resiliência, agilidade e determinação são características vitais.


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O LEGADO DA AGRICULTURA Eduardo Novaes, diretor de Marketing da Basf

Nos momentos de dificuldades, nós percebemos quem está do nosso lado. É assim na vida, é assim nos negócios. A Basf tem uma parceria de longa data com os agricultores brasileiros. Estamos juntos na missão de garantir o legado da agricultura do País. Não seria diferente agora, quando todos nós precisamos nos unir, mesmo à distância, para superar os desafios que atingem a sociedade. Para nós da Basf, saúde e segurança são valores inegociáveis. Tomamos todos os cuidados para que nossos colaboradores, clientes e parceiros mantenham-se seguros. Por isso, adaptamos a nossa rotina para continuar atendendo os agricultores de todo o País. Priorizamos reuniões virtuais ou por telefone, adiamos a participação em eventos e a equipe do escritório está em home office, além de outras medidas de prevenção. Apesar deste momento de incerteza, nós sabemos que a agricultura é um negócio de longo prazo. Mais do que dias e semanas, quem é do campo conta o tempo por safras e ciclos. A agricultura é mais do que uma indústria a céu aberto. Os agricultores são pessoas resilientes, que lidam com incertezas a todo momento. Desde a hora certa do plantio e da colheita, passando pelas adversidades do clima e do mercado, viver o agro é acreditar, é persistir. Uma das características de quem vive o agro é ser otimista. Nós compartilhamos esse sentimento que nos dá ânimo para continuar trabalhando e investindo. Estamos próximos dos agricultores e procuramos entender suas necessidades. Investimos continuamente para o

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fornecimento de novas tecnologias que fazem o campo mais produtivo e contribuem com a segurança alimentar. Por isso, investimos globalmente aproximadamente 900 milhões de euros por ano em pesquisa. Até 2030, vamos lançar no País mais de 30 novas soluções, em proteção de cultivos e traits, além de dezenas de variedades de sementes de soja e algodão, sempre voltadas para oferecer melhor qualidade e maior potencial produtivo para as principais regiões produtoras. A empresa aumenta o foco em soluções que auxiliem os agricultores a alcançarem o equilíbrio entre produtividade agrícola, proteção ambiental e necessidades da sociedade. Nosso DNA de inovação faz com que continuemos trabalhando para oferecer novas ferramentas para os agricultores. Assim, reforçamos o nosso compromisso em participar de todas as fases dos cultivos, da semente à colheita, passando pelas tecnologias digitais. A agricultura é tão necessária em nossa vida que acaba impactando o dia a dia de todos. Por sorte, as adversidades esbarram na resiliência do agronegócio e se transformam em aprendizado e novas oportunidades. Sabemos que o cenário é de atenção e cautela. Isto não nos impede de seguir trabalhando junto aos agricultores. Queremos que os agricultores saibam que estamos ao seu lado e estamos prontos para apoiá-los. Trabalhamos para continuar fornecendo à comunidade agrícola global as ferramentas necessárias para manter a oferta estável de alimentos. Nós somos parceiros dos agricultores e estamos em busca do equilíbrio que permite a longevidade dos negócios dos nossos clientes. Contem conosco para seguir em frente. Estamos juntos neste compromisso pelo legado da agricultura brasileira.

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Os esforços para garantir carne bovina com qualidade e segurança para o Brasil Antônio Jorge Camardelli, presidente da Abiec

Vivemos um momento de extrema atenção diante da pandemia causada pelo coronavírus (Covid-19). Nós da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), com 32 empresas associadas, responsáveis por 92% das exportações brasileiras, temos acompanhado os esforços do setor para garantir o fornecimento de alimento de qualidade para todos os brasileiros e para as centenas de países para os quais exportamos nossa carne. Diante do cenário de incertezas, a primeira coisa a pontuar é que o fornecimento de carne bovina está garantido no Brasil. A projeção é de que a produção brasileira de carne bovina deve ser 35,5% maior do que o volume consumido no País. Essa produção já está contratada com as operações em andamento nas fazendas, e, por conta da dinâmica da cadeia produtiva, não pode ser interrompida. Ou seja, os volumes serão produzidos, portanto não há risco de desabastecimento de proteínas. Com isso, o foco do setor está em produzir preservando a saúde de todos os colaboradores e a segurança sanitária da nossa carne, garantindo a qualidade do produto. Dessa forma, uma série de medidas, algumas já incorporadas à rotina de trabalho nas empresas, nesse momento estão recebendo atenção. São ações como o fornecimento de

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transporte de ônibus exclusivo aos funcionários em diversos horários ao longo do dia, evitando que se exponham em transportes públicos. Nas empresas, os colaboradores recebem uniforme previamente higienizado, com a adequada esterilização das vestimentas. Todos os equipamentos de proteção individuais, os EPIs, como toucas, capacetes, botas etc. passam por uma rígida desinfecção antes de serem entregues aos colaboradores. Todos os acessos para a entrada dos setores de produção possuem as chamadas “barreiras sanitárias”, onde são higienizados os calçados, braços e mãos de todos que adentram a área de produção. Nesse momento, também há medição da temperatura dos funcionários para identificar qualquer sintoma. Todos os materiais usados na manipulação direta ou indireta são higienizados em área específica de acordo com o fluxo de trabalho para garantir uma esterilização segura e são fornecidos na entrada e retirados na saída de cada área da empresa. Para reforçar o cuidado e a segurança dos colaboradores nesse momento de prevenção ao contágio da Covid-19, foram adotadas práticas específicas, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde como a realização de campanhas educativas e de esclarecimento, reforço na recomendação de práticas sanitárias e de higiene pessoal, disponibilizando álcool em gel a todos; orientação para que os colaboradores evitem tocar o rosto sem terem lavados as as mãos; restrição de circulação nas fábricas, entre outras. Nós da Abiec também estamos em contato direto com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para gerenciar e identificar situações pontuais que necessitem de ações para ajustar fluidez do processo produtivo. Temos certeza de que com todo o esforço empregado nos diversos elos do sistema de produção brasileiro, vamos conseguir superar esse momento, garantindo carne de qualidade para o Brasil e para o mundo.


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O agro não pode e não vai parar Sarita Rodas, presidente do Conselho Administrativo do Grupo Junqueira Rodas. Top Farmer Nova Geração/Citricultura

Garantir o alimento na mesa é uma das missões do agro. Com ou sem pandemia, essa sempre foi nossa motivação maior, o porquê de dia após dia saltarmos da cama e irmos para o campo arar, plantar, colher e não deixar ninguém morrer de fome. A natureza não para, o sol está aí, as condições são favoráveis para a produção. Não podemos e não vamos parar. É de grande parte dos alimentos e da carne que produzimos que vem a base necessária para garantir a saúde e a imunidade de todos. É o agro a grande mola propulsora da economia e esse também é um dos motivos pelos quais não podemos parar. Com a chegada do coronavírus ao Brasil e o alastramento pelo mundo impactando em um isolamento social necessário de grande parcela da população, nossa responsabilidade aumentou. Temos agora a missão de garantir a comida para quem está em casa, para quem está na linha de frente assegurando que serviços essenciais não parem e, principalmente, para quem tem a nobre missão, na área de saúde, de atender os doentes. Somos engrenagem vital para que a máquina continue a funcionar. E como seguir em meio à crise que se instalou no País? Com seriedade, rapidez e compromisso. Compromisso com nosso time, compromisso com o povo, compromisso com as autoridades. Instalamos um gabinete de crise, com representantes de todos os setores da empresa e juntos, com base nas orientações do Ministério da Saúde e respeitando as restrições deflagradas pelo governo do estado de São Paulo, montamos um planejamento para

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enfrentamento do momento. Na empresa, entre as primeiras medidas adotadas figuraram o afastamento obrigatório de idosos, portadores de doenças crônicas e possíveis casos gripais do trabalho diário. A eles, o isolamento social como medida de segurança. E a potenciais casos suspeitos a quarentena preconizada por médicos. A área administrativa, que antes ficava muito próxima, confinada em salas, passou a trabalhar em sistema de home office, registrando ponto virtualmente, porém, garantindo a coordenação do time e a produção com eficácia, mesmo que à distância. Dentro e fora da porteira, redobramos os cuidados com a higienização. Todos os veículos de transporte passaram a ser desinfectados antes e após cada viagem, com colaboradores respeitando a distância mínima entre um e outro e cientes da necessidade de posturas individuais, como evitar cumprimentos e não tocar boca, olhos e mãos. A orientação para a constante lavagem das mãos com água e sabão já era regra antes mesmo desta situação, e vem sendo intensificada a cada diálogo de segurança diário. Para isso, implantamos comunicação interna atuante, com envios diários de orientações, dicas e esclarecimentos sobre a doença, bem como insights sobre segurança individual e coletiva, além de orientações para aprimoramento de carreira e conhecimento próprio. Sem alardes, sem causar pânico. Porque isso é do que menos as pessoas precisam hoje, a positividade e o senso de dever comum é que devem imperar e não a propagação de informações que podem levar ao desespero. Não foi fácil, ainda mais esbarrando em administrações locais que insistiram em baixar as portas de comércios essenciais para o agro, mas com a força da ministra Teresa Cristina, bem como o secretário de Agricultura do estado de São Paulo, Gustavo Junqueira, a decisão foi revista. Com o distanciamento social, reflito hoje que muitos processos antes adotados eram desnecessários, às vezes, inócuos.

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Quantas reuniões presenciais realizamos para decisões pequenas que nos roubava tempo e produtividade? Quantos papéis gastos e impressos para garantir a palavra, que impactaram a sustentabilidade do negócio? Ações que hoje servem de ponto de reflexão e fato para repensar o negócio como um todo. Grandes crises implicam grandes responsabilidades, mas trazem ensinamentos. Fui criada por uma avó que me trouxe, ao longo da vida, grandes lições. Sábia, ao estilo dos antigos, sob uma experiência de quem sobreviveu a duas guerras e com pais vindos foragidos da Itália porque passavam fome, sempre contava histórias que me faziam refletir por dias. Dizia que em tempos de grandes

populações só duas coisas forçavam o mundo a se readequar, guerra ou moléstia. Guerras acabariam com o mundo, então, sobrariam moléstias. Situação pela qual passamos no momento e que nos impõe um grande impasse atrelado a um grande ensinamento, manter a saúde dos mais vulneráveis e minimizar as consequências econômicas. Se o agro ficar doente, o mundo morre de fome. Nossa responsabilidade é enorme! Sabemos que essa batalha ainda está longe do fim, mas se as orientações de autoridades da saúde foram seguidas e todos adotarem as medidas de prevenção, poderemos vencer mais esse obstáculo. Mas de uma coisa temos certeza: nós, do agro, estamos fazendo a nossa parte!

Não há hora melhor para um grande programa de incentivo ao cooperativismo, tanto por parte das associações do setor, da iniciativa privada organizada, quanto dos governos municipais, estaduais e federal. O Agro legal e organizado será fundamental para o Brasil pós-coronavírus Marcelo Britto, presidente da Abag

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O que é essencial para enfrentar uma pandemia? Marcello Brito, presidente do Conselho Diretor da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio)

Na linha do tempo, ainda é muito cedo para fazermos uma análise precisa dos impactos desse momento excepcional que o planeta está atravessando. A Covid-19 nos colocou num filme de ficção científica, mergulhados numa enxurrada de informações e teorias sobre essa pandemia que fez o País parar, mas no resumo dos fatos, para alguns, estamos entre a cruz e a espada: entre as precauções com a saúde e a retomada da economia. Mas na verdade estamos com a cruz e a espada nas mãos, pois tanto o sistema de saúde quanto a economia serão testados à exaustão e fortemente afetados. Muito impactadas ainda com o rápido avanço da doença no Brasil e no mundo, as pessoas estão trancadas em casa, muitas estocando alimentos e produtos de higiene; e os países, fechando fronteiras, com todas as suas implicações. Podemos dizer que vivemos uma economia de guerra. Diante dessa situação surreal, temos uma única certeza: o agronegócio é essencial e não pode parar. O abastecimento, o transporte e o escoamento de mais uma safra recorde, que está sendo colhida, não podem ser paralisados. Estamos vivendo a seguinte situação no setor: temos o agroexportador, que está com preços crescentes das principais commodities, associado ao dólar alto. É algo nunca visto. Soja, milho, suco de laranja e proteínas animais são os grandes ganhadores do momento. As cadeias de hortaliças, frutas, flores, pescado, leite e ovos, que possuem milhares de pequenos e médios produtores e que somam

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85% das propriedades brasileiras com menos de 100 hectares, vivem dias de agonia. No setor de flores, o que passou e se perdeu não será recuperado, sendo que mesmo após o retorno à “normalidade”, eventos e festas devem ter uma dinâmica e constância menor que antes da pandemia. Nas frutas, o problema está nas exportações devido à falta de logística, com o cancelamento de milhares dos voos comerciais e de cargas. Hortaliças é um setor mais resiliente, acostumado a crises de preços, climáticas e sanitárias e deve se recuperar mais rápido. Os pequenos produtores, tal qual os pequenos comércios e indústrias, são os que precisarão de apoio governamental, urgente. O setor sucroenergético, que tinha tudo para crescer este ano, com a queda do preço do petróleo sofrerá muito. O governo brasileiro perdeu uma grande oportunidade de se utilizar imediatamente da Cide sobre o preço da gasolina, assim mitigando tamanha crise que se avizinha num setor tão importante da economia em empregos, renda, energia e com impactos que ultrapassam os espectros econômicos, atingindo também a saúde da população urbana, pois mais etanol significa menos emissões de poluentes e menos impacto no já colapsado sistema púbico de saúde em tempos de pandemia. Decisões políticas, além de coragem e pontualidade, demandam compreensão do momento para antecipação de crises. Outro setor vencedor nessa crise é o de papel e celulose. Com atuação em mais de mil municípios, o setor é fonte de mais de 5 mil produtos, inclusive de matérias-primas para confecção de máscaras cirúrgicas, vestimentas, papel higiênico, fraldas, lenços umedecidos, papel-toalha e detergentes. Este é só um dos muitos exemplos de quanto o agronegócio é essencial no dia a dia de cada um de nós e ainda mais agora. Como toda crise é também oportunidade, esse é um momento extraordinário para a expansão das cooperativas no País. Não há hora melhor para um grande programa de incentivo ao cooperativismo, tanto por parte

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das associações do setor, da iniciativa privada organizada, quanto dos governos municipais, estaduais e federal. O agro legal e organizado será fundamental para o Brasil pós-coronavírus. Espero que essa crise humanitária também nos ensine a enxergar os milhões de seres

O mundo nunca mais será o mesmo Ibiapaba Netto, diretor-geral da CitrusBR

A pandemia de Covid-19 é a prova cabal de que o mundo, realmente, se transformou numa grande aldeia global. Nunca uma crise fora antes transmitida em tempo real e com um massacre de informações tão grande. Tenho dúvidas, porém, sobre a forma como as pessoas interpretam essas informações e que uso fazem delas. Nesse sentido, é preciso ter cautela antes de qualquer previsão otimista ou pessimista. É preciso ter clareza de que tudo, absolutamente tudo, poderá ser revisto no curto prazo, simplesmente porque não há padrões ou referências para o que vivemos hoje. Sendo assim, não pretendo me arriscar em elaboradas teorias, mas olhar um pouco para algumas atividades, tendo aquela que represento como referência: o setor exportador de suco de laranja. Diante da crise imposta pela Covid-19, este invisível inimigo, podemos separar o agronegócio em dois grandes grupos. O primeiro está nos produtores de alimentos, que bem ou mal continuam suas operações. Com cuidados adicionais e algumas restrições, a vida continua para esses setores. Nesta turma destaco suco de laranja, carnes, soja, milho, entre outros. No outro polo estão os setores não alimentares como etanol, borracha, madeira, entre outros. Dessa forma, inicialmente, os setores 32

humanos invisíveis que nos acostumamos a deixar à margem da sociedade sem o básico para uma vida digna, saneamento básico, moradia decente, acesso digno à saúde e meio ambiente conservado. Vamos reaprender a gostar de gente?

do primeiro grupo parecem sofrer menos justamente porque alimentação é a última coisa a ser cortada – e para que isso aconteça seria necessária uma crise que a nossa geração certamente não viveu. Mas a verdade é que ninguém sabe como será a retomada da economia do mundo, o nível de emprego, quantas empresas resistirão e quantas vão sucumbir à paralisia. Não se sabe como serão a renda e, claro, as dívidas no período pós-Covid-19. Na minha opinião, esse será o grande desafio. Não se sabe como as pessoas vão reagir a locais com aglomeração ao longo dos próximos meses e se haverá “efeito chicote” no hábito das pessoas. Ainda assim, as pessoas continuarão consumindo e se alimentando. Só não se sabe a força dessa demanda. No setor de suco de laranja, experimentamos uma explosão no consumo de suco de laranja a partir da segunda quinzena de março, em níveis que há muito não se via. A procura por vitamina C e a disposição de se estocar produtos em casa foram os motores dessa “onda laranja”. Passadas algumas semanas (e ao escrever este artigo em meados de abril), percebe-se que a curva de consumo aponta para a estabilização, o que está longe de ser má notícia. Nesse cenário, mais do nunca, ter o empate nas mãos é o mesmo que ganhar de goleada. Para os próximos meses, é praticamente impossível “cravar” o que acontecerá. É possível que, em meio a tantas opiniões, alguém acerte o que está por vir. Se a retomada será rápida e vigorosa ou o mundo passará por um novo “1929”, teremos de viver para ver. Até lá, sigo a cartilha da cautela em evitar previsões definitivas que, aliás, mudam como a direção dos ventos.


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Particularmente, tenho a tendência de evitar os extremos. Entre a retomada dos sonhos e um longo período recessivo, “espero” que a verdade

O consumo de frutas nunca foi tão importante Roberto Barcelos, presidente da Abrafrutas (Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados)

Estamos vivendo algo sem precedentes, um problema que atinge a grande maioria dos países, ceifa a vida de muita gente e trará consequências ainda desconhecidas e imensuráveis na economia mundial. Mas com certeza de cunho fortemente recessivo, que poderá estabelecer uma nova ordem econômica de diferentes proporções. Ao contrário de alguns setores que são abrupta e negativamente atingidos, como turismo, aviação comercial, bares, restaurantes e hotéis, a produção agrícola e de proteínas de origem animal não pode e não deve parar. No caso específico da fruticultura, setor que representamos, os muitos desafios que se apresentam agora demandam ações rápidas e eficazes para não haver desabastecimento e garantir que os produtores recebam um preço justo e evitem a falência. Mais do que nunca o setor necessitará do reconhecimento dos consumidores para que não deixem de consumir frutas, ao máximo que puderem, como fortalecimento de seu sistema imunológico. Da compreensão dos dirigentes políticos para elaborarem legislações que desonerem impostos e encargos, impedindo que o preço das frutas pese tanto no bolso dos consumidores. E apoio das

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esteja no meio. Alguns setores sofrerão mais, outros, menos. A única certeza é que o mundo mudou e agora resta aguardar o “novo normal”.

instituições financeiras para que reduzam os custos do capital emprestado e alonguem débitos para que os produtores possam permanecer fazendo o que sabem fazer: não deixar faltar as tão saborosas e nutritivas frutas que tanto agradam o paladar de seus consumidores. Como afirmam recomendações médicas e nutricionais, as frutas são uma excelente fonte de vitaminas e sais minerais, que auxiliam o organismo humano a fortalecer seu sistema imunológico, prevenindo doenças infectocontagiosas, exatamente como a que aterroriza o mundo agora. Num primeiro momento, esse cenário poderia ser uma grande oportunidade para o nosso setor. No entanto, assim como as verduras e os legumes, as frutas são altamente perecíveis, com uma vida útil de pós-colheita muito mais curta do que outros produtos do agronegócio. Por isso, é comum produtores venderem suas frutas a preços abaixo do custo de produção, o que os deixa em situação financeira complicada, pois a cadeia de frio é precária e custa muito, e a operação demanda muita mão de obra. Além disso, há grande desperdício durante o transporte e a distribuição. Por conta disso, na grande maioria das frutas, o preço final para o consumidor acaba sendo mais alto, o que impede o aumento ou até o próprio consumo. Segundo dados do IBGE, o brasileiro consome pouco mais de 56 quilos de frutas por ano, ou seja, a metade do que preconiza a Organização Mundial da Saúde. E, segundo pesquisa de hábitos e consumo de frutas feita há alguns anos pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o fato de as frutas terem um preço mais alto na comparação com outros alimentos, esse baixo consumo no Brasil se

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concentra nas classes sociais A e B e um pouco na C. Portanto, o grande desafio será dosarmos essa oferta de frutas em face da nova realidade que se insurgirá após essa paralisação geral. A redução da atividade econômica encolherá o poder de compra de boa parte dos consumidores. Nesse panorama, além de diminuir a produção, os fruticultores terão de reduzir o número de colaboradores, o fluxo de caixa e a capacidade de pagamentos a seus parceiros financeiros. O essencial equilíbrio entre a oferta e a nova demanda passará pela eliminação de pomares pouco

AGRONEGÓCIO: NOSSA CONTRIBUIÇÃO EM NUTRIÇÃO E ALIMENTAÇÃO Rogério W. Andrade, vice-presidente sênior LATAM de Supply da divisão Agrícola da Bayer e engenheiro químico

Se uma coisa aprendemos com as mais relevantes crises é que itens essenciais e de primeira necessidade não podem faltar à população. Engajados justamente nas cadeias de suprimentos ligadas à produção destes bens, temos um papel fundamental de contribuir para que a produção de alimentos continue atendendo às demandas, também nestes momentos difíceis. O cenário econômico e produtivo em todo o mundo, em decorrência da Covid-19, tem se mostrado desafiador. Sem dúvida, passamos pela maior crise de saúde dos tempos atuais. Assim, já há várias semanas, temos acompanhado a evolução do cenário.

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eficientes e por investimentos em tecnologia para obter mais produtividade e mais qualidade com menos custos. Atitudes que já vinham sendo tomadas, mas que precisam, impreterivelmente, ser implementadas. Mais do que nunca, a fruticultura e todo o agronegócio, que envolve também a logística e a distribuição, necessitarão do reconhecimento da sociedade civil como um todo, da compreensão por parte dos dirigentes políticos e do apoio das instituições financeiras, para que tenham condições de continuar levando comida à mesa de toda a humanidade.

Como uma empresa global, a Bayer vem seguindo as recomendações das autoridades de saúde, direcionando esforços e tomando as decisões necessárias. Atuamos nas áreas de saúde e agricultura, atividades consideradas essenciais para a sociedade, conforme decisão do governo federal. Portanto, parar nossas operações – sejam elas no campo, em nossas unidades de produção ou nos processos logísticos – significaria impactar o abastecimento do País. O agronegócio, tendo uma importância na economia do Brasil, tenta garantir o abastecimento de alimentos no mercado nacional e na exportação de grãos para mercados externos, tão fundamental neste momento. Por esse motivo, os mais de 100 mil colaboradores da Bayer no mundo estão concentrados nessas prioridades essenciais. Estamos atentos em atender às necessidades dos agricultores e da população. A situação atual apresenta um cenário profundamente desafiador e assegurar a segurança e saúde de nossos funcionários, contratados e parceiros é uma prioridade absoluta. Para isso, implementamos rotinas diferentes e um cuidado ainda mais especial com segurança e higiene, adotando medidas como aferir a


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temperatura corporal e o distanciamento mínimo entre estações de trabalho e na convivência diária. Limpezas periódicas e criteriosas estão sendo empregadas e álcool gel está disponível em todas as áreas. Todos aqueles que possam colaborar trabalhando remotamente encontram-se em regime de home office. Dentro desse contexto, estamos conseguindo continuar operando e contribuindo com a nossa parcela para que a cadeia de suprimentos siga sustentável

#OAGRONÃOPARA Fernanda Falcão, gerente técnica da Sementes Falcão. Top Farmer Nova Geração – Soja

O mundo mudou ou obrigatoriamente irá mudar no seu mais amplo aspecto. Quando imaginaríamos que uma pandemia como a da Covid-19 provocaria uma crise mundial sem precedentes tanto no âmbito da saúde como no da economia especificamente? Algo desconhecido surgiu e nos obrigou a mudar e a parar temporariamente. Nosso dia a dia ficou confuso num primeiro momento. Nossa maneira de agir, de trabalhar, de fazer atividades simples, de conviver com pessoas com as quais estávamos acostumados; na maneira de nos alimentarmos, de consumirmos e de nos movermos; tudo isso nos obrigou a refletir e a encontrar novas estratégias e meios para sobreviver. Mas estávamos preparados? Como o agronegócio, que é a locomotiva do País, iria parar? E de fato o #agronãopodeparar. Quando se trabalha com produtos perecíveis e de valor, que integram uma cadeia complexa de produção, logística, serviços, indústria e distribuição, parar pode ser catastrófico. O agronegócio, de forma geral, será uma

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para a produção de alimentos de qualidade. Estamos todos, seja no time global, regional ou local, trabalhando de maneira alinhada para antecipar problemas críticos e trocar experiência. Os processos de supply chain dependem de parceiros estratégicos, movimentações logísticas e obviamente de pessoas. Nesse sentido, estamos operando ainda mais próximos no que chamamos de rede de apoio entre nossos fornecedores e prestadores de serviço. O momento requer ainda mais colaboração entre todos.

das atividades que poderão sofrer menor impacto, a não ser alguns setores específicos, afinal, quando há perda de renda, o último item básico que se corta é o alimento. Os números da safra recorde no País são animadores, 251,9 milhões de toneladas de grãos, segundo a Conab, a não ser no Rio Grande do Sul, que teve quebra significativa devido à estiagem. Foi necessário adaptar e aprimorar a maneira de trabalhar, tomando ainda mais cuidados de higiene e pessoal, prevenindo todo e qualquer fator que pudesse trazer risco aos colaboradores. Houve uma necessidade maior de educação sanitária e coletivismo. Além disso, o mundo que já era digital, e planejava este aumento de atividades on-line a longo prazo, se obrigou a inovar de maneira rápida e eficaz, criando novas formas de interagir, debater e se conectar. Toda crise traz oportunidades também. E nós precisamos fazer a nossa parte, produzir alimentos com ainda mais segurança, com protocolos específicos, rastreados e temos de, acima de tudo, movimentar o País para que a crise não seja tão desastrosa assim. Confiar nas medidas que estão sendo tomadas com perseverança e dedicação, pois jamais a saúde estará desassociada da economia. Que possamos seguir nosso trabalho, afinal nossa missão é garantir a segurança alimentar do País e do mundo.

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Desafios da piscicultura em tempos de pandemia Francisco Medeiros, presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR)

A atividade de piscicultura no Brasil cada dia tem mais importância na mesa do consumidor, seja devido à geração jovem que está aprendendo a comer peixe a partir da comida japonesa ou aqueles que desejam uma alimentação mais saudável para sua vida. A pandemia da Covid-19 ocorreu no período de quaresma, quando tradicionalmente ocorre maior consumo de peixe decorrente inicialmente da questão religiosa, mas que também vem em função da maior oferta de peixes nos restaurantes. Com a pandemia e o consequente fechamento dos restaurantes, houve impacto direto deste regular aumento de consumo nesses tempos de quaresma, pois essa maior oferta de peixe impacta diretamente no consumo. As indústrias de processamento de peixes rapidamente começaram a procurar outros canais de venda e fortalecê-los, principalmente as redes de supermercados, haja vista que o consumidor deixou de ir ao restaurante, mas continua comendo. Assim, nada melhor do que estar na prateleira onde ele vai buscar alimentos para levar para casa. As expectativas de venda, que em algumas regiões tem incremento de 30% a 50% nesse período, não ocorreu, mas foram mantidos os contratos para os canais que não foram impactados diretamente com as medidas de restrição impostos pelos decretos de quarentena. Nas regiões Norte e Nordeste, houve redução das feiras livres de comercialização de pescado, mas elas funcionaram durante a Semana

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Santa, o que manteve esse importante canal de comercialização aberto naquele período. As indústrias de ração continuaram o fluxo de produção. No inverno que se aproxima geralmente temos redução no consumo pelos peixes, o que impacta nas vendas. O mais preocupante é a falta de algumas matériasprimas importantes para elaboração da ração e a necessidade de aquisição de outras com valor mais elevado, tendo como consequência direta o aumento do preço da ração em um período em que o produtor e a indústria não conseguem repassar para os consumidores. Os produtores de alevinos (peixes jovens que vão para as fazendas de engorda) na sua maioria continuam o processo de comercialização, mas logo começará o declínio também em função das condições climáticas, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Isso ocorre naturalmente, mesmo sem a presença da pandemia. Então, de alguma forma já estão preparados, mas o retorno por volta dos meses de agosto e setembro pode estar comprometido, mas só saberemos lá. Nesse momento, o desafio é se programar para os meses subsequentes. Esperamos a manutenção de consumo de pescado em uma curva muito próxima dos números históricos nas redes de supermercados e feiras livres. A prorrogação pelos governantes dessas medidas restritivas pode afetar diretamente o poder de compra do consumidor e isso sim afetar diretamente o nosso negócio. Por enquanto, é manter o consumo de peixes para manter a saúde em dia e enfrentar essa pandemia sem efeitos danosos à saúde. Lembro que a piscicultura tem crescido ano após ano. Em 2019, a produção avançou 4,9%, mas a média história dos últimos anos é superior. O Brasil tem condições, clima, infraestrutura, água e produtores para superar esse desafio e manter a rota de crescimento. Tenho plena convicção que vamos superar essa fase difícil e avançar. Importante destacar as ações para isonomia de PIS/COFINS para a ração de peixes em relação a aves e suínos, o que tem impacto direto no


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custo de produção. Além disso, há as questões de licenciamento ambiental e outorga das águas

O que nos aguarda? Ismael Perina Junior – diretor da Fazenda Belo Horizonte (Jaboticabal, SP) – Top Farmer Cana/ Primeira Temporada

Passados alguns dias do início dos relatos do aparecimento de uma endemia provocada pelo coronavírus e posteriormente a OMS dando a ela o status de pandemia, houve imensa alteração na forma de vida das pessoas em praticamente todas as partes do mundo, trazendo à tona grandes fragilidades que encontramos na maioria dos países, promovidas principalmente pela grande aceleração dos movimentos globais e pela falta de estratégias para tratar esse tipo de situação em cada um dos países. Tudo muito rápido e, como vivenciamos um mundo fortemente conectado, nos deparamos com uma situação inesperada e inusitada, onde muitas vidas vêm sendo ceifadas. Mas certamente o mundo não acaba e teremos que trabalhar fortemente para reverter essa situação que promoverá, com muita certeza, grandes modificações, se comparado ao que tínhamos vivenciado até agora. Confesso que, para mim e para a grande maioria das pessoas, uma situação dessas jamais seria imaginada e por isso a convicção de que as dificuldades serão enormes. Uma catástrofe econômica mundial é inevitável e cabe a cada um dos países procurar se fortalecer e aprimorar a forma como vem trabalhando suas principais atividades para que a recuperação seja menos traumática possível. O Brasil, que vem trabalhando fortemente a questão agro e se propondo a ser o principal fornecedor de alimentos do mundo, terá o dever de montar estratégias para isso, pois todos sabemos da importância dos alimentos na

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da União, as quais precisam merecer a devida atenção das autoridades.

perpetuação da nossa espécie e muito mais ainda na busca da paz entre os povos. Falando um pouco do setor que trabalho e me dedico ao longo destes últimos anos, o momento não poderia ser pior. Junta-se à crise provocada pelo coronavírus, que promove uma paralisia global de movimentação de pessoas com grande diminuição no consumo de forma geral, problemas pontuais do segmento sucroenergético. A baixa repentina nos preços do petróleo atinge em cheio o etanol, um dos nossos principais produtos, com redução de consumo que chega perto dos 60%. E isso ocorre justamente num momento crucial, que é a entrada da safra do Centro-Sul do Brasil. Essa região produz a quase totalidade do etanol que consumimos e exportamos. A queda de preços também é uma realidade e os danos, assustadores. Nesse momento, cabe ao setor privado tentar a todo custo realizar a safra, pois sabemos a grandiosidade da importância de preservar o emprego, do número de empregados que temos nas diversas regiões produtoras, assim como dos produtores, de suas famílias e de seus empregados e, ainda, a relevância para inúmeros municípios envolvidos nessa atividade. Cabe ao poder público tomar medidas eficientes, visando a redução de impostos e criar alternativas para dar competitividade ao etanol frente à gasolina, além de promover e criar instrumentos de financiamentos para toda a cadeia produtiva com o intuito de manter o setor em pé. Essa condição será importantíssima na retomada, pois as características positivas desse setor são fantásticas, como já relatadas ao longo de todos esses anos, principalmente a geração de emprego e renda, saúde pública, gerador de impostos e divisas para o Brasil entre muitos outros. Precisamos a qualquer custo sair desta fortalecidos.

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O setor do agronegócio e a crise do coronavírus Antonio Batista da Silva Junior, presidente executivo da Fundação Dom Cabral

“Não podemos querer que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a maior bênção que pode acontecer às pessoas e aos países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, assim como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem os inventos, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise supera a si mesmo sem ter sido superado.” ALBERT EINSTEIN Acredito que a relevância do agronegócio para o nosso País e para o mundo esteja bem clara para todos nós. No Brasil, o PIB do setor cresceu mais de 3% em 2019 – um aumento relevante em comparação com os anos anteriores. Agora, a crise que ameaça o mundo todo torna-se também um desafio neste caminho de crescimento. Mas, pessoalmente, busco manter o otimismo e, nessa situação sem precedentes, o que podemos aprender – e crescer – com ela. O primeiro ponto que, a meu ver, fará a diferença e será o fio condutor das estratégias neste momento é compreender qual o nosso propósito: como indivíduos, mas também como organização. Acredito firmemente na responsabilidade das empresas em construírem um legado positivo, não somente do ponto de vista de negócios, mas para a sociedade como um todo. Hoje, com a crise da Covid-19, ouso dizer que não há empresário C-level que não esteja

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colocando na balança as práticas que vem entregando ao mercado. Ou seja, é o momento de repensarmos se essas são realmente as ideais para o setor. É, sim, papel do agronegócio contribuir com o desenvolvimento de soluções inovadoras. O momento é adverso, na economia e na política, mas a hora é agora. A ideia de que clareza de propósito e transparência na gestão devem fazer parte do cotidiano é das maiores exigências da nossa sociedade atual. Não sabemos qual a cura ou a prevenção do vírus. Mas temos uma certeza: será apenas com a sociedade unida e adotando práticas novas e efetivas que iremos superar a crise. E eu acredito que é papel das lideranças agirem rápido para que essa superação venha o quanto antes, sem deixar de lado a relevância dos fatores externos e que não podemos controlar. A Fundação Dom Cabral possui um histórico longo com o setor do agronegócio na criação de soluções educacionais, de forma conjunta, para toda a cadeia produtiva do setor. Uma cadeia complexa que envolve cooperativas, multinacionais, órgãos de classe, governos e pequenos produtores. Procuramos formar líderes, ajudando a formular e desenvolver estratégias, apoiando maior produtividade a processos e aprimorando a governança das organizações. Temos uma iniciativa chamada Academia de Liderança das Mulheres do Agronegócio, um programa com a empresa Corteva em parceria com a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). O objetivo é capacitar mulheres brasileiras que já começam a atuar como lideranças no agronegócio, uma área que sempre foi destacada pela liderança masculina, e auxiliá-las em seu desenvolvimento em gestão de forma mais inclusiva, diversa e contribuindo para o equilíbrio de gênero nesse ambiente corporativo. Com isso ajudamos a atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS), que fazem parte da agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas) e que diz respeito à igualdade de gênero. Vemos, a cada


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dia, as mulheres empresárias desse importante setor conquistando mais espaço e se tornando uma voz ativa e influenciadora. Queremos fazer parte dessa mudança. Porém, a FDC está consciente de que sua contribuição à sociedade pode extrapolar os programas ofertados. Temos plena consciência de que a orientação deve se dar, também, no auxílio em mapear oportunidades no atual momento. Por exemplo: um dos maiores desafios do setor diz respeito à circulação de mercadoria. A crise atual está nos mostrando que a tecnologia será fundamental em todos os nossos processos daqui para a frente. Não seria esse o momento de reflexão também sobre como podemos aprimorar sistemas

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de monitoramento e controle remoto para auxiliar no melhor deslocamento da carga agrícola? É preciso aprender com tudo o que estamos vivendo. Embora estejamos atravessando um contexto trágico, a crise nos oferece oportunidades para aprofundar reflexões que podem nos levar a caminhos melhores. Convido a todos do agronegócio a exercitarem essa possibilidade. O que este momento revela das práticas empresariais e como os valores organizacionais podem indicar melhores rotas? As respostas podem indicar alternativas e contribuir para que o setor do agronegócio se fortaleça e protagonize a retomada da nossa economia de maneira sustentável e solidária.

A questão sanitária não tem recebido o cuidado indispensável nem a nível global e nem nos países de forma individual. A régua tem que subir bastante. Sociedades e governos precisam estar muito atentos para isso. Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura

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E DEPOIS DA TEMPESTADE? Roberto Rodrigues , coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, Embaixador Especial da FAO para as Cooperativas e Titular da Cátedra de Agronegócios da USP. Ex-ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

Ninguém, em lugar nenhum, poderia imaginar a extensão, a profundidade e a velocidade da tragédia que um mísero vírus causaria à humanidade, com reflexos negativos incalculáveis na área da saúde, na social, na econômica, na política e na vida cotidiana das pessoas em todos os cantos do mundo. Naturalmente a agropecuária não ficou de fora da tormenta. Mas esse setor produtivo tem uma característica diferente de qualquer outro: o homem é apenas um agente do sistema complexo que é determinado por uma força superior, a natureza, que define os tempos para cada ação no campo. O que fazemos é ajudá-la, por meio de tecnologias e investimentos que criamos com o fim de potencializar seu irrecorrível comando. A atividade rural segue um ciclo rigoroso, estabelecido por essa extraordinária maestrina escalada pelo Criador, a natureza, que é responsável pela continuidade da vida. E é por isso que a agropecuária não pode parar: ela estabelece o ciclo da vida. E é por isso que, todas as madrugadas, milhões de homens e mulheres em todos os lugares de todos os países saem de casa para plantar, tratar, colher. E de seu trabalho depende tudo o que vem depois, o transporte, a industrialização, a armazenagem, a embalagem, a distribuição, a exportação. Assim sendo, a cadeia do abastecimento de alimentos está igualmente amarrada às disposições da natureza. Na verdade,

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as cadeias produtivas inteiras, das quais a produção rural e o abastecimento são elos fundamentais, estão ligadas a esse ciclo extraordinário da vida: a produção de insumos, de equipamentos, a concessão de créditos, a inovação e a difusão de tecnologias, tudo é estabelecido em função dos mandamentos naturais. Ou seja: cidade e campo estão integrados nesse processo. Mas o coronavírus está causando muito prejuízo ao agro brasileiro. Sofreram demais os produtores de flores porque seu mercado quase desapareceu: não se realizam mais congressos, festas, eventos, missas, até casamentos foram adiados. Também os hortifrútis foram afetados duramente: quando ficam maduros, precisam ser colhidos e consumidos, ou apodrecem. E isso depende da cadeia de distribuição, que foi perturbada pelo fechamento de estradas, entradas de cidades, postos de combustíveis onde se abasteciam os transportadores, e até pela redução do poder aquisitivo das maiores vítimas da Covid-19, os milhões de brasileiros que ficaram sem emprego e sem renda. Ações de governo estão sendo implementadas para mitigar este ponto específico, mas o estrago no campo já foi feito. A cana-de-açúcar é o maior prejudicado, porque o consumo de etanol caiu até 70% por causa do confinamento, e seu preço despencou em função da queda do preço do petróleo. Governo e produtores estão em busca de soluções para essa catástrofe que afeta os milhares de trabalhadores de mais de 9 milhões de hectares no País inteiro. E toda gente está pensando em como ficará o mundo depois do coronavírus, com prognósticos os mais diversos. Mas uma coisa é certa: a questão sanitária não tem recebido o cuidado indispensável nem em nível global e nem nos países de forma individual. A régua tem que subir bastante. Sociedades e governos precisam estar muito atentos para isso. Quem sobreviver, verá.


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É hora de cuidar do Brasil Mauricio Harger, diretor-geral da CMPC

O momento exige racionalidade. O coronavírus está rapidamente se espalhando por todo o Brasil. É preciso tomar como exemplo a gravidade do que vem acontecendo pelo mundo diante do avanço desta pandemia. Os próximos passos têm que ser muito bem pensados. Pensados no bem-estar dos brasileiros. Não se trata somente de uma batalha da área de saúde, mas de uma turbulência com sérios impactos econômicos e sociais. Por isso, temos que cuidar das pessoas. Cuidar de sua saúde, de sua renda, de seus empregos e, neste momento, até mesmo cuidar para que itens básicos cheguem a suas casas. A Organização Mundial da Saúde, médicos e mais uma infinidade de especialistas sugerem que o isolamento é a medida mais eficaz para achatar a curva de crescimento de pessoas infectadas pelo vírus. Façamos, mas de maneira organizada. Para que milhares de pessoas possam ficar em casa são necessários alimentos, produtos de higiene e de limpeza. É preciso fazer isto chegar até seus lares, pois, caso contrário, o isolamento se torna inviável. Por isso, este é o momento em que as pessoas devem estar no centro de qualquer estratégia, seja ela pública ou privada. A CMPC vem investindo para manter seu compromisso social, cuidando de seus colaboradores e atuando para que não falte matéria-prima de itens básicos. A celulose é muito versátil. Papel higiênico, papel-toalha e embalagens para comida e remédios, por exemplo, deixariam de ser fabricados se não fosse esse insumo. Portanto, como produtores de 2 milhões de toneladas de celulose por ano, não podemos parar. Temos que cuidar para continuar.

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Pensamos em cada um dos 6,5 mil colaboradores, prestadores de serviços, suas famílias e nossas comunidades vizinhas, antes de traçar nosso plano de ação. São mais de 35 mil postos de trabalho entre empregos diretos, indiretos e induzidos e todo efeito positivo de renda que ele gera no Rio Grande do Sul. Essas famílias precisam de seu sustento. Manter nossa operação é manter a economia acesa para essas milhares de famílias. Então nós, como a maior indústria do Rio Grande do Sul, o que fizemos? Quem é de grupo de risco ou tem função que permite trabalhar em regime home office já está em casa. Para que a produção continue e nada falte nos domicílios de todo o Brasil, os profissionais das unidades industriais estão operando em um sistema escalonado diferente, de modo que as equipes atuem em menor número por turno, evitando aglomerações; nos refeitórios está se mantendo uma distância mínima de segurança; recomendações de higiene pessoal e modos de se prevenir são passados rotineiramente; tudo pensado para nossos colaboradores e também prestadores de serviços; além de, claro, disponibilizarmos medição de temperatura e dispensers de álcool em gel em mais locais da empresa. Essas são algumas medidas de um vasto protocolo de prevenção elaborado exclusivamente para cuidar da saúde das nossas pessoas. Saúde, renda e matéria-prima para produção de itens básicos. O desafio é triplo. A estratégia deve ser desenhada para que pessoas possam se manter em casa ou trabalhar em segurança. Não há outro caminho. Ao olhar para fora de nossas fronteiras, percebemos que ainda estamos no início de uma jornada que não será fácil. E esta é uma crise que não terá um fim a curto prazo, mas um desdobramento, um pós-crise que deixará feridas abertas, sim. Por isso, é mais do que necessário que as ações desde já visem mitigar os impactos futuros para trabalhadores, empresas e para o País. É hora de cuidar do Brasil.

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Cuidar de cada um para cuidarmos uns dos outros Gilberto Tomazoni, CEO Global da JBS

Está muito claro para cada um de nós, aqui na JBS, o tamanho da importância social de tudo o que fazemos. É isso que nos motiva a acordar cedo e produzir os alimentos que irão para a mesa de milhões de famílias todos os dias no mundo inteiro. E agora, em meio a tantas preocupações que cercam estes tempos de pandemia, nosso propósito se faz ainda mais forte e verdadeiro para cada um de nós e para todos os que acreditam que podem contar conosco e com o alimento que produzimos, ainda tão mais essencial neste momento em que precisamos estar com o corpo e a mente ainda mais saudáveis. Sabemos que o que está acontecendo afeta a todos indistintamente. Em todo o mundo, a JBS soma mais de 240 mil colaboradores. Somente no Brasil, são mais de 120 mil. Pela exata noção do que somos e do que representamos para o País, nos comprometemos a preservar todos esses empregos e a manter investimentos de bilhões de reais nos próximos cinco anos. Entendemos também que é hora de estarmos ao lado de nossos parceiros fornecedores – incluindo o homem do campo, que, com sua família, é o responsável pela matéria-prima do alimento –, clientes e todas as pessoas e comunidades que se relacionam conosco. O coronavírus não vai durar para sempre, mas as relações que temos com nossos parceiros irão. Esse é o tempo em que somos convidados a olhar cada vez mais para o outro e para a coletividade, e tenho certeza de que depois disso

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estaremos ainda mais fortes. Para tudo isso, o que somos e o que fazemos, contamos com um ativo inestimável – nosso Time. E, olhando para nossas pessoas e para o tamanho de nossa responsabilidade, nos dedicamos imensamente a garantir um ambiente seguro para todos os nossos colaboradores. A JBS opera unidades de produção em 140 municípios brasileiros, sendo a principal atividade econômica em quase 80 deles, o que confirma nossa grande responsabilidade no cuidado e na proteção de nossas pessoas. Desde o primeiro momento, não hesitamos em nenhum momento e tomamos todas as medidas necessárias para preservar a integridade e garantir a máxima segurança de nossas equipes nas fábricas, centros de distribuição, lojas e escritórios. Estamos seguindo todos os protocolos dos órgãos de saúde e entidades governamentais em cada país onde estamos presentes. Faz parte desse cuidado o afastamento das pessoas em situação de risco, como gestantes e pessoas com mais de 60 anos. Investimos em novos sistemas e estruturas, além do transporte para evitar aglomerações. Distribuímos kits de higiene, fizemos a comunicação ostensiva sobre os cuidados na prevenção e riscos da doença, proibimos viagens, entre outras medidas. Todos esses cuidados estão ultrapassando os limites de nossas unidades e se estendendo às comunidades próximas a nós, além dos grandes centros. Em todos os locais, temos sido solidários e dedicado recursos e muita energia para ajudar no combate e na prevenção dessa doença. Se é certo que mar calmo não faz bom marinheiro, para o tamanho da tempestade, o número de horas dos comandantes faz toda a diferença. Nesse sentido estou muito confiante em que temos as melhores pessoas para que possamos conduzir esse barco. E assim, quando o coronavírus tiver passado, quando tudo isso passar, vamos olhar para trás e veremos o quanto aprendemos, crescemos e nos tornamos ainda melhores.


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Mais do que nunca, trabalhando pelo Brasil Rivaldo Machado Borges Júnior, presidente da ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu)

Estamos vivendo um período sem precedentes. A falta de controle e a incerteza do que vem pela frente é o que mais assusta a população mundial. Mas, em meio a tantas dúvidas, encontramos duas grandes e importantes certezas: o agronegócio não para e o abastecimento de alimentos está garantido. Neste momento difícil, nós, produtores rurais, estamos diariamente reafirmando nosso compromisso com o Brasil e com os brasileiros. E, por isso, compartilhamos do otimismo da ministra Tereza Cristina, garantindo que não vai faltar alimento em nosso País. E, aqui, destaco que as medidas pontuais tomadas pelo Ministério da Agricultura foram importantíssimas para garantir a continuidade do nosso trabalho com força total no campo, assegurando, assim, o abastecimento de nosso País com carne e leite de qualidade. Nós, da ABCZ, que carregamos 100 anos de tradição e história, sempre trabalhando para o desenvolvimento da pecuária, seguimos – com segurança – a todo vapor com projetos importantíssimos para agregar ainda mais valor a essa cadeia produtiva. Entre eles, destaco que estamos às vésperas de começar os testes do Programa Carne de Qualidade, cujo objetivo é comprovar a importância da genética zebuína superior para a produção de carne de maneira sustentável. Um projeto pioneiro que teve adesão de criadores de todo o País. Além disso, nosso PNAT (Programa Nacional de Avaliação de Touros Jovens), que há 11 anos tem ajudado a avançar o rebanho

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nacional, em 2020 comemorou 100 mil doses de sêmen distribuídas gratuitamente a rebanhos colaboradores. E mais: a edição deste ano recebeu um número recorde de inscrições para o Teste de Eficiência e Desempenho e os animais devem chegar em breve à Fazenda Experimental Orestes Prata Tibery Júnior, em Uberaba (MG). Investimos nossos esforços também para alavancar o Pro-Genética On-line, possibilitando a comercialização de genética através do aplicativo da ABCZ e, principalmente, permitindo que a tecnologia do touro PO (Puro de Origem) continue chegando a pequenos e médios criadores. Afinal, é com tecnologia que conseguiremos alavancar nossa cadeia produtiva e garantir uma produção de alimentos mais eficiente. No campo, com toda segurança, nossos técnicos se dedicam permitindo que continuem nas propriedades os serviços de registro e as avaliações do PMGZ (Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos) para o avanço do rebanho brasileiro. Enquanto isso, todo o nosso corpo de colaboradores administrativos – trabalhando à distância com segurança – está empenhado para a manutenção de 100% dos atendimentos aos associados. Ampliamos nossos canais de atendimento remoto, garantindo resposta rápida ao criador por WhatsApp, e-mail e telefone. Além disso, inovamos com a entrega de mais informação para o produtor rural através de lives (apresentações ao vivo) semanais por nossas redes sociais. Tenho total confiança na força produtiva do nosso Brasil e em toda a cadeia. A cada produtor rural, a cada agente da indústria, do transporte, da distribuição, fica o nosso respeito, admiração e agradecimento. Como maior entidade da pecuária nacional, a ABCZ se coloca, mais uma vez, à disposição do nosso País. Seguimos, juntos aos nossos mais de 22 mil associados, trabalhando, de forma segura, responsável e determinada, para que não falte alimento para a população. O Agro não pode parar e não vai parar.

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Nadar contra a correnteza Franke Dijkstra, fundador da Fazenda Frank’Anna – Top Farmer Milho/Primeira Temporada

Diz um provérbio chinês: “É preciso nadar contra a correnteza para se chegar à nascente”. Superar crises sempre fez parte da nossa atividade. A visão de curto prazo não pode inviabilizar a de longo prazo. Devemos ter um sistema de produção que beneficia o solo, que viabiliza nossa atividade econômica, com produtividade. Em 60 anos de vida na agropecuária, muitas crises superamos. A grande força para superar crises foi chegarmos a um sistema de produção sustentável, em que também o otimismo não pode faltar. O trabalho de longo prazo nos mantém em pé. Da terra, não somente se extrai. Devemos dar em troca, dos nutrientes extraídos à cobertura de palha na terra. Precisamos de um solo vivo. Existe risco em tudo que fazemos, mas não podemos cruzar os braços. Precisamos priorizar, não somos responsáveis por nós apenas. Produzimos alimentos, cuidamos da preservação do solo e do meio ambiente, sempre buscando o melhor caminho para poder atender essa grande demanda de alimentos pensando no crescimento demográfico e em como alimentar as futuras gerações. Os tempos da agricultura extrativista ficaram no passado. Atualmente toda a produção de alimentos está alicerçada na informação técnica. A pesquisa é a espinha dorsal na produção de alimentos. Não podemos olhar somente o mercado neste exato momento para tomar decisões de longo prazo. Tem um ditado holandês que diz “Achter de net vissen” (pescar atrás da rede). A rede passou, se foram os peixes. As decisões devem ter sempre um equilíbrio técnico e

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econômico para garantir melhores resultados no longo prazo. Sem olhar para o umbigo, mas buscando sempre informações técnicas e de mercado para nos orientar. Normalmente, as decisões de longo prazo são as de menor risco. Nestes 60 anos não vi um ano igual ao outro, e nós temos de nos adequar a essas variáveis de clima, mercado e políticas. Temos de aprender a dividir melhor os riscos buscando as melhores épocas para cada cultivar, cultura, conhecer a vocação das áreas mantendo com isto o potencial produtivo das nossas lavouras. As decisões que beneficiem uma rotação saudável e sustentável para o solo respondem sempre com maior produtividade e longevidade. Isto o SOLO NOS ENSINOU. Um bom monitoramento de doenças e pragas também faz parte da busca de um equilíbrio natural, e sobretudo de uma boa economia. Sabendo que não sabemos, já sabemos muito. Abrir nossos horizontes e ter nas diferentes regiões do País e no mundo produtores que possam nos informar as condições de suas lavouras em muito pode nos ajudar com informações reais, ferramentas básicas nessa atividade. Estamos numa era de muita informação – e filtrar essas informações é um grande desafio. Não basta estar antenado com as novas tecnologias. Devemos saber quando e como usá-las. A pesquisa regional é muito importante para filtrar essas informações. Fazer pesquisa custa muito, mas um erro pode custar muito mais. Não falo em fazer pesquisa na fazenda, mas, em grupos ou cooperativas, criar e sustentar centros de pesquisas básicas e regionais para em conjunto achar soluções, fazer pesquisa adaptada para as suas necessidades. O que pode ser adaptado na região, e ao seu bolso. Os avanços na mecanização não param. Agricultura de precisão e todas as ferramentas para o uso correto dos insumos agrícolas cada vez mais onerosos. Máquinas e implementos com grande precisão nos dão a certeza de que estamos fazendo precisão na agricultura, buscando em cada área o máximo


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de produtividade e rentabilidade, conhecendo as limitações que cada zona de manejo tem dentro dos talhões. A terra é o maior patrimônio da humanidade. Em cada atitude devemos

Garantindo o progresso da geração atual e futura Roberto Hun, presidente da Corteva Agriscience para o Brasil e Paraguai

Ao longo da crise provocada pela pandemia da Covid-19, tenho participado de reuniões virtuais com todos os funcionários da Corteva Agriscience no Brasil e Paraguai. Nesses encontros, sempre destaco o quanto somos privilegiados por pertencer a uma indústria ligada ao fornecimento de alimentos e que foi classificada pelo governo federal como essencial para o enfrentamento dessa crise. Um privilégio associado a uma responsabilidade ainda maior em manter medidas para minimizar os riscos de transmissão, preservando a saúde e o bemestar dos nossos funcionários, representantes comerciais, seus familiares e amigos, bem como nossos clientes, parceiros e fornecedores. Além das medidas básicas de higiene e limpeza, adotamos o home office para boa parte da nossa organização e redobramos os cuidados de higiene e limpeza em nossas operações, adotando medidas recomendadas pelas autoridades de saúde como o distanciamento social e a avaliação médica frequente. Tudo isso para que possamos minimizar os riscos e garantir as boas condições de saúde do nosso time. Fazer parte de uma empresa com presença global tem nos permitido aprender com

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minimizar os riscos com a erosão. Com o plantio direto conseguimos mais do que somente preservar o solo, deixamos este em melhores condições do que na sua origem, e cada vez mais produtivo.

outros países – especialmente com nossos colegas asiáticos – como garantir a produção neste momento crítico. A China, de onde importamos boa parte dos nossos insumos, está em recuperação. Além disso, é um padrão da indústria a manutenção de estoque de matéria-prima para atender a volatilidade da demanda. Por essa razão, seguimos confiantes com a manutenção da cadeia de abastecimento, trabalhando firme para que a produção de alimentos no campo não pare. É importante lembrarmos também daqueles que estão mais vulneráveis e que precisam de ajuda. Globalmente, estamos contribuindo para causas sociais relacionadas à Covid-19, inclusive no Brasil. Aqui, vamos trabalhar junto com a Associação Prato Cheio, uma instituição sem fins lucrativos que há 19 anos promove acesso à alimentação com alto valor nutricional para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco social no estado de São Paulo. Além disso, estamos trabalhando em colaboração com as secretarias de Agricultura dos estados. E, no meio de tudo isso, não podemos esquecer que um dos grandes diferenciais do Brasil é que somos um país exportador, com praticamente três safras no ano, e que o produtor rural brasileiro está bastante acostumado com as flutuações do mercado. Nossos agricultores têm uma incrível capacidade de se adaptar aos desafios do campo e do mercado. Essa flexibilidade do agronegócio brasileiro certamente será um ponto a nosso favor para superarmos os efeitos negativos dessa crise quando ela chegar ao fim. O AGRO não para e, tenho certeza, sairemos muito mais fortes desta crise como setor e como sociedade.

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foto: Shutterstock

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CORRIDA CONTRA O TEMPO Investimentos em estações e radares meteorológicos, melhoramento genético e outras tecnologias avançadas ajudam o agronegócio a enfrentar uma variável incontrolável: os eventos climáticos extremos que deverão levar o planeta para uma nova era Por Amauri Segalla

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foto: AMaggi

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s grandes empresas agrícolas trabalham com uma obsessão: aumentar, a cada ano, a produtividade de suas lavouras. Maior processadora de grãos de capital brasileiro, a Amaggi comemorou recentemente um feito histórico. Sua fazenda Tucunaré, na região do município de Sapezal, no Mato Grosso, produziu 87,46 sacas de soja por hectare na safra 2019/20. Em termos de performance, é o melhor resultado da companhia desde a fundação, há 43 anos. Diversas razões explicam o notável desempenho: progressos no manejo do solo, ampliação do uso da internet das coisas (IoT), que conecta máquinas agrícolas à administração da fazenda, boas sementes escolhidas de acordo com o seu potencial genético, entre outros inúmeros motivos combinados. Embora tenham sido importantes, essas iniciativas vêm sendo adotadas há pelo menos quatro anos. Uma ação inédita, porém, levou a Amaggi a alcançar novas marcas. Em agosto de 2018, a empresa inaugurou o primeiro radar meteorológico privado do Brasil. “Com ele, passamos a conhecer melhor os microclimas dentro da fazenda, com acesso a informações como intensidade

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das chuvas, radiação solar e direção do vento”, diz Ricardo Moreira, gerente de controle de produção da Amaggi. “O resultado foi espetacular. Por exemplo, o trabalho de pulverização diminuiu, porque tivemos maior assertividade nas operações.” A iniciativa da Amaggi retrata o mais urgente desafio do agronegócio: enfrentar os efeitos implacáveis das mudanças climáticas. No final do ano passado, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um relatório de 300 páginas sobre o clima. O documento, que reuniu estudos científicos da Organização Meteorológica Mundial e de outros órgãos especializados, concluiu que a média da temperatura global poderá aumentar 3,4 °C até o final do século. O estudo também indicou que a temperatura do planeta de 2015 para 2019 foi 0,2 °C acima do período anterior de cinco anos, e que ela já é 1,1 °C mais quente que os níveis pré-industriais de 1850 a 1900. Por mais que as diferenças de temperatura pareçam sutis, e que obviamente não ocorram do dia para a noite, seus impactos cada vez mais severos já podem ser sentidos.


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De acordo com a ONU, nos últimos cinco anos o mundo se deparou com um número recorde de tempestades, furacões, inundações, nevascas, ondas de frio e de calor e secas prolongadas. E o que é pior: tudo isso vai continuar – e provavelmente com maior intensidade. Os prejuízos financeiros, portanto, serão crescentes. Segundo estudo da International Centre for Trade and Sustainable Development (ICTSD), uma organização não governamental que se dedica ao desenvolvimento sustentável, as mudanças climáticas geram US$ 10 bilhões em prejuízos anuais ao agronegócio, mas esse número irá crescer na próxima década mesmo com a ação integrada das grandes empresas agrícolas do mundo. Se elas não fizeram nada, as perdas monetárias poderão ultrapassar os US$ 30 bilhões até 2030. Para o agronegócio, as mudanças climáticas já são uma realidade que afeta a forma de produzir em vários locais do planeta. O ano de 2019 foi o mais úmido de que se tem notícia. Nos Estados Unidos, o excesso de chuvas inutilizou 19 milhões de acres (o equivalente a 7,7 milhões de hectares) para o plantio e, em Ohio, a safra de milho foi a pior em cinco anos. Na Tanzânia, as violentas tempestades destruíram no ano passado 30% da produção de grãos. Na África Meridional, 30 milhões de pessoas precisaram de socorro

alimentar de organizações internacionais por causa das quebras nas colheitas. Na África Central, o aumento dramático do regime de chuvas afetou a produção de mandioca, milho e feijão. Na Ásia, estima-se que a produção de arroz irá cair 20% para cada grau Celsius aumentado, enquanto na Europa as safras de milho e beterraba podem despencar pela metade até 2050. Com o aquecimento global, as áreas apropriadas para o plantio de cacau deverão encolher 30% nas próximas duas décadas – e não há lugar no globo para substituí-las. Sempre de acordo com o relatório da ONU, o Brasil, um dos motores da agricultura mundial, não está livre dos extremos climáticos. Se o planeta continuar a se aquecer no ritmo atual, a produção de trigo no País poderá diminuir entre 10 e 20% até 2050. Embora seja a mais imprevisível variável a afetar o agronegócio, o clima extremo não é um obstáculo que não possa, ao menos, ser combatido. O radar meteorológico da Amaggi é exemplo disso. O projeto começou a nascer no início de 2018, quando executivos da empresa visitaram o estande da Climatempo, a maior e mais conhecida empresa de previsão meteorológica do País, em uma feira agrícola. Desse encontro nasceu a ideia de instalar o radar na fazenda Tucunaré, localizada no município de Sapezal, no Mato Grosso. Como se tratava de

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Radar meteorológico e tela da central de controle de operações agrícolas da Amaggi: equipamento permitiu conhecer melhor os microclimas nas fazendas do grupo

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uma iniciativa inédita no Brasil, ela enfrentou uma série de problemas antes de se tornar efetiva. O maior deles estava ligado ao próprio clima. “Na primeira tempestade que pegamos, um raio atingiu o radar e ele queimou”, diz o gerente da Amaggi, Ricardo Moreira. “Trocamos o para-raios, mas ele queimou de novo. Depois, estragou uma terceira vez. Parece piada, mas é sério.” O executivo lembra que, após três grandes decepções, a saída foi comprar um para-raios alemão, que se revelou, enfim, à prova de tempestades. O radar meteorológico da Amaggi monitora atualmente fatores climáticos em um raio de 100 km, fornecendo em tempo real informações fundamentais para os agricultores. De posse de dados como a intensidade da chuva, o gestor da fazenda determina se vale a pena pulverizar uma área ou se é melhor esperar a tempestade passar, além de ter parâmetros mais precisos sobre a hora ideal para adubar o solo. O aparelho também detecta e alerta sobre focos de incêndio, o que praticamente elimina a chance de uma lavoura ser perdida, e indica áreas que foram alagadas pela chuva, o que otimiza a operação dos tratores. São benefícios valiosos especialmente diante do baixo investimento consumido no projeto. A Amaggi desembolsou R$ 500 mil no seu radar 50

meteorológico, montante irrisório perto dos cerca de R$ 20 bilhões que a empresa fatura por ano. Se o custo é baixo, por que apenas em 2018 um radar privado passou a escrutinar as lavouras brasileiras? “A questão climática começou somente agora a entrar no rol de preocupações do pessoal do agronegócio”, diz o meteorologista Carlos Magno, fundador da Climatempo. Outras empresas despertaram para a importância da agrometeorologia em suas lavouras. Também no Mato Grosso, o Grupo Atto, antiga Sementes Adriana, desenvolve um amplo projeto de estações meteorológicas e, na Bahia, o Sindicato dos Produtores Rurais de Luís Eduardo Magalhães estuda formar um consórcio para o lançamento de um radar que atenda fazendas da região. Há pouco mais de um ano, a Basf lançou um serviço de agrometeorologia em parceria com a Climatempo, que consiste no serviço de previsão do tempo no curto prazo (com antecedência de 72 horas), no médio (15 dias) e no longo (a tendência para os próximos seis meses). As informações coletadas pela rede de estações meteorológicas da Climatempo são cruzadas com dados emitidos por satélites e, a partir daí, boletins são enviados por mensagens de celular para os gestores das fazendas. Com base nesses dados – que incluem risco


de raios, queimada, geada, granizo e até a probabilidade de determinadas pragas atingirem as culturas agrícolas em decorrência do regime climático –, os profissionais do campo decidem o momento certo para o plantio e a colheita, entre muitas estratégias do dia a dia. A Climatempo tem acelerado os negócios na área agrícola. Além da Basf, a empresa mantém parcerias com gigantes como a Raízen, maior produtora de açúcar e etanol do Brasil, fornecendo informações climáticas em tempo real. O próximo passo é prospectar oportunidades no mercado internacional. Uma das metas é se tornar líder na América Latina na chamada inteligência climática. Para isso, conta com o apoio da norueguesa StormGeo, maior empresa do mundo em serviços de previsão meteorológica, que há cerca de um ano comprou 51% da companhia brasileira. Para conquistar terreno no exterior, a Climatempo se apoia na experiência bem-sucedida com o radar da Amaggi – a ideia é oferecer produtos similares para clientes estrangeiros. O setor agrícola é um campo aberto de oportunidades. Atualmente, o agronegócio responde por 13% do faturamento da Climatempo, atrás do mercado de energia e mineração. “O segmento agrícola, no entanto, é o que mais cresce dentro da companhia e a tendência é que se torne o mais

lucrativo em pouco tempo”, diz Carlos Magno. GARGALO DO CLIMA As novas tecnologias são aliadas na redução dos danos provocados pelas mudanças climáticas. Embora muitos avanços tenham surgido nos últimos anos, os produtores brasileiros enfrentam sérios gargalos na área de infraestrutura meteorológica. Isso é preocupante. Em um mundo cada vez mais competitivo, com concorrentes ferozes e sedentos para fisgar nacos de mercado, não contar com infraestrutura adequada pode ao longo dos anos comprometer a sobrevivência do próprio negócio. “Na agrometeorologia, há muito para ser feito no País”, diz Felipe Gustavo Pilau, professor do departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq-Usp. Um levantamento realizado por ele detectou a impressionante

carência de estações meteorológicas de solo no Brasil. No Centro-Oeste, principal polo agrícola nacional, as estações ficam a uma distância de 400 km entre si, quando o ideal para cobrir uma área agrícola é um espaçamento de no máximo 25 km. Em São Paulo, centro mais desenvolvido do País, as estações instaladas nas fazendas estão separadas por até 100 km. Pilau explica por que as estações são importantes. “Cada vez mais é preciso levar a meteorologia para dentro das áreas de produção”, diz. Algumas fazendas, lembra o especialista, têm mais de 100 km entre uma ponta e outra, o que torna impossível entender os microclimas locais sem a ajuda de instrumentos agrometeorológicos. Com as estações de solo, é possível conhecer as variações climáticas dentro de uma mesma fazenda e, a partir daí, descobrir por que uma região específica pode ser PLANT PROJECT Nº20

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mais produtiva do que outra. “Nos últimos anos, muito tem se falado sobre o melhoramento genético das sementes e até o uso da inteligência artificial para pulverizar as lavouras”, afirma Pilau. “Muitos esquecem, porém, que a agrometeorologia será cada vez mais indispensável na chamada agricultura de precisão. Muito em breve, o produtor que não tiver acesso antecipado aos dados climáticos ficará para trás.” A escassez de estações meteorológicas de solo nas grandes fazendas é ainda mais surpreendente diante do baixo custo para instalá-las. Segundo Pilau, há modelos na praça a partir de R$ 1 mil e os mais sofisticados custam aproximadamente R$ 15 mil. O professor da Esalq aponta duas razões para o problema. A primeira delas é a falta de conectividade no campo, entrave que depende inclusive da capacidade de investimento dos agentes públicos. A segunda é o desconhecimento dos 52

produtores, ainda pouco afeitos às inovações na área de meteorologia. Um dos principais concorrentes do Brasil no agronegócio, os Estados Unidos têm uma situação bem mais confortável no campo da agrometeorologia. Segundo Luiz Augusto Toledo Machado, pesquisador há quase quatro décadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), existem 30 radares públicos em operação no Brasil, a maioria deles na região costeira. Nos Estados Unidos, que possui uma área territorial apenas um pouco maior do que a brasileira, são 150 equipamentos desse tipo em pleno funcionamento. “Além disso, os radares brasileiros produzem dados isoladamente, sem conexão entre eles”, diz Machado. “Nos Estados Unidos, os equipamentos se comunicam e todos os dados estão disponíveis gratuitamente para os agricultores. No Brasil, os produtores muitas vezes não conseguem sequer ter acesso às informações captadas pelos

radares públicos.” Uma conta simples mostra por que o País está defasado nessa área. Cada radar público custa, em média, R$ 10 milhões. Apenas para igualar os números em operação, nos Estados Unidos seriam necessários, portanto, investimentos equivalentes a R$ 1,2 bilhão. Isso sem contar os recursos para a manutenção e atualização dos equipamentos. “Embora a produtividade brasileira no campo esteja entre as maiores do mundo, na área da agrometeorologia o País está muito defasado”, diz Machado. INIMIGO NÚMERO 1 A boa notícia é que esse cenário tende a mudar. O primeiro passo começou a ser dado: cada vez mais os produtores estão atentos aos efeitos nocivos das mudanças climáticas. Um estudo patrocinado no ano passado pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato) concluiu que a questão climática está entre as


maiores preocupações do setor. Realizada pelo AgriHub, polo de inovação que conecta produtores rurais, startups, pesquisadores e investidores do agronegócio no Mato Grosso, a pesquisa identificou a “falta de previsão de chuvas” como uma das maiores dores de cabeça dos agricultores, mais até do que tópicos como “preço dos insumos”, “falta de manejo do solo” e “problemas na gestão de pessoas”. A baixa qualidade da previsão do tempo, sempre de acordo com o estudo, incomoda mais do que a “falta de conectividade na fazenda” ou a “baixa qualidade de fertilizantes”. A pesquisa também perguntou aos produtores qual é o maior empecilho para a implantação de sensores de monitoramento do tempo nas fazendas. Quase a metade (47%) dos entrevistados apontou o preço dos aparelhos como um impedimento e outros 41% disseram que o problema é a falta de disponibilidade de equipamentos. Outro número chama a atenção no estudo: apenas 4% dos pesquisados afirmaram que não há necessidade de monitorar com sensores o regime climático das fazendas. Entre a maioria que se preocupa com o tema, aprimorar a previsão do tempo irá “melhorar o planejamento”, “aumentar a produtividade” e “diminuir o risco” na gestão das fazendas. Na conclusão da pesquisa, o AgriHub diz que a previsão do tempo é um

“problema-raiz da agropecuária mato-grossense”. CIÊNCIA EM AÇÃO As mudanças climáticas também entraram no radar da indústria de sementes e insumos. Nos últimos anos, a corrida pelo desenvolvimento de produtos mais adequados à nova realidade do estresse climático tem movimentado bilhões de dólares em investimentos. No final do ano passado, a Syngenta, gigante global nas páreas de sementes e itens fitossanitários, anunciou que irá desembolsar US$ 2 bilhões em pesquisas e na busca por soluções capazes de ajudar os produtores a enfrentar as mudanças climáticas. Entre as iniciativas previstas estão soluções para a saúde do solo, independentemente do regime de chuvas, e o controle de pragas que possam representar novas ameaças. A questão é urgente. Um estudo da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, concluiu que a elevação de um grau na temperatura média do planeta pode aumentar em 30% a população de besourosPLANT PROJECT Nº20

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japoneses, o que seria devastador para diversas lavouras. Os investimentos da Syngenta buscam justamente descobrir métodos capazes de frear o avanço das pragas estimulado pelo aquecimento global. Empresas de diversos setores estão atentas às mudanças climáticas. Uma das mais tradicionais fabricantes de chocolate do mundo, a americana Hershey irá destinar meio bilhão de dólares para evitar que mudanças climáticas destruam seus suprimentos. O projeto começará em Gana, na África. A ideia é bancar pesquisas que levem ao aumento da produtividade nas fazendas, o que evitaria novos desmatamentos, e proteger o Parque Nacional de Kakum, uma floresta essencial para preservar o equilíbrio climático do país. As grandes protagonistas do agronegócio estão dedicadas a encontrar maneiras de reduzir os impactos negativos das mudanças climáticas. No ano passado, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) assinou um termo 54

de compromisso com a Corteva Agriscience para realizar pesquisas em conjunto na área de genética. O acordo prevê o uso do Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, também conhecido como CRISPR, técnica que permite realizar edições no DNA da planta para eliminar uma característica indesejada, melhorar propriedades nutricionais ou proporcionar maior resistência a determinadas condições climáticas. Segundo Sandra Milach, cientista brasileira que lidera um time de 1 mil pesquisadores da gigante americana, a ferramenta permite que a empresa ofereça respostas rápidas às mudanças climáticas. Uma das prioridades do projeto é o desenvolvimento de variedades de soja tolerantes a secas. Em linhas gerais, a técnica consiste em acelerar um processo que já ocorre na natureza. A Corteva identifica um gene na planta que, se for modificado, melhora algumas de suas características específicas. AJUDA TECNOLÓGICA Apesar da escassez de recursos e da falta de apoio dos governos, a Embrapa é um dos centros mais importantes do mundo no uso da biotecnologia para tornar a agricultura mais resistente às mudanças climáticas. “A edição de genoma, que permite modificar o próprio DNA da planta, é uma de nossas


iniciativas mais promissoras”, diz Alexandre Nepomuceno, presidente do Portfólio de Biotecnologia Avançada Aplicada ao Agronegócio (BioTecAgro) da Embrapa. São inúmeros projetos em andamento. Em um deles, fruto de parceria entre a Embrapa, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), pesquisadores identificaram fungos e bactérias que favorecem o crescimento da cana. Depois, inocularam esses microrganismos em culturas de milho, o que resultou em plantas com maior tolerância à escassez de água e com temperaturas de até 4 °C mais baixas. Além disso, o milho cultivado com os microrganismos se recuperou mais rapidamente após sofrer o estresse hídrico. A iniciativa é mesmo extraordinária: ela provou que é possível mudar a fisiologia das plantas para torná-las, por exemplo, mais resistentes a secas severas. Em um experimento de campo realizado na Bahia, em

uma região afetada por longos períodos sem chuva, os microrganismos ainda se revelaram eficientes no combate a uma doença conhecida como enfezamento de milho, que reduz a produção de espigas. O avanço das pragas também preocupa a ciência. Na Unicamp, o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética trabalha na seleção genômica das seringueiras para obter sementes adaptadas a climas mais frios e secos e, assim, combater a ação do fungo causador da doença conhecida como mal das folhas. Segundo os pesquisadores, esses fungos atingem as árvores em locais mais quentes e úmidos, que tendem a se tornar dominantes em tempos de aquecimento global. Apesar dos notáveis avanços, Nepomuceno cobra mais investimentos na área. “O agronegócio carrega o Brasil nas costas”, diz ele. “Se não investirmos pesado em ciência e tecnologia, como será daqui a 50 anos?” Não são apenas as grandes empresas ou instituições

tradicionais que estão na linha de frente do desenvolvimento de produtos capazes de combater os impactos negativos das mudanças climáticas. As agtechs têm exercido papel importante nesse processo. A israelense Seed-X recebeu no ano passado aporte de US$ 20 milhões para ampliar a pesquisa de variedades de sementes adaptáveis a condições climáticas extremas, enquanto a britânica Cervest quer saber quais são os grãos mais resistentes a chuvas intensas. Na área meteorológica, a sueca Ignitia oferece previsões de tempo apenas para pequenos agricultores de regiões pobres da África, e a indiana Skymet processa dados históricos do mundo inteiro para projetar condições meteorológicas futuras. É com a união de forças de todas as áreas – de pequenos agricultores a grandes produtores, de gigantes globais a startups regionais, da ciência ao trabalho de campo – que o agronegócio poderá enfrentar os monumentais desafios impostos pelas mudanças climáticas. PLANT PROJECT Nº20

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COMO O CLIMA AFETA O AGRONEGÓCIO Os efeitos das mudanças climáticas nas principais culturas SOJA A deficiência hídrica e os veranicos mais intensos poderão reduzir em 40% as áreas destinadas ao plantio de soja no Brasil até 2070. O cultivo poderá se tornar cada vez mais difícil na região Sul e alguns estados do Nordeste deverão perder sua área agricultável MILHO As secas prolongadas reduziram a umidade do solo na Espanha, França e Holanda. Se a temperatura continuar subindo, a produção de milho pode ser inviabilizada nesses países. Estima-se que, devido às mudanças climáticas, o sul da África irá perder 30% de sua safra de milho até 2040. Em Ohio, nos Estados Unidos, as frequentes inundações já comprometem 10% das lavouras do grão ARROZ O aumento da temperatura já empurra o cultivo de arroz para as áreas mais frias do Norte. Na Ásia, a produção de arroz vai cair 20% para cada grau Celsius aumentado. No Sul do continente, 10% das lavouras de arroz serão irremediavelmente perdidas até 2030 por causa do aquecimento global. A Índia, segundo maior produtor de arroz do mundo, prevê um 56

declínio da safra local de 2 a 6% por década ALGODÃO No Brasil, o aumento da temperatura vai comprometer a produção de algodão na região Nordeste, obrigando os produtores a buscar zonas mais frias. Na China e na Índia, o aquecimento global poderá reduzir a produção de algodão em até 30% até 2050 CANA-DE-AÇÚCAR Por gostar de calor, a canade-açúcar irá se espalhar no mundo graças ao aquecimento solar. No Brasil, a área plantada poderá ser duas vezes maior que a atual até 2070. Um exemplo: com menos geadas, o Rio Grande do Sul será uma região com potencial produtivo. Na Índia, agricultores começaram a substituir lavouras de algodão por cana-de-açúcar TRIGO O aumento da frequência de chuvas, ventos e tempestades vai diminuir a produtividade das lavouras de trigo no Brasil, principalmente na região Sul. Nos Estados Unidos, 20% das colheitas de trigo serão perdidas até 2050 como efeito direto das mudanças climáticas

CAFÉ O aquecimento global ameaça as áreas mais favoráveis para o plantio de café. Muito cultivado na América Latina, o arábica sofre com as altas temperaturas. No Quênia e na Etiópia, pesquisas detectaram o aumento de 2oC da temperatura máxima nos últimos 20 anos e agricultores estão procurando terras mais elevadas para manter a produtividade. Regiões montanhosas e mais frias da Colômbia, Costa Rica, Guatemala e México passaram a atrair grandes fazendas de café. CACAU Com o aquecimento global, as áreas apropriadas para o plantio de cacau – aquelas próximas à linha do Equador – podem encolher 30% nas próximas duas décadas. Pior ainda: não há lugar no globo para substituí-las. Para atender a demanda atual, os agricultores terão que aumentar dramaticamente a produtividade Fontes: Centro Comum de Pesquisas da União Europeia, Cepagri, Embrapa, FAO, Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas e Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).


AMEAÇA DUPLA Estudo da UFV mostra que a combinação de desmatamento e mudanças climáticas pode inviabilizar a safrinha em regiões produtoras Por Evanildo da Silveira

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desmatamento indiscriminado, reforçado pelas mudanças climáticas globais, está colocando em risco o sistema de safra-safrinha, ou dupla safra, uma das práticas mais lucrativas do agronegócio no sul da Amazônia – região que abrange o sul do estado do Amazonas, Rondônia e boa parte de Mato Grosso. Juntos, os dois fenômenos estão atrasando o início da estação chuvosa em até um mês e, consequentemente, tornando-a mais curta, o que obriga os produtores a plantar fora da época ideal e a acelerar as operações de plantio, inviabilizando a segunda safra. As conclusões são de estudos realizados por pesquisadores da

Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, e colegas dos Estados Unidos, com o uso de dados de chuva e desmatamento, obtidos por satélites no sul da Amazônia. “Mas o atraso também é observado em trabalhos que usam estações ou modelos meteorológicos de simulação, para entender melhor os mecanismos que causam esse fenômeno”, diz o meteorologista Gabriel Abrahão, da UFV, que participou das pesquisas. De acordo com os cientistas, no sul da Amazônia as chuvas são sazonais, concentradas em uma estação chuvosa que pode durar mais de sete meses por ano. Isso torna possível que os produtores rurais plantem duas safras no

mesmo ano, na mesma área. “São duas culturas de sequeiro por estação de crescimento, uma prática conhecida como ‘cultivo duplo’, ‘dupla safra’, ou ‘sistema safra-safrinha’”, explica o engenheiro agrícola Marcos Heil Costa, do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV, um dos líderes dos estudos. Esta dupla safra é fundamental para o sucesso do agronegócio no Brasil. O mais comum é cultivar a soja e, logo após a colheita, plantar o chamado milho safrinha. Essa “safrinha” já é tão comum, que responde por mais de dois terços da produção brasileira de milho. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), agricultores brasileiros colheram PLANT PROJECT Nº20

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cerca de 100 milhões de toneladas na safra 2018/19. Desse total, 74 milhões de toneladas foram do safrinha, com um crescimento de 36,9% em relação à colheita anterior; e 26 milhões de toneladas da primeira, 2,3% menor que a de 2017/18. Por isso, para o agronegócio, o fim da safrinha em uma região significa uma queda drástica na produção agrícola e um aumento dos preços dos produtos. É justamente o que pode ocorrer com o desmatamento, associado ao aumento dos gases do efeito estufa e às mudanças climáticas globais. “A derrubada da mata influencia a ocorrência de chuvas por meio de diferentes mecanismos”, explica Abrahão. “Todos os que conhecemos que agem na região da Amazônia e no Cerrado levam a uma redução do volume de precipitações e a um atraso no início da estação chuvosa.” De acordo com ele, uma das principais diferenças entre a vegetação natural e a pastagem ou a maioria das culturas é que ela converte mais energia do sol em evapotranspiração ao longo do ano, jogando vapor de água para a atmosfera. “Isso não só aumenta a 58

quantidade de água disponível na atmosfera para chover, mas altera as condições no sentido de facilitar a ocorrência de precipitações quando outros mecanismos meteorológicos entram em ação”, explica Abrahão. Em outras palavras, o início da estação chuvosa naquela região é influenciado tanto por fatores distantes, como as temperaturas na região central do Pacífico, associadas ao El Niño e aos ventos nos altos níveis da atmosfera, quanto pela evaporação da própria floresta. “Em meados de setembro, as condições sobre o oceano começam a alterar a circulação atmosférica no sentido de fazer começar a chover no sul da Amazônia”, diz Abrahão. Onde há vegetação natural, no entanto, a atmosfera está com condições prévias melhores para receber essa influência, criando situações para que a chuva comece mais cedo. “Isso faz com que a importância do desmatamento para esse atraso seja muito maior em anos em que as condições de larga escala já são ruins”, diz o pesquisador. “Numa região com 80% de desmatamento, a estação chuvosa começa, em média, algo em torno de menos de

uma semana depois de uma região que só tenha 20% de desmatamento por exemplo – 20% é o limite para desmatamento em propriedades privadas na Amazônia. Porém, em anos em que a estação chuvosa já seria atrasada pelas condições desfavoráveis de grande escala, como o El Niño, por exemplo, esse atraso é de quase um mês.” Segundo Abrahão, usando critérios agronômicos, ele e seus colegas analisaram diretamente o risco que corre a dupla safra no sul da Amazônia, quando há uma estação chuvosa muito curta. “As mudanças climáticas globais reduzem a média da duração do período de chuvas em alguns dias na região, principalmente no leste do Mato Grosso, estado que produz 7% da soja mundial, e que está dentre os que o desmatamento tem acontecido mais rapidamente”, explica. “Mas a destruição da floresta é o principal fator que aumenta o risco de anos muito ruins. Seguindo as tendências de desmatamento que consideramos, em regiões próximas à fronteira com Goiás, a estação chuvosa deve durar menos de 200 dias em mais da metade dos anos na próxima década. Se a vegetação natural voltasse para os níveis que tinha uma década atrás, no entanto, o risco de anos ruins assim iria para mais perto de 20%, um a cada cinco anos.” De acordo com o pesquisador da UFV, estações curtas assim estão historicamente associadas à perda de produtividade na


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safrinha. “Em regiões em que a duração média das chuvas é menor do que 200 dias, os produtores geralmente nem a plantam”, diz. Para o agronegócio, além de queda na produção agrícola e aumento dos preços dos produtos, o fim da safrinha é um incentivo para converter a vegetação nativa em área de produção agrícola. Isso porque, segundo os pesquisadores, como o custo de opções de adaptação à falta de chuvas – como a irrigação, por exemplo – muitas vezes é maior do que comprar mais terra, a pressão para expandir a área agrícola deve se intensificar nos próximos anos. Isso, sem falar que mais desmatamento significa estações chuvosas ainda mais curtas. “É uma espiral autodestrutiva que prejudica o clima, a vegetação e a própria agricultura, não só no sul da Amazônia como em outras regiões que dependem das florestas para gerar sua precipitação, como é o caso de boa parte do Cerrado”, diz Abrahão. Mas o grande problema é que

as condições de grande escala vêm ficando piores e o efeito disso em regiões muito desmatadas é muito forte. “Já prevemos que grande parte do Matopiba (região que engloba os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) provavelmente não terá mais uma estação chuvosa longa o suficiente para sustentar duas safras no ano dentro de duas décadas com as mudanças globais que estão ocorrendo no clima”, diz Abrahão. “Mas em muitas regiões a diferença entre ser ou não possível realizar duas safras depende do quanto de vegetação ainda existe na região.” De acordo com ele, é uma questão de risco. As chuvas não vão demorar a começar todo ano, mas os anos em que ela tarda muito vêm se tornando mais intensos e mais frequentes. “Os próprios produtores rurais vêm notando isso”, afirma Abrahão. “A questão é que esse risco pode ser muito mitigado pela preservação das florestas. O efeito da vegetação se dá em escalas de vários quilômetros. Então, quem mantém mais do que o código florestal

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obriga de mata natural na propriedade e que os vizinhos fazem o mesmo e têm áreas de preservação próximas sentem menos o atraso das chuvas.” O problema também pode ter, no entanto, um lado bom. “A crescente ameaça que uma mudança climática representa para agricultura tropical oferece uma oportunidade de envolver o agronegócio como um poderoso aliado para a conservação e restauração dos ecossistemas nativos”, acredita Costa. Para os pesquisadores, enquanto a terra for barata e a demanda para aumentar a produção for crescente, vai ser muito difícil conter o desmatamento. Por isso, é fundamental que o agronegócio e os governos locais entendam o valor do serviço de regulação do clima que a vegetação nativa intacta provê na região amazônica. Para eles, se as pessoas não forem informadas com razões suficientes para conservar os ecossistemas onde elas vivem e dos quais dependem, a destruição e degradação provavelmente não vão parar. PLANT PROJECT Nº20

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O CAMINHO DA INOVAÇÃO O longo trajeto para o desenvolvimento de um novo defensivo agrícola, do desenvolvimento da molécula ao mercado

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Cada vez que um novo defensivo agrícola chega ao mercado, se encerra um dos mais complexos e rigorosos processos de seleção promovidos por um setor industrial no mundo. São cerca de 20 anos de pesquisas e desenvolvimento e centenas de milhões de dólares de investimento para transformar uma molécula promissora em um produto seguro e eficaz no combate a uma praga na lavoura. “São várias etapas de desenvolvimento, muita pesquisa e checagem”, afirma Clayton Veiga, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Ihara. “Para se ter uma ideia, cerca de 250 milhões de moléculas são testadas até se chegar a um produto”, diz, citando dados da Phillips McDougall, consultoria britânica com expertise em análises da indústria de proteção de cultivos. Uma das mais inovadoras empresas brasileiras de agroquímicos, a Ihara tem entre os seus principais diferenciais o conhecimento e o domínio desse longo e minucioso processo, que se inicia ainda bem longe de seus laboratórios, localizados em Sorocaba (SP). O desenvolvimento de um defensivo agrícola tem pelo menos quatro diferentes fases: discovery (descoberta, em tradução livre), screening (triagem), desenvolvimento e registro. Somente a partir da segunda e principalmente na terceira – que normalmente é a mais longa e com maior volume de investimentos – é que entra em cena a equipe de cientistas e pesquisadores da empresa. “Temos uma metodologia única de trabalho, sempre com uma preocupação muito grande em trazer ao mercado algo que tenha eficiência técnica, segurança humana e ambiental, e que seja melhor do que o que já é usado pelo agricultor brasileiro”, diz Clayton, “Se entendermos que não obtivemos algo superior, não seguimos adiante.” As etapas de discovery e screening são realizadas por pesquisadores das principais indústrias químicas internacionais. Na

primeira, eles escrutinam todos os milhões de novas moléculas desenvolvidas no mundo em busca daquelas que possuem potencial. As mais promissoras são colocadas sob avaliação e seguem para a segunda fase. No screening, elas são estudadas mais a fundo, em ambientes controlados, para que se entenda melhor sua estrutura química e seu mecanismo de ação, como podem ser utilizadas na agricultura e se seu uso é seguro. “É nesse momento que se determina a eficiência real de uma nova molécula”, explica Clayton. Embora não participe diretamente na etapa de discovery, a Ihara acompanha muito de perto, graças a sua relação com algumas das principais empresas desenvolvedoras de moléculas do mundo. Entre os acionistas da empresa brasileira estão os grupos japoneses Nippon Soda, Kumiai Chemical, Sumitomo Corporation, Mitsui Chemicals Agro, Sumitomo Chemical, Mitsubishi Corporation e Nissan Chemical, líderes globais nesse segmento. O Japão possui, segundo Clayton, tradição e reputação no desenvolvimento de ferramentas que permitem uma maior produção de alimentos em uma mesma área e com segurança. “Ao longo dos anos, os japoneses direcionaram seus esforços integralmente às pesquisas para o controle fitossanitário, e a Ihara é a única empresa no Brasil com tamanho acesso a essas tecnologias”, diz. Com isso, hoje o Japão é responsável por mais da metade das novas moléculas de defensivos agrícolas que estão sendo pesquisadas no mundo. “Um dos nossos principais diferenciais é ter acesso ao portfólio de acionistas e parceiros, que nos coloca na ponta da tecnologia do setor”, afirma Clayton. Tão importante quanto isso, porém, é a expertise da Ihara nas fases seguintes do desenvolvimento. Operando como uma ponte que liga os agricultores brasileiros às inovações PLANT PROJECT Nº20

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O desenvolvimento de um defensivo pode levar até 20 anos e exigir investimentos de até

US$ 300 milhões. Cerca de

250 milhões

de moléculas são analisadas até se chegar a um produto.

japonesas em proteção de cultivos, a empresa realiza permanentemente testes e ensaios de campo para verificar o encaixe dessas novas soluções no mercado brasileiro. “Nos dedicamos a conhecer profundamente essas moléculas e a construir um produto que beneficie a agricultura brasileira”, afirma o executivo. Não se trata, portanto, de tropicalizar um produto já existente em outros países, mas de utilizar tecnologia para se chegar a produtos exclusivos, com abordagem única aos desafios da agricultura brasileira e que tragam mecanismos de ação diferentes e com melhores resultados do que os existentes no mercado. Com 99 profissionais em sua equipe – entre pesquisadores, agrônomos, toxicologistas, químicos, bioquímicos, entomologistas, fitopatologistas e outros profissionais com nível de mestrado e doutorado –, Clayton afirma que a etapa de desenvolvimento consome 60% do tempo e dos recursos envolvidos na obtenção de um produto. Pouquíssimas moléculas chegam tão longe e, mesmo assim, ainda passarão por uma dura avaliação de segurança – 62

tanto do ponto de vista humano quanto do ambiental – e de eficácia. “Se houver alguma preocupação com qualquer um desses critérios, os estudos param e o projeto é cancelado.” Com base em simulações em campo, são traçados o perfil toxicológico e o posicionamento de produto a partir da molécula, que só então segue para registro junto às autoridades responsáveis – no Brasil, apenas esta etapa pode demorar até oito anos. Segundo estudos da Phillips McDougall, o percurso criterioso e longo da molécula ao produto custa, em média, US$ 300 milhões. A Ihara tem investido cerca de US$ 20 milhões ao ano em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. Como resultado, tem lançado novos produtos que se destacam no mercado brasileiro pela inovação e eficiência no controle de inimigos que geram prejuízos bilionários aos produtores nacionais. Clayton cita dois exemplos recentes. No ano passado, a Ihara lançou uma família de quatro produtos inovadores (Zeus, Spirit, Maxsan e Dinno), que possui estrutura molecular única e tem como perfil alta eficácia a insetos sugadores – como o percevejo

na soja – quando comparado aos inseticidas que estão no mercado há mais tempo, sendo a melhor alternativa para manejo de resistência disponível para o agricultor. Além do excelente controle do percevejo da soja, essa família de inseticidas veio para controlar a mosca-branca, o bicho-mineiro do café, cigarrado-cafeeiro, ferrugem-do-cafeeiro e cigarrinha-da-cana. Com essas soluções, é possível alcançar um novo patamar de controle das principais pragas detratoras de produtividade em diversas culturas, contribuindo com uma maior longevidade das tecnologias existentes e menor perda por danos causados às lavouras. Além disso, nos próximos meses a empresa deve lançar o herbicida Yamato, formulado a partir da tecnologia Axeev, que se mostrou muito eficiente no controle de plantas daninhas resistentes ao glifosato, um dos defensivos mais utilizados atualmente no País. A resistência ao glifosato tem aumentado de forma preocupante em todo o mundo, mas em breve os agricultores terão uma nova arma contra ela. O Yamato está em fase final de registro no Ministério da Agricultura.


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Pecuária

foto: Diego Padgurschi/Folhapress

Ag

Bovino é transportado em caminhão para o porto de São Sebastião (SP): operação complexa exige manejo rigoroso do bem-estar animal 64


PARA ONDE VAI ESSE BARCO? Exportação de gado vivo movimenta mais de US$ 500 milhões ao ano, gerando lucros e polêmicas na mesma proporção Por Flávia Tonin

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Ag

Pecuária Embarque de gado em navio: as embarcações são sujeitas a fiscalização nos portos brasileiros

F

oi o maior embarque já realizado a partir do porto de Rio Grande (RS) para a Jordânia, com aproximadamente 20 mil bovinos, mas isso não assustava a equipe responsável pela liberação. O processo é uma rotina de trabalho, visto que têm crescido os embarques no porto. Só no ano passado foram 15 navios que saíram desse destino, superado apenas pelo estado do Pará, que é o principal ponto de partida dos navios boiadeiros. Lucrativa e polêmica, a exportação de gado vivo é uma atividade em expansão no Brasil e movimenta cerca de meio bilhão de dólares ao ano (leia quadro na pág. 71). O calor dos debates aumenta a cada embarque, com efeitos diretos na atenção de autoridades e da opinião pública sobre a forma como são realizados. A megaoperação de Rio Grande, em março passado, retrata bem essa situação. Algumas embarcações são velhas conhecidas dos que fazem a vistoria no cais gaúcho – e os fiscais já seguem aos pontos críticos. O Bader III, porém, ainda não tinha atracado por ali. Apenas mais recentemente, após reformas, o porto ficou apto a receber navios maiores. Como o embarque foi em março último, além dos uniformes, os três fiscais ostentavam um novo adereço: as máscaras para proteção individual devido à pandemia de Covid-19, que se iniciava no Brasil. Ela ainda não havia refreado as exportações. Essa seria a última etapa do processo e a mais cansativa, pois tudo teria de ser coordenado. Pela via rodoviária, chegavam 211 caminhões. O primeiro passo foi entrar no navio, seguir para os compartimentos mais baixos e iniciar a vistoria. Nos vários setores, que precisam ser revistos, os fiscais

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analisavam a quantidade de alimento disponível, a enfermaria e a qualidade de água em cada um dos cinco pisos superiores. Na lista de checagem, atenção para a ventilação, de forma a evitar o acúmulo de amônia. Outro ponto observado era a luminosidade, para permitir a vistoria pela tripulação. Foram cerca de 29 horas de trabalho entre a primeira inspeção até a liberação para a primeira carga. A fiscalização pediu vários ajustes, a começar pela limpeza de compartimentos, realocação de alimento e descarte de medicamentos. Há vezes em que as solicitações são mais complexas, como o isolamento de baias que tenham paredes ou pontas que possam machucar os animais. Mesmo pequenas reformas podem ser solicitadas, o que não foi o caso dessa vez. Tudo depende do olhar do auditor responsável pela operação. Liberado, começa o desembarqueembarque, que, neste caso, durou um pouco menos de três dias. É assim chamado porque os animais saem de caminhões que foram lacrados nas fazendas, chamadas de Estabelecimentos de Pré-Embarque (EPE), e sobem no navio, onde podem permanecer até um mês na viagem até o porto de destino. Depois, desembarcam novamente no país comprador e seguem para a fazenda ou abatedouro. Por mais que se sigam todas as normas, é inegável que a viagem, do começo ao fim, é realmente longa e estressante. Como são 20 mil animais e todos foram inspecionados antes de os caminhões serem lacrados, uma vez embarcados eles passam por uma checagem por amostragem, com leitura eletrônica de


foto: Diego Padgurschi/Folhapress

brinco para confirmação de dados. A equipe da vigilância também pode verificar como estão as condições internas e dar orientações para que os animais sejam realocados. Os ajustes ocorrem em concordância com o capitão do navio, já que há a necessidade de estabilidade da embarcação e o cumprimento da legislação. Animais mais fracos podem ser enviados à enfermaria. Alguns deles, até desembarcados. Essas orientações vão depender da experiência e do olhar de quem está sob o comando de cada operação. Com todos a bordo, assim que possível, sem perda de tempo, o navio segue para o seu destino. A CONCENTRAÇÃO ATRAI A ATENÇÃO O processo de exportação é quase um plano de guerra. Chega a durar mais de 60 dias, com etapas de negociação entre países, definição de critérios dos animais, procura e compra nas fazendas, exames, exigências sanitárias, documentações diversas, aprovação dos compradores, além da coordenação logística para que

todos estejam aptos para o embarque na mesma data. Mas é a etapa a bordo do navio que mais atrai os holofotes. Seja pela magnitude dessas embarcações, pelo volume de animais envolvidos, pela distância percorrida ou mesmo pela falta de transparência sobre o desenrolar da viagem. Pouco se sabe sobre os dias no mar. Cada viagem resulta em um relatório, mas mesmo os envolvidos com o processo gostariam de mais informações para subsidiar a melhoria de seu trabalho. As dúvidas sobre as condições de transporte são as causas das maiores controvérsias em todo o mundo. E, quando há problemas, a tragédia é inevitável, seja por acidentes e morte dos animais ou por algum entrave burocrático que mantém a carga viva em alto-mar. Por conta disso, os principais países exportadores são permanentemente pressionados a aperfeiçoar seus sistemas de fiscalização e serem mais rigorosos nas exigências aos transportadores. A Austrália é um dos países sempre citados

como exemplo ao se falar de exportações em navios, pois precisou paralisar o comércio e fazer adequações para depois retomar a atividade. Ainda assim, a associação local de médicos veterinários faz críticas ao processo. No Brasil, o setor passou por dois reveses marcantes. Em 2015, houve um naufrágio de um navio com 5 mil bois a bordo, em Barcarena (PA). Foi a partir desse acidente que a ONG Fórum Animal, assim como várias outras, passou a acompanhar mais de perto as exportações de animais vivos, informa a médica veterinária Vânia Nunes, diretora técnica da ONG. Outro episódio mais recente, em 2018, foi o do navio Nada, em Santos (SP). A movimentação de ativistas em torno das condições da embarcação chamou a atenção da opinião pública e acabou resultando na paralisação das exportações por vários dias. Na época, o relatório de uma perita judicial mostrava que os animais embarcados no navio Nada estavam “em péssimas condições de bem-estar”, o que motivou o PLANT PROJECT Nº20

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Pecuária

foto: Divulgação DS-RS Anffa Sindical

Ag

O navio Bader III no porto de Rio Grande: megaoperação para levar 20 mil animais para a Jordânia

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professor Mateus Paranhos, da Unesp de Jaboticabal (SP), a elaborar um manifesto, endossado por outros 13 especialistas de universidades brasileiras, destacando haver falta de “regulamentações claras e detalhadas sobre como tratar a questão do bem-estar dos animais de produção nos diferentes cenários”. Questionado, após dois anos, Paranhos, um dos mais importantes estudiosos brasileiros no tema, disse que “após o manifesto não houve mudanças expressivas relacionadas à questão do bem-estar dos animais”. Ele defende que padrões mínimos deveriam ser adotados, levando-se em conta as características e as necessidades dos animais. “O que está em jogo são os limites, até onde nós vamos”, questiona. Na sua visão, “se regras mínimas que levem em conta o bem-estar animal forem adotadas, é provável que torne inviável a exportação dos bovinos vivos para fins de abate, pois a capacidade de carga dos navios

seria reduzida”. Em mais longo prazo, teme que as falhas verificadas nas condições atuais das exportações possam se tornar um “telhado de vidro” para toda a cadeia produtiva, “se expondo a críticas constantes e contundentes”. A professora e coordenadora do Laboratório de Bem-estar Animal da Universidade Federal do Paraná, Carla Molento – também signatária do manifesto e, declaradamente, contra as exportações de animais vivos –, explica que o grau de bem-estar “depende de informações precisas sobre indicadores relevantes, com base em informações técnicas coletadas a partir de exame dos animais e de condições das instalações que se encontram durante todo o processo”. Ela defende que sejam considerados quatro grupos de indicadores. Inclusive elaborou, em novembro passado, uma proposta de avaliação com parâmetros que consideram itens nutricionais, ambientais, de saúde e de comportamento. “Precisamos de diagnóstico real e não de falas generalistas”, afirma. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) reconhece que um dos pontos críticos que merecem atenção dos exportadores são as condições de bem-estar animal e que a subjetividade do tema é uma das dificuldades para o cumprimento de sua função de auditor. Segundo a Coordenação de Trânsito e Quarentena Animal do Departamento de Saúde Animal


Um negócio de oportunidade A exportação de animais vivos no Brasil é um negócio que ultrapassou as 100 mil cabeças a partir de 2005, chegando a 784 mil cabeças em 2018, quando arrecadou US$ 529 milhões. “No ano passado, o mercado recuou, principalmente pela redução das compras pela Turquia, por desafios institucionais e de documentação”, afirma o presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Animais Vivos (Abreav), Ricardo Barbosa. Segundo Barbosa, o setor sente também um refreamento por causa das restrições de trânsito causadas pela pandemia. “Quando voltarem as atividades, vamos ter o dobro de trabalho.” Com base na análise de dados de mercado, a consultora Lygia Pimentel afirma que o percentual exportado de gado vivo é muito pequeno, nem chega a 2%, para interferir em uma regulação de

da Secretaria do Mapa, “nas operações de exportação de animais vivos, não há dificuldade em certificar o cumprimento de protocolos sanitários e zoossanitários. Entretanto, para garantir que são cumpridas todas as exigências para o bem-estar das espécies pecuárias, há um grau de subjetividade que é difícil de mensurar”, informou à reportagem. Em sua explicação, a Coordenação afirma que “o auditor pode ter dificuldade de avaliar se o conjunto de aspetos necessários para o bem-estar das espécies pecuárias está sendo respeitado”. O órgão informa, porém, que essa dificuldade não impede a atuação para prevenir qualquer prática que submeta os animais à crueldade. Na visão do presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Animais Vivos, Ricardo Barbosa, “o objetivo da pecuária é a produção de proteína

preço de mercado. “Há mais impactos regionais em praças próximas dos exportadores”, relata. E os mercados locais sentem o mesmo. Logo após o embarque para a Jordânia, em março, o Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul divulgou documento que, entre outros dados, informou “que o volume que deverá ser exportado no ano é suficiente para suprir cinco frigoríficos médios, que geram 1,5 mil empregos diretos e 6 mil indiretos”. Para o produtor que se enquadrar dentro dos requisitos, a oferta pode ser tentadora, pois o preço de compra é, normalmente, mais valorizado do que a média local e o pagamento, muitas vezes à vista. O tipo de animal também varia muito entre os contratos, mas o mais procurado, segundo a Abreav, é o gado com sangue europeu, com mais de 250 kg e de alta qualidade.

de qualidade”. “Se maltratarmos o animal, ele não produz”, diz. E reitera que o setor segue regras básicas mundiais. O SETOR SE MOVIMENTOU O debate em torno dos processos de exportação levou o setor a fazer adequações, principalmente após a publicação da Instrução Normativa nº 46/2018. Houve ajustes nas EPEs e nos portos e, no final do ano passado, o ministério também organizou treinamentos voltados às equipes dos portos e aos exportadores. Segundo fontes, os embarques passaram a contar com um médico veterinário durante a viagem, algo que nem sempre existiu. A médica veterinária Mirela Janice Eidt, fiscal federal agropecuária do Mapa, cujo doutorado analisou aspectos comerciais e operacionais das exportações brasileiras de

bovinos vivos via marítima no período de 2012 a 2016 e que continua acompanhando o setor, ressalta que há melhorias. “Na época da pesquisa, a maioria dos navios era adaptada de transporte de carga, com convés de carga abaixo do principal”, afirma. Essas embarcações costumam ser chamadas de “navios sucata”. “Hoje muitos são acima, com ventilação e iluminação natural, além da automatização de cochos e drenagem. Precisamos que apenas navios bons venham para o Brasil”, diz. Ela também cita a importância de melhor infraestrutura portuária e nisso inclui o treinamento da equipe do porto visando à segurança coletiva, embarcadouros com requisitos mínimos de segurança para o serviço público e disponibilidade de áreas para aparte. “O Brasil está atrás de concorrentes quando se compara PLANT PROJECT Nº20

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Ag

Pecuária

Trânsito de dores e doenças A tensão causada pela Covid-19 no mundo aflora também a preocupação com doenças que possam circular entre as nações pelos navios boiadeiros. Esse é um dos argumentos da defesa animal contra as exportações. Elencam ainda as questões de bem-estar animal durante a viagem e também as formas de abates dos países compradores. “Nossa luta não parou e fazemos o movimento possível para suspender as exportações”, afirma Vânia Nunes, diretora técnica do Fórum Nacional Animal. Inclusive tramita no Senado um projeto de lei para o fim da atividade. As ações continuam em outras esferas jurídicas. No fim do ano passado, por exemplo, a entidade participou de uma audiência conciliatória na Justiça Federal sobre o tema. “Entendemos que a prática é cruel e não agrega valor. Há o risco de aparecimento de doenças e os animais são submetidos a situações de estresse. Nos locais de destino, inclusive, há relatos de vulnerabilidade de pessoas e animais”, afirma.

a estrutura portuária e as instalações”, afirma. Atuando no setor há mais de dez anos, Jeferson de Freitas Rosa, gerente operacional de uma empresa exportadora no Pará, afirma que os produtores também buscam fazer adequações para atender o mercado. “A fazenda precisa seguir critérios para que o gado seja comprado”, resume, citando exigências ambientais e de bem-estar animal. Para os locais de quarentena, a normativa de 2018 trouxe uma lista com 14 itens sobre as características do local, algumas, inclusive, com recomendações técnicas e medidas. “A exportação é um mercado de oportunidade, mas não é fácil e barato manter-se nela”, analisa Rosa. São nessas estações que os animais ficam em espera até o embarque no navio. Nelas ocorre o maior trabalho de fiscalização, 70

pois há a vistoria um a um e checagem dos exames, que variam de acordo com as exigências dos países compradores. Quanto maior o navio, maior a concentração de animais. A equipe de trabalho, porém, é sempre a mesma. “Nessa hora, faltam auditores e pessoas para atividade de apoio”, comenta Soraya Macedo, diretora da Delegacia Sindical dos Fiscais Federais do Rio Grande do Sul. Para as exportações de bovinos, sugere que, a exemplo de outras cadeias como a de aves, os laudos fossem provenientes de laboratórios certificados pelo Mapa. “Aumentaria o respaldo para o serviço prestado”, comenta Soraya. O complexo modus operandi das exportações é como uma moeda com dois lados bem definidos. Há os que a olham pelo prisma da atividade econômica e as divisas que a atividade traz para

o País, juntamente com a cadeia de empregos. Por outro lado, os defensores dos animais não veem a atividade com bons olhos, pois não acreditam que há condições de bem-estar, seja no navio, seja no abate do país comprador. Ao produtor resta decidir se opta por cara ou coroa. A reportagem da PLANT ouviu falas diferentes, ambas de quem tira seu sustento da pecuária. Há os que cumprem todas as suas obrigações internas e não se incomodam com o destino após a saída dos animais da fazenda. “Afinal, já temos que nos preocupar com tantas licenças e obrigações.” Outros, que optam por não exportar, dizem acreditar que “a carne na prateleira é proveniente de seres vivos que precisam ser olhados com respeito. Exigem as boas práticas de produção do começo ao fim.” O destino dessa viagem é uma escolha de cada um.


As Rotas do Comércio Global As transações de importação e exportação de animais vivos quadruplicaram, em números absolutos, nos últimos 50 anos. Todos os anos, segundo levantamento realizado pelo jornal britânico The Guardian, cerca de 2 bilhões de animais – aves, ovinos, suínos e bovinos, em sua maioria – são embarcados anualmente com destino a outros países – uma conta que indica que, a cada dia, há pelo menos 5 milhões de animais em trânsito. Segundo cálculos da Comtrade, em 2017 o comércio global de animais vivos faturou cerca de US$ 21 bilhões. Confira as principais rotas desse mercado.

6,2 mil

porcos vivos foram enviados à Polônia da Dinamarca em 2017

INGLATERRA

POLÔNIA HOLANDA

4 mil

ROMÊNIA

JORDÂNIA QATAR

LÍBIA EGITO

640.000

UGANDA

ovelhas vivas foram exportadas para o Qatar da Austrália

BRASIL

URUGUAI

galinhas vivas foram exportadas da Holanda para a Tailândia em 2017

567.000

Turquia importou mais de meio milhão de gado do Brasil e Uruguai

Principais destinos 2019 Turquia............................167.735 Egito................................. 94.102 Iraque.............................. 88.397 Líbano.............................. 61.843 Jordânia..........................43.777 Emirados Árabes Unidos..............18.069 Bolívia....................................... 14

Estabelecimento Pré-Embarque (EPE) PA...............................15 SP................................ 9 RS................................ 6 MA............................... 1 PR................................. 1 SC................................. 1 Fonte: Mapa. Abr/20

Embarques realizados em 2019 Porto Porto Porto Porto

de de de de

Conde/PA 24 Rio Grande/RS 15 São Sebastião/SP 5 Imbituba/SC 3

navios navios navios navios

Fonte: Mapa. Abr/20

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Personagem

UMA LIDERANÇA CURIOSA Primeira mulher a presidir a Sociedade Rural Brasileira, a pecuarista Teka Vendramini quebra paradigmas na fazenda e na representatividade do agronegócio

foto: Flávia Tebaldi

Por Romualdo Venâncio

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Q

uando Teresa Vendramini foi eleita presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), no dia 10 de fevereiro deste ano, nem ela imaginava a real dimensão e o impacto desse feito. Já havia sido uma grande surpresa sua indicação para concorrer a tal cargo na centenária entidade, que nunca havia sido ocupado por uma mulher. A quebra de paradigma tornou mais sonora a voz da representatividade feminina, que, com justiça, vem ganhando cada vez mais espaço na agropecuária mundial. Na linha dos antecessores de Teresa estão nomes de grandes lideranças do agronegócio, representantes do setor que têm uma relação de longa data com a Rural – como é mais conhecida a SRB – e que ocuparam cadeiras importantes em diferentes instâncias governamentais. Comparativamente, sua entrada para esse seleto clube é algo bem recente. Para Teka, como ela mesma prefere ser chamada, essa eleição foi uma ampliação exponencial de seu ingresso na instituição em 2017, quando foi convidada a fazer parte da diretoria presidida por Marcelo Vieira, como responsável pelo Departamento de Pecuária. Até então, apenas homens haviam sido diretores na SRB. “Conheci a Rural há três anos, participei de algumas reuniões, gostei muito e me associei. Aí alguém me disse que o Marcelo queria me convidar para integrar sua diretoria. O fato de ser a primeira mulher a compor a diretoria da entidade me atraiu, assim como a possibilidade de montar um departamento de pecuária. A Rural é um celeiro de ideias e tem um posicionamento temático que o Brasil sempre quer saber”, conta. A SRB é também realizadora, em

parceria com outras grandes entidades e a Datagro, do GAF, o Global Agribusiness Forum, que este ano acontece entre os dias 9 e 10 de novembro e tem como tema “Segurança Alimentar e Sustentabilidade”. Por mais surpreendente que possa ser ou parecer a rápida ascensão de Teka dentro da Rural, essa conquista não veio ao acaso, reflete o que a dirigente já vinha semeando e cultivando como pecuarista, tanto dentro quanto fora da porteira. E tudo começa com outra significativa mudança em sua vida e pela também expressiva necessidade de aprendizado. Há cerca de 15 anos, por conta de uma divisão societária de sua família, que tem raízes no agronegócio, Teka se tornou dona da Fazenda Jacutinga, localizada em Flórida Paulista, no interior de São Paulo, a menos de 12 quilômetros de Adamantina, cidade onde nasceu, e a pouco mais de 120 quilômetros de Mato Grosso do Sul. A propriedade de 80 anos, que já teve café, grãos e gado de corte, não passava por um bom momento produtivo. “Cheguei sozinha para tomar conta de tudo, precisava torná-la eficiente”, conta. Teka tem fortes laços com essa propriedade, pois era o lugar onde costumava passar férias. “Desde pequenininha via meus avós e meus pais trabalhando muito. Meu avô carpindo, minha avó levando a marmita para ele na roça. Tudo foi conquistado com muito trabalho”, afirma. Depois, já distante dali, morando na capital paulista, passou a levar sua filha, a Fernanda, que hoje tem 38 anos e é formada em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Mas estar à frente do negócio é algo bem diferente, ainda mais quando não se tem formação PLANT PROJECT Nº20

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Ag

Personagem

na área. Teka é socióloga política, formada pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP). “Quando saí do interior e pensei em fazer faculdade, já tinha ouvido falar da FespSP, por onde passaram nomes como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso”, comenta. A sociologia foi essencial para a presidente da Rural no papel que conquistou como liderança do setor, mas naquele momento em que assumiu a Fazenda Jacutinga, o que ela precisava urgentemente era de outros conhecimentos. FORMAÇÃO EM PECUÁRIA Diante do desafio enfrentado por dez entre dez pecuaristas, que é tornar a fazenda eficiente e lucrativa, Teka Vendramini tratou logo de buscar informação. Ela diz ter ajudado o fato de que, naturalmente, as mulheres ouvem e questionam mais. Além disso é uma curiosa de carteirinha, está sempre buscando aprender. “Fiz vários cursos na Embrapa Gado de Corte. Depois procurei também a Esalq-USP”, lembra. E há dez anos a produtora conta com a assessoria técnica do agrônomo 74

esalqueano Arlindo Freato, especialista em nutrição e manejo de pastagem. “Ele me ensinou quão importante é o pasto para o gado, que se eu alimentasse bem meus animais eles seriam mais saudáveis e produtivos”, afirma Teka. Quanto mais entendia sobre a melhor e mais eficiente estrutura para criar um bom gado de corte, mais a pecuarista ganhava tranquilidade nas tomadas de decisão. Escolheu investir em reprodutores zebuínos da raça Tabapuã, adquiridos na região próxima à fazenda, e a partir daí foi formando o rebanho que queria. “Meu Tabapuã era pesado e precoce, e isso vinha como consequência do pasto bem cuidado e do tratamento sanitário feito com muita cautela, respeitando os animais. Também plantei muitas árvores pelo pasto, formando bosques com sombra para o gado”, descreve. Após cinco anos desse processo, Teka deu outro passo importante para aprimorar o rebanho. Começou a inseminar suas vacas com sêmen de touros Angus, uma raça taurina de origem britânica que somaria com o zebu para potencializar os

ganhos em produtividade e qualidade de carne. Os índices de eficiência aumentaram tanto na fazenda quanto no frigorífico, e o interesse em seu trabalho cresceu ainda mais. A fama de seu plantel começou a correr pelo mercado. “Uma vez um conhecido comentou comigo sobre uma mulher que estava vendendo garrotes com menos de 2 anos e mais de 500 quilos. Quando entenderam que eu era a tal mulher, passaram a querer saber mais sobre meus animais e meu manejo. Hoje, por exemplo, tenho água encanada em quase todos os pastos e faço adubação dessas áreas”, diz Teka. “Acho que cheguei à presidência da Rural, e a outros lugares, por conta dessa experiência. É isso que me dá condições de fazer o que faço, pois esses 15 anos de pecuária têm sido uma busca permanente por conhecimento”, acrescenta. LIDERANÇA POR EMPATIA Se por um lado a dirigente se enche de orgulho ao falar da evolução do rebanho e do seu trabalho como pecuarista, fruto desse constante aprendizado; por


outro, prefere a discrição quando questionada sobre números de sua atividade, como o tamanho da propriedade, a quantidade de animais, faturamento, rendimento. Essa postura diz muito sobre a popularidade que vem conquistando não só no agronegócio. É comum vê-la priorizar as conquistas coletivas em vez das suas. Principalmente quando se trata das mulheres que constroem a história da agropecuária brasileira, como as que começou a conhecer no período dos cursos. “Encontrei algumas produtoras que passaram a me convidar para falar com seus grupos”, comenta. “Fiquei surpresa. Nem sabia bem o que dizer àquelas mulheres.” Era só impressão, havia muito a ser dito. O fato de ter uma história para contar e uma maneira tão peculiar de fazê-lo acabou gerando uma forte identificação com aquele público ansioso também por representatividade. Em 2017, Teka rodou o País para fazer 15 palestras e no dia 16 de outubro recebeu na sede da Rural, no centro velho da cidade de São Paulo, mais de 200 mulheres de diversas partes do Brasil, entre pecuaristas, agricultoras, pesquisadoras, professoras, empresárias e estudantes, para o Encontro de Lideranças Femininas do Agronegócio, organizado por ela. No dia seguinte, participou da segunda edição do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, também em São Paulo, para mediar a plenária

Inovação, ética e valores – A mulher do agro, os desafios e dilemas de uma era globalizada. E foi um marco em sua trajetória. A socióloga, pecuarista e dirigente de associação de produtores e produtoras ganhou mais projeção. No dia 8 de março de 2018, ela apareceu entre as dez líderes femininas de diferentes áreas profissionais retratadas no livro Mulher Alfa – Liderança que inspira, escrito por Cristiana Xavier de Brito e publicado pela Letramento Editora e Livraria. A obra foi lançada propositalmente no Dia Internacional da Mulher e, como descreve o site da editora, sem a pretensão de ser um manual, mas sim “um retrato da mulher brasileira contemporânea e uma homenagem à sua autenticidade, criatividade e resiliência para liderar sua vida pessoal e profissional”. Como era de se esperar, a agenda foi ficando cada vez mais concorrida, tanto que Teka Vendramini deixou de contabilizar o número de viagens para fazer palestras em 2018. “Era muita coisa. E um fator muito interessante é que passei a ser chamada também pelos homens”, afirma. As andanças por tantos e tão diferentes lugares do Brasil, diante de uma diversidade enorme de pessoas, garantiram a Teka a continuidade de seu processo de aprendizagem. Mais que isso, trouxeram uma redescoberta de todo esse ambiente, segundo ela. “Tenho encontrado mulheres muito valorosas, com histórias até

Em três anos Teka Vendramini passou de mera associada a presidente da Sociedade Rural Brasileira e se tornou uma referência da presença feminina no agronegócio

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Personagem

foto: Flávia Tebaldi

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Na rotina da fazenda, onde se produz um gado pesado e precoce, Teka conta também com a companhia dos netos, Joaquim e Antonio, seus xodós

mais difíceis do que a minha, e que foram superando”, diz. “Uma palavra que sempre levo para esses encontros é ‘coragem’, porque se você não tem coragem não vai a lugar algum.” Para a presidente da Rural, boa parte da proximidade com essas produtoras vem das semelhanças entre as situações vividas ao assumirem sozinhas a gestão de uma fazenda, ainda que por motivos diferentes. Mas destaca que agora a situação é outra, pois há uma nova geração de mulheres assumindo o agronegócio. Segundo Teka, é uma moçada diferente, formada nas principais faculdades ligadas ao agro e que não vem para ser coadjuvante. “E eu estou esperando a chegada delas”, diz. DESAFIO INUSITADO A ideia inicial para a entrevista com Teka Vendramini era de que ela recebesse a reportagem da PLANT PROJECT na Fazenda Jacutinga, no ambiente que deu origem à sua trajetória como pecuarista e se tornou seu habitat. No meio do processo de alinhamento das agendas surgiu a quarentena provocada pelo coronavírus. Frente à gravidade dessa situação, a um problema tão sério, substituir a conversa no campo por uma ligação telefônica foi a menor das complicações. Principalmente pela generosidade e pela atenção da produtora com a redação da revista, pois, como não poderia deixar de ser, passou a ser muito mais solicitada, tanto pelo setor produtivo quanto pela mídia.

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A presidente da Rural não tinha dúvidas de que sua gestão seria desafiadora, e se preparou para isso. Foi com essa expectativa que compôs sua diretoria, por exemplo. “Tive grande preocupação de contar apenas com gente que estivesse disposta a trabalhar muito. Não tem ninguém passeando nesse grupo”, comenta. Mas um desafio desse tamanho, uma pandemia, não estava na perspectiva de ninguém. “Não temos bola de cristal para saber o que vai acontecer, mas já percebemos que é uma crise muito séria de saúde e de economia”, avalia. Ela entende que o agronegócio também vai sentir o baque dessa crise, pois o setor vem num movimento crescente, com exportações fortes, mas deve ser um dos segmentos menos impactados. “Até porque o mundo precisa de comida.” A rotina ficou mais puxada. Teka procura estar atenta ao que acontece em relação a essa pandemia, no Brasil e no mundo, e analisar o que a Rural pode fazer para contribuir. E faz questão de ressaltar que esse é um trabalho coletivo, que conta com toda a equipe da entidade. Ela também se desdobra para atender às solicitações de imprensa, com entradas ao vivo, e participar de debates sobre o tema, inclusive nas agora tão frequentes lives. Tudo isso sem deixar de lado a organização da fazenda, que também exige atenção redobrada. “Os cuidados dentro de uma fazenda não são diferentes


daqueles necessários dentro de uma casa”, compara. “E a porteira é a porta de nossa casa, então só entra quem precisa entrar”, acrescenta a pecuarista, em uma clara referência ao acesso mais restrito à propriedade durante esse período. O zelo com a segurança de sua equipe no dia a dia é rigoroso, vai desde questões de higiene e arrumação até a limpeza de tratores. O frasco de álcool em gel se tornou acessório obrigatório junto às tralhas que os peões carregam em seus cavalos. “E se percebermos que algum funcionário apresenta alguma sensação diferente, algum sintoma, temos que cuidar dele”, afirma Teka, com o tom agregador que parece acompanhá-la o tempo todo. FOCO EM SER HUMANA Teka Vendramini tem motivos de sobra para afirmar que vive um novo momento em sua vida. Ter se tornado um exemplo e uma liderança para as mulheres do agronegócio foi uma grande e intensa transformação. Até mesmo porque ela também ganhou novas referências femininas para admirar, a exemplo de Carmelinda Rainato Missassi. “Conheci dona Carmelinda no ano passado, em Novo Progresso, no Pará. Ela

chegou na cidade com o marido e três crianças pequenas e só tinham um pedaço de terra. Morou embaixo de barraco de lona, lavou roupa no rio, lutou ao lado do marido. Hoje são referência na região em produtividade e genética”, conta a presidente da Rural. “Na minha opinião, dona Carmelinda representa todas as mulheres do agronegócio brasileiro que chegaram antes de mim e lutaram em uma época infinitamente mais difícil.” É esse respeito que tem também pela história de sua avó, Chiquinha Andrade Vendramini. “Sempre ao lado do meu avô, uma grande parceira”, comenta. E por outras mulheres que, segundo Teka, são de alguma maneira “duras na queda”. Essa lista ainda traz Margaret Thatcher, que em 1979 se tornou a primeiraministra da Grã-Bretanha, posição que só havia sido ocupada por homens. Thatcher ganhou o apelido de “Dama de Ferro”, devido ao pulso firme e às medidas tomadas por ela para combater a recessão econômica daquele período. Já na história mais recente, outra referência é a quase xará Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que tem enfrentado grandes desafios para

promover o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, dentro e fora do País. Teka tem um jeito muito carismático, é daquelas pessoas que dá vontade de não acabar a conversa. Tem uma animação natural e é atenciosa, se compromete totalmente com o que está fazendo a cada momento e não perde o foco da prosa. Percebe-se logo que isso tudo é de sua personalidade, mas quanto mais fala sobre si mesma, mais evidente fica essa composição. “Gosto de tranquilidade, do meu tempo de estar em casa, de comer, de dormir. E gosto de ser produtiva, de arrumar minha casa, a fazenda”, diz. As preferências culturais acompanham e complementam esse perfil. “Adoro cinema! Principalmente filmes históricos, que eu chamo de filmes de verdade. Gosto muito de ler. Estou lendo agora o livro Os Presidentes, do Rodrigo Vizeu. E gosto muito de ouvir música, e ouço de tudo”, conta, como se quisesse mostrar sua playlist, que tem samba e Mercedita. Mas, certamente, se tem algo que entusiasma Teka hoje em dia é o prazer da companhia de seus netos, Antonio, de 3 anos, e Joaquim, com 4. Dá para sentir no tom da voz. PLANT PROJECT Nº20

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Com Rafael Okuda

RAFAEL OKUDA 39 ANOS, CASADO, DUAS FILHAS VICE-PRESIDENTE PARA AGRONEGÓCIO E ALIMENTOS NA SAP BRASIL ADMINISTRADOR DE EMPRESAS, COM ATUAÇÃO NO MERCADO DE TECNOLOGIA ATENDENDO AO AGRONEGÓCIO HÁ 17 ANOS. ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO NA HARVARD BUSINESS SCHOOL (EUA) E EM INOVAÇÃO E ESTRATÉGIA NA IMD (SUÍÇA)

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cena não era incomum, anos atrás, em grandes eventos do agronegócio. O executivo se encontrava com um potencial cliente, se apresentava e entregava um cartão. O logotipo da empresa alemã, líder global em softwares de gestão corporativa, impressionava o interlocutor, que logo disparava: “Mas o que a SAP está fazendo aqui?”. Rafael Okuda Calijuri, vice-presidente da SAP Brasil, cansou de responder a essa pergunta. Com o tempo – e com cada vez mais clientes –, ela se tornou menos frequente. E a diretoria que Okuda comandava foi transformada em vice-


Assista aos vídeos desta e de outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.

-presidência, provando que a filial brasileira estava certa quando, em um movimento inédito em todo o mundo, criou uma estrutura dedicada a atender o maior e mais dinâmico setor da economia nacional. Nesta entrevista à série PLANT TALKS, Okuda mais uma vez ouve a pergunta e acrescenta novos negócios à sua resposta. Confira os principais trechos.

“As empresas agrícolas vêm vivendo a digitalização há algum tempo. Agora é preciso haver uma integração, trazer mais os dados do campo para o ERP, agregar esses dados e enxergar essas informações de uma maneira diferente.”

O mercado está acostumado a ver a marca da empresa associada a grandes indústrias, ao setor financeiro, a um ambiente mais urbano. O que a SAP faz no agronegócio? Em janeiro de 2015, a SAP tomou a decisão de separar a área de bens de consumo entre empresas de alimentos, varejo e agronegócio. Tomamos esta decisão visando um foco e proximidade maior no segmento. É uma decisão exclusiva do Brasil? Uma decisão exclusiva da SAP do Brasil. Isso tem diversos motivos. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo. A representatividade do agronegócio dentro do PIB brasileiro é uma das coisas que impulsionaram a decisão. Desde então a SAP vem focando mais, não só olhando para produto, desenvolvimento, marketing, relacionamento também voltado para as empresas de agronegócio, vendo como atender melhor, como nos relacionar melhor com esses clientes. Apesar de tomada essa decisão em janeiro de 2015, alguns dos primeiros clientes da SAP no Brasil foram empresas do setor sucroenergético. A SAP Brasil tem uma relação muito longa e próxima com o segmento. O que vocês tiveram que fazer em relação aos produtos do SAP? Houve necessidade de adaptação desses produtos e dos serviços para o setor? Ou as

empresas do setor rodam basicamente os mesmos softwares disponíveis para as outras indústrias? Essa é uma das dimensões do trabalho que a gente vem efetuando. Hoje contamos com um laboratório em São Leopoldo (RS) com mais de mil profissionais e, sim, precisamos adaptar algumas soluções para o agronegócio brasileiro. A forma que o brasileiro trabalha em algumas linhas e alguns subsegmentos é muito diferente da do resto do mundo. O barter é um bom exemplo disso, a forma como nós comercializamos grãos, também, toda essa questão de crédito, o ato cooperado... Tudo isso impacta e acaba refletindo na solução também. Para atender essas especificidades, a SAP vem trabalhando em soluções, algumas já desenvolvidas, algumas em desenvolvimento. Algumas dessas soluções foram exportadas para outros países em que a SAP também trabalha, se não com tanto foco, com empresas de agronegócio, como Estados Unidos, Austrália, Índia ou mesmo a China? Quando falamos das soluções desenvolvidas especificamente no Brasil pensando em barter por exemplo, trade-slip, gestão de contratos agrícolas, sabemos que alguns países já adotam esse tipo de prática, de troca de insumos por grãos. Toda essa triangulação tamPLANT PROJECT Nº20

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Com Rafael Okuda

bém é aplicável para a Argentina, por exemplo, ou a Rússia. Existem alguns casos de troca de informação em andamento. Vocês têm alguns mercados preferenciais aqui para a sua divisão de agronegócio dentro da SAP? O foco da vice-presidência de Agro desde 2015 até o ano passado era em grãos, sucroenergético e proteína animal e insumos, mais a divisão de defensivos e fertilizantes. No ano passado nós tomamos a decisão de atender defensivos e fertilizantes com o time de indústrias químicas e agregamos à minha área todas as empresas de alimentos, que têm uma relação óbvia com o agronegócio. Quer dizer, vocês vão do campo ao prato hoje? Exato, nós vamos do campo ao prato. Nesse momento de pandemia, de distanciamento social, como é que vocês estão encarando esta relação com essa indústria? O agronegócio especificamente se porta diferente de outras indústrias neste momento, em função de grande parte das atividades estar no campo? Existem alguns desafios comuns para todas as indústrias, para todas as pessoas, pois estamos todos trabalhando de casa. Você tem que cuidar do seu filho, você tem a questão de que precisa fazer comida, algumas atividades a mais todo mundo está agregando. A SAP está se preocupando 80

bastante com a segurança e com o emocional das pessoas, dos nossos profissionais. Quanto aos clientes, nas duas primeiras semanas passamos a fazer contatos mais intensos com todos, para saber do que eles estavam precisando, se existia alguma necessidade adicional. A indústria de alimentos e o agronegócio têm um desafio adicional: mesmo com algumas indústrias paradas e segmentos parados, não podemos parar de fornecer alimentos, todo mundo tem que continuar comendo. Temos realmente ajudado as empresas a atravessar este período de pandemia. Do ponto de vista de estrutura tecnológica, qual o impacto das soluções da SAP nas empresas quando elas passam a operar muito mais com trabalho remoto, cada um na sua casa, mas com a necessidade de ter acesso a dados para fazer a gestão? A confiabilidade no dado é vital para todas as corporações.

Mesmo antes deste período já era. Nesse sentido, o S/4 HANA, que é a nossa nova plataforma, vem agregar muito, porque você pode ter os dados confiáveis e em tempo real. Isso te ajuda a tomar decisões mais rápidas, você pode atuar agregando com inteligência artificial, com robôs, trazer dados de sensores, blockchain... Você acredita que este período vai representar um impulso para a agricultura digital no Brasil? Essa transformação vai se acelerar? Acredito que sim. A gente tem visto algumas iniciativas neste sentido, mesmo nas empresas que tratavam o assunto em segundo plano, o que era natural a princípio porque o Brasil tem uma capacidade de crescimento, com oferta muito grande de terra e recursos naturais. Depois da pandemia temos visto vários projetos e intensificado bastante os contatos para falar sobre novas tecnologias, como trazer dados do campo,


como sensores de robôs para dentro do sistema para ajudar em tomada de decisão. Isso tem se intensificado bastante. Você trabalha com empresas agrícolas e com empresas agroindustriais. Qual é o nível hoje da digitalização do agronegócio, comparando com outras indústrias? Você diria que as empresas agrícolas ainda estão distantes das agroindustriais do ponto de vista de estruturas tecnológicas? Eu acredito que não, porque o movimento de agricultura de precisão que vem acontecendo há alguns anos já impulsionou esse tipo de trabalho. As empresas vêm vivendo isso há algum tempo. Agora é preciso haver uma integração, trazer mais os dados do campo para o ERP, agregar esses dados e enxergar essas informações de uma maneira diferente. Mesmo em estrutura de TI dentro das empresas agrícolas? Elas têm hoje investimentos relevantes em estruturas de tecnologia da informação? Existem diversos níveis, mas quando a gente pensa, por exemplo, que produtores estão usando drones, estão usando sensores, isso é natural hoje. Lógico que corporações precisam de ferramentas diferentes, soluções diferentes, níveis diferentes de utilização. Mas a partir do momento que você tem uma fonte de dados, um equipamento, isso te

obriga a se capacitar, permite que você tenha mais possibilidades. Temos visto empresas agrícolas em busca de soluções e muitas vezes essas soluções vêm de empresas pequenas, diferentes, e cada uma usa uma linguagem, uma tecnologia. O principal desafio dessas empresas é justamente integrar essas informações? No passado a gente teve um movimento muito grande de software de nicho, de solução de nicho. Usava-se o ERP como um back office e trabalhava-se com soluções de nicho na ponta. O que temos visto hoje é um pouco diferente e eu acho que um bom exemplo do que eu vou dizer é a Citrosuco. A Citrosuco hoje é um dos maiores produtores de suco de laranja do mundo. Fica em Matão, no interior de São Paulo. É uma empresa que trabalha de ponta a ponta, literalmente. Ela origina um pouco das laranjas, porém mais da metade da produção é própria. Então domina toda essa cadeia. Todo o transporte é dela também, inclusive os próprios navios com que exporta para o mundo inteiro. Para atender toda essa cadeia, eles tinham várias soluções de nicho. O projeto que temos em andamento hoje é para ter tudo em soluções SAP. Por quê? Porque eles querem ter uma visão de quando acontecer algum erro, como um forecast de vendas, por exemplo, querem uma visibilidade de que componentes da máquina podem ter uma propensão maior de falha

por estresse para acelerar a produção. Nossa visão é que só dá para você fazer isso se tiver todas as informações dentro da mesma plataforma. Esse tipo de situação a gente tem visto mais, empresas tentando integrar mais processos dentro do sistema SAP. Esse é um desafio também muito grande para cooperativas, formadas por milhares de produtores, às vezes espalhados por grandes regiões. Para elas, relacionamento com os produtores é uma parte importante da rotina e dos negócios. As cooperativas têm uma participação muito grande no agronegócio brasileiro e o que a gente tem buscado bastante com elas é tratar o produtor, o cooperado, como um cliente. Neste sentido, a gente tem um bom exemplo na Coopercitrus. A gente se aproximou muito da Coopercitrus nos últimos anos e eu me impressionei muito com o que eles têm feito com os cooperados, tratando-os literalmente como clientes. O foco da cooperativa é muito voltado para o produtor e ela tem trabalhado em várias soluções tecnológicas para atender melhor o cooperado, para entender o que o cooperado está pensando e até direcionar os negócios para saber como atender melhor. Não é à toa que tem crescido tanto, é uma das cooperativas com a maior quantidade de cooperados no Brasil. O cooperado é ao mesmo tempo cliente e sócio da cooperativa. PLANT PROJECT Nº20

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Com Rafael Okuda

Ela tem que apresentar os resultados, ter um modelo de transparência e governança muito sólido, porque está tratando, ao mesmo tempo, o mesmo personagem em dois momentos do negócio da cooperativa. Exato. Não vejo como tratar de outra forma. O cooperado é de fato o cliente e também é o dono da empresa. Nesta economia da experiência que vivemos hoje, é preciso saber não só atender melhor o cliente que vai ao supermercado, à gôndola e efetua a compra de um determinado alimento, mas também ao cooperado. Saber como atender melhor, como responder mais rápido. A SAP tem falado muito do conceito da economia da experiência. Gostaria que você explicasse um pouco melhor o que é que muda nessa ideia em um momento em que estamos com uma mobilidade mais restrita. Hoje temos algumas soluções para ajudar as empresas neste sentido, saber o que o cliente pensa. Hoje quem manda é o cliente. Pensando em alimentos, por exemplo, a gente vê essa vertente de segurança da alimentação, alimentos orgânicos, saber de onde vêm os alimentos. Saber o que o cliente está pensando, o que ele está querendo, qual é o novo movimento que está acontecendo é vital para as empresas conseguirem tomar decisões assertivas. Hoje nós temos algumas soluções que ajudam as corporações a captar este sentimento em for82

“A informação de rastreabilidade precisa permear toda a cadeia e estar disponível em tempo real. Ter todas essas informações dentro da mesma plataforma é um ganho muito grande.”

ma de dashboard, com uma estrutura mais analítica, para tratarem este dado e saberem que decisão tomar na hora correta. A indústria de alimentos tem de olhar um pouco mais esse desejo do consumidor final, a mudança de comportamento do consumidor final. Hoje vocês conseguem oferecer para essas empresas uma solução que enxergue a informação de rastreabilidade na cadeia como um todo? Sim, claro! Conseguimos agregar muito. A informação de rastreabilidade precisa permear toda a cadeia e estar disponível em tempo real. Ter todas essas informações dentro da mesma plataforma é um ganho muito grande. As nossas soluções de supply chain conseguem atender uma empresa de agronegócio e alimentos de ponta a ponta. Qual é a sua visão para o agronegócio em um futuro breve?

O futuro do setor está baseado no que já discutimos sobre dados, informação, a forma como transformamos dados em informação. Vamos cada vez mais coletar efetivamente esses inputs – da ponta, de sensores ou de componentes –, de como você está moendo a cana, por exemplo, ou quão efetivo é o processo de colheita e armazenamento da soja. E depois trazer esses dados para conseguir tomar uma decisão com mais informação, com mais capacidade analítica. Acho que essa é a vertente principal do que está acontecendo hoje. Sabidamente precisamos produzir mais alimentos para os próximos anos. A demanda de alimentos é crescente, e a tendência é que, se não tivermos mais tecnologia, não vamos conseguir atender esta demanda. Então, trabalhar com mais informação para você ter mais performance dentro do mesmo espaço é o que temos visto, é onde as empresas estão atuando mais neste momento.


No novo cenário, soluções de agricultura e pecuária de precisão tendem a ser mais valorizadas

Fo FORU M

Foto: Shutterstock

Ideias e debates com credibilidade

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O Cisne Negro e as Agtechs RICARDO CAMPO Coordenador de inovação da Raízene gestor do Pulse Hub

Economistas e o mercado financeiro definem como Cisnes Negros os eventos socioeconômicos impossíveis de serem previstos, que causam grande impacto no ambiente em que ocorrem e com consequências que ficam registradas ao longo da história. Apesar de considerados como raros, no período contemporâneo já vivenciamos alguns desses acontecimentos com o nascimento da internet, os atentados de 11 de setembro de 2001 e o referendo do Brexit, no Reino Unido. E o que dizer do coronavírus? Ainda está difícil de compreender. Para o investidor e estudioso Nassim Taleb*, que consolidou o conceito no livro A lógica do Cisne Negro: o impacto do altamente improvável, nesse tipo de evento há três características altamente improváveis: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência, criamos meios de torná-lo menos aleatório e mais explicável. Ao procurar explicação e formas de combater esse tipo de cenário, lançamos mão de recursos como pesquisa e cooperação público-privada, que aceleram a criação de novas tecnologias e tiram a inovação do papel para salvar vidas e apoiar a continuidade de setores, como o do agronegócio, que não vai parar. O agro é resiliente por natureza. O “couro grosso” é de ter que lidar com as incertezas do clima, do mercado e, de certa forma, estar habituado a enfrentar novas pragas com capacidade letal para devastar comunidades rurais em curto espaço de tempo. Mas, assim como outros segmentos, já sente o impacto desse momento sensível da economia mundial. Isso porque o que vivemos hoje com a Covid-19 é algo de diferentes proporções pelo impacto econômico, social e psicológico, colocando vidas humanas em risco em todos os elos da cadeia produ84

tiva. É o Cisne Negro batendo as asas. Na crise, uma transformação Na essência da atividade agropecuária, as lavouras e rebanhos são ativos biológicos que seguirão seu curso de vida independentemente do período de quarentena. Por mais que estejamos em isolamento por recomendação dos órgãos de saúde, o “confinamento” aqui também diz respeito aos plantéis de criação em alta produtividade para geração de proteínas e outros produtos essenciais para a nossa alimentação. O setor demanda atenção 24/7 e a continuidade de suas atividades será estratégica para manter o Brasil e outros países abastecidos. Essas características por si sós já mostram a oportunidade da adoção de tecnologias para melhorar a produção e preservar o capital humano em meio à crise. Se por um lado as ferramentas para trabalho à distância, telemedicina e delivery sejam objeto de maior procura nas cidades, no campo a transformação digital poderá ser acelerada em menor tempo com inovações que ajudem na gestão remota, controle financeiro e uso racional de insumos. Soluções de agricultura e pecuária de precisão tendem a ser mais bem valorizadas quando a situação requer análise do custo na vírgula, mas há todo um pacote de outras novidades que podem trazer ganhos no curto e no longo prazo: - Drones para imageamento, pulverização de defensivos e liberação de agentes biológicos; - Visão computacional e inteligência artificial para reconhecimento de daninhas, pragas e doenças; - Modelagem, estações meteorológicas e plataformas de previsão climática; - Digitalização do acesso ao crédito, transações financeiras e rating socioambiental;


Fo - Marketplace para compra e venda de produtos técnicos, serviços e commodities; - Telemetria para análise de dados agronômicos e automotivos de maquinários; - Tags para rastreamento de ativos e implementos agrícolas; - Sensores e algoritmos para criação de zonas de manejo e aplicação de insumos em taxa variada; - Treinamento de operadores à distância com realidade virtual e aumentada. Com diversas aplicações, as agtechs – empresas de base tecnológica com foco no agro – otimizam rotinas operacionais, auxiliam em redução de custos e melhores tomadas de decisão. Também contribuem para uma produção ambientalmente mais precisa e melhor uso de recursos naturais. Em tempos difíceis, isso pode representar um diferencial para a gestão do negócio e melhores negociações, no caso de commodities certificadas. Mesmo com as já conhecidas barreiras estruturais para a disseminação de inovações em nosso país, como o baixo volume de investimentos em centros de pesquisa e a falta de conectividade nas grandes áreas produtivas, as agtechs têm provado que são capazes de perseverar com capacidade inventiva e validação em campo. Porém, como empresas emergentes, precisam de suporte financeiro de investidores e empresas dispostas a abrir suas porteiras para projetos piloto, mentorias e contratações. “Cash is king”, assim

A safra das safras IRINEU GUARNIER FILHO Jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE)

Na Serra Gaúcha, principal região produtora de vinhos finos do país, o clima sempre esteve mais para Bordeaux do que para Mendoza. Se, no deserto

toda ajuda para manter a operação das startups rodando nesse momento será importante para o desenvolvimento de tecnologias que podem beneficiar a todo o setor. Mais fortes, mais tecnificados Assim como na medicina há o risco/benefício de se testar novos métodos e tratamentos, para provar a pílula do novo conhecimento que vem das startups é preciso arriscar. O risco de testar e aprender rápido, com maior tolerância ao erro desde que disso resultem melhores processos e resultados, é um jeito de pensar comum no ecossistema de inovação, mas ainda pouco praticado no meio rural. Produtores com suas lavouras, agtechs com invenções. Cada um com suas angústias e convicções, mas ambos empreendedores engajados em produzir mais e melhores alimentos. Uma parceria tecnológica, onde o sucesso será consequência da relação de pessoas lidando com pessoas, com aprendizado prático, na base da confiança e cooperação. É o “crer para ver”, ao invés do “ver para acreditar”. Nesse momento desafiador e cheio de adversidade, que todos possamos colher os benefícios da tecnologia em vida e renovar a esperança no poder da humanidade!

*Nassim Taleb também é autor do livro Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos

seco argentino de Mendoza, irrigado pelo degelo da Cordilheira dos Andes, quase todas as safras vitivinícolas são ótimas, em regiões como o Vale dos Vinhedos a qualidade da vindima pode variar bastante de um ano para outro, dependendo, principalmente, do regime de chuvas e da disponibilidade de luz solar - como na França. Em anos de pouca chuva e condições meteorológicas favoráveis, como os de 1991, 2005 ou 2018, o Rio Grande do Sul teve safras excepcionais, que são lembradas com devoção por quem aprecia vinho brasileiro. Mas, ao que tudo indica, a safra de 2020 tem tudo para entrar para a história como a melhor já colhida. Depois de um inverno bastante frio, que beneficiou a dormência das videiras, choveu pouco no verão gaúcho. Por causa da escassez de água (draPLANT PROJECT Nº20

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Fo mática para as culturas de milho e soja do estado), a produção de uvas foi menor do que o normal, mas os cachos colhidos resultaram mais saudáveis e concentrados - o que é desejável para o vinho. “Estamos diante da safra das safras”, festeja o enólogo Daniel Salvador, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE). E completa: “Esta vindima foi bela, uma escultura, um monumento que a natureza nos deu. Este ano, a mãe natureza fez a sua parte de forma esplêndida”. Importante lembrar que a a alta qualidade da safra não se restringe à Serra Gaúcha. Vinhateiros de outras regiões vinícolas do estado, como a Campanha e os Campos de Cima da Serra, confirmam as palavras de Salvador. O professor Eduardo Giovaninni, que elabora vinhos autorais em sua vinícola Quinta Barroca da Tília, em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, também considera a safra 2020 excepcional. “O que define a qualidade da uva (medida pelo teor de açúcares e sanidade) é a relação de horas de sol dividida por milímetros de chuva entre o começo da coloração e a colheita. É uma estimativa meio grosseira, mas ajuda, e foi criada há décadas pelo professor Sérgio Westphalen observando dados climáticos e de composição da uva no estado e em vários anos na Serra Gaúcha. Toda vez que este índice ficava acima de 2, se tinha uva ótima. Não vi os dados deste ano, mas pode ter dado acima de 10 em algumas regiões, o que seria, de fato, excelente, e talvez a me-

Injeção de ânimo MARCO RIPOLI

Ph.D. Engenheiro Agrônomo e Mestre em Máquinas Agrícolas pela Esalq-USP e Doutor em Energia na Agricultura pela Unesp, executivo, disruptor, multiempreendedor, inovador e mentor. Proprietário da Bioenergy Consultoria e investidor em empresas

O agronegócio brasileiro mais uma vez encontra oportunidades em momentos de crise de saúde e econômica mundial. A cadeia de valor 86

lhor safra registrada.” Para o vinhateiro, a despeito da primavera chuvosa, que atrapalhou um pouco, “de dezembro em diante tivemos clima mediterrâneo: muito sol, calor e noites amenas. Esta combinação é o que a uva precisa para bem amadurecer.” Outro produtor de vinhos autorais, o gaúcho James Martini Carl, que teve recentemente o seu espumante Bigorna da Sapiência contemplado com 92 pontos no prestigioso guia sul-americano Descorchados, também acredita no potencial extraordinário da última safra. “Em razão do período seco durante a maturação das uvas, tivemos maior concentração de açúcar, casca mais grossa e aumento de polifenóis, e isso vai se refletir nos vinhos. Perdemos um terço da produção de uvas, mas a qualidade da fruta é impressionante.” Matéria-prima de qualidade é a base de qualquer bom vinho. Há um ditado que diz que o enólogo até pode fazer vinho ruim com uva boa, mas jamais fará um bom vinho com uva ruim. Como a natureza colaborou, os vinhos da safra 2020, que começarão a chegar ao mercado ainda este ano (espumantes, brancos e tintos leves) e pelos próximos dois anos (tintos mais encorpados e longevos), já deverão confirmar as expectativas otimistas do setor. Seguramente, teremos vinhos com maior teor alcoólico, mais cor, mais taninos e aromas mais complexos tudo o que qualquer enófilo deseja. Um brinde, portanto, à safra 2020!

vem mostrando sua grandeza, mesmo sofrendo constantes ataques e menosprezo de elementos da sociedade e entidades chulas. Lembro que em nenhuma ocasião faltaram alimentos nas gôndolas dos mercados, como muito se falou, e o setor continua trazendo divisas para a nação. Resgatamos nossos valores e credibilidade! Mostramos que os produtos “Made in Brazil” são confiáveis e que temos a capacidade de abastecer o mundo! Escutamos semanalmente notícias de países assinando novos contratos de compra de produtos brasileiros, como carne, por exemplo. É hora de vendermos mais e começarmos a colocar algumas novas regras no jogo do trade mundial. Me perguntam sobre a retomada econômica e como ela está ligada à pandemia. Bom, hoje esta-


Fo mos todos no mesmo barco e a resposta é um tanto óbvia: quanto antes saírmos da pandemia, mais rápido será a retomada. Porém isso deve acontecer de forma calculada! Para mim, apenas em 2021 o mundo retoma... Uma das campanhas que venho apoiando é o aumento do consumo do etanol hidratado para abastecimento da frota de carros flex. O setor sucroalcooleiro vem sofrendo sua maior crise, com custos de produção mais altos que os preços nas bombas. Ninguém aguenta! Por hora, esqueça a paridade da bomba de gasolina e abasteça com o produto nacional, não ligado ao petróleo, limpo, renovável e que emprega centenas de milhares de profissionais. De acordo com recente anúncio do Ministério da Agricultura, o VBP 2020 (Valor Bruto da Produção) do agronegócio estimado para este ano será próximo a US$ 690 bilhões, 7,6% acima do valor de 2019. O produtor rural está a mil e pode ir mais rápido e longe se pudermos antecipar o Plano Safra em dois meses, no início de maio. O Agro está trabalhando firme e precisa ter confiança e previsibilidade do apoio financeiro para comprar seus insumos, pois com isso no ano que vem ele vai plantar e colher mais ainda. Ainda falta o reconhecimento por tudo o que se vem fazendo ao País! A título de informação, nos últimos dez anos o setor agropecuário gerou um superávit de US$ 1 trilhão, valor este equivalente a três vezes as reservas cambiais do Brasil. Mesmo assim, ainda está muito difícil conseguir recursos financeiros, pois a disposição de entidades para emprestarem está cada vez menor. Com muitas das indústrias mundiais em dificuldade e economias colapsando, o local onde se encontram oportunidades no curto prazo para investimentos é no agro! Outro exemplo é o boom das agfoodtechs, que cada vez mais vêm trazendo novas soluções, maneiras, ideias para um novo normal. A digitalização do agro ia de fato acontecer, porém ninguém esperava e estava preparado para que fosse de maneira tão rápida e “goela abaixo”! Vamos tirar proveito disso. Volto a tocar no tema da conectividade rural, que se torna essencial para poder dar movimento ao motor da inovação e aplicação destas novas tecnologias, principalmente nas áreas menos ou não assistidas por coberturas de operadores de celulares. Menos de 2% do País tem algum tipo de

cobertura de celular... Não dá para acreditar. É hora de o produtor rural investir o que puder em sua propriedade, tendo em vista que vai colher uma supersafra este ano. Com o dólar compensando as quedas dos preços em Chicago (CBOT), os fertilizantes derivados do petróleo estão 20% mais baratos que no ano passado. Outros insumos também se beneficiam. Para o que vem pela frente, a sugestão é: • Proteja o seu caixa e não pegue dinheiro nos bancos. • Pague todos os seus compromissos financeiros e proteja seu crédito. • Invista no seu próprio negócio. • Pratique solidariedade! O Brasil já é líder na agricultura tropical, passamos de importadores de alimentos, equipamentos e tecnologias para fornecedores mundiais, graças ao trabalho árduo de todos os envolvidos e entidades como a Embrapa. Amanhã, iremos utilizar tudo o que aprendemos no desenvolvimento e ajuda de novos países, como no continente africano. O agro é essencial. Vírus se combate com anticorpos. Saúde se ganha com alimentos! Que bom ser brasileiro, que bom ser agricultor! O agro não para! PLANT PROJECT Nº20

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Horta cultivada na cidade de São Paulo (SP): Agricultura urbana gera renda e desenvolvimento social e contribui para a preservação ambiental da capital paulista

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As regiões produtoras do mundo

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As regiĂľes produtoras do mundo

Terrenos como os utilizados pela rede de transmissĂŁo de energia podem se transformar em canteiros produtivos e reduzir os riscos de invasĂŁo e uso indevido 90


METRÓPOLE AGRÍCOLA A pressão por sustentabilidade ambiental, econômica e social tem nutrido o avanço da agricultura em São Paulo. Cerca de 30% do território da maior cidade da América do Sul já é composto por regiões rurais e de agricultura urbana

foto: Divulgação - Cidades sem fome

Por Romualdo Venâncio

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foto: Divulgação

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oda quinta-feira um grupo de moradores de um mesmo prédio no Mandaqui, bairro da zona norte da capital paulista, recebe uma lista de ofertas com verduras, legumes e frutas e o preço de cada item. A mensagem encaminhada via WhatsApp vai ainda com uma planilha de Excel, em que cada uma dessas pessoas anota o que quer e em qual quantidade. O pedido é preparado na manhã do dia seguinte, no bairro de São Mateus, na zona leste da cidade, a cerca de 25 quilômetros de distância, e enviado por meio de serviço de transporte por aplicativo. Todos esses alimentos são cultivados nas hortas urbanas da organização não governamental Cidades Sem Fome, um dos diversos projetos agrícolas desenvolvidos na maior metrópole da América do Sul, seja em áreas mais afastadas, seja em pontos nobres ou turísticos. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho da Prefeitura de São Paulo, quase 30% do território da cidade é composto por regiões rurais e de agricultura urbana, ou seja, algo próximo de 450 quilômetros quadrados, ou, como

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se diz no campo, 45 mil hectares. A Cidades Sem Fome surgiu há cerca de 14 anos, com o intuito de aproveitar espaços urbanos para produzir alimentos e, assim, gerar oportunidade de trabalho, renda e novas possibilidades de negócios às pessoas que mais necessitam. “Quando eu atuava na iniciativa privada, fui para a Alemanha fazer uma especialização e vi que lá cada metro quadrado é aproveitado”, conta Hans Dieter Temp, fundador e coordenador de projetos da ONG. “Mesmo não tendo um problema de segurança alimentar, eles usam as áreas para cultivar alimentos, flores ou até para socialização, para as pessoas passearem e aproveitarem.” Não foi difícil imaginar o impacto que aquele modelo teria em uma cidade como São Paulo, com tantos espaços urbanos e prédios disponíveis, tantas pessoas necessitando de trabalho e um mercado consumidor gigante – o IBGE estima que a população paulistana passe de 12,2 milhões de habitantes. O projeto conta hoje com 28 hortas urbanas, a maior parte instalada em pequenos espaços e já avançando de maneira mais independente, apenas


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com um eventual atendimento técnico. A principal unidade está em um terreno de 8,5 mil metros quadrados pertencente à Enel, a companhia distribuidora de energia elétrica que atende a cidade. Segundo Hans, toda a área é aproveitada, e isso representa um ganho coletivo bastante significativo. Do ponto de vista do agronegócio, a diversidade de produtos é um destaque: ali são cultivados, em sistema de agricultura orgânica, diferentes tipos de alface, agrião, couve, rúcula, repolho, manjericão, salsa, tomate, cenoura, entre tantos outros itens. Em relação à sustentabilidade, o uso da água é um grande diferencial. A irrigação de todos os canteiros, feita por cintas de gotejamento, é abastecida quase que totalmente com água de chuva, captada e armazenada em cisternas. A capacidade total de estoque é de 60 mil litros. “Somos quase autossuficientes, apenas quando passa muito tempo sem chover e as cisternas não enchem é que usamos água da Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo], mas a ideia é não precisar usar”, diz Hans. O objetivo é otimizar ainda mais o aproveitamento do espaço e dos recursos. “Queremos aproveitar também a água dos telhados vizinhos, temos um projeto de plantio vertical para os muros e queremos desenvolver outro de abelhas sem ferrão”,

afirma o fundador da Cidades Sem fome.

QUEM GANHA COM ISSO A liberação do terreno da Enel, ou de qualquer outra empresa, para a ONG é feita por meio de um contrato de comodato, após a apresentação de uma proposta convincente. É preciso mostrar claramente as vantagens e a segurança da inserção de uma nova atividade naquele espaço, pois há regras bem específicas para se trabalhar naquele lugar. Hans comenta que um fator bastante atrativo é a redução, ou até a eliminação, do custo de manutenção do local – geralmente altíssimo. “Essas empresas sofrem grande pressão de invasões e construções irregulares no terreno. Ainda mais diante de crises econômicas. Quando a área está ocupada e há outra atividade no lugar, esse risco diminui”, afirma. Projetos como o Cidades Sem Fome ainda beneficiam a saúde pública. Hans conta que as linhas de transmissão instaladas no terreno chegaram antes das casas que estão ao redor, e com a construção dessas residências o lugar acabou sendo usado indevidamente como depósito de entulho. Sem a manutenção da área, o mato também toma conta e favorece a infestação por pragas, inclusive o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue e chikungunya e do Zika vírus. “Quando chegamos, o mato

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O projeto Cidades Sem Fome abastece desde o varejo local até grandes empresas de refeição coletiva

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Sérgio Nagai e a horta cultivada no telhado do Shopping Eldorado: toda a produção é distribuída aos funcionários

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alcançava 2 metros de altura e nem me lembro quantas caçambas de entulho tiramos daqui. A implantação das hortas acaba sendo uma proteção para quem mora ao redor. É como se fizéssemos uma zeladoria do terreno”, explica Hans. “Torna-se um processo de revitalização, o que era um passivo para a comunidade e para o município vira um lugar de socialização.” Para quem trabalha nessas hortas, a remuneração é o principal benefício, mas não o único. Há o aprendizado de uma nova atividade profissional, ou o aprimoramento, pois muita gente migrou de áreas agrícolas em outras regiões do País. Além da melhoria da autoestima e do alimento que levam para casa. Por se tratar de um projeto maior, fundamentado em uma gestão profissional, a ONG tem melhores condições de abrir canais de comercialização, o que é sempre um obstáculo para as hortas urbanas ou comunitárias, criando oportunidades para parcerias com pequenos produtores das proximidades. A ideia de Hans é mesmo estabelecer um forte hub agrícola no bairro. “Queremos transformar São Mateus em uma referência de agricultura urbana”, afirma. Essa visão e a estruturação empresarial, somadas à escala de produção mais ampla, é que permitem à organização fechar contratos de fornecimento também com

grandes companhias, a exemplo da Sodexo. O grande desafio é conseguir recursos financeiros para manter a estrutura, pois o faturamento com a comercialização dos produtos ainda não é suficiente para cobrir o custo mensal dessa estrutura principal, próximo de R$ 25 mil. “Nossa meta é chegar à autossuficiência financeira, pagando todos os custos. Ainda não é assim porque temos algumas tecnologias mais caras”, explica Hans. A trajetória para a conquista de patrocinadores é semelhante à da liberação para o uso do terreno: é preciso apresentar uma proposta comercial vantajosa, com todos os índices favoráveis, mostrar quantas pessoas serão beneficiadas e como. “Antes de começar o projeto, a gente busca recursos nos mercados interno e externo para bancar os custos por pelo menos um ano”, diz o gestor. Entre os argumentos para atrair investidores está o retorno em relação à imagem da empresa, sobretudo pelo espaço de mídia espontânea que o projeto tem conquistado. “O Cidades Sem Fome é hoje uma estratégia de marketing muito barata para quem nos apoia. Temos aparecido em muitos veículos de comunicação de alcance nacional. E ainda que as reportagens não citem os nomes dos apoiadores, fazemos depois nossa divulgação desse material com os devidos créditos.”


foto: Divulgação

foto: Divulgação

Hans explica que seu objetivo maior é que o modelo de negócio da Cidades Sem Fome se torne uma referência, um exemplo que possa ser replicado não só em São Paulo, mas também por todo o Brasil, e favoreça milhares de pessoas. “Mas, assim como acontece no agronegócio profissional, é preciso contar com políticas públicas de cidades, estados e da própria União, com linhas de financiamento para maquinário, tecnologia e investimentos e estrutura de apoio à comercialização”, analisa.

HORTA NO TELHADO Outra iniciativa que se tornou referência foi implantada no Shopping Eldorado, localizado no bairro de Pinheiros, zona oeste da cidade. O Projeto Telhado Verde começou em 2012, em uma área de 10 metros quadrados, e hoje se espalha pelos 6 mil metros quadrados de todo o telhado, onde são cultivadas diferentes espécies de verduras e legumes, como alface, berinjela, abóbora e tomate, além de flores, e conta com uma usina de compostagem. O investimento para a instalação desse projeto, como está hoje, está entre R$ 200 mil e R$ 250

mil, sendo que a maior parte desses recursos foi mesmo para a composteira. “Não é um investimento gigante, pois o retorno do ambientalmente correto é muito grande, transformamos lixo em composto para fazer a horta”, diz Sérgio Nagai, superintendente do Shopping Eldorado. “E o maior ganho é a mudança de cultura dos nossos funcionários. É comum as pessoas acharem que após jogarem o lixo fora o problema não é mais delas.” O passo inicial do Telhado Verde foi exatamente resolver um problema de transporte de lixo e falta de reciclagem dos resíduos orgânicos. A meta já era conseguir zerar a emissão de lixo orgânico do shopping. Segundo Sérgio, apenas na praça de alimentação é gerada uma tonelada de resíduos diariamente. “Quando se soma tudo, principalmente os restos dos próprios restaurantes, chegamos a umas 60 toneladas por mês”, acrescenta. Com a infraestrutura atual, é possível processar cerca de 2 toneladas desse lixo por dia, material que em outras condições acabaria indo para um aterro sanitário e seria misturado com todo o resto. PLANT PROJECT Nº20

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Claro, isso tudo antes da situação de pandemia causada pelo coronavírus. O princípio foi bem desafiador. A ideia de reciclar todo o lixo não surtiu o efeito desejado, pois os materiais ainda eram misturados. A triagem realizada pelo pessoal que atuava na praça de alimentação começou a fazer toda a diferença, pois era separado um rico material orgânico. Mais ajustes foram necessários na compostagem, que a princípio utilizava enzimas de aceleração do processo. “Muita coisa deu errado por conta do mau cheiro, passou a juntar insetos. Mas fomos aprendendo no caminho, até que instalamos a usina de compostagem. O equipamento foi construído a partir de uma secadora de fumo que transformamos e adaptamos”, conta Sérgio. Também foi desafiador convencer os funcionários dos benefícios de toda essa mudança. A princípio, os colaboradores viam tudo aquilo apenas como mais trabalho, tarefas extras e que não ganhavam nada com aquilo, não geravam resultados para eles. A virada de chave aconteceu quando chegou o momento da primeira colheita. “Eu os convidei para colherem os alimentos e levarem para suas casas. A produção era para eles. Foi aí que entenderam melhor o valor do projeto, e hoje participam, dão ideias, são entrevistados pelos veículos de

imprensa. Há inclusive, por parte dessas equipes, uma percepção diferente do comportamento das pessoas que frequentam o shopping”, comenta o superintendente, que espera ver esse conceito se multiplicar. O Telhado Verde é o primeiro projeto do Brasil com esse perfil, implementado em um shopping center. “E arrisco a dizer que foi o primeiro no mundo, pois nunca encontrei informações de algo assim antes do nosso”, diz Sérgio, orgulhoso. “Recebemos visitas de muitas pessoas que desejam conhecer para replicar. O objetivo é esse mesmo, queremos que seja multiplicado. Até concorrentes já replicaram nosso modelo, embora não deem o crédito da ideia”, acrescenta, em tom de brincadeira. Esse conceito de compartilhar as informações levou o shopping a criar um serviço de visitas guiadas, que é muito procurado por estudantes de diversos graus de ensino e até já se tornou tese de mestrado. Por ano, o público chega a 1,5 mil pessoas. Tudo isso faz parte de um projeto mais amplo relacionado à sustentabilidade, ambiental e social. O shopping conta com um processo de reciclagem de água de esgoto, que passa por um sistema de tratamento de efluentes e recebe um corante, para evitar o risco de confundir com água potável. A água reciclada é usada em áreas como as torres de ar condicionado e os banheiros. A parceria com uma


MULTIPLICAÇÃO DE IDEIAS Em novembro de 2019, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de São Paulo divulgou a consulta pública para o lançamento do 1º Plano Rural Agroecológico Paulistano. A iniciativa foi feita por meio do Conselho de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, um grupo que conta com 22 membros titulares e 21 suplentes, representantes do poder público e da sociedade civil. O objetivo é promover o desenvolvimento econômico da zona rural da cidade e das áreas urbanas em que há atividade agroecológica, o que vai fortalecer a agricultura e a criação de mais áreas verdes na capital. Esse plano foi elaborado com base em 17 eixos temáticos, que passam por saneamento básico, turismo, cultura, segurança e fiscalização, saúde e proteção, conservação ambiental, ensino e educação, agricultura urbana, geração de renda, regularização,

entre outros, e apresenta proposta de ações a serem aplicadas pelo poder público nos próximos oito anos. Esse Plano Rural poderá, inclusive, revitalizar ações que a prefeitura paulistana já vem realizando com o intuito de multiplicar as possibilidades de evolução da agricultura urbana. É o caso da reformulação do Programa Hortas e Viveiros na Comunidade, que faz parte do Programa Operação Trabalho (POT), uma política pública de reinserção de pessoas em estado de vulnerabilidade econômica no mercado de trabalho nessa área. A troca de informações e a qualificação das pessoas têm sido essencial para tal movimento. Cerca de 300 pessoas já foram beneficiadas pelo Hortas e Viveiros na Comunidade, por meio de apoio e capacitação para que integrem com sucesso projetos de agricultura urbana, conquistando trabalho e renda, e contribuindo para a recuperação de espaços verdes.

Um dos grandes desafios das iniciativas de hortas urbanas é alinhar boas estratégias de comercialização

foto: Romualdo Venâncio

cooperativa de catadores contribui para reduzir o volume de material que pode ser reciclado e todos os custos relacionados, direta ou indiretamente. “Temos aí cerca de 15 pessoas que formam sua renda a partir do resíduo reciclável que retiram do shopping e levam para a cooperativa”, afirma Sérgio, que tem compartilhado toda essa experiência por meio de palestras em universidades e empresas. “Não faz sentido termos um projeto como esse e guardá-lo para nós.”

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Peças de casca de sobreiro usadas para a produção de rolhas: Graças a uma família portuguesa, a cortiça ganha novo status

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A grande feira mundial do estilo e do consumo

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A grande feira mundial do estilo e do consumo

Montado, como é chamado o bosque de sobreiros para a produção, logo após a extração da cortiça: pela lei, o processo só pode se repetir a cada ciclo de nove anos 100


A DINASTIA DA CORTIÇA A trajetória da família Amorim, que em 150 anos transformou a extração das cascas do sobreiro em um império global com atuação em setores que vão dos vinhos às viagens espaciais Por Leonardo Gottems, de Faro (Portugal)

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ortugal não é exatamente uma potência do agronegócio. A terra dos nossos descobridores produz grandes azeites com o fruto de suas oliveiras e é famosa pelos vinhos que resultam da colheita de parreirais espalhados por boa parte do seu território. Uma atividade tão tradicional, relevante e próspera quanto essas, porém, muitas vezes nem é percebida por olhos menos atentos circulando pelas paisagens lusitanas. Aparentemente improdutivos, bosques de sobreiros se espalham por vastas áreas do país, produzindo matéria-prima para uma indústria centenária, bilionária e, de quebra, sustentável: a produção de cortiça. A referência ao material quase

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instantânea nos remete à memória da tradicional e clássica rolha de vinho. No entanto, ao conhecer a Corticeira Amorim, maior produtora mundial do produto, percebemos que o universo em torno dessa atividade é muito mais amplo e rico, e a surpresa é proporcional ao encantamento provocado por essa indústria secular da região mediterrânea ocidental. Dinastia familiar do setor, os Amorim fizeram da cortiça um material nobre e a levaram para muito além das vinícolas. E, ao completar 150 anos, a empresa foi a responsável pelo renascimento de todo o setor, que há poucas décadas parecia condenado à extinção. Na virada do milênio, por exemplo, houve uma grande campanha contra o uso de rolha natural, que chegou a perder um terço do mercado para os vedantes sintéticos. Londres, no Reino Unido, foi palco de um “funeral público da cortiça”, que era então acusada de ser predatória e de ameaçar de extinção as árvores de sobreiro (Quercus Suber L.). Como a indústria reagiu? De acordo com a própria Amorim, era o momento de se reinventar, buscando novas aplicações para a matéria-prima. Hoje, essa indústria de ares artesanais passou à vanguarda da sustentabilidade tecnológica, ganhando terreno e recuperando mercado ano após ano (leia quadro na página 107). A história deu uma guinada pelas mãos de António Amorim, atual CEO da Corticeira, um defensor incansável da atividade que definiu a história de sua família.

PIONEIRISMO A saga empresarial dos Amorim começou em 1870, com a fundação do pequeno negócio familiar, uma unidade


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de produção de rolhas para vinho do Porto na localidade de Vila Nova de Gaia, trabalhando cortiça das regiões do Douro e Trás-os-Montes, no Norte de Portugal. A história se conecta com o Brasil em 1915, quando os filhos dos fundadores emigraram para a América do Sul e começaram a levar matéria-prima, estabelecendo no Rio de Janeiro e em São Paulo unidades de produção de rolhas para a indústria local. Foi durante o período compreendido entre os anos 1953 a 1988, porém, que o grupo vivenciou a expansão da sua base industrial e a verticalização do negócio, com o objetivo de alcançar a liderança mundial na produção e exportação. Nessa época Portugal consolidava-se como o maior produtor mundial de matéria-prima para cortiça. Cerca de 80% dessa produção era, no entanto, exportada em estado bruto e transformada em outros países – o que a Amorim conseguiu reverter, seja através de pesquisa e desenvolvimento, tecnologia, compra de maquinário, seja pela aquisição de outras fábricas. Esse período de crescimento culminou com um marco corporativo: a abertura de capital, em 1988, e que trouxe para a companhia os recursos necessários para atravessar fronteiras. A internacionalização avançou e preparou o grupo para o novo milênio. Foi em 2001 que a quarta geração da família, com

António Amorim (então com 34 anos) assumiu o papel de liderança e conduziu a Corticeira Amorim ao TOP 30 das marcas mais valiosas de Portugal pelo prestigiado ranking da consultora OnStrategy/Brand Finance. Para António Amorim, um dos momentos mais emblemáticos dessa fase foi o ano de 1969, “quando a cortiça acompanhou o homem à Lua”. E desde aquela primeira missão tripulada fortaleceu-se a parceria entre a Amorim e as agências espaciais dos Estados Unidos, Nasa, e da União Europeia, ESA, compondo muitas missões espaciais como protetor dos escudos térmicos e placa de revestimento das naves espaciais – provando que não havia limites para a árvore símbolo de Portugal.

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A família Amorim, com o patriarca, António, ao centro: 155 anos de tradição e ousadias

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algo em torno de 25 milhões de rolhas por dia.

Aplicações de cortiça em revestimentos externos, pisos e peças de design: versatilidade do material salvou o império dos Amorim

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MERCADO O país lusitano é hoje o líder em produção de cortiça no mundo, com 34% da área plantada com sobreiros (736.775 hectares), 50% da produção e 75% da transformação global. Portugal é seguido pela vizinha Espanha, com 27% da área (574.248 ha). A seguir aparecem Marrocos, com 18% (383.120 ha) e Argélia, com 11% (230.000 ha). Tunísia, França e Itália dividem outros 10%. Inserida nesse mercado, a Corticeira Amorim ostenta atualmente o status de maior empresa de transformação de cortiça do mundo, com a maior rede de distribuição mundial (51 empresas), 763 milhões de euros de vendas consolidadas (2018) e cerca de 27 mil clientes em mais de 100 países. Aliás, 93% das vendas da empresa são realizadas para fora de Portugal. A gigante da cortiça possui dez unidades de preparação de matéria-prima, 19 unidades industriais, 10 joint ventures e mais de 4 mil colaboradores, incluindo 1,2 mil fora do país de fundação. Tudo isso para produzir nada menos que 5,5 bilhões de rolhas anualmente,

PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL Toda essa produção hoje é reconhecida como um exemplo de sustentabilidade. A principal matéria-prima para a produção de cortiça é a casca do sobreiro, árvore quase onipresente em território português. É uma espécie de vida longa, assim como o seu ciclo produtivo. Um sobreiro demora 25 anos até poder ser descortiçado pela primeira vez. No entanto, é apenas a partir da terceira extração – em aproximadamente 43 anos – que a cortiça alcança a qualidade exigida para a produção de rolhas, passando a ser classificada como “amadia”. Os dois primeiros descortiçamentos, chamados de “virgem” e “secundeira”, são destinados à produção de isolantes, pavimentos e outras indústrias, tais como construção, mobiliário, moda e design, equipamentos esportivos, saúde, produção de energia e aeroespacial. A extração é feita na primavera europeia, entre os meses de maio e agosto. O processo é manual, com o uso de apenas algumas ferramentas – sempre procurando não ferir o tronco. Essa é a época escolhida porque a árvore está em fase de crescimento, e assim tem mais força para se autorregenerar. Um sobreiro pode ser descortiçado por volta de 17 vezes


ao longo da vida útil, que é de dois séculos, em média. Todo o processo é regulado por legislação específica pelo governo português. A cortiça só pode ser retirada de um sobreiro a cada nove anos, prazo estipulado para prevenir que as árvores fiquem danificadas com descortiçamento em excesso. Isso explica uma dúvida frequente dos viajantes ao depararem com as árvores à margem das rodovias. Descascada, a parte do tronco principal é pintada com um número de 0 a 9. Isso indica o último algarismo do ano em que cada sobreiro foi descortiçado. Assim, as equipes de campo saberão quando é o momento de repetir o processo. Uma árvore marcada com um 9, por exemplo, teve sua casca retirada em 2019 e só poderá ser novamente desbastada em 2028.

“A indústria evoluiu muitíssimo”, afirma António Amorim. Mas há um diferencial que se mantém: o conhecimento intrínseco da matéria-prima. “Isso não se alterou, porque há um momento, na compra, onde esse conhecimento vai ser testado. Saber avaliar e classificar uma cortiça está absolutamente inalterado ao longo de todos esses anos, é perene”, afirma com autoridade. O CEO da Corticeira Amorim defende com ardor os diferenciais de seu produto, o fato de ser um material ecológico e sustentável, 100% natural, renovável, reciclável e reutilizável. Ressalta que a cortiça é, ao mesmo tempo, um isolador acústico e térmico, impermeável a líquidos e gases, elástico e compressível, resiliente, muito leve, resistente a altas temperaturas, retardante de

fogo, hipoalergênico, absorvente de choque, suave e confortável ao toque. Ele vai além e sustenta que o material desempenha um papel crucial no equilíbrio ecológico do planeta. Os bosques de sobreiro abrigam altas taxas de biodiversidade e são retentores naturais de CO2, além de promoverem o equilíbrio do ciclo hidrológico e protegerem o solo contra a erosão, desertificação e até mesmo contra o fogo – devido a sua lenta combustão. Segundo Amorim, a atividade também é economicamente sustentável. Cerca de 100 mil pessoas dependem da produção e fabricação de cortiça natural. Sobreiros podem viver muito, mas não são eternos. E a preservação do negócio exige projetos de longo prazo, cujo resultado será colhido pelas próximas gerações da dinastia Amorim. Um dos movimentos mais estratégicos do grupo atualmente é a “Intervenção Florestal”, iniciativa que pretende plantar 50 mil hectares de sobreiros em dez anos. Esse aumento de 7% da área de plantação permitirá uma expansão de 35% da produção de cortiça. No projeto será utilizada a investigação científica e a biotecnologia, além de ser introduzida a irrigação por gotejamento – tudo para aumentar a resistência da espécie e reduzir o primeiro ciclo de extração de cortiça de 25 para 10 anos. PLANT PROJECT Nº20

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CONEXÃO BRASIL A estratégia de internacionalização é outra que António Amorim mantém entre as prioridades. Ele afirma que o mercado brasileiro, por exemplo, tem uma importância “progressiva, devido ao seu crescente perfil internacional ao nível da produção de vinhos espumosos”. Segundo o presidente do grupo, a Amorim Cork está “firmemente empenhada em apoiar esse desenvolvimento, que cada vez conquista mais consumidores dentro e fora do Brasil”. “Mas não é apenas na área dos vinhos que o Brasil se destaca. Outros segmentos de bebidas têm uma enorme importância nacional e internacional. E, também neste segmento, as nossas rolhas desenhadas e produzidas especificamente para esse tipo de produto com características especiais são parte integrante de uma proposta de qualidade que cada vez mais reforça as exportações brasileiras. A nossa expectativa para o futuro é de um crescimento adicional e de um maior

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reconhecimento da qualidade dos vinhos do Brasil”, projeta. Além das rolhas, a unidade Amorim Cork Composites trabalha em diversos segmentos no mercado brasileiro: calçados, mobiliário, automóveis, energia, home e produtos de design, entre outros. “Ainda neste ano de 2020 queremos entrar na área de construção pesada, com mantas acústicas e pisos esportivos, com o Infill (gramado sintético) e o Corkeen (playground). Também a nossa unidade de flooring, a Amorim Cork Flooring, mantém relações comerciais com o Brasil”, conclui. A Corticeira Amorim, de início familiar e história marcante, chega ao seu século e meio de existência comemorando quatro gerações que souberam empreender e se reinventar em meio a guerras, revoluções sociais, convulsões políticas, crises econômicas, mudanças de consumo e até de paradigmas da humanidade. Tudo isso, claro, preservando ao máximo o vinho nosso de cada dia.


VERSÁTIL E SURPREENDENTE As aplicações da cortiça vão muito além das tradicionais rolhas de vinho, espumante ou mesmo uísque. Graças ao empreendedorismo e à visão de empresas como a Corticeira Amorim, essa rica matéria-prima é atualmente empregada em finalidades tão fundamentais quanto impensáveis. Moda e design são os setores que mais abusam da criatividade ao empregar a cortiça, por exemplo, em roupas, calçados, acessórios e até mesmo joias. Entre as marcas de referência que incluem o material em suas coleções estão Yves Saint Laurent, Prada, Stella McCartney, Dior, Manolo Blahnik, Costume National, Dolce & Gabbana e Gucci. O setor de construção civil foi o primeiro a perceber múltiplas aplicações e tirar proveito das propriedades únicas do produto do sobreiro, que desempenha um papel relevante na construção de pontes e autoestradas, ferrovias, barragens e aeroportos. Pisos de cortiça são um dos elementos mais representativos, porém arquitetos e engenheiros têm encontrado múltiplas funções para esse material ao criar mobiliário, ou usar como junta e vedante, e mesmo em elementos estruturais da construção. Isso sem falar de isolantes térmicos e revestimentos, inclusive externos, em fachadas de prédios e monumentos. Por suas qualidades táteis e olfativas, bem como a facilidade de ser moldada, a cortiça compõe obras icônicas como a Igreja Sagrada Família, em Barcelona, e o Terminal de Cruzeiros de Lisboa. Outro setor que "descobriu” a cortiça foi o automotivo, aplicando o material como suavizador em juntas, seja no cabeçote do motor, seja na caixa

de câmbio. No interior dos veículos, o material é usado na composição da alavanca de marchas, no freio de mão, no volante e no revestimento. A Mercedes, por exemplo, colocou em seu protótipo F700 um tecido de cortiça tão fino quanto o couro. Outras montadoras e construtoras usam o produto nos componentes para interiores de ônibus, trens de alta velocidade e aviões. No mundo esportivo, a cortiça é utilizada na composição dos gramados sintéticos e para potencializar o desempenho de bolas de hóquei, de golfe e de basebol, bases de volantes de badminton, raquetes de tênis de mesa, alvos para dardos, caiaques olímpicos e pranchas de surfe. Através da pesquisa e da ciência, surgem todos os dias novas e surpreendentes utilizações. Na saúde, por exemplo, é usada em adjuvantes de vacinas. Após purificação e separação química, são obtidos compostos com aplicações diversas. Há estudos que indicam o potencial antioxidante e anticancerígeno dos efluentes do processamento da cortiça. Está avançada, ainda, a pesquisa para incluir o elemento, em forma de pó, em produtos cosméticos, graças às suas características hipoalergênicas. Por sua resistência ao choque, o produto está sendo testado também pelos fabricantes de vestimentas de segurança como elemento do colete à prova de balas. A indústria cinematográfica, por sua vez, já descobriu que os finos grãos de cortiça produzem ótimos efeitos especiais visuais nas "explosões”. Parece não haver limites para a versatilidade da cortiça. PLANT PROJECT Nº20

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VOAR É PARA POUCOS Táxi-aéreo desponta como a principal alternativa de transporte aéreo para o agronegócio com a redução dos voos da aviação comercial regular Por Tiago Dupim

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m um país de dimensões continentais e com fronteiras agrícolas distantes milhares de quilômetros umas das outras, o agronegócio precisa de asas. Insumos precisam chegar às fazendas, que não podem parar de produzir e transportar produtos para as grandes cidades. E mais do que nunca, com todos em casa, a logística é fundamental para garantir o abastecimento durante esse período difícil. Nesse caso, os caminhões conseguem cumprir o papel em boa parte das vezes. No entanto, em outras, a única alternativa ainda é por meio aéreo. Principalmente quando falamos do deslocamento de profissionais que estão nessa cadeia produtiva. A circulação de produtores, técnicos e executivos de empresas do setor pelo Brasil era intensa até meados de março passado, quando as restrições à

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circulação de pessoas levaram ao cancelamento maciço de voos em todo o mundo. No Brasil, a aviação civil sofreu um baque. O número de cidades atendidas por operações regulares de companhias aéreas caiu de 106 para 46. Dos 14.781 voos semanais realizados antes da crise, ficaram apenas 1.241 – a preocupação das autoridades brasileiras foi garantir, além da circulação emergencial de pessoas, o transporte de equipamentos e insumos para a área de saúde. Foram mantidos voos em todas as 27 capitais e em mais 19 localidades. Com isso, destinos importantes do agronegócio brasileiro ficaram desassistidos. No Centro-Oeste, por exemplo, foram suspensas as rotas para cidades como Sorriso, Sinop e Alta Floresta, bem no coração da principal região produtora de grãos do País. No Sudeste, fora as capitais, os voos


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estão mantidos, embora em número reduzido, nos aeroportos de Campinas, Montes Claros (polo de produção de banana e limão), Uberlândia (destaca-se na cultura de cana-de-açúcar e gado, além de ser um hub importante para o cerrado mineiro, muito forte em grãos) e São José do Rio Preto (importante na plantação de cana-de-açúcar e laranja). Na região Nordeste, estão mantidas cidades como Juazeiro e Petrolina, que são polos de frutas. Ilhéus, forte na plantação de cacau, também está na lista, junto com Imperatriz, que atende aos produtores de grãos do Matopiba. Quem fica mais desassistida é a região do oeste da Bahia (como Barreiras e Luís Eduardo Magalhães), que se destaca em grãos e algodão. “Nem tudo conseguimos resolver através de videoconferência. Há uma limitação, principalmente quando envolve negociação. Nesse caso é necessário um encontro presencial”, aponta Sergio Pitt, produtor rural que atua no oeste baiano. Pitt relata que viajava ao menos três vezes por mês, utilizando serviços da aviação comercial regular antes da pandemia. Agora, foi obrigado a diminuir a frequência e passou a usar o táxi-aéreo quando necessário. “O impacto é grande”, diz. No Sul, somam-se às três

capitais as cidades de Navegantes, Chapecó, Londrina e Foz do Iguaçu. O Rio Grande do Sul sofreria mais caso não fosse o início do período de entressafra. “Até o final de março estávamos conseguindo operar. Mas agora entraremos num momento de incertezas”, comenta Gabriel Colle, diretor executivo do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola).

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Aeroporto Santos Dumont (RJ) durante a pandemia: portões fechados

NOVOS HÁBITOS Com a pandemia, a tendência é que alguns fazendeiros mudem o estilo de vida depois que tudo passar. Um grande pecuarista do Mato Grosso, que mora em São Paulo e preferiu não se identificar, diz que viajava ao menos uma vez por semana para Cuiabá. Agora, está em casa. “Mesmo quando a pandemia acabar, irei menos para Cuiabá”, confidenciou. Ele se preocupa, no entanto, com o andamento dos projetos que exigem viagens de técnicos e precisaram ser canceladas. Em várias ocasiões, revela, tem buscado orçamentos para fretamento de aeronaves. Com a escassez de voos comerciais, o táxi-aéreo virou uma solução rápida. “Com o cancelamento desses voos da aviação comercial e regional, a tendência é crescer a quantidade de operações no táxi-aéreo. E quem já tem aeronave continuará usando. A conexão aérea segue PLANT PROJECT Nº20

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ininterrupta”, comenta Francisco Lyra, presidente da consultoria C-Fly Aviation e do Instituto Brasileiro de Aviação. Em fazendas ao redor do mundo, os aviões executivos não são um luxo. Mais do que necessidade, funcionam como uma importante ferramenta de trabalho. A maioria daqueles escolhidos para apoiar o agronegócio é capaz de operar nas pistas irregulares que conectam campos e confinamentos, transportando produtores, agrônomos, veterinários e especialistas em culturas para instalações remotas e reuniões a centenas de quilômetros da base. “Acessar lugares remotos e conseguir voltar para casa no mesmo dia acaba sendo um privilégio para esses executivos”, afirma Lyra. Com a diminuição dos voos comerciais, a tendência é que os empresários do agro também procurem mais a aviação executiva para se locomoverem, sobretudo se precisarem pousar em cidades menores. “A nossa expectativa para os meses de maio e junho é registrar um crescimento nesse setor”, comenta Paul Malicki, CEO da Flapper, empresa de aviação executiva sob demanda que oferece reservas por assento e fretamento de aviões para voos charter. Em época de pandemia, o táxi-aéreo leva ainda mais uma 112

vantagem. Tecnicamente, a chance de um viajante da aviação executiva contrair o novo coronavírus é menor do que na aviação comercial. Enquanto um passageiro convencional pode contrair a Covid-19 em diversas fases do processo da viagem, no voo privado isso se resume há apenas cinco: transporte de ida e volta (carro) até o aeroporto, o contato com os agentes do FBO (Fixed Base Operator) ou do hangar executivo (geralmente são dois no embarque e outros dois no desembarque) e, por último, o contato com a tripulação. Hoje, o Brasil conta com uma frota de aproximadamente 12 mil aeronaves privadas. Elas são responsáveis por ligar os mais de 4 mil aeródromos e pistas no Brasil. Dessas, apenas 700 são pavimentadas. Elas estão em cidades pequenas e fazendas, justamente para atender basicamente o setor do agro e o segmento aeromédico. “Com a escassez dos voos comerciais, percebemos um aumento na demanda para esse tipo de voo. Nosso trabalho tem um caráter de personalização. Conseguimos fazer a rota exatamente de acordo com as necessidades do cliente, eliminando imprevistos como atrasos e cancelamentos”, conta Bruna Strambi, diretora superintendente de Manutenção, Fretamento


OS M A I S PR O C U R A DOS Os aviões preferidos para o setor do agro são aqueles capazes de operar em pistas não preparadas (terra ou grama). Mas há também os mais abastados, que fretam jatos executivos de médio ou grande portes e conseguem pousar nas suas pistas particulares. As aeronaves mais utilizadas são: King Air C90GTX: é o modelo mais vendido da consagrada família King Air. É, literalmente, o rei do agribusiness e muito popular na região Centro-Oeste. Esse bimotor turbo-hélice se destaca por operar em pistas curtas e não preparadas. Tem capacidade para até 6 passageiros. Preço: US$ 3,3 milhões Pilatus PC-24: é o primeiro jato capaz de pousar em pistas não pavimentadas. Com um conceito inovador, ele inaugurou a categoria Super Vesatile Jet. Mescla o luxo e a sofisticação de um jato executivo com a versatilidade e a flexibilidade de um turbohélice. Pode acomodar até 8 pessoas e tem um grande espaço para bagagem. Preço: US$ 8,9 milhões

TBM 850: é um monomotor turbo-hélice francês de alto desempenho, com capacidade para um piloto e mais 5 passageiros. Destaca-se pela manutenção relativamente rápida e barata. Preço: US$ 3,1 milhões. HondaJet Elite: é o jato mais vendido da sua categoria. Pode acomodar até 6 passageiros. Esta versão vem com um pacote de melhorias, que inclui um alcance estendido de 17% em relação ao modelo anterior. Preço: US$ 5,3 milhões. Grand Caravan EX: é um dos turbo-hélices mais famosos do mundo. Pode pousar e decolar de pistas curtas (apenas 426 m) e não preparadas. Acomoda até 9 passageiros e é muito utilizado também no transporte de cargas. Preço: US$ 4 milhões.

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e Gerenciamento de Aeronaves da Líder Aviação. A unidade de fretamento e gerenciamento de aeronaves da empresa mineira conta com 19 aviões e 5 helicópteros. “O agronegócio é um setor muito importante para o fretamento executivo da Líder. Temos até mesmo contratos de aeronaves destinadas a algumas empresas que realizam o transporte dos funcionários diariamente”, revela Bruna. De forma geral, a empresa mineira experimentou um crescimento de 12% em número de cotação. O valor médio hoje de um voo executivo com a Flapper, por exemplo, é R$ 25 mil por voo para um avião de seis a oito lugares entre capitais do Sudeste. No agronegócio, por serem rotas geralmente mais longas, o preço fica um pouco mais salgado. Um voo com aeronaves semelhantes, ligando São Paulo a Sinop, por exemplo, custa em torno de R$ 50 mil. Segundo Malicki, o segmento representa entre 5 e 10% nos negócios da empresa. “Em março, tivemos uma alta de 12% nos pedidos de voos fretados no mercado doméstico. Observamos um movimento interessante entre pessoas que moram nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, indo para as suas fazendas. São vários pedidos também para Goiás e o interior de São Paulo”, revela Malicki. 114

O turbohélice Grand Caravan, o jato Honda Jet e o interior do King Air C90: favoritos no agro


Detalhe do acabamento na produção artesanal de tambores: Esse processo, que faz com que cada peça seja exclusiva, se tornou uma marca do Instituto Tambor

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foto: Dantas/SEC foto: Michael Gabriel Quintão

Um campo para o melhor da cultura

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Um campo para o melhor da cultura

Luiz "Poeira" descobriu na capoeira a paixĂŁo pelos instrumentos de percussĂŁo, sentimento que foi lapidado pelo talento 116


O TEMPLO DA BATIDA PERFEITA Da zona oeste da cidade de São Paulo para o mundo, o Instituto Tambor transforma madeira e couros em tambores cobiçados até mesmo por astros do rock internacional Por Romualdo Venâncio | Fotos Gabriel Quintão

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passagem de Roger Waters pelo Brasil no final de 2018, com sua turnê Us + Them, foi mais marcante do que se imaginava. As apresentações do baixista, vocalista e um dos fundadores do Pink Floyd – uma das bandas mais importantes do rock mundial – sempre surpreendem por conta da qualidade musical, da tecnologia audiovisual e até do posicionamento político do artista. Na cidade de São Paulo, por exemplo, às vésperas de uma eleição presidencial, ele conseguiu, em certos momentos do show, dividir o público de mais de 45 mil pessoas entre aplausos e vaias. Está mesmo na essência da arte ir além do entretenimento, em várias direções, e quebrar barreiras, inclusive socioculturais. A vinda de Roger Waters à capital paulista foi até uma oportunidade de conectar o bom e velho rock’n’roll com a cultura afro-brasileira. O baterista Joey Waronker e a vocalista Jess Wolfe, que estavam com Waters naquela turnê, foram à Vila Sônia, na zona oeste da cidade, acompanhados do percussionista Bruno Buarque, para conhecer o Instituto Tambor, uma referência brasileira, e até internacional, na fabricação artesanal de instrumentos de percussão. Waronker já sabia da existência do

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Instituto Tambor pelo percussionista brasileiro Mauro Refosco, seu parceiro em outra banda, a Atoms for Peace, que conta ainda com o vocalista Thom Yorke (Radiohead) e o baixista Flea (Red Hot Chilli Peppers). Não por acaso, Refosco tem peças personalizadas em seu set de instrumentos. “Dá para sentir o carinho e o amor com que esses instrumentos são feitos, e isso reflete no som, com qualidade superior, e na música”, diz ele, descrevendo o trabalho de Luiz do Nascimento Camargo, ou Luiz “Poeira”, como é conhecido o artista que assina cada peça fabricada no Instituto, fundado por ele em 2008. Waronker também ficou deslumbrado ao conhecer o lugar: “Há um trabalho incrível sendo feito aqui”. Refosco, que mora nos Estados Unidos e toca percussão também com o Red Hot Chilli Peppers, aproveitou a turnê do grupo californiano pelo Brasil em novembro de 2013 para visitar Luiz Poeira e retirar os tambores que encomendara meses antes. O artesão só não esperava pelas companhias do percussionista. Refosco chegou ao Instituto com o baterista Chad Smith e o guitarrista Josh Klinghoffer. Se foi uma surpresa para o anfitrião, mais ainda para as visitas. “Pela agenda deles, só poderiam


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A criatividade e a paciência do artesão foram essenciais para ampliar a diversidade de peças

ficar por 15 minutos. Mas quando a assessoria avisou que faltavam cinco minutos, o Chad disse para cancelarem o compromisso seguinte”, conta Luiz Poeira. Chad Smith ficou mesmo muito impressionado. “Se eu pudesse compraria todos os instrumentos e levaria para Hollywood. São verdadeiras obras de arte feitas com conhecimento, amor e criatividade”, comentou o baterista. RESPEITO ÀS ORIGENS Uma visita ao Instituto Tambor traz mesmo a sensação de estar em um templo da cultura africana. Quando se entra na sala onde estão expostos os tambores, o showroom, o tempo parece parar, mesmo que por alguns segundos, pela mistura de formas, cores e detalhes dos instrumentos. E pelas histórias entalhadas por Luiz Poeira. Além disso, há uma fina sintonia entre a tranquilidade do espaço e a forma serena do artista, que é muito paciente e atencioso. Essa característica explica um pouco o respeito conquistado junto a percussionistas dos mais diversos segmentos culturais, pois a compreensão ao ouvir cada um dos clientes traduz com fidelidade aquela demanda em um instrumento único. O fato de sempre entregar uma peça personalizada, adequada ao perfil e à maneira de tocar de cada músico, garante a Poeira ter em

sua lista de clientes, além do Bruno Buarque e do Mauro Refosco, nomes como Ari Colares, mestre Gabi Guedes, Luiz Guello, Mônica Salmaso e Maurício Badé. A fabricação artesanal, instrumento por instrumento, sem entrar na produção em série, foi uma opção de Luiz desde o início. Ainda que isso torne o processo todo mais lento, sempre acreditou que seria a melhor maneira de valorizar seu trabalho. “Quando você produz em série para fornecer às lojas de instrumentos, por exemplo, pagam pouco por suas peças e depois vendem por um valor três ou quatro vezes maior”, comenta. Um atabaque mais sofisticado, com madeira nobre, customizado, pode levar até 20 dias para ficar pronto, mas dependendo da lista de espera, a entrega pode levar de três a cinco meses. É por essa razão também que Poeira não produz comercialmente os instrumentos que aprendeu a construir quando esteve na África. Como o krin, fabricado a partir de escavação e entalhe de uma peça de madeira maciça. “É um processo trabalhoso e demorado, que não teria a devida valorização aqui, nem da matéria-prima nem da mão de obra”, avalia. No entanto, o período que passou na Guiné, em janeiro de 2013, elevou sua carreira a um patamar bem diferente do ponto de vista cultural. Por mais que já tivesse PLANT PROJECT Nº20

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Mais do que a beleza e a sonoridade, Luiz "Poeira" tem um cuidado especial com o conforto dos músicos. A exemplo da criação do ilú com regulagem de altura

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um reconhecimento, o fato de ter ido beber direto da fonte tem outro impacto, fortalece a credibilidade. “A vivência valeu muito pela experiência de ver como são feitos os tambores de maneira tradicional, com ferramentas tradicionais, tudo na raça. Eles entram na mata, cortam a árvore e trabalham com a matéria-prima bruta. O pouco tempo que fiquei lá foi muito importante.” O aprendizado também foi bastante desafiador para Luiz Poeira no continente africano, a começar pela comunicação. Primeiro, quando chegou por lá, até entenderam o que estava buscando, que técnicas queria aprender, mas acabou sendo apresentado a algumas pessoas que não trabalhavam exatamente com o que queria. E, mesmo depois de alguns dias, quando conseguiu chegar aos mestres Kenda e Amoudu, que tinham o que procurava, havia a barreira do idioma. Seu interlocutor, Ibu Camará, ainda falava francês, mas Luiz Poeira não. Aos poucos, começaram a se entender por gestos, mas foi o trabalho que os aproximou de verdade. “No início, os mestres nem me deixavam pegar em nada, com medo de que eu me machucasse, pois são ferramentas bem rústicas. Mas, ao verem que eu sabia trabalhar, me deram mais espaço”, lembra. “Acabei ficando 15 dias com eles e aprendi a fazer as coisas de uma maneira mais tradicional.”

TRADIÇÃO TAMBÉM EVOLUI Poeira considera Rômulo Nardes como seu mestre na arte dos tambores. “Foi ele quem me deu o direcionamento para fazer o trabalho”, afirma. Ambos chegaram a ser sócios no ateliê, mas Nardes passou a se dedicar exclusivamente a tocar os instrumentos. Também foi ele quem provocou o Luiz a otimizar o que a tradição já trazia de bom. Um exemplo é o ilú, tambor sustentado por uma base de três hastes de metal. “Propus que ele fizesse um ilú melhorado, aprimorado, sem deixar de lado a tradição”, diz Nardes. E foi o que aconteceu. O artesão desenvolveu o instrumento com novas opções de medidas e um sistema de ferragens com regulagem de altura para as hastes, permitindo ao músico escolher a posição mais confortável para tocar e ter maior facilidade tanto para transportar quanto para guardar o instrumento. Outro exemplo é a forma de prender as peles dos tambores, que, além da sonoridade, prioriza o conforto de quem toca, tem uma anatomia pensada para isso. Esse cuidado vem desde a escolha das matérias-primas, sobretudo madeiras e peles (bovina, caprina e de búfalos). No caso das madeiras, são utilizadas caxeta e mogno, porque aceitam a envergadura e os entalhes, que são bem particulares e se tornaram uma espécie de marca registrada do Instituto Tambor.


“Até gostaria de ter outras opções de madeiras. Já testamos cedro-rosa, cedrinho, eucalipto, mas por enquanto essas duas é que melhor atenderam”, explica Luiz Poeira. A madeira é usada sempre em ripas, pois os tambores são moldados pelo processo de tanoaria, o mesmo aplicado na produção de barris. Dessa forma, o aproveitamento é mais eficiente, porque no processo de escavação boa parte vira lasca e acaba sendo desperdiçada. A caxeta, comprada de madeireiras, é usada nos instrumentos de maneira geral por ser leve, macia e clara, o que permite a aplicação de pirografia, a cargo de outro artista, Rafael Gonçalves. Muitos tambores são customizados com desenhos feitos dessa forma. “Comecei até a trabalhar com

pigmentação para destacar ainda mais os detalhes”, explica Poeira. Já o mogno é de uma remessa de uns 30 anos que foi adquirida de um mestre que fabricava tambores japoneses. Ou melhor, da família dele. “Quando eu soube do trabalho do mestre Sato, quis conhecê-lo. Me disseram que seria difícil, que ele não me receberia, pois era muito reservado. Arrisquei. Ele me recebeu só no portão, a princípio, mas a conversa evoluiu, fui conquistando a confiança dele e acabou me convidando para entrar”, conta o artesão. “Quando ele morreu, fiz uma negociação com a família, pois não iriam utilizar aquela madeira. Hoje, esse mogno é destinado a uma série limitada de instrumentos de madeira especial – atabaque, conga, ilú, dunun e ashiko.”

REVERÊNCIA À CULTURA O primor de Luiz Poeira na fabricação dos instrumentos é um reflexo também de seu respeito pelas origens e pelas vertentes dessa cultura afrobrasileira, sobretudo a capoeira. Aliás, foi por aí que tudo começou. Ele é também capoeirista, faz parte dos Irmãos Guerreiros, tradicional grupo de Capoeira Angola formado no município de Taboão da Serra (SP), e dá aulas de forma voluntária. O primeiro contato com a arte veio aos 11 anos, na escola. “Havia uma professora, a Cristina, que era dançarina e tinha métodos diferentes do convencional, do que a gente via sempre. Um dia ela convidou um professor de capoeira, o mestre Alcachofra, para uma demonstração e eu adorei”, lembra. “Pedi à minha mãe para PLANT PROJECT Nº20

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treinar e fiquei uns dois anos.” O reencontro com a capoeira aconteceu um tempo depois, aos 20 e poucos anos. E esse novo contato trouxe à tona o talento na fabricação de instrumentos, que começou pelo berimbau, passou para o caxixi e depois outras peças. Até que veio a arte do entalhe, de forma autodidata. “Um dia cheguei a sonhar que era entalhador”, conta ele. O início foi na base da experimentação, buscando oportunidades de utilizar ferramentas e matériaprima que estivessem ao seu alcance. Uma das principais referências foi um livro que encontrou do artista argentino Hector Julio Páride Bernabó, o Carybé. Por ter passado boa parte da vida em Salvador, na Bahia, Carybé manifestava em sua arte a forte relação com a cultura afro-brasileira, tanto que criou diversas obras ligadas ao candomblé e à própria capoeira, o que atraiu e estimulou ainda mais Luiz Poeira. 122

Foi a capoeira que lhe rendeu o apelido “Poeira”. Por conta da dedicação e do comprometimento com o aprendizado, houve um período em que circulava por todos os lugares que pudesse para ver, conhecer e jogar capoeira, participava de todas as rodas que conseguisse, e os outros capoeiristas percebiam tal empenho. Em uma dessas ocasiões, um dos professores, o mestre Elefante, perguntou se poderia lhe dar um apelido – disse que seria Poeira, pois estava em todo lugar. O reconhecimento conquistado no meio artístico foi uma recompensa pela trajetória desafiadora. Luiz, que hoje tem 46 anos, é pai e avô, nasceu na cidade de São Paulo, em uma família de origem humilde, e começou a vida profissional como office boy, tal qual muitos garotos nessa mesma condição, nos anos 1980. Depois se tornou motoboy, dividindo-se entre as

entregas para diferentes empresas durante o dia e para pizzarias à noite. E já tentando encaixar nessa jornada o início da fabricação dos instrumentos. Foi exatamente um dia ruim nessa rotina que o levou a rever as prioridades. Ao fazer uma entrega de pizza em uma noite chuvosa, já tarde da noite, foi repreendido por um cliente por ter usado o elevador social. O apartamento ficava no 13º andar e o elevador de serviço estava quebrado. “Uma mulher abriu a porta para receber o pedido, e ouvi a voz de um homem lá de dentro reclamando. Ele dizia, gritando, que eu deveria ter subido pelas escadas e não pelo elevador social”, recorda. Aquela situação foi um divisor de águas. Dali para a frente, as pernadas e batucadas foram ganhando cada vez mais espaço na vida de Poeira, até assumirem o merecido protagonismo. A arte agradece.


A maçã bilionária: Variedade Cosmic Crisp foi desenhada para ser um sucesso de vendas

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As inovações para o futuro da produção

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As inovações para o futuro da produção

A fruta definitiva: criada em laboratório, maçã Cosmic Crisp foi lançada com grande campanha de marketing nos EUA 124


DESIGN DE ALIMENTOS Como na criação de equipamentos eletrônicos de última geração, novas frutas – legumes e verduras – são introduzidas no mercado após décadas de pesquisa em um processo altamente tecnológico Por André Sollitto

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ançamentos de novas variedades de legumes e frutas não são eventos que despertam tanta atenção do público quanto a apresentação de, digamos, um novo smartphone da Apple. Talvez merecessem, como demonstra a apresentação da Cosmic Crisp, uma maçã anunciada como a versão definitiva de uma das frutas mais consumidas no planeta. Sua chegada foi alardeada com uma enorme campanha de marketing que custou US$ 10 milhões de dólares, contou com propagandas e influenciadores digitais – e mostrou ao mundo que o desenvolvimento de alguns alimentos que consumimos diariamente é um processo altamente tecnológico que guarda mais similaridades com o desenvolvimento de gadgets, celulares e outros dispositivos do que alguém poderia imaginar. As redes de supermercados dos Estados Unidos estão recebendo carregamentos da Cosmic Crisp desde

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o final do ano passado. Como a Red Delicious, a Honeycrisp, a Granny Smith (a nossa maçã verde) e outras variedades de nomes curiosos, a novata foi desenvolvida para oferecer não apenas variedade ao consumidor, mas uma fruta com sabor e textura incomparáveis, cultivável em diversos climas e capaz de resistir a um ano se conservada em temperaturas adequadas. Não é, portanto, fruto do acaso. Para chegar a esse resultado, o processo começou no final da década de 1990, com Bruce Barrett, pesquisador de maçãs na Universidade Estadual de Washington. A variedade WA38, que mais tarde seria batizada de Cosmic Crisp, foi escolhida entre mais de 10 mil híbridos por conta de suas características. Após a seleção, a candidata a chegar ao mercado passou por anos de aprimoramento e testes para que seu design se comprovasse agronômico e comercialmente viável. Para se ter uma ideia, cada macieira precisa de dois a três


Tecnologia

A fruta tem site e até slogans, como “Imagine as possibilidades” e “A maçã dos grandes sonhos”. Parece exagero, mas é um exemplo claro de toda a tecnologia que envolve a produção de alimentos. E os resultados parecem ter sido promissores: críticos gastronômicos que provaram a Cosmic Crisp dizem que ela tem um sabor levemente doce com um toque azedinho que supera outras variedades. E cada mordida produz um som que parece saído de um desenho animado – o barulho que se espera ao morder uma maçã. É o que o jornal americano The News York Times chamou de “a maçã do futuro”.

A Cosmic Crisp e a uva Vitória: pesquisas para novas variedades levam décadas para serem concluídas

ACELERANDO O PROCESSO Desenvolver variedades a partir dos tradicionais métodos realizando testes com híbridos já representa um avanço imenso em relação a técnicas mais antigas, como o enxerto, que consiste na união do tecido de duas plantas diferentes para que uma terceira, com características de ambas, seja criada. O Brasil, por exemplo, tem casos interessantes de uvas desenvolvidas pela Embrapa com foco nas condições climáticas do País. Lançada em 2012 dentro do Programa de Melhoramento Genético de Uva da Embrapa Uva e Vinho (RS), a BRS Vitória é uma uva sem sementes, de cor preta e

Foto: Embrapa / atrícia Ritschel

anos para atingir o tamanho ideal. Os cientistas comparam centenas de indivíduos até encontrar aquele com todas as características desejadas, seja a resistência a alguma doença, a capacidade de crescer em climas variados ou os sabores e as texturas específicas. Quando o indivíduo ideal é encontrado, ele é clonado e testado em campo, com produtores parceiros. Nos Estados Unidos, as sementes são patenteadas, bem como o nome da fruta. No caso da Cosmic Crisp, oferecida para agricultores americanos comercialmente pela primeira vez em 2017, o estado de Washington tem a patente e a exclusividade de plantio por 10 anos – ou seja, elas ainda vão demorar um pouco para chegar ao Brasil. Os produtores também precisam pagar royalties para cada árvore plantada ou caixa de maçãs vendidas. E se engana quem pensa que os produtores ficam com o pé atrás por conta dessas taxas: mais de 13 mil árvores já foram plantadas, a um custo de US$ 500 milhões. As quantias investidas, bem como o longo processo de pesquisa e até a campanha de divulgação, remetem ao desenvolvimento de outros produtos tecnológicos. A campanha de marketing, por exemplo, recrutou até Leroy Chiao, astronauta aposentado da Nasa, para fazer propaganda.

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Tecnologia

Edição genética: o americano Zach Lippman usou a ferramenta CRISPR para obter um tomate apropriado para cultivo em ambientes internos

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equilíbrio entre doçura e acidez. A cultivar permite duas safras por ano e é recomendada para a região Sudeste, de clima tropical úmido, e para clima tropical semiárido. A aceitação foi grande no Brasil e no exterior. Por aqui, 90% dos associados da Cooperativa de Produtores Exportadores do Vale do São Francisco (Coopexvale) já haviam adotado a cultivar em 2016. A uva também foi adotada na Inglaterra, substituindo variedades tradicionalmente exportadas por Itália, Espanha e Grécia. Em 2019, a Embrapa lançou novos cultivares, a BRS Melodia, uva rosada de mesa sem sementes, e a BRS Bibiana, uva para elaboração de vinho branco, ambas adaptadas para o clima temperado da região Sul. Mesmo assim, esse processo ainda é bastante lento. São anos até que um novo produto chegue às prateleiras. Hoje, no

entanto, existem ferramentas capazes de acelerar bastante as coisas. A principal delas é o CRISPR-Cas9, que permite aos pesquisadores fazer uma edição genética, sem a necessidade de inserir genes de outras fontes. A ferramenta é revolucionária e foi tema de uma reportagem de capa da PLANT PROJECT. Um dos casos mais recentes de vegetais criados com o auxílio do CRISPR é um tomate, resultado do trabalho do americano Zach Lippman, professor do Cold Spring Harbor Laboratory, instituição de Nova York especializada em pesquisa de genética vegetal. Bastante diferente dos tomates que estamos acostumados a ver, eles se parecem com um buquê de flores, com raízes curtas e frutos compactos. A grande vantagem é que eles ficam prontos para o consumo em apenas 40 dias e podem ser cultivados em qualquer lugar, incluindo fazendas urbanas e até no espaço. “Posso dizer que até a Nasa está interessada em meus tomates”, disse o pesquisador Lippman ao site Agritech Tomorrow. Em um artigo publicado na revista científica Nature Biotechnology, ele explica como usou a ferramenta para mexer principalmente em três genes, fazendo com que a planta parasse de crescer e desse frutos mais cedo, mas garantindo o sabor e o tamanho compacto. A versatilidade, a precisão


e a redução dos custos e do tempo necessário para as pesquisas são as principais vantagens da técnica em relação à transgenia, o método de edição genética mais usado e conhecido. Surgido originalmente em 1973, a transferência genética deu origem a diversos vegetais potencializados. O primeiro alimento transgênico chegou ao mercado só em 1994. Tratavase também de um tomate, o Flavr Savr, produzido pela Calgene, mais resistente ao apodrecimento e vendido nos mercados a um preço elevado. Apesar de ter sido considerado seguro para consumo pelo FDA (Food and Drug Administration), a agência de saúde dos EUA que regula os alimentos, ele encontrou resistência dos

consumidores. A falta de habilidade da empresa para transportar o fruto também transformou a experiência em um fracasso. Com o tempo, mais alimentos transgênicos tomaram as prateleiras dos mercados, mas até hoje a transgenia encontra críticos. CARACTERÍSTICAS ÚNICAS Frutas e legumes como a maçã Cosmic Crisp, bem como grande parte dos alimentos cultivados no mundo, são clones, para garantir que todos tenham exatamente as características esperadas. É o padrão da agricultura moderna. Mas em um período de transformação, em que se discute questões importantes de sequestro de carbono, cuidados com o solo e sustentabilidade do setor, e em

que os hábitos e preferências dos consumidores estão moldando o futuro e a maneira como os produtores trabalham, Uma parcela crescente das pessoas está interessada nas variedades de alimentos, nas qualidades específicas que uma fruta ou legume plantado em determinado local pode oferecer. É algo explorado por chefs de cozinha há tempos, mas que agora está ao alcance do consumidor comum. Além disso, essas monoculturas representam um gasto de recursos naturais maior. Talvez o futuro não seja formado apenas por uma maçã cósmica com sabor incomparável, mas por uma constelação de opções que ofereçam características únicas. A tecnologia para isso já existe. PLANT PROJECT Nº20

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ENXERGANDO ADIANTE Discussões do evento “Abertura de Safra 2020/21 Santander DATAGRO” já indicavam que eixo inicial do novo ciclo penderia para a produção do açúcar em vez do etanol Por Ronaldo Luiz Mendes Araujo

Realizado em Ribeirão Preto (SP) exatamente no dia [11 de março] em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou pandemia para a Covid-19, bem como na mesma semana da mais recente derrocada dos preços do petróleo, o evento “Abertura de Safra Cana, Açúcar e Etanol 2020/21 Santander DATAGRO” já indicava, em suas discussões, que o eixo inicial do novo ciclo penderia para a produção do adoçante em vez do etanol. “A perspectiva é de que a safra brasileira 2020/21 tenha um mix mais açucareiro, devido, por exemplo, às estimativas de quebras de produção em importantes países produtores como Índia e 130

Tailândia”, antecipou, na oportunidade, o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, que acrescentou: “A produção nacional de açúcar na temporada 2020/21 tem potencial para atingir 35,4 milhões de toneladas, com o consumo doméstico previsto em 10,4 milhões e a demanda externa projetada em 25 milhões”. Já a moagem de cana-de-açúcar na safra 2020/21 deverá alcançar 646 milhões de toneladas, sendo 596 milhões no Centro-sul e 50 milhões no Norte/Nordeste. Sócio da Datagro Markets, Bruno Freitas estimou um déficit mundial de açúcar em torno de 2,97 milhões de toneladas para a temporada 2020/21, mas ressalvou que os desdobramentos acerca dos impactos do novo

coronavírus fortaleciam o quadro de incertezas, especialmente no tocante à demanda.Desde então, o cenário de mudança de direcionamento da safra 2020/21 avançou, com o vetor de produção sendo endereçado para o açúcar. Com a adoção de medidas de distanciamento social, as vendas e, consequentemente, os preços do etanol passaram a registrar queda – fato que também decorreu do recuo nos preços do petróleo –, fazendo com que as usinas passassem a buscar maximizar a produção do adoçante de olho em melhor liquidez.


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RENOVABIO Além de antecipar um mercado mais açucareiro, a “Abertura de Safra 2020/21 Santander DATAGRO” também marcou a cerimônia de escrituração do primeiro CBio (Crédito de Descarbonização), peça fundamental da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Foi na edição de 2018 que o então presidente Michel Temer assinou o decreto de criação do RenovaBio.

As primeiras empresas com escrituração dos CBios que foram reconhecidas e homenageadas no evento foram São Martinho, Copersucar, Tereos, Da Mata, Cerradinho, Usina Vale do Paraná, Usina Japungu, Clealco, Bioenergética Aroeira, Tietê Agroindustrial, Usina Batatais, Vale do Verdão, Bahia Etanol, Bevap, FS, CMMA e Jales Machado. Na solenidade, o vice-presidente executivo do Santander, Mario Opice

Leão, ressaltou que o RenovaBio é a principal resposta do Brasil no âmbito da economia sustentável, seguindo os preceitos do Acordo de Paris. Para o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, André Rocha, o ato de escrituração do primeiro CBio mostrou que o RenovaBio já está acontecendo.

PRODUÇÃO DE ETANOL DE MILHO TEM POTENCIAL PARA ATINGIR 2,9 BILHÕES DE LITROS NA SAFRA 2020/21 A produção brasileira de etanol de milho, sobretudo na região Centro-Oeste, deverá atingir 2,9 bilhões de litros na safra 2020/21, contra 1,6 bilhão de litros do ciclo anterior, estimou o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco, na “Abertura de Safra 2020/21 Santander DATAGRO”. “Acreditamos que a produção possa 132

chegar a 8 bilhões de litros em 2028.” De acordo com o dirigente, em Mato Grosso a demanda de milho para fabricação de etanol já gira em torno de 6 milhões de toneladas ao ano. “Este cenário vem abrindo novas janelas de oportunidades de venda para o produtor.” Segundo Nolasco, a forte demanda do milho para produção de etanol tem impulsionado o preço do

grão em Mato Grosso ao ponto de descolar as cotações da Bolsa de Chicago. Além disso, o evento reuniu ainda especialistas que destacaram, em painel exclusivo, o potencial energético, com características limpas e renováveis, da bioeletricidade, especialmente a proveniente da biomassa de cana-de-açúcar.


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DESCARBONIZAÇÃO O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Evandro Gussi, acentuou que é nesta safra 2020/21, que o Brasil inicia a “primeira colheita oficial de créditos de carbono”. Segundo afirmou o dirigente, que fez em fevereiro um giro por países asiáticos [Índia, Tailândia e Afeganistão], a oportunidade de expansão do consumo de etanol no mundo está, primordialmente, atrelada ao seu uso como aditivo na mistura de combustíveis fósseis. “O etanol está em absoluta sintonia com a agenda global de descarbonização. Mas o mundo ainda não sabe do potencial do etanol para isso. Neste aspecto, o carro elétrico, que não entrega o que promete em termos ambientais, vem ganhando no terreno da comunicação.” Gussi frisou, ainda, que ampliar a produção do etanol em larga escala para além de Brasil e Estados Unidos é outra ação

fundamental. “Ninguém vai querer depender de poucos países fornecedores para avançar em seus programas de redução de emissões.” O presidente do Arranjo Produtivo Local do Álcool (Apla), Flavio Castellari, complementou ao dizer que apoiar outros países com tecnologia, máquinas e serviços é outro importante esforço para a internacionalização do etanol. “Com esta viagem, começamos a virar o jogo nestes países”, salientou o presidente da Datagro, Plinio Nastari, que esteve com Gussi na Ásia. “Avançamos em transmitir a mensagem de que o etanol é um biocombustível de alta densidade energética, de custo reduzido e baixa pegada de carbono, replicável, escalável e que permite a longevidade de combustíveis tradicionais, preservando infraestrutura de distribuição e frotas já existentes.” O evento também marcou a entrega do troféu RenovaBio

a personalidades que foram fundamentais para a criação da Política Nacional de Biocombustíveis. Foram homenageados Aurélio Amaral, ex-diretor da ANP; Miguel Ivan Lacerda, diretor do Ministério de Minas e Energia (representando por Marlon Arraes, também do MME); e Renato Godinho, do Ministério das Relações Exteriores (representando pelo presidente da Unica, Evandro Gussi).

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M MARKETS

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ETANOL DEVE SER RECONHECIDOPOR SEU IMPACTO POSITIVO NO MEIO AMBIENTE Po r Pl i n i o N a s t a r i

A crise da Covid-19 traz grandes desafios no curto prazo para o mercado de etanol pelo choque simultâneo de redução no preço e no consumo. Esse efeito ocorre nos seus dois grandes mercados, EUA e Brasil. O impacto ultrapassa o mercado de etanol e afeta também, e pelo menos, o de milho e o de açúcar. Como estão integrados com outros mercados, esse impacto pode reverberar também na soja e nas carnes. Nos EUA, em condições normais o etanol absorve mais de 38% da oferta de milho e representa o seu maior destino, maior até do que o seu uso para ração. No curto prazo, a queda no consumo e na produção nos EUA é de praticamente 50%, caindo de pouco mais de 1 milhão de barris por dia para cerca de 500 mil barris por dia. A redução no uso de milho fez com que o seu preço recuasse de US$ 4,2 para perto de US$ 3 por bushel, e a alternativa aos produtores norte-americanos será exportar o atual excedente. Considerando que os EUA produzem cerca de 350

milhões de toneladas de milho por ano, uma redução de 19% no consumo pode representar mais de 66 milhões de toneladas. Em comparação, no Brasil o consumo doméstico de milho para todos os usos é de 70,4 milhões de toneladas, portanto esse efeito pode afetar o preço e as exportações de milho do Brasil e da Argentina. No Brasil, a redução no consumo de etanol, que desde o início de março é de mais de 20%, pode ter impacto significativo no mercado de açúcar. Em 2019, o etanol usado como combustível, misturado à gasolina (anidro) e usado na frota flex (hidratado), representou 46% do consumo do total de combustíveis do ciclo Otto (gasolina pura, etanol anidro e hidratado e GNV), uma marca inigualada em todo o mundo. Em alguns estados brasileiros, esse percentual foi ainda maior: São Paulo, 64%; Minas Gerais, 56,5%; Goiás, 64,8%; Mato Grosso, 70,5%; e Paraná, 51,2%. Mas, diferentemente do que ocorre nos EUA, no Brasil há uma dificuldade adicional. Não se pode armazenar nem

transportar cana por longas distâncias. Uma vez colhida, a cana precisa ser processada em 24 a 48 horas. Sua produção e processamento ocorre em sistema de fluxo, o que é realmente virtuoso como energia renovável, mas depende de um escoamento e um fluxo de consumo relativamente permanente. É, portanto, diferente do petróleo, cuja produção ocorre pelo sistema de estoque, em que é possível suspender a sua extração. No caso da cana, isso não é possível e a alternativa é simplesmente deixá-la no campo e perder a produção. A queda no consumo trouxe impacto direto no preço do etanol ao produtor. Graças à relativa flexibilidade industrial, a alternativa natural, para aqueles produtores que podem fazê-lo, é fabricar mais açúcar. Na safra 2019/20, encerrada em 31 de março na região Centro-Sul, o mix de produção foi 34,3% para açúcar, e 65,7% para etanol. Caso o mix se aproxime de 50%, o que já foi atingido antes (2012/13), a produção potencial de açúcar pode se aproximar

Plinio Nastari, presidente da DATAGRO, representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética.

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de 39 milhões de toneladas, apenas na região Centro-Sul. No Brasil, a produção pode chegar a 42,4 milhões de toneladas. Em comparação, na safra 2019/20 a produçãodefoilongo de e planejamento 26,7 milhões de toneladas prazo. O resultado, como no não Centro-Sul, 29,55de ser, poderia edeixar milhões de toneladas em é a criação de empregos. nível nacional. Felizmente, Muitos empregos. Não é à esse de toaaumento que qualquer análise produção ocorrerealizada no ou pesquisa por momento em quenao área de especialistas mercado convive comaponta recursos humanos déficit no balançocomo mundial o agronegócio um de dos oferta e demanda do setores mais pujantes anonocomercial 2019/20 oferecimento de (outubro/setembro), oportunidades deem função das quebras de trabalho. Para citar produção apenasprincipalmente alguns dos na exemplos Índia e na mais Tailândia. óbvios, Mas há limites para a profissionais nas áreas capacidade do mercado de tecnologia agrícola, internacional absorver gestão ambiental, toda a produção adicional zootecnia, agronomia, que pode vir do Brasil. No engenharia de alimentos caso do etanol, além do etc., não ficam capital de giro paralisado desempregados se nos tanques pela redução do quiserem. consumo, há o limite Para não é do físico dequem armazenagem, ramo, pode parecer que que, ao ser atingido, pode empregos no comprometer a agronegócio estão apenas continuidade da relacionados com a produção. As produção dificuldades no curto agrícola ou prazo podemMas ser grandes, pecuária. essa é especialmente apenas uma para parteos da produtores não história. que Na verdade, uma puderam ou optaram por terça parte. Quando nãofalamos fazer hedge de preço em agronegócio, do precisamos açúcar, ou para lembrar aqueles que que existe e entender simplesmente só fabricam todo um complexo etanol. Mas nem toda a e de segmento produtivo produção de etanol pode ser convertida em açúcar – e nem todos os

produtores dispõem de linhas de financiamento para realizar essa proteção. Com esse quadro, o curto prazo é sem dúvida desafiador, mas o que esperar paraà omontante futuro? e à serviços Como o mundo vai se jusante da produção comportar primária.daqui para a frente? É muito provável Ou seja, à montante, queexiste aumentará a um formidável sensibilidade a universo dee empresas que percepção consumidor atuam dedoforma direta ou emindireta relaçãona aoprodução impacto que de suas decisões de insumos, implementos e consumo têmagrícolas. sobre a máquinas saúde o meio temos ambiente. E, àejusante, Já também começam a aparecer outra estudos, realizadosgama por de impressionante entidades de pesquisa de atividades, que envolvem renome, associando a o armazenamento, intensidade do impacto da escoamento, Covid-19 à qualidade do ar beneficiamento, nas grandes metrópoles. industrialização, Como o coronavírus afeta distribuição, exportação a capacidade pulmonar e etc. Em resumo, há respiratória, quanto maior empregos de toda a sorte, for a poluição atmosférica, para quase todas as maior a morbidade e categorias profissionais, letalidade relacionada à baseados nos seguintes infestação. É provável que alicerces: gestão a capacidade de os x produção x associarem consumidores industrialização x valor a bens ambientais distribuição. aumente. No entanto, Nesse sentido, existem acredito requisitos básicos quealguns há uma luz no fim do paratúnel que se apto a escuro emesteja que nos entrar para A o crise mundo encontramos. dado agronegócio. deles Covid-19 coloca Um o setor doé a disposição para em morar em açúcar e do etanol uma situação delicada, da cidades médias mas e qual deve sairdo fortalecido. pequenas interior, Caso sejam adotadas as especialmente nas regiões medidas preconizadas que detêm o maior de distanciamento, as potencial de crescimento produções de cana e principalmente de milho devem continuar

expandindo. Apesar de já ser um gigante mundial, a verdade é que na área agrícola e agroindustrial o Brasil ainda é um livro com muitas páginas em branco a serem preenchidas. A diversificação na produçãovia agropecuária, cogeração produção como é opara caso do de Centro-Oeste, bioeletricidade,dovia Nordeste biodigestão para a Apenas e da região Norte. produção de biogás e dos uma pequena parte biometano, via agro aumento empregose do está da localizada produção de nasleveduras grandes e captura de CO2, tendem a cidades. E, mesmo assim, alavancar e diversificar as predominantemente na área fontes de geraçãoe de renda de tecnologia serviços. e valor. A Além disso, da mesma complementariedade entre forma que os demais cana e milho, e a segmentos da economia compreensão de que o brasileira, o agro precisa etanol de milho faz parte de especialização, de todas cada vez mais integral do as naturezas e de todos os mercado de etanol de cana, tipos, seja em nível técnico, precisa ser reconhecida e seja em nível de graduação valorizada. Os mercados de ou de etanol, depós-graduação. energia e de Com esses animal dois elementos proteína se integram básicos, mais uma boa cada vez mais, agregando dose de interesse valor e gerando produtos iniciativa, as de ealto valor ambiental e oportunidades se à com positivo impacto multiplicam, salários saúde. Quando os mais estão passarem em expansãoe a pessoas a rapidez de crescimento reconhecer e enxergar essanas carreiras é impressionante. condição virtuosa, que E será com essa complementa, dá mentalidade longevidade e e essa dinâmica, que ao o agro sustentabilidade uso de brasileiro buscará em um combustíveis tradicionais liderança de futuro origempróximo, fóssil, o aetanol e os mundial. biocombustíveis em geral receberão o Um “AgroAbraço” a todos! reconhecimento e o valor que realmente merecem. E os ativos relacionados à sua produção deverão receber a sua consequente valorização.

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