Plant Project #17

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

O RESGATE DO SOLO Por que, mais do que nunca, precisamos olhar para o que acontece sob nossos pés BIOENERGIA O BOM NEGÓCIO DE TRANSFORMAR A FAZENDA EM UMA USINA

“APORCALIPSE?”

Entramos na misteriosa ilha onde os EUA preparam sua defesa contra a febre suína africana PROTEÍNAS ALTERNATIVAS

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Não faltam bandeiras a quem se dedica a produzir. Converse com um agri-

O PODER DA TERRA

cultor ou pecuarista e ele certamente lhe dirá que, tanto quanto o negócio e o dinheiro, há outros sentimentos que o movem a persistir em uma atividade cercada de tanta complexidade e risco. O compromisso com a alimentação de milhões de pessoas, a relação com a terra, a preservação de uma tradição familiar... E por que não salvar o planeta? Cada vez mais os produtores

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

rurais estarão no centro do debate ambiental. Se muitas vezes seu protagoO RESGATE DO SOLO Por que, mais do que nunca, precisamos olhar para o que acontece sob nossos pés BIOENERGIA O BOM NEGÓCIO DE TRANSFORMAR A FAZENDA EM UMA USINA

“APORCALIPSE?”

Entramos na misteriosa ilha onde os EUA preparam sua defesa contra a febre suína africana

nismo decorria dos prejuízos causados pela exploração indevida de áreas e pelo uso de práticas que não correspondem a modernos conceitos ambientais, agora eles começam a ser vistos como aqueles que têm nas mãos

PROTEÍNAS ALTERNATIVAS

Os animais ficarão obsoletos? Um dos principais investidores americanos de AgTech acredita que sim ARTE A FAZENDA DE SP QUE ABRIGA UMA DAS MAIORES COLEÇÕES DE ARTE DO PAÍS VAI VIRAR CENTRO CULTURAL venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

uma das mais eficientes soluções para a emergente questão das mudanças climáticas: transformar o solo em que plantam em um gigantesco estoque de gases de efeito estufa que, se dispersos na atmosfera, contribuiriam para o agravamento dos problemas decorrentes do aquecimento global. Um grande movimento internacional pela recuperação de terras degradadas procura, agora, fomentar a adoção de práticas agrícolas modernas e com impacto ambiental positivo. Olhar com carinho para o que acontece abaixo da superfície é, ao mesmo tempo, uma forma de resgatar a imagem de toda a atividade agropecuária, injustamente vilanizada nos últimos anos. Produtores são, por definição, mais ligados ao planeta que a maior parte dos habitantes das cidades. Até mesmo por uma lógica egoísta: recursos ambientais como água, sol e o solo são os insumos básicos da agropecuária. A consciência de que são indispensáveis ao seu negócio é motor mais que suficiente para indicar ao produtor que caminho tomar. Quando essa consciência é estimulada pela possibilidade de gerar algo maior, temos uma proposta irresistível. O produtor tem poder nas mãos e sob os seus pés. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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Gestão de energia Mercado livre Eficiência energética Geração distribuída Infraestrutura e serviços

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O que nos move não é só a energia. É o desafio de continuar fortalecendo a cada dia a parceria com o setor de agronegócio, oferecendo as melhores soluções para reduzir custos e otimizar resultados. É levar a energia que gera competitividade, tornando seu negócio referência no mercado. Afinal, gerir melhor a sua energia não é só uma possibilidade, é uma realidade que garante a produtividade e o desempenho que você precisa.

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D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla, Evanildo da Silveira, Iva Velloso, Tiago Dupim, Tobias Ferraz Produção: Daniele Faria Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes

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Celeiro inundado em fazenda no estado americano de Iowa:

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: Shutterstock

Mudanças climáticas afetam a produção agrícola e o debate eleitoral

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GLOBAL

foto: Shutterstock

O lado cosmopolita do agro

E S TA D O S U N I D O S

MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA DISPUTA PRESIDENCIAL Com inundações e secas extremas que devastam plantações, estado de Iowa se torna símbolo dos efeitos do aquecimento global e obriga candidatos a trazer o tema para o centro dos debates

Nos últimos seis meses, nove dos 24 pré-candidatos democratas à Presidência dos Estados Unidos visitaram fazendas de Iowa para observar de perto os efeitos dramáticos das mudanças climáticas no agronegócio. Em agosto, a senadora pela Califórnia Kamala Harris esteve na capital do estado, a charmosa cidade de Des Moines, e viu produtores de carne reclamarem das frequentes inundações que reduzem as áreas de pastagem. Um dos líderes nas pesquisas de intenção de votos, o democrata Joe Biden apareceu em junho e ouviu as mesmas lamúrias. Elizabeth Warren, senadora por Massachusetts, e Michael Bennet, senador por Colorado, estiveram lá 10

em setembro e conheceram o drama de agricultores que perderam as colheitas devido ao ciclo recorrente de inundações e secas que no século 21 vem castigando Iowa. O debate em torno das mudanças climáticas e dos riscos que elas trazem entraram de vez na campanha presidencial dos Estados Unidos. Nesse contexto, Iowa está no centro das discussões por ter se tornado um símbolo nacional da devastação provocada pelo aquecimento do planeta. Em Davenport, a terceira maior cidade do estado, a primavera passada deixou um rastro de destruição. A combinação de chuva persistente com o derretimento precoce da


Silo rompido após enchente em Iowa e lavoura submersa em Nebraska: estados do cinturão agrícola dos EUA viram foco dos adversários de Trump

neve do inverno trouxe um volume tão grande de água que o sistema de diques da cidade não resistiu. O centro foi inundado e a principal via ficou debaixo d’água durante dois meses. Nos arredores de Davenport, lavouras inteiras de milho e soja ficaram inacessíveis por um bom tempo. “Foi a maior inundação em 100 anos”, disse o ex-congressista do Texas Beto O’Rourke, outro pré-candidato democrata a visitar Iowa nos últimos meses. É a terceira vez na década que os moradores locais ouvem que a inundação daquele ano foi a maior em um século. Apenas na última primavera, as perdas provocadas pelas inundações chegaram a US$ 30 milhões em Davenport. Em todo o estado, o valor alcançou US$ 150 milhões, e o agronegócio foi o setor mais atingido, com colheitas inteiras desperdiçadas por causa do excesso de chuvas. A situação é dramática. Somente na última primavera, as precipitações extremas colocaram 100 mil acres de terras agrícolas debaixo d’água e alguns fazendeiros foram à falência. Para piorar a situação, o mês de julho foi excepcionalmente quente, impondo ainda mais dificuldades aos agricultores. De acordo com pesquisa recente da Pew Research, 40% dos habitantes de Iowa sofreram algum tipo de dano causado pelo estresse climático. Outro estudo,

desta vez realizado pela Universidade Estadual de Iowa, apontou que a chance de o aquecimento global ter provocado as inundações no final da primavera é de 90%. Diante de números como esses, é impossível duvidar dos efeitos perversos das mudanças climáticas. Os candidatos à Presidência não entraram no debate apenas com a nobre intenção de salvar o planeta. Isso pode até ser verdade, mas eles também estão atentos às novas demandas da sociedade. Nos Estados Unidos, nove em cada dez eleitores democratas dizem estar preocupados com as mudanças climáticas, enquanto entre os republicanos o índice é de 44%, de acordo com levantamento feito pela agência Climate Nexus. Se até pouco tempo atrás os eleitores zombavam dos candidatos que tentavam trazer o tema para o centro dos debates, agora o cenário é oposto. Quem não dominar o assunto e não tiver propostas para combater o aquecimento global estará fora do jogo político. Pesquisas feitas pelos democratas apontaram o aquecimento global como o

segundo tema mais importante para os eleitores, atrás apenas de questões ligadas à área da saúde. O aquecimento global está à frente até das preocupações com o crescimento econômico. Os especialistas esperam que as mudanças climáticas provoquem debates quentes entre os postulantes à Presidência dos Estados Unidos. O republicano Donald Trump, candidato à reeleição, costuma dar de ombros para o assunto, relegando-o ao segundo plano. Trump chegou a dizer que as pesquisas científicas sobre aquecimento global são fajutas e que foram feitas apenas para dar uma bandeira aos democratas. Os dramas vividos pelos moradores de Iowa mostram que o discurso pode estar ultrapassado. “Eventos climáticos extremos despertaram as pessoas”, disse à revista Time o executivo Steve Shivvers, ex-CEO de uma empresa de Iowa especializada em equipamentos agrícolas. Se antes os profissionais do agronegócio pareciam céticos em relação aos riscos do aquecimento global, as perdas dos últimos anos mostraram que a questão não pode mais ser ignorada. PLANT PROJECT Nº17

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G E S TA D O S U N I D O S

Lavoura marinha Em determinados períodos do ano, elas crescem ao ritmo de 10 a 15 centímetros por dia. Nutritivas, são ricas em potássio, ferro, cálcio, fibras, iodo e uma série de vitaminas. Nos oceanos, aliviam o excesso de dióxido de carbono e nitrogênio. Do ponto de vista econômico e social, podem servir como fonte de renda em zonas de pesca ameaçadas pela mudança climática e a exploração excessiva. Chamadas de kelp, essas algas marinhas estão prestes

a provocar uma revolução na indústria de alimentos. “O kelp é um super-herói entre as algas”, disse Susie Arnold, cientista marinha do Instituto Island, de Rockland, ao jornal The New York Times. No estado do Maine, o kelp

se tornou uma febre entre os pescadores. Como não requer insumos, nem terra arável, água doce, fertilizantes ou pesticidas, seu cultivo é barato, o que tem atraído os olhares atentos de grandes investidores.

CA N A DÁ

ABELHAS FUNGICIDAS A startup canadense Bee Vectoring Technologies (BVT) quer que as abelhas deixem de ser apenas produtoras de mel para se tornarem agentes dispersoras de defensivos naturais. Funciona assim: as abelhas fazem suas colmeias dentro de imensas caixas e, antes de serem libertadas, passam por um recipiente com um tipo de pó que adere aos insetos. O pó é, na verdade, um fungicida natural eficaz contra pragas que atacam lavouras de morangos, girassóis e amêndoas. Quando as abelhas pousam em flores para coletar néctar e pólen, elas liberam o fungicida e a planta fica protegida. Segundo a BVT, o produto melhora em 25% o rendimento das lavouras de morangos. Não vai demorar para que o fungicida das abelhas chegue ao mercado. Em setembro, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA aprovou o seu uso em culturas comerciais. 12


G E S PA N H A

MAIS CALOR, MENOS TRABALHO

Poucas questões são tão urgentes para o futuro da humanidade quanto combater as mudanças climáticas provocadas pela ação do homem. Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) concluiu que o aumento de 1,5 grau Celsius na temperatura do planeta até o final do século poderá eliminar 80 milhões de empregos e custar US$ 2,4 trilhões à economia global. Os trabalhadores agrícolas – especialmente as mulheres, que são maioria nas atividades ligadas ao campo – serão os mais afetados, porque grandes regiões cultiváveis tendem a desaparecer. Com as ondas de calor, partes do mundo se tornarão inabitáveis e cidades costeiras irão sumir com o aumento do nível dos oceanos. Em países como a Espanha, o estresse térmico já provoca incêndios florestais incontroláveis. Segundo a OIT, a situação está fora de controle: o período entre 2015 e 2019 será o mais quente da história.

I N G L AT E R R A

O RELÓGIO DAS PLANTAS Há muito tempo os cientistas sabem que, entre os seres humanos, determinados tipos de medicamentos funcionam melhor em horários específicos, quando o corpo está mais receptivo para absorver os efeitos dos remédios. Agora, a mesma lógica pode ser aplicada às plantas. Pelo menos é isso o que revelou um estudo realizado pela suíça Syngenta, uma das líderes globais em defensivos agrícolas, em parceria com a Universidade de Bristol, na Inglaterra. Os pesquisadores cultivaram em laboratório lotes de uma erva daninha, simulando os ciclos do nascer e pôr do sol, e aplicaram um herbicida comercial em diferentes horários. Depois de dez

meses de testes, verificou-se que os herbicidas eram mais facilmente absorvidos pelas plantas ao amanhecer. “A pesquisa sugere que, no futuro, poderemos refinar a aplicação de produtos químicos usados na agricultura, aproveitando o relógio biológico das plantas”, disse Anthony Dodd, cientista que liderou o estudo. PLANT PROJECT Nº17

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G E S TA D O S U N I D O S

Alimento veloz Em 2013, Elon Musk, o excêntrico empresário que fundou a Tesla, teve uma ideia: por que não criar um sistema de transporte de alta velocidade mais barato e que provocasse menos danos ambientais? Foi a partir daí que surgiu o projeto Hyperloop, que consiste basicamente em cápsulas que navegam por levitação magnética em túneis a vácuo. Por enquanto, apesar de parcerias com inúmeras empresas e do envolvimento de centenas de cientistas, a iniciativa não passa de ficção, mas Musk promete que suas cápsulas estarão cruzando as grandes cidades em no máximo uma década e funcionando como estrutura para a criação de jardins e hortas urbanas. A seguir, conheça o projeto criado pelo escritório chinês de design MAD Architects a pedido do empresário americano:

2 ESTRUTURA

Os túneis são equipados com painéis fotovoltaicos flexíveis usados para abastecer os veículos. Além disso, turbinas eólicas sem hélices posicionadas em certas seções do projeto aproveitarão a velocidade do vento para reduzir os custos de funcionamento do sistema 14


Fotos: MAD Architects

1 CONCEITO

Concebido como um sistema de transporte rápido elevado, o projeto é feito para demonstrar, segundo a MAD Architects, “como o artificial pode se fundir com a natureza por meio de uma nova infraestrutura urbana”

COMO FUNCIONA

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As cápsulas viajam dentro dos túneis e ficam suspensas no ar (ou seja, literalmente flutuam) por um sistema de ímãs. Para acelerar a velocidade, bombas a vácuo retiram o ar dos túneis, evitando atritos. A previsão é de que as cápsulas atinjam impressionantes 1.080 km/h

4 S U S T E N TA B I L I D A D E

A base da estrutura do Hyperloop é planejada para permitir o cultivo de vegetais e hortaliças. Na cobertura dos túneis, a ideia é construir passarelas verdes PLANT PROJECT Nº17

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G SÍRIA

PÃO E GUERRA Desde 2011, a guerra civil na Síria matou meio milhão de pessoas, levou 5 milhões de refugiados a fugir principalmente para a Europa, reduziu o PIB em 60% e trouxe para o coração do Oriente Médio o flagelo da fome. A situação é dramática, mas já foi pior. Um relatório da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostrou que a produção de trigo no país em 2019 será de 2,2 milhões de toneladas, quase o dobro do volume obtido no ano passado. “É um notável

avanço, mas ainda 50% menor em relação aos números registrados antes da guerra”, disse à agência de notícias Reuters Abdessalam Ahmed, diretor-geral da FAO para o Oriente Médio. “Significa que, para combater a fome, a Síria continuará dependendo da importação de trigo.” Uma

relativa trégua nos combates permitiu que agricultores ampliassem as áreas produtivas, mas incêndios criminosos continuam destruindo muitas lavouras. Estima-se que 6,5 milhões de sírios se enquadrem no que a ONU chama de insegurança alimentar.

J A PÃO

MILIONÁRIO, MAS SEM CHARME Durante 83 anos, o Mercado de Peixes de Tsukiji, na Grande Tóquio, foi um dos destinos turísticos mais charmosos do Japão. Diariamente, sempre ao amanhecer, os visitantes podiam acompanhar leilões de pescados que superavam a casa do milhão de dólares. Agora, o maior mercado de peixes do mundo foi transferido de lugar, e o antigo charme ficou para trás. O novo endereço, na região de Toyosu, é uma antiga fábrica, adaptada para acomodar melhor os negociantes das iguarias e oferecer mais conforto aos visitantes. Isso, porém, parece ter destruído o magnetismo de Tsukiji, e os agentes de turismo já reclamam que o espaço perdeu a graça, com sua atmosfera estéril, organização impecável e restrições para o acompanhamento dos leilões. Para os negócios, porém, o Mercado de Peixes de Toyosu trouxe sorte. Em um de seus primeiros leilões, um atum de 278 quilos foi vendido por US$ 3,1 milhões – o maior valor da história. 16


Plant +

A OPORTUNIDADE DA BIOENERGIA Por que 2020 promete ser um marco para o setor

O ano de 2020 tem tudo para se transformar em um marco para o setor de bioenergia no País. Além das perspectivas de retomada do crescimento econômico – e, portanto, do consumo de energia elétrica, que estava estagnado nos últimos três anos, uma mudança nas normas que regulamentam a comercialização, em discussão no Ministério de Minas e Energia e no Congresso Nacional, pode abrir uma janela de oportunidades para novos investimentos na cogeração de energia a partir da biomassa, sobretudo de cana-de-açúcar. As mudanças regulatórias na comercialização da energia devem introduzir uma nova modalidade de leilões no mercado, a de contratos de lastro de capacidade, que se somariam aos de produção de energia. O lastro de capacidade valorizará a garantia daquela fonte energética de atender o sistema em momentos de maior demanda. Com isso, além de ganharem com a venda da energia produzida, as usinas poderiam rentabilizar o negócio com a receita adicional de comercialização do lastro, já que, entre as diferentes fontes que compõem a matriz energética brasileira, a energia proveniente da biomassa oferece garantias de geração firme durante a safra. “A bioeletricidade é bastante competitiva se as duas coisas andam juntas”, afirma Daniel Marrocos Camposilvan, diretor da Newcom, empresa com forte presença na comercialização de energia no mercado brasileiro. Segundo ele, o desaquecimento da economia e a concorrência com outras fontes – como a eólica e a fotovoltaica – fizeram com que investimentos no setor ficassem congelados. Mas a energia da biomassa manteve sua importância, funcionando como uma oferta firme de produção para o sistema, sobretudo nos momentos de estiagem, que afeta a capacidade de geração hídrica. Com os debates avançando no governo e no Congresso, os sinais para os próximos anos são de mudança nesse cenário. “Com um modelo de comercialização mais favorável, deve voltar a haver demanda

por novos projetos de cogeração no setor sucroenergético”, prevê Marrocos. “E estamos preparados para sermos impulsores desses projetos e trabalharmos como canal de comercialização da energia produzida, sempre buscando maximizar a receita de venda de energia para as usinas.” Criada há um ano para diversificar e incrementar as operações de trading de energia do grupo Comerc, a Newcom nasceu da união de um time formado por profissionais renomados no mercado de energia e do DNA empreendedor da Comerc, aliando conhecimento e capacidade financeira para estruturar produtos para comercialização de eletricidade. O grupo Comerc, com 18 anos, hoje atende a mais de mil clientes, com negócios que vão da comercialização de energia à formatação de soluções em eficiência energética, projetos fotovoltaicos e gestão de contratos para grandes consumidores. Cerca de 5% de toda a carga consumida no Brasil passa pela Comerc. Na geração de energia, a Comerc faz a gestão da comercialização da energia gerada em 63 usinas de biomassa, com capacidade instalada de 3.100 MW. Somando outras fontes de energia, são 5.100 MW instalados em 15 estados. A cogeração de energia, para muitas usinas, funciona como uma terceira linha de negócios, depois da produção de açúcar e etanol. Como tal, a receita obtida com ela é normalmente usada para geração de caixa, ajudando a manter a saúde financeira dos grupos e na expansão e melhoria de processos. Hoje estima-se que corresponda a 5% do resultado das usinas, mas essa proporção pode subir bastante em anos com cotações reprimidas nos mercados de açúcar e etanol. Segundo dados da Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), a atual geração de energia elétrica pelas usinas corresponde a apenas 15% do potencial do setor sucroenergético nessa área. Outro aspecto positivo no cenário é a entrada em vigor do programa de incentivo aos biocombustíveis RenovaBio, que deve estimular os investimentos nas usinas. PLANT PROJECT Nº17

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G

ESCÓCIA

UM BRINDE À CIÊNCIA Depois de uma década de pesquisas, cientistas da Universidade Heriot-Watt, em Edimburgo, na Escócia, conseguiram um feito notável: identificar o gene da cevada capaz de resistir a condições climáticas extremas como a seca e o calor. A cevada tem 39 mil genes, quase o dobro dos seres humanos, e encontrar um exemplar específico, e com uma característica peculiar, é um achado que pode provocar mudanças na agricultura. “Esta é uma descoberta significativa que permitirá que mais culturas de resistência à seca sejam produzidas no futuro”, afirmou à imprensa britânica o geneticista Peter Morris, que liderou os estudos. Morris diz que seus experimentos serão fundamentais para a indústria do uísque escocês, que usa a cevada como um de seus três ingredientes essenciais. “Poderemos em breve cultivar variedades de cevada que não se incomodam com as mudanças climáticas.”

E S TA D O S U N I D O S

DO CARVÃO AO MEL O rápido declínio da indústria do carvão teve efeitos desastrosos para a Virgínia Ocidental, uma das regiões mais pobres dos Estados Unidos. Desde 2009, o número de empregos na mineração caiu quase pela metade, obrigando famílias inteiras a deixar suas casas para tentar a sorte em outras regiões do país. Mas agora há uma esperança para os antigos mineradores: a apicultura. A ONG Appalachian Beekeeping Collective criou um programa para ensinar os homens do carvão a realizar o 18

trabalho delicado de produção de mel. Já são centenas deles vivendo às custas das abelhas, um ramo que tem se revelado promissor. Todos os meses, milhares de frascos do mel da Virgínia são vendidos em endereços elegantes de Los

Angeles, Nova York e São Francisco. O projeto também proporcionou aos moradores se reconciliarem com uma antiga vocação. Antes de ser tomada por minas de carvão, a Virgínia era uma das maiores produtoras de mel do país.


O solo é a solução: Como a recuperação de milhões de hectares degradados pode ser usada para frear as mudanças climáticas

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Empresas e líderes que fazem diferença

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Empresas e líderes que fazem diferença

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A terra sob nossos pés

A pressão em cima do agronegócio por preservação, manutenção e recuperação dos solos tende a aumentar, e não faltam motivos para isso. Mas essa cobrança também começa a trazer novas oportunidades para quem faz de suas terras um rico estoque de carbono Por Romualdo Venâncio

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Ag Matéria de Capa

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a agropecuária, encomendar uma análise de solo é como acessar um extrato bancário. Primeiro pelo fato de as terras serem consideradas a maior riqueza da propriedade. E, segundo, porque assim como no balanço financeiro do negócio, desequilíbrio entre depósitos e retiradas é prenúncio de más notícias. Por mais simples que essa equação possa parecer, carrega certo grau de complexidade quanto à interpretação dos resultados e de suas consequências, para o bem ou para o mal. É melhor se dedicar a tal compreensão, pois quem vive da terra precisará se preocupar cada vez mais com o desempenho alcançado na parte de cima do solo – a performance das lavouras propriamente dita – e com as condições na parte de baixo, ou seja, a composição química, física e biológica. Não é opcional, é uma necessidade vital. Nem é individual, porque qualquer área agrícola degradada impacta, com maior ou menor intensidade, na preservação ambiental do planeta. O que acontece sob nossos pés hoje é tão crucial que o mundo assumiu a recuperação de solos como agenda número um no combate às mudanças climáticas. E isso confere ao agronegócio um papel preponderante na preservação das condições de vida no planeta. Muitas vezes visto como vilão ambiental, o setor começa a ser visto mais como o mocinho que pode nos salvar de um desastre iminente. Isso justamente pela capacidade dos solos em sequestrar e manter confinadas enormes quantidades de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases responsáveis pelo chamado efeito estufa. Ótimos para quem produz, solos saudáveis e tratados de maneira responsável são igualmente importantes para toda a população mundial. Com tantos olhares desconfiados mirando o setor, ainda mais no Brasil, por sua importância como fornecedor global de alimentos, fibras e energia, questionamentos e protestos não deixarão de existir, mas há chances de mudar a dose. A essa altura, alguém já deve estar se perguntando: “Se todo mundo sai beneficiado quando eu preservo minha fazenda, minhas terras, não deveríamos rachar o custo disso tudo?”. A conta não é bem essa, tampouco o discurso. Mas a boa-nova é que aquela história de “se não for por amor, será pela dor” ganhou mais uma variável: também pode ser por valor. Já começam a surgir iniciativas que preveem novas recompensas, inclusive financeiras, para quem zela pelo solo e garante um eficiente estoque de carbono. É uma nova pegada no agro.


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Com a preservação do solo e o agronegócio no centro dos principais debates globais sobre sustentabilidade, qualquer discussão sobre mudanças climáticas e aquecimento global passará pelos índices de emissão dos gases de efeito estufa e seu impacto na camada de ozônio. O CO2 tem uma relação muito íntima com a agricultura e a pecuária. “O solo tem grande capacidade de estocar carbono, maior até do que a atmosfera. Ele aprisiona o carbono, e são as práticas de conservação de solo e água que aumentam esse potencial de aprisionamento, revertendo isso em melhorias de produtividade e benefícios para o meio ambiente e para o produtor”, afirma Joyce Monteiro, pesquisadora da Embrapa Solos. Durante décadas, a agropecuária comercial aprendeu a transformar terras pouco férteis em ambientes altamente

produtivos. A ciência e a indústria de fertilizantes prestaram grande serviço à população global desenvolvendo técnicas e nutrientes capazes de dar nova função a grandes faixas de terras antes sem uso. O problema é que, também em imensas áreas, o uso excessivo e o manejo equivocado levaram à degradação das terras destinadas à agropecuária. Elas foram castigadas pela erosão, desequilíbrio de nutrientes, compactação, poluição, acidificação, extração de água, aumento da salinidade e perda de biodiversidade. Como o solo abriga cerca de 25% da biodiversidade do planeta, o impacto é bem relevante. “Entender o sistema solo como um ambiente extremamente complexo, dinâmico e vivo, é algo que faz a diferença no manejo agrícola”, diz Dorotéia Alves Ferreira, gerente de Produtos da Fertiláqua, em um artigo no qual destaca PLANT PROJECT Nº17

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Ag Matéria de Capa

quão importante é o componente biológico desse sistema e a necessidade de que seja mais bem explorado, e relacionado com os resultados no campo. Segundo a executiva, a funcionalidade do sistema está ligada à biodiversidade dos grupos de organismos e microrganismos que compõem a biologia do solo. “Quando nos referimos aos microrganismos, este potencial funcional é ainda maior, visto que estudos revelam que realmente temos um mundo debaixo de nossos pés, com mais de 10 mil espécies de microrganismos por grama de solo”, acrescenta. O estudo Status of the World’s Soil Resources, coordenado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e publicado em 2015, envolveu 600 pesquisadores de 60 países e concluiu que mais de 30% dos solos do mundo estão degradados. No Brasil, a preocupação é maior em relação aos pastos, pela extensão e pelos níveis de deterioração. Segundo levantamento da Embrapa, as áreas de pastagens, entre nativas e plantadas, somam 180,2 milhões 24

de hectares, mais de 21% do território nacional. “Mas estima-se que aproximadamente metade dessa área esteja degradada ou apresente algum grau de degradação. São terras que poderiam ser aproveitadas para a agricultura”, comenta Flávio Bonini, gerente de Serviços Técnicos da Mosaic Fertilizantes, uma das empresas líderes no segmento de nutrientes para a agricultura. A redução da capacidade produtiva do solo também aflige outras grandes potências agrícolas do mundo. O estado de Iowa, por exemplo, um dos maiores produtores de milho, soja e aveia dos Estados Unidos, é caracterizado por uma cobertura orgânica escura e tão rica em nutrientes e fértil que passaram a chamá-la de “ouro negro”. Mas entre o início e o final do século 20, a profundidade do solo caiu de uma medida entre 35 a 45 centímetros para algo entre 15 e 20 centímetros, como mostra a série Follow the Food, produzida pela BBC Future e pela BBC World News,


com apoio da Corteva Agriscience. Apenas na primavera de 2014, por exemplo, a degradação levou algo próximo de 14 milhões de toneladas de solo em campos férteis do Iowa. Essa perda toda tem impacto direto na produção de alimentos, e por isso cresce a preocupação com as práticas agrícolas. SAFRA DE MUDANÇAS O estudo da FAO sobre as condições dos solos também chama a atenção para a emergencial necessidade de se promover transformações impactantes nos modelos de produção agropecuária. “A degradação dos solos no mundo é muito alta e pode trazer consequências desastrosas nas próximas décadas para milhões de pessoas nas áreas mais vulneráveis”, analisa Maria de Lourdes Mendonça Santos Brefin, pesquisadora da Embrapa Solos que integra o comitê editorial e é a coordenadora para América Latina e Caribe dessa publicação. Segundo ela, sem ações concretas que envolvam indivíduos, setor privado, governos e organizações internacionais, a situação pode se agravar. Essa condição é reforçada pelos dados de um relatório divulgado em agosto deste ano pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês para Intergovernmental Panel on Climate Change), órgão das Nações Unidas para avaliar a ciência relacionada às mudanças climáticas. De acordo com o documento, a agricultura e o desmatamento geram cerca de 23% das emissões de gases de efeito estufa, incluindo aí 44% das emissões de metano. Com a população mundial crescendo, insistir em uma agricultura não sustentável pode até nos levar a um aumento maior que 2 °C no aquecimento global, o que vai prejudicar, entre outras coisas, o potencial de cultivar alimentos. A boa notícia, por outro lado, é que o relatório também diz ser possível reduzir tal impacto aumentando a capacidade de sequestro de carbono, o que pode ser feito com alterações nas práticas de agricultura e silvicultura de forma rápida e intensa. E é bem verdade que em solo brasileiro essa transformação já vem acontecendo, e pode ser ampliada. Sem tempo a perder, quanto mais ferramentas e incentivos, melhor. Esses estímulos, que podem vir pela pesquisa científica, por definições de políticas públicas e por agregação de valores, tendem a aumentar o nível de comprometimento da cadeia produtiva com todo esse processo de mudanças teóricas e práticas. “Estamos chegando a patamares de produtividade em que é preciso rever os métodos de conservação de solo”, comenta Bonini, da Mosaic. Ao mesmo tempo que a indústria aperfeiçoa o desenvolvimento de produtos que contribuem para esses esforços, o Brasil tem dado passos importantes na aplicação de técnicas de manejo que o tornaram referência em aplicação de tecnologias para preservação do solo, como o sistema de plantio direto na palha. “Metade PLANT PROJECT Nº17

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da produção nacional de grãos já é feita dessa forma. O agricultor está vendo valor nesse manejo”, diz o executivo. Dados da Federação Brasileira de Plantio Direto e Irrigação (Febrapdp), mostram que o sistema já é aplicado em quase 33 milhões de hectares. Um dos precursores desse manejo e um dos fundadores da Febrapdp é Franke Dijkstra, da Fazenda Frank’Anna (Carambeí, PR), personagem na primeira temporada da série TOP FARMERS, produzida pela PLANT. Dijkstra começou a trabalhar com plantio direto, em 1976, exatamente para conter a erosão causada pelo aumento da exploração, acima do que suas terras poderiam suportar. Após o início do cultivo com arroz, entrou também no milho. Em seguida vieram o trigo e a soja, compondo uma rotação de culturas. “Parecia uma maravilha, mas a movimentação de preparo do solo duas vezes por ano acelerou a degradação, que ficou quatro vezes mais rápido do que se fosse uma só cultura”, conta o produtor. É importante ressaltar que o problema de Dijkstra, naquele período, não era a rotação de culturas, mas sim a forma como foi utilizada. A técnica em si é uma prática altamente favorável à preservação do solo e otimiza o sistema de plantio direto, em especial quando são plantas com tipos distintos de raízes, capazes de explorar partes diferentes da terra. “Isso aumenta o aproveitamento da matéria orgânica”, diz Joyce Monteiro, da Embrapa Solos, que destaca ainda outras tecnologias que

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avançam no Brasil e contribuem para a preservação ambiental. Ela cita, por exemplo, a integração lavoura-pecuáriafloresta, a ILPF, que favorece os processos de recuperação de pastagens e de reflorestamento. “Grande parte do uso de nossas terras para agropecuária é com pastagens, e a recuperação de áreas degradadas vai evitar a perda de carbono do solo e reduzir a emissão de gases de efeito estufa por unidade animal”, explica. Isso, além de evitar a necessidade de desmatamento para a criação de novas áreas produtivas. A Associação Rede ILPF estima que os sistemas de integração já são utilizados em cerca de 11,5 milhões de hectares. Nesse novo momento da relação entre o agronegócio e a sustentabilidade, reduzir virou palavra de ordem. A indústria de insumos também foi impactada e precisa se adequar para ajudar o produtor a ter lavouras mais eficientes aplicando menos produtos. Para Bonini, no caso dos fertilizantes, um avanço significativo é a assertividade na aplicação, ou seja, o produto certo, na dose correta e no momento e local adequados. Essa precisão vem também pelas inovações. “Desenvolvemos uma fonte de fósforo que é associada a duas fontes de enxofre, uma que fornece o mineral rapidamente no arranque da planta e outra que vai liberando gradualmente na formação do grão ou na reprodução”, explica o gerente da Mosaic, que ainda destaca a importância da qualidade física do solo e das plantas para o melhor aproveitamento desses nutrientes. “Cada ajuste desse tem trazido avanços consideráveis. São muitas inovações envolvendo a parte química, com a melhor distribuição de cada elemento, e física, como a melhoria da raiz

para absorção de água.” As mudanças geradas pelos cuidados com a fertilidade do solo podem ter a dimensão de uma região toda ou de um bioma. “Desde que a agricultura migrou para o cerrado houve uma explosão de produtividade. Isso ocorreu basicamente porque aprendemos a manejar esse solo que era muito pobre do ponto de vista da composição química”, diz Ana Borin, pesquisadora da Embrapa Algodão. Alocada em Goiânia (GO), Ana acompanhou de perto a evolução das terras naquela região do Brasil Central. Para se ter ideia do impacto da alteração de manejo nas fazendas, em cerca de 25 anos o que era deficiência de fósforo acabou se transformando em reserva do mineral. “Como se tratava de um elemento limitante para o solo do cerrado, culturalmente o agricultor se acostumou a trabalhar com altas doses de fósforo. Hoje, a maioria das áreas já está com os níveis adequados ou até elevados”, comenta. Ana também reforça que a avaliação das condições do solo não se restringe à composição química. E faz um alerta em relação a um risco da parte física das terras, a compactação, que pode ser causada até mesmo pelas chuvas, quando são mais intensas, caso não haja cobertura sobre o solo. “Por isso a gente preconiza tanto o plantio direto”, ressalta. Outro fator que merece atenção é o tráfego de máquinas em terras com alta umidade. Ana conta que alguns grupos de produtores já trabalham com um controle maior desse trânsito de maquinário. “Em função da intensificação da agricultura, muitas vezes é preciso entrar com uma colhedora de soja mesmo em um período de chuva, ainda mais no caso de cultivares precoces”, explica. PLANT PROJECT Nº17

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Segundo ela, com a antecipação dos ciclos, a semeadura da segunda safra acaba acontecendo com o solo ainda úmido. “A compactação impede o crescimento adequado das raízes das plantas, que sofrem muito mais no caso de um veranico, e favorece o escorrimento superficial da água, pois não há infiltração. Quando isso acontece, mesmo que a nutrição da terra esteja correta, os resultados não aparecem.” POLÍTICAS PÚBLICAS O incentivo à adoção de práticas mais sustentáveis na produção agropecuária também chega ao campo por meio de políticas públicas. Um dos principais exemplos disso no Brasil é a implementação, no início desta década, do Plano ABC, desenvolvido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esse projeto 28

é bastante estratégico, a começar pela sigla, uma referência à agricultura de baixa emissão de carbono, que facilitou bastante sua divulgação. Certamente daria muito trabalho explicar a iniciativa com seu nome oficial: Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura. Mas o que vale mesmo é o conteúdo do projeto, os resultados que já gerou e os que ainda deve gerar. Baseado em linhas de crédito específicas para os produtores rurais, o Plano ABC é coordenado pela Embrapa e composto por sete programas voltados ao desenvolvimento de uma agropecuária com menor impacto ambiental. Praticamente todos têm relação com a preservação do solo. Três deles, mais diretamente: Recuperação de Pastagens Degradadas, Sistema de


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preservação de água e solo. “Sobram motivos para termos políticas públicas nesse sentido, e temos tecnologia para resolver esses problemas”, comenta. “Esse novo projeto é também uma grande campanha que deveria ser adotada imediatamente desde o ensino fundamental, tanto no meio urbano quanto no rural. Isso tudo tem impacto na sociedade, pois o tratamento de água fica mais caro a cada dia e pode haver problemas para a produção de energia.” A previsão era de que o resultado da análise desse projeto saísse ainda no mês de outubro, e, a partir daí, havendo recursos, começaria o desenvolvimento. No cenário internacional, vai ganhando força o Green New Deal, movimento iniciado nos Estados Unidos, pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez e pelo senador Ed Markey, ambos democratas, cujo objetivo principal é acelerar a “descarbonização” da economia. Um dos vetores dessa mudança é a chamada agricultura regenerativa, que pode promover o crescimento de

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Plantio Direto e Fixação Biológica de Nitrogênio. Como consequência do estímulo ao uso de práticas sustentáveis, já foi possível sequestrar 35 milhões de toneladas de gás carbônico (CO2), muito por conta da expansão da ILPF, que também faz parte da lista dos programas. O resultado contribui para que o Brasil possa cumprir a meta de reduzir em 40% a emissão dos gases de efeito estufa no período que vai de 2005 a 2020. Na verdade, trata-se de um compromisso assumido em 2009, de forma voluntária e com efeito retroativo, durante a COP 15, a Conferência do Clima das Nações Unidas, realizada em Copenhague, na Dinamarca. “O Plano ABC é uma comprovação de que a produção agropecuária pode estar em equilíbrio com a preservação ambiental. Somos pioneiros em políticas conservacionistas”, comenta Joyce Monteiro, lembrando que a Embrapa tem se dedicado a ampliar o leque de ferramentas e sistemas que deem condições aos produtores de corresponderem às demandas globais de preservação. A pesquisadora cita como exemplo os programas de certificação de carne carbono zero ou de baixo carbono. Mas há também o Pronasolos, o Programa Nacional de Solos do Brasil, instituído em junho de 2018 pelo Mapa, com o apoio da Embrapa e duração de 30 anos. O objetivo nos primeiros dez anos é mapear os solos de 1,3 milhão de km2 e, até 2048, mais 6,9 milhões de km2. “Estamos com a faca e o queijo nas mãos, e precisamos aproveitar”, acrescenta. Colega de Joyce na Embrapa Solos, o pesquisador Aluísio Andrade conta que já há outra ação envolvendo a instituição e o Mapa. Trata-se de um programa de microbacias hidrográficas para a

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empregos no campo, pela maior demanda de trabalho manual, e beneficiar a saúde das comunidades pela qualidade dos alimentos, como mostra uma reportagem veiculada pela revista Fast Company. Embora não seja uma publicação especializada em agronegócio, os principais temas que aborda têm tudo a ver com a evolução do setor: inovação tecnológica, liderança, ideias disruptivas e criatividade e design. O artigo da Fast Company diz que o Green New Deal quer promover uma substituição da monocultura convencional e multiplicar as fazendas com produção mais variada de culturas, integrando todos os aspectos da agricultura. No campo da política, a iniciativa enfrenta a resistência dos republicanos. E, na área econômica, é preciso convencer sobre as vantagens para o balanço financeiro dos produtores, afinal, sustentabilidade também é negócio, sobretudo agronegócio. É na contabilidade das cifras que reside parte dos embates desse novo acordo ambiental, pois o governo norte-americano destina anualmente US$ 13 bilhões ao sistema de monocultura que o movimento combate. Esses recursos são disponibilizados por meio da Farm Bill, a legislação que define subsídios e financiamentos para a agropecuária do país, e atendem operações de apenas seis culturas (milho, trigo, soja, algodão, arroz e amendoim). A discussão traz à tona a questão da remuneração aos fazendeiros pela prestação de serviços ambientais, que começa a ganhar corpo também no Brasil.

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A TECNOLOGIA COMPENSA A combinação do impacto ambiental da recuperação dos solos com os aspectos econômicos abertos por essa perspectiva atraiu a atenção de empreendedores de todo o mundo, inclusive nos berços da tecnologia mundial. Entre os meses de novembro agora e janeiro do ano que vem acontece a etapa de incubação do desafio para startups criado pela americana Indigo Ag, a AgTech mais valiosa da atualidade, como mostrou a PLANT. Trata-se do Terraton Challenge, que faz parte do Terraton Initiative, um programa que tem como meta ambiciosa gerar condições para o sequestro de 1 trilhão de toneladas de carbono da atmosfera em reservas de solo. A ousadia dessa iniciativa não está apenas no tamanho desse objetivo, mas também nas recompensas para os envolvidos. As startups que chegarem à etapa semifinal do desafio já podem pensar em investimentos que vão desde US$ 60 mil em subsídios até US$ 3 milhões em contratos, além da possibilidade de acesso a mentores, painéis de revisão, palestrantes especializados e experiências no mundo real. Praticamente uma plataforma de lançamento para a estratosfera das inovações tecnológicas. Das três áreas que estruturam o desafio, duas estão voltadas especificamente para o manejo no campo, pois envolvem a aceleração do sequestro de carbono pelo solo e métodos para quantificar o carbono no solo. Ambas são igualmente vantajosas para os fazendeiros, mas a terceira deve animá-los um pouco mais: programas financeiros inovadores que premiem produtores que adotarem práticas de

sequestro de carbono. Em junho deste ano a Indigo já havia lançado o Carbon Marketplace, uma plataforma para estimular essas negociações, com pagamento médio de US$ 15 por tonelada de carbono, remuneração variável de acordo com a relação oferta e demanda. Produtor que está percebendo essas novas oportunidades mercadológicas é geralmente aquele mais bem preparado e antenado com as novidades tecnológicas. É esse agricultor que torna PLANT PROJECT Nº17

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mais desafiador o trabalho das empresas de insumos. “Quando visitamos um produtor da fazenda, ele já nos recebe com um volume de informações muito grande e um senso crítico muito forte. E é ele quem primeiro percebe as mudanças no campo, afinal é sua rotina, seu dia a dia. Como profissionais do setor, precisamos estar muito ligados às demandas”, diz Harley Sales, especialista agronômico sênior da Yara Brasil. Segundo ele, a troca de informações também é muito mais veloz entre produtores, entre consultores e entre os dois grupos. “Qualquer situação inusitada, logo todos estão sabendo. Temos a preocupação de oferecer ferramentas que ajudem o produtor a entender essas situações e a tomar decisões acertadas.” Nessa dobradinha de tecnologia e ganho econômico, a Embrapa desenvolveu uma novidade que soma 18 anos muito tempo de pesquisa e o resgate de um tesouro, enterrado por praticamente meio século, que vale em média US$ 40 bilhões, ou seja, mais de R$ 165 bilhões. Por meio de uma parceria público-privada que envolveu sua unidade Milho e Sorgo e a empresa Bioma, foi desenvolvida uma solução biológica que ajuda o produtor a resgatar o fósforo que estava em suas terras por décadas sem que pudesse ser aproveitado. O inoculante foi produzido

NAS TERRAS DA RAINHA No ano passado, a União Europeia repassou aos agricultores britânicos 3,9 bilhões de euros em subsídios para atender uma área de 17,4 milhões de hectares, conforme noticiado pela agência de notícias Bloomberg. Caso o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, tenha sucesso na conclusão do processo do Brexit e o país deixe o bloco comercial, esse aporte financeiro deixará de existir. Uma alternativa para substituir esses recursos pode estar 32

na venda de créditos de carbono, mercado crescente no mundo todo. Esse mercado já conta com empresas especializadas tanto no cálculo de sequestro de carbono quanto na comercialização dos créditos, principalmente para companhias que precisam compensar a poluição que geram. Esse cenário levaria mais fazendeiros britânicos a adotar medidas para armazenar carbono, como o plantio de árvores e a proteção de pântanos. E

seria um importante reforço para que o Reino Unido alcance sua meta de se tornar neutro em carbono até 2050. O Brexit já mexeu com o mercado futuro dos créditos de carbono. Às vésperas da votação, houve alta dos contratos deste segmento na bolsa ICE Futures Europe, que chegaram a 27,47 euros por tonelada. A valorização ocorreu logo após um acordo para a permanência do Reino Unido no Sistema de Comércio das Emissões da UE até o final de 2020.


a partir de duas bactérias que a Embrapa identificou, uma no solo e outra no milho, e que podem aumentar a absorção de fósforo pelas plantas. “Em alguns solos de plantio direto, cerca de 88% do fósforo encontra-se em forma orgânica, indisponível para ser absorvido pelas raízes, e precisa ser mineralizado para esse fim. As bactérias solubilizadoras de fosfatos conseguem disponibilizar o elemento para a planta, atuando de forma agronômica nesse grande estoque presente na natureza”, explica Christiane Paiva, pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo e responsável pelo estudo que levou a essa novidade. Experimentos realizados com o inoculante em lavouras de milho apresentaram ganho médio de 10% na produção de grãos, o equivalente a um aumento de dez sacas por hectare. Mais do que a vantagem produtiva, o produto pode gerar economia no consumo de fertilizantes fosfatados sintéticos – pela

redução da dependência e por ser mais barato – e diminui significativamente o índice de emissão de gás carbônico na atmosfera. Como se pode ver, a preservação dos solos agrícolas é uma responsabilidade compartilhada, uma questão que tem de estar bem resolvida em todos os elos da cadeia. Para o produtor rural, então, ou cuidar do solo, ou correr o risco de ficar sem chão, seja no sentido literal, seja no figurado. “Meu pai sempre falou que o solo era o maior patrimônio que poderiam deixar para mim e meus irmãos. Ele dizia que ativos como máquinas e armazéns a gente reconquista, mas se deixássemos a erosão levar a camada de ouro que é nosso solo, a base de nossa produção, não perderíamos apenas nutrientes”, diz Fernanda Falcão, agrônoma, gerente técnica da Sementes Falcão e personagem da segunda temporada da série TOP FARMERS. PLANT PROJECT Nº17

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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA PARA NUTRIR A AGRICULTURA Uma das maiores riquezas da produção agrícola brasileira está exatamente em sua base: o solo. Aliás, na agricultura não se aplica aquela história de que “o que vem de baixo não me atinge”. Ao contrário, atinge em cheio e o tempo todo: melhora ou piora, gera evolução ou retrocesso, promove desenvolvimento ou degradação, traz lucratividade ou prejuízo. Tudo depende da eficiência, da responsabilidade e do profissionalismo com que a terra é tratada, manejada, o que ainda tem impacto direto na preservação da água, outro insumo pra lá de valioso. Diante de uma agenda cada vez mais intensa envolvendo sustentabilidade da produção global de alimentos, seja pela necessidade dos próprios agricultores, seja pelas exigências do mercado internacional, estratégias para bem utilizar e 34

preservar o solo e a água são vitais para o planeta. E boa parte das soluções vem das inovações tecnológicas, como as apresentadas ano a ano pela indústria de fertilizantes. Os fertilizantes, fazem parte de um pacote tecnológico aplicado nas áreas de produção em conjunto com sementes, defensivos agrícolas e outros insumos, sendo que esse pode elevar a produtividade em até 60%. Mas para que isso de fato aconteça, é preciso ter informação – e transformá-la em conhecimento. A começar pelas análises de solo, que revelam algumas características dele, sua condição atual e sua disponibilidade de nutrientes para as plantas. A correta interpretação desses dados, associada às características da cultura a ser plantada, define o manejo mais apropriado. E

determina o retorno do investimento em fertilizantes, que acontece em prazos diferentes, pois cada nutriente tem uma dinâmica distinta no solo e na fisiologia das plantas. É para aumentar a eficiência no manejo de solo e praticidade na rotina diária dos agricultores que a Mosaic Fertilizantes investe pesado no desenvolvimento de tecnologias inovadoras e até exclusivas. Atualmente, a empresa coloca à disposição dos agricultores mais de dez opções de soluções que contribuem para a produção de alimentos no mundo. Mais do que performance, a Mosaic Fertilizantes oferece facilidade de manuseio e assertividade. Não por acaso, a empresa fundamenta a elaboração de seus produtos nos quatro “Cês”: fonte certa, taxa certa, tempo certo e lugar certo. Essa equação


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aumenta a capacidade agrícola das culturas a cada safra, potencializando o crescimento das plantas e a qualidade de frutos e grãos. A segurança em relação a tais resultados vem da robusta tecnologia de pesquisa e desenvolvimento, da ampla cadeia de testes industriais e a campo, com inúmeros ensaios com instituições de pesquisa e nas fazendas de parceiros. A linha de produtos que a Mosaic Fertilizantes desenvolve com tecnologia exclusiva é chamada de Performance. Além do elevado padrão de qualidade, essa linha tem como diferencial a precisão, pois assegura a melhor distribuição dos insumos na área cultivada e os melhores níveis de concentração e combinação de nutrientes. Essa combinação proporciona um maior retorno do investimento, se comparado aos fertilizantes convencionais.

Destaque para o MicroEssentials, que traz no mesmo grânulo nitrogênio, fósforo e enxofre, elementos essenciais para as plantas, e já é utilizado em várias regiões do Brasil com diversas culturas – soja, milho, algodão, batata, trigo, entre outras. Em uma de suas minas – são seis de fosfato e uma de potássio – a Mosaic Fertilizantes encontra o mineral Langbeinita, que traz em sua composição potássio, magnésio e enxofre, e é matériaprima para a fabricação do K-Mag, outra solução da linha Performance. O K-Mag traz uma fonte de magnésio solúvel (sulfato de magnésio), a qual torna o nutriente disponível para planta de forma mais rápida quando comparada a outras fontes e também é aplicado em diferentes culturas, como cana, café, batata, milho e soja. O mais recente produto da linha

Performance é o Aspire, que contém em sua formulação uma fonte de potássio e duas fontes de Boro, micronutriente muito importante devido à carência nos solos brasileiros. O grande diferencial do Aspire é que uma das formas do boro fica prontamente disponível para a planta, enquanto a outra tem liberação gradual e sua liberação acompanha o desenvolvimento da lavoura. Além de contribuir para a melhoria dos aspectos físicos, químicos e biológicos do solo, as inovações tecnológicas no segmento de fertilizantes também potencializam outros sistemas de manejo, como plantio direto e integração lavoura-pecuária-floresta, fortalecendo e promovendo o agronegócio sustentável. Esse é também um compromisso da Mosaic Fertilizantes. PLANT PROJECT Nº17

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Bolsonaro na ONU: discurso colocou lenha nos debates sobre a preservação da Amazônia 36


Política

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AMBIENTE DE DÚVIDAS As posições do governo Bolsonaro em torno de questões que vão da Amazônia ao financiamento das safras dividem opiniões até mesmo na bancada do agro Por Iva Velloso, de Brasília

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oi um momento marcante. Talvez seja esse o único consenso em torno do discurso de Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, no mês de setembro passado. De resto, o estilo pouco conciliador do presidente brasileiro na tradicional sessão de abertura do evento provocou reações das mais diversas, mesmo entre públicos que se imaginavam mais alinhados com suas propostas. No campo internacional, as posições em torno da questão ambiental – particularmente em relação à Amazônia -- colocaram mais lenha na fogueira dos debates entre o Brasil e países desenvolvidos, especialmente da Europa, que acusam o governo brasileiro de negligenciar a preservação dos nossos ecossistemas. Desde que assumiu, em janeiro deste ano, Bolsonaro tem mudado o direcionamento da política ambiental

brasileira, o que vem preocupando a comunidade internacional. O comportamento pouco diplomático do presidente tem dado munição aos críticos e acirrado ainda mais a guerra de versões em torno da real situação ambiental do País. Mas, apesar da retórica, não houve, na prática, nenhuma mudança na legislação ambiental brasileira. Tudo continua rigorosamente igual. As exigências da lei em relação ao meio ambiente são as mesmas que existiam antes da posse de Bolsonaro. Não é apenas no exterior, porém, que a retórica divide opiniões. Por aqui, os produtores brasileiros hoje também estão divididos. Pode-se classificá-los em duas categorias: os que conhecem bem o mercado externo – os grandes players do agronegócio – estão preocupados com possíveis retaliações por parte de alguns dos parceiros comerciais do Brasil, tendo a questão ambiental como justificativa; PLANT PROJECT Nº17

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os que acham que a questão ambiental deve ser flexibilizada afirmam que o Brasil não precisa se preocupar com a opinião do resto do mundo. O que tira o sono da ala exportadora é que este último grupo parece que vem sendo mais ouvido no Palácio do Planalto. Abertamente, poucos representantes do setor se arriscam a criticar o governo, com medo de serem colocados ainda mais à margem das discussões de interesse do agronegócio. Os únicos que tiveram coragem de mostrar a insatisfação com essa política foram os ex-ministros da Agricultura, Blairo Maggi e Kátia Abreu. Conhecedores do mercado externo, os ex-ministros sabem os prejuízos que o setor pode sofrer se não houver uma sinalização mais clara por parte do governo de que o meio 38

ambiente não será afetado. Um dos maiores empresários do agro no Brasil, Maggi mantém contato permanente com dirigentes do agro e tem ouvido muitas queixas à postura do governo com relação à questão ambiental, que pode configurar um retrocesso de anos nas negociações com mercados externos. O maior problema é que muitos pontos levantados pelo governo na disputa entre meio ambiente e agropecuária já estavam pacificados desde 2012, quando entrou em vigor o novo Código Florestal. O processo de negociação foi longo durante a votação do projeto, mas o acordo foi firmado e as arestas haviam sido aparadas na época. Para Maggi, o governo precisa entender a visão que os outros países têm do Brasil. “Para eles tudo é

Amazônia. Os estrangeiros não têm ideia do tamanho e da diversidade do nosso país.” O ex-ministro também lembrou que as queimadas nesta época do ano são comuns. As queimadas, aliás, inflamaram ainda mais as discussões. Ambientalistas, artistas e líderes mundiais publicaram em suas redes sociais fotos – reais e fakes – da Amazônia em chamas cobrando providências do governo brasileiro. Isso irritou profundamente Bolsonaro. Para além da questão ambiental, porém, existem outros pontos que dividem e preocupam os produtores em relação ao governo: o fim da Lei Kandir, em tramitação no Congresso; o perdão da dívida com o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural); as mudanças no financiamento agrícola e os cortes nos


Política

Ag

O presidente entre os ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e da Economia, Paulo Guedes: cada um puxa para um lado na definição do Plano Safra

orçamentos das estatais ligadas ao agro. FUNRURAL A dívida com o Funrural é uma discussão que divide, inclusive, a bancada ruralista no Congresso. Ao lado do secretário Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Nabhan Garcia, o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) tem sido porta-voz dos que defendem a anistia, hoje estimada em R$ 11 bilhões. O ministro Paulo Guedes, da Economia, não está disposto a perdoar integralmente essa dívida. Em reunião com a bancada ruralista no final de setembro, propôs reabrir o Refis – programa para refinanciamento de dívidas – para renegociar débitos de produtores rurais com o Funrural. O governo já tinha feito um Refis em 2018, mas a adesão foi baixa, arrecadou pouco mais de R$ 500 milhões. Os produtores cobram o perdão da dívida, uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro. O problema é que esse tema não é consenso nem mesmo dentro da FPA (Frente Parlamentar do Agronegócio). Alguns integrantes da bancada ruralista acreditam que o perdão da dívida do Funrural cria “constrangimentos ao setor” e pode prejudicar outras negociações em curso.

PLANO SAFRA O ministro Paulo Guedes, aliás, tem sido crítico aos benefícios oferecidos ao setor e defende cortes na equalização dos recursos destinados ao financiamento agrícola. A briga já começou este ano. Para garantir a equalização dos R$ 10 bilhões destinados ao financiamento da safra 2019/20, foi preciso intervenção da ministra Tereza Cristina, da Agricultura. O valor ficou igual ao do ano anterior. Se depender da equipe econômica do governo, a previsão é de que no ano que vem esses valores sejam menores. Para tentar acalmar a reação dos produtores, o governo preparou uma medida provisória, anunciada durante o lançamento do Plano Safra em junho e encaminhada ao Congresso no início de outubro,

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O deputado Neri Geller (esq.) e reunião na FPA com a ministra Tereza Cristina, o deputado Alceu Moreira e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia: ofensiva para evitar taxação nas exportações

com benesses ao setor. Batizada de MP do Agro, o texto tem basicamente sete pontos que estão sendo acordados entre os ministérios da Economia, Agricultura, o Banco Central e a FPA. Três desses pontos são mais favoráveis ao setor. O primeiro seria a criação do chamado patrimônio de afetação. A operação permitiria ao produtor, em caso de empréstimo de longo e médio prazo, hipotecar apenas parte da sua propriedade e não toda, como ocorre atualmente. Para lastrear esse financiamento, seria criada a Cédula Imobiliária Rural (CIR). Segundo o diretor de Financiamento e Informação do Mapa, Wilson Vaz de Araújo, muitas vezes os valores dos empréstimos são bem menores do que o valor da propriedade, o que é muito prejudicial para o produtor. Daí a importância dessa medida. O segundo ponto da MP do Agro é a criação de um fundo de aval fraterno, ofertado como uma fiança para a dívida dos 40

produtores. O fundo seria formado por produtores, instituições financeiras – bancos ou cooperativas – e poderia usar uma linha de refinanciamento de dívidas do BNDES, que não tem participação do Tesouro Nacional, criada para reduzir o custo financeiro da dívida dos agricultores inadimplentes. Atualmente essa linha do BNDES cobra cerca de 11% ao ano de juros, mas esse percentual poderá ser reduzido caso o Fundo seja regulamentado. Por fim, outro ponto importante da MP é o que estende a possibilidade de equalização do crédito rural. Pela medida, todos os bancos que operam no sistema nacional de crédito rural podem ter acesso a recursos equalizáveis -pela legislação atual, apenas os bancos públicos federais (Banco do Brasil e Caixa) e as cooperativas de crédito têm acesso à equalização dos juros oferecida pelo governo. A MP já deveria ter sido

editada pelo governo, mas são mais de 19 equipes trabalhando no texto. A FPA acompanha de perto. Os deputados e senadores não aceitam redução nos valores equalizados pelo governo. “A equipe econômica tem que ver esses recursos como investimento e não como despesas. O agro é um dos setores que mais dá retorno ao governo”, afirma o deputado Neri Geller, que já foi ministro da Agricultura e secretário de Política Agrícola do Ministério. ESTATAIS Os cortes nas estatais vinculadas ao Ministério da Agricultura também podem afetar a relação entre o governo e os produtores rurais, especialmente os da bancada ruralista no Congresso. De acordo com o projeto orçamentário do governo para o próximo ano, Conab e Embrapa vão perder cerca de 50% dos recursos. Se confirmado esses valores, as duas empresas só terão dinheiro para bancar as


despesas correntes até setembro do próximo ano. Para conseguir minimizar as perdas, o Conselho Administrativo da Conab decidiu que a empresa irá trabalhar apenas com pesquisas e inteligência. A questão de armazenagem deixará de ser uma das suas atribuições. Com isso, esperam reduzir as despesas e o número de funcionários. Outra proposta que está sendo analisada no Ministério da Agricultura é o fechamento de algumas superintendências nos estados. A decisão ainda não foi tomada porque a ministra sabe que vai enfrentar grande resistência por parte dos parlamentares nos estados. A Conab conta atualmente com mais de 4 mil servidores em seus quadros. A previsão do governo é reduzir para cerca de 1,5 mil. Para isso serão oferecidos PDVs (Planos de Demissão Voluntária). Já a Embrapa terá que se desdobrar para seguir em frente com suas pesquisas. O orçamento da empresa, que até este ano estava em R$ 3 bilhões, caiu para R$ 1,5 bilhão em 2020. LEI KANDIR Outra batalha que o setor deverá travar nos próximos dias é barrar a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 42/19, que acaba com a Lei Kandir. Os produtores temem que os produtos brasileiros percam

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foto: Divulgação

Política

competitividade ao perderem a isenção do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de produtos primários, como itens agrícolas. Embora a pressão para acabar com a isenção do ICMS venha dos governos estaduais, a equipe econômica do governo se mostra favorável ao projeto, já que considera o fim da Lei Kandir um dos pilares da reformulação no pacto federativo, defendido por Guedes. O texto tem o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que já pediu para acelerar a tramitação da PEC. Ele queria levar o projeto para ser votado diretamente em plenário, mas não conseguiu por se tratar de reforma constitucional. Preocupado com as consequências, o setor começou uma ofensiva para impedir que a PEC avance sem que o setor

seja retirado da lista dos produtos que serão taxados. Para garantir que não haverá problemas futuros, o presidente da FPA, Alceu Moreira (PP-RS), já se articulou com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), e acertou que apenas o setor de mineração será taxado. Os ruralistas sabem que não poderão contar com o apoio do governo para barrar o fim da Lei Kandir, mas estão trabalhando duro para não ter que enfrentar mais uma perda. “Estamos discutindo uma reforma tributária mais ampla. Não faz sentido discutirmos isso agora”, argumenta Moreira. Apesar de todas essas questões, o apoio ao governo continua firme. O presidente da Aprosoja Brasil, Bartolomeu Braz, acha que Bolsonaro vem atendendo as expectativas do setor e cumprindo o que foi proposto na campanha. Mas o certo é que o clima já foi melhor no meio ambiente agropolítico. PLANT PROJECT Nº17

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UM COMBUSTÍVEL PARA O FUTURO Lançado há 40 anos, motores movidos a etanol transformaram a indústria automotiva e ainda são um dos pilares do desenvolvimento de tecnologias sustentáveis da FCA

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á exatos 40 anos, a Fiat começaria a mudar para sempre a história da indústria automotiva brasileira. Depois de um longo período de testes, pesquisas e simulações, a empresa lançou no dia 5 de julho de 1979 o Fiat 147 a etanol, o primeiro carro do mundo movido a combustível derivado de cana-de-açúcar. Sob diversos aspectos, o projeto representou um marco para o setor. Além do pioneirismo, ele demonstrou que era possível desenvolver tecnologias em prol de veículos mais eficientes e menos poluentes, numa época em que as preocupações ambientais não estavam na agenda de empresas e consumidores. “O etanol foi, é e sempre será importante para nós”, diz João Irineu Medeiros, diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da FCA para a América Latina. “Começamos há 40 anos com o sistema de carburador e hoje trabalhamos no desenvolvimento de sistema turbo, injeção direta e uma série

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de outras alternativas que serão incorporadas ao motor a etanol para melhorar ainda mais o desempenho em relação ao motor a gasolina.” O Fiat 147 a etanol começou a nascer em 1976, com o início das pesquisas sobre o uso do álcool hidratado. Naquele ano, em sua primeira participação no Salão do Automóvel de São Paulo, a Fiat expôs um protótipo com milhares de quilômetros rodados. Em 1977, a empresa se dedicou ao aperfeiçoamento técnico do projeto, além da produção de unidades que foram submetidas a diversos testes. No ano seguinte, desenvolveu o motor 1.3 de 62 cv de potência e 11,5 kgfm de torque, mais adequado para o uso do etanol que o propulsor a gasolina de 1.050 cilindradas até então utilizado no 147. No início de 1978, três modelos movidos a etanol foram entregues ao DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) para serem testados no policiamento da Ponte Rio–Niterói. Em setembro, o novo automóvel enfrentaria a sua pro-

va de fogo: uma viagem de 12 dias, percorrendo 6,8 mil quilômetros de estradas de asfalto e terra e com variações climáticas de mais de 30 graus. O extraordinário desempenho mostraria que o veículo estava pronto para ser apresentado aos brasileiros. O primeiro carro movido a etanol estimulou inovações em todo o processo produtivo. “No 147, o sistema de injeção de combustível era o carburador, que no início não tinha um tratamento tão eficaz para conter a corrosão do etanol”, lembra Ronaldo Ávila, supervisor de Engenharia de Produto da FCA. “Começamos então a adotar materiais que protegessem o componente, mas ao mesmo tempo trabalhamos para atingir um outro nível tecnológico, que passaria pelo carburador duplo até chegar à injeção eletrônica.” A evolução do sistema de injeção melhorou a mistura de ar e combustível nos motores. Como resultado, houve ganhos significativos de desempenho e, ao mesmo tempo, redução de consumo.


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Fiat 147 movido a álcool, na linha de montagem e os primeiros modelos entregues: uma revolução que continua movendo o País

O conhecimento adquirido ao longo dos anos com a consolidação dos motores a etanol no mercado brasileiro foi vital para a nova era dos bicombustíveis. Nos anos 2000, a Magnetti Marelli acabaria desenvolvendo a tecnologia flexfuel. Em parceria com a Fiat, ela lançou em 2005 motores 1.0 flex para o Mille Fire, Palio Fire e Siena Fire. “Nessa época, os concorrentes tinham apenas opções de bicombustíveis nos propulsores de maior cilindrada”, lembra Ronaldo Ávila. “Fomos os primeiros a atuar na faixa de entrada do mercado.”

MAIS EFICIÊNCIA Passadas quatro décadas desde que o primeiro Fiat 147 a etanol começou a circular pelas ruas brasileiras, o combustível derivado da cana-de-açúcar ainda é um dos pilares do desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis da FCA. Agora a empresa se prepara para mais um avanço tecnológico: a construção de um novo motor turbo de alta eficiência – e também movido a etanol. Baseado na

arquitetura do GSE T4, ele tem como missão reduzir o gap de consumo do etanol em relação à gasolina, que é de 30% atualmente, sendo ao mesmo tempo um motor de alta eficiência energética e baixo impacto ambiental. A planta de motores GSE Turbo no Polo Automotivo Fiat, em Betim (Minas Gerais) será a base para acelerar o desenvolvimento do propulsor, que por enquanto está sendo chamado de E4. “Este é um projeto experimental, em que estamos expandindo e aprimorando nossos conhecimentos sobre as potencialidades dos biocombustíveis”, diz Aldo Marangoni, diretor de Powertrain da FCA para a América Latina. “Os resultados alcançados são muito estimulantes.” Segundo o executivo, o projeto desenvolvido em Betim já resultou em patentes próprias, o que reforça a vocação inovadora do grupo. O emprego do etanol na matriz energética brasileira representa uma grande vantagem competitiva. Como nenhum ou-

tro combustível, ele é uma alternativa compatível com os objetivos globais de redução das emissões de CO2. Na combustão do motor a etanol, o gás emitido para a atmosfera é capturado de volta no processo de fotossíntese da cana-de-açúcar, o que contribui para uma expressiva redução das emissões dos gases de efeito estufa. É aqui que entra em cena o conceito chamado de “well-to-wheel”, que consiste na medição de emissões de CO2 desde a obtenção do combustível em sua forma bruta, transporte e refino até a combustão nos motores e escapamento do veículo. Atualmente, o biocombustível da cana-de-açúcar captura até 80% do CO2 liberado na atmosfera. “O etanol é um combustível estratégico para o desenvolvimento de tecnologias que causem impacto menor no meio ambiente”, conclui João Irineu Medeiros, diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da FCA para a América Latina. Aos 40 anos, continua sendo um combustível para o futuro. PLANT PROJECT Nº17

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O AMBIENTE DITA A MODA Estudo sobre a pegada hídrica do jeans coloca em destaque a sustentabilidade do algodão e mostra que a nova tendência no setor é aproveitar melhor esse diferencial e responder com agilidade à demanda dos novos consumidores, que querem mais, e querem agora Por Romualdo Venâncio

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foto: Divulgação Vicunha

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ntre os fatores que norteiam o trabalho de Marcel Yoshimi Imaizumi, diretor executivo de Operações – ou COO (Chief Operating Officer) – da Vicunha Têxtil, estão as tendências de consumo. É obrigatório ficar de olho e entender as particularidades no comportamento do público que consome os produtos de seus clientes, como muitas das peças criadas pelas principais marcas do segmento de jeanswear. Esse exercício constante de observação acontece até mesmo dentro de casa. Marcel tem uma filha de 20 e poucos anos que faz parte de um grupo de WhatsApp com cerca de 50 garotas da mesma faixa etária, cujo objetivo é trocar roupas. “Toda semana minha filha aparece de roupa nova sem que precise gastar dinheiro a cada troca”, diz o executivo. “Essas jovens não deixaram de comprar, mas compram menos, e esses produtos circulam, são reusados”, acrescenta. Essa tendência deriva do desafio dos três erres – reduzir, reusar e reciclar – que embasam

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o conceito de sustentabilidade. Tal mudança de comportamento, por um consumo mais consciente e conectado com causas ambientais e sociais, é um dos motivos que levaram produtores rurais, indústria têxtil, o universo da moda e o terceiro setor a se reunir para provar o comprometimento dessa cadeia com a preservação de recursos naturais. O jeans é a bandeira dessa iniciativa. O projeto é fruto da parceria entre a Vicunha, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e o Movimento Ecoera, precursor em integrar a sustentabilidade à indústria da moda, design e beleza no Brasil. O primeiro passo foi levantar a pegada hídrica do tecido, desde as lavouras até a entrega do vestuário pronto ao consumidor final. E aí entram também a consultoria H2O Company, que atua em gestão do uso de recursos hídricos, e a organização não governamental Iniciativa Verde. O estudo, baseado na metodologia global Water


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Footprint Network, concluiu que são utilizados 5.196 litros de água para a fabricação de uma calça jeans, sendo que a maior parte do consumo está no campo. De acordo com o levantamento, são 4.247 litros no plantio, 127 litros na tecelagem, 362 litros nas fases de lavanderia e confecção e 460 litros nas lavagens caseiras, feitas pelos consumidores. A iniciativa tem sintonia com alguns dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas, sobretudo o 12º e o 17º, consecutivamente “Consumo e Produção Sustentáveis” e “Parcerias e Meios de Implementação”. Conhecer bem essas estatísticas, e todo o contexto que as envolve, é essencial para definir metas e estratégias que levem a reduzi-las. No caso da água consumida nas lavouras, por exemplo, é preciso considerar que, primeiro, quase toda a produção de algodão no Brasil é feita em sistema de sequeiro, ou seja, apenas com água da chuva, sem irrigação. E, segundo, 60% dessa água retorna para a natureza. Só esses dois fatores já fazem uma grande diferença na pegada hídrica do setor. Marcio Portocarrero, diretor executivo da Abrapa, afirma que esse estudo fortalece a construção de imagem do setor que a entidade já vem realizando há muito tempo. A Abrapa, que completou duas décadas de existência em abril deste ano,

tem criado ferramentas e sistemas que asseguram as melhores condições de produção nas fazendas e o alto padrão de qualidade das plumas, como os programas de certificação Algodão Brasileiro Sustentável (ABR) e Standard Brasil HVI (SBRHVI), o Sistema Abrapa de Identificação (SAI) e a campanha Sou de Algodão. Não por acaso, os cotonicultores integrados à entidade respondem por 99% da produção nacional, que na safra 2018/19 deve chegar a 2,8 milhões de toneladas de pluma – com produtividade média acima de 1,7 mil quilos por hectare. “Temos 86% de nosso mercado certificado e participação de 30% no volume mundial de algodão com certificação”, comenta Portocarrero. Ele diz inclusive que a entidade quer ir além na argumentação científica sobre a questão de recursos hídricos, apurando dados ainda mais específicos. “A planta do algodão tem um sistema de abrir e fechar poros para consumir apenas o que é necessário de água, a natureza já providenciou isso. Agora, queremos calcular a quantidade exata de água necessária para a formação dessa planta. Para isso, buscamos o apoio da Embrapa Meio Ambiente, que está interessada em participar desse projeto. A partir daí, eliminamos quaisquer discussões”, afirma.

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Marcel, da Vicunha, afirma que a indústria têxtil pode ajudar as grandes marcas da jeanswear a conhecerem, e daí valorizarem, os diferenciais do algodão brasileiro

ALMA DO NEGÓCIO Em dezembro, Marcel PLANT PROJECT Nº17

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foto: Shutterstock

Muitos ajustes têm sido feitos na indústria têxtil para reduzir e otimizar o uso da água em todos os processos

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Imaizumi completará 30 anos de carreira na Vicunha Têxtil. A empresa, que hoje é líder mundial na produção de índigos e brins, referência em jeanswear e fatura R$ 1,6 bilhão por ano, passou por diversas mudanças nessas três décadas. Inclusive um ajuste fino em relação ao foco das atividades. “Tínhamos uma operação gigante, com malharias de algodão, poliéster e viscose. Fabricávamos de tudo. Hoje, só produzimos índigo e brim e o resultado do negócio é bem melhor”, comenta o executivo. É por conta também desse redirecionamento, e do fato de o algodão representar 90% da matéria-prima utilizada pela companhia, que Marcel dá tanto valor ao projeto do cálculo da pegada hídrica, pois faz muita diferença frente aos consumidores internacionais. Mas, para ele, ainda há muito o que explorar nesse campo. Marcel acredita que a cotonicultura brasileira deveria fazer bem mais barulho pelo fato de ter a melhor pegada hídrica na comparação com o

algodão produzido em qualquer outra região do planeta. “No momento em que o mundo perceber as dimensões desse diferencial, o algodão do Brasil passará a ser first choice para os importadores”, analisa. Tal reconhecimento não só criaria possibilidades de agregar valor nas negociações como contribuiria para equilibrar o mercado, considerando que o volume produzido se aproxima de 3 milhões de toneladas de pluma, enquanto a demanda interna mantém-se estagnada em 700 mil toneladas. “Precisamos ir além da busca de mercado por volume e investir em ações de marketing e divulgação desse diferencial”, sugere Marcel. O executivo faz uma analogia do algodão brasileiro com o café colombiano, que segundo ele não é reconhecido mundialmente apenas por sua qualidade, mas também porque o setor cafeeiro da Colômbia construiu essa imagem. “Provavelmente você vai pagar um preço diferenciado no café colombiano, e não quer dizer necessariamente que, do ponto de vista de sabor, ele seja melhor do que todos os outros. O algodão brasileiro carrega em sua estrutura produtiva componentes de sustentabilidade diferentes e melhores do que o de outras zonas produtoras. Lembrando que a legislação ambiental no Brasil é bastante dura”, avalia


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Marcel. “Temos possibilidade de, no futuro, fazer com que a fibra nacional receba um ágio por essas práticas mais positivas, mas é preciso um esforço na divulgação disso.” Um dos caminhos para ampliar esse reconhecimento mercadológico é abrir uma conexão direta entre o setor agrícola e as grandes marcas da moda. Essa ligação não precisa acontecer apenas pelo jeans, mas dada a relevância do tecido e o fato de ser o principal produto da Vicunha, faz todo o sentido aproveitar a estrada já pavimentada. Marcel se entusiasma ao falar desse acesso, pois pode ser um fator de decisão das marcas entre um jeans produzido pela Vicunha ou outro fabricado por algum fornecedor paquistanês ou chinês. “Já sou um vetor desse marketing das qualidades desenvolvidas na cadeia do algodão, mas essa ação precisa ter mais força”, diz ele, argumentando que com o apoio de quem representa a cotonicultura é possível fazermos o barulho certo. A CONCORRÊNCIA CRESCEU É certo que as ações da cadeia produtiva do algodão brasileiro podem evoluir, pois há muito mercado a ser conquistado. Até por essas oportunidades, representantes da Abrapa visitam com frequência diversos países com

o intuito de fortalecer e ampliar os laços comerciais. Da mesma forma, a entidade costuma receber delegações estrangeiras e grupos de importadores para conhecerem o setor aqui no Brasil, em especial as fazendas produtoras de algodão. Essa valiosa aproximação, chamada de “Missões de Compradores e Vendedores”, é parte dos desafios do setor. Ainda há outras fronteiras a serem exploradas e conquistadas, como a da logística. De acordo com a Abrapa, a capacidade de escoamento da produção, por rodovias e portos, não acompanhou o crescimento agrícola e ameaça penalizar a competência do cotonicultor. Marcel comenta que, na Vicunha, a grande pergunta que se faz todos os dias é “como sobreviver nos próximos cinco anos?”. Essa dúvida diz respeito aos vários desafios crescentes do lado de fora, como a informalidade, que na opinião do executivo avançou de forma assustadora. “Tenho dito que um grande obstáculo do País hoje não é a concorrência com a China, mas com a ‘China brasileira’. A crise econômica trouxe de volta esse problema, que é muito ruim, pois a sonegação fiscal leva a uma deterioração da plataforma de investimentos em setores básicos como educação, saúde e segurança”, explica. “É uma coisa nefasta que retornou.” Esse questionamento de

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Portocarrero, da Abrapa, diz que a entidade vai buscar informações ainda mais detalhadas sobre o consumo de água pelas plantas de algodão

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O movimento Fashion Revolution surgiu em 2013 para provocar questionamentos sobre a fabricação e o consumo de roupas, e acabou aproximando toda a cadeia

curto prazo também serve para preocupações que parecem estar mais distantes. O algodão é a matéria-prima predominante na fabricação de jeans e sarja, os dois principais segmentos de atuação da Vicunha. Até entra uma parcela de fibras sintéticas devido à demanda por mais maciez ou jeans stretch, com propriedades para esticar mais. Ou seja, no caso desses tecidos, o cotonicultor não precisa temer a concorrência com a fibra artificial. “Agora, se você pensar que a população humana vai crescer entre 13 e 14 bilhões de pessoas até atingir sua maturidade, quando então deve estacionar, e a produção de fibra natural não terá espaço para avançar de forma exponencial, as sintéticas continuarão a crescer”, avalia Marcel. Ele diz 50

ainda que já se busca, tecnologicamente, agregar às fibras artificiais algumas propriedades do algodão, como o conforto e a hidrofilidade. Nessa comparação entre a fibra natural e a sintética pesa outro fator que já tem relevância, mas terá ainda mais: a reciclagem. O diretor da Vicunha explica que não é possível reciclar uma roupa de algodão a ponto de transformá-la em algodão de novo. No máximo, vai virar viscose. No caso das roupas fabricadas com jeans, pode-se pensar na manufatura de outras peças, como bolsas, mas o leque não é tão amplo, pois trata-se de um tecido mais duro. Já o poliéster, por exemplo, pode ser reciclado e voltar à sua forma original. “A reciclagem é uma necessidade, como no caso do

plástico e demais produtos derivados do petróleo. Talvez, no segmento de vestuário, hoje ainda valha mais a pena produzir, mas no futuro reciclar será decisivo”, diz Marcel. Essa cobrança tende a ganhar cada vez mais força. A RAZÃO DO CLIENTE Se houve grandes e significativas mudanças na cadeia produtiva, mais ainda na outra ponta, onde os consumidores olham para uma calça jeans e já não querem apenas saber se vai vestir bem. Para as novas gerações, além de ter bom preço e qualidade e combinar com seu estilo cultural – que também inclui a moda –, essa roupa tem de acompanhar seus princípios e conceitos de vida, suas causas. Muita gente


olha a etiqueta em busca de respostas sobre a origem do produto, os processos de fabricação, quais foram os impactos ambientais, como aquela marca lida com seus funcionários. Se essa investigação der a entender que pode haver qualquer problema mais sério, a informação se espalha rapidamente pelas mídias sociais e, se de fato houver fundamento, ainda entra na rota de apuração dos veículos de comunicação e vira notícia. Reverter esse quadro é uma missão árdua, que nem sempre se cumpre. O universo da moda também abraçou essa tendência, tanto que vem ganhando força o movimento para dar mais transparência às ações em todos seus elos. Foi por aí que surgiu o movimento global Fashion Revolution, formado por designers, acadêmicos, escritores, líderes empresariais, formuladores de políticas, marcas, varejistas, comerciantes, produtores, fabricantes, trabalhadores e amantes da moda. É assim que eles se definem em seu site: “Nós somos a indústria e somos o público. Nós somos cidadãos do mundo. Nós somos você”. O objetivo desse grupo é promover uma transformação na maneira como as roupas são adquiridas, produzidas e consumidas, com o intuito de que sejam feitas de maneira segura, limpa e justa. Daí

surgiram duas campanhas para integrar quem veste e quem produz as roupas: #whomademyclothes e #imadeyourclothes. A causa é nobre, essa integração é louvável, mas o ponto de partida dessa ação toda foi uma dolorosa tragédia. O desabamento de um centro comercial na periferia de Daca, a capital de Bangladesh, em 24 abril de 2013, causou a morte de 1.134 pessoas e deixou mais de 1.500 feridas. Essas vítimas trabalhavam para marcas globais da indústria de confecção, em condições análogas à escravidão. O olhar mais crítico à fabricação de roupas no mundo também estimulou a produção do documentário The True Cost, dirigido por Andrew Morgan, filmado em diversos países e lançado em maio de 2015. A obra mostra o impacto da indústria da confecção no mundo e a relação entre a redução do preço das roupas e a elevação dos custos pessoais e ambientais. É uma provocação para que a sociedade pense em quem está de fato pagando a conta da produção de roupas. “A gente precisa defender aquilo que acha que é correto, ético e bom. No momento em que todo um conjunto de pessoas estiver trabalhando dessa forma, pensando no bem das coisas, com eficiência em tudo, com certeza criaremos organizações e ambientes muito melhores para o futuro”, finaliza Marcel. PLANT PROJECT Nº17

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Pesquisa

DE GRÃO EM GRÃO A CIÊNCIA ENCHE O COFRE O que o sequenciamento do genoma da ferrugem da soja pode ensinar sobre a importância de investimento estatal na pesquisa agropecuária Por Luiz Fernando Sá

Planta de soja infestada pelo fundo da ferrugem: um inimigo cada vez mais conhecido 52

foto: Antonio Neto / Arquivo Embrapa

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á várias formas de se avaliar o desempenho de uma empresa. Invariavelmente, porém, o olhar de analistas e mesmo de curiosos busca em primeiro lugar aquela linha final do balanço, que resume de maneira fria, em números, o resultado financeiro de sua operação. Positivo ou negativo, suficiente ou aquém do esperado? No caso de empresas públicas, essa lógica não se aplica. O objetivo, para muitas delas, não se exprime em lucro ou prejuízo, mas no impacto que causam a setores da sociedade. Notório, nesse sentido, é o exemplo da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, criada há 46 anos com a missão de promover o desenvolvimento da agricultura e da pecuária no Brasil. Há cada ano, o governo brasileiro investe centenas de milhões de reais no custeio de uma estrutura que mantém ativos centenas de projetos tocados por centenas de pesquisadores em praticamente todas as vertentes do agronegócio. Nenhum centavo volta diretamente aos cofres públicos – e, em função disso, não faltam críticos ao trabalho da instituição. Indiretamente, no entanto, poucas instituições podem dizer terem feito tanto pelo Brasil. Para esses críticos, recomenda-se vislumbrar o balanço social da empresa, uma prestação de contas publicada anualmente que calcula os benefícios econômicos recebidos pelo setor produtivo com a adoção de soluções tecnológicas geradas pela Embrapa. Em 2018, aponta esse documento, para cada real aplicado nas pesquisas da estatal foram devolvidos à sociedade R$ 12,16. Assim, a companhia apontou um lucro social de R$ 43,52 bilhões no ano. Trata-se de um resultado

impressionante e que exprime com clareza a relevância do investimento em ciência e em pesquisas e que deve ser observado pelo governo federal quando discute o que o orçamento da União reservará à Embrapa em 2020. Diante da perspectiva de cortes nos investimentos – que, pela proposta enviada ao Congresso, serão reduzidos de R$ 3 bilhões para R$ 1,5 bilhão –, é imperativo também considerar alguns exemplos práticos da contribuição da empresa para o agronegócio. Um dos mais eloquentes está no anúncio realizado, no início de outubro passado, de que uma pesquisa inédita feita por um consórcio internacional conseguiu levar ao sequenciamento do genoma do fungo causador da ferrugem asiática da soja – nada menos do que o inimigo número 1 da nossa mais importante cultura agrícola. Doze instituições e empresas de vários países participaram do trabalho, que teve a Embrapa como um de seus pilares principais e cuja importância será sentida pela agricultura em todo o mundo nos próximos anos. Quem é do setor não tem dificuldades para entender por quê. A ferrugem surgiu no Brasil em 2001. Nesses 18 anos, nenhuma praga causou tamanho prejuízo à cultura da soja e desafiou tanto aqueles encarregados de combatê-la. Apenas três anos depois de sua aparição, o Ministério da Agricultura, já alarmado pela sua virulência, criou a primeira força-tarefa com a missão de deter o fungo, o Consórcio Antiferrugem, que reuniu mais de 100 laboratórios e uma rede de pesquisas que envolveu 60 pessoas. A primeira missão do grupo foi a realização de ensaios para avaliar a eficiência dos fungicidas. Desse trabalho resultaram ações efetivas que ajudaram a reduzir o impacto PLANT PROJECT Nº17

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foto: Antonio Neto / Arquivo Embrapa

da doença, como a instituição dos vazios sanitários, que contribuíram para diminuir a propagação do esporo e, assim, atrasar o seu aparecimento nas lavouras. Da mesma forma, a definição do calendário do plantio, reduzindo as janelas para essa operação, teve efeito positivo no controle. Mas se tratava mais de ações de convivência do que de combate. “A produtividade da soja no Brasil foi mantida graças ao esforço de muitos”, afirma Ricardo Abdelnoor, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Soja. Ainda assim, a cada safra a ferrugem corrói o bolso dos produtores, roubando deles mais de US$ 2,8 bilhões em ganhos. As perdas provocadas pelo fungo podem chegar a 80% em algumas lavouras. O maior desafio no combate está no fato de se tratar de um patógeno com elevado potencial de se adaptar, devido principalmente à sua variabilidade genética e à capacidade de conduzir muitos ciclos reprodutivos ao longo da safra, permitindo o surgimento 54

de várias mutações, que são novoc indivíduos com variações no DNA. O fungo consegue se multiplicar várias vezes em uma safra e sua dispersão é feita pelo vento, viajando grandes distâncias – atualmente atinge mais de 20 milhões de hectares na América Latina. Assim, um novo mutante na população do fungo, mais adaptado ou que seja capaz de resistir a um produto químico ou cultivar de soja, pode rapidamente se disseminar no campo. Por tudo isso, seu controle é muito difícil. Ao longo das últimas décadas a Embrapa Soja dedicou um grande volume de esforços em compreender melhor e lidar com esse inimigo. Participou ativamente do Consórcio Antiferrugem e de praticamente todas as iniciativas que visavam entender melhor a interação do fungo com as plantas. Acumulou muito conhecimento e um tesouro para complementar os estudos a partir da montagem do genoma da ferrugem: uma coleção com amostras vivas puras do fungo. Foram cerca de dez anos reunindo exemplares recolhidos

por diferentes instituições durante quase duas décadas em todos os principais pontos de ocorrência da doença no mundo, o que faz do acervo um conjunto sem igual em termos de distribuição geográfica e temporal. A obtenção dos isolados puros do fungo e sua manutenção também exigiu recursos, já que eles não crescem em meio de cultura e, assim, precisam de células vivas do organismo que o hospeda, ou seja, folhas de soja viáveis, para serem preservados. A montagem do genoma de referência da ferrugem é um divisor de águas na guerra contra a doença. A Embrapa participou também na dianteira na formação do grupo internacional que levou a iniciativa adiante, depois do insucesso de outras tentativas semelhantes. Pesquisadores da estatal participaram ativamente dos primeiros passos para a criação do Consórcio, no preparo do arcabouço técnico da proposta encaminhada ao Joint Genome Institute (JGI). A instituição americana é responsável pelo sequencionamento e montagem


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Estufa com amostras na Embrapa Soja e o evento que anunciou o mapeamento: estatal teve papel relevante no consórcio internacional

de váriops outros genomas, como o da soja, do milho, do algodão, entre outros. O consórcio engloba hoje, além da Embrapa e do JGI, parceiros de peso como a Universidade Federal de Viçosa, a fundação 2Blades, o Sainsbury Laboratory, as universidades alemãs de Hohenheim e de RWTH Aachen, o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica da França, a Universidade de Lorraine (França), além das empresas Bayer, Syngenta e Keygene, dedicada ao desenvolvimento de tecnologias de sequenciamento. “Os avanços da bioinformática nos últimos anos foram fundamentais para que, desta vez, alcançássemos o sucesso que não foi obtido em tentativas anteriores”, afirma a pesquisadora Francismar Marcelino Guimarães, do grupo da Embrapa envolvido no projeto. “Era hora de conhecer melhor o inimigo”, reforça o pesquisador Maurício Meyer. Trata-se de um vilão traiçoeiro. O genoma da ferrugem é extremamente complexo. Com um número estimado em 22 mil genes, o genoma montado é praticamente tão grande quanto o da própria planta da soja e o equivalente a um terço do genoma humano. Do ponto de vista biológico, é uma armadilha permanente. O fungo possui dois núcleos distintos e seu genoma, um grande quantidade de DNA repetitivo (cerca de 90%), o que aumenta a possibilidade de sofrer mutações e rearranjos. “Estamos em meio a uma batalha

sem fim”, resume Francismar. “Temos um longo caminho pela frente.” A conquista da montagem do genoma de referência do fungo é um marco, mas apenas indica caminhos para novas fases de estudos e desenvolvimento de soluções para enfrentar o fungo da ferrugem. E o trabalho da Embrapa dos parceiros será ainda mais crucial a partir de agora. Para o sequenciamento, foram utilizadas três amostras de referência: uma do Mato Grosso, uma de Minas Gerais e uma dos Estados Unidos. Agora, com o genoma completo, os pesquisadores poderão estudar as modificações no fungo ao longo dos anos e identificar suas vulnerabilidades. Isso será feito a partir do ressequenciamento de outras cerca de 40 amostras do fungo (28 do Brasil), que compõem a coleção de amostras da Embrapa Soja. Estas amostras reúnem exemplares vivos ou apenas o DNA recolhidos no mundo todo, de 1972 a 2017. O sequenciamento destas amostras será utilizado depois em análises comparativas com base no genoma de referência, buscando respostas a uma infinidade de perguntas que inquietaram os pesquisadores nas últimas décadas: Quais genes mais sofreram mutação? Quais os mais conservados? Quais são aqueles essenciais para a sobrevivência e supressão das respostas de defesa da soja? Os pontos fracos? “Estamos começando a raspar a

superfície do conhecimento”, diz Francismar. “Agora podemos entender quais genes são ativados em cada momento da infecção da planta e buscar formas de atuar sobre cada um deles.” Não são respostas que se obtém de um dia para o outro. Ainda há anos de pesquisas para se chegar às informações corretas e então usá-las para gerar soluções, sejam químicas, sementes resistentes, manejo etc. Novas variedades podem ser desenvolvidas, incorporando estratégias de transgenia ou edição genética (CRISPR), mas os envolvidos no projeto advertem que elas só devem estar disponíveis ao produtor a longo prazo. “Essa conquista vai nos permitir nortear e acelerar investimentos em pesquisa, com mais efetividade”, afirma Rogério Bortolan, líder de Soluções Agronômicas para Soja e Algodão da Bayer na América Latina. “O desenvolvimento de um produto pode levar até dez anos, mas com esse tipo de informação podemos hoje imaginar reduzir esse tempo.” A agricultura brasileira agradece. PLANT PROJECT Nº17

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Ag Ciência

Vista aérea da Ilha de Plum: QG americano para o combate a um possível surto de febre suína africana é cercado de lendas e mistérios 56


A ILHA DO “APORCALIPSE” Entramos no território restrito onde cientistas americanos se preparam para defender o país em caso de ameaça da febre suína africana Por H. Claire Brown*

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foto: Shutterstock

O

mais letal vírus do mundo para suínos está dizimando o maior rebanho do mundo -- e não mostra sinais de desaceleração. A peste suína africana (ASF, na sigla em inglês) mata quase todos os animais infectados dentro de uma ou duas semanas. É impossível de tratar e não há vacina. O impacto já é devastador no suprimento global de alimentos. Os Estados Unidos não convivem, até agora, com um surto de ASF, embora alguns veterinários digam que é apenas uma questão de tempo antes que a febre atravesse o oceano. Mas em uma pequena ilha isolada a leste de Nova York, o vírus está vivo e bem. Os cientistas do Plum Island Animal Disease Center correm contra o tempo para desenvolver uma vacina para inocular os rebanhos dos EUA contra a doença. A peste suína africana foi encontrada pela primeira vez na China – o maior produtor de carne suína do mundo – em agosto passado. Rapidamente se espalhou para todas as províncias do país. Números

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oficiais apontam que 1,1 milhão de porcos foram abatidos lá, mas especialistas acreditam que o número real pode ter atingido 200 milhões, ou mais de um terço do rebanho do país. A doença cruzou a fronteira para o Vietnã em fevereiro e desde então levou à morte ou ao abate de 2,8 milhões de porcos (10% do rebanho local), gerando pedidos de instalação de um estado nacional de emergência. Nos últimos meses, surgiram casos em Laos, Camboja, Mongólia e Coreia do Norte. Apesar da urgência clara, o lançamento de uma vacina viável levará anos. Enquanto isso, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) corre para formular um plano para evitar que a ASF cause estragos no suprimento de carne de porco do país. O primeiro passo é ensinar veterinários a identificar porcos com a doença. No início deste verão, cerca de 30 deles foram reunidos em Plum Island para treinar para a tarefa. Eles estavam se preparando para um “Aporcalipse”. Tudo começou com uma necrópsia.


Ciência

Ag

Sede do Animal Disease Center, em Plum: no laboratório, veterinários têm o primeiro contato com animais infectados e aprendem a identificar a doença

Entre Connecticut e Long Island encontra-se uma ilha de 3 quilômetros de comprimento, moldada um pouco como uma costeleta de porco. É o lar de uma extensa lista de projetos governamentais que não têm nada a ver com doenças dos animais estrangeiros: a Agência de Projeto de Pesquisa Avançada de Defesa (Darpa, na sigla em ingês) executa, a cada seis meses, um exercício de simulação para reiniciar uma rede de energia hackeada. Os soldados da guarda nacional de Nova York usaram a ilha na primavera passada para praticar como conter uma liberação de gás tóxico. Equipes de busca e salvamento voam de todo o país para praticar a extração de pessoas das ruínas de um forte militar decadente, que simula uma zona de desastre. Um sismógrafo com abóbada futurista pode detectar atividade nuclear a 10 mil km de distância. É como um playground para o fim dos tempos.

Mas a principal atividade gira em torno do Animal Disease Center, um laboratório histórico que foi aberto na década de 1950 pelo USDA. Como qualquer bom projeto isolado do governo, há muito que se ouve rumores de que seus pesquisadores experimentam armas biológicas, criam cães mutantes e até brincam com pragas reais. O centro de pesquisa é mantido tão longe dos holofotes que às vezes é difícil dizer se os rumores estão enraizados na verdade. Uma carta publicada em 2004 pelo The New York Times sugeria, por exemplo, que o marido da leitora Wiltraud Salm havia quase sido morto por uma doença adjacente à peste bubônica que realmente saiu da ilha. A tularemia, a doença asiática dos roedores que ele pegou, é transmitida por insetos. Documentos oficiais tornados públicos mostraram que o laboratório em Plum Island estava cultivando bactérias que

correspondiam ao seu diagnóstico. Ele costumava andar na floresta perto da baía que separava a ilha da costa, ela escreveu. Um inseto que escapou poderia ter voado alguns quilômetros através da água ou pegado carona em um barqueiro involuntário. Outros rumores têm sido ainda mais duradouros. Na década de 1970, um grupo de 39 crianças que viviam na costa de Connecticut contraiu a doença transmitida por carrapatos que passou a ser conhecida como doença de Lyme. Você pode ver a cidade de Old Lyme, onde ocorreu o surto, da balsa que leva à Ilha Plum. Os sussurros espalharam que os carrapatos foram liberados acidentalmente por cientistas que trabalham para desenvolver armas biológicas. (Um porta-voz do Departamento de Segurança Interna descartou a história quando perguntei sobre ela, apontando-me para Otzi, o homem do gelo de 5300 anos, suspeito de sofrer Lyme.) PLANT PROJECT Nº17

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Ag Ciência

Animais mortos pela febre e a comparação do baço de um porco saudável e o de um que foi contaminado (o maior na foto abaixo): sintomas muitas vezes se confundem com os de outros males

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Mas o cenário apocalíptico que levou todos esses veterinários para a ilha não tem nada a ver com a rede elétrica ou o bioterrorismo por carrapato. (Embora possa ter um pouco a ver com o último: a peste suína africana pode ser transmitida através de carrapatos moles, o que significa que pode ser introduzida hipoteticamente por agentes estrangeiros maliciosos que desejam atrapalhar a economia agrícola. As pessoas que entrevistei para essa história pareciam muito mais preocupadas com o fato de o vírus entrar nos EUA por acidente, porém, do que por meio de um carrapato de Troia). Mas a experiência dos veterinários em Plum Island pode ser comparada à de seus colegas da Darpa. Todos trabalham para o governo ou para as forças armadas e este é o único lugar no país em que poderão ver a peste suína africana em carne e osso antes de potencialmente

identificá-la em campo. Quando saírem da ilha, receberão o Certificado de Diagnósticos de Doenças Estrangeiras de Animais – e serão os primeiros a responder ao país se um surto atingir o solo dos EUA. Os porcos chegaram mais ou menos uma semana antes de os veterinários desembarcarem em Plum Island para o FADD School – o curso de duas semanas que fornece novos diagnósticos de doenças animais estrangeiras. Há um equilíbrio delicado em inocular animais com vírus fatais para fins educacionais: você não pode injetá-los muito cedo, ou eles morrerão antes que os alunos tenham a chance de observar seus sintomas (e, mais tarde, realizar uma necrópsia). Você também não pode injetá-los tarde demais, ou eles permanecerão perfeitamente saudáveis durante a visita, apenas para morrer logo depois. Os porcos afetados por ASF são observados todos os dias à medida que o vírus progride, depois sacrificados e examinados mais de perto. O difícil de diagnosticar um caso potencial de ASF é que ele pode se parecer muito com outras doenças mais comuns. Todos os dias, depois de passar a manhã em palestras com títulos como “Screwworm” e “Carrapatos de Importância para os EUA”, os alunos do FADD entram na área segura de biocontenção onde os animais são mantidos. Durante seus dez dias na ilha, eles aprendem a identificar todos os


foto: Shutterstock

tipos de doenças que talvez nunca vejam em campo. A escola funciona desde os anos 1970, logo após o grande surto de febre aftosa no Reino Unido. Mas agora a ASF é que está na mente de todos. Ellen Yoakam, participante do FADD, veterinária do Departamento de Agricultura de Ohio, que cobre uma área na parte central norte do estado, diz que seu escritório tem recebido regularmente notícias de agricultores apreensivos. “Acho que a ASF é a maior preocupação no momento. É um assunto que gera grande interesse, eles assistem a tudo o que está acontecendo na China”, diz ela. Após o almoço, os veterinários fazem as rondas, observando animais em vários estágios de doenças que esperam nunca ver fora do laboratório. Coelhos, frangos, gado e porcos foram trazidos para a ilha para essa ocasião. O difícil de diagnosticar um caso potencial de ASF é que ele pode se parecer muito com outras doenças mais comuns. Os sintomas podem incluir febre alta,

diminuição do apetite, lesões na pele e diarreia, assim como o vírus da diarreia epidêmica porcina comum ou a febre suína clássica. (Os agricultores são incentivados a relatar qualquer suspeita de surto às autoridades locais de saúde animal, pois é muito mais fácil testar um falso positivo do que conter um surto após dias de infestação.) O verdadeiro cartão de visita da ASF é sua taxa de mortalidade: ela extermina quase todos os animais infectados dentro de sete a dez dias após a exibição dos sintomas e alguns morrem muito antes – sem mostrar nenhum sinal externo de doença. Na escola do FADD, os dias terminam com necrópsias, depois um banho e uma balsa de volta para Long Island antes do jantar. No dia em que visitei a ilha, os participantes analisaram atentamente um animal infectado pela febre aftosa. A febre suína africana esteve no cronograma da semana seguinte. A necrópsia é sem dúvida a parte mais importante de todo o percurso. Se a marca registrada de uma doença é sua alta taxa de

mortalidade, os porcos com os quais esses veterinários podem lidar um dia provavelmente já estarão mortos. Para diagnosticar adequadamente a ASF, os diagnosticadores de campo contarão com o treinamento na escola do FADD e com as amostras colhidas nos animais. Uma grande parte do curso de treinamento em Plum Island é sobre a coleta de amostras precisas – em muitos casos, várias de cada órgão – para garantir um diagnóstico preciso do laboratório. Os diagnósticos também terão de desenvolver uma sensibilidade extrema para saber se o animal doente em questão pode ou não ter realmente sido infectado com a ASF. Eles procurarão um punhado de sinais reveladores durante a necrópsia: um baço que dobrou ou triplicou do tamanho de um pepino para o tamanho de uma bola de futebol, ou um conjunto de gânglios linfáticos inchados na cavidade abdominal. Existem outras alterações menos fáceis de descrever que também acontecem no corpo de um animal infectado. A textura do baço muda do PLANT PROJECT Nº17

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O vírus da febre suína africana visto no microscópio: doença tem potencial para dizimar plantéis em grande escala

normal (para o baço) para o que Rebecca Ita, uma epidemiologista veterinária que também cursava a escola do FADD, descreveu como "friável" - um termo da arte que significa, grosso modo, quebradiço. “É realmente difícil esquecer quando você fisicamente coloca as mãos nela”, diz ela. Se um agricultor suspeitar de um caso de febre suína africana, é incentivado a ligar para uma linha direta de doença animal estrangeira. O operador enviará um especialista em diagnóstico de doenças estrangeiras de animais para a fazenda ou matadouro dentro de 24 horas. Ele examinará o animal ou animais em questão. Yoakam diz que os veterinários de Ohio realizam cerca de uma investigação por semana, normalmente em instalações de processamento de suínos. A partir daí, o diagnosticador faz um julgamento: na maioria das vezes, ele classifica a probabilidade de positividade da ASF como Prioridade Dois ou Prioridade Três. Prioridade Dois significa que uma amostra carrega um alto grau de suspeita, mas um baixo risco de interrupção do comércio em 62

massa (um único javali, por exemplo, em oposição a um animal em um matadouro que processa milhares de animais por dia). A Prioridade Três refere-se a um índice mais baixo de suspeita. Em ambos os casos, o diagnosticador coletará um monte de amostras e as enviará para laboratórios próximos e para Plum Island, geralmente via FedEx. Mas se o diagnosticador classificar a probabilidade da presença de ASF como Prioridade Um – alto índice de suspeita, alto risco de impacto comercial – as amostras serão transportadas de avião da fazenda para Plum Island em um jato particular. (Até agora, isso não aconteceu.) Se for um fim de semana, a ilha administrará balsas especiais para buscar os cientistas, que se reúnem imediatamente e começam a executar os testes. “É uma máquina bem azeitada. No momento em que a amostra chega aqui, temos pessoas alinhadas no laboratório prontas para iniciar os testes ”, diz o Dr. Kim Dodd, diretor do Laboratório de Diagnóstico de Doenças de Animais Estrangeiros. A partir daí, leva-se três horas

para obter o que eles chamam de "positivo presuntivo" ou um resultado alarmante o suficiente para acionar algumas ligações telefônicas na cadeia de comando. Quando o Dr. Jack Shere, veterinário-chefe dos EUA, recebe uma dessas ligações, ele começa a se comunicar com o secretário de Agricultura e o escritório de assuntos públicos. Enquanto isso, de volta ao laboratório, Dodd fará uma bateria de testes confirmatórios para eliminar todas as dúvidas de que a amostra em questão seja a peste suína africana. O tempo todo, Shere está coordenando uma equipe de resposta. “Se obtivermos sinais clínicos e o negócio parecer real”, ele diz, “mobilizamos nossa força de trabalho para chegar lá e começamos a nos preparar para lidar com a doença no local, que é colocado em quarentena pelo Estado. Teremos equipamentos a caminho para eutanásia, para limpeza e desinfecção e para obras. Estaremos mobilizados.” Assim que o diagnóstico é confirmado, Shere diz que o objetivo é informar o público em cerca de 16 horas. Se a ASF for confirmada nos Estados Unidos, será declarado estado de alerta de 72 horas, suspendendo toda a movimentação de suínos no país. A partir daí, os cientistas trabalharão para identificar a fonte do surto e tentarão contê-lo. Ninguém sabe exatamente o que acontecerá a seguir.


Ciência

desenvolvendo uma metodologia para identificar candidatos à vacina, um processo que levou a três opções viáveis que já foram administradas com sucesso em porcos com ASF. O método de Borca envolve a exclusão de genes selecionados, um ou dois por vez. O próximo passo é firmar um acordo com uma empresa privada que possa pagar a conta dos anos de pesquisa e desenvolvimento que estão entre os candidatos a vacina e o mercado de massa. Há boas razões para toda essa precaução: em 1957, porcos em Portugal contraíram a ASF depois de comer restos de comida de avião que continham carne de porco contaminada. Eles receberam uma vacina, que parecia impedir a disseminação, mas depois desenvolveram uma versão crônica e não fatal da doença. Se não tomarmos cuidado, a cura pode se tornar a doença.

Por enquanto, é um jogo de espera em Plum Island. Perguntei a todos que entrevistei se eles especulavam se e quando veríamos o vírus atingir os rebanhos dos EUA. A maioria se recusou a especular, mas disse que estava muito preocupada com isso. “Se você conversar com as pessoas, elas dirão que estará aqui em um ano. Não acredito nisso ”, disse Shere, diretor veterinário, acrescentando que os EUA impediram com sucesso a introdução da febre aftosa por décadas. Ainda assim, todas as manhãs na reunião de operações de liderança, o Dr. Dodd faz a mesma atualização: “Estamos preparados. Estamos prontos, se vier”. *Publicado originalmente no site The New Food Economy, uma publicação sem fins lucrativos que cobre as forças que definem como e o que comemos. Leia mais em newfoodeconomy.org

foto: Shutterstock

Obviamente, a preparação para emergências é apenas uma parte dos esforços mais amplos em Plum Island para impedir a propagação da ASF. A equipe de Dodd também está trabalhando para promover uma estratégia de vigilância ativa, testando proativamente amostras que não são necessariamente suspeitas de conter o vírus. Esse esforço aumentou a amostragem nacional de 13 mil amostras por dia para 38 mil. Também existem outras maneiras potencialmente mais fáceis de aumentar a vigilância sem enfiar agulhas nos animais vivos: os porcos gostam de mastigar cordas e algumas evidências indicam que uma corda pendurada em uma caneta coletará amostras de fluido bucal de 75% dos ocupantes de uma determinada área em 20 minutos mais ou menos. Algum dia, um método semelhante pode ser usado para rastrear antecipadamente a ASF. Mas o Santo Graal sempre será uma vacina. O Manuel Borca, biólogo pesquisador em Plum Island, vem trabalhando nisso. O conceito é simples: inocule um animal com uma versão enfraquecida de um vírus e ele desenvolverá anticorpos que o torna imune a uma dose maior. “Leva anos”, diz Borca, acrescentando que ele trabalha nessas questões há duas décadas. Infelizmente, é muito mais fácil falar em encontrar uma vacina do que fazer. Borca passou os últimos dez anos

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ENERGIA DO AGRO: A FORÇA DAS USINAS

A venda de eletricidade jogou luz sobre oportunidades mais sustentáveis e lucrativas para as usinas de açúcar e etanol

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autossuficiência energética tem acompanhado a evolução das gestões à frente das usinas de açúcar e etanol, sobretudo das famílias empreendedoras deste setor. A cada nova geração na administração dos negócios na indústria sucroenergética, maior é a percepção e a aposta em relação às vantagens e aos benefícios de produzir toda a energia consumida nas unidades industriais e de gerar excedente para comercialização. A energia elétrica produzida a partir da biomassa de cana-de-açúcar já foi vista com rejeição ou até como subproduto, mas hoje é parte indispensável do faturamento de diversas usinas, com impacto no equilíbrio das contas e na lucratividade, na eficiência energética de todos os processos industriais, além de contribuir para a preservação ambiental. Quem ingressou nessa nova realidade só pensa em avançar ainda mais. E, para isso, conta com parcerias importantes das grandes empresas do setor de energia elétrica, como a CPFL Soluções.

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O Grupo Balbo, pioneiro na exportação de energia de biomassa de cana-de-açúcar, é um bom exemplo dessa adesão. A partir da instalação de um turbo gerador na Usina São Francisco, uma de suas unidades localizadas em Sertãozinho (SP), veio a autossuficiência e a geração, em uma primeira fase, de 3 megawatts, destes um excedente de 500 kilowatts, disponibilizado para a rede elétrica. Hoje, a geração chega a 23 megawatts, com excedente de 15 megawatts. Na Usina Santo Antonio, a outra unidade no interior de São Paulo, essa capacidade já é de 30 megawatts. “De maneira geral, as usinas já fazem cogeração de energia há muitos anos, a nossa inovação foi conectar nossa produção ao Sistema Interligado Nacional”, diz Jairo Balbo, diretor industrial da empresa e um dos representantes da terceira geração da família no negócio. Ele acrescenta que essa mudança agregou valor à cana e impactou no balanço financeiro. “Embora represente de 2% a 3% do faturamento, a cogeração de


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energia é o que tem salvado o caixa das usinas diante do cenário de crise que temos enfrentado ultimamente.” Nos cálculos de Antonio Toniello Filho, diretor industrial da Viralcool, empresa do setor sucroalcooleiro, o faturamento com a exportação de energia pode ir um pouco além, em torno de 4% a 5%. “No entanto, dependendo do modelo de gestão, de como são feitos a comercialização e o balanço, pode representar mais de 30% no resultado final”, afirma. O executivo diz ainda que das cerca de 400 usinas de etanol e açúcar no Brasil, menos da metade exporta energia, e essa parcela nem está em sua capacidade máxima. “A situação financeira do setor seria bem diferente se todas as usinas estivessem comercializando energia”, acrescenta Toniello. A Viralcool tem unidades nos municípios paulistas de Castilho, Pitangueiras e Sertãozinho, e gera mais de 60 megawatts, com perspectiva de chegar a 80 megawatts ainda este ano. Quando é conectada à rede elétrica para a exportação de energia, a usina ainda passa a contar com uma maior estabilidade das operações, como afirma Toniello: “O sistema elétrico é muito maior do que a usina, então ele evita oscilações. Essa estabilidade previne problemas como queda da frequência do gerador e queima de motores e painéis”. Isso significa que a produção de energia a partir da biomassa de

cana-de-açúcar também apresenta ganhos indiretos, como a eficiência energética dentro da própria usina, devido a toda melhoria da infraestrutura industrial. Outra empresa do setor, a Nardini Agroindustrial também observa esses ganhos: “A cada ano fomos aprimorando mais todos os processos para reduzir nosso consumo de energia e ter mais volume para comercializar na rede”, afirma Vanderlei Caetano, diretor-geral da companhia. No caso da Nardini, essa evolução foi tão intensa que deu origem a uma nova empresa, a Companhia Energética Nardini (CEN), que hoje tem capacidade de geração de 30 megawatts e perspectiva de novos investimentos para chegar a 45 ou 50 megawatts. O desenvolvimento de todo o projeto de cogeração de energia da Nardini, até chegar à constituição da CEN, com instalação de novas caldeiras, subestação de energia e linha de transmissão, foi baseado no suporte técnico da CPFL Soluções. “Eles desenvolveram todo o projeto, inclusive a instalação da subestação e toda a linha de transmissão. E ainda conseguimos negociar essa assessoria com a energia que passaríamos a gerar”, explica Caetano. Este é um ponto comum entre essas três companhias do setor sucroenergético: a parceria com a CPFL Soluções, maior empresa de comercialização de energia renovável do País e integrante da State Grid, o maior

grupo mundial do setor elétrico. “Temos um histórico muito antigo de parceria com todo esse segmento, e trouxemos para essas usinas uma nova oportunidade de renda, um diferencial além do açúcar e do etanol”, comenta Karin Luchesi, vice-presidente de Operações da CPFL Soluções. “Oferecemos a nossos clientes toda uma assessoria de gestão de energia, que vai desde o planejamento das áreas industrial, de infraestrutura, jurídica e comercial, para que de fato haja o melhor retorno de todo o investimento. Olhamos nossos clientes de forma ampla, para entender exatamente qual é sua necessidade e oferecer a melhor solução”, diz a executiva, lembrando que a recuperação dos recursos investidos pode ocorrer em duas safras de comercialização de energia. A cogeração e a exportação de energia por parte das usinas ainda trazem ganhos ambientais. Os resíduos orgânicos da produção de açúcar ou etanol, seja a sobra de palha da lavoura, seja o bagaço da moagem, que poderiam ter um impacto negativo na sustentabilidade do setor, ganham destinação correta e viram matéria-prima para a geração de energia renovável. Sem contar que para cada unidade de CO2 emitida nesse processo, nove são retiradas da atmosfera. Essas são referências importantes para o agronegócio brasileiro, sobretudo diante da crescente cobrança global sobre a sustentabilidade da produção agropecuária do País. PLANT PROJECT Nº17

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Energia

foto: Shutterstock

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Placas fotovoltaicas servem de cobertura para curral: aplicaçþes alternativas podem trazer diversos benefícios aos produtores 66


CADA FAZENDA É UMA USINA O Brasil ainda explora pouco o potencial energético das propriedades rurais, mas a atividade já garante renda para milhares de agricultores e pecuaristas Por Evanildo da Silveira

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foto: divulgação CBiogás

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ol, vento, espaço e resíduos orgânicos disponíveis. Praticamente toda propriedade rural brasileira é abundante em insumos que podem ser transformados em energia. Cada fazenda é potencialmente uma usina capaz de gerar eletricidade ou combustíveis para uso próprio ou para serem fornecidos ao mercado. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), é esse fator que transforma o Brasil no país com maior possibilidade de geração de bioenergia, com estimativa para produzir, em 2023, 45% do consumo total do País. A questão é que esse potencial ainda é muito pouco aproveitado. Se a pujança do agronegócio brasileiro é bem conhecida – de acordo com o último censo agropecuário do IBGE (2017), o País possuía naquele ano 5.072.152 estabelecimentos agropecuários, que eram responsáveis por 23% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional –, o setor ainda sofre desnecessariamente com gastos excessivos com energia elétrica, que representam de 13% a 16% dos custos de produção. Sem falar naquelas propriedades que não possuem eletricidade, que somam 830.328, ou 19% do total. Por isso, muitos produtores estão optando por gerar sua própria energia, seja para reduzir custos, seja para dispor dela. Trata-se de um mercado promissor, mas

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ainda bastante restrito. Há setores, como o sucroenergético, que já exploram de forma consistente a cogeração de energia a partir da biomassa resultante do processo de produção de açúcar e etanol. As receitas obtidas com a venda dessa energia no mercado livre representam, em média, entre 5% e 10% do resultado das empresas da área. Mesmo com isso, porém, há muito a ser feito. Segundo dados da Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), a atual geração de energia elétrica pelas usinas corresponde a apenas 15% do potencial do setor sucroenergético nessa área. Já a geração de energia através de biogás – resultante da decomposição de resíduos orgânicos –, está ainda aquém do que seria possível se explorar em larga escala. Segundo estimativas da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), essa fonte poderia suprir até 38% da energia elétrica e 72% do diesel consumidos no Brasil em 2018. Mas há apenas 12 usinas com produção efetiva de energia e biometano. A falta de recursos e incentivos para investimentos no setor pode explicar a baixa taxa de adesão dos produtores rurais à produção de bioenergia. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), existem hoje no Brasil apenas 6.695 estabelecimentos rurais produzindo


foto: divulgação

eletricidade no sistema de geração distribuída, com potência instalada de 161 megawatts (MW), 249 unidades consumidoras autoprodutoras e 2.016 produtoras independentes. Destas duas últimas não há, no entanto, dados sobre a potência instalada. Para os produtores que decidiram encarar o investimento, além da redução dos custos operacionais, outra razão que tem levado muitos proprietários rurais a optarem por produzir sua própria energia é a baixa qualidade da fornecida pelas concessionárias, com quedas frequentes da rede. “Isso afeta a segurança energética dos estabelecimentos, o que causa problemas sociais, econômicos e de desenvolvimento do setor”, diz o pesquisador Leonardo de Almeida Monteiro, da Universidade Federal do Ceará (UFC). “A micro e a minigeração distribuídas garantem aos produtores rurais segurança energética, melhor e maior desenvolvimento de suas atividades e, ao longo do tempo, lucro, pois reduz os custos de produção.” Tomada a decisão de produzir eletricidade na propriedade, é preciso escolher a fonte, que pode ser o vento, o sol, a biomassa ou os dejetos de animais (usados em biodigestores), por exemplo. “A melhor opção está intimamente relacionada às condições climáticas do local de geração”, explica Monteiro. “Portanto, deve-se avaliar quais as

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Energia

modalidades de energia renovável que melhor se adaptam à região. As formas mais comuns, atualmente, são solar e eólica (do vento).” No caso da Fazenda Alta Conquista, localizada em Sales de Oliveira, a 50 quilômetros de Ribeirão Preto (SP), a escolha da fonte recaiu sobre o sol, no sistema de geração distribuída. A propriedade produz 450 mil frangos por ciclo – são seis por ano, cada um com 40 dias do nascimento ao abate das aves e mais 20 para limpeza e desinfecção dos criadouros –, todos para exportação para a Europa e Ásia. A gerente administrativa da fazenda, Luciana Abeid Ribeiro Dalmagro, conta que nesse processo de produção a propriedade consome

Biodigestor da fazenda São Pedro, em São Miguel do Iguaçu (PR) e as produtoras Luciana (no alto) e Manuelle: em busca da autossuficiência energética e de renda extra nos negócios

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foto: Kiko Sierich foto: Kiko Sierich

52 quilowatts-hora (kWh) por mês. “Há um ano, resolvemos instalar painéis solares para gerar nossa própria eletricidade”, diz. “Investimos R$ 1 milhão no sistema, que hoje proporciona uma economia de 70% nos gastos com energia por mês, o que representa R$ 15 mil. Calculamos que o investimento se pagará em 5 anos.” O sol também foi a opção de alguns agropecuaristas do município de Videira, em Santa Catarina. “Os primeiros começaram a produzir sua própria eletricidade há seis meses”, conta Juarez Bolsani, presidente do sindicato local dos produtores rurais, que tem 150 associados. “Até agora, dez propriedades já usufruem da energia gerada por painéis solares.” Um deles é Nivaldo Cerbatto, que cria suínos. Ele possui 250 matrizes, que produzem 5.500 leitões por ano. “Há 90 dias adotei a energia solar no sítio”, conta. “Investi R$ 70 mil, mas a economia compensa. Antes, minha conta de luz era de R$ 2 mil por mês. Agora gasto R$ 400,00, e quando vier o verão deverá ser zero. Calculo que em quatro anos meu investimento estará pago.” Pedro Colombari, sócioproprietário da Granja São Pedro, localizada em São Miguel do Iguaçu, no Paraná, que desenvolve três atividades – agricultura, pecuária de corte e suinocultura –, optou pelo biogás. “Começamos a gerar nossa energia em 2005, com a construção de um biodigestor para tratamento dos dejetos dos 5 mil suínos que criamos”, conta. “Ele produz gás, que alimenta um gerador de eletricidade. Antes, usávamos no mínimo 2 mil litros de óleo diesel na moagem de

foto: Kiko Sierich

Instalações da Minicentral Termoelétrica de Entre Rios do Oeste, no Paraná: a vocação para suinocultura gera energia para a cidade


A CIDADE MOVIDA A BIOGÁS Produtores rurais não estão sozinhos na opção por fontes de energia limpas e renováveis. Algumas cidades estão seguindo pelo mesmo caminho. É o caso da pequena Entre Rios do Oeste, no Paraná, com 4.900 habitantes. Em julho, o município inaugurou uma Minicentral Termoelétrica, alimentada por biogás produzido por dejetos da suinocultura, com potência instalada de 480 kW e que gera 250 MWh por mês de eletricidade, para abastecer 72 prédios da prefeitura. Entre Rios do Oeste aproveita assim sua principal atividade econômica, que é a criação de 150 mil suínos, para produzir eletricidade e, ao mesmo tempo, reduzir os impactos ambientais dela. Os dejetos usados provêm de 18 propriedades, que possuem em conjunto 39 mil porcos, cada uma com um biodigestor. Nesses equipamentos, o material é decomposto por bactérias e transformado em biogás, no caso, biometano. “Eles estão ligados a uma rede coletora, com 20,6 km de tubos, que levam o gás até dois motogeradores na Minicentral Termoelétrica, que o transformam em eletricidade”, explica o secretário municipal de Saneamento Básico, Energias Renováveis e Iluminação Pública, Carlos Eduardo Levandowski. De acordo com ele, a energia gerada será utilizada para compensar o consumo energético nos 72 prédios do município (exceto iluminação pública). “A economia mensal para a prefeitura deverá variar entre 3% e 12% do total gasto com energia, dependendo da bandeira tarifária do mês”, conta. “Os produtores tiveram que investir na instalação dos biodigestores nas propriedades, mas agora recebem pagamento mensal, que varia de R$ 900,00 a R$ 5 mil, dependendo do número de suínos que cada um possui.” O projeto foi uma parceria entre a prefeitura, o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás), o Parque Tecnológico Iguaçu (PTI) e a Companhia Paranaense de Energia (Copel). Entre as vantagens do biogás, o diretor presidente do CIBiogás, Rodrigo Régis de Almeida Galvão, cita os benefícios ambientais, sociais e econômicos dessas fontes de energia. “Ela é distribuída amplamente no território nacional, diferentemente de outras, que estão concentradas em regiões específicas”, diz. Além disso, acrescenta, é uma alternativa à construção de grandes usinas de energia hidrelétrica e para a substituição de combustíveis fósseis, como diesel, gás natural e gás liquefeito de petróleo (GLP). “Do ponto de vista social e econômico, o biogás melhora a qualidade de vida de agricultores, por causa da redução dos odores e das moscas no sistema de tratamento dos efluentes da pecuária”, diz Galvão. “Eles também passam a se sentir protetores do meio ambiente.”

grãos para alimentar os porcos. Hoje, produzimos até 30 MW por mês, em sistema de geração distribuída. Além da nossa granja, fornecemos para propriedades vizinhas e duas residências na cidade. Isso dá uma economia de R$ 8 a 9 mil por mês.” No total, desde 2005, a Granja São Pedro investiu cerca R$ 150 mil na autogeração de energia, incluindo um segundo biodigestor e um gerador de eletricidade novo, implantados em 2010. “Se fôssemos montar hoje essa estrutura que temos, começando do zero, gastaríamos em torno de R$ 450 mil a R$ 500 mil”, diz Colombari. A Chácara Marujo, localizada no município de Castro, no Paraná, produz sua própria energia há mais tempo, mais precisamente desde 2003, mas com a mesma fonte, ou seja, dejetos dos porcos que cria. A propriedade possui 850 matrizes, que geram 28.600 leitões por ano. “Temos três biodigestores, o primeiro construído em 2003 e os outros dois em 2013”, conta Manuelle Haasjes, filha do proprietário e administradora da fazenda. “Os dejetos da granja descem por gravidade até eles, onde ocorre a biodigestão, que gera de 60 a 80 metros cúbicos de biogás por hora.” Esse gás é usado para aquecimento de água em serpentinas, que, por sua vez, esquenta os pisos na maternidade e nas creches dos animais da granja. “Além disso, ele abastece 16 casas de nossos funcionários e é usado para secagem dos grãos na época de safra”, acrescenta Manuelle. “Com o biogás, também produzimos um pouco de energia elétrica, cerca de 50 kW, e abastecemos com biometano veículos da fazenda – uma camioneta, duas empilhadeiras, um carro de passeio e dois tratores.” PLANT PROJECT Nº17

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foto: divulgação

Ag Energia

Biodigestores da Granja Marujo, em Castro (PR): tecnologia trazida da Holanda move até as máquinas da propriedade

Além da redução de custos e melhoria do abastecimento, os proprietários rurais levam em conta outros fatores na hora de adotar a geração própria de energia. Entre os principais, está a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade do negócio. “É a eterna luta pela autossuficiência”, explica Manuelle. “A Chácara Marujo está se empenhando na busca de tecnologias que darão sustentabilidade à atividade agropecuária. Dejetos de suínos acabam sempre sendo um problema para os produtores, mas disso nós elaboramos uma solução.” Para Luciana, da Fazenda Alta Conquista, a visão da empresa deve levar em conta três aspectos. “Primeiro, ela tem que ser encarada como um negócio, ou seja, tem que ter lucro, custo baixo e ser sustentável ao longo do tempo”, explica. “Depois, queremos ser líder no nosso segmento. E, por 72

fim, mas não menos importante, é lembrar que, por ser uma fazenda, esse ambiente faz parte de um ecossistema. Quanto a isso, temos muita responsabilidade, o que nos levou a optar por uma fonte de energia limpa.” Para outros produtores, os ganhos existem mesmo que a energia não seja diretamente consumida na propriedade. Em alguns casos, eles vêm do simples arrendamento de partes de suas terras para a instalação de placas solares ou aerogeradores para as empresas que administram grandes projetos de geração de energia. Em regiões como o litoral do Nordeste e os campos do Rio Grande do Sul, consideradas as ideais para a instalação de fazendas eólicas, há produtores cuja atividade principal hoje é a cessão do espaço, que pode representar em torno de R$ 1.000,00 mensais por aerogerador instalado. O Brasil possui

atualmente cerca de 7 mil aerogeradores instalados. Desses, de 4 a 5 mil estão em terras arrendadas. Thiago Guimarães, gerente administrativo-financeiro da Stonos, empresa de Goiânia que desenvolve e instala projetos de energia solar, acrescenta outros aspectos importantes. “Estudos indicam que hoje a grande maioria dos clientes do agronegócio prefere comprar de quem adota práticas sustentáveis”, diz. “Com isso, os produtores rurais que optam pela geração de energia limpa também ganham um diferencial de mercado, que pode propiciar a expansão do seu negócio. Já o País ganha um menor índice de poluição, a depender da modalidade de geração escolhida, reduz suas perdas com a distribuição e transmissão de energia e acaba por economizar seus recursos naturais.”


Propriedade com produção agroflorestal na Amazônia: “Os pequenos agricultores são a espécie mais ameaçada”

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foto: Shutterstock

Ideias e debates com credibilidade

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Amazônia: a pior das extinções EVARISTO DE MIRANDA* (FOTO), CARLOS ALBERTO DE CARVALHO**, PAULO ROBERTO RODRIGUES MARTINHO**, OSVALDO TADATOMO OSHIRO** *Doutor em ecologia, pesquisador da Embrapa ** Analistas da Embrapa

Os pequenos agricultores são a espécie mais ameaçada na Amazônia. São pecadores, abandonados pelo poder público, vítimas das iniciativas de “desantropização” de ambientalistas, tratados como grileiros e bandidos em campanhas de parte do agronegócio, enquanto o Código Florestal favorece a grande empresa rural na Amazônia, em detrimento da agricultura familiar. E acabam de receber a condenação espiritual de suas práticas agrícolas no Sínodo da Amazônia. Mais de 5 milhões de pessoas sobrevivem há décadas nessas florestas equatoriais. E se perguntam: Unde veniet auxilium meum? Uma análise conjugada dos dados geocodificados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e dos estabelecimentos do Censo Agropecuário de 2017 permitiu aos pesquisadores da Embrapa Territorial estimar quantos agricultores vivem no bioma Amazônia. São mais de 1 milhão de produtores rurais, dos quais mais de 89% são pequenos. Em área, cerca de 12,8% do bioma Amazônia está ocupado pela agropecuária. Pastagens nativas, plantadas e manejadas alcançam 10,5%, ou seja, 44.092.115 hectares. Lavouras anuais e perenes somam 2,3% ou 9.658.273 ha. As infraestruturas viárias, urbanas, energético-mineradoras e outras ocupam 1% do bioma, no mapeamento da Embrapa Territorial. A produção vegetal é irrelevante para as exportações e o PIB. Apenas 0,5% da produção nacional de cana-de-açúcar, menos de 2% do algodão e da laranja e 5% do café estão no bioma. 74

Milho e soja representam 7,6 e 9,8% da produção nacional. Mas esses alimentos são fundamentais para abastecer 500 cidades amazônicas de frutas, leite e derivados, ovos, grãos, hortaliças e outros produtos. Quando trazidos de outras regiões, seu custo é altíssimo. Já a vegetação nativa, hoje, recobre 84,1% do bioma Amazônia ou 353.156.844 ha. Estão aí incluídas formações florestais, não florestais e mistas, de acordo com cálculos da Embrapa Territorial, baseados em dados de satélites, do Inpe, CAR e TerraClass. As grandes superfícies hídricas representam 2,1% ou 8.818.423 ha. Somados, os ambientes predominantemente naturais abrangem 86,2% do bioma Amazônia. Em 2018, ocorreram nas áreas rurais da região 28.862 desmatamentos, de tamanho variável, segundo dados do Inpe, totalizando 7.094 km2. Mesmo numa hipótese maximalista, em que cada desmatamento teria sido realizado por um produtor diferente, isso envolveria menos de 3% dos agricultores. Ou seja, certamente mais de 97% não estão envolvidos com o processo. E quantos agricultores praticam queimadas no bioma Amazônia? Mais de 80%. Desde antes do descobrimento queimadas agrícolas são utilizadas. Nada houve de excepcional em 2019. Como sempre, os agricultores usaram o fogo para renovar pastagens, combater carrapatos, eliminar restos culturais, abrir capoeiras, fertilizar solos com cinzas. Tecnologias para substituir queimadas custam caro: mecanização, adubos e pesticidas. Onde adotadas, o fogo regride. Al-


foto: Embrapa

guém no planeta quer financiar o acesso a tais alternativas para os pequenos produtores rurais amazônicos? Quanto à ilegalidade ou legitimidade, vale consultar um pouco de história. Em cerca de 50 anos, os governos estabeleceram 2.405 assentamentos agrários no bioma Amazônia e lá instalaram 521 mil famílias. A maioria segue sem o título de propriedade de seu pequeno lote. Como obter financiamento sem regularização fundiária? Como solicitar autorização de desmatar para plantar mandioca? Mesmo quem insiste em solicitar, respeitando as exigências do Código Florestal, não recebe. Multados, perdem acesso ao Pronaf. Estão no fundo do poço. Mas urbanoides exigem que saiam do buraco sozinhos e de forma “sustentável”. Se estivessem nas cidades, os pequenos agricultores fariam parte da economia informal, como cabeleireiros, quituteiras, vendedores de balas nos semáforos. Na contramão das políticas públicas para reduzir a informalidade, no campo, organizações do agronegócio exportador, face aos recentes tumultos amazônicos virtuais, tratam todos de ilegais, grileiros, invasores sobre os quais deveria incidir o rigor da lei. Simplismo e crueldade.

Os agricultores familiares da Amazônia não são empresários ou investidores rurais, modelos de sustentabilidade com capital e marketing (green wash). Os pequenos precisam de assistência técnica, extensão rural, associações e cooperativas, acesso à informação, novas tecnologias e circuitos de comercialização. Devem ser apoiados e não criminalizados por discursos fáceis de quem vive nas cidades. Sem espaço na agenda multiculturalista da esquerda, os pequenos agricultores não têm direitos nem lugar. Órfãos de pai e mãe, não há quem os defenda, na terra ou nos céus. Na abertura do Sínodo da Amazônia, do qual não participam, o Papa vaticinou: “O fogo causado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o fogo do Evangelho”. Estão condenados. Enquanto o leitor percorre este artigo, famílias rurais cuidam de plantações, bezerros, armazenagem e reparos de cercas. Do Acre ao Amapá, de Roraima a Rondônia, do Amazonas ao Pará. Na Amazônia, são exemplos humildes de resistência, re-existência, apesar da demonização Urbi et Orbi de seus meios de sobrevida. Produzem o que comem. Não serão extintos.

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Os defensivos e a proteção de marca no ambiente digital FABIO RAMOS

CISSP, CISM e fundador da Axur, empresa global especializada em monitoramento e reação a riscos digitais na internet.

No Brasil a comercialização de defensivos agrícolas diretamente ao usuário é permitida mediante prescrição da receita agronômica – documento com orientação técnica para utilização de produto emitido por profissionais legalmente habilitados. Na internet, porém, muitas vezes os produtos são oferecidos em redes varejistas e vendidos para qualquer consumidor. O momento econômico do País acende uma luz na discussão sobre a liberação de novos defensivos: foram 169 produtos liberados de janeiro a maio. Desse montante, 48% são considerados extremamente tóxicos e devem ser aplicados com extremo cuidado. O setor de fornecimento de insumos agrícolas é importante para a agricultura, uma vez que é um dos responsáveis por aumentar a produtividade no campo. Defensivos representam uma parte muito importante nos custos do produtor rural. Por essa razão, produtores menores buscam alternativas que possam reduzir seus custos, e a oferta de produtos na web vem nessa direção. Muitos desses químicos podem ser encontrados em marketplaces digitais, como o do Facebook, onde não há controle das exigências legais, colocando em risco a reputação dos fabricantes químicos e a credibilidade da produção agropecuária brasileira. Alguns defensivos usados em plantações podem contaminar o pasto e em consequência contaminam a fibra da carne bovina, criando problemas para a exportação da carne. As agências de fiscalização sabem o tamanho do problema e estão tentando reagir: no final de julho, quatro empresas foram multadas na operação 76

Webcida, coordenada pelos Ministérios Públicos do Paraná e do Rio Grande do Sul. A ação criminosa enviava os produtos com venda restrita pelos correios. Segundo levantamento realizado pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), de 2001 a 2017, quase 15 bilhões de quilos de alimentos deixaram de ser produzidos devido ao uso de defensivos agrícolas ilegais. O posicionamento dos órgãos que atuam na fiscalização é de que deve haver um intenso monitoramento on-line da venda de produtos e do uso indevido de marca, protegendo, assim, tanto os fabricantes de defensivos quanto os produtores agrícolas e o consumidor. A recomendação é de que as estratégias de compliance digital em empresas produtoras de defensivos agrícolas contemplem o monitoramento de riscos digitais. Além de uma comunicação transparente, um bom plano de compliance digital deve contemplar as seguintes etapas: 1. Mapear os touchpoints digitais autorizados: Entendendo os espaços que você ocupa, será possível identificar todos os canais digitais que têm utilizado a marca para vender defensivos pirata ou sem autorização. Pode ser um perfil no Facebook ou ofertas no Mercado Livre. 2. Monitorar toda a amplitude da web, mesmo os cantos sombrios: A utilização de robôs e técnicas de inteligência artificial auxiliam a varredura da internet em todas as camadas, garantindo o monitoramento dos canais em busca de ameaças ou infrações. Pode ser a citação da marca em um contexto suspeito (como em deep e dark web) ou o uso da imagem da marca associada a preços inexequíveis. 3. Reação imediata e remoção dos anúncios infratores: Com as ameaças identificadas, o trabalho deve ser de remoção de todo o conteúdo que esteja indevidamente associado a esses fornecedores de insumos agrícolas. Isso pode ser feito de maneira automatizada e em parceria com os grandes marketplaces digitais. Afinal de contas, eles também querem proteger seus usuários contra ofertas ilegais.


DOAR OS ÓRGÃOS DO MEU FILHO FOI A DECISÃO MAIS DIFÍCIL DA MINHA VIDA, MAS EU DISSE SIM. Márcia Elena autorizou a doação de órgãos do seu filho Victor em 2015.

#AVIDACONTINUA DOE ÓRGÃOS. CONVERSE COM SUA FAMÍLIA.

Acesse saude.gov.br/doacaodeorgaos e saiba mais.

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#COLUNA ESALQUEANOS 78

ADEALQ - HÁ 75 ANOS CONECTANDO ESALQUEANOS

ESALQ - USP

POTENCIAL DE SEQUESTRO DE CARBONO NO SOLO NA AGROPECUÁRIA BRASILEIRA CARLOS EDUARDO P. CERRI*

Gases como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O) são responsáveis pela manutenção da temperatura média de aproximadamente 15 ºC na Terra, promovendo o chamado "efeito estufa natural", essencial para a existência da vida no planeta. No entanto, tem crescido a preocupação mundial em relação às mudanças do clima, uma vez que estudos revelam que a concentração desses gases na atmosfera, principalmente do CO2, tem aumentado nos últimos 200 anos e, em especial, nas últimas décadas. Uma das principais consequências desse incremento é o que pode ser chamado "aumento do efeito estufa", ou seja, uma maior quantidade dos raios infravermelhos interagem com os gases do efeito estufa (GEE), promovendo um desequilíbrio energético. As consequências adversas do aquecimento global, que se manifestam como mudanças climáticas, estão atualmente entre as principais preocupações ambientais enfrentadas pela população da Terra. Globalmente, a queima de combustíveis fósseis e a produção de cimento constituem as maiores fontes, responsáveis por 66% dos GEE lançados na atmosfera. A agricultura (20%) e a mudança do uso da terra (14%) completam o total das emissões antrópicas. No Brasil, a proporção entre as contribuições dos GEE provenientes da queima de combustíveis fósseis, agricultura e mudanças do uso da terra apresentam padrões diferentes. Aqui, a contribuição da queima de combustíveis fósseis é a menos importante, enquanto a mudança de uso da terra e a agricultura são responsáveis por mais de dois terços das emissões. Em alinhamento com o Acordo de Paris, aprovado ao final da COP-21 em 2015, o governo brasileiro desenvolveu o plano ABC (Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultu-

ra), que é composto por sete programas, seis deles referentes às tecnologias de mitigação e um programa com as ações de adaptação às mudanças climáticas. Dentre os programas, o referente à recuperação de pastagens degradadas é responsável por 43% da área total da abrangência do programa com um “potencial de mitigação” de 64% do total. Nesse contexto, o solo constitui um compartimento-chave do processo de emissão e sequestro de carbono. Globalmente, há duas a três vezes mais carbono nos solos do que estocado na vegetação, e cerca do dobro em comparação com a atmosfera. Manejos inadequados podem, portanto, levar à mineralização da matéria orgânica e transferir grandes quantidades de gases do efeito estufa para a atmosfera. No Brasil, iniciativas do governo federal como o Programa ABC condicionam um novo modelo de produção agropecuária. Há elevado potencial de sequestro de carbono na agricultura conservacionista. Faz-se necessário, portanto, intensificar a adoção de práticas e processos tecnológicos que auxiliem na redução da concentração de gases na atmosfera provocada pelo setor agrícola e que aumentem o sequestro de carbono na vegetação e no solo. Essas práticas podem conferir ao agricultor e pecuarista um benefício complementar, uma vez que essa redução ou sequestro de carbono poderão conferir potenciais créditos, negociáveis em bolsas de valores. Nesse contexto, o Brasil pode ser um dos países beneficiados, visto que possui grande extensão territorial, elevado nível tecnológico agropecuário e condições climáticas favoráveis ao crescimento vegetal e transferência de material orgânico ao solo.

*Esalq/USP, Departamento de Ciência do Solo cepcerri@usp.br


Lavoura de trigo de sequeiro no Cerrado mineiro: Variedades adaptadas à região podem levar o País à autossuficiência

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foto: Joseani Antunes

As regiões produtoras do mundo

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As regiĂľes produtoras do mundo

A importância da safrinha: os produtores perceberam as vantagens de plantar trigo para evitar doenças 80


A FORÇA DO GLÚTEN DO CERRADO Com qualidade superior ao grão importado, o trigo plantado na região de Minas Gerais apresenta um enorme potencial de desenvolvimento e surge como uma promessa de autossuficiência para o Brasil

foto: João Leonardo Pires

Por André Sollitto

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Cerrado

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té hoje, quando se fala nas regiões mais indicadas para a plantação de trigo, dificilmente Minas Gerais será a primeira opção para a maioria dos produtores. A ideia de plantar o grão em qualquer outro lugar fora do Paraná ou do Rio Grande do Sul parecia inviável, como plantar soja no Maranhão ou Piauí. Considerada uma cultura de inverno, o trigo simplesmente não se adaptaria ao clima desses estados. De fato, inúmeras tentativas deram errado. Mas assim como aconteceu com a soja, adaptada pela ciência a solos e climas diversos e hoje plantada em praticamente todo o Brasil, o trigo acabou vingando na região central do País. Novos cultivares, mais resistentes ao clima, espalharam o grão por Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Brasília e até Bahia. Mas ele se adaptou mesmo foi em Minas Gerais, graças à altitude e ao regime de chuvas. O estado já é o terceiro maior produtor de trigo do Brasil, atrás apenas do Paraná e Rio Grande do Sul. Os dados oficiais indicam 87 mil hectares plantados, mas o número real deve passar de 100 mil hectares. Com um pouco de otimismo, já dá até para sonhar com a autossuficiência. A história do trigo na região central do Brasil tem quase 100 anos. As primeiras pesquisas com o plantio em Minas Gerais começaram no final da década de 1920. Nos anos 1940, uma campanha incentivou o plantio na região e o governo criou a Estação Experimental de Patos de Minas com o objetivo de criar cultivares adaptados ao clima da região. Após alguns anos de tentativas, ele caiu em declínio. Só voltou a ser pesquisado na metade da década de 1970 pelas equipes da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais 82

(Epamig). Na mesma década, a Embrapa fundou uma unidade dedicada ao trigo, a primeira após a sede em Brasília. Nos anos 1990, a empresa passou a trabalhar em programas de melhoramento genético no Cerrado na década de 1990. Mais recentemente, em 2014, estabeleceu um Núcleo Avançado de Pesquisa em Trigo Tropical, em Uberaba, Minas Gerais. E se o desenvolvimento só ganhou velocidade nos últimos anos foi por conta do surgimento de variedades de soja de ciclo mais curto. Com isso, os produtores da região viram a oportunidade de plantar o trigo em regime de safrinha. “Isso mudou o cenário das propriedades. Abriu uma vaga para o trigo”, diz Vanoli Fronza, pesquisador da Embrapa Trigo na área de melhoramento genético. As vantagens são muitas. A cultura auxilia na rotação dos ingredientes e deixa a lavoura muito mais limpa após a colheita, principalmente em relação ao milho, uma opção popular de safrinha na região. Com isso, os produtores gastam menos com herbicidas para deixá-la pronta para a soja. A plantação do trigo também representa uma forma efetiva de atender à legislação do vazio sanitário, período de no mínimo 60 dias sem a cultura da soja com o objetivo de reduzir a sobrevivência do fungo causador da ferrugem asiática durante a entressafra e atrasar a ocorrência da doença durante a safra. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira está estimada em 5,4 milhões de toneladas para a safra 2018/19. Para efeito de comparação, a Argentina produz normalmente 16 milhões, mas neste ano ultrapassou a marca de 20


Romualdo foto: foto: Joseani AntunesVenâncio

Trigo irrigado em Minas Gerais: a Embrapa desenvolve cultivares apropriadas para o clima do Cerrado

milhões de toneladas. A região de Minas Gerais é responsável por 250 mil toneladas – o que ainda representa pouco, mas o potencial de crescimento é imenso. De acordo com Vanoli Fronza, o estado tem cerca de 200 mil hectares disponíveis a curto prazo para o plantio do trigo. Em Goiás, são outros 250 mil hectares, e outros 100 mil em Mato Grosso. “Dizemos que existe um número mágico de 2 milhões de hectares que poderiam ser explorados no Brasil Central”, diz o pesquisador da Embrapa. O cenário é favorável, mas ainda há muito a melhorar. Por enquanto, a principal responsável por travar o desenvolvimento do trigo na região é a doença conhecida como brusone. Quando a infestação é alta e o

controle não é eficaz, o prejuízo pode chegar a 50% da safra. “Estamos perto de ter grandes avanços em cultivares mais resistentes à doença”, diz Vanoli Fronza. “Acreditamos que dentro de cinco anos essas sementes estarão disponíveis no mercado”, afirma o pesquisador. Fomentar a produção do trigo nacional é muito importante porque o Brasil ainda é um grande importador de trigo. De acordo com dados da Conab, o País consome cerca de 11 milhões de toneladas todos os anos, e importa de 50 a 70% dessa quantidade. O principal fornecedor é a Argentina, que exporta quase 70% de sua produção para cá. Uma parte do trigo importado vem do Paraguai, dos Estados Unidos e do Canadá. Além da produção não ser suficiente, o nosso grão tem uma qualidade inferior, com uma concentração de glúten menor do que o importado. Do total produzido aqui, só 30% servem para a panificação, enquanto o resto vai para a fabricação de outros tipos de farinha, como aquela usada em bolos. As novas variedades desenvolvidas pela Embrapa, no entanto, estão mudando esse cenário, apresentando uma força de glúten superior à do grão importado. Demanda não falta. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), em 2019, na comparação com 2018, a procura nacional por farinha de PLANT PROJECT Nº17

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Cerrado

foto: Shutterstock

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A E V O L U Ç Ã O D A S VA R I E TA I S Desde a década de 1990, a Embrapa lança cultivares de trigo irrigado e de sequeiro específicas para a região do Cerrado - BR 180 Terena Introduzida ainda nos anos 1990, foi a primeira cultiva de trigo se sequeiro indicada para a região. Seu potencial é de 50 sacas por hectare. - BR 254 e BR 264 As varietais de trigo irrigado chegaram em 2005 e até hoje representam 80% de toda a área cultivada na região. O potencial é de 100 sacas por hectare. - BRS 394 A cultivar de trigo irrigado é a mais recente, lançada em 2015, e possui potencial de 100 sacas por hectare. - BRS 404 Também introduzida em 2015, é a variedade de trigo de sequeiro com tolerância a brusone. Chegou a 86 sacas por hectare. 84

trigo e derivados deverá crescer 1,5%. A expansão, no entanto, não terá reflexos positivos nos resultados da indústria moageira, já que o setor não repassou aos consumidores a alta de 17% com os custos de produção. Esses custos envolvem principalmente o valor do frete, ainda mais alto por conta da importação. A Abitrigo tem incentivado o desenvolvimento da indústria nacional. Em novembro de 2018, enviou aos candidatos à Presidência um documento, chamado Política Nacional do Trigo (PNT). Uma versão mais detalhada foi entregue à ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, em fevereiro deste ano. Trata-se de uma série de propostas, divididas em seis eixos temáticos (Ambiente Legal, Produção, Incentivos Fiscais, Ambiente de Negócios, Comércio Internacional e Logística e Infraestrutura), com o objetivo de fomentar o trabalho dos triticultores a partir de parcerias e do desenvolvimento de um livre mercado. O documento foi recentemente discutido no 26º Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado em Campinas no final do mês de setembro. A história centenária do trigo no Cerrado brasileiro caminha rapidamente para um de seus capítulos mais interessantes.


Modelo PC-24 da Pilatos em pista de grama: Nova geração de jatos sai do asfalto e desabia turboélices no mercado aéreo do agro

W WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

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foto: Divulgação Weber Haus

A grande feira mundial do estilo e do consumo

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UM JATO OFF-ROAD Capazes de operar em pistas curtas e não preparadas, jatos como o suíço Pilatus PC-24 entram na disputa com aeronaves turboélices e começam a conquistar os empresários do agronegócio Por Tiago Dupim

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agronegócio é o principal mercado para a aviação civil no Brasil. Uma grande frota privada cruza o País, encurtando a distância de centros urbanos às principais regiões produtoras, onde muitas fazendas possuem pistas de pouso até agora restritas ao pouso de jatos. Mais curtas e com pisos irregulares – de terra, grama ou cascalho –, elas não eram adequadas ao uso desses aparelhos mais sofisticados. Mas essa realidade tem data para mudar: 2020. Já no próximo ano começam a decolar e pousar por aqui os primeiros jatos projetados para operar em qualquer terreno. Quem oferece a novidade é a fabricante suíça Pilatus, que já trouxe a aeronave para a América do Sul – mas o primeiro cliente é um empresário chileno. O PC-24, apelidado de jato off-road por essa característica, foi entregue em agosto passado no Chile e será utilizado para apoiar os negócios imobiliários e agrícolas do seu proprietário no Chile, Peru e Colômbia. Com o novo modelo, o empresário poderá reduzir o tempo de viagem sem perder a característica de operar em pistas curtas, tão comuns em países do continente.

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O fato é que o PC-24 inaugurou a categoria Super Vesatile Jet. Com um conceito inovador, a ideia da Pilatus era mesclar o luxo e a sofisticação de um jato executivo com a versatilidade e flexibilidade de um turboélice. A proposta deu certo. Logo no seu lançamento, durante o evento Ebace (European Business Aviation Convention & Exhibition) de 2014, o PC-24 já se mostrou um sucesso: vendeu 84 unidades durante os três dias do evento. Isso significava que os dois primeiros anos de produção (2018 e 2019) estavam garantidos. “A Pilatus não vendeu mais porque quis respeitar a cronologia do produto sem fazer loucuras. Além disso, era importante esperar o feedback dos primeiros operadores”, explica José Eduardo Brandão, CEO da Synerjet, empresa que representa a Pilatus no Brasil. O resultado final ficou melhor que o esperado quando o PC-24 começou a ser projetado. A aeronave, cuja capacidade é para 11 passageiros e mais um piloto, voa com velocidade de cruzeiro de 814 km, tem alcance de 3.610 km e opera em altitudes de 45 mil pés (13.716 m). Cinco anos depois, em maio deste ano, a Pilatus


reabriu a carteira de pedidos do novo modelo. Agora os interessados já podem adquirir posições na linha de produção da empresa, com entregas programadas para 2020 e 2021. O período coincide com um momento de recuperação da economia brasileira. Mesmo assim, a Synerjet já comercializou sete unidades no país, sendo que três delas chegarão em 2020. Boa parte desses pedidos é oriunda dos clientes do agro. “O PC-24 é uma proposta única. Não tem concorrentes. A grande vantagem é conseguir operar em lugares em que outros jatos não são capazes”, ressalta Brandão. Se por um lado o mercado para a aviação de negócios como um todo ainda começa a experimentar um período de recuperação no Brasil, por outro há muito o que comemorar globalmente. De acordo com dados do Gama (General Aviation Manufacturers Association), as vendas de jatos executivos em 2018 cresceram 3,8% em relação a 2017. E 2019 começou ainda melhor: no primeiro semestre houve um incremento de 12,5% em relação ao mesmo período do ano anterior.

agronegócio. Em uma mesma plataforma, ele reúne a robustez e facilidade de decolagem e pouso de um turboélice e a sofisticação de um jato executivo. Ou seja: faz com que o empresário da fazenda possa utilizar a máquina tanto para o trabalho como para o lazer. E mais: o interior pode ser reconfigurado rapidamente. Cada assento do passageiro possui capacidade de troca rápida, permitindo sua adição ou remoção em apenas alguns minutos. A divisória traseira é móvel para que o proprietário possa ampliar a cabine de passageiros ou aumentar o volume do compartimento de bagagem facilmente em cada voo. Atualmente, o avião mais comum entre os produtores é o bimotor turboélice King Air. Além da facilidade de operar em pistas curtas, o custo

NOVA ESTRELA DO AGRONEGÓCIO? Se há um mercado com o qual o PC-24 se identifica como poucos aviões já fabricados é o PLANT PROJECT Nº17

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operacional (menor que o de um jato) convence facilmente os operadores. Porém, em algum momento o empresário pensa em migrar para um produto maior e mais requintado. Essa é a tendência natural. O PC-24 foi pensado justamente com base no que os proprietários de um avião turboélice queriam para a sua próxima aeronave. “Eles procuravam mais velocidade, autonomia e possibilidade de operar em pistas curtas. Isso abre um acesso enorme a vários lugares do mundo. O PC-24 é bastante conveniente, sobretudo para os empresários do agronegócio, que muitas vezes não têm acesso a pistas mais extensas”, comenta Brandão. Segundo a Pilatus, nenhum outro jato executivo pode operar a partir de superfícies não pavimentadas a uma distância de até 2.856 pés (856 m). EXPLORANDO UM NOVO NICHO O PC-24 recebeu os certificados iniciais das agências de aviação da Europa e Estados Unidos, a Easa (European Aviation Safety Agency) e a FAA (Federal Aviation Administration), em dezembro de 2017. No começo deste ano, a aeronave foi certificada para operar em pistas não pavimentadas. Com isso, o raio de atuação aumentou consideravelmente. De acordo 90

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com o Anuário Brasileiro de Aviação Civil 2019, o Brasil conta atualmente com 576 aeródromos públicos homologados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e 3.438 aeródromos privados registrados. Desses, cerca de 3 mil possuem pistas de terra para pouso e decolagem. Certamente são utilizadas por muitos empresários do agribusiness diariamente com aeronaves a pistão ou turboélices. Agora, também poderão comportar um jato executivo. Há aproximadamente 10.650 aeroportos no mundo possíveis de acessar com uma aeronave capaz de operar em pistas com um comprimento de 3.130 pés (954 m). Há outros 1.050 disponíveis quando um determinado avião precisa de apenas 2.810 pés (856 m). Naturalmente, em ambos os

casos, essas pistas terão que ser pavimentadas. Por outro lado, passa de 20 mil o número de pistas ao redor do globo que oferecem um comprimento de pelo menos 2.810 pés (856 m), mas com superfícies não pavimentadas – como grama ou cascalho. Então, com essa certificação, o PC-24 passa a ter acesso a quase 100% dos aeroportos em todo o mundo. Uma facilidade e tanto para quem opera um jato executivo. Em 2018, a Pilatus entregou 18 unidades do PC-24. Neste ano já foram mais 37. A ideia do fabricante é entregar de 50 a 60 aviões por ano. A aeronave, avaliada em US$ 10,7 milhões, já registrou mais de 7 mil horas de voo. “Há bastante interesse dos clientes do agro. Esperamos ter cada vez mais empresários desse ramo a bordo do PC-24”, finaliza Brandão.

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foto: Divulgação Weber Haus

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Maior integração da cadeia produtiva seria um estímulo para a cachaça ganhar mercado dentro e fora do País 92


UM DESAFIO A CADA COPO A produção de cachaça atrai cada vez mais brasileiros, apesar dos entraves para derrotar a tributação e conquistar mercados Por Tobias Ferraz

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foto: Divulgação Weber Haus

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ão quase 500 anos de maturação e experimentos, erros e acertos na busca do equilíbrio entre as diversas variedades de cana-de-açúcar. Testou-se de tudo, de diferentes tipos de fermentação -- desde os processos caipiras mais tradicionais (a partir de um composto à base de arroz, milho, trigo ou soja) até a adoção de cepas ou “raças” de leveduras melhoradas e mais sofisticadas -- à temperatura ideal no alambique para separar o que é “cabeça”, “rabo” e o “coração” da cachaça, a bebida propriamente dita. Tudo isso influencia a qualidade da “marvada” durante a fabricação. E também dá assunto para o destilador, que tem conversa que não acaba mais. É pra lá de “braço” de prosa apenas para ilustrar o desenvolvimento da cachaça branca, ou “prata”. No caso da amarelinha, ou “ouro”, entra ainda a fase de envelhecimento em tonéis de madeira... e daí em diante abre-se outro universo que rende ainda mais conversa. Mais que bate-papo, quem aposta na fabricação tem também um bocado de desafios pela frente. A atividade de produtor de cachaça em geral começa como um hobby, mas cada vez mais gente

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em todo o Brasil toma tanto gosto por ela que acaba transformando em negócio. Luiz Sutti, que é produtor rural em Jundiaí, no interior de São Paulo, e preside o sindicato rural do município, já teve gado de leite, criou ovelhas e atualmente tem a cachaça como o carro-chefe de sua propriedade. “Minha história com a cachaça começa na infância. Morávamos em Limeira, e eu ia com meu pai, de trem, buscar cachaça de garrafão no bairro rural do Tatu”, conta o empresário. “Como sempre gostei da bebida, meu pai me incentivou a produzir a minha própria cachaça. Comecei com um alambique bem pequeno e, aos poucos, fui ampliando e aprimorando. Hoje produzo em média 3 mil litros por ano.” Já são 32 anos destilando cachaça, com um leque de produtos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Assim, Sutti tornou-se um especialista não apenas na produção, mas também nos entraves de cada etapa do processo, que vai do canavial até o copo. Para ele, o principal desafio é a comercialização, sobretudo pelos diferentes perfis de produtores e consumidores. “O mercado brasileiro de cachaça é enorme e


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tem ainda significativo potencial de crescimento. Mas também é extremamente heterogêneo e altamente competitivo, com grandes produtores industriais atuando nacional e internacionalmente e pequenos produtores regionais em grande número”, comenta. As grandes indústrias dominam no mercado de menor valor. Já entre os que exigem alta qualidade (e estão dispostos a remunerá-la), a preferência costuma recair sobre as cachaças artesanais. “Embora as grandes indústrias também busquem esses consumidores com produtos cada vez mais diferenciados”, acrescenta o produtor. O mercado internacional é um caso à parte. Sutti diz haver um consumidor que ainda carece de maturidade, pois consome a cachaça mais para experimentar uma bebida pouco conhecida que se apresenta como novidade, principalmente no formato de coquetel, a nossa apreciada caipirinha, deixando assim a qualidade em um plano secundário. “O produtor de cachaça de pequeno e médio portes, para perseverar neste mercado, precisa de firme posicionamento e definir com exatidão a fatia que pretende disputar, pois qualquer que seja ela, a concorrência é forte”, afirma. “A firmeza de posicionamento é necessária para sobreviver no longo prazo, sem cair na tentação de atuar em todas as faixas de mercado. Isso é praticamente

impossível para os produtores artesanais, sendo apenas viável para os grandes, que têm muito mais recursos.” A organização do setor e a normatização da produção também estão na lista dos desafios enfrentados pelos produtores, hoje organizados sob o teto do Ibrac, o Instituto Brasileiro da Cachaça. O presidente da entidade, Carlos Lima, conta que ainda há uma série de outros obstáculos a serem superados, a exemplo da alta tributação. “A taxação da cachaça é de 81,87%”, conta Lima. Ao menos o setor já conseguiu uma importante conquista nessa área. Alambiques registrados no Mapa e que se enquadram no Simples Nacional têm redução das taxas e tributos para até 40%. Mas o benefício é para poucos. “O Simples é limitado para empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões”, diz o dirigente. Apesar de ter a tradição como apelo comercial e um dos pilares de sustentação de marketing, o setor da cachaça é bem dinâmico e reúne muita gente pensando em sua evolução. É o caso da engenheira de alimentos Maria Cristina Meneghin, a Babi, formada em Biomedicina e doutora em Alimentos e Nutrição pela Unesp/Araraquara, instrutora do Senar São Paulo e consultora na área de produção de cachaça. “Existe uma legislação que precisa ser melhorada. O padrão e os critérios de classificação carecem de especificação e os critérios para

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Diversidade de madeiras para fabricação de barris amplia o leque de sabores das cachaças

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o envelhecimento na legislação ainda são muito vagos”, diz ela. Com a autoridade de quem conhece as propriedades químicas da cachaça, Babi destrói um dos grandes mitos sobre “cachaça envelhecida”. Para quem pensa que longo tempo no barril de carvalho é sinônimo de qualidade, a engenheira sentencia: “Uma cachaça com dez anos na pipa já virou estrato de madeira, perdeu muito das propriedades e pode ser usada como blend, para misturar com uma bebida mais nova”. MERCADO E PESQUISA Um dos casos de sucesso no mundo da cachaça é a gaúcha Weber Haus, de Ivoti, município da Região Metropolitana de Porto Alegre. E essa história começa lá no velho continente. Evandro Weber, diretor da empresa, conta que o negócio iniciou no século 19, em 1824, ainda na Alemanha, onde seus ancestrais já produziam o “schnaps”, um destilado de batata. A partir de 1848, já estavam

fazendo cachaça em terras gaúchas. A Weber Haus deve fechar 2019 com uma produção de aproximadamente 380 mil litros de cachaça. A empresa exporta para vários países e Evandro vive em busca de novos mercados. “Acabei de chegar da Turquia. No Oriente Médio existe um grande mercado para bebidas, que é o segmento de hotéis. Exportamos para lá há quatro anos, começamos com 1,5 mil garrafas e devemos fechar o ano com um volume de 4 mil unidades.” Evandro conta que investe em pesquisas de mercado, tanto interno como externo, e está sempre de olho nas oportunidades para as bebidas. “Estados Unidos e Alemanha geram tendências. A moda agora é o gim – destilado de cereais –, o rum deve pegar carona nessa onda e, depois, pode ser a vez da cachaça”, diz ele. Por ter gosto pelo pioneirismo, o executivo fica de olho em mercados teoricamente inusitados – Evandro está de olho nas sex shops como nova

alternativa para ponto de venda de cachaça. “Se algum segmento de mercado olha atravessado pra nós no começo, um dia vai lembrar que fomos os primeiros loucos a oferecer cachaça pra eles”, comenta animado. No mundo acadêmico, a Esalq/USP, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba, no interior paulista, realiza várias linhas de pesquisas sobre a cachaça. Uma delas, que chama muito a atenção, é sobre o uso de madeiras nativas, de espécies de árvores brasileiras para a construção de tonéis para envelhecimento. Isso para diversificar e oferecer alternativas aos tradicionais tonéis de carvalho. Hoje em dia, em vários alambiques é possível degustar cachaças envelhecidas em pipas de amburana, castanheira, amendoim, jatobá, jequitibá, bálsamo e tantas outras. O envelhecimento da bebida é uma arte, e cada madeira fixa elementos sensoriais únicos. Com a diversidade florestal brasileira,

A CACHAÇA NO BRASIL • R$ 14 bilhões é o valor do mercado da bebida • É a segunda bebida alcoólica mais consumida no País • 1,2 bilhão de litros é a capacidade instalada de produção • 600 mil empregos diretos e indiretos • Exportada para mais de 60 países – em 2018, 1% da produção foi exportada, com receita de US$ 15,6 milhões • Tem reconhecimento e proteção em quatro países: Chile, Colômbia, EUA e México – o acordo recente entre o Mercosul e a União Europeia também protegerá a cachaça nos países europeus Fonte: Ibrac

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foto: Divulgação Weber Haus

não faltará opção aos apreciadores da “bendita”, e sem repetir o tipo de madeira por um bom tempo. “Envelhecimento da cachaça é uma arte, uma parte fica no barril e outra vai para os anjos”, afirma Evandro Weber. ALMA DO INTERIOR “A gente sai da roça, mas a roça não sai de dentro da gente!” Esse ditado, “dito como certo” para quem tem origem no interior, tem sido o mote de muitos “caipiras” que, depois de muitos anos vividos na cidade grande ou de uma carreira inteira construída nas metrópoles, realizam o sonho de voltar para a terra em que nasceram para tocar o agronegócio familiar ou montar uma nova atividade. Elpídeo Zurita é um dos casos de “...na rua, na chuva, na fazenda ou numa casinha de sapê...”. Natural de Araras (SP) e engenheiro civil de formação, se aposentou como funcionário da Ceagesp – Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo. Depois de “alambicar” para o irmão mais velho, Ivan Zurita (Cachaça do Barão), decidiu investir em uma bebida própria, a Fuzuê, que é produzida em Rio Claro (SP). O diferencial já começa pelo rótulo, que traz a Mulher de Máscara de Carnaval, obra do premiado artista plástico Gustavo Rosa. “Eu busquei uma cachaça que agradasse meu paladar. Na branca, já consegui”, comenta Elpídeo, que fala com certo

ressentimento sobre o mercado da bebida. “Todos os povos têm orgulho das suas bebidas, mas o brasileiro parece que tem vergonha da bebida nacional. Quimicamente falando, a cachaça é superior a muitos destilados famosos, é uma bebida muito nobre, mas o brasileiro não sabe dar valor.” Mas o negócio dele vai bem, destila 10 mil litros por ano e tem capacidade para produzir até 30 mil litros. O filho Érick é mestre alambiqueiro, tem mestrado na área de destilação e é o responsável pela nova fase da produção, a cachaça orgânica. “Toda a nossa produção é feita sem o uso de produtos químicos, desde o canavial. Cultivamos cana sem agroquímicos e assim conduzimos até o final do processo”, conta Érick. Já o físico Roberto Negrini não nasceu no interior, mas se tornou alambiqueiro por vocação. Fez carreira na área de telefonia e, na década de 1970, viveu por cinco anos na Nigéria, onde preparava caipirinhas com a cachaça made in Brazil. Antes mesmo de se aposentar já tinha como projeto viver do trabalho do sítio da família, em Santa Cruz da Conceição (SP), local que para ele sempre foi “o reino encantado, um

A engenharia dos alambiques é outro diferencial que impacta na qualidade final da cachaça

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recanto feliz”, e assim há de se perpetuar. Aos conhecimentos de física, Roberto somou a química e a biologia para “alambicar” cachaça. A fase experimental foi bemsucedida e encorajou a criação da Ginga da Terra, uma cachaça cheia de classe e com o jeitão do interior paulista. É no alambique (ou “engenho”, como muita gente ainda chama) que ele se realiza. “Já explorei várias atividades aqui no sítio – apicultura, gado, criação de pequenos animais –, mas nada é tão prazeroso como trabalho e fonte de renda quanto a produção da cachaça”, diz. Roberto produz cerca de 8 mil litros de cachaça por ano. UNIÃO E REPRESENTATIVIDADE Conversando com os produtores de cachaça, fica evidente a divisão entre grandes e pequenos destiladores. Os alambiqueiros menores sentemse representados pela Anpaq – Associação Nacional dos Produtores de Cachaça de Qualidade. Hermany de Pinho Tavares, diretor da Associação, também aponta a alta tributação como um grande limitador do segmento. “Imagine que a cada dez garrafas comercializadas, oito ficam com o governo. É míope o argumento de que a carga tributária das bebidas alcoólicas é importante para reduzir o consumo, uma vez que está mais do que comprovado em diversos estudos realizados na 98

Comunidade Econômica Europeia que o aumento da carga tributária sobre bebidas não é acompanhado pela redução de seu consumo. Ao contrário, faz com que o consumidor migre para produtos mais baratos, aumenta o contrabando e a sonegação, favorece o crescimento da informalidade e explica a permanência do alto índice de negócios informais do setor no Brasil”, diz o dirigente. Considerando que o Censo Agropecuário do IBGE de 2017 mostra pouco mais de 11 mil produtores de cachaça espalhados pelo País e menos de 1,4 mil estão registrados no Mapa, o índice de informalidade passa de 85%. Hermany explica que, hoje, os investimentos para o setor estão vindo por meio de Arranjos Produtivos da Cachaça em vários estados e apoio na participação de produtores de diversas regiões em feiras, como a Expocachaça, e em programas de organização do setor e apoio na gestão dos alambiques. “Outro estímulo ao setor vem pela criação de Indicações Geográficas de Produção de cachaça, como a de Paraty, no Rio de Janeiro; a de Salinas, em Minas Gerais; e de Abaíra, na Bahia”, acrescenta. A Anpaq traz entre as suas bandeiras o desafio de normatizar o que é cachaça industrial e cachaça artesanal. Atualmente a legislação não faz essa distinção. Outro ponto muito importante é a falta de união

foto: Divulgação Famiglia Sutti

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Quem produz cachaça no Brasil Os produtores de cachaça e de aguardente representam 21,96% do total de 6.362 estabelecimentos produtores de bebidas alcoólicas e não alcoólicas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o que representa quase um quarto dos estabelecimentos produtores de bebida fiscalizados pelo órgão. O número de estabelecimentos produtores de cachaça e de aguardente totaliza 1.397 (registados no Mapa), em um total de 5.490 produtos registrados, distribuídos em 835 municípios, em 26 unidades da federação. Fonte: Anuário A Cachaça no Brasil (Mapa)

entre os produtores. Muitos deles falaram à PLANT PROJECT sobre a necessidade de maior aproximação entre os alambiqueiros, principalmente em torno de entidades regionais ou associação de produtores. Apesar de a cachaça ser uma bebida secular, a organização do setor ainda é um fato novo, aos poucos está se aprimorando e devagar a “bendita” vai chegar num bom lugar do ranking internacional. Gente fazendo e acontecendo para isso não falta.


Jardim das Esculturas: Uma parte da Fazenda Rio Corrente abriga as obras de Waltercio Caldas, Amilcar de Castro e Cildo Meireles, entre outros, reunidas ao longo de décadas de dedicação às artes

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divulgação foto: Michael Dantas/SEC

Um campo para o melhor da cultura

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foto: divulgação

Um campo para o melhor da cultura

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fotos: Furacão na Botocúndia

UMA FAZENDA PARA PLANTAR ARTE Propriedade da família Chateaubriand no interior de São Paulo abriga obras de uma das maiores coleções particulares do País e em breve vai abrir suas portas para o público Por André Sollitto

A Fazenda Buquira, em Taubaté, e o escritor Monteiro Lobato: hoje, a propriedade é um ponto turístico de São Paulo PLANT PROJECT Nº17

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fazenda Rio Corrente, localizada na cidade de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, é mantida há décadas pela família Chateaubriand. Produz cana, soja, milho e abacates. Possui uma área reservada aos eucaliptos e, recentemente, passou a ter outra dedicada à piscicultura. Para os amantes da arte, porém, é famosa por abrigar uma parte da coleção particular de Gilberto Chateaubriand, uma das maiores e mais importantes do País. Seus jardins estão repletos de esculturas de artistas como Amilcar de Castro (1920-2002), Waltercio Caldas e Paulo Roberto Leal (1946-1991). E, em breve, pode se tornar referência também como centro cultural em uma das regiões mais ricas do estado. O plano foi elaborado por Carlos

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Alberto, filho de Gilberto e neto de Assis Chateaubriand, o icônico jornalista criador do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Presidente do Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio de Janeiro, Carlos Alberto está atualmente restaurando uma antiga tulha usada para o armazenamento de café. “Antigamente, todas as fazendas da região cultivavam café”, conta. “Mas essa produção foi diminuindo. Ficou a tulha, um espaço de 580 metros quadrados que vai abrigar o centro cultural.” Segundo seus planos, serão expostas ali cerca de 120 obras, trocadas a cada quatro meses. O centro será aberto durante a semana para passeios de escolas, por meio de agendamento, e aos finais de semana ficará disponível para o público.


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Americana, Limeira, Araras e São Carlos”, diz ele. “É uma região muito bonita e muito rica, mas é inacreditável como faltam centros culturais.” O espaço que será inaugurado na Rio Corrente deve se tornar referência. O planejamento prevê a criação de equipes para atender ao público. Se os mineiros têm Inhotim, o famoso museu com instalações a céu aberto que fica na cidade de Brumadinho, em breve os paulistas também terão um destino cultural no interior.

Urutu, quadro de Tarsila do Amaral, e escultura de Amilcar de Castro: a coleção acompanha a evolução da arte brasileira nos últimos 100 anos

foto: divulgação

De acordo com os planos do empresário e produtor, a meta é estar com tudo pronto até o final de abril ou começo de maio de 2020. Carlos Alberto tem se dividido entre a cidade do Rio, onde vive, e Porto Ferreira, para tocar todas as atividades. Na administração da fazenda conta com a ajuda da filha, que se mudou para o interior paulista. “A localização da fazenda é privilegiada. Estamos perto de diversas outras cidades, como Campinas, Ribeirão Preto,

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fotos: divulgação

Autorretrato de Ferrez, então com 36 anos: em 1879, o fotógrafo registrou a ferrovia de Santos a São Paulo

DIRETO COM OS ARTISTAS A coleção de Chateaubriand teve início de maneira absolutamente inusitada. Em uma viagem à Bahia, Gilberto foi apresentado ao artista modernista José Pancetti (1902-1958), um dos grandes paisagistas das artes brasileiras. Ele foi até a praia para acompanhar Pancetti enquanto ele trabalhava. Na volta, descobriu que seu carro havia sido roubado. O artista resolveu dar a tela que havia feito, uma cena da marinha de Itapuã, a Gilberto, como forma de amenizar o episódio. Ele voltaria a comprar muitos outros trabalhos de Pancetti e de outros modernistas, e não parou mais. 104

Fazer uma coleção nas décadas de 1950 e 1960 era uma tarefa muito diferente. Praticamente não havia galerias de arte ou curadores. Todas as negociações eram feitas à base de muito relacionamento direto com os artistas. Gilberto visitava ateliês para saber em que eles estavam trabalhando. Também recebia muitas visitas em sua casa. “Eles geralmente vinham de manhã e espalhavam suas telas pela sala”, conta Carlos Alberto. Quando não ofereciam suas obras pessoalmente, também telefonavam e indicavam colegas. Assim a coleção foi tomando forma. Desde o início, Gilberto

Quadro de Antonio Bandeira, Gilberto Chateaubriand e seu filho, Carlos Alberto: boa parte da coleção pode ser vista no MAM do Rio


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foto: divulgação

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assumiu a missão de descobrir talentos desconhecidos e estruturar o acervo de maneira didática. “Ele viajava para outros estados e procurava artistas de Alagoas, Maranhão, que não eram conhecidos, não tinham nenhum acordo com galerias. Era um garimpo, um trabalho de formiguinha mesmo”, conta Carlos Alberto. O objetivo era justamente sair do eixo Rio–São Paulo, que de certa forma restringia o mercado. Foi assim que descobriu nomes como o sergipano Cicero Alves dos Santos, conhecido como Véio, escultor que trabalha com troncos de árvores. Para os críticos, o trabalho de Chateaubriand não tem paralelo com outras coleções particulares, principalmente por conta de seu escopo. Os 8 mil itens incluem praticamente todos os movimentos mais importantes dos últimos 100 anos. Há uma preferência pelos modernistas, como Anita Malfatti (1889-1964),

Tarsila do Amaral (1886-1973), Di Cavalcanti (1897-1976) e Candido Portinari (1903-1962). Há espaço para Wesley Duke Lee (1931-2010), pioneiro em inserir elementos da cultura pop em suas obras; para o concretismo de Carlos Vergara (1941), Hélio Oiticica (1937-1980) e Cildo Meireles (1948); e para a fotografia de Rosângela Rennó (1962) e Miguel Rio Branco (1946), entre outros. O acervo conta ainda com obras de artistas bastante conhecidas hoje, como Leda Catunda, Adriana Varejão e Beatriz Milhazes. ACESSO AO PÚBLICO Desde 1993, a coleção foi cedida em regime de comodato ao Museu de Arte Moderna do Rio. Inicialmente, foram transferidas 700 obras, depois que o museu havia perdido parte de seu acervo em um incêndio em 1978. Quando a reserva técnica foi reconstruída, grande parte da coleção, hoje com mais de 8 mil itens, foi passada PLANT PROJECT Nº17

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foto: divulgação

Obra de Wesley Duke Lee e escultura de Amilcar de Castro: o acervo foi construído ao longo de 70 anos

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para a instituição. “Ainda tem bastante coisa na minha casa no Rio, na casa dele, e na fazenda”, diz Carlos Alberto. Esse movimento fez com que o acesso às obras fosse facilitado. Desde a década de 1990, o MAM realiza exposições bienais somente para destacar as obras mais recentes adquiridas por Chateaubriand. A coleção também já viajou para vários países, incluindo França, Inglaterra, Coreia do Sul, Argentina e Alemanha. Obras individuais também costumam ser emprestadas para mostras. Recentemente, o quadro Urutu, pintado por Tarsila do Amaral em 1928, fez parte da exposição dedicada à artista no Museu de Arte de São Paulo, que reuniu o maior público da história da instituição. E a coleção está sempre em expansão. Hoje, o foco é exclusivamente em arte contemporânea. “Decidimos que daríamos atenção apenas a artistas jovens, porque os modernistas já estavam bastante representados”, diz Carlos Alberto. As compras mais recentes incluem trabalhos de Marcelo Solá, Daniel Toledo e Gustavo Speridião, entre outros. E se esses nomes não dizem nada, tudo bem. Tanto Gilberto quanto Carlos Alberto Chateaubriand já se acostumaram a trabalhar com artistas desconhecidos do grande público. Logo, vai bastar um passeio pelo interior de São Paulo para ficar por dentro da vanguarda das artes plásticas.


Conceito de embalagem para carne produzida em laboratório: Proteínas alternativas atraem cada vez mais investidores

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foto: Shutterstock

As inovações para o futuro da produção

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foto: Shutterstock

As inovações para o futuro da produção

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POR QUE A TECNOLOGIA PODE TORNAR OS ANIMAIS OBSOLETOS O que leva um investidor a apostar em startups de proteínas alternativas. Neste artigo, o sócio de um dos mais influentes fundos americanos de AgTech explica sua visão e provoca uma reflexão sobre o futuro do agro Por Rob Leclerc*

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arros substituíram cavalos, petróleo substituiu baleias, tratores substituíram bois, telecomunicações substituíram pombos-correio, fermentação substituiu vacas e porcos para a produção de insulina. E, apesar de suas muitas deficiências, o plástico continua a ganhar participação de mercado no couro. Onde quer que olhemos, os humanos construíram constantemente tecnologias que superam seus predecessores animais. A comida pode ser a próxima. Em todo o mundo, os empresários estão reinventando a forma como fabricamos produtos tradicionalmente derivados de animais. Aplicando as mais recentes tecnologias da biotecnologia, engenharia de tecidos, inteligência artificial e ciência de alimentos, os empreendedores estão tentando criar novos produtos sem animais, que são mais baratos, mais saudáveis, mais saborosos e mais sustentáveis. Mesmo se obtiverem sucesso moderado, terão a oportunidade de capturar uma parte

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significativa do mercado de proteínas animais, estimado em 1,5 trilhão de dólares. As oportunidades não são muito maiores que isso. Como capitalistas de risco, isso é difícil de ignorar. O mundo está prestes a mudar muito rapidamente. Como investidores, nosso trabalho é identificar tecnologias que serão adotadas pelo futuro e depois apostar nesse futuro. Recentemente anunciamos o próximo fundo alternativo de proteínas da AgFunder. Esse fundo investirá em alternativas de proteína animal, incluindo alternativas baseadas em plantas, agricultura celular e tecnologias de picaretas e pás necessárias para habilitar esse setor emergente. O principal insight que impulsionou nossa tese de investimento é que, há milhares de anos, os animais são empregados como tecnologia para fornecer produtos e serviços valiosos, incluindo transporte, comunicações, energia, mão de obra, roupas, remédios e, claro, alimentos.


Rob Leclerc, fundador do AgFunder

Mas a história mostrou que os animais não são necessariamente os melhores meios para esses produtos e serviços finais. O mercado exige, mas mostra pouca fidelidade ao seu modo de produção. E, assim, quando novas tecnologias são melhores e mais baratas, os mercados tendem a mudar. E mudam rápido. Assim como o frango substituiu a carne bovina como uma proteína básica, por ser mais barata e percebida como uma alternativa mais saudável, grandes áreas da indústria de carnes de commodities correm o mesmo risco de substituição. A história da tecnologia nos ensina que esse resultado raramente é evitável. Prevemos que muitos consumidores mudem para produtos alimentares sem animais se esses produtos começarem a atender ou exceder suas alternativas baseadas em animais em áreas-chave como custo, sabor, funcionalidade, conveniência e saúde. Considere um consumidor mais consciente, preocupado com o impacto da agricultura animal em nosso meio ambiente e sustentabilidade, e essa mudança poderá ocorrer ainda mais rapidamente.

POR QUE AGORA? Os produtos à base de plantas já existem há muito tempo, então por que isso está acontecendo agora? Acreditamos que remonta a quatro tendências principais. A primeira é o surgimento das mídias sociais, que levaram à formação de novas tribos e tendências alimentares, incluindo orgânicos, sem glúten, vegano, ceto, flexitário e reducetário. Esses novos canais de distribuição digital não dependem de concessões públicas e permitem que as marcas independentes levem sua mensagem diretamente aos clientes, há muito mal atendidos por grandes empresas de alimentos focadas no mercado de massa. Esses clientes adotam marcas que refletem seus próprios valores. A segunda é o surgimento de um consumidor mais consciente, preocupado com a saúde, com as mudanças climáticas, com o meio ambiente e com o bem-estar dos animais. Particularmente entre a geração do milênio, a geração Z e os pais. Prevemos que muitos consumidores mudem para produtos alimentares sem animais se esses produtos

começarem a equivaler ou superar as suas alternativas baseadas em animais em áreas-chave como custo, sabor, funcionalidade, conveniência e saúde. Terceira, o surgimento de novas tecnologias, como edição de genes, proteínas recombinantes e inteligência artificial, além de grandes avanços na engenharia de tecidos, sequenciamento de DNA e espectrometria de massa. Agora, as empresas de alimentos não só podem criar novos produtos como nunca antes, como essas novas tecnologias podem ser protegidas com propriedade intelectual, o que, em última análise, torna essas oportunidades favoráveis ao risco. Quarta, é o surgimento recente de um pequeno grupo de empreendedores apaixonados e motivados por missões que desejam efetuar mudanças em nosso sistema alimentar. Eles reconhecem que, para atingir seus objetivos, precisam criar produtos com um sabor tão bom quanto o dos derivados de animais; produtos que até um carnívoro adoraria. É importante ressaltar que muitos desses pioneiros não optaram por se tornar meras empresas de ingredientes PLANT PROJECT Nº17

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AgTech

protéicos. Em vez disso, eles escolheram ser empresas voltadas para o consumidor que podiam controlar sua narrativa e levar sua mensagem diretamente ao mercado. Com o conhecimento de relações públicas e a ajuda das mídias sociais, um único artigo do Wall Street Journal poderia lançar dezenas de postagens no blog e fazer a internet vibrar. Esse sucesso inicial atraiu subsequentemente toda uma nova geração de empreendedores e capitalistas de risco que podem executar mais rapidamente esses manuais de sucesso. Este é o começo da segunda onda. A disrupção pode acontecer rapidamente. Em 2008, o CEO da Blockbuster declarou que "a Netflix nem estava no radar" em termos de concorrência. Dezoito meses depois, declarou falência. O paradoxo da perturbação é o proverbial sapo em água fervente; não acontece muita coisa de um momento para o outro. Você se adapta ao novo ambiente sem perceber que está selando seu destino por não reagir. Uma vez que as empresas alternativas de proteína obtenham o sabor, a textura e o custo corretos, com que rapidez eles precisam escalar para ver uma virada completa no mercado? Vamos responder a isso usando a empresa de carnes de origem vegetal Impossible Foods como exemplo e começar com a suposição de que eles podem migrar para produtos alternativos 112

de carne de porco, aves e peixes. Estão surgindo tecnologias que estão prontas para capturar grandes porções do mercado tradicional da agropecuária, não porque estão sendo forçadas ao mercado, mas porque os consumidores estão mudando. Para fornecer à população mundial carne alternativa nos níveis atuais de consumo de carne animal (42,6 quilos/pessoa), a Impossible Foods precisaria alcançar uma produção anual global de 317 bilhões de quilos. Hoje, eles teriam uma capacidade de produção anual de apenas 11 milhões de quilos a partir de uma única instalação em Oakland; apenas 0,003% do seu mercado endereçável total. Eles nem estão fazendo um estrago. Mas e se eles pudessem dobrar sua capacidade de produção a cada ano? Em apenas 15 anos e com 30 mil unidades de produção, eles poderiam atender à demanda global de carne. Assumindo um custo de capital de US$ 50 milhões/planta, isso elevaria o Capex total a US$ 1,5 trilhão. Embora tenhamos conhecimento de instalações que produzem 3,6 milhões de quilos mensais com Capex semelhante, isso deve servir como uma marca d'água alta. Como verificação de sanidade, a Samsung gastou US$ 41 bilhões em Capex em 2017 e 2018 [2], embora os desafios de Capex e de expansão aumentem a probabilidade de que uma empresa possa ficar no mercado,

o tamanho da oportunidade sugere que pode haver dezenas de bilhões de dólares em todo o mundo. Mas e as entradas? Dado que 1 quilo de soja possui cerca de 35% a mais de proteína do que a carne bovina, assumiremos de forma conservadora que cada quilo de soja – ou outra planta equivalente rica em proteínas – poderia produzir 1 quilo de carne à base de plantas com teor de proteína equivalente. Na produção média atual de 56 sacas/hectare, isso exigiria 95 milhões de hectares de terras agrícolas para produzir 317 bilhões de quilos de plantas ricas em proteínas. Isso já poderia ser alcançado com a área cultivada atualmente apenas com a produção global de soja. No entanto, se esses produtos se tornarem melhores e mais baratos, precisaremos levar em conta o rápido aumento subsequente no consumo per capita global. Revisando nosso cálculo acima, podemos perguntar o que seria necessário para abastecer o mundo com níveis de consumo de 100 quilos/ano nos EUA? Acontece que precisamos de apenas dois anos de produção anual dobrada para atender a essa demanda adicional e 222 milhões de hectares equivalentes em soja. Para colocar isso em contexto, isso exigiria cerca de um terço da terra arável do mundo, que é a quantidade atualmente usada para cultivar alimentos para animais.


foto: Shutterstock

AQUI TEM DRAGÕES Independentemente de você apoiar ou não a produção animal, existem grandes desafios de aumento de escala para atender às demandas de proteínas de novos 2,5 bilhões de consumidores até 2050. Isso exigirá novas ideias, que não sejam confinamento animal de maior densidade, desmatamento e exploração adicional de nossos oceanos. Nossa tese é a de que estão surgindo novas tecnologias prontas para capturar grandes porções do mercado tradicional de produção animal e promover peças do quebra-cabeça das proteínas. E isso não acontece porque essas tecnologias são forçadas no mercado, mas porque os consumidores estão mudando. Ainda assim, há muitas perguntas que precisam ser respondidas sobre escalabilidade, saúde, nutrição, preço, regulamentos e, é claro, aceitação

do público. E, apesar do tamanho da oportunidade, o investimento nesse setor traz riscos e desafios significativos. Saúde: muitos consumidores estão cada vez mais cautelosos com alimentos processados, mas o fato de ser baseado em vegetais não significa necessariamente que é mais saudável. A margarina foi inventada em 1869, na França, como um substituto da manteiga feito com gordura de carne bovina para as Forças Armadas e a classe baixa. A escassez de gordura bovina, combinada com os avanços na hidrogenação de materiais vegetais, levou à produção de margarina pura à base de plantas até o final da Segunda Guerra Mundial. No seu auge, a margarina capturou quase 75% do mercado de manteiga, mas, com crescentes preocupações com a saúde relacionadas às gorduras trans, cedeu seu domínio no mercado

e hoje detém cerca de 40% de participação. Como alimentos altamente processados, os produtos à base de plantas terão de colocar um foco principal na saúde, além de sabor e custo, para substituir a carne ou competir com a agricultura celular. Além disso, a agricultura celular e os produtos à base de animais podem ter outros fatores que contribuem para a nutrição que os produtos à base de plantas precisam enfrentar. Ambiente: os produtos à base de plantas também terão problemas para escapar dos problemas e críticas da agricultura convencional, que incluem monocultura, uso de químicos e fertilizantes e esgotamento do solo. E, se esses produtos exigirem ingredientes como óleo de palma, os críticos apontarão prontamente a hipocrisia, dado o histórico da indústria em questões de direitos humanos e PLANT PROJECT Nº17

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sustentabilidade. Se as startups optarem por uma posição moral elevada, elas também serão cobradas em um padrão mais alto. Custo: startups baseadas em fermentação, como Perfect Day, Clara Foods e New Culture, que fabricam micróbios geneticamente modificados que expressam proteínas animais, também terão seus desafios. Essas técnicas foram usadas com sucesso na indústria de biofarma, mas tendem a ser proteínas de valor extremamente alto e resta saber se essas empresas podem produzir suas proteínas economicamente e em escala para competir com os ingredientes das commodities. Escala: a agricultura celular, que pode ser o Santo Graal, também tem muitos desafios. Nomes bem conhecidos no espaço em diferentes categorias incluem Memphis Meats (carne), Finless Foods (peixe), SuperMeat (frango) e Shiok Meats (Camarão). Alguns anos atrás, os críticos apontaram que a agricultura celular dependia do sangue do feto de bezerros (soro fetal bovino), mas isso em geral é coisa do passado e várias empresas de biotecnologia estão oferecendo soros à base de plantas. No entanto, o meio de cultura de células ainda custa cerca de US$ 500/l e hoje você precisa de 10 a 40 litros de meio de crescimento para produzir apenas 1 kg de carne. Esses custos precisarão diminuir significativamente para competir com produtos à base de

carne convencionais e até com alternativas à base de plantas. Mas os custos estão diminuindo rapidamente e vimos empresas reivindicando custos tão baixos quanto US$ 40/l, além do uso de tecnologias de diálise para reciclar seus insumos. De fato, o que mais nos impressiona no setor de agricultura celular é a rapidez com que ele está se movendo. Capex (investimento em bens de capital): para ter escala a indústria de agricultura celular também terá que apresentar tecnologias de biorreatores mais robustas que os equipamentos de fermentação para uso alimentício, mas que são muito menos dispendiosas do que os biorreatores de uso farmacêutico. As lições da tecnologia limpa nos lembram que o Capex pode matar as empresas que produzem produtos básicos. No entanto, as primeiras versões desses produtos provavelmente não serão produtos de carne complexos. Em vez disso, provavelmente serão ingredientes de alto valor que melhoram o sabor e a textura dos produtos à base de plantas,

mesmo em pequenas quantidades. Aceitação do consumidor: mas o teste final para a agricultura celular será a aceitação do cliente. Para obter o sabor e a textura adequados, as startups podem precisar incorporar componentes adicionais, como gorduras, mioglobina e vasculatura, tornando o processo mais complexo. Mesmo assim, o pensamento de comer carne cultivada pode ser desanimador para muitos consumidores e será um desafio criar um produto que possa competir com um bife de costela com osso. Ainda assim, parece haver muitas oportunidades em ingredientes alimentares e produtos processados, como bolinhos de massa, almôndegas, cachorrosquentes e hambúrgueres híbridos de plantas/células. Pode não ser a carne que nossos pais comerão, mas sem antibióticos, produtos químicos ou objeções éticas, pode ser a carne que nossos filhos comerão. Social: e não vamos esquecer os agricultores nesta equação.


AgTech

Muitas famílias de agricultores estão orgulhosamente operando há seis ou mais gerações. Os agricultores de grãos podem ver um boom bem-vindo das proteínas vegetais e baseadas em agricultura celular, especialmente se isso exigir maior qualidade – menos commodities –, mas os produtores cujo sustento depende da criação de animais se sentirão naturalmente ameaçados. Um exemplo dessa reação está no Missouri, que recentemente se tornou o primeiro estado americano a proibir o uso da palavra "carne" para se referir a qualquer coisa que não seja carne de animal. No entanto, como as alternativas de proteína provavelmente competirão com a carne comoditizada, ainda deve haver um mercado duradouro para os produtores focados na produção de carne de alta qualidade e mais sustentável. Concorrência: na frente dos negócios, as startups enfrentarão uma concorrência feroz dos operadores históricos. Na frente de carnes à base de plantas, a Tyson Foods (maior indústria americana de proteína animal) anunciou recentemente sua própria marca de carnes à base de plantas, a Raised & Rooted, a Nestlé anunciou seu Incredible Burger, a Kellogg anunciou a Incogmeato, a Kroger (rede de supermercados dos EUA) anunciou a Simple Foods. Como se costuma dizer, se você não pode vencê-los, junte-se a eles. E você pode apostar que empresas como

essas estão dispostas a gastar bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento para defender bilhões de dólares em participação de mercado. As empresas de proteína à base de plantas precisarão encontrar estratégias defensáveis além da marca para permanecerem duráveis, mas estão em desvantagem porque a Big Food é incapaz de assumir os mesmos riscos das startups mais jovens e mais ágeis, com muito menos a perder. FUNDO ALT PROTEIN DA AGFUNDER O mundo está prestes a mudar muito rapidamente. Como capitalistas de risco, nosso trabalho é identificar tecnologias que serão adotadas pelo futuro e depois apostar nesse futuro. Essas apostas são informadas pelas demandas dos consumidores que impulsionam os mercados e os gatilhos da tecnologia que tornam repentinamente possível o impossível. Em todo o mundo, empreendedores estão trabalhando para criar novas tecnologias para substituir a necessidade de criação de animais. São doutores e cientistas de alimentos dos principais laboratórios de pesquisa em todo o mundo, que estão trazendo o que há de mais recente em ciência e engenharia para lidar com essa questão. Com dois doutores em biologia de Yale e Stanford em nossa equipe de investimentos, esse é um idioma que também

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sabemos falar. A paixão e o talento que vemos nesse setor são inigualáveis e fazem com que a inovação nesse espaço se mova muito mais rapidamente. Com o sentimento de missão, fundadores desses negócios estão tentando fazer uma grande diferença no universo, e fomos inspirados a nos juntar a eles em sua jornada. Acreditamos que essa é uma causa importante e que esse é um daqueles raros momentos da história em que surge uma tecnologia que pode genuinamente tornar o mundo um lugar melhor. No curto prazo, reconhecemos que as novas tecnologias geralmente levam a novos problemas. A invenção do carro veio com expansão urbana, poluição e mais de 1,25 milhão de mortes por ano. Mas os carros também estão ficando mais limpos, seguros e eficientes, e poucos de nós estão dispostos a voltar a andar de carruagem. A disrupção não ocorre porque uma tecnologia é aplicada a consumidores indesejados. Em vez disso, ela ocorre quando repentinamente preenche um vácuo na demanda do consumidor. A flecha do progresso tecnológico sempre aponta para um futuro melhor e confiamos na sabedoria dos mercados para nos levar até lá. * Sócio-fundador da plataforma AgFunder, referência global em investimento AgTech Publicado originalmente no site AgFunder News (agfundernews.com) PLANT PROJECT Nº17

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Fran Adorno, a “Blogueirinha da Roça”: mostrando o dia a dia da vida no sítio, a influenciadora cativou 2 milhões de seguidores 116


SOB A INFLUÊNCIA DO CAMPO Uma nova geração de personalidades do setor faz sucesso nas redes sociais misturando conteúdo informativo com histórias da vida na roça Por André Sollitto

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ausa para a selfie. Foto em frente ao logo da empresa. Retrato posado ao lado de outros convidados. Vídeo para mostrar um pouco do movimento do evento. Para os chamados influenciadores digitais, tudo tem seu preço. E tem sido assim também nos principais eventos do agro. Contratados, eles participam de todas as atividades, por exemplo, durante o lançamento de uma linha de soluções tecnológicas para o campo, enquanto a equipe de comunicação da empresa cliente corre atrás deles para garantir que os posts sejam feitos na quantidade acordada. Versões rurais das celebridades das redes sociais, estão recebendo para estar lá em sistema de trabalho já bastante popular em outros setores, mas que começa a ganhar força também no agronegócio. Afinal, praticamente todo mundo com um smartphone no bolso acompanha um punhado de famosos nas redes sociais. Eles podem ser atores e atrizes, esportistas

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ou gurus financeiros e religiosos com milhões de seguidores. É um mercado enorme que movimenta mais de US$ 4 bilhões por ano, movido por essas personalidades – e também por pessoas praticamente desconhecidas fora de suas áreas de atuação, mas que têm bastante influência em seus círculos. São os chamados microinfluenciadores. Seus números de seguidores podem até não ser tão impressionantes em comparação com a protagonista da novela ou uma estrela do futebol, mas eles têm a vantagem de falar diretamente com seus seguidores. No agro, o mercado de microinfluenciadores é dominado principalmente por jovens. Inseridos nas redes sociais, adotaram a missão de propagar informações sobre o agronegócio. Eles têm uma conexão com o campo e representam a mudança geracional do setor, mais digitalizado, interessado em novidades e em busca de conteúdo na palma da mão. Nos Estados Unidos, alguns jovens produtores afirmam ganhar até cinco vezes mais com os vídeos que produzem para o YouTube do que com o que produzem em suas propriedades. É o caso de Zach Johnson, fazendeiro de Minnesota que planta soja e milho. Seu canal, MN Millennial Farmer, tem 300 mil inscritos e mais de 50 milhões de visualizações. O conteúdo que produz ajuda a desmistificar o setor. “Sim, usamos grãos transgênicos, usamos pesticidas e fazemos irrigação, e há um bom motivo para fazermos essas coisas”, diz ele, em entrevista à Bloomberg. A situação no Brasil é um pouco diferente. Existem alguns influenciadores mais populares, mas os principais “agroinfluencers” ainda


Marketing

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Aretuza Neri, responsável pela conta Ela É do Agro, no Instagram: pioneira no formato, começou como influenciadora de maneira despretensiosa e hoje é referência

usam suas páginas nas redes sociais como vitrine para outros produtos e serviços. Podem ser cursos, e-books e até camisetas e bonés. Algumas empresas já perceberam o potencial das parcerias com esses produtores de conteúdo, mas nem todas. “Ainda existem empresas que não enxergam isso como um trabalho”, diz Aretuza Neri, responsável pela página Ela É do Agro, no Instagram. Atualmente, ela se recusa a participar de eventos em que não recebe cachê. “Às vezes oferecem apenas o custeio das despesas de viagem”, conta. Para tentar reverter a situação, esses influenciadores se uniram. Mantêm grupos no WhatsApp para discutir questões que afetam o dia a dia de todos. “É preciso ter um posicionamento, saber falar não”, afirma ela. A Bayer foi pioneira em identificar as oportunidades desse mercado e investiu em um estúdio destinado a capacitar produtores, empreendedores e outros interessados em produzir conteúdo para o setor. O espaço foi instalado em São Paulo e acaba de completar um ano. Foi idealizado para atender aos membros da plataforma AgroService, que conecta produtores a prestadores de serviços. Mas hoje é usado por diversos outros parceiros. “Identificamos que a presença de influenciadores iria se intensificar e vimos uma oportunidade de conversar direto

com o produtor e participar da digitalização do campo”, diz Thiago Junqueira, gerente de Estratégia e Engajamento de Clientes da Bayer. “É uma coisa de empatia mesmo. As pessoas são impactadas pelas mesmas tendências, seja no campo, seja na cidade.” O estúdio pode ser usado por qualquer interessado, sem custo. A empresa ajuda aqueles que estão dando os primeiros passos – uma produtora está sempre presente para dar dicas. O espaço também funciona como coworking e acaba gerando conexões. Até agora, já foram mais de mil horas de conteúdo criado. AGRO NAS REDES Aretuza Neri é uma das pioneiras no formato. Seu avô foi lavrador e seu pai trabalhou no setor sucroenergético. Embora seja formada em humanas, na área de gestão de pessoas, ela diz que sempre foi apaixonada pelo agro. Teve a ideia de criar o canal depois que assumiu uma posição administrativa em uma grande empresa do setor e sentiu dificuldade em contatar o público mais jovem. “Eu olhava no meu LinkedIn e só via cabelos brancos”, conta ela. Foi aí que migrou para o Instagram. Criou o canal sem grandes pretensões, com o objetivo de falar sobre o agro sob a perspectiva de uma mulher. “Mas as coisas foram acontecendo. Fui convidada pelo Rabobank para fazer uma PLANT PROJECT Nº17

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Diego Pelizari, do Agro de Respeito: o engenheiro agrônomo usa o humor para produzir conteúdo com teor mais técnico em seu canal no YouTube

palestra sobre diversidade, dividindo o palco com Fabiana Alves, diretora de Rural Banking, e a produtora Sarita Rodas. Aquilo começou a me dar visibilidade”, conta. Ela estudou a plataforma e trabalhou sua imagem nas redes. Hoje, tem quase 27 mil seguidores. Já foi convidada para fazer a cobertura de eventos do Pulse, o hub de inovação da Raízen, em Piracicaba, e da Bayer. Neste ano, foi embaixadora da Agrishow, em Ribeirão Preto. Fora do meio digital, ainda toca duas iniciativas em parceria com o irmão: um sistema de delivery de hortaliças produzidas no sítio da família e um restaurante de comida caipira. Formado em engenharia mecânica, ele também decidiu explorar sua paixão pelo agro. “Tem sido uma aventura para os dois!”, diz ela. A trajetória de Diego Pelizari, responsável pelo canal Agro de Respeito, no YouTube, é um pouco diferente. Engenheiro agrônomo por formação, ele decidiu produzir conteúdo técnico por absoluta falta de 120

opção. “Eu estudava outros assuntos na internet, como finanças, e sempre pensei que era possível aprender muita coisa com vídeos. Mas não encontrei nada técnico voltado para os produtores”, afirma ele. Fez cursos de criatividade e marketing digital com foco na plataforma de vídeos antes de começar a produzir seu conteúdo, inicialmente com foco em nutrição de plantas e solo, área que pesquisava para seu mestrado na época. O seu canal completou seis anos e já tem quase 20 mil seguidores. É uma plataforma colaborativa em que os espectadores mandam sugestões de vídeos e tiram dúvidas. É também o cartão de visitas para o trabalho de Diego, que criou contas em outras redes sociais e oferece uma linha de microprodutos, como cursos e e-books. O mais recente é um curso de interpretação de análise de solos. O segredo, segundo ele, é variar o conteúdo e usar o humor. “Assim conseguimos chegar a mais gente”, diz o engenheiro agrônomo.


Marketing

acreditava. Eu via as blogueiras famosas mostrando moda, cabelos e shopping, e sabia que aquilo não ia funcionar aqui. Resolvi mostrar tudo o que amo na roça”, conta ela. O conteúdo do canal é bastante diversificado, com foco no cotidiano de quem vive e trabalha em um sítio. Ela e o marido produzem frutas e criam galinhas, e Fran documenta tudo, das receitas às dicas para quem quer empreender, mesmo em uma propriedade pequena. “Falta visão para quem está na roça”, afirma a influenciadora. Ela está produzindo cursos pagos em que dá dicas de avicultura. “É um conteúdo caprichado, com acompanhamento técnico de zootecnistas e médicos veterinários.” Com

Foto: divulgação

A VIDA NA ROÇA O universo dos agroinfluenciadores já tem algumas celebridades mais populares. É o caso de Fran Adorno, a Blogueirinha da Roça. Seu canal do YouTube tem 2 milhões de inscritos que acompanham o dia a dia da youtuber no sítio. Ela começou a produzir seus vídeos de maneira bastante caseira quando comprou um sítio na área rural de Guaraí, no Tocantins, há oito anos. Na época, ela trabalhava em um posto de gasolina. Vendeu uma vaca, pegou as economias e instalou uma torre de internet via rádio na propriedade. Aos poucos, os vídeos começaram a ter mais visualizações e ela largou seu emprego fixo. “Meu marido quase enlouqueceu, mas eu

Embaixadora da Agrishow: Aretuza Neri foi escolhida para representar a feira mais importante do agro

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o sucesso do canal, seu marido também deixou o emprego fixo para ajudá-la. “Ganho pelo menos cinco vezes mais do que ganhava no meu antigo trabalho”, diz Fran. O casal conta ainda com uma equipe que ajuda a cuidar da propriedade e elaborar os vídeos. “Só a edição que eu faço questão de fazer sozinha. Assim vejo o que ficou melhor, o que não ficou tão bom”, diz. Os vídeos em que conta detalhes de sua vida, sua trajetória, o casamento e até os altos e baixos da carreira de youtuber costumam ter muita audiência. É um conteúdo que fala mais com o público. O exemplo de Fran não é o único. Aretuza também conta que no início tentou produzir apenas um conteúdo mais informativo, mas acabou mudando para oferecer um perfil focado em estilo de vida. “Meus seguidores se identificavam mais com o dia a dia na roça”, conta ela. É uma maneira de retomar uma relação com o campo. “As pessoas se desconectaram totalmente da agricultura”, diz o youtuber americano Zach Johnson na entrevista à Bloomberg. “Elas estão curiosas sobre a origem da comida que comem, e quem são as pessoas que cultivam essa comida. Temos uma ótima oportunidade de conversar com as pessoas, discutir essas coisas e mostrar por que fazemos as coisas dessa maneira.” PLANT PROJECT Nº17

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AS INOVAÇÕES QUE SURGEM DA NECESSIDADE Missão AgTech Israel estuda as soluções desenvolvidas em um país do tamanho de Sergipe, mas com enorme ecossistema de inovação, e busca respostas para os problemas brasileiros

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Empreendedorismo

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Empreendedorismo Integrantes da missão em visita a empresas e à Hebrew University: soluções em breve podem estar disponíveis no Brasil

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omo produzir mais com menos? Essa é uma questão que tem preocupado os produtores do mundo inteiro. Projeções indicam que a população chegará à marca de 10 milhões em 2050, e basta olhar o mapa-múndi para ver que não há muitos novos espaços agricultáveis que ainda podem ser desbravados. Algumas respostas para essa questão podem ser obtidas em um país que há décadas busca soluções para a agricultura principalmente por necessidade. Esse foi o objetivo da Missão AgTech Israel, organizada pelo engenheiro agrônomo e idealizador da plataforma O Agro Não Para, Marco Ripoli, colunista da PLANT: ver o que é feito lá, e o que pode ser adaptado para a realidade do agro brasileiro. Com apenas 20% de terras cultiváveis, baixa precipitação anual, grandes variações de temperatura tanto entre o dia e a noite quanto no inverno e no verão, e uma baixa umidade relativa do ar, entre outros fatores climáticos desafiadores, o desenvolvimento de tecnologias para driblar essas dificuldades é muito importante. E essa busca por soluções começa em universidades, como a Hebrew University, visitada pela missão. Um dos principais centros de estudos agrícolas do país, ela possui uma incubadora, HUGrow, que fomenta a inovação, mas com uma sólida base científica. É um tipo de iniciativa que tem paralelos com o ecossistema brasileiro, especialmente o AgTech Valley de Piracicaba, com a Esalq e sua incubadora, a Esalqtec. “O próprio governo israelense incentiva a inovação, garantindo o acesso a dados importantes, além de fornecer benefícios para investidores nacionais e internacionais”, afirma Ripoli. Um levantamento feito pelo fundo de

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investimentos AgFunder aponta que foram investidos US$ 759 milhões no ecossistema agtech e food tech em 2018. O número parece pequeno se comparado com os US$ 17 bilhões que foram investidos no mundo inteiro no mesmo ano. Mas Israel tem apenas 9 milhões de habitantes e uma área comparável à de Sergipe. Aqui, no Brasil, por exemplo, o levantamento Radar AgTech 2019 indica apenas US$ 80 milhões em 20 aportes. Esse ecossistema é formado por empresas mais velhas e por startups. Um dos casos mais emblemáticos é o da Netafim, fundada em 1965 com o objetivo de cultivar hortaliças no deserto de Neguev. Para driblar a escassez de água, desenvolveu um sistema de irrigação por gotejamento que reduz drasticamente os recursos gastos. “O lema deles é produzir mais com menos. E isso é o futuro. Eles mostram que dá para fazer. Criaram a tecnologia e agora estão exportando-a para o resto do mundo”, diz Jarbas Bergamaschi, produtor rural e proprietário da Fazenda Sama, em Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, e um dos participantes da missão. As soluções da companhia estão disponíveis no Brasil. A Afimilk, também visitada pela missão, é outro exemplo de empresa com mais experiência na área. Criada em 1977, desenvolveu o primeiro medidor de leite eletrônico e hoje é referência em tecnologia na pecuária de leite. Atualmente, oferece soluções como a AfiAct II, um sensor que monitora cada detalhe do rebanho, indicando o melhor momento para inseminação e até a saúde das vacas. “Com esse planejamento, fica mais fácil evitar doenças. É uma produtividade muito maior com um custo menor”, diz Bergamaschi.


As startups visitadas apresentam a diversidade de soluções. A Kaiima, fundada em 2007, usa tecnologias genéticas para aumentar a produtividade em sistemas agrícolas modernos e de grande escala. Com escritório no Brasil, a empresa vê um enorme potencial no nosso país. De acordo com Ripoli, os produtores brasileiros são tecnificados, eficientes e possuem uma cadeia de suprimentos avançada para escalabilidade, segundo a visão dos empreendedores israelenses. Outra AgTech visitada, a Taranis chegou ao Brasil em 2017 com a promessa de oferecer aos produtores o “Waze da Agricultura”. Sua solução ajuda o agricultor a prever, com inédita antecedência e previsão, fenômenos climáticos e ocorrência de pragas na lavoura. Hoje, o portfólio de recursos e serviços inclui monitoramento 100% digital, imagens em alta resolução e

aplicativos de agricultura de precisão. Desde setembro é uma das startups residentes do Pulse, o hub de inovação da Raízen em Piracicaba. Conhecer as empresas de ponta em Israel permite ter uma visão mais clara de como a tecnologia pode gerar grandes transformações nas cadeias produtivas do agro nos próximos anos. Há startups, como a Aleph Farms, que não foram visitadas nesta primeira etapa da missão – uma segunda jornada em Israel já está sendo organizada para o início de 2020 – mas estão fazendo bastante barulho mundo afora. A FoodTech foi a primeira a criar um bife em laboratório, usando apenas células animais. E, no final de setembro, conseguiu criar carne no espaço. Células colhidas na Terra foram inseridas em uma bioimpressora 3D na Estação Espacial Internacional, resultando em um pequeno pedaço de tecido, usando

um método que reproduz a regeneração de tecidos que acontece dentro do corpo das vacas. O custo para produzir essas carnes que dispensam o abate ainda é alto, mas a tecnologia avança rapidamente e acredita-se que elas estão disponíveis em larga escala em poucos anos. E o que é possível trazer para o Brasil? O principal é a mentalidade de usar a tecnologia a favor da maior produtividade. Se as soluções funcionam em um ambiente tão inóspito, podem ser facilmente adaptáveis à nossa realidade. “Aqui, temos muita fartura. Estamos em uma zona de conforto”, diz Jarbas Bergamaschi. Por enquanto, muitas das tecnologias apresentadas ainda são caras. O sistema de irrigação da Netafim, por exemplo, custa R$ 20 mil por hectare. “Mas dá para trazer. Com escala, vai ficando mais barato”, afirma Jarbas. PLANT PROJECT Nº17

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M MARKETS

DATAGRO Markets

INFRAESTRUTURA EM TRANSFORMAÇÃO REVITALIZANDO O AGRO Po r Pl i n i o N a s t a r i

Uma das mais importantes transformações estruturantes em curso no Brasil ocorre na modernização da infraestrutura de transporte, que se diversifica e se expande na direção de maior uso do transporte ferroviário. Uma medida da concentração e dependência pelo modal rodoviário se dá pelo consumo de energia para transporte. Os últimos dados disponíveis do Balanço Energético Nacional apontam que 93,6% da energia para transporte no Brasil advém do modal rodoviário, somente 1,4% de ferrovias, 3,9% do transporte aéreo, e 1%

do hidroviário. E nos últimos dez anos, a concentração no modal rodoviário só aumentou, crescendo a uma taxa anual composta de 3,3% ao ano, enquanto a energia total para transporte cresceu 3% ao ano. Um trabalho seminal para nortear prioridades de investimento foi realizado pela Embrapa Territorial, com a participação da empresa Macrologística, que mapeou por regiões os investimentos prioritários necessários para eliminar gargalos de logística. É assim que, de forma quase silenciosa, e em alguns casos com a participação do Exército,

vem sendo concluída a pavimentação da extremamente importante BR-163, por exemplo. Ou que já foi inaugurada a operação “double-stack” (dois contêineres empilhados) no trecho ferroviário entre Santos e Rondonópolis, resultado de investimentos em rebaixamento de linha e aumento de gabarito de obras de arte especiais. A operação com empilhamento de contêineres em breve deve ser inaugurada também no trecho Santos-Anápolis pela ferrovia Norte-Sul. Este é o início de um processo que, em breve, deve englobar a expansão não somente do número de aeroportos, mas daqueles equipados com

P l i n i o Na s t ari, pres iden t e da Datagro, rep resentante d a socied ad e civ il n o C N P E , C on se lh o N a c ion a l de P olític a E n e r gé tic a .

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e planejamento de longo equipamentos que prazo. Ooperações resultado, como permitam não poderia noturnas e emdeixar de ser, é a criação de empregos. condições adversas de Muitos Não é à tempo. Ouempregos. da expansão toa que qualquer análise do sistema interligado ou pesquisa realizada por para o transporte especialistas na área de hidroviário. recursos humanos aponta o agronegócio como um

Com inteligentes dosações setores mais pujantes e dando espaço de no oferecimento a investimento oportunidadesprivado de Para citar emtrabalho. infraestrutura, vai apenas alguns dos ganhar toda a economia exemplos mais óbvios, e, principalmente, profissionais nas áreas a agropecuária de tecnologia agrícola, nacional, que tem sido gestão ambiental, historicamente zootecnia, agronomia, penalizada pela engenharia de alimentos precariedade, etc., não ficam insuficiência e altose desempregados custo associados a de quiserem. nossa malha de Para quem não é do transporte. ramo, pode parecer que empregos no agronegócio

Mas nãoapenas é só isso. estão Ainda somos precários relacionados com a emprodução capacidade de ou agrícola armazenagem. pecuária. MasTemos essa é apenas uma parte que acabar com a da história. Na verdade, armazenagem a céu uma terçade parte. Quando aberto grãos e falamosque em muitas agronegócio, algodão, precisamos lembrar vezes se perdem depois e entender que existe da colheita por absoluta todo um complexo falta de infraestrutura. segmento produtivo e de

à montante e à Ouserviços que obrigam jusante daa produção produtores primária. comercializar sua Ou seja,antes à montante, produção do existe um formidável momento ideal, por falta de empresas que de universo armazenagem.

atuam de forma direta ou indireta na produção de O agro no Brasil ainda e insumos, implementos vaimáquinas capturar agrícolas. muito valor e renda com a temos E, à jusante, modernização também outrada infraestrutura de gama de impressionante transportes, atividades, que envolvem o armazenamento, armazenagem e escoamento, embarque. beneficiamento, Noindustrialização, mundo, há hoje mais exportação de distribuição, 17 trilhões de dólares etc. Em resumo, há aplicados a juros empregos de toda a sorte, negativos, o que para quase todas as representa uma massa categorias profissionais, enorme e sedenta por baseados nos seguintes projetos viáveis alicerces: gestão x e financiáveis. produção x Precisamos apenas industrialização x distribuição. criar as condições regulatórias e existem de No entanto, segurança jurídica para alguns requisitos básicos para se esteja apto a que umque pedaço dessa entrar seja para canalizado o mundo do liquidez agronegócio. Um deles é a para projetos viáveis. disposição para morar em cidadesprovavelmente médias e Estamos pequenas do interior, vivendo a maior especialmente nas regiões transformação de que detêm o maior infraestrutura potencial dejá crescimento

na produção agropecuária, realizada no Brasil nas comodécadas, é o caso do últimas com Centro-Oeste, do Nordeste resultados positivos e e da região Norte. Apenas diretos para todo o agro uma pequena parte dos nacional.

empregos do agro está localizada nas grandes cidades. E, mesmo assim, predominantemente na área de tecnologia e serviços. Além disso, da mesma forma que os demais segmentos da economia brasileira, o agro precisa de especialização, de todas as naturezas e de todos os tipos, seja em nível técnico, seja em nível de graduação ou de pós-graduação. Com esses dois elementos básicos, mais uma boa dose de interesse e iniciativa, as oportunidades se multiplicam, os salários estão em expansãoe a rapidez de crescimento nas carreiras é impressionante. E será com essa mentalidade e essa dinâmica, que o agro brasileiro buscará em um futuro próximo, a liderança mundial. Um “AgroAbraço” a todos!

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