Plant Project #13

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

A SIGLA DO FUTURO Como a tecnologia de edição de genes CRISPR está transformando a agropecuária

DIPLOMACIA DA COMIDA OS ACERTOS (E AS DÚVIDAS) DA ESTRATÉGIA DO GOVERNO PARA VENDER O AGRO BRASILEIRO NO EXTERIOR

EXCLUSIVO Os planos quase secretos de desembarque da mais valiosa startup AgTech do mundo no território nacional TOP FARMERS O AGROAMBIENTALISMO DO PECUARISTA CAIO PENIDO

ESPECIAL

AS CORES IMPRESSIONANTES DO MAPA-MÚNDI DA SEGURANÇA ALIMENTAR

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Juntos, vamos reconstruir a agricultura desde a raiz. Na Corteva AgriscienceTM, estamos redesenhando a agricultura para o século 21, colocando os agricultores e os consumidores no centro de tudo o que fazemos.

, , Marcas registradas ou marcas de serviço da Dow AgroSciences, DuPont ou Pioneer e de suas companhias afiliadas ou de seus respectivos proprietários. ©2018 Corteva Agriscience.

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E d ito ri a l

A inovação é um processo contínuo. O que se desenvolve hoje é fruto de

O COMBUSTÍVEL DA INOVAÇÃO

um conhecimento adquirido anteriormente e que, por sua vez, provém de uma tecnologia de geração anterior. É assim em todas as áreas da humanidade. Não seria diferente na agropecuária, uma atividade primária que está na origem de algumas das maiores transformações na presença do homem na Terra. A fixação dos nossos ancestrais nômades em determinados territórios apenas ocorreu em função da conquista, por alguns grupos primitivos, do domínio das técnicas de plantio e, posteriormente, da domesticação de animais. De tempos em tempos, porém, essa evolução se dá em saltos. Graças a descobertas de grande impacto, avançam-se várias casas de uma vez, lançando um setor a um novo patamar e provocando impactos a todos que orbitam

Na imagem de capa, a representação de uma molécula de CRISPR-Cas9 (Foto: Shutterstock)

em torno dele. As ciências biológicas em geral – e as agrárias, em particular – vivem um desses momentos excepcionais. O domínio de novas tecnologias de edição de genes tem permitido a cientistas de vários países, inclusive o Brasil, a abertura de portas para o desenvolvimento de uma nova geração de plantas e animais com características programadas, seja maior resistência a pragas, seja maior valor nutricional, por exemplo. A quantidade quase infinita de aplicações da técnica batizada de CRISPR indica que estamos no limiar de um futuro brilhante e transformador. Mas não sem debates. Como se verá na reportagem de capa desta edição da PLANT, as esperadas reações que toda potencial revolução provoca já começam a despontar no caminho e uma inevitável comparação com a tecnologia dos transgênicos (e toda a polêmica que se formou em torno deles) já está na pauta dos responsáveis pela regulamentação da ciência e dos mercados. É importante que estejamos cientes da relevância desse momento e que saibamos que, como sempre na história da humanidade, o agro está ajudando a mover a evolução. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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A EVOLUÇÃO NÃO PODE PARAR PLANT PROJECT Nº13

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D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Renato Leite Marketing e Publicidade Multiplataforma renato.leite @plantproject.com.br

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pág. 67

D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte E d i tor Romualdo Venâncio romualdo.venancio@plantproject.com.br R e p órt er André Sollitto andre.sollitto@startagro.agr.br Col ab o ra dores: Texto: Amauri Segalla, Ana Weiss, Costábile Nicoletta, Flávia Tonin, Iva Velloso Fotografia: Hélio Campos Mello, Rogério Albuquerque Produção: Daniele Faria, Rafael Lescher Design: Bruno Tulini Revisão: Rosi Melo Com un i cação Eliane Dalpizol Coordenadora de Comunicação eliane.dalpizol@datagro.com Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st ração e Fina nç as Cláudia Nastari Sérgio Nunes

publicidade@plantproject.com.br assinaturas@plantproject.com.br

Fo pág. 81 Fr pág. 85 W pág. 91 Ar pág. 109 S pág. 117 M pág. 126 FORUM

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EDITORA UNIVERSO AGRO LTDA. Calçada das Magnólias, 56 - Centro Comercial Alphaville – Barueri – SP CEP 06453-032 - Telefone: +55 11 4133 3944


VEM AÍ A SEGUNDA TEMPORADA DA WEBSÉRIE QUE RETRATA O MELHOR DOS MELHORES PRODUTORES BRASILEIROS.

Nove nomes, nove atividades, nove inspiradoras histórias de sucesso contadas com a expertise da equipe Plant Project e apresentadas em parceria com o Canal Rural.

R EA L IZ AÇ ÃO

DI STRI BUIÇÃO

PATROCÍNIO

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Laboratório da Modern Meadow, nos EUA: Empresa que desenvolve couro alternativo teria como sócio o dono do Facebook

G GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: divulgação PLANT PROJECT Nº13

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G

GLOBAL

fotos: divulgação

O lado cosmopolita do agro

E S TA D O S U N I D O S

ZUCKERBERG DÁ NO COURO? Fundador do Facebook estaria no time de bilionários por trás da startup que quer revolucionar o mercado

Há pouco menos de dois anos, uma imagem inesperada de Mark Zuckerberg correu o mundo. Ele estava em meio a uma boiada em uma fazenda de gado de corte no estado americano de Dakota do Sul. Naquela época, seu objetivo era conhecer melhor os Estados Unidos e seu povo – e, para isso, uma passada pela América rural era fundamental. O fundador do Facebook, um declarado nerd com raízes bem urbanas, disse estar impressionado com o trabalho do produtor americano e com a força do agronegócio. Teria se encantado a ponto de investir no setor? Até hoje não se conhece nenhuma investida oficial do bilionário no lado tradicional do setor. Nos 10

últimos meses, no entanto, seu nome começou a ser relacionado entre os possíveis investidores em startups que se propõem a desenvolver alternativas a produtos de origem animal – ou seja, concorrer justamente com aqueles que tanto elogiou em 2017. Por enquanto, a associação é indireta. Zuckerberg é um dos investidores ligados ao fundo Iconiq Capital, criado na África do Sul pelo financista indiano Divesh Makan, hoje sediado na Califórnia, e já definido pela revista americana Forbes como o “secreto fundo bilionário de Zuck e amigos”, ou também como “uma obscura firma do Vale do Silício”. Logo no início de 2019, porém, o


jornal inglês The Telegraph lançou luz sobre o Iconiq e Zuckerberg como dois dos principais financiadores da Modern Meadow, empresa com sede em Nova York que se propõe a produzir substitutos veganos para o couro e já se anuncia como a responsável pela disrupção de um mercado estimado em US$ 100 bilhões. Não houve confirmação, por parte de Zuckerberg, sobre a participação. A presença do Iconiq é certa: o investimento de US$ 40 milhões na primeira rodada de captação, em 2014, aparece no site na companhia. Outro acionista de peso é o chinês Li Ka-shing, considerado o homem mais rico de Hong Kong. A Modern Meadow utiliza a bioengenharia para desenvolver leveduras que servem de matéria-prima básica para se chegar a um tipo de colágeno semelhante ao bovino, que dá origem a um tecido semelhante ao couro. Para o fundador e CEO da empresa, Andras Forgacs, o produto pode ser reproduzido em escala, dentro de fábricas especialmente construídas para esse fim, sem o abate de um único animal. “Não trabalhamos para criar um couro artificial, mas para sermos capazes de reproduzir tudo o que amamos nos materiais naturais”, afirma. “O

nosso tecido será um material premium, de luxo.” Segundo Forgacs, diferentes combinações das proteínas desenvolvidas em seus laboratórios podem dar origem a uma infinidade de materiais com propostas diferentes e com mais eficiência para seus clientes do que o uso de produtos convencionais. “Vacas não vêm no formado de um sofá ou de uma bolsa”, disse Forgacs ao The Telegraph. Um contrato assinado com a indústria química alemã Evonik deve garantir a produção do “couro” da Modern Meadow em escala em uma fábrica na Eslováquia. O material foi batizado de ZOA e o lançamento foi feito com pompa com uma exposição no Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York, em 2017. A mídia americana de moda e tecnologia cobriu com alarde, tratando o tecido como revolucionário, mas sem nenhuma menção aos possíveis investidores bilionários. Segundo Forgacs, parcerias com importantes grifes de moda e móveis já estão costuradas para que, em breve, o produto esteja disponível no mercado de luxo. E então, talvez, Zuckerberg comece a contabilizar mais alguns milhões em sua nada modesta conta.

Mark Zukerberg em visita a fazenda nos EUA e amostras do produto da Modern Meadow: criador do Facebook diversifica investimentos e desafia o mercado mundial de couro

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G CA N A DÁ

AVATAR ORGÂNICO

A americana Ingredion é uma das maiores empresas de nutrientes do mundo. Talvez nem todos reconheçam o nome, mas pelo menos uma das marcas que já estiveram em seu portfólio é popularíssima no Brasil: o amido de milho Maisena, hoje produzido pela Unilever. A companhia é grande compradora de grãos como insumos para suas indústrias – e também de empresas que possam agregar valor ao seu negócio. Uma de suas últimas negociações resultou em uma joint venture com a canadense Verdient Foods, criada em 2017 e especializada no processamento de grãos orgânicos. Nunca ouviu falar? Pois ela tem a ver com os megassucessos do cinema Titanic e Avatar. James Cameron, produtor e diretor desses e de outros hits, que geraram mais de US$ 2 bilhões em bilheteria, é o fundador e principal acionista da empresa, apresentada como a maior da América do Norte em seu segmento. “Compartilhamos a visão em torno das proteínas à base de plantas e juntos podemos ser líderes de uma nova onda global na produção de alimentos”, afirmou Cameron em nota sobre a associação com a Ingredion. Vem aí mais um campeão de audiência?

TIBETE

ESTUDO NAS ALTURAS Existe gado bom para o frio, outros que resistem bem ao calor, vacas leiteiras e reses para corte. Há também uma raça cujo principal atributo é resistir bem à altitude. Nativo dos planaltos tibetanos, onde vive a mais de 4 mil metros acima do nível do mar, o Yak é pouco valorizado em outras regiões, por não ser um ótimo fornecedor para as principais indústrias de proteína animal. Mas nos últimos anos a raça tem sido observada com carinho por cientistas americanos interessados na sua capacidade de se adaptar às alturas, que 12

pode ser mortal para animais tradicionalmente criados para o abate, como os Angus. Cientistas da Universidade de Wyoming (EUA) esperam encontrar no DNA dos bovinos tibetanos a solução para a chamada “doença do peito”, que pode provocar em outros animais, quando levados a mais de 2 mil metros, acúmulo de fluidos nos pulmões e aumento do

coração, chegando a resultar na sua morte. As perdas nos rebanhos trazem prejuízos significativos para pecuaristas de regiões mais altas e, por esse motivo, os estudiosos tentam chegar a um modelo de cruzamentos entre Yaks e outras raças que se traduza em animais com resistência à altitude e em boas características para a produção de carnes.


CHINA

OS TEXUGOS NA GUERRA COMERCIAL Estilhaços da batalha diplomática que vem sendo travada entre os governos de Estados Unidos e China podem atingir uma atividade pouco conhecida da pauta comercial entre os dois países: a exportação de cerdas e pelos de texugos chineses para as indústrias ocidentais, que os utilizam como matéria-prima para escovas e pincéis ou para assentos de automóveis. Além disso, a rica gordura de seu corpo é usada como insumo para a produção de medicamentos e cosméticos. No Norte da China, a criação de texugos é (ou era) um negócio próspero, que envolvia milhares de produtores rurais. Mas

recentemente a pele de texugos – a parte mais lucrativa do negócio e que tem a China como principal exportadora -- foi incluída na lista de itens a terem suas tarifas de importação elevadas nos Estados Unidos. Além disso, os criadores e as tradings que comercializam os texugos têm sido ameaçados por organizações internacionais preocupadas com o bem-estar animal, as quais pressionam as indústrias ocidentais a encerrarem as encomendas e substituírem os pelos animais por alternativas sintéticas. Com isso, as vendas chinesas do produto caíram mais de 30% no último ano.

ISRAEL

No ano passado, mais de 400 hectares de lavouras plantadas por israelenses na Faixa de Gaza foram perdidos em função de incêndios resultantes de conflitos com palestinos.

Numa região em que tirar algo da terra já é um desafio, os incêndios provocados por artefatos geraram um alerta do governo, que recomendou aos agricultores que antecipassem suas colheitas para salvar o que restava intacto. Filho de produtores e criado em um kibutz, o empresário Ori Sagi decidiu que deveria fazer algo para amenizar esse prejuízo. Arrematou parte do trigo colhido lá e transformou em cerveja. Dono da cervejaria artesanal Alexander Beer, ele lançou uma edição especial chamada “Otef Aza” (Faixa de Gaza). Todos os lucros obtidos com as 25 mil garrafas e mais 1,6 mil litros da bebida vendidos em barris serão revertidos aos agricultores da região. “O principal objetivo é conscientizar o público sobre a situação dramática dos produtores”, afirmou Sagi. PLANT PROJECT Nº13

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G

SINGAPURA

Colheita no telhado Cerca de 5,6 milhões de pessoas vivem em Singapura, um país com área total equivalente a 60% da superfície da cidade de Nova York. A metrópole é moderna, repleta de arranha-céus e emoldurada por alguns dos jardins mais bonitos do mundo. E cara. Cerca de 90% dos alimentos consumidos ali, por exemplo, são importados. Ou pelo menos eram. Hoje, parte dos restaurantes localizados na Orchard Road, principal área de comércio da cidade-estado, se abastece em uma pequena fazenda localizada ali mesmo, andares acima da cabeça deles. Com o uso de racks verticais e tecnologia hidropônica, a Comcrop, uma empresa especializada em hortas urbanas, transformou um total de 6,5 mil metros quadrados de telhados de edifícios em uma fértil lavoura de folhas verdes e ervas como manjericão e menta. Atualmente, apenas 1% das terras de Singapura são destinadas à agricultura. O problema de espaço é tão grande que o governo local tem feito pesados investimentos para levar transportes e uma série de serviços para instalações subterrâneas – e até cemitérios foram removidos para dar espaço a moradias e escritórios. “A produção de alimentos, no entanto, raramente aparecia no planejamento estatal”, afirma Allan Li, presidente da Comcrop, que recentemente inaugurou uma nova estufa com 4 mil metros quadrados no ponto mais alto da cidade. Sua ambição, além de faturar com a produção, é tornar a cidade menos vulnerável na área de segurança alimentar. “Estamos sempre sujeitos à interrupção nos fornecimentos”, diz. 14


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15 foto: Reuters/Loriene Perera


G REINO UNIDO

SOCORRO ÀS TRADIÇÕES BRITÂNICAS

Os britânicos adoram uma tradição, mas muitas vezes os apelos econômicos são mais fortes. Por conta dos negócios, muitos pecuaristas do Reino Unido substituíram, nas últimas décadas, seus rebanhos tipicamente locais por outros com maior valor de mercado, como Angus e Hereford. O movimento foi tão intenso que hoje muitos criadores estão sendo conclamados a contribuir com um fundo destinado a preservar material genético de raças ameaçadas de extinção. O Rare Breeds Survival Trust (RBST) financia, desde os anos 1970, a implantação de uma espécie de arca de Noé bovina, que conserva amostras de espécie como Albion, Native Aberdeen Angus, Irish Moiled e White Park, cujas populações não chegam a 1,5 mil animais cada uma. A ideia é financiar a geração de embriões, que ficariam congelados e poderiam ser implantados caso o número de indivíduos chegasse a patamares mais críticos. Para se formar uma coleção genética completa são necessários pelo menos oito embriões, a um custo estimado em 2,3 mil libras (cerca de R$ 12 mil reais). Segundo levantamento do RBST, a raça mais ameaçada é a Albion, com um rebanho total de apenas 170 animais.

SUÍCA

NESTLÉ VIA SATÉLITE Os satélites da companhia europeia Starling, subsidiária da gigante aeroespacial Airbus, ganharam uma missão nobre. Devem ficar de olho em grandes regiões de florestas tropicais e plantações de palma em países como a Malásia, a Indonésia e o Vietnã. A vigilância espacial faz parte de um esforço da companhia suíça Nestlé para desvincular a sua cadeia de suprimentos de óleo de palma – um dos insumos mais usados na indústria de alimentos – de frequentes associações com o desmatamento de florestas tropicais no Sudeste Asiático. Com o compromisso de zerar as compras do produto oriundo de áreas desmatadas até 2020, a Nestlé vai utilizar as imagens de satélite como instrumento de 16

transparência e rastreabilidade. Em 2017, 63% das aquisições do produto pela empresa eram de áreas certificadas. Para ampliar esse índice, a Nestlé lançou um projeto-piloto de rastreamento em 2016 na Malásia, agora ampliado para outras regiões. E, futuramente, também a outras cadeias de fornecedores, como as de polpas de frutas, papel e soja.


Plant + BASF

Parceria técnica entre BASF e Embrapa Agrobiologia gera inovação tecnológica que auxilia na promoção de crescimento e melhora a produtividade e longevidade dos canaviais

A fixação biológica de nitrogênio, técnica desenvolvida nos anos 1960 pela pesquisadora Johanna Döbereiner – agrônoma tcheca naturalizada brasileira que teve uma vida dedicada a pesquisas sobre microbiologia do solo –, ajudou a mudar a história do cultivo da soja no Brasil. Graças a ela, produtores conseguiram ganhar produtividade e, ao mesmo tempo, economizar bilhões de dólares por safra por não precisarem mais aplicar adubos nitrogenados em suas lavouras. Desde o ano passado, uma revolução semelhante chegou à cultura da cana-de-açúcar – e com ainda mais benefícios. Uma parceria entre a BASF e a Embrapa Agrobiologia deu origem ao Muneo® BioKit, uma solução baseada na sinergia entre químicos e biológicos. A chave dessa inovação foi a descoberta da ação da bactéria Nitrospirillum amazonense, feita por Johanna e desenvolvida por seus discípulos na Embrapa Agrobiologia. Veronica Reis, que representa a instituição nessa parceria com a BASF, vê nesse trabalho um grande benefício para os produtores. “É o que nos permite sair da bancada e chegar até o agricultor, no campo, apresentando uma solução em grande escala e com muito mais agilidade”, avalia Veronica.

A ação da Nitrospirillum favorece o crescimento do sistema radicular da planta, facilitando a absorção dos nutrientes. Essa característica foi aprimorada pela BASF com a introdução da molécula F500, que promove o crescimento tanto da raiz como da parte aérea . Para aumentar esse potencial produtivo, foram acrescentados ao produto fungicida e inseticida.“O controle simultâneo de pragas e doenças do solo fortalece o arranque inicial das plantas, melhora o desenvolvimento e evita falhas na lavoura”, comenta Leandro Pessente, engenheiro agrônomo e gerente de Cultivo Cana da BASF. O Muneo® BioKit já foi avaliado em mais de 150 áreas de teste, nas diferentes regiões produtoras do País e com as principais variedades de cana e tipo de solo. “Em média, o ganho em produtividade é de até 18%, cerca de 15 toneladas a mais por hectare”, diz Pessente, que ainda destaca a praticidade na utilização do produto e a economia gerada por este manejo. “A aplicação é feita no sulco do plantio, com jato dirigido sobre a cana antes de ser coberta. Por se tratar de uma solução completa, o agricultor deixa de utilizar outros três ou quatro produtos, reduzindo o custo e até a quantidade de embalagens a serem descartadas.”


G PERU

O PAÍS DA VODCA

Se o título te fez pensar na Rússia, mas a bandeirinha acima indica um país sul-americano, saiba que não foi falha nossa. No nosso vizinho Peru, uma indústria emergente de bebidas tem a ambição de colocar a nação andina no roteiro dos

apreciadores de vodca – e usa razões históricas para justificar esse projeto. Principal matériaprima na produção das vodcas russas atualmente, as batatas foram originalmente cultivadas por antigos povos dos Andes e somente nos últimos séculos introduzidas e popularizadas na Europa (na Rússia, especificamente, há exatos 325 anos). Com uma diversidade de espécies nativas, os peruanos decidiram investir nos destilados a partir do tubérculo e já começam a obter reconhecimento internacional. A 14 Inkas, uma das primeiras marcas locais, recebeu em 2018 a medalha de ouro na New York World of Wine & Spirits Competition, um dos principais concursos de degustação de bebidas do mundo.

QUÊNIA

Café com abacate Você já leu na PLANT como a sombra dos abacateiros tem ajudado agricultores da Califórnia, nos Estados Unidos, a criar um ambiente propício ao cultivo do café. Pois na África, berço da cafeicultura, produtores estão usando essa parceria entre as culturas para desenvolver a produção de abacates. No Quênia, maior exportador africano de grãos de café, os abacates 18

cultivados em consórcio com os cafezais já representam mais de 17% das exportações agrícolas e superam, em volume, as vendas externas do produto pela África do Sul, que até 2017 era o principal

fornecedor do produto. Com uma vantagem: a fruta, com consumo em alta na Europa e até na Ásia, oferece aos produtores renda até dez vezes maior que a obtida com os grãos.


Método de sequenciamento colorido de DNA: Avanços na edição genética vão mudar a agropecuária

Ag AGRIBUSINESS

foto: Shutterstock

Empresas e líderes que fazem diferença

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Empresas e líderes que fazem diferença

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Por que a tecnologia de edição genômica CRISPR abre uma nova era na seleção genética e amplia o leque de possibilidades para o desenvolvimento de plantas e animais Por Romualdo Venâncio

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Ag Matéria de Capa

eis letras resumem, em uma sigla, um dos temas que mais ganharam notoriedade no campo do melhoramento genético nesta década, tanto em teoria quanto na prática. O CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) se tornou o destaque entre as novas tecnologias de edição genômica pela amplitude de sua contribuição com a ciência, em especial na produção de alimentos e na saúde humana. Em termos de resultados, a percepção é maior no segmento de comida, pois a tecnologia já mostrou do que é capaz até para o consumidor final. O CRISPR tem permitido o desenvolvimento de vegetais com mais qualidade e sabor ou características específicas que atendam diretamente algum desejo de quem compra ou de quem vende no varejo, como maior shelf life, ou, como se dizia antigamente, maior tempo de validade. Essa técnica de edição genômica também ampliou as possibilidades na área da medicina – embora muito ainda esteja no campo da pesquisa –, pois podem vir da precisão nessas alterações do DNA novas esperanças para a prevenção, o tratamento ou a cura de doenças importantes como as hereditárias, a exemplo das cardíacas. Não por acaso, centros de pesquisa de diversos países, sobretudo da China, têm iniciado ou ampliado estudos com o CRISPR. Na tradução literal para o português, esta sigla quer dizer “agrupados de curtas repetições palindrômicas regularmente interespaçadas”. Em outras palavras, seria algo como ocorrências específicas que se repetem de forma sistêmica em uma região do DNA de bactérias, servindo de memória contra vírus invasores. O corte para a edição genômica é feito por uma enzima chamada Cas9, e por isso a tecnologia também é chamada de CRISPRCas9. Apesar da complexidade natural da seleção genética, essa combinação pode ser explicada de maneira simples, clara e direta: o CRISPR é a mira de precisão, que indica microscopicamente o ponto onde deve ser feito o corte no genoma, e o Cas9 é quem executa de forma cirúrgica esse corte. Assim, é possível acrescentar, inibir ou potencializar um gene de interesse e, dessa forma, adequar uma determinada característica para obter ganhos de produtividade; aumentar a tolerância a situações estressantes, como falta ou excesso de água; evitar o impacto de pragas, doenças e plantas daninhas. Não por acaso, o melhoramento genético com base em novas técnicas de edição de genes se tornou a maior aposta da ciência para se chegar a uma nova geração de plantas e animais mais saudáveis e produtivos. Além dessas aplicações, o líder de Assuntos Científicos da Bayer, Guilherme Cruz, destaca a precisão da utilização do CRISPR para desfazer conexões entre os genes. Ele explica que 22


foto: Shutterstock

ao trabalhar com genoma, há genes mais próximos e mais distantes uns dos outros, e quando estão próximos demais podem dificultar a edição e o programa de melhoramento genético. “Às vezes estamos separando uma característica de interesse e junto vem outra que não interessa, então precisamos desfazer esse link. Isso até poderia ocorrer naturalmente, mas levaria muitas gerações e muitos cruzamentos”, explica. Essa técnica representa um grande avanço em seleção de plantas e animais, devido a fatores como versatilidade, precisão e uma significativa redução de tempo e investimentos, principalmente se comparada à transgenia, edição genômica mais aplicada até então. Na verdade, essa distinção em relação aos transgênicos é crucial para a expansão dessa tecnologia. O ponto principal nessa questão é que as “tesouras genômicas” do CRISPR são aplicadas somente em genes de uma mesma espécie, apenas acelerando uma seleção que, de acordo com especialistas de várias partes do mundo, poderia ocorrer da mesma forma por um processo natural de melhoramento genético que já vem ocorrendo na agricultura há mais de 10 mil anos. Não há inserção de genes externos, retirados de outras espécies, a exemplo do que acontece com os transgênicos, como é o caso do desenvolvimento das plantas Bt – milho,

soja e algodão –, que receberam genes da bactéria Bacillus thuringiensis. Este microrganismo, presente no solo, produz uma proteína (Cry) tóxica para certas espécies de insetos e parasitas que devoram a produtividade e a rentabilidade das lavouras: Lepidoptera (borboletas e mariposas), Diptera (moscas e mosquitos), Coleoptera (besouros) e Hymenoptera (vespas, abelhas e formigas), além de nematoides. O CRISPR pode até mesmo ser um importante aliado da transgenia. Artigo publicado na revista científica norteamericana PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America), no ano passado, mostra como um grupo de cientistas utilizou a edição genômica para tentar reduzir a resistência de lagartas ao algodão Bt na China. Os pesquisadores examinaram todo o genoma da praga para encontrar a base genética do problema e, após a comparação entre indivíduos suscetíveis e resistentes, estreitaram a busca, passando de uma base de 17 mil genes para apenas 21 que tinham alguma relação com a resistência, número que ainda caiu para 17, em nova etapa dessa garimpagem genética. A comparação entre as sequências desses 17 genes revelou uma posição única em que havia um par de DNA, um gene chamado HaTSPAN1, que PLANT PROJECT Nº13

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diferenciava lagartas suscetíveis e resistentes à característica inseticida do algodão Bt. Foi aí que entrou a precisão da edição pelo CRISPR. Quando os pesquisadores inibiram o tal gene em insetos resistentes ao Bt, estes se tornaram suscetíveis. O inverso também funcionou: lagartas suscetíveis se tornaram resistentes ao receberem a alteração no DNA. Por mais benéfica que possa ser essa experiência e por mais que o CRISPR possa agilizar sua realização, é preciso considerar que tudo isso faz parte de um processo, no qual obrigatoriamente entram conhecimento técnico e científico sobre genética e agronomia, comprovações dos resultados (positivos ou não) das aplicações e uma série de outros fatores, inclusive tempo, que transformam um estudo em realidade no campo. PORTAS ABERTAS PELA REGULAMENTAÇÃO O CRISPR começou a ser descoberto no final dos anos 1980, e surgiu em meio a pesquisas com a bactéria Escherichia coli que levaram a sequências repetitivas 24

incomuns no DNA de um organismo. A partir dos anos 2000, apareceram outros estudos mais dirigidos a entender e, posteriormente, a dominar o funcionamento da tecnologia. Alguns deles, já na década atual, até deram origem a uma disputa por direitos autorais sobre a técnica. Um deles, realizado entre 2011 e 2012, por equipes lideradas pelas pesquisadoras Jennifer Douda (Universidade da Califórnia, EUA) e Emmanuelle Charpentier (Universidade de Umeå, Suécia), foi o que revelou a capacidade de o CRISPRCas9 editar qualquer genoma no ponto exato de interesse. Em fevereiro de 2013, um artigo publicado na revista Science mostrou pesquisa semelhante com a aplicação da edição genômica em células de camundongos e humanas. O pesquisador Feng Zhang (Instituto Broad – Boston, EUA) é um dos autores desse outro estudo que levou à disputa pelos direitos autorais da tecnologia. Foi naquele mesmo período que a agropecuária brasileira passou a se aproximar mais da pesquisa com a tecnologia CRISPR. “Entre 2011 e 2013, participei de uma missão da Embrapa na Universidade de Berkeley, na Califórnia (EUA), com o objetivo de trazer para o Brasil conhecimentos sobre essa técnica”, conta Alexandre Nepomuceno, pesquisador da Embrapa Soja (Londrina, PR). Desde então, o CRISPR vem ganhando espaço em diversas unidades da estatal, além da própria Embrapa Soja: Recursos Genéticos e Biotecnologia (Brasília, DF), Milho e Sorgo (Sete Lagoas, MG), Agronergia (Brasília, DF), Informática Agropecuária (Campinas, SP), entre outras. “Pela importância do impacto que essa tecnologia pode gerar, já há


STATUS DE REGULAMENTAÇÃO ASSOCIADA ÀS PLANTAS EDITADAS GENETICAMENTE PAÍSES COM POSICIONAMENTO PÚBLICO

País Avaliação caso a caso podendo seguir regulamentação associada ao melhoramento convencional ou mutagênese Argentina Brasil Canadá Chile Colômbia Estados Unidos Israel União Europeia

Atribui às plantas editadas geneticamente a mesma análise conferida aos transgênicos

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Fonte: CIB

pesquisadores trabalhando em uma plataforma para modificar quatro espécies – cana, milho, soja e feijão –, melhorando fatores agronômicos. Tolerância à seca é uma das características mais importantes, pois teremos cada vez mais períodos mais longos de estiagem e também de muita água”, comenta Nepomuceno. O pesquisador da Embrapa Soja tem uma ligação direta e intensa com o desenvolvimento do CRISPR no Brasil, pois também integra uma seleta equipe de 27 doutores que tratam especificamente desse assunto na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e responsável pela regulamentação dessa área da ciência. Durante três anos, esse grupo de especialistas trabalhou na elaboração de um documento que integrou desenvolvimento tecnológico e regulamentação e que pode ter levado o Brasil a saltar algumas décadas no processo de seleção genética de plantas e animais. Em janeiro de 2018, entrou em vigor a Resolução Normativa nº 16 (RN16), que define as tratativas no Brasil para as Técnicas Inovadoras de Melhoramento de Precisão (Timp), ou tecnologias de edição genética, como o CRISPR. As definições da RN16 estão em sintonia com a maioria dos países que já se posicionaram publicamente sobre o tema. Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos e Israel assumiram a posição de que as plantas editadas geneticamente com as novas técnicas não são transgênicas. “Se o Brasil não seguisse essa tendência, teríamos um grande impacto negativo até em competitividade”, diz Nepomuceno. Apenas a União Europeia destoou dessa linha, colocando no mesmo balaio as novas técnicas de edição genética e a transgenia. “Comprando PLANT PROJECT Nº13

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foto: Rogério Albuquerque

“Comprando comida barata no mundo, fica fácil tomar esse tipo de decisão. Com certeza a questão seria vista de outra forma Se houvesse algum problema de abastecimento”, comenta Luiz Carlos Federizzi, da UFRGS, sobre a posição da União Europeia de não diferenciar edição genômica de transgenia Abaixo, Gilberto Cruz, da Bayer, diz: “Ainda não temos um prazo definido para lançamentos, mas espero que seja breve”, ansioso para apresentar ao mercado as novidades da empresa com CRISPR

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comida barata no mundo, fica fácil tomar esse tipo de decisão. Se o bloco tivesse algum problema de abastecimento, com certeza a questão seria vista de outra forma”, protesta o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Luiz Carlos Federizzi, que concentra sua experiência profissional na área de melhoramento genético de plantas e inovações de ciência e tecnologia para o agronegócio. “Não acredito que essa posição europeia vá durar por muito tempo.” Essa divergência de entendimento entre os blocos comerciais serviu de matéria-prima para a produção de um artigo escrito por nove pesquisadores de oito países – entre eles Nepomuceno, da Embrapa Soja – e publicado recentemente na revista científica New Phytologist. De acordo com o texto, a decisão europeia tem os processos como lastro, enquanto a maioria dos demais países definiu sua regulamentação levando em consideração o produto resultante do uso da tecnologia. O artigo mostra ainda que esse posicionamento da União Europeia pode gerar complicações até mesmo nas relações comerciais do bloco com o restante do globo. Para Guilherme Cruz, da Bayer, a possível harmonização global do sistema regulatório sobre as novas técnicas de edição genômica seria motivo de comemoração. “A gente andou muito bem nas Américas e tenho certeza de que todo mundo ficará muito mais satisfeito quando Oriente e Europa estiverem em sintonia nessa questão”, afirma. Segundo ele, a decisão não é científica e, por isso, reversível. “O corpo científico está alinhado com o que foi definido nas Américas. Já conversei com alguns pesquisadores europeus e eles estão inconformados com essa posição. Entendo que o quadro pode ser alterado, só vai consumir um pouco mais de energia dos pesquisadores europeus para destravar esse entendimento”, avalia. Entusiasta das técnicas de melhoramento genético, Cruz se diz ansioso para poder anunciar novidades da Bayer com a tecnologia CRISPR. No momento, a empresa não permite que se fale sobre qual será seu primeiro produto nessa área nem sobre o pipeline. “Ainda não temos um prazo definido para lançamentos, mas espero que seja breve. Hoje estamos em fase de ajustes, compreendendo as técnicas. Porque quando se fala em CRISPR, pode-se entender como uma coisa única, simples, que todo mundo está usando, mas na verdade há várias nuances, proteínas diferentes da cultura e do cultivar, então estamos trabalhando com um time grande para entender todos esses detalhes”, explica o executivo. Oportunidades comerciais e economia de tempo e dinheiro são outros valiosos benefícios resultantes do entendimento global sobre a diferença entre tecnologias como o CRISPR e a transgenia. Afinal de contas, é exatamente essa diferenciação que poupa os produtos gerados com a edição do CRISPR da intensa bateria de avaliações técnicas a que


Matéria de Capa

RITMO ACELERADO Dada a largada para a aplicação do CRISPR no Brasil, com a entrada em vigor da RN16, a CTNBio logo passou a receber as cartas-consulta de produtos desenvolvidos com a edição genética.

As vantagens da tecnologia também ficam evidentes nessa etapa do processo. “No caso de um transgênico, a documentação a ser submetida à análise da CTNBio é um dossiê com centenas de páginas e a espera por uma resposta que dura anos”, afirma Cruz, da Bayer, acrescentando que no caso das novas técnicas, as avaliações são criteriosas do mesmo jeito, porém com foco um pouco diferente. Uma das primeiras requisitantes foi a startup belgo-brasileira GlobalYeast, que em março do ano passado protocolou a apresentação de soluções para o setor sucroenergético. A empresa desenvolveu, com aplicação do CRISPR, duas cepas de levedura para a fermentação industrial que permitem

foto: Shutterstock

são submetidos os transgênicos quanto à biossegurança. E da etapa seguinte: a rodada de aprovações dos países de interesse. Essa verdadeira maratona de despachante, chamada de desregulamentação, eleva o custo e o prazo para a chegada de um transgênico ao mercado, o que pode até tornar a solução desatualizada em relação ao problema quando for lançada. “O valor do processo de desregulamentação de um transgênico chega a US$ 130 milhões. Apenas quatro empresas no mundo têm condições de fazer esse investimento”, analisa Nepomuceno. Para se ter ideia da diferença que faz o tipo de tecnologia utilizado para o melhoramento genético na produção agropecuária, o primeiro animal transgênico destinado ao consumo, uma variedade de salmão, levou mais de 25 anos entre pesquisas, avaliações técnicas e superação das questões burocráticas até que, em agosto de 2014, fosse liberado para comercialização, mas somente no Canadá. O Salmo Salar, desenvolvido pela empresa canadense AquaBounty, atinge tamanho e peso ideais de abate em 18 meses, metade do tempo necessário para os salmões convencionais. Essa vantagem produtiva foi alcançada pela inserção de um gene relacionado ao hormônio do crescimento de outro salmão, o Chinook (Oncorhynchus tshawytscha), e dos reguladores genéticos do peixe-carneiroamericano (Zoarces americanus).

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“Tolerância à seca é uma das características mais importantes, pois teremos cada vez mais períodos mais longos de estiagem e também de muita água”, comenta Alexandre Nepomuceno, da Embrapa Soja, sobre as aplicações da edição genômica

foto: Divulgação

foto: Aruqivo Embrapa Soja

“Ainda é um processo em desenvolvimento que precisa envolver governo, sociedade, empresas e setor produtivo. Daqui a uns cinco anos, será muito mais fácil”, avalia Sandra Milach, da Corteva

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gerar mais bioetanol com a mesma quantidade de insumos. A análise da CTNBio, neste caso, tem o objetivo de esclarecer se a inovação é ou não transgênica. Após pouco mais de três meses, foi publicado o parecer técnico sobre a novidade, e com respaldo positivo para a solicitante. “Se o processo tivesse sido feito em 2017, o produto seria classificado pela legislação como transgênico e o custo chegaria próximo de R$ 1,5 milhão”, comenta Nepomuceno. “Como submeteram à análise no ano passado, o custo foi zero em termos de regulamentação”, acrescenta. A seleção de bovinos, que muito tem evoluído com a utilização de ferramentas como os marcadores genéticos, também aparece na relação de consultas aprovadas pela CTNBio como não transgênico. No início de novembro do ano passado, a Comissão publicou o parecer técnico referente à solicitação da empresa AgroPartners Consulting sobre a produção de animais da raça leiteira Holandesa envolvendo a edição com gene da raça de corte Angus para a obtenção de um gado sem chifre. O rebanho mocho, comprovadamente, oferece

menos riscos de acidente e mais facilidade no manejo. Outra solicitação feita à CTNBio diz respeito a uma variedade de milho ceroso desenvolvida pela Corteva Agriscience, Divisão Agrícola da DowDuPont, primeiro produto comercial da empresa com tecnologia CRISPR e que já tem aprovação no mercado norte-americano. O lançamento para comercialização, por lá, acontece logo mais, entre abril e maio, para ser plantado na safra de verão deste ano. No Brasil, só estará disponível a partir de 2021. “Esse período deve-se ao fato de que todos os nossos lançamentos passam pelo menos por dois anos de avaliação”, comenta Sandra Milach, líder de pesquisa da Corteva nos EUA, lembrando que o aval da CTNBio para este milho foi anunciado em dezembro último. O diferencial da novidade da Corteva está na alteração da composição do amido. “Normalmente, o amido do milho tem 75% de amilopectina e 25% de amilose. O que fizemos foi inativar o gene responsável pela amilose, elevando o teor de amilopectina para mais de 97%”, explica Sandra, que complementa: “Esse milho apresenta maior produtividade em alguns processos nos segmentos de colas, tintas, comidas congeladas, entre outros”. A Corteva, que desde 2012 desenvolve estudos com CRISPR, tem outras linhas de pesquisa com essa técnica no Brasil. Em parceria com unidades da Embrapa, a companhia está buscando soluções para problemas de grande impacto agronômico e financeiro na produção agrícola nacional, como a tolerância das plantas


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à seca, tema da ação conjunta com a Embrapa Soja. Com a unidade Recursos Genéticos e Biotecnologia, o foco é a resistência aos nematoides. “Trata-se de um problema seriíssimo que não se resolve apenas com aplicação de nematicidas”, analisa Sandra. A pesquisadora afirma ainda que os estudos podem avançar de forma a obter essas características em uma única planta. Outro projeto da parceria entre Corteva e Embrapa abrange fatores relacionados à qualidade do feijão, como durabilidade, cor e facilidade de cozimento. Essa pesquisa, em particular, mostra a abrangência dos interesses da multinacional, que vai além da exploração comercial da cultura. “Neste caso, é muito mais pela importância de chegar com a tecnologia até a mesa do consumidor. E para desmitificar a ideia de que qualquer ação neste segmento é transgenia. As novas técnicas de edição genética trazem muitos benefícios e não podem ser confundidas assim”, diz Sandra, que defende a transparência como plataforma para ampliar os horizontes. “É uma tecnologia muito nova, sobre a qual temos de falar, discutir e tirar dúvidas. Ainda é um processo em desenvolvimento que precisa envolver governo, sociedade, empresas e setor produtivo. Daqui a uns cinco anos, será muito mais fácil”, avalia. Sandra não está sozinha nesse discurso. CONVERSA DIRETA COM A SOCIEDADE Em outubro de 2015, o pesquisador da Pennsylvania State University (EUA), Yinong Yang, solicitou ao Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) o aval para uma variedade do cogumelo Paris desenvolvida com a tecnologia CRISPR. A resposta veio seis meses depois, em abril de 2016, por carta, confirmando não se tratar de alimento transgênico. Este cogumelo foi a primeira planta derivada do CRISPR a PLANT PROJECT Nº13

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chegar ao consumidor final. “O que se fez ali foi impedir a ação da enzima responsável pelo escurecimento do cogumelo após ser cortado. Isso aumenta o tempo de prateleira, o que é muito interessante”, comenta Adriana Brondani, diretora-executiva do CIB. “É um produto geneticamente modificado, mas que não recebeu um gene de outro organismo.” É por aí que ela começa a falar sobre esclarecimentos. Para grande parte da população, a sigla OGM, de organismo geneticamente modificado, era sinônimo de transgenia. Essa relação deverá ser revista, e um passo decisivo para isso será a popularização das novas técnicas de edição genética. “Todo transgênico é um organismo geneticamente modificado, mas nem todo organismo geneticamente modificado é um transgênico”, compara 30

Adriana, que ingressou no CIB exatamente para reforçar o papel da instituição de levar informações sobre biotecnologia a todos os segmentos da sociedade, desde o mercado e as empresas envolvidas com o tema, até os órgãos governamentais e a população em geral. E se surpreendeu com a dificuldade de aceitação da biologia molecular na área de agronomia. A bióloga formada pela UFRGS, com mestrado em bioquímica e doutorado em biologia molecular, conta que até entrar no CIB sua carreira foi toda dedicada à saúde humana, área em que a simpatia pela biotecnologia costuma ser bem diferente. “Sempre houve uma percepção muito positiva, uma aceitação muito maior em relação aos tratamentos com biologia molecular”, comenta a executiva, que vai além:


PRODUTOS AGRÍCOLAS GENETICAMENTE EDITADOS POR CRISPR OU TALEN ISENTOS DA REGULAMENTAÇÃO EXIGIDA PARA OS TRANSGÊNICOS PELO USDA (APÓS 2016)

Parecer USDA 13/04/2016 18/04/2016 15/11/2016 02/12/2016 29/08/2017 16/10/2017 25/11/2017 12/01/2018 19/03/2018 20/03/2018 14/05/2018 06/08/2018 07/11/2018

Produto Cogumelo Paris Milho Batata Batata Falso linho Soja Alfafa Milho Milho Trigo Tomate Pennycress – Thlaspi arvense L Falso linho

Características Não escurece quando cortado Maior teor de amiolpectina Não escurece quando cortada Não escurece quando cortada Maior teor de ômega-3 Tolerância a seca e salinidade Maior digestibilidade Resistência a fungo Ganho de produtividade Maior teor de fibras Maior facilidade de colheita Melhora na qualidade do óleo Maior teor de ômega-3

Fonte: CIB

“Ao falarmos sobre alguém com uma doença grave, como o câncer, é comum o ouvinte fazer uma relação com um parente, uma pessoa próxima, ou seja, cria uma identificação, e com isso fica favorável a tudo o que for possível em termos de tratamento”. Já no caso da agricultura, diz ela, as pessoas acham que nada tem a ver com elas quando ouvem sobre pragas e plantas daninhas. Alexandre Nepomuceno reforça a tese de Adriana lembrando que a transgenia, por exemplo, já é utilizada em tratamentos da saúde humana há décadas. “Os transgênicos existem desde os anos 1970 e diversos produtos, como a insulina, usam essa tecnologia. A história começou a pegar mesmo quando chegou à agricultura”, comenta o pesquisador. “Daí criou-se uma série de regras, uma regulamentação para cada país”, acrescenta. Para o professor Luiz Carlos Federizzi, da UFRGS, os diferenciais dos produtos gerados a partir do CRISPR vão favorecer de forma significativa a aproximação entre o agronegócio, o campo em si, e o consumidor final. “Sobretudo pela segurança e porque será possível mexer muito mais nessa questão da qualidade dos alimentos, até por conta do menor custo”, afirma. Ele diz, inclusive, que pode haver uma influência mútua entre a área da ciência e a do consumo. “Tanto pode ocorrer o direcionamento das pesquisas com base nas mudanças de hábito de consumo, como os resultados das pesquisas podem influenciar esses hábitos. É um mercado incrível que está se abrindo”, analisa. Federizzi conta que até pelo rápido avanço nesse campo, o corpo acadêmico da UFRGS procura ser ágil para compartilhar as novidades com os alunos de graduação e pós-graduação. Assim que surge algo diferente, os professores levam para as salas de aula uma ideia de como o assunto surgiu, como vai funcionar e o que está acontecendo, além de indicar artigos para que possam entender melhor. E, segundo ele, não há como não saber sobre as novidades, PLANT PROJECT Nº13

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Ag Matéria de Capa EVOLUÇÃO DO MELHORAMENTO GENÉTICO DAS PLANTAS

10.000 A.C. Início da agricultura

1866 Leis de Mendel (herança genética) 1900 Melhoramento genético convencional 1930 Melhoramento por mutação *

1953 Descoberta a estrutura do DNA 1975 Técnica para sequenciamento do DNA 1983 Primeiros vegetais transgênicos in vitro 1990 Seleção assistida por marcadores moleculares 1996 Primeira técnica para edição gênica 2013 Primeiros vegetais in vitro a partir da técnica CRISPR/Cas9

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pois o que não falta é informação disponível. “Toda quinta-feira, recebo no meu celular as duas principais revistas científicas do mundo. O importante é você saber onde buscar e filtrar o que é correto”, afirma. Manter-se atento às redes de profissionais envolvidos com o assunto também faz parte dessa expansão de conhecimento. “É importante saber quem trabalha com qual tipo de pesquisa, em qual área e com qual cultivar. Eu, por exemplo, me dedico ao melhoramento genético de aveia, então procuro saber todo mundo que trabalha em pesquisa neste setor.” O esclarecimento também contribui para que os resultados de pesquisas em campos diferentes se relacionem de forma positiva e se fortaleçam frente à opinião pública, e não o contrário. Como aconteceu em novembro do ano passado, quando o pesquisador chinês He Jiankui anunciou ao mundo, por meio da agência de notícias Associated Press, ter alterado dois embriões humanos, utilizando a tecnologia do CRISPR-Cas9, para que se tornassem resistentes ao vírus HIV, responsável pela Aids. Ao fazer essa divulgação, Jiankui disse ter contribuído para a geração dos primeiros bebês geneticamente modificados, as chinesinhas gêmeas que haviam acabado de nascer. Do ponto de vista de combate e prevenção para um mal tão sério como é a Aids, que aterrorizou a raça humana durante as décadas de 1980 e 1990 – a partir dos anos 2000 o maior volume de informações e opções de tratamentos amenizou o impacto –, a pesquisa de Jiankui tem um valor inestimável. Mas


“Há uma movimentação de pequenas empresas e institutos de pesquisa utilizando a tecnologia para desenvolver variedades vegetais com potencial interessante do ponto de vista agronômico”, diz Adriana, do CIB, sobre as vantagens competitivas do CRISPR

vale lembrar que, apesar da extrema importância que tem a biotecnologia para a saúde humana, experiências ousadas envolvendo temas sensíveis sempre chocarão a população em qualquer parte do globo. Pode ser mais ou menos, dependendo da relação da pesquisa com os padrões considerados éticos. O nascimento do primeiro “bebê de proveta”, ou fertilização in vitro (FIV), no interior da Inglaterra, por exemplo, dividiu opiniões lá em julho de 1978. Passados mais de 40 anos, milhões de pessoas já foram geradas a partir da reprodução em laboratório, e as técnicas e procedimentos aplicados atualmente mal se comparam aos daquela época. OPORTUNIDADES AMPLIADAS Além de todas as vias de evolução tecnológica, o CRISPR abre uma nova fronteira para o campo das pesquisas científicas em produção agropecuária devido à menor demanda por investimentos, se comparado à transgenia. “O custo que temos com pesquisa e desenvolvimento, que já é alto, aumenta absurdamente com toda a parte de testagem e avaliação de risco”, comenta Adriana Brondani, do CIB, sobre os transgênicos. “O que temos percebido por conta da vantagem competitiva do CRISPR é a movimentação de pequenas empresas e institutos de pesquisa utilizando a tecnologia para desenvolver variedades vegetais com potencial interessante do ponto de vista agronômico”, acrescenta a bióloga. De qualquer forma, Nepomuceno ressalta que continua sendo importante que as grandes corporações sigam investindo no setor, pois tais recursos permitem ampliar o alcance do que se desenvolve nos centros de pesquisa, favorecendo todo o agro. Além de nutrir um campo que já é bastante fértil inclusive – e principalmente – para as AgTechs, as startups do agronegócio. “O número de startups que mais se abre é no segmento de biotecnologia”, destaca Nepomuceno. A opinião do pesquisador da Embrapa Soja é reforçada pela coluna “Esalqueanos” desta edição, escrita por Mateus Mondin, professor do Departamento de Genética da Esalq-USP e idealizador do AgTech Valley – Vale do Piracicaba. “Estamos falando de uma evolução do mercado agropecuário, de uma melhoria nos negócios, porque esse desenvolvimento tira aquela conotação de uma tecnologia de apenas algumas empresas”, avalia Adriana. Para a executiva do CIB, até mesmo a disponibilidade de pessoas capacitadas é um diferencial neste cenário. “Agora temos cursos de graduação e pós-graduação em biotecnologia”, acrescenta. Nepomuceno chama a atenção para a importância de o atual governo brasileiro “não perder o bonde” e investir na ampliação das oportunidades para a força-tarefa que vem se formando e se especializando para atuar na agropecuária. “Temos uma multidão de jovens cientistas brilhantes formados e treinados com capital nacional, mas que por ficarem desempregados vão desenvolver e aplicar esse conhecimento em outros países”, finaliza. PLANT PROJECT Nº13

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Bolsonaro serve-se em bufê de restaurante de supermercado em Davos: defesa do agro em discurso curto no Fórum Econômico Mundial 34


BRASIL COM APETITE GLOBAL Novo governo põe o agronegócio no centro de sua política exterior, mas terá de alinhar o discurso para abrir mercados com sua diplomacia da comida

foto: Alan Santos/PR

Por Iva Velloso

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oi uma estreia tímida, com passos e palavras calculados. Em sua primeira aparição nos grandes salões internacionais, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso econômico na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no dia 22 de janeiro. Em cerca de oito minutos no púlpito, conseguiu, porém, deixar algumas mensagens claras sobre a linha (muitas vezes tênue) em que equilibrará sua política externa. Prometeu maior abertura comercial ao mundo, disse que o Brasil é um dos países que mais preservam o meio ambiente e que a missão do seu governo é avançar na compatibilização entre a preservação e o desenvolvimento econômico. Também afirmou que as commodities são responsáveis, em grande parte, pelo superávit da balança comercial do País. Ao dedicar boa parte de sua fala às virtudes do agronegócio brasileiro, confirmou que um dos pilares do trabalho do Itamaraty nos próximos quatro anos estará na chamada “Diplomacia da Comida”. O poder do Brasil para fornecer alimentos a um mundo cada vez mais demandante é reconhecido globalmente, mas raramente, nos últimos anos, pautou os movimentos do corpo diplomático brasileiro. Por isso, o discurso do governo, especialmente quando fala em abrir o Brasil ao comércio mundial sem alinhamento ideológico, tem sido recebido com euforia pelo agronegócio. “Vejo com otimismo essa agenda do governo. O agro tem muito alinhamento com as ideias do Ministério da Economia quando afirma que o Brasil é um país fechado”, diz Lígia Dutra, superintendente de Relações Internacionais da Confederação Nacional da Agricultura. Outros movimentos, como o anúncio, pelo ministro das Relações

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Exteriores, Ernesto Araújo, de que será criado um departamento de Agronegócio dentro do Ministério das Relações Exteriores (MRE), também indica uma mudança de patamar do setor em uma das frentes mais relevantes para quem, pela vocação exportadora, está estreitamente vinculado à imagem internacional do País. Durante o Fórum de Davos, a equipe de Bolsonaro pôde degustar sabores distintos da repercussão de palavras e atos nas arenas externas. As posições liberais expressas pelo presidente e seus ministros agradaram ao mercado. O problema é que nem sempre os discursos dentro do próprio governo estão alinhados e, de vez em quando, é preciso muito trabalho por parte dos diplomatas para jogar água na fervura, mesmo a provocada por declarações dos tempos de campanha. Antes de ser eleito, Bolsonaro afirmou que “os chineses queriam comprar o Brasil”. A declaração do então candidato criou um mal-estar com a China, contornado depois de um encontro entre o presidente e o embaixador chinês Li Jinzhang, logo após a eleição. A China é o principal parceiro comercial do Brasil atualmente. No agronegócio, segundo dados do Ministério da Agricultura, responde por 35% das exportações do setor. Isso equivale a cerca de US$ 35 bilhões. Não por acaso, um dos maiores temores do setor é que um eventual alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos, hoje em aberto conflito comercial com os chineses, repercuta na nossa balança comercial. A aproximação do governo brasileiro com o Estado de Israel também vem gerando ruídos nas relações com importantes parceiros comerciais – no caso, países do mundo árabe. Ao anunciar a intenção de transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém,


foto: Shutterstock

Bolsonaro irritou os árabes. O burburinho aumentou durante a participação do presidente em Davos. Enquanto ele discursava, a Arábia Saudita comunicava que parte dos frigoríficos habilitados a vender carne de frango para lá haviam sido delistados. A notícia fez o presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), Francisco Turra, correr para Brasília para uma reunião com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e com técnicos da pasta para saber os reais motivos que levaram os sauditas a embargar parte das exportações de carne de frango brasileira. Uma das versões que circularam por Brasília era a de que a decisão da Arábia Saudita seria uma represália ao governo por causa da aproximação com Israel. Ou seja, um problema diplomático. O vice-presidente, Hamilton

Mourão, que estava no exercício da Presidência, chegou a comentar o assunto. Turra discorda dessa versão e atribui a decisão dos árabes a questões mercadológicas. “Ainda temos 25 empresas autorizadas a vender frango para a Arábia Saudita. Se fosse retaliação, todas teriam sido retiradas da lista”, argumenta. Essa também foi a avaliação feita pelo governo. Tanto o Itamaraty quanto o Ministério da Agricultura afirmam “não ter havido nenhuma medida prejudicial às exportações brasileiras como represália a ações diplomáticas”. No entanto, em Davos, o ex-secretário-geral da Liga Árabe, o diplomata egípcio Ame Moussa, em entrevista ao jornal Valor Econômico, considerou que o embargo da Arábia Saudita a frigoríficos brasileiros pode ser entendido como exemplo de represália.

Planta de frigorífico para aves: descredenciamento de empresas brasileiras por árabes podem ser reação a posicionamento pró-Israel do novo presidente

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foto: Alan Santos/PR

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A parceria comercial com os árabes não é tão grande quanto com a China, mas não pode ser desprezada. A carne de frango produzida pelo Brasil é um dos principais produtos exportados para os países árabes. A Arábia Saudita fica com a maior parte desse comércio. Só no ano passado eles compraram 6,9 milhões de toneladas da proteína. De acordo com o Ministério da Agricultura, pelo menos 207 mil toneladas de frango, ou 3% do total, deixaram de ser embarcadas para o país árabe com o embargo. AMBIENTE COMPLEXO No comércio internacional qualquer problema pode gerar um prejuízo de bilhões ao país. E, na diplomacia da comida, qualquer deslize pode se transformar em uma barreira não tarifária capaz de justificar pressões de compradores e até a suspensão de encomendas. Por isso, os diplomatas brasileiros terão que enfrentar muitas 38

batalhas para garantir que o Brasil continue sendo um dos maiores players no agronegócio mundial. Um dos temas sempre presente nas mesas de negociação, especialmente junto à União Europeia, será o meio ambiente. Os países europeus, sempre preocupados em defender a posição de seus produtores – menos eficientes e com dificuldades de concorrer com os brasileiros –, têm cobrado do Brasil um maior compromisso com a preservação ambiental, especialmente em relação aos biomas amazônico e do cerrado. O antídoto a essa “barreira ambientalista” tem sido difundido pelas equipes responsáveis pelas negociações pelo lado brasileiro. O secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Orlando Ribeiro, afirma que, entre outras coisas, pretende mostrar aos negociadores internacionais os dados da Embrapa Territorial sobre a agropecuária brasileira, entre os quais o de que 66% das florestas brasileiras ainda estão preservadas e que o País utiliza apenas 9% do seu território para a agricultura. Com isso espera convencer o mundo de que o Brasil vem cumprindo o seu papel. O único senão do argumento é que esses números não são mais novidade para a comunidade internacional. Durante os últimos dois anos e meio, o então ministro da Agricultura, Blairo Maggi, percorreu o mundo participando de vários fóruns e rodadas de negociações internacionais apresentando os dados da Embrapa Territorial e do CAR (Cadastro Ambiental Rural). Maggi bateu firme nessa tecla, inclusive reforçando e aparelhando o contingente de adidos agrícolas junto a embaixadas e


O ministro Araújo, do MRE (à esq.), e Bolsonaro com Guedes no Fórum de Davos: curiosidade global com posições polêmicas do governo brasileiro

divulgadas na época pela imprensa, eles teriam apresentado uma lista com os nomes de cerca de 300 fiscais que supostamente receberam “horas extras” da empresa. A delação foi assinada há pouco mais de um ano e a famosa lista ainda não apareceu. Mas a possível divulgação dos nomes de fiscais pode abalar mais uma vez a credibilidade do sistema de fiscalização sanitária do País, que sofreu danos após a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, deflagrada em março de 2017. Na época o Brasil não chegou a perder mercado, mas o Ministério da Agricultura teve que dar muitas explicações dentro e fora do País. A Secretaria de Relações Internacionais do Mapa, que trabalha em parceira com o Itamaraty nas negociações do agro com outros países, garante que já está preparada para enfrentar esse problema.

Para Ribeiro, “as irregularidades encontradas foram amplificadas pela mídia e afetam um percentual pequeno do universo de servidores”. De fato, o Ministério da Agricultura conta com um quadro de mais de 11 mil servidores, sendo cerca de 2 mil fiscais agropecuários. O setor privado também diz estar pronto para a batalha. O presidente da ABPA revelou que o setor já preparou uma campanha forte para enfrentar esse problema. “Estamos fazendo treinamento, capacitação, orientação aos nossos empresários para aplicação das melhores práticas de sanidade, tudo em sintonia com o Mapa”, afirma Francisco Turra. QUARTEL-GENERAL Boa parte dessas questões, que antes eram tratadas pelo Ministério da Agricultura, passará agora a ser endereçada foto: Alan Santos/PR

consulados brasileiros nos principais países importadores de nossa produção agropecuária. A política de expansão do time de adidos deve ser mantida, conforme afirmou a ministra Tereza Cristina à PLANT, em entrevista concedida ainda durante o período de transição de governo. Eles terão, no entanto, de ser bastante hábeis, sobretudo para aplacar críticas provocadas por sinalizações feitas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, que acenderam uma luz amarela perante o mundo. A mais preocupante é a possibilidade de o Brasil deixar o Acordo de Paris, assinado em 2015. A hipótese foi levantada por Bolsonaro, mas diante da reação dos próprios líderes do agronegócio – preocupados em mostrar aspectos sustentáveis da produção agrícola – ele retrocedeu e disse que “por enquanto” o País irá permanecer, embora não descarte por completo a possibilidade de deixar o tratado em outra oportunidade. Se o fizer, alertam os produtores, dará margem a embargos comerciais contra o Brasil e o agro será um dos setores mais afetados. Outro ponto delicado que poderá criar embaraços ao agronegócio brasileiro, e para o qual governo e iniciativa privada devem estar preparados, é a delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS. Segundo informações

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também ao recém-criado Departamento de Promoção do Agronegócio no Itamaraty. Antiga demanda do setor, o órgão irá funcionar com duas divisões: uma voltada para temas de política comercial na área agrícola e outra dedicada à promoção das exportações agrícolas. O MRE informa que as duas áreas vão trabalhar de modo integrado entre si e “em estreita cooperação com o Ministério da Agricultura e a Apex”. “Nenhum governo teve uma iniciativa dessas antes”, comemorou o presidente da ABPA. Para Turra, “é fundamental o país investir em sua vocação econômica, e a do Brasil é o agro”. “Essa medida já deveria ter sido tomada”, diz o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que vem acompanhando de perto todos os passos do governo em relação ao agro dentro e fora do Brasil. Para Moreira, porém, o novo departamento do Itamaraty precisará intensificar a atuação do Brasil lá fora. “Temos que ser mais agressivos nas negociações comercias.” Por isso, além da criação do novo departamento no Itamaraty, algumas medidas estão sendo propostas para ampliar o comércio com outros países. Uma delas é a promoção de um workshop para falar sobre temas do agro como a questão 40

da sanidade animal e vegetal, avanços tecnológicos, genética e a conservação do meio ambiente. O evento está sendo articulado pelo Ministério da Agricultura em parceria com a FPA e será voltado a jornalistas, empresários, embaixadores e investidores. A previsão é de que seja realizado em São Paulo durante o mês de abril. Para Moreira, a maior guerra que a diplomacia brasileira enfrentará para ampliar o comércio exterior será a da comunicação. “Nosso país vem sendo constantemente atacado por causa da questão ambiental, mas não falam a verdade. Temos que rebater esse discurso de forma efetiva”, diz. Para o deputado, é preciso que o Brasil rebata todas as críticas de forma contundente. A ministra Tereza Cristina também já manifestou preocupação com essa questão e prepara missões ao exterior para expandir o comércio dos produtos brasileiros. Ásia e Europa serão os primeiros destinos, mas as datas ainda não foram definidas. Ribeiro informou que já existem algumas agendas sendo trabalhadas, mas confirmou, por enquanto, a ida da ministra ao Japão para a reunião de ministros da agricultura do G-20, que ocorrerá em maio. MERCADOS PRIORITÁRIOS A agropecuária brasileira exporta para mais de 150 países. No ano passado, o setor bateu o

recorde nominal de US$ 101,69 bilhões. O governo e o setor privado esperam que esse valor seja ainda maior em 2019. “A agricultura brasileira exporta de maneira pujante para todas as regiões do planeta. Vamos ajudar a fortalecer a vocação universal das exportações brasileiras do agronegócio, buscando proativamente reforçar nossas relações comerciais, sem nenhum viés ideológico”, diz o Itamaraty. O setor também se mostra otimista e já sonha com a abertura de novos mercados. O presidente da Abrafrutas (Associação Brasileira de Frutas), Luiz Roberto Barcelos, espera que o setor da fruticultura faça com a região Nordeste o que a soja fez com o Centro-Oeste. “Temos um espaço muito grande para expandir. Somos o terceiro maior produtor de frutas do mundo e estamos em 23º lugar em exportação”, diz Luiz Roberto. Além da Ásia, os produtores de frutas ambicionam conquistar o mercado norte-americano. A aproximação do governo Bolsonaro com Trump tem feito Luiz Roberto projetar novos negócios. “Os Estados Unidos são um mercado muito promissor. Temos uma proximidade geográfica que facilita as exportações.” Atualmente, de acordo com dados da Abrafrutas, são exportadas 848,5 mil toneladas de frutas por ano. Manga,


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Mercados de alimentos na Arábia e na China: produtores revelam preocupação em preservar relações com grandes clientes

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melão e limão são os principais produtos. Grande parte produzida na região Nordeste. Lígia Dutra, da CNA, compartilha da visão da Abrafrutas. Ela acha que, apesar de concorrerem no mercado do agro, Brasil e Estados Unidos são complementares e podem ampliar ainda muito a pauta de exportações. Para ela, no entanto, o mercado prioritário do agro atualmente é a Ásia. “Queremos que o governo tenha um olhar mais atento ao continente asiático.” Para negociações bilaterais, o foco principal da CNA é a Coreia do Sul. “É um país que tem um grande consumo, eles importam muito produto do agro”, disse. No ano passado a Coreia do Sul abriu a importação de suínos e mangas do Brasil, mas os números ainda são pequenos. Os coreanos compram muito da Austrália e dos Estados Unidos, nossos principais concorrentes. O trabalho da diplomacia agrícola será garantir o pragmatismo comercial. “As questões políticas e ideológicas a gente pode administrar de forma que não atrapalhe a questão comercial”, diz a superintendente de relações internacionais da CNA. “A gente quer o pragmatismo. Vender pra quem quer comprar.” O recado do setor ao novo governo é simples e direto: a diplomacia abrindo novos mercados aos produtos brasileiros. PLANT PROJECT Nº13

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ALK Com Stefan Mihailov

STEFAN MIHAILOV 51 ANOS

DIRETOR-GERAL DA TROUW NUTRITION PARA A AMÉRICA LATINA FORMADO EM MEDICINA VETERINÁRIA PELA UNESP, COM ESPECIALIZAÇÃO EM MARKETING PELA ESPM E EM ADMINISTRAÇÃO PELA FGV-SP

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Assista aos vídeos desta e de outras as entrevistas na página da série Plant Talks. Use o QR Code para acessar.

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setor de nutrição animal costuma ser um importante termômetro da atividade pecuária. As encomendas feitas às empresas desse segmento sinalizam não apenas os indicadores de crescimento, mas também de nível de tecnologia empregado na produção nas mais diversas cadeias – bovinocultura, suinocultura, avicultura, piscicultura, entre outras. É a partir da observação desses dados que o médico veterinário Stefan Mihailov, presidente da Trouw Nutrition para a América Latina e um dos mais experientes executivos da área de insumos para a criação de animais, prevê uma evolução importante na produtividade de proteína animal nos próximos anos, sem que seja

necessário ampliar as áreas ocupadas por pastagens, por exemplo. “A nutrição animal está anos-luz à frente da humana”, afirma Mihailov na entrevista concedida à série PLANT TALKS, durante o Global Agribusiness Forum – GAF18. Confira a seguir os principais trechos: Como é que um médico veterinário se transforma em um gestor de empresas com o porte da Trouw Nutrition? Acho que foi um pouco o acaso. Minha primeira etapa profissional foi em uma indústria que fabricava vacinas e medicamentos para várias espécies de animais. A formação veterinária ajudou a iniciar esse percurso, porque eu comecei a mexer com desenvolvimento de produtos. Dali para a frente foram surgindo muitas oportunidades boas, que eu fiz questão de tentar agarrá-las. E aí foi natural a evolução. Você foi buscar uma especialização em administração? A faculdade de Medicina Veterinária evidentemente direciona a gente muito para a clínica. A gestão é uma coisa que é pouco explorada dentro dessa área. Então, logo no início de carreira, busquei uma especialização em marketing pela ESPM e, na sequência, em administração de empresas pela FGV, exatamente para complementar aquilo que a grade curricular veterinária não oferecia. Quais foram os momentos decisivos na sua carreira? Em que


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momento você pensou “aqui eu comecei a decolar”? Cada uma das etapas teve uma importância muito grande. Não sei se existe exatamente um ponto que me direcionou para cá ou para lá. Tive realmente oportunidades muito boas na carreira, com várias posições em três empresas diferentes, inclusive fora do País. Sem dúvida, viver fora é uma experiência muito rica, entender novas culturas, outras formas de atuar em mercados até menos complexos do que o daqui. Quem passa pelo Brasil tem um MBA completo para gerenciar negócios em qualquer lugar no mundo.

lhor, de dar o seu melhor. A coisa mais importante é a gente realmente criar situações onde cada um queira exprimir aquilo que tem de mais forte. Fora isso, inovação, pensar fora da caixa, tentar encontrar formas diferentes de fazer as coisas.

Qual o seu perfil como gestor? Cada gestor evidentemente tem uma forma de atuar. Eu pessoalmente procuro sempre pensar alto. Acho que quando a gente aspira alto acaba criando em toda equipe uma vontade de fazer me-

Qual é o perfil do profissional que busca quando você vai ao mercado? Que característica você observa em primeiro lugar? Existem algumas coisas que são muito difíceis de a gente detectar durante um processo de entrevis-

“Quem passa pelo Brasil tem um MBA completo para gerenciar um negócio em qualquer lugar no mundo”

ta. Mas o mais importante é tentar perceber se para aquela posição em questão o profissional que está sendo avaliado realmente vai ter um encaixe muito bom. Em inglês chamamos de job fit. Isso é o que acho fundamental, porque se não gostar do que faz é difícil que a coisa possa ter continuidade.

Você passou nove anos em uma empresa de saúde animal e há pouco mais de um ano assumiu o comando da Trouw Nutrition, que é especializada em nutrição PLANT PROJECT Nº13

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Com Stefan Mihailov

“A nutrição animal está anos-luz à frente da nutrição humana”

animal. Como foi essa mudança? Houve um período de adaptação? O período de adaptação é “muito longo”. Dura normalmente um dia -- o dia que você senta na cadeira já tem que estar adaptado. Mas são mercados com algumas similaridades. No fim das contas, estou no segmento de saúde e nutrição animal, então o cliente final é o mesmo. Ambos extremamente importantes, mas os canais de venda e a dinâmica de mercado de saúde animal têm particularidades bem distintas do de nutrição. Então, essa é mais uma oportunidade imensa, apesar de eu já ter 25 anos de carreira e 51 anos de idade, parece que estou começando hoje, por tanta motivação e por ser uma dinâmica tão diferente de mercado. Qual foi o maior desafio desse primeiro ano? O setor de saúde animal é muito parecido com o setor farmacêutico humano. É um mercado de margens relativamente altas, o que permite um investimento também mais expressivo. O mer44

cado de nutrição, ao contrário, costuma ser de volumes muito elevados e margens um pouco mais estreitas. Então, tem que ser um pouco mais assertivo no investimento. A gente não pode arriscar para ver se dá certo, porque muitas vezes não tem recursos sobrando para poder ir em várias frentes. Essa talvez seja a diferença mais importante na gestão do negócio como um todo. Em relação às pessoas, o mercado de nutrição exige profissionais muito mais qualificados. A nutrição animal está anos-luz à frente da nutrição humana. Talvez seja a única área em que se compara o setor animal com o humano e existe essa diferença tão grande a favor do animal. Em que sentido você diz que está à frente? A gente trabalha com várias casas após a vírgula para avaliar a performance nutricional dos animais. Na nutrição humana, só agora se começa a avaliar algumas possibilidades, muito mais ligadas ao desempenho de atletas. No dia a dia nutricional dos animais, principalmente os de produção, é fundamental que a gente tenha a máxima performance. Estamos então na era da nutrição de precisão, para fazer uma analogia ao termo agricultura de precisão? Justamente, hoje em dia nutrição de precisão é a palavra de ordem para enfrentar os desafios futuros de produzir mais com menos. A gente tem que conseguir trazer o máximo de resposta dos animais em desempenho, em manu-

tenção da saúde, em qualidade de vida, em bem-estar animal, com o mínimo possível de recursos. Isso é sustentável. A nutrição de precisão vem, por exemplo, avaliar uma amostra de milho que vai ser usada em uma ração para determinados animais, qual a concentração de proteína etc. Como é que a Trouw se relaciona com a tecnologia? Como se diferencia nesse segmento em relação aos concorrentes? A Trouw Nutrition é uma empresa muito grande, uma marca global, com sede na Holanda, parte do grupo Nutreco. A Nutreco é uma empresa muito focada na inovação através de soluções tecnológicas para melhorar o desempenho dos animais e a melhor utilização de todos os ingredientes que são utilizados na dieta. Vocês acompanham também o movimento de startups em torno da nutrição animal? A Nutreco tem anualmente um projeto que é lançado para qualquer startup que queira apresentar uma solução ligada ao agronegócio, especificamente na nutrição animal. Nós avaliamos os projetos, que concorrem não só a uma premiação como à possibilidade de a Nutreco vir a investir em alguns deles. Esse movimento é global ou é só no Brasil? É um projeto global. Qualquer startup pode participar, do Brasil, da Índia, da Tailândia, dos Estados Unidos, de onde for. Já houve investimento em algu-


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ma startup brasileira? Estamos com o processo em andamento e existem algumas startups que se candidataram. Vamos aguardar agora o resultado final. Em 2017, das dez finalistas a Nutreco investiu em seis. Tem uma pequena participação nessas startups e vai acompanhando o desenvolvimento dessas iniciativas muito criativas. Que tipo de inovação elas trouxeram? Tem de tudo. Tem inovação na área de software, por exemplo, para gestão de gado de leite. Tem outras que entram no segmento de nutrição de precisão. Enfim, em várias frentes. A gente estuda aquelas que nós entendemos que possam ser mais disruptivas ou que possam ser complementares àquilo que é feito de pesquisa básica do nosso lado. No último evento global da empresa, convidamos vários desenvolvedores de softwares e criamos uma maratona do agronegócio. Saíram dali soluções muito interessantes, que fazem parte hoje de projetos nossos em outras duas áreas em que a empresa está investindo no estudo do uso de insetos para alimentação animal, que a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) diz ser a proteína do futuro. A gente quer aprender um pouco mais sobre isso, ver como aplicar até como substituto de proteínas nobres que são utilizadas para o consumo humano.

na alimentação. No nível de estudos já tem muita coisa avançada, mas para que realmente tenha uma representatividade ou alguma significância em volume, eu diria entre 10 e 15 anos. Mas é mais um chute do que uma previsão assertiva. No mercado de frangos um ponto que se discute muito é o uso ou não de antibióticos. Esses medicamentos são adicionados aos alimentos. Vocês estão buscando também alternativas para isso? Já é uma realidade. Nossa linha de rações para camarão, por exemplo, é absolutamente livre de antibióticos, o que é uma exigência muito evidente de vários mercados. Temos linhas de produção 100% dedicadas à fabricação de ração para camarão sem antibiótico. Ou linhas de produção que, quando existe o risco de alguma contaminação cruzada de algum outro produto para outra espécie animal, há um processo de limpeza para garantir a ausência absoluta de antibiótico. A redução de

uso ou pelo menos o uso racional de antimicrobianos é sem dúvida uma tendência que começa a acelerar bastante em alguns países do mundo. Mas não podemos esquecer que o antibiótico é importante para manter a saúde dos animais. Eles merecem ser tratados quando estiverem doentes. Qual é a sua visão de futuro para o setor de produção de proteína animal? Primeiro vou jogar um dado que pode parecer loucura: nos próximos 35 anos o mundo vai precisar produzir a mesma quantidade de alimentos que foi produzida e consumida nos últimos 8 mil anos. Então, o desafio é enorme, é fundamental e é uma missão muito nobre. Para quem está nesse setor, seja um produtor de frango, de gado de leite, de ovos, ou mesmo na área agrícola, eu diria que a sua missão é realmente muito nobre: ajudar a alimentar o mundo. E extremamente importante para garantir a disponibilidade de alimento para o mundo.

Esse é um processo de curto prazo? Acredito que vai ser uma realidade muito forte o uso dos insetos PLANT PROJECT Nº13

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Com Cesar Borges

CESAR BORGES 72 ANOS, CASADO VICE-PRESIDENTE DO GRUPO CARAMURU ALIMENTOS PÓS-GRADUADO EM ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA PELA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV-SP) CONSELHEIRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA ALIMENTAÇÃO (ABIA) CONSELHEIRO DO CONSELHO CONSULTIVO DO WORLD TRADE CENTER (SÃO PAULO) MEMBRO DO CONSELHO SUPERIOR DE AGRONEGÓCIOS (COSAG) DA FIESP MEMBRO DO CONSELHO TEMÁTICO PERMANENTE DE INFRA-ESTRUTURA (COINFRA), DA CNI

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undada há mais de 50 anos no interior do Paraná, a Caramuru Alimentos é uma referência na agroindústria brasileira. Grupo familiar, é um dos maiores esmagadores de soja do País – processou 1,83 milhão de toneladas do grão em 2017 – e tem tradição em apontar tendências para o setor. Inclusive na gestão financeira, segundo conta Cesar Borges, vice-presidente da empresa e integrante da segunda geração no comando do grupo. Formado em Ciências Contábeis, ele levou para a Caramuru inovações em projetos de financiamento da produção e, assim, contribuiu para a expansão e a diversificação dos negócios da companhia. Nesta entrevista à série PLANT TALKS, gravada no Lounge Plant durante o Global Agribusiness Forum, o executivo relata quais foram os momentos deci-


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“Quando fui para a Caramuru, tinha a visão de que não era possível uma empresa dar certo correndo de um banco para outro e cobrindo cheques voadores”

sivos dessa transformação e aponta para o futuro, com inovações como a casa de soja. Confira os principais trechos. A Caramuru é um grupo familiar, mas antes de se incorporar a ele você buscou outros caminhos. Qual foi a sua trajetória profissional? Comecei a trabalhar com 13 anos de idade em um escritório de contabilidade. Tive oportunidade de trabalhar primeiro com o irmão mais velho do (hoje senador) Álvaro Dias, depois com ele mesmo. Trabalhamos lá em Maringá (PR) nesse mesmo escritório. Em 1965, no começo do ano, me mudei para São Paulo. A empresa (Caramuru) começou em Maringá. Fundada pelo seu pai... Em 1964, fundada pelo meu pai. Estudei o curso técnico de Contabilidade e depois, aqui em São

Paulo, fiz Ciências Contábeis e Atuariais. Posteriormente cursei pós-graduação em Administração Financeira na (Fundação) Getulio Vargas e também fiz as cadeiras do mestrado. Quando eu estava para concluir uma dissertação para fechar todo o mestrado, fui convidado pelo meu pai para ser sócio da empresa. Naturalmente um sócio menor, porque os outros já estavam há mais tempo. Comecei fazendo um projeto econômico-financeiro. Trabalhei como inspetor fiscal e, pela minha capacidade e como eu tinha bastante tempo, pude me dedicar a um trabalho extra fazendo projetos de Befiex (programa de incentivo às exportações com base em benefícios fiscais, criado em 1972 e utilizado por grandes empresas de vários setores nos anos 1970 e 1980) numa época em que esses projetos faziam você reduzir os custos principalmente de importação. Você acabou construindo um projeto que trouxe recursos para que a empresa pudesse ter uma expansão maior naquele momento... Minha dissertação na Getulio Vargas era sobre como construir financiamento de longo prazo, especificamente trabalhar com debêntures conversíveis em ações. É claro que quando eu fui para a Caramuru ela era muito pequena, não se justificava um papel como esse. Mas eu tinha uma visão de que a empresa não poderia, a exemplo do que ela vinha fazendo, ficar correndo de um banco para outro, cobrindo cheques voadores e fazendo investimento. A empresa, sempre que

investia, sangrava o capital de giro. A gente conseguiu se organizar para obter financiamento de linhas do BNDES, que naquela época tinha um custo muito menor do que o custo da inflação. Quais foram os momentos mais decisivos no crescimento da Caramuru nesses mais de 40 anos, desde que você entrou lá? Houve um momento em que contratamos a Arthur Andersen, que naquela época ainda não era nem a Deloitte, para fazer um diagnóstico empresarial. A gente enxergou algumas deficiências, como o fato de não olhar para fora. Também começou, a partir do ano seguinte desse diagnóstico, a fazer auditoria. Há muitos anos a Caramuru é auditada por empresas de grande porte. Há cerca de dois anos vocês iniciaram o processo de busca de um comprador para a Caramuru. Por que essa decisão e que destino tomou esse processo? A Caramuru, de alguma forma, toma bastante risco. A gente toma muito dinheiro emprestado. Imaginamos que um sócio poderia reduzir um pouco nosso endividamento, de um lado; e, de outro lado, poderia permitir que a gente fosse mais audacioso nos nossos investimentos. Vocês atuam em uma área que é commoditizada, mas têm uma tradição de agregação de valor nessa cadeia. Como fizeram isso e qual foi o resultado desse processo? Começamos lá atrás trabalhando exclusivamente com produtos de PLANT PROJECT Nº13

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Com Cesar Borges

“O varejo agrega valor a um negócio de commodities, fixa uma marca junto ao consumidor”

milho. Naquela época a gente vendia com a marca Caramuru e percebeu que com essa marca não vendia nada. Apareceu na nossa vida um velhinho chamado Francisco, um homem da área de marcas. Ele nos convenceu, insistiu que a gente devia ter uma marca mais interessante. Então ele mesmo acabou encaminhando, para que a gente comprasse, a marca Sinhá. Quando lançamos o nosso produto com a marca Sinhá foi uma grande novidade para a gente. O produto vendeu bastante. Era uma incursão no varejo e vocês trabalhavam numa área de agroindústria B2B... De alguma maneira o varejo agrega valor ao negócio de commodities, ele fixa uma marca junto ao consumidor. Hoje a gente tem aproximadamente uns 20% do nosso faturamento com a marca Sinhá. Isso permitiu, primeiro com o fubá Sinhá, que a gente saísse do Paraná e fosse para Goiás. Como trabalhávamos com milho, a localização em Goiás era muito conveniente, porque a gente pôde atingir especialmente o mercado de Minas e do Nordeste. Isso foi consolidando a marca e também a nossa atitude junto aos produtores de Goiás. No início, eles, por incrível que pareça, esperavam o 48

milho secar no pé, não guardavam o milho em armazéns. E a Caramuru acabou trazendo os armazéns e mudando essa cultura? A Caramuru já tinha essa experiência no Paraná e começou a convencer os produtores de que eles colhendo mais cedo poderiam aproveitar um período no começo de safra ou fim de entressafra e vender por um preço melhor. Eles poderiam também guardar o produto. Claro, nos nossos armazéns. Isso era muito bom para o nosso negócio e eles poderiam também esperar a outra safra e vender, não no grande volume da colheita. Ganhamos tanta credibilidade, que pudemos pensar em entrar na área da soja. Vocês trabalham muito com soja não transgênica, se diferenciando da maioria do mercado. Por quê? No começo não existia ainda a soja transgênica. Entramos na soja que existia, que era a tradicional naquela época. Isso a gente fez com facilidade, porque já havia muitos armazéns. Mas qual o objetivo da decisão atual de trabalhar em grande parte com soja não transgênica?

Em 1996, tivemos uma lei chamada Kandir (projeto do ex-deputado Antonio Kandir, que tratava da circulação de mercadorias entre estados e isentava de ICMS as mercadorias destinadas à exportação), que foi um verdadeiro incentivo e um salto muito correto para a produção agrícola. Porém -- sempre tem um porém –, ela causou um prejuízo enorme para a indústria da soja brasileira e colocou no colo da Argentina a competitividade que eles não tinham. O que a Caramuru resolveu fazer foi aproveitar e trabalhar com o não transgênico, já que nesse meio-tempo a Argentina estava trabalhando com o transgênico e a Europa queria o não transgênico. O Brasil plantava no Rio Grande do Sul uma soja contrabandeada, o Rio Grande do Sul era sempre transgênico. Paraná, uma parte era e outra não. Goiás estava isolado, assim como Mato Grosso, e poderia usar outros portos. O que o europeu fazia? Ele comprava no porto que não tinha transgênico e não pagava prêmio para ninguém. Imagino que seus compradores, sobretudo europeus, cobrem hoje controle e transparência muito maiores. É preciso ter rastreabilidade, garantir ao seu comprador a procedência dessa soja? Esse detalhe da rastreabilidade foi fundamental a partir do momento que a gente passou a trabalhar com a soja não transgênica. Tivemos que fazer toda uma estruturação diferente. A gente


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não é igual a uma indústria normal. Temos que acompanhar a semente, o plantio, a entrada na fábrica. Entra no armazém, depois sai do armazém, entra na fábrica, sai da fábrica, vem aqui para Pederneiras (cidade paulista onde fica o Terminal Hidroferroviário da Caramuru, que recebe os grãos vindos das regiões produtoras pela hidrovia Tietê-Paraná e os embarca em trens com destino ao Porto de Santos). São várias fases até o porto, que foi uma área vital para a Caramuru poder se soltar no comércio internacional. Enquanto a gente não tinha uma saída praticamente nossa, estava nas mãos dos concorrentes. Eles nos matavam ali. Gostaria de trocar de assunto e de falar de uma inovação que você está desenvolvendo. Como é que vai ser a casa de soja? Hoje você consegue, com a transformação química da soja, obter um material que você cola depois em placas. Seria uma espécie de um plástico verde? Exatamente. Você prepara o local

onde vai fixar essas placas, então a construção fica resistente, segura. Tenho informação de que essas construções suportam ventos de 250 quilômetros por hora. Então vocês estão investindo em uma indústria para produzir essas placas e, futuramente, construir casas a partir delas? Não somos uma construtora, mas a gente enxergou que existe um mercado a ser explorado. A construção civil é um mercado que não tem se desenvolvido, é muito fechado. A gente enxergou que pode trazer um material construtivo diferente e que traga mais qualidade de vida para os usuários. A indústria química para produzir essas placas será montada junto das plantas de esmagamento para aproveitar os insumos? Essa indústria já existe, está produzindo em Curitiba. Nós teríamos que fazer é a montagem das placas em outros locais. Pode ser em Curitiba, pode ser em São Paulo, no Rio de Janeiro... O ideal é que a gente tenha a montagem das placas no local da obra, porque aí você tem economias tributárias, economias de logística.

A soja também está sendo usada para produção de biocombustíveis. A Caramuru tem um projeto de produção de etanol a partir da soja. Ela entra definitivamente na matriz energética do País? Sim, mas antes de responder gostaria de fazer um esclarecimento: a empresa de placas para construção é um negócio pessoal meu com meu filho, não tem nada a ver com a Caramuru. Em relação aos biocombustíveis, a Caramuru já atua em produção de biodiesel, tem três fábricas produzindo: uma em São Simão (GO), que é a primeira de biodiesel, outra em Ipameri (GO) e a terceira em Sorriso, no Mato Grosso. Também temos outro produto que é uma inovação. Não foi o primeiro no Brasil, mas para a Caramuru foi uma inovação, que é a proteína concentrada de soja, produto que tem mais de 60% de proteína e é usado como alimento de peixe, especialmente na Noruega. No processo para produzir essa proteína concentrada, fazendo algumas modificações, você consegue produzir o etanol de soja. Hoje já existem alguns experimentos, mas não uma fábrica produzindo em escala industrial. Essa será a primeira. Quando deve começar a operar? Em sete a oito meses nós já teremos essa fábrica funcionando e a gente vai ter um etanol que também será usado no nosso processo industrial. A gente hoje já usa etanol de cana. Vamos praticar a tal da economia circular: a gente extrai na própria fábrica e já usa. PLANT PROJECT Nº13

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PLANT PROJECT Nยบ13

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SUA REDE DE

CONEXÃO

COM O AGRO DO FUTURO

Todo dia é uma oportunidade de criar novas e relevantes histórias no campo. Com a Plant é assim: há 2 anos desenvolvemos conexões inteligentes, consistentes e decisivas entre o agro do futuro e as grandes marcas através de projetos transformadores. Quer transformar seus negócios no campo? Conecte-se com o agro do futuro. Acesse: www.plantproject.com.br 52


/PlantProjectBrasil

/plant-project

revistaplantproject PLANT PROJECT Nยบ13

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POSITIVO

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Ambiente


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POSITIVO

O ATLAS GLOBAL DOS CAMINHOS DA COMIDA A partir da combinação de dez mapas coloridos, pesquisadores da University of British Columbia, de Vancouver, no Canadá, revelaram diversas faces da produção e da falta de comida no mundo com o intuito de estimular debates e ações em busca de soluções para o combate à fome Por Rafael Lescher

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Ambiente As cores da segurança alimentar: O mapa da página anterior representa a soma de todos os que apresentamos a seguir. Segurança alimentar é um problema de grande complexidade que requer visão de sistemas de múltiplas dimensões e aspectos do sistema de produção de alimentos. Disponibilidade de comida, qualidade, acesso, utilização e a estabilidade de todos esses componentes, todos dependem de fatores como produção agrícola, emprego, pobreza, crescimento econômico, clima, saúde humana, perda de biodiversidade, água, poluição, consumo e normas societárias. Esses mapas mostram como se parece a segurança alimentar hoje. Com eles, você pode pintar o sistema alimentar que deseja ver amanhã.

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ista do espaço, na definição do cosmonauta russo Yuri Gagarin, a Terra é azul. Quanto mais perto se chega e conforme o olhar que se lança, porém, o espectro de cores para representar diferentes aspectos da vida no planeta pode ser infinito. Um grupo de pesquisadores do LUGE (Land Use and Global Environment), laboratório da University of British Columbia, de Vancouver (Canadá), pintou com tons de alerta um atlas global desenhado a partir de um dos maiores desafios do nosso tempo: a produção de alimentos. Liderada pelo pesquisador de pós-doutorado Zia Mehrabi, a equipe do LUGE desenvolveu um painel gráfico que mostra de forma descomplicada, a partir de dados que vão das áreas destinadas ao cultivo à quantidade de pessoas envolvidas nas atividades agropecuárias, a relação entre causas e soluções para a fome no mundo. Chamado de The Colours of Food Security (As Cores da Segurança Alimentar, em tradução livre), o projeto combina dez mapas coloridos, que revelam, entre outras coisas, a dimensão e a localidade da produção agropecuária de alimentos, energia e fibras em cada continente.

de interesse – grande parte do público consultado afirmou que não dedicaria a devida atenção caso os dados fossem apresentados em forma de texto.

Mehrabi conta que o projeto surgiu com o intuito de informar o máximo possível de pessoas no mundo e inspirar o desenvolvimento de soluções para alimentar a população global nos próximos anos. Já o formato veio pelas constatações de uma pesquisa prévia: há uma grande dificuldade de acesso a esse tipo de informação para quem não está familiarizado com o assunto, e até certa falta

O acesso aos mapas é gratuito, até para facilitar e estimular o compartilhamento das informações, que podem ser divulgadas por meio de apresentações técnicas ou de alguma outra forma de exibição. PLANT dá sua contribuição para disseminar esses dados e apresenta, a seguir, todos os mapas do projeto The Colours of Food Security, com os comentários de seus autores.

O grande diferencial desse trabalho, de fato, está na riqueza de informações -- coletadas em 2018 junto a órgãos internacionais e fontes classificadas como confiáveis --, aliada à simplicidade de compreensão. Em uma conversa exclusiva com a PLANT, Zia Mehrabi contou que durante o desenvolvimento do estudo surgiram dados surpreendentes, como a descoberta de que um terço do solo do planeta é dedicado à agricultura e cerca de 1 bilhão de pessoas estão ligadas a esse negócio. O pesquisador ressaltou ainda a importância desse trabalho como atualização das informações disponíveis. “A única fonte desse tipo de análise sobre segurança alimentar foi feita pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1996, e já mostrava que os problemas relacionados à segurança alimentar não são focados somente em controle de alimentação da população”, disse Mehrabi.


UM PLANETA CULTIVADO Cada pixel no mapa representa áreas do globo destinadas a agricultura e pastagens. Cerca de 12% das terras sem gelo no mundo são utilizadas pelos humanos para culturas destinadas à produção de alimentos, de combustíveis e de fibras, e mais ou menos 22% são destinadas à criação de gado a pasto, suínos, caprinos, ovinos, frangos e outras formas de pecuária. A agricultura representa a maior área de pegada ambiental da raça humana no planeta. Segundo os pesquisadores, a crescente demanda por produtos agrícolas tem sobrecarregado os sistemas de recursos naturais no mundo.

mais área cultivada

menos área cultivada mais área com pastagem

menos área com pastagem

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Ambiente

EMPREGO NA AGRICULTURA

mais fazendeiros

Cada pixel no mapa representa o número de pessoas que trabalham na agricultura. O setor ue o Brasil é uma emprega quase 1 bilhão de pessoas aosuperpotência redor do em produção e mundo e é uma fonte de renda importante, exportação de alimentos, todos sobretudo nas regiões mais pobres. Enquanto já sabem. parte Há muito trabalho do mundo já substituiu o trabalho manual por desconhecidos e e esforços processos mecanizados e tecnológicos, outros ainda pouco reconhecidos, porém, por não fizeram tal transição. Países comtrás PIBdessa per capita conquista. O maior tendem a apresentar menor taxa de sua brasileiro também agronegócio população ligada à agricultura, enquanto os mais ostenta, silenciosamente, o pobres têm maior proporção de empregos troféuem de líder global em agricultura e trabalhos relacionados à comida. de embalagens reciclagem plásticas utilizadas no transporte e na aplicação de defensivos agrícolas nos mais de 76 milhões de hectares de terras cultiváveis do território nacional. 58

menos fazendeiros


FOME NO MUNDO Cada pixel no mapa representa o número de pessoas desnutridas no planeta. Um em cada dez habitantes não consome calorias suficientes para manter minimamente uma vida com baixa demanda energética. Uma em cada quatro pessoas não tem uma dieta com a quantidade necessária dos nutrientes certos, como ferro e vitamina A. A má nutrição tem impactos dramáticos na taxa de mortalidade infantil, na saúde e no desenvolvimento intelectual. Enquanto a proporção de pessoas desnutridas no mundo vem caindo nas últimas décadas, a taxa de pessoas que consomem em excesso aumentou drasticamente e agora, em números absolutos, é quase o dobro do que as subnutridas.

mais pessoas

menos pessoas

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MUDANÇAS CLIMÁTICAS Cada pixel no mapa representa emissões de gás de efeito estufa nas plantações, que são, segundo os ue o Brasil é uma pesquisadores, uma das maiores causas da mudança deprodução e superpotência em clima. A agricultura é atualmente responsável por exportação decerca alimentos, todos de 22% de emissões de gases de efeitojáestufa – 9% dotrabalho sabem. Há vêm muito desmatamento e 13%, do gerenciamento de terras para a e esforços desconhecidos e atividade rural. O metano da pecuária e dosreconhecidos, arrozais e o porém, por pouco óxido nitroso da aplicação de fertilizantes são algumas trás dessa conquista. O das principais contribuições das emissões da agricultura. agronegócio brasileiro também Em uma espécie de ciclo vicioso, essesostenta, gases de efeito silenciosamente, o estufa contribuem para um aumentotroféu de desastres de líder global em climáticos extremos, que levam a menores rendimentos reciclagem de embalagens e a maiores perdas nas lavouras. plásticas utilizadas no transporte e na aplicação de defensivos agrícolas nos mais de 76 milhões de hectares de terras cultiváveis do território nacional. 60

mais emissão

menos emissão


PERDA DE BIODIVERSIDADE Cada pixel no mapa representa o número de espécies de mamíferos e aves que estão ameaçadas e cujos habitats coincidem com áreas destinadas a plantações e pastagens. A agricultura utiliza aproximadamente 30% das áreas antes ocupadas por florestas no mundo, resultando em cerca de 35% de perdas da riqueza das espécies locais. O uso dominante de terras para a agricultura torna especialmente difícil para espécies com ampla distribuição a coexistência com os seres humanos. A perda de biodiversidade prejudica a contribuição da natureza com as pessoas, com o processo de polinização e o controle natural de pragas, levando à redução da produção agrícola.

mais lugares

menos lugares

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POLUIÇÃO

mais poluição

Cada pixel no mapa representa o excesso de quantidade de fósforo usado em plantações no planeta. Fertilizantes ue o Brasil é uma da agricultura, incluindo sintéticos, baseados em animais superpotência em produção e (como esterco) e baseados em plantasexportação (legumes), de alimentos, todos permitiram que a produção agrícola já global crescesse sabem. Há muito trabalho durante os últimos 50 anos. No entanto, às vezes o uso e esforços desconhecidos e desses fertilizantes é excessivo. O fósforo é um pouco reconhecidos, porém, por ingrediente-chave em muitos fertilizantes e a sua trás dessa conquista. O aplicação em excesso tem impactadoagronegócio negativamente em também brasileiro nossos sistemas de água fresca através da eutrofização ostenta, silenciosamente, o – crescimento descontrolado de plantas aquáticas, troféu de líderque global em reduzem a disponibilidade de oxigênio para espécies reciclagem de embalagens animais. Nitrogênio em excesso, muitas vezes utilizadas aplicado no plásticas junto com o fósforo, também tem umtransporte custo altoepara a na aplicação de saúde humana através da poluição da água potável. defensivos agrícolas nos mais de 76 milhões de hectares de terras cultiváveis do território nacional. 62

menos poluição


CONSUMO DE ÁGUA Cada pixel no mapa representa a quantidade de água subterrânea extraída em diferentes baías hidrográficas ao redor do planeta. A produção agrícola é responsável por mais ou menos 92% da pegada hídrica do mundo. Como consequência, muitos aquíferos ao redor do mundo estão sendo desgastados rapidamente, alguns lagos e pequenos mares secaram e muitos rios não chegam mais aos oceanos. Isso significa, segundo os autores do projeto, que a agricultura é o maior fator na liderança para a insegurança de água à raça humana e a outras espécies no planeta.

maior uso da água

menor uso da água

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POSITIVO

Ambiente

MUDANÇAS DE DIETA Cada pixel no mapa representa a quantidade de calorias produzidas que estão sendo usadas para alimentar a ue o Brasil é uma pecuária (no total, isso corresponde a algo em torno de superpotência em produção e 36% de todas as calorias produzidas em plantações do exportação de alimentos, todos globo). O mundo está enfrentando uma séria de já sabem. Há muito trabalho problemas interconectados e relacionados ao sistema e esforços desconhecidos e alimentício, incluindo má nutrição, impactos ambientais e pouco reconhecidos, porém, por doenças transmissíveis ou não. Uma possível solução para trás dessa conquista. O esses problemas seria reduzir as tendências de dietas à agronegócio brasileiro também base de produtos com origem em animais alimentados ostenta, silenciosamente, o com grãos. Isso permitiria o uso de cerca de 70% das troféu de líder global em calorias utilizadas em rações animais para atender às reciclagem de embalagens necessidades humanas de energia e reduziria o impacto plásticas utilizadas no da agricultura no ambiente e na saúde humana. transporte e na aplicação de defensivos agrícolas nos mais de 76 milhões de hectares de terras cultiváveis do território nacional.

mais calorias

menos calorias


DESPERDÍCIO Cada pixel no mapa representa a porcentagem de alimentos desperdiçados em cada país. O mapeamento mostra somente locais com alta densidade populacional (>1.000 pessoas por pixel). Atualmente, quase 25% da comida produzida no mundo não chega a ser consumida. O desperdício de alimento começa no campo, depois da colheita, durante a cadeia produtiva e vai até o varejo e o consumidor. O desperdício por consumidores é muito maior em países da Europa e da América do Norte, enquanto as perdas no campo ocorrem majoritariamente em países africanos, do Sul e do Sudeste Asiático. A redução do total de comida desperdiçada é o maior ponto de alavancagem para um sistema sustentável de comida.

mais desperdício

menos desperdício

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P L A N T

POSITIVO

Ambiente

DIREITO À COMIDA Cada pixel no mapa representa o número de pessoas ao redor do globo que têm direito constitucional explícito à comida. Incluída no pacto econômico, social e de direitos culturais internacionais da ONU, o direito à comida é claramente reconhecido na constituição de 30 países. Atualmente, cerca de 815 milhões de pessoas no mundo não ingerem calorias suficientes para sustentar suas necessidades diárias de energia. Uma solução para esse problema, e outros relacionados com o nosso insustentável sistema alimentar, seria estabelecer esse direito nas constituições de todas as nações. No entanto, o impacto atual do direito constitucional à comida no sistema de segurança alimentar ainda é desconhecido.

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mais pessoas

menos pessoas


Pássaros em cerca da Agropecuária Água Viva, em Cocalinho: Propriedade se tornou modelo de convivência entre preservação ambiental e pecuária de alta qualidade

Nova Geração As histórias dos melhores produtores do Brasil

foto: Rogério Albuquerque


a d z o v a t r o p O l e v á t n e t s u s a i r pe cuá Caio Penido mudou o tom dos debates sobre a produção de carne bovina e a preservação do meio ambiente, e tem em sua própria fazenda o laboratório, o campo de teste e a vitrine que dão sustentação a seu discurso Por Romualdo Venâncio | Fotos Rogério Albuquerque

A partir de junho deste ano, Caio Penido deve começar a receber visitantes diferentes em sua propriedade, a Agropecuária Água Viva, localizada no município de Cocalinho, na região matogrossense do Alto do Araguaia. Na verdade, serão hóspedes. O empresário está transformando sua fazenda em uma pousada. O objetivo é criar novas possibilidades para quem quiser conferir de perto como a pecuária brasileira pode ser sustentável, em todos os sentidos, e ainda desfrutar de uma oportunidade bem diferente de lazer. Além disso, agregar valor ao negócio de produção de carne bovina comprometido com a preservação do meio ambiente. Monetizar o que é preservado é uma das bandeiras de Caio no setor. Como é peculiar em suas empreitadas na região, a ideia de agregar o turismo rural aos negócios da fazenda também visa a benefícios coletivos. “Temos potencial para sermos um polo de turismo sustentável. A maioria dos pecuaristas que investem na região mora fora daqui, em cidades como São Paulo, Ribeirão Preto, Goiânia e Cuiabá. As sedes das fazendas, estruturas com quatro ou cinco suítes e que têm um custo fixo, acabam ficando ociosas”, comenta Caio. 68

Na opinião do pecuarista, as atrações naturais da região enlouquecem quaisquer turistas, brasileiros ou estrangeiros. Ele não deixa de ter razão. Somente na Água Viva é possível encontrar um fervedor, nascente que não se vê em qualquer lugar; amplos lagos; ilhas para pesca esportiva; e o Rio das Mortes, que apesar do nome – a origem vem das antigas batalhas travadas às suas margens envolvendo povos indígenas, segundo uma das versões –, é um convite quase que irrecusável aos passeios de barco. “Por ser uma área de transição de Cerrado e Floresta Amazônica, encontramos espécies animais dos dois biomas, como pirarucu, jacaré, cervo-do-pantanal, tuiuiú, ariranha, onça e até boto”, acrescenta o fazendeiro. Chama a atenção a própria estrutura da sede, que já abrigou um mosteiro salesiano dedicado à catequização dos índios da região do Araguaia, ali por volta dos anos 1960. “Getúlio Vargas costumava passar férias aqui”, comenta Caio. A rusticidade da arquitetura original foi preservada, mas com toques de modernidade para garantir mais conforto. Bem perto da casa, há também uma capela, com as mesmas paredes grossas, peculiares às construções da época.


Sustentabilidade

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Sustentabilidade FAZENDA-BUTIQUE BASEADA EM PASTO Toda essa combinação de atrativos só faz sentido mesmo por conta dos resultados da pecuária de corte, com o gado criado exclusivamente a pasto. Caio descreve sua propriedade como “fazendabutique”. Em parte, porque considera modesta a área total de 5 mil hectares para os padrões de Mato Grosso -- e até mesmo da organização de sua família, o Grupo Roncador, que tem atuação em pecuária, agricultura e mineração e há anos aparece entre os grandes nomes do agronegócio brasileiro. A história do empreendimento, do qual Caio é acionista, já começou com 24 mil hectares, adquiridos em Querência (MT) por seu avô, Pelerson Soares Penido, em 1978. Hoje, apenas as áreas agrícolas já

Brangus”, conta o pecuarista. A reprodução é feita por inseminação artificial em tempo fixo (IATF). O manejo do rebanho é um grande diferencial na Água Viva. Tomando a IATF como exemplo, é notória a sintonia da equipe na realização das tarefas, assim como o cuidado para assegurar o bem-estar dos animais. A estrutura de concreto que leva o gado das áreas de apartação e espera até o tronco de contenção é toda construída de forma a evitar o estresse, com corredores em curva e suficientemente fechada para as vacas seguirem sempre em frente. A condução dos bichos é feita exclusivamente com bandeiras amarradas a um bastão, sem gritaria ou cutucões. “Tudo isso é resultado de um trabalho de longo prazo, como a apartação de vacas e bezerras, que

Em vez de vantagem competitiva, nossa preservação acaba se tornando uma barreira. Não faz sentido" passam de 40 mil hectares, entre terras próprias e em parceria. O produto final da Água Viva é o outro fator que define a fazenda de Caio como “butique”. A carne gourmet sustentável ganhou marca – SoulBeef – e até foi apresentada em algumas rodadas de degustação no final do ano passado. É produzida com animais (machos e fêmeas) abatidos com idade entre 24 e 32 meses, crias das 1.400 vacas. “Estamos hoje com 700 matrizes Nelore, que são inseminadas com sêmen de reprodutores Angus, e mais 700 meio-sangue Nelore e Angus, inseminadas com 70

acontece com muita tranquilidade”, diz Vinicius Pinheiro de Freitas, gerente da fazenda e responsável por toda a parte de pecuária, maquinário e equipamentos. Os indicadores de conforto para o gado estão por toda a parte. Mesmo nas áreas de pastagens mais abertas o sombreamento é assegurado por uma considerável quantidade de árvores. Essa pecuária extensiva foi intensificada com o modelo de pastejo rotacionado, que também vem sendo aprimorado. “Nossa média de lotação dos pastos era de meia unidade animal por hectare. Já chegamos a 1,2 UA/ha e a expectativa é de


alcançarmos o patamar de 2 UA/ha”, afirma Caio. As áreas rotacionadas são compostas por quatro a oito piquetes com dimensões que vão de 5 a 20 hectares. A definição de dias que o gado fica em cada piquete depende de variáveis como a dimensão da área, o número de animais e o tipo de capim. A manutenção das pastagens é crucial ao sucesso do projeto, ainda mais no Cerrado, por conta das plantas daninhas. Para se ter ideia, o custo com herbicidas gira em torno de R$ 350 por hectare, exigindo que se invista cada vez mais em tecnologia. Assim surgiu uma parceria entre a Água Viva, a Trimble e a Corteva Agriscience para obter mais assertividade e agilidade no combate às plantas daninhas. “Queremos adotar uma tecnologia de

Outro ponto favorável nessa equação é a redução na idade de abate. O pasto mais bem cuidado, somado a outras melhorias no manejo, permite reduzir o período que às vezes é de 40 meses para 30 ou até mesmo 20 meses. Com isso, cai proporcionalmente o volume de emissões de carbono por quilo de carne produzido. “Aumentamos a oferta de carne melhorando o balanço de carbono. Esse é o papo de sustentabilidade na pecuária”, observa o empresário. Caio sempre teve como meta na Água Viva a formação de um showroom da pecuária sustentável para os produtores da região. A ideia era mostrar, em menor escala, as conquistas do Grupo Roncador, como o elevado nível de produção, a excelência em gestão e o acesso a um mercado com melhor

pecuária de precisão, a weed seeker, para melhorar o desempenho na limpeza das pastagens. A Trimble entra com a tecnologia de monitoramento por scanner e a Corteva, com toda a expertise em pastagens e controle de invasoras”, explica Eduardo Menegueli Pereira, gestor da fazenda.

remuneração. Embora apresentasse uma série de atributos positivos, a fazenda, que foi adquirida por sua família em 2011, estava abandonada. Exatamente por essa condição a propriedade acabou se tornando um bom experimento em preservação ambiental. “Acabei adquirindo a fazenda da minha família e a mantive dentro do projeto de sustentabilidade do Grupo Roncador”, relata Caio. O projeto em questão é a Liga do Araguaia, formada por diversos produtores da região com a meta de estimular a expansão da pecuária sustentável e a valorização dessa produção, tanto

PRODUÇÃO, PRESERVAÇÃO E VALORIZAÇÃO Quanto melhor é a performance dos bovinos, maior é o valor agregado à fazenda por fatores ambientais, como utilização mais adequada das terras e eficiência na fixação de carbono no solo.

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Sustentabilidade

institucional quanto financeira. Daí surgiu a iniciativa Carbono Araguaia, uma parceria com a empresa Dow Química e AgroSciences (que depois da fusão com a DuPont passou a se chamar Corteva) para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GHG) em função da realização dos Jogos Olímpicos 2016. “A meta é, até 2022, neutralizar 500 mil toneladas desses gases em 89 mil hectares de pastagens distribuídas por 24 fazendas”, diz Caio, que por conta do projeto foi um dos escolhidos para carregar a tocha olímpica. Está aí uma questão que tem demandado, e recebido, cada vez mais os esforços do empresário. Essa valorização da prestação de serviços dos pecuaristas ao meio ambiente tem motivação mais do que financeira, é um resgate da imagem positiva de homens e mulheres do campo. Produtores que chegavam ao Vale do Araguaia com espírito empreendedor, como o avô de Caio, eram considerados heróis e incentivados a abrir clareiras na mata para plantar ou usar como pastagens. “Ali por volta de 2008 e 2009, ambientalistas iniciaram uma estratégia de ataque à imagem do setor para reduzir o desmatamento. Surgiu então uma onda de criminalização dos produtores. Para mim, foi um choque.” Nos últimos dez anos, Caio vem se debruçando cada vez mais sobre essa questão para entender as razões da inversão de valores e retomar a imagem positiva dos produtores rurais, o que vem ocorrendo há dois anos. O que o empresário cobra da cadeia, e incentiva toda a classe produtora a

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fazer o mesmo, é a precificação, a valorização da preservação. Até porque, frustrando as expectativas do setor, o consumidor final, de maneira geral, não parece disposto a pagar mais pelo alimento para bancar os serviços ambientais da pecuária. “Quando chega à gôndola, o consumidor quer carne mais barata. A carne gourmet atende a um nicho, que acredito ser entre 2 ou 3% do consumo brasileiro”, diz Caio. O grande desafio é definir mecanismos para colocar em prática essa precificação, e, para levar em frente essa empreitada, Caio apostou em outra habilidade profissional. ENTRA EM CENA O COMUNICADOR Formado em Comunicação Social, Caio trabalhou por sete anos com produção audiovisual. Sua produtora, a Encruzilhada Filmes, continua ativa, gerando conteúdo com ênfase na sustentabilidade – ambiental, econômica e social – das atividades agropecuárias. Também trabalhou por outros sete anos como executivo no Grupo Roncador, cuidando das áreas de mineração, calcário agrícola e novos negócios, sustentabilidade, relacionamento institucional e comunicação. Quando passou a se dedicar com mais exclusividade à Água Viva, abriu-se o espaço para ir assumindo o papel de articulador do setor. A árdua tarefa acabou se tornando menos difícil com o surgimento de novos dados, de fontes oficiais, comprovando o quanto os produtores rurais preservam a natureza. “O site Global Forest Watch publicou que 62% do território brasileiro é preservado. A informação é semelhante ao que foi divulgado pela Embrapa Territorial (66%) e, em seguida, confirmado pela Nasa”, lembra o comunicador. Esses índices reduziram as possibilidades de contestação ao discurso que Caio trazia desde 2016, reforçado pelas certificações e comprovações de sua fazenda. Como futura conquista, já bem próxima, o selo Rain Forest Alliance. “Estamos no final do processo, que é bastante rigoroso e comprova todos esses atributos de


CAIO PENIDO DALLA VECHIA | 45 ANOS, CASADO Cargo: proprietário da Agropecuária Água Viva (Cocalinho, MT) Faturamento: não informado Área total: 5 mil hectares Atividade: pecuária de corte Rebanho: 700 matrizes Nelore e 700 matrizes meio-sangue Nelore e Angus Hobbies: tocar violão e sanfona Outras atividades: é presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) e diretor de Comunicação do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac)

sustentabilidade”, comenta. Recentemente, o pecuarista comemorou a obtenção do certificado Jaguar Friendly Farm. Concedido pelo Instituto Onça Pintada, o documento atesta a existência de felinos de grande porte na propriedade, o que não era de se estranhar, mas acabou sendo surpreendente. Caio foi orientado a não criar muitas expectativas, pois poderia demorar até um ano para aparecer um felino de grande porte. “Um mês após a instalação das câmeras, quando conferimos as imagens pela primeira vez, já havia surgido onça-parda, onça-pintada e jaguatirica”, orgulha-se o produtor. A comprovação da presença de onças como indicador de sustentabilidade, de biodiversidade conservada, é outro argumento para pleitear um pagamento pelo serviço ambiental. Por outro lado, a inversão de valores volta a assombrar o setor, pois há quem associe a existência de florestas com o risco de desmatamento. “Em vez de vantagem competitiva, nossa preservação acaba se tornando uma barreira. Tanto que alguns importadores preferem comprar carne de países que não têm uma árvore nas fazendas. Não faz sentido”, lamenta. Para ele, é imprescindível que a classe produtora e os ambientalistas estejam unidos em uma agenda comum para que o debate seja mais claro e justo. Essas e diversas outras discussões são pautas permanentes de Caio à frente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, o GTPS. Ele é o primeiro pecuarista a presidir a entidade, que reúne produtores, indústria frigorífica, representantes do segmento de insumos, restaurantes, instituições financeiras

e ONGs. “Temos diferentes pontos de vista e fazemos um exercício constante para confirmar a convivência com os diferentes, o que não nos impede de chegar a uma agenda comum”, pontua o empresário, que também faz parte da diretoria de Comunicação do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac). PONTO DE EQUILÍBRIO Apesar de toda a empolgação de Caio com as diversas atribuições, dentro e fora da fazenda, dentro e fora do País – ele tem viajado com frequência ao exterior para falar sobre a pecuária sustentável do Brasil –, ele comenta que é preciso saber aproveitar bem cada uma dessas experiências. Inclusive, e sobretudo, a convivência com sua esposa e o casal de filhos adolescentes. “Tem de saber dosar as coisas”, ressalta. A verdade é que várias oportunidades de estar com a família e os amigos acabam sendo celebradas com churrasco. Outra atividade que contribui para a tranquilidade cotidiana do pecuarista é a música, que também fica melhor se for coletiva. “Toco um pouquinho de violão e de sanfona. É uma boa válvula de escape”, conta ele, que costuma fazer dueto com o filho baterista. Segundo Caio, a principal condição para manter esse equilíbrio entre as atividades, e todas serem satisfatórias, é trabalhar com o que gosta e acredita. “Não é o caso de ter um trabalho sacrificante compensado por algo relaxante. É importante que tudo seja prazeroso”, avalia. Não por acaso, Caio se despediu da equipe de reportagem da PLANT, já de shorts e chinelo de dedos, com uma caixinha de isopor devidamente abastecida com cervejinhas geladas, rumo à beira do rio. PLANT PROJECT Nº13

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foto: CNH

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É MELHOR USAR DO QUE TER Conceitos da economia compartilhada começam a ser semeados no campo e aquecem o mercado de aluguel de máquinas e equipamentos agrícolas Por Costábile Nicoletta

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foto: New Holland

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rande parcela dos produtores rurais brasileiros demonstra ter uma relação quase que de afetividade com as máquinas empregadas no plantio e na colheita de sua lavoura. Ainda hoje, a propriedade desses equipamentos lhes é tão cara, emocionalmente, quanto o próprio custo de adquiri-los, financeiramente. Uma combinação de fatores observada nos últimos anos, entretanto, começa a confrontar tradição com pragmatismo e a encorpar uma modalidade de negócio que, se não é uma novidade no campo, passou a ser encarada mais como uma estratégia para reduzir custos e menos como uma opção eventual a depender das necessidades pontuais das fazendas: o aluguel de máquinas. Conhecido em muitas das empresas pelo termo em inglês rental, o conceito começa a ser tratado como uma das tendências mais fortes para o setor de máquinas agrícolas nas próximas décadas e também coloca as lavouras no alvo de investimentos de grupos especializados na locação de veículos.

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Jogam a favor do rental atualmente fatores como a redução dos subsídios governamentais para a aquisição desses bens, a crescente preocupação dos produtores rurais de concentrar recursos financeiros em melhorias de seu negócio principal (plantar e colher), a expansão da oferta de aluguel de fabricantes dessas máquinas e de grandes locadoras e até mesmo a mudança de hábitos das novas gerações de herdeiros das fazendas. “Os filhos e netos dos agricultores tradicionais já pensam de forma diferente de seus pais e avós. Olham mais detidamente para os números, em como aplicar o capital da fazenda diretamente no coração da lavoura e veem as máquinas como elas são: uma ferramenta de trabalho”, afirma Paolo Rivolo, diretor comercial da fabricante de máquinas Case IH. “Ao fazerem as contas, entre investir R$ 1 milhão na compra de uma colheitadeira e poder fazer uso dela pagando um valor menor, mensalmente, a título de aluguel, sem custos imobilizados e de manutenção, é provável que essa nova


geração opte pela locação e que esse modelo de negócio cresça de maneira exponencial daqui para a frente.” Ainda há uma fatia gigante de agricultores mais tradicionais, que consideram a propriedade importante e valorizam ter sua própria turma de mecânicos para adaptar as máquinas ao solo de suas propriedades – processo que fica mais difícil se o produtor rural não for o dono da máquina. “Mas teremos de ver como se transformará esse paradigma com as novas gerações. Em minha opinião, acontecerá uma revolução que beneficiará a indústria de aluguel de máquinas agrícolas”, afirma Rivolo. Na Vamos – locadora de caminhões e máquinas pertencente ao Grupo JSL, um dos maiores nas áreas de logística e locação de veículos do País –, o segmento de agronegócios é o mais expressivo em sua carteira de clientes. “Representa 55% de nossos negócios, tem crescido muito nos últimos três anos e apresenta ainda grande potencial de expansão”, avalia Gustavo Moscatelli, diretor financeiro da companhia. Ele baseia seu otimismo no fato de muitas empresas de agronegócios que ainda trabalham com máquinas próprias, adquiridas quatro anos atrás com subsídio na taxa de juros, estarem entrando, agora, no ciclo de renovação de sua frota.

Ag

foto: New Holland

Agrotrends

NA PONTA DO LÁPIS Segundo o executivo, em grandes companhias de agronegócios – principais clientes da Vamos, sobretudo usinas de açúcar e álcool –, o maquinário exigido para a operação das fazendas envolve investimento de R$ 50 milhões a R$ 70 milhões. “Em vez de fazer um desembolso dessa magnitude em um segmento que não é seu negócio principal, o produtor rural pode aplicar seu dinheiro na terra e deixar esse investimento para nós, que somos especialistas na compra e manutenção das máquinas.” Pelas contas de Moscatelli, alugar é 30% mais vantajoso ao produtor rural do que comprar esses bens. Ele explica o porquê: “Um agricultor ou uma usina nos pede um trator, compramos o veículo zero-quilômetro direto da fábrica e o alugamos ao produtor. Esse ativo fica em seu plantio durante cinco anos e, depois desse período, ele nos devolve o equipamento. Como a Vamos é uma grande compradora de caminhões e máquinas, consegue adquiri-los em condições muito mais favoráveis. O mesmo se dá

Máquinas em operação nas lavouras: aluguel de máquinas agrícolas já representa 55% dos negócios do Grupo Vamos, um dos maiores do setor no País

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foto: Grupo Vamos

Ag Agrotrends

foto: ABIMAQ

Marchesan e Bastos, da Abimaq: mercado ainda é pequeno, mas pode representar nova frente de vendas para a indústria de máquinas

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na hora de revender esses bens, pois a Vamos usa as suas 41 lojas espalhadas pelo Brasil e obtém preços melhores que o produtor rural conseguiria, seja na compra, seja na revenda das máquinas ou caminhões”. As vantagens apregoadas pelos defensores do modelo de negócios de aluguel de máquinas, porém, já estão sendo usadas como instrumento de barganha por grandes empresas do agronegócio. No final de 2018, a Case IH negociava a venda de um lote de suas máquinas com usinas de cana-de-açúcar de São Paulo e, até os 45 minutos do segundo tempo dessas tratativas, as usinas não haviam decidido se adquiririam ou se alugariam as máquinas de que necessitavam. A opção do aluguel também tem sido bastante usada por pequenos e médios produtores rurais – isoladamente ou em grupo de fazendeiros vizinhos –, sobretudo do Rio Grande do Sul e do Paraná, no caso dos equipamentos da marca Case IH, quer em contratos fechados por

meio de lojas concessionárias, quer nos feitos com grandes locadoras. “O aluguel é muito importante para pequenos e médios produtores, porque eles não têm escala para ser proprietários de máquinas eficientes”, diz Marcelo Vieira, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Na opinião de Vieira, a modalidade de aluguel também foi favorecida pela mudança na legislação no ano passado, que permitiu a terceirização de operações nas fazendas. “Pode até viabilizar que um pequeno ou médio produtor invista num equipamento de alta capacidade para fazer a sua operação e a de seus vizinhos. Isso traz muito mais eficiência para a operação agrícola.” A INDÚSTRIA SE MOVE Nos escritórios dos grandes fabricantes de máquinas, o termo rental faz parte do vocabulário diário. Na AGCO – fabricante e distribuidora de equipamentos agrícolas com as marcas


foto: Alexandre Lombardi

aluguel de máquinas. Novas fronteiras agrícolas, diz ele, têm poucos prestadores de serviços/ aluguel de máquinas, enquanto regiões mais consolidadas dispõem de maior oferta de aluguel. “As janelas de plantio e colheita cada vez menores levam os produtores a ter maior número de máquinas e isso dificulta ainda mais a expansão do aluguel”, afirma Blasi. “Outro ponto igualmente importante é a tecnologia embarcada nos tratores, plantadeiras, pulverizadores e colheitadeiras, que leva o produtor a querer máquinas mais novas. No mercado de prestadores de serviços, as máquinas alugadas costumam ser mais antigas.” João Marchesan, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), reconhece que o mercado de aluguel vem crescendo, porém diz que se concentra no setor de açúcar e álcool. “Na indústria sucroenergética é mais fácil, porque o prazo de colheita é longo e os contratos podem ser fechados por um período mais dilatado. Já no segmento de grãos e proteína animal, que constitui a maior parte do agronegócio brasileiro, entendo que é mais difícil, por causa da janela de tempo muito curta. Se o agricultor ficar dependendo do prestador de serviço, às vezes pode perder essa janela, porque o locador não tem amplitude para dar atendimento

foto: AGCO

Challenger, Fendt, Massey Ferguson e Valtra –, a locação de máquinas agrícolas é uma realidade presente no mercado, atesta Alexandre Assis, gerente de contas-chave para a América do Sul. Atualmente, diz o executivo, o modelo de negócio com maior representatividade é o de locação por períodos mais extensos (três a cinco anos), principalmente para o segmento sucroalcooleiro e para a área florestal. “A AGCO atua em parceria com as principais empresas de locação do mercado e também fazendo a conexão entre os clientes finais que tenham interesse nessa modalidade e as empresas de aluguel.” Em seu ponto de vista, a modalidade de locação chamada pelo mercado de “spot” (por períodos menores) tem na questão do custo de operação um impeditivo para o seu crescimento. “Mas os contratos de maior duração tendem a crescer, uma vez que permitem à locadora tomar crédito para financiamento de longo prazo com taxas de juros mais atrativas, que, consequentemente, permitem reduzir o preço da locação.” Com o conhecimento profundo do setor, a indústria também enxerga entraves no caminho do crescimento da área. Alexandre Blasi, diretor comercial da fabricante de máquinas New Holland Agriculture no Brasil, considera que a extensão do território brasileiro é um dos empecilhos à popularização do

Rivolo, da Case IH (no alto) e Assis, da AGCO: chegada de novas gerações ao comando das propriedades ajuda a difundir o modelo


foto: AGCO

Ag Agrotrends

a todos ao mesmo tempo.” “Existem algumas barreiras para uma maior implementação. A mais significativa é a concentração de operações num mesmo período do ano. Em época de semeadura, todos estão plantando e a janela é bastante curta”, concorda Pedro Estevão Bastos, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas (CSMIA) da Abimaq. Para ele, o aluguel e o uso compartilhado são uma tendência mundial que poderá chegar ao Brasil também, todavia o mercado ainda é pequeno em relação ao total de operações agrícolas. Para ele, a oportunidade seria alugar o equipamento que estará ocioso depois do plantio para outras regiões que têm períodos diferentes de plantio. “Entretanto, o custo do frete para deslocamento dos equipamentos pode inviabilizar o negócio. Certamente o aluguel realizado por empresas com foco nesse ramo tem toda a estrutura para contratos, manutenção e transporte do maquinário.” Segundo Bastos, o agricultor que procura o aluguel está em busca de menor custo de produção. “Isso é salutar porque terá maior rentabilidade. Do ponto de vista da demanda de máquinas, a tendência ainda é muito incipiente e não afeta as vendas. Mesmo que seja significativa no futuro, haverá venda de máquinas para aluguel.” 80

MERCADO DE MÁQUINAS AGRÍCOLAS E RODOVIÁRIAS EM 2018 Vendas: Produção:

47,8 mil unidades, alta de 12,7% sobre 2017. 65,7 mil unidades, 23,8% acima da de 2017 (53 mil). Exportações: 12,7 mil unidades, diminuição de 9,1% em relação a 2017. Projeções para 2019: a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estima uma alta nas vendas internas de 10,9%, com 53 mil unidades em 2019. As exportações seguirão o mesmo patamar do ano passado, com 13 mil unidades. Já a produção de novos produtos será de 66 mil unidades em 2019, alta de 0,5%. Fonte: Anfavea

Custo do aluguel em relação ao investimento em uma máquina nova: aproximadamente 3% do valor do bem, para pagamento mensal, embora esse número dependa do tipo de máquina, do prazo de locação e do que estiver incluído no contrato, como a manutenção e/ou troca do equipamento quando necessária. Prazo de locação: de um a cinco anos, de acordo com o tipo de máquina e a finalidade a que se destina. Itens com maior demanda de locação: caminhões, tratores, colheitadeiras e colhedoras. Ramos que mais se beneficiam do aluguel: usinas de cana-de-açúcar e pequenos e médios produtores. Fontes: fabricantes de máquinas e empresas de locação


O personagem Chico Bento, de Mauricio de Souza, agora em versรฃo crescida: Um retrato da juventude que renova o setor

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Ideias e debates com credibilidade

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#COLUNASPLANT

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CHICO BENTO CRESCEU E QUER SER AGRÔNOMO AGRONOMÍDIA, POR RICARDO CAMPO* Nas redes sociais tem circulado um “meme”, que é um formato de conteúdo de humor ou paródia que viraliza rapidamente pela web, em que se coloca à prova uma questão essencial para a atividade rural no cotidiano atual, a educação. Fazendo aqui a descrição da cena, um pai se dirige ao filho, num recado direto e cheio de sabedoria sobre a realidade agrícola do passado e do presente: – “Se ontem você ficava no campo porque não estudava...” – “Hoje para ficar na roça, você vai ter que estudar!” Importante como nunca, fundamental como sempre, a educação é insumo vital para a profissionalização, gestão e continuidade dos negócios nas próximas gerações. Dentro e fora da porteira. Infelizmente, não é de hoje o gargalo para fazer chegar o ensino de qualidade aos rincões mais distantes e produtivos do nosso país. Mas, a depender de iniciativas que já representam a cooperação dos setores público e privado para reverter este quadro, há uma luz no fim da trilha que nos permite acreditar num futuro fértil e melhor. Nessa frente destaca-se o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), com atividades de formação profissional e assistência técnica para pequenos produtores e trabalhadores rurais. Já na outra ponta, representando o investimento das corporações, há um foco nos sucessores e na disseminação de práticas de gestão para as grandes famílias produtoras, como o Agrolíderes Rabobank e a Academia de Líderes Sucessores Syngenta. Com a revolução da agricultura digital e a inovação tecnológica cada vez

mais presentes nas lavouras, o modelo formal de escolas e faculdades também está em transição para um formato mais prático e atualizado para reduzir o descompasso entre academia e mercado, dando possibilidades a quem, inclusive, pretende empreender. Isso já é uma realidade em incubadoras, aceleradoras e hubs de inovação responsáveis por ensinar e desenvolver o potencial empreendedor de estudantes, pesquisadores e startups agrícolas, as AgTechs. Melhor ainda é saber que esse é um movimento que já está ocorrendo em diferentes ecossistemas, com destaque para o Pulse/Raízen e os agentes do AgTech Valley, em Piracicaba; Go SRP Agritech, em Londrina; e o Agrihub, em Cuiabá. Isso sem falar em outro exemplo de Pompeia, no interior paulista, com a atuação da Jacto e de sua Fundação Shunji Nishimura, abrigando em seu campus unidades parceiras do Senai e da Fatec, com destaque para o curso de big data no agronegócio. São iniciativas como essa que ajudam a elevar a qualidade e levar o ensino ao campo, semeando a agricultura 4.0, permitindo que a inovação seja cultivada dentro das fazendas. Com a extensão rural, a educação sai das salas de aula e mobiliza quem está diretamente em contato com a atividade produtiva. Com didática presencial ou à distância, física ou digital, além das tradicionais cartilhas, são utilizados também formatos lúdicos e de mais fácil compreensão ao homem do campo, como as histórias em quadrinhos. Pois vem justamente dos gibis um causo emblemático de quem não ficou parado no tempo e foi em busca de instrução para acompanhar a evolução do nosso caipirismo: Chico Bento Moço. Pela reação do público das cidades


#COLUNASPLANT

e pelo baixo nível de conhecimento da real importância da atividade rural em nosso país, há uma certa controvérsia na afirmação de que “o agro é pop”. Mas, sem dúvida, Chico Bento é um ícone da roça muito querido pelo público urbano e que sempre esteve presente em muitos lares do Brasil. Agora numa versão jovem, Chico Bento Moço segue uma nova trajetória ao decidir estudar agronomia para resolver os problemas de sua região. São aventuras e novas interações que elevam o roteiro a outro nível, passando por temas como a socialização na república estudantil, ataque de drones e o desaparecimento das abelhas. Mais interessante do que a evolução em busca da sua formação acadêmica é o fato de que o mesmo personagem surgiu com a finalidade de entreter e educar o homem do campo. Criado em 1963, para um papel coadjuvante, Chico Bento fazia parte das tirinhas de Hiro e Zé da Roça, publicadas na revista da Cooperativa Agrícola de Cotia (SP). Chico ganhou status de protagonista com a sua própria revista apenas em 1982, como parte da estratégia de Mauricio de Souza, seu criador, para aumentar o portfólio de estrelas da Turma da Mônica. A evolução de Chico Bento não se restringe apenas à cronologia, mas também ao formato de suas histórias em atenção à maturidade do seu público de leitores, que passaram a consumir conteúdos em diferentes formatos e hoje, como adultos, já apresentam o “caipirês” e os valores da roça para seus filhos, que aprendem a ler em novas mídias. É o caso das graphic novels Arvorada e Pavor Espaciar, o livro de receitas A Cozinha Caipira do Chico Bento feito em parceria com o chef Jefferson Rueda, proprietário do descolado restaurante A Casa do Porco, e também no

formato de animação com os curtas do Chico Bento Toy. Em um misto de orgulho e nostalgia, lembrando do tempo em que eu aprendia a ler ao folhear os meus gibis, reconheço em Chico o carisma de um dos porta-vozes mais importantes do nosso setor. Sua influência supera as barreiras da idade e, dos mais diversos títulos e heróis que habitam o universo dos quadrinhos, é ele quem ainda carrega a bandeira do interior do Brasil. Suas histórias preservam a identidade e a cultura caipira, com elementos do folclore e do sertanejo raiz. Destacam também a importância das relações sociais nesse meio, do ambiente familiar às interações em sala de aula com a professora Dona Marocas. Para uma revista que começou com a pretensão de contar as peripécias de uma versão mirim do Jeca Tatu, outro célebre personagem capiau da literatura criado por Monteiro Lobato, Chico Bento nos dá uma lição de como o agro pode seguir firme em sua evolução, sem deixar de lado a sua simplicidade de modos e costumes. Se é escrito com o canivete no pé de goiabeira ou digitado na tela do smartphone, para um final feliz no agro, “pra lá de bão”, precisamos dar asas à inovação sem deixar de lado a educação.

*Ricardo Campo é coordenador de inovação da Raízen e gestor do Pulse hub. É técnico em artes gráficas pelo Senai Fundação Zerrenner, graduado em Propaganda e Marketing pela Universidade Mackenzie, especialista em Marketing de Varejo pelo Senac e possui MBA em Marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Admira a coragem dos empreendedores rurais e sua trajetória no agro também inclui a atuação nos times de marketing da DSM/Tortuga e do Rabobank Brasil. PLANT PROJECT Nº13

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#COLUNA ESALQUEANOS

ADEALQ - HÁ 75 ANOS CONECTANDO ESALQUEANOS

ESALQ - USP

O FUTURO DO AGTECH ESTÁ NA BIOTECNOLOGIA

POR MATEUS MONDIN*

O que restará do movimento AgTech são as startups de biotecnologia. O processo de digitalização da agricultura já está consolidado e em fase de massificação da adoção, um processo muitas vezes lento e com inovações incrementais. Soluções que deveriam surgir nesta área já estão em operação e o disruptivo já aconteceu. O quadro, que não surpreende, é análogo à bolha da informatização dos anos 1970, quando muitas startups surgiram, mas apenas três ou quatro prevaleceram. Com as AgTechs não será diferente. As duas ou três empresas que sobrarão dessa digitalização e dominarão o mercado já estão em operação. As atenções deveriam se voltar às biotecnologias. As bolhas de avanços tecnológicos costumam ser volúveis e esfriam assim que o processo é massificado. É igual no agronegócio. A grande diferença é que nesses ciclos a biotecnologia permanece estável, tanto que se manteve aquecida desde a incomparável contribuição do milho híbrido no início do século 20. Usamos a biotecnologia com base na seleção há mais de 10 mil anos, escolhendo as melhores opções de variedades de plantas, cepas de leveduras, inimigos naturais, em uma lista quase sem fim. Continuará assim. Mas de tempos em tempos surgem novas ferramentas que impulsionam ainda mais nossa capacidade de solução de problemas biológicos. Por exemplo, o uso de culturas de tecidos foi uma grande bolha entre os anos 1980 e o início dos anos 1990, quando se acreditava que essas tecnologias in vitro seriam a chave para a solução dos problemas agrícolas. Mais tarde, ficou claro que não seriam, porém, são imprescindíveis na produção de flores, hortaliças, eucalipto, banana e outros produtos. Na sequência, apareceram os marcadores moleculares de DNA, que, com avanços incrementais nos últimos 25 anos, permitiram o desenvolvimento da seleção genômica, com impactos no melhoramento de plantas e na seleção de microrganismos e a promessa de acelerar o lançamento de mais variedades. Entretanto, a maior aposta veio a partir da metade dos anos 1990 com os transgênicos. Após cerca de 20 anos no mercado, essa tecnologia ainda está restrita às grandes commodities, como milho, soja, algodão e algumas outras, sobretudo por questões

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regulatórias. A tecnologia, que já foi motivo de controvérsias, não está ultrapassada, mas será reinventada nos próximos anos. A revolução mais silenciosa da biotecnologia ocorre com o uso de uma técnica conhecida por RNAi (RNA de interferência). Não são poucas as startups de biotecnologia nos Estados Unidos e no Canadá buscando soluções para a produção agrícola utilizando-se dessa metodologia. O que me surpreendeu, visitando algumas delas, foi o foco no controle de insetos-pragas. Em breve, alguns produtos devem estar no mercado. Mas a atual menina dos olhos das biotecnologias atende pelo nome de CRISPR, técnica que permite a edição de genes, conferindo-lhes novas funções ou aumentando sua eficiência, entre outras aplicações. Há novamente uma euforia de que os problemas da produção agrícola no mundo serão definitivamente resolvidos. O CRISPR poderá produzir soluções interessantes, mas não resolverá sozinho todos os problemas. Na complexa rede da produção agrícola, ainda merecem destaque o controle biológico de insetos e a disponibilização biológica de nutrientes. A interação planta-microrganismo tem oferecido produtos promissores para uma agricultura mais sustentável, com soluções no recondicionamento biológico do solo, proteção e promoção do crescimento das plantas, o que reduzirá significativamente o uso de insumos agrícolas já nos próximos anos. Resta saber como nos posicionaremos globalmente: seremos consumidores de biotecnologias ou protagonistas de uma revolução biotecnológica na agricultura? Nossos laboratórios são mundialmente reconhecidos pela competência no domínio dessas biotecnologias, entretanto o Censo de AgTech Startups Brasil 2018 mostra que pouco tem sido feito em termos de transferência da tecnologia, em um segmento cujo faturamento anual ultrapassa os bilhões de dólares. Se o Brasil quer um unicórnio AgTech, deveria apostar mais alto nas biotecnologias. * Mateus Mondin é professor do Departamento de Genética da Esalq – Universidade de São Paulo e idealizador do AgTech Valley – Vale do Piracicaba.


Sistema agroflorestal: A integração de diferentes culturas, como dendê e cacau, renovou o agronegócio de Tomé-Açu, no Pará.

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As regiões produtoras do mundo

foto: Divulgação PLANT PROJECT Nº13

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foto: Shutterstock

As regiões produtoras do mundo

A fabricante de cosméticos Natura encontrou no dendê o substituto vegetal para os óleos minerais. A mudança deu origem ao projeto Sistema Agroflorestal Dendê, implantado em Tomé-Açu (PA), que mostrou ser viável produzir palma em policultura 86


A BIODIVERSIDADE SALVOU TOMÉ-AÇU A expansão do sistema agroflorestal recuperou o agronegócio do município paraense, abriu a possibilidade de uma parceria de longo prazo com a Natura e colocou a cidade em evidência no cenário internacional Por Romualdo Venâncio

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cacau produzido em Tomé-Açu, município localizado no nordeste paraense, a cerca de 200 quilômetros da capital, Belém, foi o primeiro produto brasileiro a receber o registro de indicação geográfica em 2019, emitido no final de janeiro pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). O fato inédito no Pará beneficia a produção agrícola local de diversas maneiras, mas principalmente pela agregação de valor à cacauicultura e porque marca o início de uma nova etapa do agronegócio na região. O primeiro ciclo da produção de cacau em Tomé-Açu começou no final dos anos 1920, com imigrantes japoneses recém-chegados ao Brasil que pretendiam cultivar uma espécie perene e nativa da floresta amazônica, além daquelas com as quais já eram familiarizados, como arroz e hortaliças. Para organizar esse desenvolvimento, criaram a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta). A experiência com o cacau foi interrompida pela falta de conhecimentos técnicos para lidar com a fruta, inclusive em relação ao combate e à prevenção de pragas e doenças. A cidade só voltou a desfrutar, com o perdão do trocadilho, dos cacaueiros na década de 1970. A pimenta-do-reino, outra importante cultura local, também passou por uma situação de quebra, porém de forma mais impactante e danosa. As primeiras mudas da especiaria chegaram a Tomé-Açu em 1931, e se multiplicaram tão rápida e intensamente

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que a cidade se tornou sua maior produtora nacional. Se por um lado a importância e a valorização levaram a cultura a ser chamada de “diamante negro”, por outro estimularam a formação de vastos campos de monocultura, o que fragilizou o agronegócio local. “Nos anos 1960, um ataque de fusariose praticamente dizimou grande parte das lavouras de pimenta”, conta Dinaldo dos Santos, diretor da Camta. A fusariose é uma doença de solo causada por fungos do gênero Fusarium que ataca as raízes das plantas, prejudicando seu desenvolvimento, sua produtividade e, por consequência, a lucratividade do produtor. RETOMADA PELA VARIEDADE A máxima otimista de que tudo tem um lado bom ganhou força entre os produtores de Tomé-Açu. Os tropeços com o cacau e a pimenta-do-reino se transformaram em aprendizado, e, mais tarde, em uma crescente geração de novos negócios e até de um sistema de produção patenteado. A mudança começou pelas observações do ex-diretor de Assistência Técnica da Camta, Noboru Sakaguchi, japonês nascido na província de Wakayama e formado em Engenharia Florestal pela Universidade Agrícola de Tóquio, que contou com o apoio da Japan International Cooperation Agency (Jica) para suas pesquisas. Santos conta que Sakaguchi navegou pelos rios da região para conhecer a forma


Tomé-Açu

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Pimenta-do reino e cacau: tropeços no cultivo se tornaram aprendizados

do e cacau em sistema agroflorestal”, comenta Santos, lembrando que esse trabalho foi impulsionado por Masaaki Yamada, professor da Universidade de Agronomia e Tecnologia de Tóquio, com apoio da Jica, a Agência de Cooperação Internacional do Japão. PARCERIA COM A NATUREZA O Safta ganhou notoriedade e atraiu outras instituições que tinham interesses semelhantes no que diz respeito ao agronegócio sustentável, ou seja, a produção agrícola em sintonia com a preservação do meio ambiente. Esse é o conceito que aproximou a Camta e a Natura, em uma parceria que também envolve a Embrapa Amazônia Oriental, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a United States Agency for International Development (USAID) e o Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (Icraf). A multinacional brasileira de cosméticos faz jus ao nome e tem sua marca estritamente associada

a produtos naturais. Por isso, em 2006, a Natura iniciou um processo de substituição de matérias-primas derivadas de petroquímicos. “Na busca por substitutos dos óleos minerais, chegamos aos vegetais, e o de palma foi o mais interessante. Além da oleína, que vai para a parte líquida; temos a parte sólida, que é destinada aos sabonetes”, explica Daniel Gonzaga, diretor de Inovação e Desenvolvimento de Produtos da Natura. Mas o óleo de palma ou óleo de dendê não poderia vir de qualquer origem. “Descobrimos que a produção desse óleo estava muito associada à destruição de matas e florestas em países como a Malásia e a Indonésia, tanto o destinado ao segmento alimentício como a outros setores”, conta Gonzaga. “Buscando um modelo que pudesse ser mais sustentável, chegamos à produção de palma em áreas devastadas, antigos pomares e áreas abandonadas. Seria uma reestruturação desses espaços, mas não como monocultura e sim de forma a ter biodiversidade.”

foto: Natura

de vida dos povos amazônicos e viu que grande parte dos cultivos era feita como policultura, envolvendo lavouras e árvores frutíferas: arroz, cupuaçu, goiaba, hortaliças, jaca, jambo, laranja, limão, mandioca, melancia, milho, entre outras. “Essa estrutura dava mais equilíbrio e estabilidade às famílias, pois além do alimento próprio conseguiam excedente para comercializar”, comenta. A partir daí começaram a tomar forma os primeiros modelos de sistema agroflorestal de Tomé-Açu. A princípio, foram escolhidas plantas que não eram atacadas pela fusariose, como o maracujá, o cacau e algumas árvores amazônicas. “Foram várias tentativas e diversos arranjos, até que começou a dar certo. Hoje, temos mais de 200 arranjos resultantes dessas experiências, formando um verdadeiro laboratório agroflorestal”, diz Santos. O consorciamento entre essas culturas foi elaborado de forma a garantir renda em curto, médio e longo prazos para os produtores. A evolução e os bons resultados dessa nova agricultura da cidade levaram à patente do Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu, o Safta, que já vem sendo replicado em outros estados e países. “Por meio de um projeto socioambiental, desde o ano 2000 a Camta vem difundindo o Safta em mais de 25 comunidades de pequenos produtores distribuídas por Pará, Alagoas e Amazonas. Também temos atuado por mais de quatro anos na zona norte de La Paz, região amazônica da Bolívia, com arroz irriga-

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RAIO-X TOMÉ-AÇU (PA) População: 62,8 mil habitantes (estimativa de 2018) Território: 5.145,3 km2 de extensão Estabelecimentos agropecuários: 3.051 Área ocupada pelos estabelecimentos: 240,37 mil hectares Lavouras: 31,6 mil hectares Pastagens: 55,3 mil hectares Florestas: 118,1 mil hectares Sistemas agroflorestais: 14,7 mil hectares Alguns dos principais produtos agrícolas:

TOMÉ-AÇU

ESTABELECIMENTOS PRODUÇÃO (TON)*

Cacau........................................ 650............. 709.141 Dendê.........................................100..............47.685 Pimenta-do-reino.............2.036...................3.311 Açaí.............................................952................ 5.246 * Dados referentes a 2017. Fonte: IBGE e Prefeitura de Tomé-Açu

Este foi o início do projeto SAF Dendê, sistema agroflorestal baseado na implantação de três unidades demonstrativas, cada uma com seis hectares. “O projeto foi implementado em terrenos de pastagem degradada, pomares abandonados e capoeira, combinando espécies com diferentes ciclos de produção”, afirma Camila Brás, pesquisadora de Ingredientes Naturais da Natura. Do ponto de vista agronômico, a integração de diversas culturas tem o objetivo de um favorecimento mútuo. Já na questão econômica, a meta inicial era assegurar renda permanente aos produtores. Além do dendê, a espécie principal, o projeto envolveu cacau e açaí; opções de plantas madeireiras, como andiroba, jatobá, taperebá e mogno-brasileiro; e outras adubadeiras para ajudar na nitrogenação do solo, a exemplo da mandioca e do margaridão. A biodiversidade proposta e construída por meio desse projeto pode ser vista de qualquer ângulo que se olhe para a vegetação. 90

Principalmente quando se vê do alto, em comparação com áreas onde ainda prevalece a monocultura. A diferença entre os dois sistemas fica mais evidente quando são confrontados os resultados. “Mesmo com um número menor de árvores de palma no sistema agroflorestal, conseguimos maior produtividade”, comenta Gonzaga. No agroflorestal, a média é de 100 plantas por hectare, enquanto na monocultura é próxima de 140. “Além disso, o sistema agroflorestal de produção gera três vezes mais valor ambiental”, complementa Camila. GANHO PERMANENTE Mais de dez anos após sua implementação, o SAF Dendê mostrou uma série de benefícios que só estimulam sua expansão, processo que já está acontecendo. Embora ainda seja um experimento, o projeto já avançou para 38 hectares, com aporte de US$ 2,4 milhões obtidos pela Natura, com a Embrapa, a Camta e o Icraf. Também vieram US$ 2,37 milhões da USAID – e

esta é a primeira vez que um projeto brasileiro recebe recursos do fundo americano. “Nossa intenção é fortalecer esse modelo de criar mecanismos de expansão de cultivo do dendê no sistema agroflorestal, o que pode gerar emprego, renda e preservação ambiental em nível global, com impacto positivo”, diz Gonzaga. “O projeto tem criado oportunidades para os negócios da região e gerado movimentação econômica.” Isso tudo tem despertado o interesse das grandes companhias da região. Santos, da Camta, diz que, quando o SAF Dendê foi implementado, a visão de muitos empresários era de desconfiança, não acreditavam que daria certo. “Agora, até a Agropalma, que deve ter cerca de 40 mil hectares na região, começou a trabalhar com o sistema que fazemos”, diz, orgulhoso, o diretor da Camta, que hoje conta com 172 cooperados, mais de 2 mil fornecedores de matéria-prima e gera cerca de 10 mil empregos durante o ano, entre diretos e indiretos.


Aline Marinho e Joana Angélica, do Churras Delas: As mulheres também brilham na nova onda dos churrasqueiros influenciadores

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A grande feira mundial do estilo e do consumo

foto: Divulgação PLANT PROJECT Nº13

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W WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

O ex-chef Romulo Morente: “Diferente da cozinha, onde há uma corrida contra o relógio para entregar o produto, no churrasco respeitamos o tempo do alimento” 92


O ESTRELATO DOS CHURRASQUEIROS Além de luvas pretas, avental de couro e farto conhecimento sobre os processos da carne, desde a criação do boi até o preparo, as novas estrelas dos assados têm em comum um jeitão meio rude e uma ousadia que atrai cada vez mais seguidores

foto: André Mello

Por Flávia Tonin

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foto: Leo Feltran

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runo Panhoca chegou cedo para participar de um festival de churrasco em Botucatu (SP) – ainda faltavam 30 horas para o início do evento – trazendo um aparato que mais parecia uma mariafumaça. A churrasqueira conhecida por pit ou smoker, nome americano dado à estrutura de defumação, tem capacidade para preparar 250 quilos de carne ao mesmo tempo. Apesar de toda essa “potência”, a arte ali criada demanda paciência. Por isso, mesmo com a suposta folga de tempo, a lenha já queimava lá dentro, encorpando a fumaça. Pode parecer ansiedade, mas quem está acostumado com os assados longos entende bem a chegada antecipada de Panhoca ao local que sediaria, na noite seguinte, um encontro restrito para cerca de 300 pessoas. Eram convidados e participantes de um curso ministrado por Roberto Barcellos, engenheiro agrônomo que se especializou no desenvolvimento de programas e marcas de carne com alto padrão de qualidade. O curso, realizado no primeiro final de semana de dezembro do ano passado,

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reuniu a 15ª turma que se dedicava ao BBQ Secret Camp, uma espécie de “acampamento da carne”, um fim de semana voltado a conhecer detalhes da produção de qualidade. Na plateia, donos de food trucks paulistanos; filhos de pecuaristas do Centro-Oeste; responsáveis por casas de carne de todo o Brasil e, principalmente, os “entusiastas”. Assim eram tratados, ali, aqueles churrasqueiros de final de semana que investem em equipamentos sofisticados, adoram impressionar a família e os amigos com muito conhecimento de causa e uma carne especial, e lideram um movimento que está elevando os assados a um novo conceito. Mas, se o churrasco existe desde que o mundo é mundo, o que há de tão diferente nessa nova onda? Para começar, a carne subiu alguns patamares no quesito qualidade, ganhou em estilo e passou a ter personalidade. Barcellos explica que, desde a fazenda, essa primorosa matéria-prima é arquitetada para atender a uma série de características – em especial sabor e maciez – exigidas pela clientela que busca algo


Churrasco

especial e paga o preço por esse diferencial. “É um produto que tem uma história para contar”, afirma. A indústria, por sua vez, passa a processá-la com mais rigor para que não caia na desvalorizada vala da carne commodity. Na ponta de lança desse movimento, os churrasqueiros profissionais se tornaram uma espécie de ourives dos assados e ganharam status de verdadeiras celebridades entre os “carnívoros”. Basta ver o espaço que têm ganhado nas redes sociais, sobretudo no Instagram. O número de seguidores de Panhoca na rede, por exemplo, passa de 17,6 k (no universo das redes sociais é mais usual a letra “k” para expressar múltiplos de mil). Todos querem ser um pouco como eles. Ter uma faca assinada, copiar um estilo ou até usar o mesmo sal, ainda que custe R$ 120 o quilo. Em geral, esses nomes são revelados em eventos de churrascos após a aprovação das loucuras que apresentam, como assar carnes em varais, finalizar o cozimento em pás direto na brasa ou em imensos latões. Corajosos, não temem a exposição da degustação. “Se a sobrancelha levantar, o paladar impressionou”, diz Panhoca sobre um dos primeiros sinais do resultado de seu trabalho. E, naquela noite, não foi diferente. Após o curso de Barcellos, a estrela da festa saiu de seu pit: o brisket. É uma carne linda, defumada por mais de dez horas, que fica coberta por uma crosta negra. Porém, ao ser

cortada, o colorido que surge é o vermelho nas bordas e o marrom ao centro. Tem firmeza, mas não dá trabalho aos dentes. Já a língua se confunde para identificar a enxurrada de sabores. O brisket é um dos exemplos do aproveitamento e do valor agregado de todas as partes do boi nessa nova onda. O corte é retirado do peito, uma área dos animais pouco valorizada até então, tanto que custava R$ 9 o quilo. Agora, nas mãos dos novos churrasqueiros, há pratos prontos a R$ 100. Esse é o assado preferido de Panhoca, cujo contato com a cadeia da carne havia sido apenas na infância. Profissionalmente, chegou a advogar, mas sua principal carreira, por mais de 20 anos, foi em uma agência de publicidade, dando vida às mais diversas marcas com a criação de anúncios. Já entre os amigos, sua fama era única, a de churrasqueiro. O tratamento da vocação como lazer teve data para acabar quando, com 42 anos, após participar de um evento de churrasco, ficou maravilhado com aquela apoteose. Decidiu que não se tornaria o tiozão da agência, mas que daria nova roupagem ao tiozão do churrasco e assumiu o posto como profissão. “Se eu perdesse o momento em que o mercado começou a crescer, eu não recuperaria.” Por opção, investiu em pesquisas de tendência, estudou carnes, viajou para formar conhecimento e, perspicaz,

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Bruno Panhoca, ao lado do pit: “Se a sobrancelha levantar, o paladar impressionou”

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Churrasco

foto: Antonio Collins

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EVENTOS DE CHURRASCO S U S T E N TA M A O N D A DOS CARNÍVOROS Em 2018, eles pipocaram pelos finais de semana, nos mais diversos lugares do Brasil. Dos superproduzidos, passando pelos filantrópicos, aos rústicos de pequenos grupos. Em geral, os eventos concentram as estrelas do churrasco para comandar um preparo especial por horas. Esse é o segredo, segundo o curador de festas e churrasqueiro, Fernando Rodrigues. Nos eventos, o consumidor paga a entrada, com preço que pode variar de R$ 100 a R$ 300 por pessoa, e pode comer e beber à vontade. Alguns chegam a movimentar R$ 500 mil em um final de semana. A última edição do Bárbaros BBQ, realizado em setembro do ano passado, em Americana (SP), por exemplo, recebeu 3 mil pessoas, que consumiram 5 toneladas de carne. Precursor, ao organizar a Churrascada em 2015, Rogério Betti avalia que “o mercado saiu da inércia”. Sua ideia cresceu tanto que nesse ano foram cinco eventos que, somados, reuniram 8 mil pessoas. “Nossa proposta é que se coma menos, porém, melhor”, diz, destacando que a atividade traz reconhecimento à produção de qualidade. É uma mudança de conceito que coloca ordem em uma cadeia que precisava desse apelo.

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encontrou a oportunidade comercial em uma lacuna: a falta de entendidos em defumação. Até então, a maioria dos brasileiros torcia o nariz para essa modalidade, sobretudo pela falta de domínio do sabor final. “Era algo que pouco se sabia. E em pleno 2016 eu poderia me tornar um pioneiro”, conta Panhoca. A possibilidade de vanguarda colocou mais lenha para que assumisse de vez a missão de “defumar o mundo”, como ele gosta de dizer. Com uma delicadeza e um bom humor característicos, Panhoca entrega seu conhecimento e histórias a qualquer um que se aproxime para uma conversa. Explica tecnicamente as raízes ancestrais, os efeitos químicos como também o processo que ocorre ao assar uma carne corretamente. Mas não é impositivo. Para ele, o que importa é que essa tendência impregne na sociedade brasileira, assim como a fumaça gruda nas roupas e nos cabelos de quem passa perto do pit. Ainda que o cheiro não seja dos mais agradáveis, a boa lembrança é inquestionável. CRIATIVIDADE QUE TRANSBORDA Naquele mesmo final de semana de dezembro, na capital paulista, a chef Paula Labaki, conhecida entre os churrasqueiros como “Rainha da Brasa”, sorria satisfeita por um feito: conseguiu assar com a lenha em pé. “É um


foto: Divulgação

foto: Divulgação

Paula Labaki, a “Rainha da Brasa”: “Não existe carne de segunda, mas boi ruim”

poder de calor muito forte que dá para brincar bastante”, diz Paula, maravilhada. Diferente do ovo que fica em pé apenas em Macapá (AP), exatamente na linha do Equador, é possível fazer churrasco com o tronco na posição vertical em qualquer lugar. O fogo concentrado consome a madeira do centro para as bordas, em estrutura inédita. O teste, arriscado, foi feito na finalização de um de seus cursos, negócio que, aliás, se tornou importante fonte de renda para os churrasqueiros dessa nova safra. “Tenho muito foco em formar e informar sobre a cadeia produtiva”, comenta a assadora, que tem mais de 40 mil seguidores no Instagram. Paula está há cerca de dez anos no negócio do churrasco, já tendo feito assados até na Tasmânia e na Austrália, e tem uma trajetória bem mais ampla na gastronomia, segmento em que também ficou conhecida por criar e experimentar soluções inusitadas. Esse prazer pela inovação, pela experimentação de novas possibilidades de

preparo é algo que vem de família, que tem origem na roça. Ela morou até os 16 anos em uma fazenda, onde seu pai criava animais e cultivava café. Segundo Paula, era muito comum sua mãe surgir com diferentes opções de aromas e sabores que encontrava em meio à variedade da flora do campo. O que fez foi aprimorar essa capacidade de surpreender vinda daquelas pitadas de temperos não convencionais. Mesmo com o fim da vida rural, Paula manteve seu relacionamento com o campo. Sua família é tradicional selecionadora de gado leiteiro da raça Jersey, inclusive com importação de animais para aprimorar o rebanho brasileiro. A produção de carne bovina com padrão de qualidade elevado e outros diferenciais também faz parte dessa história. Primeiro com o investimento em animais Piemontês, raça de origem italiana que fornece uma carne com menos gordura, e depois com o gado mestiço Brangus, derivado do cruzamento entre o britânico Angus e o zebuíno Brahman –

no caso do Brasil, o Nelore. Essa proximidade com a agropecuária dá ainda mais argumentos a seu trabalho, assim como aumenta a responsabilidade. “O vínculo da fazenda com o prato é inegável”, diz. Para os preparos, Paula escolhe a origem do produto a dedo, pois dá preferência para assados longos, de animais inteiros, em fogo de chão. “Não existe carne de segunda, mas boi ruim”, afirma. Ela foi uma das primeiras a pendurar grandes cortes em varais ou em estruturas diferenciadas, ousadia que até lhe rendeu ataques nas redes sociais. Mas não se intimida. “Respeito é saber como o boi foi criado, se o abate foi humanitário e aproveitálo por inteiro, sem desperdício”, defende a assadora, ao recordar-se do preparo do coração bovino, algo pouco comum no Brasil. Quem também advoga pelo aproveitamento total da carcaça é o zootecnista Eduardo Pedroso, especialista em carnes, colunista da PLANT e diretor de Originação da JBS. Ele lembra que apenas 10% do animal se aproveita em PLANT PROJECT Nº13

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foto: André Mello

foto: Divulgação

carnes nobres. “A picanha é 1% da carcaça”, relata, referindo-se ao corte que se tornou uma paixão dos brasileiros. Portanto, reconhece que a ampliação do mix de cortes incentivado pelos churrasqueiros é um benefício para toda a cadeia. “Há diluição de custo, maior eficiência e competitividade.” Pedroso afirma que o ponto de equilíbrio para um projeto regional de produção de carne de qualidade é de 1.200 animais ao mês. “Se ultrapassar esse limite a conta não fecha”, avalia, sobre o valor agregado pago ao boi que, porém, não é repassado a todas as peças na gôndola. O segredo está em administrar vários canais de venda, como o grande varejo, food service (restaurante), exportação e as butiques de carne. Exemplo dessa eficiência é o crescente mercado da carne com a marca 1953, lançada pela JBS após a empresa identificar um crescimento de 70% no mercado de carne gourmet no final de 2017. A demanda puxada se confirmou por mais um ano.

A satisfação com o desempenho do setor se transformou em celebração, também no primeiro final de semana de dezembro de 2018. Parece até que foi uma data comemorativa para saborear um churrasco requintado. No caso dessa festa, o comando do fogo estava a cargo da dupla Aline Marinho e Joana Angélica, do Churras Delas. “Os eventos corporativos são sempre muito especiais, mas foi a primeira vez que fomos aplaudidas”, recorda Aline, sobre a surpresa daquele dia. Também não é para menos, no cardápio havia chorizo com tomatinho confit, bife ancho com queijo brie e manjericão; frango defumado ao molho honney mostard e prime rib suíno com goiabada. É ou não é de dar água na boca? Com formação em medicina veterinária e zootecnia, respectivamente, foi nas grelhas, ou parrillas, que Aline e Joana descobriram seu real posto dentro da cadeia produtiva da carne. E acertaram. Fazem sucesso nos

eventos corporativos, o terceiro e principal filão dos churrasqueiros profissionais. Nessa área não há um modelo a ser seguido, mas personalização de acordo com o tamanho e o resultado esperado. A conta beira os R$ 3.000 para um grupo de 20 pessoas, informa Aline. O valor é mais do que o dobro de uma diária nos eventos de churrasco, além da comodidade de escolher a carne que será preparada. “Gostamos de saber a origem do produto. Nos dá segurança”, explica. Como representante feminina, lembra que fazer bonito no churrasco também concretiza sua missão pessoal, a de “mostrar que a mulher pode estar em qualquer lugar que queira”. O ambiente, apesar de masculino pela rudez das facas, fogo e lenha, tem muito espaço para elas. “As pessoas param quando veem uma mulher assando”, diz. “Querem dar palpite”, conta aos risos. “Mas depois reconhecem que ficou bom e repetem”, acrescenta Aline, que incentiva a maior presença feminina no setor.


CHURRASQUEIROS NO INSTAGRAM: O Instagram é onde o churrasco virtual acontece. É frenética a interação com troca de informações sobre tipos de assados, produtos, equipamentos, eventos e o que mais for relacionado ao segmento. Claro, também sobram postagens das obras de arte dos influenciadores. Pedimos a Rogerio Betti, da De Betti, com 191 mil seguidores, e Roberto Barcellos, da Beef and Veal e BBQ Secrets, com 70 mil seguidores, para que elegessem os principais churrasqueiros que causam nas redes. São eles:

W

foto: André Mello

Churrasco

@alderglopes (130 mil seguidores) @marioportellamg (118 mil seguidores) @danieljslee (85 mil seguidores) @reinaldolee (47 mil seguidores) @robertoravioli (46 mil seguidores) @plabaki (40 mil seguidores) @romulomorente (36 mil seguidores) @jeferson_finger (27 mil seguidores) @panhoca (17 mil seguidores)

HORA DO DESCANSO Embora a rotina de trabalho dos churrasqueiros seja quase sempre em ambiente de festa, engana-se quem pensa que pedem uma pizza quando estão de folga. Aquele mesmo primeiro final de semana de dezembro, em que todo esse pessoal trabalhava em festivais, cursos ou eventos corporativos, foi o único que Romulo Morente reservou para si. Guardou a data para comemorar seu aniversário com... churrasco! Em uma celebração tão especial, nada melhor do que ficar ao redor do fogo, saboreando algo exclusivo. Esse ritual que agrupa, agrega, agrada e agradece é o quarto motivo que dá vida ao mercado. Formado em gastronomia, o paulista de 31 anos, que atuava em restaurantes na capital

paulista, como a reconhecida casa Italiana Pomodori, não tinha lá tanto apreço pelo churrasco. Até então, era algo subjugado aos finais de semana ou dias de folga, como um hobby ou atividade extra. Mas Morente se deu conta de que estava perdendo uma oportunidade. Detalhista, entendeu que ao dedicar-se ao churrasco teria mais liberdade, tempo e alternativas para sua arte. “Diferente da cozinha, onde há uma corrida contra o relógio para entregar o produto, no churrasco respeitamos o tempo do alimento”, diz. Somado a isso, o trabalho passa a ser feito ao ar livre e sem a mesma pressão da rotina de um grande restaurante. Tanto que a preferência de Morente é pelo preparo de peças grandes penduradas, cordeiro na estaca,

costela na grade ou um tipo de assado no qual o alimento é enterrado sob o fogo e ali fica por horas. Algo realmente impossível de ser realizado dentro de uma cozinha. As práticas no chão são exemplos da influência uruguaia na carreira de Morente, e aliadas à técnica da gastronomia garantem uma boa mistura. “Entender as combinações da gastronomia me ajudou muito”, evidencia, citando o aproveitamento de molhos em seus preparos. Para este ano, o churrasqueiro está confiante na maior busca dos entusiastas por conhecimento do produto e de suas formas de preparo. A disseminação da informação e a melhor compreensão por parte do público sobre o valor da carne com alto padrão de qualidade beneficiam toda a cadeia produtiva. PLANT PROJECT Nº13

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W Mercado

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QUANDO O LUXO É AGRO Marcas icônicas como Ermenegildo Zegna, Chanel, Hermès, Dior, Louis Vuitton e Godiva investem na produção no campo para obter as matérias-primas que fazem a fama de suas peças exclusivas Por Amauri Segalla

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W Mercado

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rifes de luxo costumam ser associadas aos grandes centros urbanos, às lojas elegantes em endereços exclusivos de cidades como Nova York, Paris e Milão e às modelos de fama internacional. Essa imagem, construída de bom grado pelas próprias empresas, certamente é verdadeira, mas não encerra todos os aspectos que envolvem o negócio bilionário de marcas como Ermenegildo Zegna, Hermès, Chanel, Dior, Armani, Prada, Louis Vuitton, Rolex, Godiva e tantas outras famosas pela sofisticação. Há um lado pouco conhecido – mas igualmente importante – das grifes que tem chamado cada vez mais a atenção: a conexão delas com o universo agro. Apesar de o casamento do luxo com o campo ter raízes históricas, um movimento crescente aproximou ainda mais os dois mundos nos últimos anos. “Em tempos de preocupação com sustentabilidade, de respeito ao meio ambiente e de produção equilibrada em todas as pontas do negócio, as grandes grifes de luxo estão investindo cada vez mais na chamada integração vertical”, diz Eduardo Tancinsky, consultor especializado em marcas. “Com a integração vertical, elas passam a ter o controle total do processo e usam isso como chamariz para dizer ao mercado que seus produtos possuem qualidade superior.” Em outras palavras: possuir uma fazenda – e controlar toda a cadeia de suprimentos – Couro de cobra píton (página anterior) e a mítica Piton Bag da Gucci: para garantir fornecimento e qualidade, controladora da marca comprou fazenda de criação de serpentes na Tailândia

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acrescenta uma aura bem-vinda e artesanal a qualquer marca. Se a integração vertical funciona como uma jogada esperta de marketing para seduzir consumidores cada vez mais conscientes (que empresa não quer escancarar para o mundo que seu couro de crocodilo vem de uma fazenda sustentável?), ela também contribui para a melhora dos resultados financeiros. “Pesquisas recentes mostram que a verticalidade, se bem aplicada, dinamiza o processo produtivo e ajuda a reduzir custos”, diz Tancinsky. Isso explica por que as companhias titânicas de luxo começaram a investir com força nesse modelo de negócio, colocando literalmente o pé na lama. O grupo francês Kering, dono de marcas como Balenciaga, Gucci e Yves Saint Laurent, comprou em 2017 uma fazenda tailandesa produtora de cobras píton. Com até 7 metros de comprimento, as cobras píton são as maiores serpentes do mundo e fornecem a matéria-prima para a produção dos couros usados nas bolsas da marca Gucci, que custam a partir de 2 mil euros nas lojas de Paris. A ligação da Kering com o universo agro é bastante íntima. Não à toa, sua diretora de sustentabilidade é uma engenheira agrícola que chegou a ser ministra do Meio Ambiente da França entre 2010 e 2012. Contratada em 2013 para tornar os processos do conglomerado mais sustentáveis, Marie-Claire Daveu é uma das autoras do plano estratégico de dez anos elaborado pelo grupo para fortalecer a sua pegada ecológica. Atualmente, a executiva está trabalhando com fazendeiros de cabras da Mongólia para garantir suprimentos mais sustentáveis de cashmere e com produtores de lã fina da Nova Zelândia para que desenvolvam técnicas menos agressivas ao meio ambiente. Marie-Claire também garante que o ouro usado nos acessórios das marcas da empresa foi “eticamente minerado”, o que significa, segundo ela, que sua extração


fotos: Divulgação

gera os mínimos danos possíveis ao planeta. A empresa continua ampliando as conexões com o agronegócio. Depois de comprar a fazenda de pitons na Tailândia, adquiriu a France Croco, uma das maiores produtoras de couro exótico da França, com sede na Normandia. A aposta na integração vertical é a principal responsável pelo recente fortalecimento dos braços agro das grifes de luxo. Famosa pelas gravatas de seda e pelos artigos de couro, a Hermès tem investido com assiduidade em animais vivos. Nos últimos anos a empresa comprou uma fazenda de jacarés na Louisiana, nos Estados Unidos, e duas fazendas de crocodilos na Austrália. Para administrar esses empreendimentos não basta ter apenas estilistas, designers e costureiros, os profissionais mais requisitados – e bem pagos – do universo do luxo. É preciso um pequeno exército de biólogos e engenheiros agrônomos, assim como fazem as grandes líderes globais do ramo do agronegócio. A Hermès vai além: há dois anos, começou a estreitar os laços com as Agtechs, empresas de tecnologia ligadas ao universo agro, financiando pesquisas para o desenvolvimento de vacinas contra micoses que causam cicatrizes na pele dos bezerros. No exigente mercado de luxo, apenas duas em cada dez peles são boas o suficiente para a confecção de bolsas, mas as novas vacinas deverão melhorar essa relação e garantir que produtos perfeitos cheguem ao mercado.

Nenhuma outra grife de luxo esteve tão próxima do ambiente rural ao longo de sua história quanto a Hermès. A empresa surgiu em 1837, quando o artesão Thierry Hermès abriu uma selaria em Paris, onde eram confeccionados arreios, selas e outros equipamentos para cavalos. Com o surgimento do automóvel, que despertou o turismo principalmente na Europa e nos Selas e artigos de couro da Hermés: empresa que nasceu com a produção de arreios hoje investe em startups do setor

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W Mercado Chocolates da Godiva e a lã da Zegna: controle dos processos, da fazenda às lojas luxuosas

fotos: Divulgação

Estados Unidos, a selaria começou a fabricar bagagens de couro para viagens, que logo se tornaram objeto de desejo dos ricos. Depois vieram bolsas femininas, relógios, artigos para decoração, perfumes, roupas femininas e masculinas e, é claro, os lenços e gravatas de seda, ainda hoje ícones da moda internacional. Agora, ao investir na integração vertical, não é exagero dizer que a Hermès está de volta às origens, reaproximando-se do ambiente rural. A redescoberta agrícola também transformou a estratégia de negócios da grife Ermenegildo Zegna, que começou a construir a reputação de seus ternos de lã a partir de 1910, quando foi fundada por um alfaiate de Trivero, na Itália. Mais de um século depois, Paolo Zegna, herdeiro da marca, resolveu se embrenhar no campo. Todo mês, ele troca a moderna sede da empresa em Milão pela empoeirada Armida-

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le, a 500 quilômetros de Sydney, na Austrália. É nessa cidade, rodeada por rios e chão de terra batida, que as lãs superfinas usadas nas roupas da Ermenegildo são produzidas. Nas ocasiões em que visita a fazenda -- algo cada vez mais comum depois que Paolo tomou gosto pela vida rural --, o executivo deixa de lado os suéteres bem cortados para vestir jeans, mangas de camisa, botas e chapéu de caubói. Batizada de Achill, a propriedade está no ramo de criação de ovelhas há mais de um século, e pertence à grife italiana desde 2014. Para Paolo, a decisão de comprar a fazenda não poderia ter sido mais acertada. “Achill nos permitiu fechar o círculo”, disse Zegna em entrevista publicada pelo jornal australiano The Saturday Paper. “Os clientes de hoje querem saber de onde vieram os produtos que estão comprando. Agora podemos dizer que nosso negócio vai desde a criação de ovelhas até a gestão das

lojas. Ou seja, na Zegna o cliente tem a garantia de que, do primeiro ao último passo, está tudo sob controle.” Para uma grife de chocolates como a belga Godiva, o ambiente rural sempre foi tão vital para os negócios quanto suas lojas sofisticadas que fazem a alegria dos turistas na Europa e nos Estados Unidos. A empresa, fundada em 1926, mantém parceiros produtores de cacau em lugares tão distintos quanto Venezuela, Costa do Marfim, Cuba e Madagascar. -“Um dos segredos da marca é a aposta em sabores exóticos e para isso ela sempre recorreu a fornecedores do mundo inteiro”, diz o consultor Eduardo Tancinsky, especializado no universo do luxo. Ele cita como exemplo o mel usado em alguns dos bombons da Godiva, que é produzido por agricultores da Tasmânia, na Austrália. Além de contar com uma rede global de fornecedores, a empresa mantém fazendas próprias na África Ocidental. Maior conglomerado de luxo do mundo, o grupo LVMH, que detém marcas como Veuve Clicquot, Givenchy, Louis Vuitton, Bulgari e Marc Jacobs, também entrou na onda da integração vertical, conectando-se cada vez mais ao agronegócio. Em 2017, o LVMH pagou US$ 13,1 bilhões para assumir o comando da Christian Dior. Entre outras medidas, o negócio resultou no controle total da cadeia de suprimentos da marca. Recentemente,


fotos: Divulgação

a Dior fechou acordos com agricultores na Suíça e na África para garantir o fornecimento de ingredientes vitais para seus cremes, além de comprar terras na região de Grasse, a capital de perfumes da França, com milhares de hectares destinados ao cultivo de flores. Segundo Edouard Mauvais-Jarvis, diretor de comunicação científica da Dior, a ideia por trás desses investimentos é garantir a qualidade dos produtos e facilitar o seu rastreamento. A Chanel é vizinha da Dior no cultivo de jasmim e rosas na região de Grasse. Lá, criou, em parceria com uma startup, um sistema especial de extração para evitar que as flores sejam machucadas durante o processo de transporte. A marca tem investido em inovações no campo. Há alguns anos, reintroduziu em Grasse a espécie de flores brancas florentine iris, que produz um extrato usado no seu perfume número 19. Não foi o único investimento feito pela empresa no agronegócio. Pouco tempo atrás, assinou uma parceria com um produtor de sândalo – planta de onde se obtém óleos utilizados nos perfumes – da Nova Caledônia, arquipélago na Oceania conhecido pela flora exótica. As grifes de luxo têm contribuído nos últimos anos com o notável processo de inovação no campo. A suíça Rolex, referência mundial em relógios e acessórios, produz equipamentos que ajudam a melhorar sistemas de irrigação. Uma de suas parceiras é a israelense Netafim, líder mundial

em dispersores de água de alta precisão. Para tornar os sistemas de irrigação mais eficientes, a Netafim precisava de um fornecedor capaz de produzir equipamentos que controlassem cada milímetro de água despejado nas culturas. A Rolex, com seus mais de 100 anos de experiência com relógios, fabrica, segundo Carlos Sanches, diretor de marketing da Netafim, o mecanismo mais preciso do mundo, tornando a irrigação quatro vezes mais eficiente do que os métodos tradicionais. Ou seja: graças a uma marca elegante como a Rolex, agricultores consomem menos água, melhorando a performance de suas lavouras e, num sentido mais amplo, ajudam a preservar o planeta.“O luxo e o campo sempre estiveram intimamente ligados”, diz o consultor Eduardo Tancinsky. Toda vez que uma modelo deslumbrante desfilar numa passarela em Paris ou que um acessório sofisticado for vendido a preço de ouro numa butique de Nova York, é bom lembrar que por trás de tudo isso está o bom e tradicional agronegócio.

Campos de flores da Dior na região de Grasse, na França: perfumes exclusivos começam em lavouras de alta qualidade

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W Consumo ALÔ, MCLAREN COM O ONE PLUS 6T, A CHINESA ONE PLUS, MESMO RELATIVAMENTE NOVA NO MERCADO MUNDIAL, JÁ GARANTIU O PRÊMIO DE MELHOR CELULAR DO ANO EM 2018 EM VÁRIAS ENQUETES. AGORA, O APARELHO ESTREIA EM EDIÇÃO COMEMORATIVA FEITA EM PARCERIA COM A MCLAREN. TEM 10 GB DE RAM E UM NOVO SISTEMA DE CARREGAMENTO RÁPIDO QUE PREENCHE 50% DA BATERIA EM APENAS 20 MINUTOS. US$ 699 (WWW.ONEPLUS/MCLAREN)

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Gavião no parque Grande Sertão Veredas: Obra de Guimarães Rosa é revisitada nos 110 anos de nascimento do autor

Ar ARTE

foto: Michael Dantas/SEC

fotos: Helio Campos Mello

Um campo para o melhor da cultura

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Ar A RTE

Um campo para o melhor da cultura

Cachoeira Mato Grande: hoje ainda ĂŠ possĂ­vel viajar pelas paisagens descritas por Riobaldo

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DE VOLTA ÀS VEREDAS Aos 110 anos do nascimento de Guimarães Rosa, sua obra-prima que retrata o sertão brasileiro ganha novas versões no teatro e no cinema

Por Ana Weiss | Fotos de Hélio Campos Mello

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Ar

Literatura

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os grandes artistas brasileiros que dedicaram sua criação ao universo rural, nenhum foi tão longe e tão fundo quanto João Guimarães Rosa. Mineiro de Cordisburgo, a pequena e hoje turística “cidade-coração”, ele capturou e transformou a fala e a cultura rural mineiras em alta literatura, ampliando os limites da língua com neologismos e frases criados com o sertão brasileiro e oriundos dele. Deu à fala e à ética sertanejas contornos épicos e alcance universal, tornando-as conhecidas e valorizadas no País e internacionalmente. O mundo agrário forneceu a Guimarães Rosa cenário, personagens e espírito, quando não o próprio título da produção que o coloca entre os maiores autores do planeta (o único brasileiro entre os 100 melhores do mundo, segundo a Academia Norueguesa de Letras). Grande Sertão: Veredas, de 1956, história narrada pelo jagunço Riobaldo, é hoje, quando se relembram os 110 anos de nascimento de seu criador, leitura

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obrigatória para o ingresso nas principais universidades do Brasil. Dezenas de centenas de teses e dissertações de mestrado tratam do embate no semiárido entre homens da terra e suas contradições. A obra acaba de ganhar novas traduções para o inglês e o alemão – e não se esgotam versões para o teatro, o cinema e a televisão. Maior crítico literário que o Brasil já teve, Antonio Candido sentiu necessidade de criar um novo gênero para tratar da literatura roseana. “Eu me senti obrigado a criar uma nova categoria”, escreveu o catedrático ao ler o romance que levou seu criador à Academia Brasileira de Letras com pouco mais de 40 anos, seis depois do lançamento do título. Transregionalismo ou surregionalismo, definiu Candido. O livro era tido então como “experimental”. Poucos romances em ambiente rural foram recontados tantas vezes por aqui como a epopeia de Riobaldo, vivido por Tony Ramos na série homônima


Escreveu no Grande Sertão: Veredas:

realizada em 1985 pela Rede Globo, com Bruna Lombardi na pele de Diadorim, uma das mais marcantes atuações na vida da atriz. Em 2019, a diretora Bia Lessa leva para o cinema um novo filme sobre o romance, a história do amor impossível às margens do Rio São Francisco, que está atualmente rodando os teatros do País, tendo os protagonistas vividos pelos atores globais Caio Blat e Luíza Lemmertz. As apresentações chegam a reunir 2.600 espectadores por sessão, de todas as idades. A travessia pessoal do autor até a publicação de sua obra-prima conta muito da coleta de matéria humana e filosófica que o fez localizar longe das metrópoles o lugar de sua literatura. Aos 10 anos de idade, Guimarães Rosa foi levado para a escola, pelas mãos do avô materno. Já inventando palavras, chamava a cidade natal de Lundisburgo, por conta da proximidade de Cordisburgo da impressionante gruta de Maquiné, tornada internacionalmente conhecida pelo naturalista dinamarquês Peter Lund, citado por Charles Darwin em A Origem das Espécies. Aos 16 anos, trocava o ginásio pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte, para, em seguida, se mudar para o oeste mineiro a fim de iniciar a clínica. Jornalista e amigo dos tempos em que o escritor já atuava como diplomata no Rio de Janeiro, Franklin de Oliveira conta que Guimarães Rosa dizia abertamente ter deixado a Medicina por não suportar a ideia de alguém morrer em suas mãos. E assim, um dos primeiros lugares de seu ano de aplicação no Itamaraty, foi enviado como diplomata à Alemanha, em 1938, em plena ascensão nazista. Em solo alemão e, depois no Brasil, deu abrigo

“(…)Lua de com ela se cunhar dinheiro. Quando o senhor sonhar sonhe com aquilo. Cheiro de campos com flores, forte(…)”

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Literatura

Sobre o São Francisco Guimarães Rosa disse:

“…que gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens” 114

e cuidou de salvar muitos perseguidos pelo regime hitlerista. Um ano antes da missão diplomática, porém, tinha dado início (conta-se que deitado, a lápis, em um caderno de 100 folhas) a Sagarana, volume de nove novelas passadas dentro do raio geográficoafetivo que circunda a cidade de sua infância no interior de Minas Gerais. Em Sagarana, o autor volta sua mira definitivamente para o alvo que atingiria com precisão na década seguinte em Grande Sertão: os impulsos universais humanos brotados em situações constritamente regionalistas. Na época em que trabalhava nas novelas, empossado de suas funções diplomáticas, o autor decidiu acompanhar boiadeiros da nascente do Rio São Francisco até Alagoas, onde deságua o mais longo rio nacional. A experiência, basta emprestar o livro da estante do filho vestibulando, transparece nesses nove textos. Em uma carta, o escritor explicou a opção ao jornalista João Condé: “Eu tinha de escolher o terreno onde localizar as minhas histórias. Podia ser Barbacena, Belo Horizonte, o Rio, a China, o arquipélago de Neo-Baratária, o espaço astral, ou, mesmo, o pedaço de Minas Gerais que era mais meu. E foi o que preferi. Porque tinha muitas saudades de lá.” E mais adiante: “O povo do interior, sem convenções, 'poses', dá melhores personagens de parábolas: lá se veem bem as reações humanas e a ação do destino: lá se vê bem um rio cair na cachoeira ou contornar a


Também no Grande Sertão: Veredas:

“O senhor estude: o buriti é das margens, ele cai seus cocos na vereda – as águas levam – em beiras. O coquinho as águas mesmas replantam: daí o buritizal. De um lado e de outro se alinhando, acompanhando. Que nem por um cálculo”

montanha, e as grandes árvores estalarem sob o raio, e cada talo do capim humano rebrotar com a chuva ou se estorricar com a seca”. Quando há dois anos o romance completou seu sexagésimo aniversário, o fotógrafo Hélio Campos Mello pegou emprestada uma velha edição do livro e traçou no mapa os lugares onde aconteceram os grandes momentos das histórias narradas por Riobaldo. As imagens reproduzidas nestas páginas, todas inéditas, são o resultado da saga do fotógrafo. “O caminho aos cenários de Guimarães Rosa começa em Brasília, de carro com tração nas quatro rodas. Rumo leste, destino Chapada Gaúcha, nas Minas Gerais. Para chegar lá há três bons roteiros, o mais curto com pouco menos de 400 quilômetros e, quando a gente erra a estrada, tem pouco mais de 500. Foi o que usei”, conta ele. A Chapada Gaúcha é a maior produtora de sementes de capim do Brasil (aquele que “rebrota na chuva e estorrica na seca”), especialmente a Brachiaria, amada por boa parte do gado nacional. Lá fica o parque nacional batizado hoje de Grande PLANT PROJECT Nº13

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Ar

Literatura No final do Grande Sertões: Veredas: Riobaldo fala sobre o que encontrou de Diadorim

“Só um letreiro achei. Este papel, que eu trouxe – batistério. Da matriz de Itacambira, onse tem tantos mortos enterrados. Lá ela foi levada à pia. Lá registrada, assim. Em um 11 de setembro da éra de 1800 e tantos… O senhor lê. De Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins – que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor… Reze o senhor por ess minha alma. O senhor acha que a vida é tristonha?”

Sertão Veredas. Além do cultivo de capim e dos buritis (veja foto na pág. anterior), Campos Mello esperou, para seguir viagem, a aparição dos seres que, segundo o escritor, eram os únicos que conheciam o lugar. “Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.” De lá, o fotógrafo seguiu para São Francisco, a cidade por onde passa um trecho do rio-personagem, que atravessa o País e conduz a travessia 116

de Riobaldo, o Fausto brasileiro. “E o senhor surja: é de repentemente, aquela terrível água de largura e, de São Francisco para última parada, Itacambira.” Os últimos metros dos 3 mil quilômetros do mapa literário levaram o fotógrafo a Itacambira, para a igreja que ainda guarda inteira um dos símbolos-fonte da dor dos heróis sertanejos: a pia batismal (nesta página), na Igreja Matriz de Santo Antônio, onde foi batizada Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins. De escolha, jagunço Diadorim. Nossa Joana D’Arc das Gerais.


Tecnologia foi oferecida a produtores americanos durante a paralisação do governo

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STARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

fotos: Tellus Labs

A lavoura vista do alto com o monitoramento aéreo da Indigo:

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STARTAGRO

foto:fotos: Galeria HSM Tellus Labs

As inovações para o futuro da produção

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DAS SEMENTES PARA O ESPAÇO Já operando no País, a Indigo, AgTech mais disruptiva (e valiosa) do mundo, está revolucionando a agricultura Por André Sollitto

Imagem captada pela Nasa e processada pela TellusLabs: tons de rosa e azul mostram plantações de cana ao longo do rio Mississippi

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Startup

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o visitar a sede da Indigo Agriculture no Brasil, é possível ter uma ideia da velocidade com que a empresa passou de startup promissora para uma das companhias mais disruptivas do mercado, avaliada em mais de US$ 3 bilhões. Com exceção da pequena sala de recepção, decorada com ramos de algodão, a impressão é quase de um acampamento. Caixas estão empilhadas em um canto e os funcionários trabalham, alternando português e inglês, em mesas meio vazias, como se a mudança ainda não tivesse terminado. Em uma das espartanas salas de reunião, as anotações são feitas nas paredes. O crescimento é tão rápido que atividades aparentemente corriqueiras, como terminar a decoração do local, acabam ficando em segundo plano. Mas se o escritório, localizado em um prédio novo na movimentada região da Berrini, em São Paulo, parece inacabado, basta olhar com atenção para o time envolvido nas operações brasileiras que a ambição e a seriedade da Indigo ficam mais claras. Após 33 anos na Syngenta, onde chegou a ocupar o cargo de vice-presidente, o executivo Daniel Bachner resolveu encarar o desafio de presidir no Brasil aquela que é vista como a AgTech mais poderosa da atualidade. Tudo foi feito sem muito alarde. Seu LinkedIn, por exemplo, continua desatualizado, e a presença da empresa no País passou praticamente despercebida pela imprensa antes de Bachner conversar com a reportagem da PLANT PROJECT. E o que a Indigo faz exatamente? Em breve, será mais produtivo perguntar o que ela não faz. A startup surgiu em 2014, ainda com o nome de Symbiota, nos Estados Unidos, uma criação dos empreendedores David Berry (nomeado um dos 35 maiores inovadores do mundo com menos de 35 anos pela Technology Review do consagrado MIT), Geoffrey von Maltzahn (bioengenheiro com mais de 200 patentes em seu nome)

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Pesquisadores no centro da empresa, em Boston: tratamento de sementes foi o primeiro passo da startup

e Noubar Afeyan (fundador da Flagship Pioneering, responsável pelo financiamento de startups ligadas à agricultura e à saúde). É comandada pelo CEO David Perry (quase um homônimo do fundador), um empreendedor serial que é também cofundador da Better Therapeutics e da Anacor Pharmaceuticals, esta última comprada pela Pfizer por US$ 5,2 bilhões. A primeira grande ideia da startup foi analisar sementes de maneira diferente da que é normalmente feita pela indústria química. Em geral, as empresas farmacêuticas ou agroquímicas costumam estudar um princípio ativo antes de entender de que maneira ele pode ser aplicado a um produto. É um processo longo e caro. A Indigo buscou uma abordagem diferente. Em seu processo, analisa, por exemplo, duas plantas de soja que estão lado a lado, sob as mesmas condições, uma bem desenvolvida e outra com baixa performance. No laboratório, dotado da tecnologia mais avançada no mundo em sua área, os pesquisadores identificam quais microrganismos estão presentes na soja desenvolvida e estão faltando na outra. E então desenvolvem esses microrganismos benéficos para serem aplicados em outras sementes. De certa forma, a ideia é semelhante à que a indústria de alimentos utiliza nos chamados probióticos, produtos enriquecidos com elementos que ajudam o organismo dos consumidores a serem mais saudáveis. “A grande vantagem desse método é que você consegue colocar algo novo no mercado a cada ano, no máximo a cada ano e meio, em vez dos 10 a 12 anos pelo método tradicional”, afirma Daniel Bachner. Com as informações obtidas com esse método, eles criaram o Indigo Algodão, primeiro produto da startup a chegar ao mercado, em 2016. É o nome dado ao conjunto de tratamentos de semente, com os “probióticos do campo”, oferecidos aos produtores interessados em


foto: divulgação

melhorar a produtividade de suas lavouras. “O produtor escolhe a semente, o nível de germinação, o vigor, e o tratamento químico. Nós trazemos nossos micronutrientes, fazemos o tratamento e entregamos sementes prontas para o plantio”, afirma Bachner. Além de propiciarem desempenho melhor, a vida do produtor fica mais fácil, já que ele não precisa mais fazer o tratamento em sua fazenda. Basta pegar as sementes compradas, colocar em sua semeadeira e sair plantando. Outra vantagem competitiva da companhia é a de que seus produtos não são classificados como químicos ou defensivos, obtendo liberação mais rápida dos órgãos governamentais. Também na nomeação de seus produtos, inovação e simplicidade andam juntos. As soluções da empresa foram batizadas com a marca Indigo mais a cultura a que são destinados – Indigo Algodão, Indigo Soja, Indigo Trigo etc. Foi uma maneira de garantir a efetividade independente dos

micronutrientes utilizados. Se os pesquisadores da empresa descobrirem outros mais eficazes, os antigos serão substituídos, mas o produto continuará tendo a mesma identidade. Hoje, a startup tem opções de tratamento para algodão, soja, milho, trigo e arroz. O passo seguinte no desenvolvimento da empresa foi criar o programa conhecido como Indigo Research Partners. Lançado em abril de 2017, em menos de um ano após colocar o primeiro produto no mercado, consiste em uma parceria, já comum no Brasil, pela qual os produtores disponibilizam uma parte de suas áreas de lavoura para que a startup estabeleça um campo de testes e ali avaliem diversos resultados. “A única coisa que não levamos são os químicos”, diz Bachner. A startup leva micronutrientes, sementes, fertilizantes e tecnologias para estudar os resultados. Atualmente, a Indigo tem 120 produtores inscritos nessa parceria, com mais de 20 mil hectares disponíveis para experimentos

de 100 tecnologias diferentes. O resultado é analisado por algoritmos e torna-se informação preciosa para melhorar a produtividade. Já com o sistema de sementes e seu programa de pesquisa e desenvolvimento em funcionamento, a Indigo se tornou um unicórnio. Após receber US$ 156 milhões em uma rodada série D de investimentos, em setembro de 2017, menos de seis meses após o lançamento do Indigo Research Partners, a empresa passou a ser avaliada em US$ 1,4 bilhão. Na rodada de série C, quando captou US$ 100 milhões, ela já havia se tornado a AgTech com maior financiamento do mundo, com os maiores valores oferecidos pela Flagship Pioneering de Afeyan. NOVAS FRONTEIRAS Com os dois pilares estabelecidos nos Estados Unidos, o próprio resultado do tratamento das sementes e das pesquisas feitas com os produtores parceiros deu a ideia à empresa para estabelePLANT PROJECT Nº13

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foto: divulgação

O engenheiro Geoffrey von Maltzahn e o CEO David Perry: os cofundadores da companhia continuam na liderança. Abaixo, Daniel Bachner, presidente da operação no Brasil: trocou um cargo na Syngenta pelo trabalho na AgTech

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cer uma terceira linha de atuação. “Começamos a produzir uma soja com mais proteína, um milho com mais amilase, tudo com menos químicos. E isso era comercializado como commodity”, afirma Daniel Bachner. Em uma rodada de investimentos de série E, arrecadou US$ 250 milhões e lançou um marketplace, apelidado de “eBay dos fazendeiros”. No mercado, os produtores podem oferecer suas especialidades, e os compradores podem fazer uma busca por características específicas, como o conteúdo proteico da semente. O valor depende da qualidade da colheita, após uma análise de exemplos enviados a laboratórios. A empresa ganha uma porcentagem de cada transação concluída. E passou a oferecer ainda a possibilidade de contratar o frete imediatamente após a compra, estabelecendo um quarto pilar de atuação. “É um Uber dos caminhões”, diz Bachner. A atuação da Indigo não está restrita aos Estados Unidos. Lá, a empresa está em sua quarta safra. Começou as operações na Aus-

trália, onde segue para a terceira safra, e também na Argentina, hoje colhendo a terceira safra. No Brasil, está apenas na primeira. Já pensa nos próximos mercados para 2019: Índia e Europa. E, enquanto ainda está expandindo as atividades pela Terra, a Indigo também está de olho no espaço. Em dezembro de 2018, ela comprou a AgTech TellusLabs, responsável por monitorar a situação de cultivo usando imagens de satélite. Von Maltzahn, um dos fundadores, teve a ideia de recorrer a satélites depois de conhecer o trabalho da bióloga celular Anne Carpenter. Ela criou algoritmos para identificar padrões de doenças em células humanas após ficar horas assistindo a vídeos gravados pelo microscópio. Von Maltzahn decidiu fazer algo semelhante na agricultura, observando os padrões a partir de uma câmera orbitando nosso planeta. O trabalho da TellusLabs parecia ideal. Inicialmente, a empresa oferecia seus serviços a todo tipo de cliente, mas criou um sistema capaz de aliar as imagens captadas por seus satélites a parâmetros agrícolas e previsões do tempo, tudo em tempo real, para prever a produtividade das fazendas. Em 2017, acertou o resultado da colheita do milho com 99% de precisão, meses antes de o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos chegar à mesma conclusão. Com essa tecnologia a Indigo pode, em breve, transformar todo o planeta em um gigantesco laboratório.


Startup

E a compra da TellusLabs tem sido citada como exemplo de uma ainda pequena, porém importante, tendência: AgTechs mais bem financiadas estão comprando outras menores. Normalmente as grandes empresas costumam observar as startups com certo distanciamento, esperando que elas amadureçam antes de comprá-las. Se esse comportamento se intensificar, no entanto, esperar muito pode ser arriscado: ou elas se tornam muito caras ou acabam sendo compradas por outra AgTech, mais ousada e veloz nas aquisições. UM PILAR DE CADA VEZ No Brasil, apenas as sementes, o produto inicial da Indigo, estão disponíveis aos produtores. A empresa desembarcou por aqui em abril de 2018 com o objetivo de testar a aceitação de seu tratamento de sementes com foco em soja. Acabou fechando acordo para 70 mil hectares e agora se prepara para entrar na segunda safra. De acordo com Bachner, todos os outros pilares passarão a funcionar por aqui em breve. Ainda em 2019 serão escolhidos parceiros para o Indigo Research Partners, embora o programa, com esse nome, só será lançado oficialmente por aqui em 2020. O País, no entanto, foi escolhido como mercado inicial do quinto pilar da empresa, focado em financiamento para o produtor. A operação será feita em parceria com a Bart Digital, AgTech criada pelo empreendedor Renato Girotto após uma sessão de hackaton em Londrina, no Paraná. “Não é o financiamento de um banco. Queremos que o produtor use sua commodity, que ele produza e pague com os grãos que são sua especialidade”, diz Bachner. É uma operação de barter, mas o que a Indigo propõe é trazer investidores que não estão

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acostumados a investir no agribusiness, em vez de recorrer apenas às indústrias químicas ou às tradings. “As operações de barter no Brasil são morosas e caras”, diz Girotto, que foi procurado pela Indigo antes mesmo de a empresa começar a atuar no Brasil. As conversas ficaram em suspenso por um tempo e foram retomadas apenas há cerca de três meses. “Tínhamos um produto em linha com o pensamento da Indigo. Agora, vamos ajudá-los na formalização de garantias e na digitalização do processo e garantir que as regras de compliance sejam cumpridas, algo muito importante para as empresas de fora, especialmente em relação ao compliance ambiental”, afirma ele. Inicialmente o projeto prevê o contato com investidores do Brasil, mas a ideia é criar uma espécie de pool mundial capaz de diluir os riscos relacionados ao investimento no agro. “Depois que esse pilar estiver bem estabelecido no Brasil, vamos exportá-lo para outros mercados da Indigo”, diz Bachner. Com a variação geográfica e de culturas, o rendimento fica mais estável. Hoje, a startup conta com um conselho que inclui executivos importantes, como Mehmood Khan, vice-presidente e diretor científico global de pesquisas da PepsiCo; Robert Berendes, parceiro da Flagship Pioneering; e Ann Simonds, diretora de marketing da General Mills. Com o valor atual, um caminho tido como natural seria buscar uma oferta pública inicial de ações, ou IPO, da sigla em inglês. Mas nenhum dos investidores está com pressa, um sinal importante de que eles veem muito potencial na Indigo. Acompanhando essa trajetória, fica até difícil imaginar qual será o próximo passo da AgTech. Para eles, claramente, nem o céu é o limite. PLANT PROJECT Nº13

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Startup

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FINANÇAS

Novo serviço da startup, começará a funcionar no Brasil e consistirá em uma plataforma digital para facilitar a realização de operações de barter, realizada em parceria com a startup brasileira Bart.Digital

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SEMENTES

A primeira atividade da startup consiste em um tratamento de semente oferecido aos produtores. Funciona como um “probiótico” de plantas e é customizável: o cliente escolhe quais as características que deseja e a empresa entrega a semente pronta para o plantio

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MERCADO

Com a proposta de oferecer um espaço para que grãos com características diferentes sejam vendidos com um preço também diferente, a agtech criou o Indigo Marketplace, em que compradores podem buscar por grãos “premium”


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EM TODA A CADEIA

SATÉLITE

Ao comprar outra startup, a TellusLabs, a Indigo passou a monitorar as lavouras do espaço, fornecendo aos produtores interessados no serviço um mapeamento mais preciso de suas lavouras

TESTES

Para testar suas tecnologias e produtos em campo, a Indigo firma parcerias com produtores, que cedem espaço em suas lavouras. A empresa, então, leva tudo o que possui de mais moderno para avaliar os resultados de suas inovações no programa que chama de Indigo Research Partners

Desde que começou a vender seus tratamentos para semente, a Indigo já expandiu sua atuação para praticamente todos os setores da cadeia produtiva

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TRANSPORTE

Depois que um produtor concluir uma compra no Indigo Marketplace ele já pode incluir o frete dos grãos em um sistema que a própria startup compara com um “Uber de caminhões”

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M MARKETS

DATAGRO Markets

A NOVA FACE DO PROTECIONISMO Po r Pl i n i o N a s t a r i

Tar if a s re p re s e n t a m a f a c e ma i s p re v i s í v el e c o nhe c i d a d a re l a çã o c o m erc i a l e n t re a s na ç õ e s . O GAT T, Ac o rd o Ge r a l d e Tar if a s e Co mé rc i o , f i r m ad o a p ó s a Se g un d a Gr a n d e G uer r a, f o i o p r i mei ro a c o rdo g e r a l d e c o m érc i o e c o n s o l id o u um a sé r i e d e a c o rd o s de s ti n a d o s a p ro mov e r a re du ç ã o d e o bs tá c u l o s a t ro c a s e ntre n a ç õ e s . F o i a s s i na d o i n i c i a l me n t e po r 2 3 E s t a d o s e m G eneb r a , n o d i a 3 0 d e o utubro d e 1 9 4 7 , c om v i g ê nc i a a p a r t i r d e 1 º de j a n e i ro d e 1 9 4 8 . Um de s e u s ma i o res a v a nç o s s e d e u dur a nt e a R o d a d a Ur ug u a i , i n i c i a d a e m s e te mb ro d e 1 9 8 6 , s e g ui d a p o r ne g o c i a ç õ e s e m Mo ntre a l , Ge n e b r a ,

B r u x e l a s , Wa s h i n g t on e Tó q u i o , e s e e s t e n d e u até abril de 1994. O G AT T f o i a b a s e p a ra a criação da Organização Mundial d o C o m é rc i o ( O M C ) , que surgiu oficialmente e m 1 º d e j a n e i ro d e 1 9 9 5 , c o m o A c o rd o d e M a r r a k e s h , c r i a d a com o objetivo de supervisionar e l i b e r a l i z a r o c o m é rci o internacional. Composta atualmente por 164 E s t a d o s - m e m b ro s , p ro m o v e e re g u l a m e n t a o c o m é rc i o i n t e r n a c i o n a l , a c o rd os d e á re a s d e l i v re - c o m é rc i o e b u sc a re s o l v e r d i s p u t a s e m re l a ç ã o a t a r i f a s e imposições alfandegárias. Os seus p r i n c í p i o s b á s i c o s sã o: a n ã o d i s c r i m i n a ç ã o, a p re v i s i b i l i d a d e , a c o n c o r rê n c i a l e a l , a

p roi b i ç ã o d e re st ri ç õe s q u a n t i t a t i va s, e o t ra t a m e n t o e sp e c i a l e d i f e re n c i a d o p a ra p a í se s e m d e se n vol vi m e n t o. E st e s sã o os p ri n c í p i os b á si c os q u e t ê m n ort e a d o a a ç ã o d a OM C , q u e d e sd e se t e m b ro d e 2 0 1 3 e l e ge u c om o d i re t or- ge ra l o e m b a i x a d or R ob e rt o C a rva l h o d e A z e vê d o. D u ra n t e d é c a d a s, o G ATT e a O M C e st i ve ra m oc u p a d os c om o e st a b e l e c i m e n t o d e re gra s e t a ri f a s p a ra n ort e a r e d i sc i p l i n a r o c om é rc i o e n t re se u s m e m b ros. N o e n t a n t o, f i c a c a d a ve z m a i s c l a ro q u e re c e n t e m e n t e m u i t os p a í se s t ê m u t i l i z a d o ou t ros m e c a n i sm os e c h i c a n a s n ã o t a ri f á ri a s p a ra c on t rol a r os f l u x os d e c om é rc i o. A l gu m a s

* Presidente da DATAGRO e representante da sociedade civil no CNPE, Conselho Nacional de Política Energética.

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de s s a s me d i d a s t ê m s i do re l a c i o n a d a s, po r e x e mp l o , a res tri ç õ e s c o n t r a a i m por t a ç ã o d e b e n s a g r í c o l a s p ro d u z i d o s com biotecnologia, c o nh e c i d o s t a mb é m c o mo g e n e t i c a me n t e m od i f i c a d o s . Re s t r i ç õ e s e s t ã o s e nd o i mp o s t a s ta m b é m a t r a v é s d o e s ta b e l e c i me n t o d e e s pe c i f i c a ç õ e s d e pro d u t o s mu i t a s v e ze s i mp e d i t i v a s , n o que t a n g e a re s í d u o s de a g ro q u í mi c o s d e pro te ç ã o a o c u l t i v o . Em al g u n s c a s o s , e s s e s l i mi t e s s ã o m uit a s v e z e s ma i s e xi g e n t e s d o q u e a c o nt a mi n a ç ã o g e r a d a pe l a a p l i c a ç ã o d e pro d u t o s a u t o r i z a d o s pa r a o u s o do mé s t i c o , u t i l i z a d o s no c o n t ro l e d e i ns e t o s e m res id ê n c i a s . Ou, e m o u t ro s c a s o s , e s tã o re l a c i o n a d a s a classificações de m erc a d o r i a s c o mo a rotula g e m d e bi o c o mb u s t í v e i s d e pr i me i r a e s e g u n d a geração, sob a alegação de que bi o e n e r g i a e

biocombustíveis de primeira geração p ro d u z i d o s c o m biomassa, que pode s e r u t i l i z a d a t a m b ém p a r a p ro d u ç ã o d e alimentos, são condenáveis e não podem ser aceitos para o cumprimento de metas nacionais ou globais de substituição de c a r b o n o . E s t a é o u t ra f o r m a d e re s t r i n g i r o c o m é rc i o , p o i s n e s se campo a biomassa, s e j a e l a d e c e l u l o se , d e s a c a ro s e , s e j a d e base amilácea, é gerada pela fotossíntese de e n e r g i a s o l a r, e o q u e importa é a sua capacidade e eficiência na substituição de e m i s s õ e s d e c a r b on o. É p re c i s o e n f re n t a r essa nova face do p ro t e c i o n i s m o . U m a maneira é lutar para q u e re g r a s e especificações i n t e r n a c i o n a i s s e j am definidas segundo n o r m a s c l a r a s e n ão re s t r i t i v a s . A ç õ e s individuais de nações exigindo especificações além do considerado

a c e i t á ve l p od e ri a m se r c on si d e ra d a s a b u si va s. H a ve ri a u m gra n d e a va n ç o c a so a s re gra s d e c om é rc i o a c e i t a s p e l os E st a d os- m e m b ros d a OM C i n c orp ore m re f e rê n c i a s i n t e r n a c i on a l m e n t e a c e i t a s, e n ã o e sp e c i f i c a ç õe s, c l a ssi f i c a ç õe s e re st ri ç õe s d e f i n i d a s i sol a d a m e n t e p or c a d a E st a d o- m e m b ro. N ova s f orm a s d e p rot e c i on i sm o p re c i sa m se r e n f re n t a d a s c om c ora ge m e f i rm e z a e re sol vi d a s d e m od o t ra n sp a re n t e c a so a m e t a c on t i n u e se n d o a d e c on st ru ç ã o d e u m si st e m a d e c om é rc i o j u st o e l i vre d e d i st orç õe s e d e p rá t i c a s c on si d e ra d a s a b u si va s. P res id en t e d a D ATA G R O e rep res en t an t e d a s o cied ad e civ il n o C o n s elh o N acio n al d e P o lít ica E n er g ét ica.

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