Plant | Edição 3

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Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

O FUTURO DA COMIDA Como a tecnologia e novos hábitos de consumo podem mudar radicalmente a produção de alimentos

AGRODEPENDÊNCIA

O dilema estratégico do Brasil: por que não assumimos nossa vocação rural? ESPECIAL PICAPES

TRABALHO OU LAZER? CONFORTO OU RESISTÊNCIA? UM GUIA PARA A SUA PRÓXIMA COMPRA

GASTRONOMIA Na cozinha (e na fazenda) de Dan Barber, o melhor chef dos Estados Unidos TOP FARMERS Os modelos vencedores de Victor Campanelli e Ismael Perina Júnior

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

DIPLOMACIA AS BATALHAS AGRÍCOLAS DE DONALD TRUMP PLANT PROJECT Nº3

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As ferramentas digitais contribuem para a evolução de técnicas utilizadas pelos produtores e ajudam a proteger os recursos naturais. Avanços em ciências de dados permitem que eles vejam a água, o solo e a energia de novas maneiras – tudo num esforço de contribuir positivamente para a agricultura e impactar menos o meio ambiente.

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E d ito ri a l

A SEMENTE DO FUTURO

Para quem pensa, decide e vive o agribusiness

O FUTURO DA COMIDA Como a tecnologia e novos hábitos de consumo podem mudar radicalmente a produção de alimentos

AGRODEPENDÊNCIA

O dilema estratégico do Brasil: por que não assumimos nossa vocação rural? ESPECIAL PICAPES

TRABALHO OU LAZER? CONFORTO OU RESISTÊNCIA? UM GUIA PARA A SUA PRÓXIMA COMPRA

GASTRONOMIA Na cozinha (e na fazenda) de Dan Barber, o melhor chef dos Estados Unidos TOP FARMERS Os modelos vencedores de Victor Campanelli e Ismael Perina Júnior

venda proibida distribuição dirigida www.plantproject.com.br

DIPLOMACIA AS BATALHAS AGRÍCOLAS DE DONALD TRUMP PLANT PROJECT Nº3

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Luzes de LED substituem o sol na produção de rúcula na fazenda vertical da AeroFarms, nos EUA

O futuro é, por definição, um espaço de incertezas. Pode-se fazer previsões, jamais dar garantias de que um cenário imaginado se realizará. Mas também é possível se ver algumas certezas à frente – e, assim, preparar-se e buscar oportunidade nelas. Eis uma que nenhum empresário, de qualquer segmento, pode ignorar se quiser prosperar nos próximos anos: o consumidor está e estará, cada vez mais, no controle. Entender seus anseios é fundamental para se ter chances de sucesso. Ignorá-los, meio caminho andado na direção contrária. Mesmo para quem está na ponta inicial das cadeias produtivas, ainda longe do comprador final. Por isso, para se falar do futuro da agropecuária (e, portanto, da comida) é preciso ir às cidades, lá onde vive a grande massa consumidora e onde começa a crescer as grandes ondas transformadoras. Nelas, encontramos hoje várias tendências que nos permitem enxergar o que vai ser do agronegócio nos próximos anos. Vislumbra-se muitas novas frentes de atuação, apoiadas nas mudanças de hábitos de gerações afluentes e no desenvolvimento de tecnologias que permitem fazer de qualquer espaço urbano uma potencial lavoura. Enxerga-se mercados emergentes para atender nichos criados pelos chamados milennials, da mesma que se constata que, com a demanda crescente por alimentos, haverá espaço cada vez maior também para a agropecuária em larga escala. No mundo da diversidade, o que une o inédito e o tradicional é a exigência cada vez maior dos consumidores de conhecer o que está levando para casa. Saber de onde vem, como foi produzido, conservado, transportado. Vivemos a era da informação, logo é preciso informar, ser transparente. Produtores, indústria, comerciantes, todos viveremos sob vigilância e qualquer omissão ou informação falsa será seriamente castigada pelo mercado. Informação e transparência são as armas, por exemplo, que ajudarão o Brasil a reconstruir a imagem da indústria da carne, gravemente afetada por denúncias de fraude. Nesta edição, PLANT PROJECT olha para o futuro. Em várias de suas reportagens indica tendências com poder de modificar a forma de produzir alimentos. E conta também a história de quem está escrevendo esse futuro, produzindo com excelência, como exige o consumidor. Luiz Fernando Sá Diretor Editorial

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#CARNEDOBRASIL

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PLANT PROJECT é uma plataforma de comunicação com histórico recente, mas formada profissionais com larga experiência no acompanhamento das principais questões do agronegócio brasileiro. Gente que viu nossos produtores e agroindústria conquistarem espaço e mercados pela sua dedicação e competência. Brasileiros que acreditam que podemos ser bons em muitos setores, mas que seremos, sem dúvida, os melhores do mundo em um deles: a produção de alimentos. É por isso que a PLANT ratifica aqui sua crença e confiança na qualidade da carne produzida no Brasil. O País não é líder mundial na produção de proteína animal por acaso. Uma extensa cadeia que se estende do mais simples boiadeiro nos mais distantes rincões aos sofisticados salões de negociações construiu uma sólida reputação internacional que não pode ser destruída por episódios isolados. Há tecnologia de ponta e ciência de primeira em cada bife que consumimos. Há muitos recursos humanos e financeiros investidos na criação de um sistema de fiscalização e sanidade frequentemente testado pelos mais rigorosos compradores de todo o mundo. Há uma indústria submetida constantemente ao escrutínio de técnicos sanitários de vários países. Num mercado extremamente competitivo, em que a concorrência nem sempre é amistosa, nenhum quilo de carne brasileira teria sido vendido se a qualidade não fosse a regra nos pastos, currais, plantas frigoríficas e unidades industriais brasileiros. PLANT tem orgulho do que nossos criadores e empresários produziram e de como serão relevantes na missão de garantir segurança alimentar a populações crescentes e cada vez mais ávidas por proteínas.Suas histórias e a de nossos agricultores são a essência do empreendedorismo no Brasil, nosso tema prioritário. São eles o centro da excelência do agronegócio brasileiro, como demonstra a série TOP FARMERS, cuja publicação iniciamos nesta edição com dois personagens (e seus Top Partners) que, sobretudo, acreditam na produção. Nenhum outro país avançou na produção sustentável como o Brasil, que hoje pode apresentar-se aos mercados internacionais como dono de uma carne diferenciada. Temos muitas fortalezas – e concorrentes à espera de um deslize em que mostremos nossas vulnerabilidades. Se hoje vivemos um breve momento de revisão de processos – com apuração e eventual punição de quem fraudou nosso modelo de sucesso, é certo de que saberemos minimizar os danos, ampliar o rigor em cada elo da cadeia produtiva e recuperar prestígio que for arranhado. PLANT enxerga em cada churrasco nos lares brasileiros a disposição de uma indústria de ser mais eficiente. O que está em nossa mesa é o que vendemos ao exterior. Se confiarmos na carne brasileira, o mundo também confiará. PLANT PROJECT Nº3

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I ndi ce

plantproject.com.br

G pág. 9 Ag pág. 19 G LOB A L

D i r etor E ditoria l Luiz Fernando Sá luiz.sa@plantproject.com.br D i r etor Comerc ia l Phelipe Krisztan Pedroso Marketing e Publicidade Multiplataforma phelipe.pedroso@plantproject.com.br

AGRIBUSINESS

pág. 57

D i r etor Luiz Felipe Nastari A rt e Andrea Vianna Projeto Gráfico e Direção de Arte Col ab o ra dor es: Texto: Alexandre Teixeira, Ana Weiss, Bill Addison, Clayton Melo, Eduardo Savanachi, Fabricia Peixoto, Izabelle Torres, Ocean Malandra, Romualdo Venâncio, Sérgio Quintanilha, Suzana Barelli Fotografia: Adriano Machado, Emiliano Capozoli Arte: Bruno Tulini, Fabiano Duarte, Pedro Matallo Revisão: Rosi Melo Pub l i c ida de Luiz Marcos Perazza luiz.perazza@datagro.com Com un i cação Eliane Dalpizol Coordenadora de Comunicação eliane.dalpizol@datagro.com

Fo pág. 77 Fr pág. 81 W pág. 89 Ar pág. 113 FO R UM

F RO N T E IRA

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ART E

Ev e n to s Simone Cernauski A d m i n i st r ação e Fina nç as Claudia Nastari Sérgio Nunes

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EDITORA UNIVERSO AGRO LTDA. Calçada das Magnólias, 56 - Centro Comercial Alphaville – Barueri – SP CEP 06453-032 - Telefone: +55 11 4133 3944


Animais da Desert Farms, na CalifórniA Produção de leite de camelo movimenta uma nova indústria no Oriente Médio e nos EUA

G GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

foto: shutterstock PLANT PROJECT Nº3

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G

GLOBAL

O lado cosmopolita do agro

E S TA D O S U N I D O S

NÃO PASSAM PELA AGULHA, MAS DÃO LEITE No imaginário brasileiro, eles remetem ao Oriente, ao deserto e até mesmo a fábulas repletas de sultões e escravas sedutoras. O que talvez pouca gente saiba é que os camelos também são ótimos leiteiros. A ordenha desses animais é uma prática antiga e bastante comum em regiões do Oriente Médio e Norte da África, mas outros países também vêm se encantando por esse leite. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem cerca de 15 fazendas de camelo leiteiro, um processo que começou em 2009, com a liberação da atividade naquele país. “Até a produção desse tipo de leite era ilegal. Mas fomos perseverantes e conseguimos convencer o FDA (o Ministério da Agricultura americano) a mudar a 10

legislação”, conta a consultora Millie Hinkle. Seu primeiro contato com o leite de camelo aconteceu por acaso: formada em enfermagem, Millie pesquisava alimentos que pudessem ser adotados por pacientes com intolerância à lactose. E lá estavam os camelos. “O leite desses animais tem menos colesterol que o leite de vaca, além de três vezes mais vitamina C e dez vezes mais ferro. Possuem ainda um nível maior de imunoglobulina”, explica a especialista. As vantagens parecem estar também nos negócios. Que o diga o jovem empresário Walid Abdul-Wahab, fundador da Desert Farms, startup com sede na Califórnia que, além de produzir seu próprio leite de came-


lo, coordena uma rede com sete outros produtores americanos – todos integrantes da comunidade Amish, povo com uma longa tradição na convivência com camelos. Segundo Abdul-Wahab, os produtos da Desert Farms atendem cerca de 150 varejistas nos Estados Unidos, o que gera em torno de US$ 1 milhão em faturamento por ano. “O consumo de leite de vaca é, de fato, muito forte nos Estados Unidos, mas os consumidores estão cada vez mais de olho em alternativas”, diz o empresário. Uma das grandes barreiras para a popularização do leite de camelo está no preço. Os produtores garantem que a tendência é de queda no valor, mas, até lá, os consumidores precisam pagar cerca de US$ 35 pelo litro de leite fresco, enquanto o leite de vaca integral sai por US$ 2. Parte da explicação está na diferença entre o preço de uma vaca, que custa em torno de US$ 2,5 mil, para o do camelo, que chega a valer US$ 15 mil. “Ainda assim é difícil conseguir um animal no mercado local. E, por questões sanitárias, o único país de onde se permite importar é a Austrália”, diz Millie. Questionada sobre o potencial desse negócio no Brasil, ela responde: “Por que não? Inclusive já recebi telefonemas de brasileiros interessados”, conta.

Produção na fazenda da Desert Farms e produtor nos Emirados Árabes (abaixo): preço do leite de camelo é cerca de 15 vezes mais alto que o integral de vaca

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G

J A PÃO

Gordon, sai um café? Os baristas profissionais devem estar torcendo o nariz para a novidade, mas o fato é que a clientela está fazendo fila por um café servido por Gordon. Assim foi batizado o robô do Cafe X, um quiosque que prepara e serve bebidas quentes de forma totalmente automatizada. Basta escolher a opção na tela e depois pagar por meio de um aplicativo no smartphone. Um expresso, por exemplo, sai por US$ 2,25. Depois de um ano de testes com uma unidade- -piloto em Tóquio, o Cafe X chegou a São Francisco (nos EUA) em fevereiro. O dia de estreia foi movimentado, com Gordon entregando um total de 400 pedidos.

Tudo isso sem perder a tranquilidade. Construído pela Mitsubish sob encomenda, o barista-robô consegue preparar até duas bebidas ao mesmo tempo. Segundo Henry Hu, fundador da Cafe X, o diferencial de Gordon é que ele está programado para preparar o café de maneira precisa, seguindo à risca a receita. “Podemos não ter as possibilidades de customização que um café tradicional permite, mas temos espaço para servir quem está com certa pressa e não abre mão de um bom café”, diz o empresário. Com apenas 23 anos de idade, Hu colocou o Cafe X de pé com cerca de US$ 250 mil.

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MISTURA PERFEITA

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Na dúvida entre uma xícara de café e uma taça de vinho, o melhor é ficar com os dois. A combinação é resultado de uma parceria entre a Molinari Private Reserve – uma das mais prestigiadas vinícolas de Napa Valley, California – e a rede de cafeterias e torra John Weaver, também dos Estados Unidos. Depois de dois anos de testes, as duas empresas chegaram a um grão de café com um leve paladar de vinho tinto e notas de blueberry. Para obter esse resultado, os grãos são reidratados em um líquido à base de vinho, e somente depois são secos e torrados. Segundo os produtores, o café-vinho pode ser servido não apenas como expresso, mas também em cappuccinos, bebidas geladas e outras receitas. A novidade mal chegou às lojas locais e já se esgotaram, mas a Molinari diz estar providenciando um novo lote, inclusive com venda pela internet. Preço: US$ 20 (pacote com 250 g).


A R Á B I A S A U D I TA

GRÃO DE OURO Um dos alimentos mais completos e nutritivos do mundo está perto de se tornar mais acessível. Pesquisadores da Universidade King Abdullah, na Arábia Saudita, conseguiram decodificar quase todo o genoma da semente de quinoa, o “grão de ouro”, o que poderá permitir que essa planta, originária dos Andes, na América do Sul, seja facilmente cultivada em outras regiões do planeta. Um dos pontos fortes da pesquisa foi a identificação do gene responsável por dar um gosto amargo à semente, o que possibilitará o cultivo de quinoas mais doces, reduzindo a necessidade de lavagens da semente, um procedimento custoso ao produtor e que acaba tendo impacto sobre o preço final do produto. O estudo, publicado na prestigiada revista Nature, representa mais uma esperança no combate à fome mundial.

J A PÃO

ESSAS NÃO PICAM Enquanto muitos não pensam duas vezes antes de matar uma abelha, outros desenvolvem robôs para substituí-las. Diante do crescente desequilíbrio no meio ambiente causado pela redução do número de abelhas (e de vários outros insetos) no mundo, um grupo de pesquisadores japoneses teve a ideia de usar um brinquedo no processo de polinização. Com apenas 4 centímetros e 15 gramas, o pequeno drone (que pode ser encontrado por US$ 100, na Amazon) ganhou uma fina camada de pelos de cavalo, na parte inferior. Ali, a equipe de cientistas aplicou um tipo de gel que, ao tocar nas flores, colhe e deixa polens. A partir do

brinquedo, a equipe do Instituto Nacional de Pesquisa Avançada em Ciências Industriais conseguiu polinizar lírios japoneses com sucesso. As flores não foram danificadas graças à maciez do pelo de cavalo, bastante parecido com o corpo peludo das abelhas. Segundo o pesquisador Eijiro Miyako, o objetivo agora é desenvolver drones que funcionem de forma autônoma, usando tecno-

logias como inteligência artificial, GPS e câmeras de alta resolução. Uma pesquisa parecida vem sendo desenvolvida também nos Estados Unidos, na Universidade de Harvard, onde uma equipe de biólogos e engenheiros criou um protótipo de abelha drone ainda menor, a RoboBee, com apenas 100 miligramas, peso similar ao de uma abelha real. PLANT PROJECT Nº3

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BRASIL

LEMANN É AGRO Se você é produtor, deve se preocupar com os movimentos de Jorge Paulo Lemann. Brasileiro mais bem colocado no ranking de bilionários da Forbes (número 19 da lista, com fortuna estimada em US$ 28,7 bilhões), suas operações raramente são relacionadas ao agronegócio, mas suas decisões podem refletir fortemente na ponta da cadeia de produção. As empresas que seu fundo, 3G Capital – em que opera ao lado de antigos sócios como Marcel Telles e Beto Sicupira ou de mais recentes, como o megainvestidor Warren Buffett –, controla estão entre as maiores compradoras de insumos vindos das mais diversas frentes da agropecuária em todo o mundo. São dezenas de marcas, com centenas de linhas de produtos, capazes de influenciar hábitos de consumo e até mesmo preços nos mercados internacionais. Na esfera de influência de Lemann estão produtores de carnes bovina, suína e de frangos, cevada, tomate, leite, entre outros produtos agrícolas. Essa presença poderia ter ficado ainda maior caso a grande tacada do investidor não tivesse sido frustrada. Em fevereiro passado, a indústria de alimentos Kraft-Heinz – na qual o 3G e Buffett são sócios – ofereceu US$ 143 bilhões pela compra da multinacional Unilever, uma operação que 14

daria vida à segunda maior empresa de alimentos do mundo, atrás somente da Nestlé. A Unilever descartou a proposta. Imediatamente, Lemann mostrou seu apetite e abocanhou a rede americana de restaurantes Popeyes, especializada em pratos à base de carne de frango, com 2.600 lojas em território americano e em mais 25 países ao redor do planeta. Confira (a seguir e no infográfico) alguns dos movimentos de Lemann que fizeram dele um dos maiores compradores de produtos agrícolas do mundo. AB Inbev: formada ao longo de 20 anos com fusões entre as brasileiras Brahma e Antarctica, a belga Interbrew e a americana Anheuser-Busch, se tornou a maior cervejaria do mundo. Apenas a Ambev, fração brasileira do grupo, produz cerca de 16,9 bilhões de litros de bebidas por ano. Para tanto, a empresa construiu uma rede de abastecimento que garantisse o fornecimento de cevada. Para isso, a companhia mantém uma parceria com a Embrapa, por meio da qual incentiva o cultivo do grão no Brasil. São cerca de 2 mil agricultores do Rio Grande do Sul e do Paraná, espalhados por uma área de 56 mil hectares, que vendem 163,4 mil toneladas – 62% da produção nacional – anualmente para a Ambev.

Kraft-Heinz: a fusão entre a Heinz, adquirida em 2013, e a Kraft Foods deu origem à terceira maior empresa de alimentos e bebidas do planeta e uma enorme fatia do mercado de molhos prontos do mundo, com uma gigantesca demanda por tomates. A empresa não divulga o volume do produto processado, mas especialistas de mercado apontam a companhia como o principal destino dos tomates cultivados em São Paulo, maior produtor nacional, com 25% da oferta do vegetal. Burger King: adquirida em 2010, num negócio de US$ 3,3 bilhões, fez do fundo também um respeitável comprador de carnes bovinas e de frango. A estimativa é de que, por dia, sejam vendidos cerca de 11 milhões de lanches em todo o mundo. Para saciar toda essa fome, são necessárias mais de 600 mil toneladas de carne por ano. Para garantir esse volume, a empresa aposta na parceria com alguns dos maiores fornecedores de carne do mundo, como a brasileira JBS e Miratorg, maior companhia agrícola da Rússia.


DAS FAZENDAS PARA AS PRATELEIRAS

Veja como o agronegócio abastece as diversas marcas controladas pelo 3G Capital de Jorge Lemann

Grãos de café para bebidas prontas Tomates para os molho

Carne bovina para hambúrgueres e pratos prontos Carne de porco para embutidos

Nozes e amendoins para snacks

Sucos de frutas para bebidas

Leite para queijos, requeijões e pratos prontos

Cevada para a cerveja

Carne de frango para a rede de lanchonetes

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J A PÃO

HORA DE COMER A situação é bastante comum: o coquetel começa, as pessoas conversam, bebericam daqui e dali e os canapés ficam em segundo plano. O resultado? Desperdício de comida. Pois esse costume está na mira do governo japonês. O Ministério do Meio Ambiente lançou recentemente uma campanha para combater as sobras de alimentos em festas e eventos com bebidas alcoólicas. Batizada de “30.10”, a ação sugere que

E S TA D O S U N I D O S

GIRA, GIRA E LIMPA No início, os moradores de Baltimore, nos Estados Unidos, chegaram a duvidar da eficácia do projeto. No máximo, achavam simpática aquela geringonça passeando pelo porto. Pois dois anos se passaram e, desde que foi criado, o Mr. Trash Wheel já recolheu mais de 200 toneladas de lixo das águas, usando apenas energia hidrelétrica e solar. A iniciativa deu tão certo que o grupo de ambientalistas responsável pela “roda de lixo” conseguiu arrecadar mais US$ 500 mil para a construção de uma segunda máquina. Batizada de “Professor Trash Wheel”, a novata é um pouco menor que seu predecessor, mas em compensação consegue se locomover de forma mais rápida, e seus alvos são lixos menores, como garrafas plásticas e bitucas de cigarro. Segundo John Kellett, diretor da Clearwater Mills e inventor da grande roda, outras cidades americanas têm demonstrado interesse na ideia. 16

os convidados deixem um pouco o networking de lado e concentrem-se em comer durante os 30 minutos iniciais e os 10 minutos finais nesses encontros sociais. A ideia, na verdade, surgiu em 2011, na cidade de Nagano, e desde então mais de 15 prefeituras já aderiram à iniciativa. Agora, com o respaldo do Ministério, o objetivo é que todo o país seja convidado a comer mais e falar menos nas festas.


MÉXICO

Fruta popstar O que um avocado tem a ver com a final do campeonato americano de futebol? Para os produtores mexicanos, tudo. Em fevereiro último, a marca Avocados from Mexico surgiu em todas as residências ligadas no Super Bowl, em um comercial leve e bemhumorado, em que uma seita discute a dificuldade de se manter certos segredos hoje em dia, incluindo o mais importante deles: de que o avocado tem gordura boa. Com uma estratégia de marketing bastante clara e uma generosa dose de investimento (o anúncio do Super Bowl deve ter custado cerca de US$ 5 milhões), a Avocados – criada e mantida pela Associação dos Produtores e Exportadores de Avocado do México – vem se tornando um case de comunicação no agronegócio. Além

de participar ativamente das redes sociais, como Instagram e Facebook, a marca realiza premiações, divulga receitas e ainda está presente em eventos, de concertos musicais a feiras de negócios. “As pessoas não apenas reconhecem a marca, como têm simpatia por ela”, conta o diretor de marketing da Avocados from Mexico, Kevin Hamilton. A estratégia tem sido especialmente importante no atual cenário, com o governo americano ameaçando taxar produtos importados do país vizinho.

OMÃ

NO TOPO DA ARÁBIA

Você pode dizer que foi até lá pelas rosas, que florescem na primavera colorindo o deserto. Ou pelas romãs, tidas como as melhores do mundo, cultivadas em pomares que formam verdadeiros oásis. Assim, verá o lado agro do Sultanato de Omã. Mas há motivos mais surpreendentes para colocar o país encravado na ponta Sul da Península Arábica em seu roteiro. A natureza

aparentemente inóspita, por exemplo, reserva paisagens surpreendentes. E o que dizer da ousadia de se construir um hotel de luxo à beira de um cânion isolado, a mais de 2 mil metros de altitude? Com menos de dois anos de funcionamento, o resort Alia Jabal Akhdar – pertencente à rede Alia, com vários estabelecimentos de luxo na Ásia -- literalmente elevou o turismo de Omã a outro

patamar. Com vistas de tirar o fôlego e uma arquitetura única, o hotel – que fica há xxx horas de carro (4X4) da capital Mascate, agora integra os principais guias para viajantes aventureiros que não abrem mão de conforto seis estrelas. No seu entorno é possível fazer expedições guiadas com trecking, escaladas e exploração de cavernas penduradas em desfiladeiros, percorrer os terraços plantados com as famosas rosas de Omã ou visitar vilas e castelos típicos de uma região de cultura rica e preservada. PLANT PROJECT Nº3

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G I TÁ L I A

Os sobreviventes Conhecido por trabalhos que remetem a questões globais, como o aquecimento e o capitalismo, o artista plástico americano Michael Wang inspirou-se no meio ambiente para sua mais recente instalação. A mostra Extinct in the Wild, montada na Fundação Prada, em Milão, reúne algumas espécies em

extinção, tanto da fauna como da flora. Estão ali, por exemplo, o axolote, também conhecido como salamandra mexicana (Ambystoma mexicanum), assim como a Brugmansia suaveolens (conhecida como trombeta ou canudo), que desapareceu do seu hábitat natural, a África do Sul, e hoje só é

ADUBE A SUA HORTA

FRANÇA

XIXI INTELIGENTE Verdade seja dita: urinar na rua não é uma exclusividade do brasileiro. Seja em função de eventos públicos, seja pela quantidade de turistas, grandes metrópoles acabam sofrendo com o déficit de banheiros públicos, resultando naquele cheiro desagradável de xixi pela rua. A prefeitura de Paris conhece bem o problema e resolveu testar um novo modelo de toalete químico. Criado pelo estúdio francês Faltazi, o Uritrottoir consiste em duas caixas empilhadas: na de cima ficam algumas plantas com fins decorativos, enquanto a parte inferior, para onde vai a urina, contém um tipo de palha que previne odores. Quando cheio, um sensor instalado no Uritrottoir aciona uma central, via internet, e um funcionário vem retirar a palha. Esta, por sua vez, é transportada para um centro de compostagem e transformada em fertilizante para parques públicos, jardins e até mesmo para as plantas que decoram o próprio mictório. Por enquanto, a prefeitura de Paris encomendou duas unidades (a um custo aproximado de US$ 4,7 mil cada), para testar a aceitação do público. 18

desenvolvida em cativeiro. Ao colocá-los em redomas de vidro e alumínio, Wang quis chamar a atenção não apenas para o processo de extinção, mas também para o de sobrevivência.

1 ANO DEPOIS

DOMESTIQUE SEU XIXI SELVAGEM FAÇA A COMPOSTAGEM


Riqueza atolada no lamaçal da BR-163, no Pará

Ag AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

foto: Airam Abel

O Brasil depende do agronegócio e tem uma dívida com ele, que puxa os bons resultados da economia, mas não recebe contrapartidas em infraestrutura para escoar a produção

foto: Mácio Ferreira/Ag.Pará PLANT PROJECT Nº3

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Ag AGRIBUSINESS

Empresas e líderes que fazem diferença

AGRO As colhedeiras se movimentam nas lavouras e os caminhões ficam parados na BR-163, no Pará: descompasso entre produção e logística impede crescimento maior foto: Shutterstock

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DEPEN DÊNCIA Uma supersafra de meio trilhão de reais descola o campo da crise e traz de volta um (falso) dilema estratégico: como lidar com a agrodependência? Por AleXandre TeiXeira

foto: Mácio Ferreira/Ag.Pará PLANT PROJECT Nº3

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Ag Economia

I

magine uma frota de três navios. À frente, segue uma nau de madeira, do tempo das caravelas, que, apesar do peso dos anos e da tripulação reduzida, navega veloz empurrada por ventos vindos da Ásia. O barco é antigo, sua liderança causa certo embaraço aos demais, mas, visto de perto, tem a bordo tecnologias surpreendentemente sofisticadas e navegadores altamente conectados com o que há de mais moderno. Atrás dele, com os motores superaquecidos, segue um navio novo, lotado de marinheiros pouco qualificados, que não parecem saber lidar com a calmaria. Fechando o cortejo, vai uma outrora vistosa embarcação de aço, precocemente envelhecida, soltando fumaça e praticamente à deriva. O que você faz diante desse quadro? Libera a caravela para abrir distância e lhe oferece apoio na chegada a portos estrangeiros? Ou trata de segurá-la até que os dois navios mais novos, porém mais lentos, consigam resolver seus problemas e deem um jeito de, talvez, alcançá-la? Batize esses barcos, respectivamente, de Agro, Serviços e Indústria e teremos uma descrição razoavelmente fiel do momento vivido pela economia brasileira, bem como do (falso) dilema estratégico apresentado ao País. Não é de hoje que o setor agropecuário lidera o crescimento econômico nacional. Porém, com a recessão prolongada do último triênio e a colheita ruim em 2016, o mar ficou tão revolto que a diferença de velocidade deixou de ser notada. Agora, com uma

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supersafra de mais de meio trilhão de reais a caminho, e a expectativa de que o PIB do agronegócio cresça até 4%, contra 0,7% da economia como um todo, o Brasil se reencontra com uma de suas características definidoras: a agrodependência. E precisa decidir o que fazer dela. Segundo levantamento feito pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) e divulgado em fevereiro, a produção de grãos baterá novo recorde no Brasil, devendo chegar a 219,1 milhões de toneladas na safra 2016/17 – 17,4% a mais que os 186,6 milhões de toneladas da safra anterior. Com base nesse número, encorpado pelas demais lavouras e pela pecuária, o Ministério da Agricultura prevê que o setor vai injetar R$ 546 bilhões na economia neste ano – R$ 15 bilhões a mais do que em 2016, quando o clima não ajudou. Uma colheita dessas proporções certamente ajudará tanto na recuperação da economia quanto na queda da inflação. Com a oferta de alimento barato, crescem as chances de ter o IPCA abaixo da meta de 4,5% e o espaço para ampliar o processo de corte de taxas de juros. Há quem argumente que a produção rural (da porteira para dentro) representa apenas 5% do PIB brasileiro e, portanto, não é lá tão relevante para as contas nacionais. Contudo, da prancheta do cientista que desenvolve uma nova variedade de semente até a gôndola do supermercado, o setor representa cerca


fotos: Agência IstoÉ

de um quarto da economia nacional e um terço dos empregos no Brasil. Não bastasse isso, o agronegócio é decisivo para o comércio exterior. No ano passado, garantiu o maior superávit já registrado na balança comercial brasileira: US$ 47,7 bilhões. Sete dos dez itens mais exportados saíram de fazendas e agroindústrias nacionais. Historicamente, quando a economia entra em fase de recuperação, o agronegócio é o primeiro setor a despontar – com potencial para trazer outros setores para cima também. “O agricultor colhe e troca a picape”, exemplifica José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. As correias de transmissão da economia fazem com que o desempenho do campo aqueça desde a indústria química (o segmento de fertilizantes cresceu 15% em volume no ano passado) até o varejo, que conta com um aumento de renda relevante no Centro-Oeste e no Sul agrícolas para se estabilizar ou crescer neste ano (leia outros exemplos nos quadros ao longo da reportagem). Os consultores da MB Associados avaliam que, ao longo dos próximos anos, o papel da agricultura tende a crescer ainda mais, uma vez que melhorias tecnológicas estão permitindo que novos produtos sejam criados a

partir de biomassa. Compostos plásticos que podem ser usados na produção automotiva são apenas um entre vários exemplos de “biomateriais”. Dado esse cenário, a primeira pergunta que se faz é: por que o agronegócio é tão mais dinâmico que o restante da economia? O economista Samuel Pessôa, da FGV, atribui o desempenho superior da agropecuária a três fatores: a demanda crescente por commodities agrícolas no Leste Asiático, o forte processo de liberalização pelo qual passou o agronegócio brasileiro e uma certa injustiça tributária contra os demais setores da economia. Uma explicação complementar, que Mendonça de Barros construiu ao longo dos anos para interpretar o descolamento do agronegócio em relação ao restante do PIB, é a seguinte: a cadeia agropecuária é o único segmento relevante da economia brasileira que tem duas características ao mesmo tempo. A primeira é que ela compete no exterior. A

Mendonça de Barros (à esq.), da MB Associados, e Pessôa, da FGV: o papel do agro no cenário econômico deve ficar ainda mais relevante com os aumentos de produtividade e o crescimento da demanda por alimentos

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Ag Economia

U M S O P R O D E OTIMISMO

A Mercedes-Benz fez as contas e constatou: o novo recorde de produção de 219 milhões de toneladas de grãos significa 32,5 milhões de toneladas a mais a serem transportadas – principalmente por caminhões. A oportunidade existe e, no mercado de soja, o número de consultas à montadora cresceu em relação a 2016. Negócios foram fechados, como a venda de 15 caminhões Actros para a frota própria do Grupo Cereal, um dos grandes produtores da cidade de Rio Verde, principal polo agrícola de Goiás. Não há, porém, um movimento mais expressivo até o momento, na comparação com as vendas de dois ou três anos atrás. Com a safra de soja ainda sendo colhida no Mato Grosso, o clima entre produtores é de otimismo cauteloso. “Todos esses números [indicativos de supersafra] precisam virar realidade”, nota Roberto Leoncini, vice-presidente de Caminhões e Ônibus da

segunda é seu foco no aumento da produtividade através da aplicação de tecnologia. Considere o ranking dos três principais exportadores de produtos agrícolas da atualidade e você encontrará o Brasil entre os líderes em mais de uma dezena de commodities. É fácil entender por quê. De 1990 para cá, a área para plantio 24

Mercedes-Benz do Brasil. “Quando viram realidade, eles começam a ter impactos.” Com a quebra da safra de 2016, algumas transportadoras pararam de 70% a 80% de suas frotas. Os dois primeiros meses de 2017 mostraram alguma recuperação em relação ao mesmo período do ano passado no que diz respeito a consultas. A expectativa da Mercedes, porém, é capturar os impactos da supersafra a partir do segundo trimestre de 2017. “Por enquanto, quem tinha 70% da frota parada está colocando os carros para andar”, afirma Leoncini. No entorno das fazendas, ao mesmo tempo, todo o dinheiro que a safra vai despejar nos polos agrícolas espalhados pelo País deve gerar negócios para a Mercedes na distribuição urbana e entre centros de abastecimento. “Como a economia desses polos agrícolas cresce”, afirma Leoncini, “cresce também a necessidade de transporte”.

de grãos no País cresceu 57%. No mesmo período, a produção teve um aumento de 280%. “Graças à pesquisa da Embrapa, responsável pela evolução da tecnologia no Cerrado, estamos hoje quase nos mesmos níveis dos Estados Unidos em termos de produtividade”, afirma Maurício Sampaio, da GO Associados.

É verdade que parte expressiva do aumento da produtividade veio da mecanização das lavouras, o que significa que o setor já não emprega mão de obra como no passado. “Mas em qualquer economia é assim. Não é só no Brasil”, diz Marcos Jank, especialista em agronegócios globais sediado em Cingapura.


“Mesmo os países que mais subsidiam [a produção agrícola] não conseguiram interromper o processo de intensificação da produção via mecanização.” Dada a condição privilegiada que o agronegócio tem no Brasil em relação a outros setores do ponto de vista de produtividade, é preciso entender qual a estratégia que o País deveria adotar a partir dessa realidade: abraçar a “agrodependência” ou tentar se livrar dela? Ambas as alternativas podem conviver, desde que colocadas dentro de uma mesma política de crescimento e desenvolvimento. É importante que a economia brasileira seja mais diversificada e menos apoiada no setor agroindustrial. Isso deve acontecer, no entanto, com o avanço dos demais de forma mais acelerada, em simultâneo ao incentivo e apoio ao segmento para o qual o Brasil é claramente mais vocacionado. Com retribuição, na forma de um plano estratégico, ao que o agronegócio já fez – e pode fazer ainda com mais intensidade. Apesar de sua relevância e dos seus resultados, o setor é muitas vezes visto de forma marginal e pejorativa dentro das esferas de poder. Marcos Jank entende que o Brasil é, sim, dependente do campo para crescer sem inflação, mas afirma ter medo da expressão “agrodependência”, que lhe traz sentimentos negativos. “Já entrei em brigas,

no passado, com pessoas que dizem que o Brasil tem a ‘doença holandesa’”, conta. Em economia, doença holandesa refere-se à relação entre a exportação de commodities abundantes e baratas e a desindustrialização do país que as possui devido à sobrevalorização permanente da moeda local. O antídoto muitas vezes sugerido nesses casos é a taxação, pelo próprio país exportador, da exportação de suas commodities. “Tem gente que vem com essa ideia boba e ainda diz que esse é um setor atrasado, o que é absolutamente falso”, afirma Jank. Olhe para a agricultura moderna. O produtor compra cada vez mais produtos industriais, como os já mencionados fertilizantes. Compra máquinas e softwares para agricultura de precisão. E começa a usar drones para monitorar suas plantações. Ainda assim, há quem olhe para essa discrepância entre

Transporte de equipamentos no interior de SP: vendas no setor já reagiram e cresceram mais de 70% em 2017

fotos: Agência IstoÉ

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Ag Economia

Marcos Jank, especialista em agronegócios globais: o Brasil precisa reforçar a diplomacia da comida

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a pujança do setor agrícola e a performance anêmica da indústria e dos serviços e avalie que temos um problema enquanto país: estarmos, por uma armadilha histórica, dependentes da produção e exportação de commodities. É claro, porém, que a falta de competitividade dos outros três quartos da economia não é problema do agronegócio. Os setores não agrícolas, que nunca enfrentaram competição global, acostumaram-se à proteção por tarifas altas e políticas de conteúdo nacional. Logo, não conseguem competir internacionalmente. Nesse sentido, deixar o agronegócio andar com as próprias pernas e se virar como pode contra a concorrência internacional é positivo. Contudo, até como complemento a esse laissez-faire, a política comercial brasileira precisaria fazer mais pelo agronegócio em negociações internacionais e abertura de mercados. É o que se pode chamar de abraçar a agrodependência. Convencer-se de que não é um demérito para o Brasil ter um agronegócio competitivo e pujante. Vista sob esse prisma, a questão da diplomacia talvez mereça uma atenção especial. O mundo vê outros países apostando muito na chamada “food diplomacy”, enquanto o Brasil demonstra pouco apetite para uma “diplomacia

da comida”. Produtores rurais acham nossos governos tímidos na defesa do produto brasileiro fora do Brasil, quando se trata de derrubar barreiras tarifárias e sanitárias e, de outro lado, de fechar acordos de comércio que lhes abram novos mercados. “Enquanto isso, a Austrália e a Nova Zelândia, para dar só dois exemplos, protegeram toda a sua exportação com acordos comerciais”, nota Jank. É possível, contudo, que o momento atual seja um ponto de inflexão. Jerry O’Callaghan, diretor de relações com investidores da JBS, afirma notar uma atitude mais proativa em termos de política comercial nos primeiros nove meses do governo Temer. “Há uma busca incessante por oportunidades. O problema é que nós entramos anteriormente em acordos, como o Mercosul, que limitam a nossa possibilidade de atuar individualmente como país”, pondera ele. Infraestrutura é outra área que merece atenção. Para ficar no descalabro mais recente, basta lembrar que, com cerca de 3 mil caminhões parados nos 100 quilômetros não asfaltados da BR-163 por algo entre dez a 15 dias, é certo que houve um desarranjo das operações logísticas para escoamento de parte da safra de soja do Mato Grosso pelos portos do Norte. A cobrança da parte de produtores rurais por melhores estradas e portos


UM BANCO SÓ PARA PRODUTORES RURAIS O que fazem os bancos em época de crise? Como regra, reduzem a oferta de crédito e oferecem dinheiro mais caro. Pisam no freio, portanto. Nesta longa recessão, o Santander optou por tentar algo diferente: redirecionar seus financiamentos para setores menos afetados pela crise – e a agropecuária é um deles. Veterano do setor, Carlos Aguiar entrou no banco como superintendente executivo de agronegócios em 2015, bem no olho do furacão econômico. “Começamos a colocar nossa estratégia em prática em 2016”, conta ele. No primeiro ano, o alvo foram grandes clientes empresariais, mais fáceis de atender, operando com maiores volumes e mais atentos a novidades. Este ano vieram as “lojas agro”, pontos de atendimento em locais onde o banco não tinha presença, a pelo menos 300 quilômetros da sua agência mais próxima. A primeira delas foi aberta no

é maior, porque eles perdem muito dinheiro e muita competitividade devido a problemas de transporte e logística. A grande questão é como financiar as obras urgentemente necessárias. Samuel Pessôa sugere o resgate do modelo com o qual o Brasil construiu as ferrovias que escoavam o café no século XIX. Mogiana, Sorocabana e Paulista eram empresas privadas, que davam lucro e remuneravam seus acionistas.

dia 4 de janeiro, em Cristalina (GO), e a última das oito programadas para a primeira fase do projeto deve ser inaugurada até o final do primeiro semestre. Na agência especializada inaugurada no dia 3 de março em Posse, no leste de Goiás, há atendimento exclusivo para o produtor rural em horários pré-agendados e produtos como o Crédito Direto ao Consumidor casado com o fluxo de caixa do agricultor. A escolha das cidades que estão recebendo as primeiras lojas é fruto do cruzamento do PIB agrícola por município com o mapa de Valor Bruto de Produção, uma maneira de medir a renda gerada por produtos agropecuários em cada região. A abertura das agências especializadas deve continuar nos próximos anos, mas não encerra a estratégia agro do banco. “Vamos trocar sistemas, reforçar crédito, trazer mais gente”, promete Aguiar.

A renda delas vinha do frete cobrado para o transporte de café. A principal condição para esse tipo de arranjo é melhorar a segurança jurídica e construir marcos regulatórios que deem segurança para o operador privado assumir esse investimento. Essa é uma agenda que ficou para trás nos últimos anos. “Olhou-se demais para a indústria, para campeões nacionais e de menos para a infraestrutura como um todo”,

critica Pessôa. Felizmente, parte dos projetos de infraestrutura incluídos pelo governo Temer no Programa de Parcerias de Investimento (PPI) é dedicada a algumas obras de infraestrutura para o agronegócio – cerca de 20% dos R$ 67 bilhões do total de recursos a serem levantados para o PPI, segundo um estudo da GO Associados. Velas novas, quem sabe, para a resiliente nau capitânia da frota econômica brasileira. PLANT PROJECT Nº3

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Ag Palavra de Autoridade

“O AGRO PRECISA DE UM GOVERNANTE” Um dos mais relevantes líderes da bancada ruralista, o senador Ronaldo Caiado diz que a solução para os problemas do setor passa pela eleição de um presidente que dê prioridade à atividade econômica mais importante no País. Ele mesmo, quem sabe... Por IzaBelle Torres | Fotos Adriano MaChado, de BrasÍlia

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A

voz marcante e a disposição para embates duros que deram notoriedade ao senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) têm se voltado para um novo foco nas últimas semanas. Referência de político do setor agrícola, bom de briga e defensor declarado dos interesses dos produtores rurais, Caiado se dedica ultimamente a conversas e discursos para lembrar que, diante da importância do setor agrícola para o PIB brasileiro – mais de 20% do total – e do uso dos números positivos da produção para melhorar a imagem do governo, o Executivo negligencia as necessidades dos produtores e cria obstáculos burocráticos e estruturais ao desenvolvimento, crescimento e transporte das safras. “Enquanto utiliza os números da safra recorde de 213 milhões de toneladas como argumento sobre os primeiros sinais de crescimento da economia, o governo ainda não apresenta respostas contundentes sobre as providências que serão tomadas em favor

da agricultura brasileira”, afirma ele em conversa com a equipe de PLANT em seu gabinete no Senado, em Brasília. Caiado é o mais incisivo e carismático entre os líderes da bancada ruralista no Congresso e se orgulha disso. É sempre alvo de assédio e de aplausos entusiasmados em suas aparições em eventos e feiras agropecuárias Brasil afora. O sucesso ele atribui à força política do setor e às vitórias durante a votação do Código Florestal e ao enterro de muitas outras propostas que chegam ao Congresso e que tinham o poder de atrapalhar o desempenho do agronegócio, que, aliás, considera sub-representado no Executivo. “O setor rural precisa de um governante”, cravou, na entrevista, ao tratar do que considera a agenda prioritária para a agropecuária. E se colocou à disposição para a função, dizendo-se disposto a lançar seu nome na disputa à Presidência da República como representante dos produtores. PLANT PROJECT Nº3

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Ag Palavra de Autoridade

PLANT: O senhor acredita que há um abismo entre a importância do setor agrícola para o País e a contrapartida dada pelo governo? CAIADO: Sem dúvida. É muito comum nós fazermos uma análise macro do processo e ficar todo mundo entusiasmado, dizendo que a agronomia é o setor de sucesso, de maiores resultados. Realmente é a âncora da economia e seus números estão ajudando o governo, tanto que muito se tem falado de resultados e do sucesso da safra de 213 milhões de grãos. De fato, se você faz essa análise e coloca o volume produzido e multiplica pelo valor da soja, por exemplo, realmente você vai encontrar resultados bons. O

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problema é que ninguém está contabilizando toda essa falta de estrutura e apoio do governo, que provoca um resultado extremamente danoso para o agricultor. São problemas como estruturas precárias, atoleiros e dificuldades de obtenção de créditos com taxas diferenciadas. PLANT: A falta de estrutura é das estradas, já que quase 3 mil caminhões atolaram no Pará? CAIADO: É também, e principalmente. É uma somatória. Em todas as safras, o problema está na falta de rodovias, na dependência enorme das condições climáticas. Quando chove, as estradas somem. Então, sem conseguir transitar, você começa


a ter outros problemas. Sem capacidade e boa estrutura para armazenar e secar o produto, haverá comprometimento do resultado final e a qualidade da soja ou do milho já não será a mesma. A dificuldade de transporte gera um aumento absurdo dos valores de frete. Aí, você não pode contar com a competitividade do setor porque fica no ombro do agricultor despesas como o frete, que em condições precárias está cada vez mais caro. PLANT: Há regiões com mais problemas do que outras, ou a dificuldade estrutural é generalizada? CAIADO: A questão da estrutura e do preço do frete não se limita a algumas regiões. É um problema de todos os lugares. Agora você tem 3 mil caminhões atolados na BR-163. Mas hoje, em Mato Grosso, na Cuiabá–Santarém, está todo mundo sem conseguir transportar a safra. Na minha região, no sudoeste goiano, você também vai encontrar uma dificuldade enorme com os fretes. Se você chega a Chapadão do Céu, Aporé ou Itajá não tem nem transporte. Não tem como transitar! PLANT: Mas a ideia que o governo passa, e precisa passar, é a de que o agronegócio é o setor de grande sucesso. CAIADO: Acho que quando você faz a análise sobre os

resultados e o número de grãos, realmente fica parecendo que o cenário é bonito. Mas uma coisa é a capacidade do setor, a outra é a contrapartida que ele recebe do governo de um país que depende diretamente dele. O agro é o setor mais moderno, o setor que avança, que atinge maior produtividade e preserva meio ambiente. E, de repente, você nota que não há um bom resultado final. A realidade é mais dura. Afinal, você tem que chegar ao porto, enfrentar uma imensa burocracia, lidar com a política alfandegária, com as taxas de transporte marítimo, que são altíssimas. O que acontece hoje é que o governo se beneficia desses números positivos, mas esquece que toda incompetência do governo é repassada ao bolso do produtor. PLANT: Ainda há problemas com as taxas de juros? CAIADO: Empréstimos que foram tomados a 9,75%, por exemplo, para serem pagos em dez ou 20 anos estão agora muito altos por conta da nova política de juros, por causa da taxa Selic. Então, em vez de haver uma política diferenciada para atender ao setor rural, a inversão da política de juros faz com que o investimento que ele fez custe três vezes mais do que o valor calculado no ato do empréstimo. São gargalos. O pior é que esses problemas são reincidentes.

PLANT: Representantes do agronegócio falam muito em insegurança jurídica. CAIADO: A insegurança jurídica, que aflorou muito no governo do PT, é outro problema enorme. Nós temos uma lei que determina que propriedade invadida não seria suscetível a desapropriação pelo prazo mínimo de dois anos e as pessoas que promoveram as invasões também não seriam atingidas no assentamento. Isso foi uma MP transformada em lei na época do Fernando Henrique Cardoso, mas durante 13 anos os governos do PT simplesmente descumpriram a norma. Então, as terras eram invadidas, depredavam o patrimônio, e o agricultor não tinha nenhuma garantia de que seria recompensado pelos danos praticados lá. Em muitas regiões do País, você fica esperando que órgãos do governo façam laudos antropológicos sobre as áreas. Hoje, se um laudo aponta que sua terra é indígena, ninguém quer saber. Nem mesmo se você alegar que está lá há três gerações ou mais, que tem o título de propriedade da terra e mostrar o pagamento pela área. Mesmo assim, o agricultor é simplesmente expropriado. E na expropriação você é obrigado a desocupar sem levar nada, sem ser sequer indenizado. Isso tem acontecido muito no Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. São PLANT PROJECT Nº3

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situações revoltantes diante de um processo que tenta cada vez mais dilapidar uma base única e competitiva internacionalmente. PLANT: O Ministério da Agricultura apresentou o Plano Agro+. É um caminho para resolver os problemas? CAIADO: Não é suficiente e não ataca os principais pontos. PLANT: Como está a representatividade do setor no Executivo? CAIADO: Ainda é pequena. Mas acredito que a pesquisa tem uma fundamental importância. A Embrapa é um órgão vital para o setor e alavancador da capacidade de produção. O problema é que nos últimos anos a empresa foi sucateada, deteriorada pelos princípios ideológicos do PT. Em vez de investimentos em pesquisa, os últimos anos foram de sucateamento. A ideologia prevaleceu sobre a ciência, e a Embrapa perdeu cargos e estagnou a pesquisa. Hoje, estamos importando muito mais tecnologia em vez de estarmos desenvolvendo nossa tecnologia própria. Graças à ciência, conseguimos plantar soja em diferentes regiões do País, aumentamos a qualidade da carne e disputamos com os melhores exportadores do mundo e temos o boi verde, que não se alimenta de resíduos animais. 32

PLANT: Apesar da falta de contrapartida governamental, o País vive uma evolução na agricultura? CAIADO: Não temos no Brasil nenhum setor da economia que sequer se equipare ao setor rural. Hoje, ele é o único que incomoda os grandes blocos, seja europeu ou o Nafta, pela capacidade de produzir em curva ascendente jamais vista em outro país. Há 20 anos, nós produzíamos 70 a 80 milhões de toneladas de grãos e hoje estamos chegando a 213 milhões de toneladas. Você percebe que nenhum outro país conseguiu isso. A revolução da agricultura é indiscutível. Nós competimos com europeus e americanos, que produzem e embarcam suas safras em navios, contêineres, em estradas perfeitas e rápidas, enquanto nós atolamos na lama. Estamos ganhando essa disputa porque o agricultor está arcando com os prejuízos. A renda que seria do agricultor está servindo para arcar com as falhas do governo. PLANT: Esse sucesso se deve somente ao esforço dos ruralistas? CAIADO: Acredito que isso se deve a uma frente de apoio político que existe em torno do setor. Há 30 anos, nós tivemos a capacidade de nos organizarmos em torno da redação da Constituição para garantirmos, por exemplo, o direito de propriedade. A partir dali, nos organizamos e formamos uma

frente suprapartidária em defesa da agricultura. Hoje é a frente mais consolidada do Congresso e é vitoriosa em todas as votações. E é graças a essa mobilização que conseguimos estancar aqui no Congresso as medidas preconceituosas e punitivas ao setor rural. E, se ainda não conseguimos interferir em segurança jurídica e obras de infraestrutura, nós temos pelo menos a capacidade de fazer com que a legislação não seja inviabilizadora do setor. Aqui no Congresso, conseguimos evitar o aumento da carga tributária, encontrar saídas para a renegociação da dívida dos agricultores e até trabalhar em torno do Código Florestal para evitar a aprovação de leis que poderiam prejudicar o setor. PLANT: O que deve estar incluído em uma agenda política do setor? CAIADO: Temos terras ainda bastante degradadas e poderemos ampliar nossa área plantada com uma política de recuperação das terras. Acho que é preciso incentivar a política da composição da agricultura com a pecuária e a produção de massa verde. São novas situações e possibilidades que podem ajudar o setor a crescer. Penso que seria prioritário falar no seguro agrícola. É uma pauta necessária há anos e que nunca foi adiante. O produtor não suporta mais depender do governo e do clima, arcando 100% com os riscos.


Palavra de Autoridade

O segundo ponto é o grande desafio. É necessário trazer renda para o setor. Há mais de 30 anos, eu brigo para que o agricultor possa ter um repasse e uma qualidade de vida compatível com a importância do setor. PLANT: O presidente Temer afirmou que a agricultura precisa mesmo é de dinheiro. O senhor acha realmente que é isso mesmo? CAIADO: Depende do dinheiro. Se quiserem emprestar recursos com taxa de mercado, não estará fazendo graça alguma. Se houver ao menos uma equiparação entre os subsídios dados a outros setores com a agricultura, já seria um avanço. Não é só o dinheiro. É preciso saber de que forma chegará esse dinheiro. Acho que ele tinha que se preocupar mais nesse momento era em gastar dinheiro corretamente com a infraestrutura. É inaceitável

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que a agricultura bata recordes de produção e a safra fique atolada na lama. É um colapso! Eu diria que antes de pensarem no financiamento da safra e achemos que isso resolve o problema, o setor rural está mesmo precisando de um governante. Um presidente que dê prioridade a fazer algo que possa ajudar a aumentar a competitividade do setor. PLANT: Em relação ao cenário político, o senhor está disposto a disputar a Presidência da República? CAIADO: Eu não diria que é uma decisão já tomada. Mas disputei a presidência em 1989, fiquei cinco mandatos como deputado federal e agora estou no meu primeiro como senador. Eu diria que me vejo em condições de colocar meu nome, mas isso é uma decisão partidária. Não é algo que seja possível decidir sozinho. PLANT PROJECT Nº3

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Ag Reportagem de Capa

O FUTURO DA COMIDA

Cientistas trabalham no “Computador da Comida” do MIT Open Agriculture Initiative: as melhores universidades do mundo estão em busca de um novo modelo tecnológico para produção 34


Como a revolução tecnológica que vai além do campo pode afetar nossos hábitos alimentares e influenciar toda a cadeia produtiva Por NiCholas Vital

foto: MIT OpenAg

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fotos: Divulgação

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agricultura existe há cerca de 10 mil anos e desde então tem sido fundamental para o desenvolvimento dos povos em todo o mundo. O domínio da arte de plantar e colher fez com que o homem deixasse a vida nômade de lado e, pela primeira vez na história, se fixasse na terra. A atividade evoluiu lentamente até o início do século XX, quando a profissionalização do setor levou a uma profunda transformação na forma como os alimentos são produzidos. As principais culturas foram adaptadas a novos locais de cultivo, o plantio foi mecanizado, as sementes melhoradas, novas tecnologias para correção de solos e defesa contra pragas invasoras foram descobertas. O resultado disso foi um aumento expressivo na oferta global de alimentos, o que possibilitou o crescimento em escala jamais vista da população mundial. Se em 1900 o planeta abrigava algo em torno de 1,5 bilhão de pessoas, hoje somos mais de 7 bilhões. Até 2100, a expectativa é de que esse número ultrapasse a marca de 11 bilhões de habitantes. Os números não deixam dúvidas de que será preciso um

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novo salto de produtividade nas lavouras para alimentar a população crescente. O problema, no entanto, é que esse aumento não poderá se dar a qualquer custo. Diante de consumidores cada vez mais exigentes e comprometidos com questões sociais e ambientais, fica a pergunta: como resolver essa equação? Nos últimos anos, inúmeros experimentos relacionados à produção de alimentos têm sido realizados. Coisas que antes pareciam saídas dos filmes de ficção científica hoje são realidade em várias partes do mundo. São câmaras de cultivo indoor totalmente controladas por computadores, prédios inteiros dedicados à produção agrícola, carnes desenvolvidas em laboratório e vegetais mais saborosos e com teores mais elevados de nutrientes e vitaminas. Invenções que, mesmo restritas e testadas de forma experimental, já demonstram grande potencial. Para os especialistas, as novas tecnologias vieram para ficar. Segundo eles, será preciso deixar o preconceito de lado e rever a forma como produzimos nossa comida, uma


Reportagem de Capa

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Linha de produção da Mirai Farming, no Japão: país foi pioneiro no desenvolvimento da agricultura indoor

revolução silenciosa que deve impactar toda a cadeia produtiva de alimentos. Modismos e avanços que se mostrarem viáveis do ponto de vista econômico, porém, dificilmente substituirão de maneira integral os modelos tradicionais de produção, já que a demanda crescente por alimentos. Prestar atenção a eles pode, no entanto, ser um exercício educativo até para os grandes produtores de commodities. Na era dos millennials – como são conhecidos os jovens nascidos após 1980, que viveram a maior parte de sua vida adulta já no atual milênio --, discussões em torno da origem dos alimentos serão cada vez mais cruciais, até mesmo na conquista (ou perda) de mercados. Muito mais do que quantidade, as novas gerações desejam produtos de qualidade, cultivados com respeito ao meio ambiente e de forma socialmente correta. Mais do que saber o que estão comendo, exigem transparência para conhecer a procedência e a forma de produção de cada ingrediente. Exigente, esse jovem consumidor tem pressionado as indústrias, que por sua vez repassam a pressão aos seus fornecedores, que são obrigados a se adequar à nova realidade, muitas vezes até revendo seus processos produtivos. Quando falamos em jovens, não estamos mais falando em meia dúzia de moleques mimados. Nos

Estados Unidos, por exemplo, os millennials já são maioria. De acordo com um estudo recente do Pew Research Center, esse grupo é composto atualmente por quase 70 milhões de americanos e a sua influência no mercado de alimentos só tende a aumentar daqui por diante. MAIS PERTO DA PRODUÇÃO Lideradas por alguns desses millennials, uma série de startups focadas em novas tecnologias de produção de alimentos, ou simplesmente “food tech”, têm sido criadas em todo o mundo. Essas empresas surgem, geralmente, das necessidades desses jovens — em muitos casos diferentes das de seus pais, QUE FORMAVAM A CHAMADA Geração X. Um exemplo recente é o movimento “Eat Local”, que fomenta o consumo de alimentos produzidos localmente, colaborando para o desenvolvimento da economia na região e ainda reduzindo a pegada de carbono desses produtos. O desejo dos consumidores por esse tipo de alimento tem feito com que cada vez mais as áreas urbanas até então ociosas sejam aproveitadas para o cultivo de frutas, verduras e legumes. As cidades, assim, vão se transformando em inusitadas fronteiras agrícolas (leia reportagem na seção Fronteiras, na pág. XX). E qualquer espaço disponível pode ser visto como um centro produtivo.

Nos Estados Unidos, já é comum encontrar verdadeiras lavouras notopo de grandes galpões, sob linhas de transmissão de energia ou até mesmo em telhados residenciais. São inúmeras variações, desde instalações caseiras até equipamentos desenvolvidos especificamente para o cultivo alternativo. Em comum, todos eles têm o objetivo de aumentar a oferta de alimentos para a comunidade. Pioneira nesse mercado, a Omni Ecosystems foi fundada em 2006, em Chicago, como uma empresa especializada em estruturas para agricultura urbana e logo se transformou em referência em sistemas de cultivo especiais no topo de prédios e galpões, com plantações em operação em Boston, Indianápolis e São Francisco. O modelo de negócio da Omni ainda prevê que uma outra startup, a coirmã The Roof Crop, opere as áreas de produção, de graça, em troca de uma parcela dos alimentos colhidos. “O interessado precisa apenas arcar com a implementação das estruturas. Nós cuidamos de todo o resto, desde o plantio até a colheita, lavamos e embalamos os produtos seguindo todos os padrões de qualidade”, afirma Tracy Boychuk, uma das fundadoras da companhia. Segundo ela, são necessários apenas 10 centímetros de terra, o suficiente para cultivar a maioria dos vegetais. Já os PLANT PROJECT Nº3

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Ag Reportagem de Capa

fotos: Divulgação

Ethan BroWn, CEO da Beyond Meat, que produz substitutos para a proteína animal, e lavoura “fechada” de maconha da Pure Agrobusiness (na PÁG. à DIR.): cultura alternativa vira laboratório para novas possibilidades de consumo e produtividade

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tamanhos variam de acordo com a disponibilidade de cada local, mas podem ter de 50 a 500 metros quadrados. “Cultivamos melões, batatas, cenouras, feijão, couve, berinjela, framboesas, entre outros. Todos eles se desenvolvem muito bem.”, diz a executiva. Mas em pelo menos uma experiência, na cobertura de um edifício de Chicago, a empresa decidiu semear grãos que normalmente são produzidos apenas em grande escala. Em uma área de pouco mais de 450 metros quadrados cultivou trigo, planta que se adapta bem ao frio da cidade. O desenvolvimento e a colheita surpreenderam a todos. Os grãos obtidos foram processados no próprio local e resultaram em cerca de 27 quilos de farinha. A quantidade é pequena, mas o modelo tem gerado interesse e se mostrou replicável, sobretudo no que se refere à produção de hortaliças para consumo local. Toda a produção é dividida entre o dono do imóvel e a The Roof Crop, que vende o seu quinhão à vizinhança e em feiras livres na própria região. Projeto semelhante é desenvolvido desde 2012 na cobertura do Shopping Eldorado, um dos maiores e mais tradicionais de São Paulo. Lá, a produção de verduras, legumes e plantas medicinais surgiu como um complemento a um plano para eliminação de uma tonelada em resíduos orgânicos recolhidos

diariamente nos restaurantes que operam no prédio. A compostagem desse material deu origem a um solo com nutrientes que passou a ser utilizado na horta, hoje fonte de alimentos frescos para cerca de 400 funcionários do shopping. Além disso, a presença do telhado verde ajudou a diminuir a temperatura do prédio, reduzindo gastos e consumo de água com ar condicionado. EDIFÍCIOS-FAZENDA Em outros edifícios americanos, porém, a agricultura urbana é levada a um outro nível. Em Newark, no estado de New Jersey, fica a sede da AeroFarms, uma companhia fundada em 2004 que investe na produção de alimentos em larga escala dentro dos grandes centros, e já opera nove unidades de produção. A recém-inaugurada planta de Newark foi construída em um galpão que até pouco tempo atrás abrigava um campo de paintball e, com uma área total de 6,5 mil metros quadrados, já nasceu com o título de maior fazenda urbana do mundo. Dentro da instalação, o cenário é digno dos filmes de ficção. As mudas ficam milimetricamente enfileiradas, distribuídas por dezenas de colunas repletas de bandejas suspensas. Lâmpadas de LED especiais coloridas que mudam de intensidade ao longo do dia, substituindo a luz solar, dão um tom ainda mais


fotos: Divulgação

futurista ao local. O ambiente, evidentemente, é totalmente controlado, com temperatura e humidade monitoradas 24 horas por dia. Tanto cuidado tem o seu preço — embora não revelado, é sabido que o desembolso para manter uma estrutura como essa não é baixo. A contrapartida vem na forma de uma produtividade até 75 vezes maior se comparada a uma lavoura convencional, tudo isso usando 95% menos água e sem gastar um centavo sequer em fertilizantes ou defensivos. Uma tecnologia com um potencial gigantesco e que começa a se viabilizar graças ao apoio de investidores de peso, como o banco Goldman Sachs e os fundos de investimento GSR Ventures, Middleland Capital e Mission Point. “Nosso objetivo é construir fazendas urbanas em todo o mundo”, afirmou o fundador da AeroFarms, David Rosenberg, em entrevista recente ao The Huffington Post. “Nós estamos preparados para construir não uma, duas ou três fazendas, mas 20, 30, 50 fazendas”, garante o empresário, que já deixou claro em outras entrevistas o seu desejo de criar um império da agricultura do século XXI. Rosenberg não é o primeiro nem o único a apostar nesse filão. As primeiras fazendas indoor foram criadas no Japão como solução para dois problemas: a falta de espaço e a

incidência de acidentes naturais, como terremotos. Por conta delas, os japoneses fizeram avançar a cultura hidropônica e o desenvolvimento de ambientes com luz e temperatura controlados. Hoje, esses princípios guiam investimentos até há pouco inimagináveis. Fundador da Pure Agrobusiness Inc., uma empresa especializada na venda de equipamentos para cultivo legal de Cannabis, Rick Byrd quer usar a sua larga experiência em agricultura indoor para revolucionar a forma como produzimos alimentos. Segundo ele, as tecnologias atualmente utilizadas para a produção de maconha -- uma cultura recém-legalizada nos Estados Unidos e com margens de lucro enormes -- logo estarão mais acessíveis e poderão ser adaptadas para o cultivo de qualquer vegetal. O cultivo hidropônico é eficiente. Já os elevados gastos com energia seriam compensados pela redução nos custos de logística,

fertilizantes e pesticidas. Segundo ele, em muito pouco tempo essas fazendas urbanas serão economicamente viáveis. Seu sonho é construir um prédio de 100 andares dedicado exclusivamente à agricultura. De alface a maconha, sua produção seria capaz de abastecer milhares de pessoas em seu entorno. COMPUTADOR DA COMIDA O número cada vez maior de projetos em fase de implementação tem chamado a atenção até das universidades, que nos últimos tempos passaram a investir fortemente em pesquisas relacionadas à agricultura indoor. O prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT), por exemplo, criou um programa dedicado exclusivamente ao estudo e ao compartilhamento de informações sobre novas formas de produção. Dentro do Open Agriculture Initiative, especialistas de diversas áreas desenvolveram sistemas capazes PLANT PROJECT Nº3

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TENDÊNCIAS PARA O FUTURO DA COMIDA

ALTERNATIVA: orgânico ou transgênico? Proteína animal ou vegetal? O debate é quente, mas haverá avanços em todas as áreas. O novo consumidor quer ter o direito de escolher e, com novos mercados sendo abertos, todos podem sair ganhando. TRANSPARÊNCIA: a nova geração quer saber mais sobre o que está comendo. Origem, forma e impacto ambiental da produção, todos os detalhes na cadeia produtiva. Os rótulos terão de trazer mais informação. AGRICULTURA URBANA: espaços nas cidades (terrenos ou fazendas verticais) serão fundamentais para aumentar a oferta de alimentos nos próximos anos, com a vantagem da logística privilegiada. Também crescerá o cultivo doméstico de alimentos, utilizando áreas ociosas como telhados ou outros pequenos espaços indoor. CONVENIÊNCIA: novos sistemas logísticos encurtarão a distância entre as lavouras e a mesa do consumidor. Empresas de delivery especializado trarão transformações também ao varejo. DESIGN: novos alimentos são “desenhados” através de melhoramento genético para a produção de frutas, verduras e legumes mais adequados às necessidades do consumidor ou até mesmo para substituírem medicamentos. CIÊNCIA À MESA: nos próximos anos deve haver um crescimento do investimento em pesquisa nas empresas e grandes universidades em todo o mundo. AG TECH E FOOD TECH: o setor passa por uma onda de investimentos em startups de alta tecnologia, seja no campo, seja nas cidades. Proteínas de laboratório, por exemplo, serão uma realidade muito antes do que você imagina.

de monitorar e criar ambientes ideais para a produção de diversas espécies vegetais. O projeto possibilitou a criação do que eles chamam de “Food Computer” (computador da comida), uma plataforma tecnológica que usa sistemas robóticos para controlar e monitorar clima, energia e crescimento das plantas dentro de uma câmara. A versão individual do aparelho, na visão dos cientistas envolvidos, poderia transformar qualquer pessoa em um fazendeiro doméstico. Também foram criados protótipos para escalas maiores: “servidores”, do tamanho de contêineres e que poderiam ser utilizados por restaurantes e lojas de alimentos, ou “food data centers” para operações 40

comerciais de maior porte. O projeto dos Food Computers do MIT é uma plataforma aberta de conhecimento. Dezenas de caixas foram construídas e, em seguida, emprestadas para algumas escolas a fim de serem utilizadas como hortas. Os operadores têm autonomia para cuidar da plantação como bem entenderem. Todas as variáveis necessárias para a produção – temperatura, humidade, oxigênio, dióxido de carbono, energia, água e consumo de nutrientes – podem ser controladas e ajustadas por meio de sensores eletrônicos. As informações são constantemente coletadas e transferidas para um banco de dados centralizado. Em pouco tempo, será possível

identificar com precisão as melhores condições de cultivo para cada uma das culturas e compartilhar essas informações com as fazendas verticais, que assim se tornariam ainda mais eficientes. A MAÇÃ PERFEITA A demanda de consumidores mais exigentes cria oportunidades de negócios em várias áreas e movimenta empreendedores e laboratórios científicos. Com tecnologia e pesquisas de opinião disponíveis, as principais indústrias de alimentos do mundo criaram divisões para design de alimentos, capazes de provocar transformações até em mercados onde se julgava que nada de novo poderia acontecer.


Um exemplo clássico de como a vontade do cliente guiou uma revolução na agricultura é o de uma variedade de maçãs que hoje domina o mercado americano. As vendas da fruta estavam estagnadas até o início dos anos 1990 e pesquisas indicavam que os consumidores não estavam satisfeitos com o sabor e a aparência das variedades tradicionais, como Gala, Fuji e Red Delicious. Foi então que entrou em cena a Honeycrisp, desenvolvida e patenteada décadas antes pela Universidade de Minnesota. Lançada no mercado em 1992, ela rapidamente caiu no gosto do consumidor americano e começou a ser cultivada em larga escala. Na última década, tornou-se líder no mercado norte-americano – que movimenta, nas fazendas, cerca de US$ 4 bilhões ao ano --, mesmo custando o triplo do preço. A variedade nasceu do desejo de uma indústria de criar uma maçã perfeita: menor, mais bonita, com uma casca mais crocante e o interior mais doce e suculento, resultado de 30 anos de pesquisas e cruzamentos genéticos. A Universidade de Minnesota recebe royalties sobre as vendas do produto. Somente em 2015, foram cerca de US$ 6 milhões em dividendos, dinheiro que tem sido utilizado para financiar novas pesquisas na área de tecnologia de alimentos. O design de alimentos é uma tendência cada vez mais presente

na indústria, embora não seja uma atividade exatamente nova, inclusive no Brasil. Vegetais melhorados, fortificados ou alterados geneticamente para que tenham maiores níveis de nutrientes e vitaminas, com foco na agricultura familiar e com a produção destinada aos programas de combate à desnutrição, são foco há décadas de pesquisas da Embrapa e de empresas privadas e já resultaram em uma série de produtos cultivados regularmente em nossas lavouras. O que tem mudado recentemente é o foco das pesquisas, muito mais alinhadas aos desejos e necessidades dos novos consumidores. A Bayer, por exemplo, desenvolveu recentemente uma variedade de melancia menor, sem sementes e com mais nutrientes que as tradicionais. Enquanto uma melancia convencional pesa em média 15 quilos, a fruta da Bayer tem um peso médio de 6 a 8 quilos. “Isso facilita o transporte e armazenagem, bem como evita o desperdício do alimento”, afirma Guilherme Hungueria, especialista de marketing da Unidade de Sementes de Hortaliças da Bayer. “O produto ainda é saudável, já que contém o dobro de antioxidantes que a melancia convencional, além de possuir um sabor e uma doçura inigualáveis”. De fato, o consumidor atual passou a adicionar a praticidade em sua

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fotos: Divulgação

Reportagem de Capa

Fachada e interior da AeroFarms, em Nova Jersey, nos Estados Unidos: maior fazenda vertical do mundo

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fotos: Divulgação

lista de fatores importantes para a decisão de compra de um produto. “Nesse sentido, a Bayer vem fazendo diversos investimentos para atender essa demanda latente e melhorar a experiência do consumidor”, diz. Outro lançamento da empresa tem, por exemplo, evitado o derramamento de lágrimas nas cozinhas brasileiras. Trata-se da cebola Dulciana, melhorada para não fazer chorar. Isso é possível porque o novo híbrido possui menos ardência, que é a característica que faz com que choremos no momento do corte. “Enquanto o consumidor quer praticidade e qualidade nos alimentos, os produtores rurais buscam, além disso, sementes com produtividade elevada e com resistência a doenças, características presentes na boa genética”, afirma Hungueria, lembrando que a empresa alemã trabalha com o melhoramento de sementes há mais de 100 anos. A PALAVRA É “ALTERNATIVA” O cenário para a indústria de alimentos e seus vários atores é complexo e passa por discussões apaixonadas. Enquanto parte dos consumidores prega a volta para um padrão de alimentação mais natural, com menos intervenção da ciência, e valoriza variedades não transgênicas, outra corrente 42

Telhado verde no Shopping Eldorado, em São Paulo: tendÊncia da agricultura urbana também ganha espaço no Brasil

vislumbra um caminho em que os laboratórios desenvolverão opções desenhadas sob medida para as necessidades de grupos específicos ou até de indivíduos. Assim, a palavra de ordem para os próximos anos parece ser mesmo “alternativa”. Com o mercado em expansão, haverá mais oportunidades para produtores, independentemente do caminho que tomem na encruzilhada quase ideológica em que o setor se encontra. O caso da Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, é emblemático. O chairman da companhia, Peter BrabeckLetmathe, optou por uma linha bem clara, sem meias palavras. A multinacional suíça trabalha com design de alimentos há um século e meio, desde que lançou uma farinha fortificada – a popular Farinha Láctea – em 1867. Mais recentemente, ele reorientou os esforços de seus cientistas para acelerar ainda mais um processo de lançamento de produtos que usariam alimentos como veículos para levar micronutrientes, como zinco e magnésio, para os consumidores. A ideia é transformar as refeições cotidianas em uma forma agradável de medicar e nutrir, quase de forma individualizada, a população. Além de ordenar que os alimentos produzidos pela

companhia tivessem expressivas reduções nos níveis de sódio, açúcar e gorduras, atendendo a pressões de mercado, ele passou a adquirir empresas da área de medicamentos e nutrição, para aumentar o conhecimento nessas áreas e montar equipes multidisciplinares capazes de redesenhar a linha da companhia e perseguir a sua visão de futuro, formulada quando, há mais de 20 anos, ele mesmo passou por uma cirurgia e percebeu que a alimentação dada aos pacientes nos hospitais não ajudava como poderia no tratamento. “Você acha que quando você está em tratamento para um câncer alguém pensa no que você vai comer? Ninguém! Então, nós decidimos fazer isso”, afirmou Letmathe em uma entrevista recente ao site de notícias Quartz (leia mais no quadro da página xx). VERMELHO OU VERDE Com temperatura semelhante ao debate sobre a utilização (ou não) de modificações genéticas na formulação de alimentos, as questões que envolvem a produção de proteínas têm impactado fortemente a indústria da carne. As exigências dos millennials nessa área podem ser consideradas ainda maiores, uma vez que muitos jovens são sensíveis às causas


A NATUREZA NÃO É BOA PARA OS SERES HUMANOS”

Prestes a deixar o comando da maior indústria de alimentos do mundo e começar a desfrutar de sua aposentadoria, Peter Brabeck-Letmathe, chairman da Nestlé, continua demonstrando que sua marca vai permanecer por muito tempo na empresa. Suas posições fortes e sua visão única de futuro para o setor continuam repercutindo e devem guiar os passos da companhia ainda por muitos anos. Seguindo suas orientações, a multinacional caminhará cada vez mais rumo a se tornar uma empresa com soluções individualizadas de nutrição, baseada no design de alimentos enriquecidos com as substâncias que cada consumidor necessita para uma vida saudável e podem substituir medicamentos. Nos últimos 20 anos, Letmathe comandou uma série de aquisições que trouxeram para dentro da Nestlé conhecimento e pessoas que colocam a companhia na vanguarda da nutrição medicinal. Na visão do executivo, no futuro as pessoas terão sua saúde examinada em vários momentos da vida para conhecer melhor o material genético de microorganismos que vivem em seu corpo. A partir dessas informações, seria possível analisar a predisposição para doenças como obesidade e muito mais. Os mesmos dados permitirão que a Nestlé desenvolva produtos que atuem como medicamentos para preveni-las. Letmathe é um severo crítico dos movimentos que pregam uma dieta exclusivamente orgânica, sem a interferência da ciência em sua produção. Recentemente, em uma entrevista ao repórter Chase Purdy, do site americano Quartz, ele não se furtou a polemizar e a defender suas opiniões contundentes a esse

respeito. Para o executivo, o simples ato de cozinhar é uma forma de transformar alimentos em algo diferente – e isso pode ter feito toda a diferença na evolução da humanidade. Confira um trecho da entrevista: Não lhe parece evidente que deveríamos nos voltar para uma dieta baseada em alimentos que brotam do solo? Permita-me começar com sua visão. Você parte da premissa de que a natureza é boa. E não é? A natureza não é boa para os seres humanos. Ela mataria todos eles. A razão que levou o Homo sapiens a se tornar o que somos é o fato de termos superado a natureza. O que nos torna diferentes dos animais, o que permitiu que nos desenvolvêssemos, inteligentemente, foi aprender a cozinhar. Esse é um dado subestimado. Então cozinhar seria uma ponte para falar do futuro, uma refeição perfeita, predeterminada, cientificamente produzida? Essa é a ideia sobre a comida perfeita. E, antes de mais nada, ela já existe. Quando tivemos os primeiros homens na lua, eles já recebiam uma nutrição especial. E os alimentos orgânicos? Acho que eles têm um direito absoluto de existir. Sou o primeiro a dizer que como uma quantidade enorme de vegetais. Adoro vegetais. Mas também sei que não são suficientes para mim.

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Ag Reportagem de Capa A versão pessoal do “Computador da Comida” do MIT: proposta é fazÊ-los tão populares quanto os PCs

do vegetarianismo ou do bemestar animal, por exemplo. Mais uma vez, não parece que haverá um único vencedor nesse embate. Mas pode haver perdedores, caso as companhias não entendam que, para manter seus mercados, de um lado ou de outro, precisarão dar respostas efetivas às principais demandas dos seus clientes. Sanidade, transparência e informação estão no topo dessa lista. Entre os consumidores fieis à proteína de origem animal, é crescente a preocupação com a forma com que esses animais são tratados, sua origem e alimentação. Os líderes do setor se movimentam nesse sentido, aumentando o índice de certificação de seus produtos e reduzindo o uso de antibióticos e hormônios na dieta dos animais. Nos Estados Unidos, por exemplo, a pressão dos consumidores fez com que a gigante Cargill se unisse à McDonald’s em um programa-

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foto: MIT OpenAg

piloto de rastreamento do rebanho e de toda a cadeia produtiva que fornece a carne servida na rede. O projeto deve ser transformado em um programa global. Além disso, está trabalhando com granjeiros e fazendeiros para reduzir em 20% o uso de medicamentos em todas as propriedades participantes do programa. Mais de 1,2 milhão de cabeças de gado já passaram pelo processo. Na outra ponta desse debate, uma nova indústria começa a prosperar com produtores alternativos. Com uma parcela considerável desses novos consumidores aderindo a dietas restritivas — note que o número de vegetarianos nunca foi tão grande —, já existem várias startups investindo no desenvolvimento de carnes de laboratório. O caso mais notório é o da Beyond Meat, uma companhia sediada na Califórnia que produz o que

chama de “proteína do futuro”. Esqueça aquele hambúrguer estranho de soja. Quem já provou garante que a carne da Beyond Meat, feita a partir de um mix de vegetais, tem um sabor muito parecido com o da carne de verdade, mas com a vantagem de ser mais nutritiva e 100% livre de colesterol. Se animou? O produto é um sucesso de vendas entre os millennials, mas ainda encontra certa resistência entre os mais velhos. Se você, nobre leitor, faz parte desse segundo grupo, saiba que não vai conseguir fugir por muito tempo. Assim como a nossa comida evoluiu nas últimas décadas, ela continuará evoluindo, provavelmente em ritmo ainda mais acelerado, daqui por diante. Os agricultores e as indústrias de alimentos, como vimos, já estão se organizando para surfar essa nova revolução verde. E você, está preparado?


REVOLUÇÃO MUSK Nos últimos anos, Elon Musk, da Tesla, revolucionou a forma como vemos os carros. Agora, seu irmão Kimbal quer causar o mesmo impacto na indústria de alimentos. Se existe uma coisa que o empresário Kimbal Musk não quer é viver à sombra do irmão famoso Elon — nada menos que o fundador da Tesla, companhia que nos últimos anos tem revolucionado a tradicional indústria automobilística com seus esportivos elétricos e que já prepara a sua entrada no lucrativo negócio de energia limpa com suas superbaterias domésticas. Nascidos na África do Sul, os irmãos Musk fazem parte da primeira geração de empreendedores da internet. Juntos, fundaram em 1995 o Zip2, uma ferramenta que auxiliava os jornais no processo de digitalização de guias e listas telefônicas, vendida para a Compaq quatro anos depois por US$ 300 milhões. Aqui, as histórias dos irmãos Musk se separam. Enquanto Elon investiu a sua parte do dinheiro em startups como PayPal, Tesla, SolarCity e SpaceX, Kimbal, que também é chef especializado em culinária francesa, decidiu apostar

no segmento de alimentação. Tal qual o irmão fez com os carros, agora quer revolucionar a forma como nos alimentamos. Adepto da alimentação orgânica, Kimbal Musk inaugurou em 2004, na cidade de Boulder, no Colorado, a rede de restaurantes The Kitchen, com uma proposta “farm-to-table”, ou “da fazenda à mesa”, que valoriza o pequeno agricultor e a produção local. Os restaurantes, onze até o momento, trabalham exclusivamente com produtos frescos, cultivados sem fertilizantes químicos e resíduos de pesticidas. Kimbal também está entre os sócios-fundadores da Next Door, uma rede de lanchonetes que estimula o debate em torno do alimento e pretende ser um ponto de encontro para millennials, que já desafia até grandes redes como TGI Friday’s e Applebees. De acordo com uma reportagem recente do site Business Insider, Musk pretende inaugurar até 50 novos pontos de norte a sul dos Estados Unidos até 2020. PLANT PROJECT Nº3

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AS BATALHAS AGRÍCOLAS DE TRUMP Eleito graças ao apoio maciço dos produtores americanos, o novo presidente dos EUA compra brigas, dentro e fora de suas fronteiras, que desagradam seu público e colocam em risco os negócios rurais no país Por Núria Saldanha, de Washington

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as áreas rurais dos Estados Unidos, dois a cada três eleitores votaram em Donald Trump para presidente do país em novembro do ano passado. Com mais de 400 empresas, negócios envolvendo 25 países e uma fortuna de quase US$ 4 bilhões, o magnata serviu como inspiração para os empresários do campo. Mas foi com as promessas de reformas fiscais e regulatórias que Trump assegurou os votos de um setor que busca alternativas para reverter o ciclo de quatro anos seguidos de quedas na renda. Pouco mais de dois meses após ele assumir o cargo, porém, os produtores rurais não conseguem esconder o descontentamento. Em um mundo em que barreiras e fronteiras pareciam desaparecer, Trump chega com o recado de que a globalização não foi boa para os Estados Unidos e começa a fechar portas para outros países. Nos seus primeiros dias no comando da maior economia do mundo, o novo presidente comprou brigas, tomou medidas e posições políticas que podem atrapalhar as vendas dos produtos agrícolas americanos no mercado internacional e pressionar ainda mais as margens do setor, transformado em um verdadeiro campo de batalhas políticas, econômicas e diplomáticas. Uma das primeiras ações de Trump foi cancelar a participação do país no Tratado Transpacífico de Comércio Livre (TPP). Considerado o maior acordo comercial do mundo, o TPP reuniu economias que juntas representam 40% do PIB mundial para estabelecer relações comerciais com tarifas menores entre 12 países banhados pelo Oceano Pacífico. Proposto e assinado pelo ex-presidente Barack Obama em novembro de 2015, o PLANT PROJECT Nº3

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tratado era a grande aposta dos produtores rurais para abrir mais mercados mundo afora. Mas o atual presidente não considerou os apelos de seus eleitores. "Trump tem mudado de maneira muito radical o rumo da política comercial americana", diz Antonio Josino Meirelles, diretor executivo do Brazil Industries Coalition (BIC). "O setor agrícola dos Estados Unidos vinha contando com os acordos que estavam sendo estabelecidos no âmbito da parceria transpacífica em termos de estratégia de crescimento e ampliação de mercado." Assim, rapidamente, as atitudes de Trump trouxeram uma mudança na perspectiva do agronegócio em relação ao comércio internacional. E o setor já contabiliza os prejuízos. Segundo a federação agrícola americana (American Farm Bureau Federation - AFBF), com o TPP a renda agrícola anual poderia aumentar em US$ 4,4 bilhões, gerando mais de 40 mil postos de trabalho. A entidade diz ainda que o acordo aumentaria significativamente o comércio de produtos como carnes, frutas, legumes, soja, laticínios, arroz e algodão. O cancelamento da participação dos Estados Unidos no acordo não é, no entanto, nenhuma novidade para quem acompanhou a batalha eleitoral no país. Diretora da Associação Rural de Mercer, município do estado de Ohio com pouco mais 48

de 1.200 produtores de grãos e pecuaristas, Jill Smith diz que não ficou surpresa com a decisão de Trump de retirar os Estados Unidos do TPP. Ela lembra, porém, que "as exportações são uma parte muito importante da indústria agrícola americana" – cerca de 25% da produção tem como destino outros países. "O TPP nos ajudaria a assegurar certos mercados no exterior, como o tão cobiçado Japão, onde a demanda por soja é alta". diz ela. Para cumprir uma de suas principais promessas de campanha, Trump então iniciou uma batalha contra a imigração, e o primeiro adversário escolhido foi o México. O país vizinho é a principal origem dos imigrantes que chegam ao solo americano. Estima-se que 11,4 milhões de pessoas, entre imigrantes legais e aqueles em situação irregular, vivam nos Estados Unidos atualmente, o que representa 28% da população estrangeira no país. A solução para o presidente é construir um muro de 12 metros de altura e cerca de 3 mil quilômetros na fronteira e cobrar dos mexicanos a conta da obra – que pode chegar a US$ 15 bilhões, segundo o líder do senado Mitch McConnell. As declarações do americano pela imprensa e pela rede social Twitter irritaram o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, que cancelou uma reunião marcada com Trump, azedando a relação entre os dois países. O problema é que o


país latino-americano é o terceiro principal destino das exportações agrícolas dos Estados Unidos. Segundo o USDA, o Departamento de Agricultura americano, nos últimos dez anos as vendas do agronegócio para o México cresceram 62%. Em 2015, foram quase US$ 18 bilhões, e os principais produtos comercializados são milho, soja, laticínios, além de carnes suína e bovina. O que estimulou a ampliação dos negócios entre os dois países, dizem os especialistas em comércio internacional, foi o Nafta. Mas o tratado de livre-comércio em vigor desde 1994, que derrubou as barreiras alfandegárias e custos comerciais entre Estados Unidos, México e Canadá, também foi colocado na berlinda. Trump diz que o Nafta é uma catástrofe para os Estados Unidos, pois o país tem um saldo negativo de mais de US$ 60 bilhões na balança com o México, e ameaça impor tarifas de 20% sobre os produtos mexicanos. Em retaliação, o país vizinho está se armando para taxar as importações do milho e organizou missões comerciais para buscar novos fornecedores em países como o Brasil e a Argentina. Em 2015, o México comprou US$ 2,3 bilhões de dólares em milho dos EUA. O ímpeto protecionista e belicoso de Trump avançou até mesmo para as fronteiras com o Canadá, o principal parceiro

agrícola dos Estados Unidos. Em 2015, o vizinho do Norte adquiriu mais de US$ 20 bilhões em produtos do agronegócio e da indústria alimentícia, especialmente legumes, frutas frescas e laticínios. A pedido de associações nacionais de produtores de leite, Trump resolveu peitar os canadenses e quer renegociar as exportações do produto para lá. É que o Canadá trabalha com uma política de gestão de oferta no mercado interno, dando incentivos e até descontos para que processadores de queijo comprem leite local e taxa em até 300% importações de laticínios acima da cota. Os produtores americanos dizem

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que a política que entrou em vigor no ano passado já impediu de exportar para lá US$ 150 milhões de leite não filtrado. QUEM VAI FAZER O TRABALHO? Pela fronteira com o México entram também imigrantes que formam a força de trabalho nas fazendas americanas. Uma pesquisa do Departamento do Trabalho dos EUA mostrou que em 2016 mais de 70% dos trabalhadores rurais eram imigrantes, 64% deles do México e quase 30% de Porto Rico. São eles os responsáveis pela colheita de legumes na Califórnia, cítricos na Flórida, verduras em Michigan e até a construção de cercas e manejo de animais em ranchos do Texas. Enquanto grande parte da economia agrícola já está mecanizada, verduras, legumes, frutas e laticínios ainda são fortemente dependentes do trabalho humano. O problema é que esta mão de obra mais 50

barata e tão necessária no campo muitas vezes não tem autorização para trabalhar em solo americano. O setor agrícola já vinha enfrentando escassez de trabalhadores devido à intensificação das deportações por Barack Obama, que expulsou de lá 2,7 milhões de imigrantes ilegais, e ao declínio do movimento migratório de mexicanos ao país (entre 2005 e 2015, o número de mexicanos nos EUA caiu 9%, de acordo com o Pew Research). A federação agrícola americana estima que mais da metade dos trabalhadores agrícolas sejam ilegais. É por isso que o muro de Trump e outras políticas de restrição a estrangeiros preocupa tanto o setor. "Se não conseguirmos a mão de obra para colher a nossa produção aqui nos Estados Unidos, vamos ter de importar mais frutas, legumes e commodities de outros países", disse Zippy Duvall, presidente

da AFBF, durante o Agricultural Outlook Forum realizado pelo USDA na última semana de fevereiro em Washington. "Nós apoiamos a proteção das nossas fronteiras, mas não podemos simplesmente fazer uma imposição dessas e deixar nossos fazendeiros segurando o fardo. Nós também precisamos de um caminho para os trabalhadores que estão em nossas fazendas há anos. Necessitamos conhecer o caminho e ajustar a situação deles para que fiquem aqui nos ajudando a alimentar a América com comida americana." As reclamações contra as medidas de Trump vieram de todos os lados. A indústria de carnes, em que os imigrantes detêm 35% dos mais de 440 mil postos de abate e processamento, conta com mão de obra de refugiados, especialmente do Oriente Médio e da África, e pode ficar desfalcada com a suspensão de programas de refúgio e com medidas que barram imigrantes.


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Maior companhia americana do setor, a Tyson Foods, por exemplo, emprega centenas de somalis por meio de um programa de recebimento de refugiados em parceria com a ONU e o governo americano. A Somália estava entre os sete países de maioria muçulmana que foram temporariamente impedidos de entrar nos Estados Unidos por Trump. A lei da oferta e demanda é clara e funciona: quando a oferta de serviços é restrita, o preço sobe. Na última década o salário do trabalhador rural americano subiu 36%, quase 10% a mais do que o aumento recebido pelos trabalhadores de outros setores da economia. Um estudo do USDA publicado em 2012 mostrou que ao cortar pela metade a força de trabalho não autorizada, o custo da mão de obra pode ficar 40% mais alto. Uma notícia nada animadora para um setor que está lutando contra as perdas. Desde 2013, os preços agrícolas caíram 40% e o impacto na renda dos produtores no período chega a 50%. E não há sinais de recuperação para 2017, o Departamento de Agricultura estima que os lucros agrícolas vão cair 8,7%. Este é o quarto ano consecutivo de perdas, algo que não acontecia desde a década de 1970. "Os preços das commodities estão obviamente muito mais baixos, os rendimentos agrícolas estão baixos. Os fazendeiros estão segurando suas reservas de dinheiro e não estão comprando novos equipamentos", diz Duvall,

da AFBF. Nessa batalha, o ataque dos produtores provocou um primeiro recuo de Trump. O presidente americano até parece estar revendo suas ideias em relação a imigrantes e já considera projetos de imigração com possibilidade de legalização de estrangeiros em solo americano. Em seu primeiro discurso ao Congresso, transmitido em rede nacional, Trump afirmou, no entanto, que não vai apoiar uma política de imigração de “trabalhadores de mão de obra barata”, mas sim adotar um sistema baseado em meritocracia, o que não resolveria o suprimento de mão de obra para colheitas. Enquanto isso, algumas demandas antigas dos fazendeiros parecem ganhar fôlego – e isso pode abrir outras frentes de conflitos para o presidente. Trump já deu sinais de que vai relaxar as políticas ambientais. O presidente assinou uma ordem executiva exigindo que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) reveja os regulamentos sobre o uso da água para se certificar de que eles não estejam prejudicando a economia. A medida pretende reverter uma regra ambiental implementada no governo Barack Obama chamada de "Waters of the United States" (Águas dos Estados Unidos), que determina quais cursos d'água estão sujeitos à Lei de Água Limpa. A legislação original de 1972 dizia que a EPA podia regular as "águas navegáveis", porém

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Imigrantes mexicanos trabalham em lavoura na Califórnia: eles somam mais de 60% da mão de obra agrícola nos EUA

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ENCRENCA GRANDE O comércio agrícola dos Estados Unidos com os países com que Trump mexeu

IMPORTAÇÕES DOS EUA Principais Produtos (em US$)

Comidas prontas .............................1,9 bilhão Vegetais in natura ...........................1,9 bilhão Frutas frescas ....................................1,6 bilhão Snacks......................................................1,3 bilhão Bebidas não alcoólicas (exceto sucos) ......................................1,2 bilhão

$ 21,8 BI Carnes .................................................. 2,48 bilhões Rações animais ..................................1,78 bilhão Alimentos assados, massas e relacionados.................................... 1,68 bilhão Vegetais .................................................. 1,58 bilhão Grãos/cereais ..................................... 1,48 bilhão

$ 20,2 BI Soja...........................................................10,5 bilhões Grãos/Cereais (exceto milho).....2,1 bilhões Grãos para destilarias...................... 1,6 bilhão Couros e peles .......................................1,3 bilhão Algodão ...............................................870 milhões

MÉXICO

Principais Produtos (em US$)

$ 20,9 BI

CANADÁ

CHINA

EXPORTAÇÕES PARA OS EUA

$ 4,4 BI Frutas e vegetais processados ... 1,0 bilhão Sucos de frutas e vegetais .......321 milhões Snacks..................................................208 milhões Vegetais in natura .........................178 milhões Condimentos....................................159 milhões

$ 17,7 BI Milho........................................................ 2,3 bilhões Soja ..............................................................1,4 bilhão Laticínios ................................................ 1,3 bilhão Carne suína ............................................1,3 bilhão Carne bovina ..........................................1,1 bilhão

$ 22,5 BI Vegetais in natura ................................. 4,8 bilhões Frutas frescas ......................................... 4,3 bilhões Vinhos e cervejas ....................................2,7 bilhões Snacks...............................................................1,7 bilhão Frutas e vegetais processados ........ 1,4 bilhão

Fontes: USDA / USTR

há alguns anos a regra ficou mais dura e passou a abranger 60% dos recursos hídricos do país. "Águas navegáveis agora podem significar qualquer poça ou vala na terra de um fazendeiro", reclamou Trump durante a assinatura do decreto. Ambientalistas e defensores do regulamento dizem que ele é necessário para garantir água potável no país. Mas os fazendeiros e a indústria alimentícia alegam 52

que a regra vai longe demais, representando um peso no bolso dos produtores, argumento que já convenceu o republicano. Com a perda de renda e exposição aos preços das commodities, o setor agrícola busca agora pressionar o Congresso nas discussões sobre a nova lei agrícola. A Farm Bill é renovada a cada cinco anos e consolida todos os programas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos

em um único documento. As audiências públicas para debater a lei que vai ser aprovada em 2018 começaram e os produtores já engrossaram o tom sobre a necessidade de mais financiamento e subsídios. É que a última versão da lei, aprovada em 2014, teve cortes de US$ 23 bilhões. Os líderes agrícolas sabem que o maior desafio da Farm Bill 2018 será o orçamento e tentam, pelo menos, impedir um novo corte de recursos.


Diplomacia

"Eu entendo que é uma visão comum em Washington a de que o custo dos programas agrícolas e outras partes da Farm Bill precisam ser reduzidas novamente, mas os sojicultores não aceitam isso", disse o presidente da Associação de Sojicultores do Kansas, Lucas Heinen, durante audiência pública sobre a Lei Agrícola. "A agricultura aceitou voluntariamente o corte em 2014, e até agora outros setores não fizeram nenhuma contribuição para reduzir o déficit do país", complementa. OPORTUNIDADE PARA O BRASIL Enquanto uns choram, outros vendem lenço. Maior competidor agrícola dos Estados Unidos, o Brasil pode tirar vantagem do momento

turbulento para o seu adversário. O País, que ficou de fora de grandes acordos multilaterais nas últimas duas décadas, tem agora a chance de voltar às mesas de negociações. "A imprevisibilidade do governo Trump é um risco, mas o Brasil tem que aproveitar essas oportunidades de novos fluxos de comércio que vão surgir aí com a ruptura de acordos", diz João Augusto de Castro Neves, diretor para a América Latina da consultoria Eurasia. "A mudança que vem com o governo Trump de novos acordos bilaterais vai criar para o Brasil a oportunidade de acabar com o atraso da nossa política externa e comercial.” Para o vice-presidente da BRF na Ásia, Marcos Jank, se Trump aumentar as barreiras no comércio com o México e com a

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Ásia, isso pode beneficiar o Brasil como fornecedor, especialmente com a venda de grãos e carnes para os dois mercados. "Eu acho que a China também se coloca com força. É o nosso maior cliente, é onde mais cresceram as nossas exportações nos últimos anos. Na verdade, metade das exportações do agro hoje vai para a Ásia." De qualquer forma, há uma preocupação com o estilo protecionista do novo governo americano. "Se os países começarem a se fechar, a se proteger impondo barreiras comerciais, isso não vai ser bom para ninguém", diz. "Se o setor agrícola americano conseguir mais subsídios na Farm Bill, isso certamente pode afetar a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros no mercado internacional", alerta Antonio Meirelles, do BIC.

fotos: Shutterstock PLANT PROJECT Nº3

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Plant + Vignis

CANAVIAIS EM TRANSFORMAÇÃO Como a Vignis pretende revolucionar o setor sucroenergético com uma nova abordagem no desenvolvimento de variedades de cana capazes de promover um inédito salto nos níveis de produção de energia

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magine conseguir, apenas com o plantio de novas variedades, elevar em 164% a produtividade de um canavial. Ou obter um aumento de 58% no volume de etanol produzido em cada hectare. Esses números que, em um primeiro momento podem parecer um tanto quanto futuristas, já são realidade dentro dos campos da Vignis, empresa focada no melhoramento genético que desde 2011 desenvolve a chamada “cana energia”. Trata-se de um novo tipo da planta que tem como principal característica o alto teor de fibra. Enquanto uma variedade convencional de cana tem aproximadamente 13% de fibra e até 17% de açúcar, as variedades de Cana Energia Vignis tem 20% de fibra e ao redor de 10% de açúcar. Na prática, isso significa uma capacidade muito maior de produzir energia. Uma nova tecnologia que pode levar a produção sucroenergética do Brasil a um novo patamar de eficiência e produtividade, impulsionando a adoção de fontes renováveis e sustentáveis de energia em substituição aos combustíveis fósseis.

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Os responsáveis pela empreitada são nomes conceituados no setor: o engenheiro agrônomo Sizuo Matsuoka, um dos maiores especialistas em melhoramento genético de cana no Brasil, e o executivo Luis Claudio Rubio, com trajetória no mercado financeiro. Em 2003 eles montaram, junto com a Votorantim, a CanaVialis, um dos empreendimentos mais bem-sucedidos da década no setor. Após a companhia ser vendida à Monsanto em 2008, eles cumpriram dois anos de um acordo de não concorrência e então passaram a estruturar a Vignis. “Investimos fortemente em ciência e tecnologia para desenvolver soluções inovadoras, de baixo custo e sustentáveis. Somos uma empresa de biotecnologia, nossa essência é fazer ciência”, ressalta Rubio, atualmente o presidente da empresa, que já possui projetos com grupos como Caramuru, Citrosuco, Odebrecht e a Raizen e que nesse ano deve colher 1,2 milhão de toneladas da sua cana. “Produtividade é o nome do nosso negócio”, afirma.

Os resultados da tecnologia apresentados pela empresa explicam a animação de Rubio. De acordo com levantamento da companhia, os níveis de produtividade agrícola das novas variedades são em média de 2,5 a 3 vezes maiores se comparados a cana convencional. A cana energia produz, em média, 10.800 litros de etanol e 54.000 kg de bagaço por hectare -- na canade-açúcar convencional, a média é de uma produção de 6.800 litros de etanol e 4.000 kg de bagaço por hectare. “O grande diferencial está no sistema radicular mais eficiente, que garante uma produtividade maior e mais açúcar por hectare”, revela o executivo. Para dar vida as novas variedades nos últimos seis anos a companhia iniciou um dos maiores programas de melhoramento genético de cana do mundo, desenvolvido em duas fazendas experimentais localizadas em Campinas, no interior de São Paulo, e em Maceió, no estado de Alagoas. Esta última guarda o banco de germoplasma.


A CANA DO FUTURO

COMO AS NOVAS VARIEDADES PODEM ELEVAR O POTENCIAL DE PRODUÇÃO DE BAGAÇO E ETANOL

POR TONELADA

CANA-DE-AÇÚCAR

ATR

85 L

de etanol

POR HECTARE

Anualmente, por lá, são realizados cerca de 500 cruzamentos diferentes, produzindo sementes híbridas e mais de 300 mil indivíduos distintos para a seleção da cana da Vignis. O objetivo é buscar variedades com potencial agrícola superior ao da cana-de-açúcar convencional, mais produtivas e com alto potencial de geração de açúcar e biomassa. “Em uma linguagem simplificada, trocamos o ‘motor’ da planta para produzir variedades adaptadas à diferentes regiões do Brasil e com capacidade de geração de açúcar e biomassa em quantidade e custos sem precedentes”, afirma o executivo. Além da tecnologia, a companhia pretende se diferenciar pelo modelo de negócio. A Vignis não oferece licenciamento variedades, cobrando royalties pelo uso do material, mas sim a participação em todo o processo, do cultivo a entrega. Nesse modelo, o cliente cede uma área para a empresa montar o viveiro de mudas. Depois, a própria Vignis realiza o plantio do canavial nas terras do cliente, próximas à unidade industrial, cuida dos tratos culturais, colhe a cana, transporta e a entrega na esteira da indústria. “A cana-de-açúcar atingiu um limite de produtividade, tanto que hoje o setor usa variedades desenvolvidas a 20 anos. A cana energia está só no começo, com uma enorme variabilidade genética para ser explorada”, finaliza.

135 KG

10.800 KG ATR

6.800 L de etanol

+ 250

CANA ENERGIA

KG

bagaço

+

50 KG

bagaço

+ 4.000

KG

bagaço

+ 440

KG

60 L

+ 300

KG

ATR

bagaço

+ 20.000

100 KG

de etanol

KG

18.000 KG ATR

10.800 L de etanol

bagaço

bagaço

+ 79.200

bagaço

+ 54.000

bagaço

KG

KG

...E ELEVAR O NÍVEL DE PRODUTIVIDADE DOS CANAVIAIS Cana-de-açúcar

Cana energia

Produção

(em milhões por tonelada)

360

951

57%

Produtividade

(toneladas por hectare)

70

185

CONSIDERANDO UMA ÁREA DE

5,1milhões 5,1 milhões DE HECTARES

(ÁREA DE CANA-DE-AÇÚCAR HOJE DEDICADA PRODUÇÃO DE ETANOL)

164%

SERIA O CRESCIMENTO DE PRODUTIVIDADE COM USO DA CANA ENERGIA PLANT PROJECT Nº3

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Ag Gestão

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Campeões da eficiência Reportagem do projeto Top Farmers visita o confinamento da Agro-Pastoril Paschoal Campanelli: tecnologia para o controle de cada detalhe

Fo FORU M

As histórias dos melhores produtores do Brasil

foto: Divulgação

PLANT PROJECT Nº3

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TOP FAR ME R P EC UÁ R I A /CO N F I N AM ENTO

UM PILOTO NO CONTROLE DA PECUÁRIA Com tecnologia e gestão rigorosa de cada detalhe, Victor Campanelli leva eficiência e estratégia para o confinamento e transforma uma empresa familiar em referência de um segmento estratégico para as exportações brasileiras de carne Por Romualdo VenÂncio | Fotos Emiliano Capozoli

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E

nquanto dirige sua caminhonete rumo à colheita da lavoura de milho e descreve os sistemas de automação da fazenda, Victor Campanelli é atraído por algo do lado de fora do veículo. Ao perceber uma falha na fertirrigação de um campo a ser cultivado com cana, pede gentilmente uma pausa na conversa e interrompe também o trajeto. Entre chamadas por rádio e pelo celular, consegue falar com o responsável por aquele procedimento, se certifica de que serão feitas as devidas correções e, em seguida, retoma o curso e o bate-papo. Esse olhar apurado para tudo o que acontece na propriedade e a peculiar agilidade nas tomadas de decisão estão entre seus diferenciais na direção da Agro-Pastoril Paschoal Campanelli S/A, empresa familiar com sede em Bebedouro (SP) que faturou R$ 250 milhões em 2016. “Aqui é tudo muito controlado”, afirma ele. Piloto credenciado pela Federação Internacional de Automobilismo e aficionado da tecnologia, quando não está levantando poeira nas estradas que cortam os 15 mil hectares de terras que o grupo administra no estado de São Paulo – divididos entre gado de corte, cana-de-açúcar e milho – Victor senta-se diante de um cockpit gerencial, que lhe dá informações e imagens em tempo real da produção em cada milímetro das propriedades. A parte mais relevante dos negócios da família está, no entanto, literalmente confinada na Fazenda Santa Rosa, no município de Altair (SP), a quase 100 quilômetros da matriz. Em apenas 25 hectares ele comanda uma máquina de produzir bois para corte em uma escala industrial e contínua. Dali saem para o abate em média 55 mil bois por ano, o que representa entre 60% e 65% de toda a receita do grupo. O modelo de produção, altamente tecnifica-

do e com gestão rigorosa dos Campanelli, fez do confinamento do grupo uma referência nacional e de Victor Campanelli o TOP FARMER 2017 na Pecuária de Corte/ Confinamento. “Quando uma empresa familiar é bem gerida, não tem pra ninguém”, afirma ele. Diretor executivo do grupo, Victor exerce uma liderança natural nos negócios. Mas esse é um rótulo que faz questão de evitar. “Sou apenas mais um dente da engrenagem, acompanhado de muita gente”, afirma. Poucas horas ao seu lado na fazenda são suficientes para ver que fala sério sobre a gestão compartilhada. “Temos uma administração familiar baseada em competência, o que nos dá uma força enorme”, comenta, acrescentando que essa sinergia também é essencial para o sucesso das atividades: “Cada uma começa onde a outra ainda não terminou”.

O diferencial da nossa empresa é uma palavra: sinergia”

Nascido em uma família de produtores rurais, Victor é formado em administração de empresas pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e fez carreira no setor de mercado futuro antes de entrar para o grupo. Aliás, nenhum representante dessa terceira geração dos Campanelli ingressou na diretoria da empresa sem antes acumular experiência profissional em outras companhias. Victor procura associar conhecimento, vivência e até paixões para alcançar os melhores resultados. É o caso da tecnologia, área que admira desde garoto e hoje é sua grande aliada no controle das operações da fazenda – lá, pratiPLANT PROJECT Nº3

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A terceira casa depois da vírgula faz muita diferença no final do ano em um confinamento” camente tudo é automatizado. Os caminhões que despejam ração nos cochos dos currais são praticamente autônomos. Graças a identificadores eletrônicos instalados junto às cercas, eles percorrem as avenidas e, automaticamente, param no ponto preciso e abastecem conforme a prescrição para cada lote: se deve receber uma dieta de adaptação, crescimento ou terminação. O sistema garante que seja fornecido ao lote a ração certa, no momento correto e na quantidade adequada. Apenas o investimento feito em equipamentos de agricultura de precisão chega a R$ 6 milhões. “Na área agrícola, todas as máquinas têm telemetria

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e piloto automático. Também trabalhamos com imagens aéreas e de satélite, que são utilizadas, por exemplo, para o planejamento e a análise qualitativa de plantio”, acrescenta. “Não pensamos duas vezes para investir nas opções que nos tragam algum benefício operacional ou financeiro.” BOI GORDO O ANO TODO O produto final do confinamento da Campanelli é um boi jovem, com menos de 30 meses, pesando em torno de 20 arrobas. Todo o gado é negociado com expoentes industriais como JBS e Marfrig e tem como destino o Mercado Comum Europeu. “Por isso priorizamos acabamento de gordura, e não marmoreio”, observa Victor. A padronização dessa boiada comercial, predominantemente Nelore, com alto padrão de qualidade, começa com a originação. “Esse é o ponto crítico de um confinamento, pois a compra

do boi representa entre 70% e 75% do custo de produção. O restante é dieta e operação”, analisa. Já na compra dos animais que serão confinados e engordados o trabalho em equipe de toda a família é crucial. “Meu pai e meu tio certamente viram cada um dos bois que estão aqui”, afirma Victor. Os animais são adquiridos de diversos fornecedores que, na maioria, trabalham quase que de forma exclusiva com a Campanelli. Metade do gado é comprada com 9 arrobas e passa por um período de quatro meses de recria em outra fazenda do grupo, em Araçatuba (SP), antes de entrar no confinamento. A outra parte já chega mais pesada, com 12 arrobas, e vai direto para a engorda. Com a capacidade estática de confinar 18,5 mil bois, a empresa consegue embarcar para os frigoríficos cerca de 5 mil animais em cada um dos 12 meses do ano. Ou seja, são mais de 1,5 mil cabeças toda semana.


Ao eliminar a sazonalidade no fornecimento de bois, a Campanelli conquistou uma posição privilegiada na hora de negociar, tanto que os contratos de venda são fechados anualmente, com base na cotação de mercado mais uma premiação. “De maneira geral, quando o pecuarista tem um lote de animais prontos para a venda é que ele liga para o frigorífico a fim de saber o preço da arroba e como está a escala de abate. Um negócio desse tamanho, com tantos recursos investidos e um alto risco financeiro, não permite trabalhar assim”, avalia Victor, que continua: “Confinamento não é para amadores, e o dinheiro no Brasil é muito caro. No final do ano, a terceira casa depois da vírgula faz uma grande diferença”. Por essa razão é que ferramentas de mitigação de risco como hedge, compra de opção e venda futura são indispensáveis na rotina de negociações.

TUDO SOB CONTROLE Chegar a esse patamar de barganha depende, entre outras coisas, do minucioso controle de todas as operações do confinamento e da atualização permanente do banco de dados. “A gente trabalha o tempo todo com estatísticas e consegue predizer o que vai acontecer dependendo do padrão do gado, do peso dos animais, dos dias de cocho”, diz Victor. Todos os bois têm o brinco com a numeração do Sistema de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov) e um brinco eletrônico para leitura por radiofrequência (RFID), o que assegura a rastreabilidade e facilita o manejo. A principal unidade de negócio da empresa tem automação plena. “Todos os processos estão sob o guarda-chuva de uma ERP (enterprise resource planning), que gerencia cada operação”, destaca Victor. A amplitude e a exatidão das informações dessa pecu-

ária de precisão permitem saber inclusive a rentabilidade por lote. "No cockpit do Victor, o foco no detalhe da originação de insumos e de boi magro, a gestão à vista da produtividade e a venda do boi gordo fazem da Agro-pastoril Paschoal Campanelli um modelo a ser seguido", afirma Leandro Attie Testa, diretor de Novos Canais de Originação da JBS. Seja da Santa Rosa, seja da matriz da empresa, Victor consegue acompanhar em detalhes todas essas operações, até mesmo a fábrica de rações, em vias de se transformar em um novo negócio para o grupo. Dos computadores, saltam dados de gráficos e relatórios de desempenho, além de imagens captadas pelas diversas câmeras distribuídas pelas instalações. Ele chega a se divertir com a sofisticação e a qualidade dos equipamentos. De olho na tela, exibe os recursos à reportagem de PLANT. Da imagem aberta em um dos currais, PLANT PROJECT Nº3

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aponta para um dos bois que mal aparece no meio da manada. Ao seu comando, a câmera vai “buscar” o animal, que, em segundos, é visto em close graças ao zoom de alta resolução. O mesmo sistema mostra a movimentação de caminhões e faz o monitoramento de segurança.

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A gente precisa buscar rentabilidade em cada canto da fazenda. Esse é meu papel aqui dentro”

INOVADOR E ESTRATEGISTA Por conta de seu fascínio pela tecnologia, Victor também está sempre atento às novidades que chegam ao campo em diversas partes do mundo, mas sobretudo nos Estados Unidos. Foi lá que conheceu um sistema de silagem chamado snaplage, feito com a espiga do milho, com palha e tudo. Além de ser um insumo com alto nível de energia e fibra de ótima qualidade, o ciclo produtivo – do plantio à colheita – fica entre 110 e 115 dias, prazo ideal para a integração das atividades. O milho da Campanelli, que representa 5% dos negócios e serve exclusivamente para alimentar o gado, ocupa 2,5 mil hectares em áreas de renovação dos canaviais. O ponto é que a safra da cana, segundo Victor, começa em março/ abril e vai até outubro/novembro. O ciclo do milho precisa se encaixar nesse intervalo de tempo em que a terra está sendo preparada para o novo plantio da cana. Já havia um diferencial por conta da silagem de grão úmido, sistema que apresenta um ciclo de 120 dias, inferior ao do milho comum seco, que gira em torno de 145 a 150 dias. Agora, as duas opções se complementam.

Os benefícios vão além. “Quando você colhe a silagem de toda a planta, o solo fica sem cobertura. Por estarmos em uma região com terras de baixa fertilidade, faz todo sentido deixar a palhada no chão, o que acontece com o snaplage”, explica Victor. “Há uma reciclagem de nutrientes do solo e forma-se uma proteção contra erosões”, acrescenta. Toda decisão tomada na empresa busca a sinergia entre as unidades de negócios, uma conexão estratégica que garante a melhor relação custo/benefício. A importância da flexibilidade que vem dessa forma de gestão ficou muito clara no ano passado, quando a expectativa positiva em relação à pecuária brasileira foi frustrada por fatores como câmbio, retração nas exportações, queda no preço do boi e aumento dos custos de produção. “Tivemos seca nas safras de milho e o preço do insumo subiu muito”, cita Victor, que até já contava com essa elevação. “O que salvou nossa pátria foi termos conseguido enxergar uma alta considerável na safrinha e aproveitar a excelente oportunidade de comprar milho em 2015 a R$ 20 a saca.” Com estoque alto, não foi necessário comprar milho em 2016, o que reduziu os custos do confinamento. Pelo contrário, foi possível lucrar com a venda do grão a R$ 50 a saca. Antes que a boa perspectiva para pecuária de corte no ano passado mudasse, Victor aproveitou a curva favorável nas cotações do boi no mercado futuro para travar


os preços com hedge. “Isso tudo fez de 2016 um ano muito bom para nós, com avanço de faturamento e rentabilidade”, comemora. Segundo ele, só não foi um ano excepcional devido à crise econômica, com custo de capital muito alto. “Para 2017 enxergo um ano até melhor que 2016 para a cana, pois continuamos tendo bons preços para o açúcar e cotações interessantes do etanol. Mas no caso do gado ainda dependemos de um fato novo para haver uma reação de preço. Como não estamos contando com isso, buscamos preservar a margem de retorno da atividade, pois é isso que paga as contas e não o preço do boi.” MATURIDADE E MERITOCRACIA A história da família Campanelli no agronegócio começou com o avô de Victor, Paschoal Campanelli, que dá nome à empresa. Como vários imigrantes italianos, ele deixou seu país de origem fugindo da guerra e acabou trabalhando em fazendas de café aqui no Brasil. Para ser mais exato, em São Paulo. Com o tempo, conseguiu suas próprias terras e investiu na cafeicultura. “Quando ele faleceu, em 1982, meu pai e meus tios decidiram unir forças e fundar a empresa, em vez de dividir as terras e se tornarem sitiantes”, lembra Victor, que atribui o sucesso do grupo a essa união da família. Hoje a empresa é uma referência no agronegócio nacional, mas também atravessou momentos

Não temos sazonalidade na oferta de bois ao mercado. E isso vale muito!”

complicados. Nos anos 2000, por exemplo, uma das principais atividades do grupo era a citricultura e por causa de uma infestação de cancro cítrico foi preciso erradicar 300 mil pés de laranja. A cultura se tornou arriscada demais e acabou sendo substituída pela cana. Essas decisões foram moldando e fortalecendo a administração atual. “Sou suspeito para falar a respeito, pois faço parte dessa história e sou fã de empresas familiares, mas acredito que se um grupo assim é bem gerido o sucesso é certo”, comenta Victor, que acrescenta: “Muitas companhias não têm essa maturidade e acabam morrendo. Nossa empresa ainda vai ter muita história para contar”. O conceito de meritocracia que define os papéis de cada membro da família na direção da Campanelli também é aplicado aos funcionários. Victor procura ressaltar que cada integrante da equipe tem uma importância estratégica nas operações. “Às vezes alguém pode achar que a sua função é menos nobre do que a de outro profissional que tem mais visibilidade, mas não é assim”, afirma. “Todo mundo aqui tem meritocracia ao extremo e é premiado pela qualidade de seu trabalho, assim ganhamos em eficiência.” Victor faz uma analogia com uma partida de futebol americano, esporte que adora, para exemplificar a relevância de cada colaborador: “Se você olhar bem, todos os jogadores participam da jogada, ainda que poucos realmente toquem a bola”.

VICTOR CAMPANELLI 35 anos, casado

Diretor executivo da Agro-Pastoril Paschoal Campanelli S/A Faturamento 2016: R$ 250 milhões (cerca de 20% a mais que em 2015) Divisão do faturamento: 65% confinamento, 30% cana e 5% milho Área total da empresa em São Paulo: 15 mil hectares. Área para confinamento (Fazenda Santa Rosa): 25 hectares Produção: 55 mil bois confinados por ano Capacidade estática: 18,5 mil bois – 1,5 mil bois enviados toda semana para os frigoríficos Hobbies: tecnologia, futebol americano, automobilismo, pôquer e vinhos Outras atividades: consultor da Trimble no Brasil, contribuiu para a adaptação da tecnologia de GPS para máquinas agrícolas no País

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TOP

partners AGRO-PASTORIL PASCHOAL CAMPANELLI S/A

NUTRIÇÃO SEMENTES A empresa planta 2,5 mil hectares de milho para produção de silagem de grão úmido e snaplage (silagem da espiga). O principal fornecedor de sementes para essa lavoura é a Dekalb, mas também são usadas variedades de Pioneer, Morgan e Agroceres. NÚCLEO PARA RAÇÃO Os principais fornecedores de matériaprima para a produção de núcleo e premix são as empresas Alltech, Produquímica, Mosaic, Silvafeed e Elanco.

SANIDADE PRODUTOS VETERINÁRIOS O protocolo sanitário preventivo da Campanelli é composto de produtos dos laboratórios MSD, Zoetis e Merial.

IDENTIFICAÇÃO INFRAESTRUTURA TRONCOS Os currais são equipados com troncos de contenção da Beckhauser e da Contentor.

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BRINCOS Todos os animais, tanto os confinados quanto os de recria, são identificados com brincos do Sisbov e bottons para leitura por radiofrequência (RFID), dispositivos fornecidos pela Allflex. O software para gerenciamento da rastreabilidade é fornecido pela GA (Gestão Agropecuária).


AGRICULTURA DE PRECISÃO GPS Todas as máquinas utilizadas nas operações de plantio e colheita e os caminhões são controlados por GPS. São mais de R$ 6 milhões investidos em tecnologia e equipamentos de agricultura de precisão. A Trimble é a fornecedora dessa estrutura, por meio de sua revendedora no Brasil, a Geo Agri, que também abastece a fazenda com outras tecnologias, como as imagens aéreas e de satélite utilizadas no planejamento e na análise qualitativa do plantio.

TRANSPORTE CAMINHÕES Os veículos da linha mais pesada são Volvo, já os demais são VW, Ford e Iveco.

MONITORAMENTO CÂMERAS A empresa utiliza equipamentos para circuito fechado de TV (CCTV), fornecidos pela Intelbras, para fazer o monitoramento das atividades fabris e de segurança.

COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO INDÚSTRIA FRIGORÍFICA A venda de bois é feita principalmente para JBS e Marfrig. INDÚSTRIA SUCROENERGÉTICA Toda a produção de cana vai para o Grupo Tereos.

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I

smael Perina Júnior é uma rara unanimidade. Poucos agricultores desfrutam do mesmo prestígio e do respeito que ele conquistou, seja com seus companheiros de cultivo de cana-de-açúcar, seja na relação com lideranças e autoridades – sobretudo da área pública – ligadas ao agronegócio. Na verdade, uma coisa puxou a outra. A eficiência que sempre buscou nos canaviais, com alta produtividade e custos cada vez mais baixos, o colocou em uma posição favorável para explorar uma característica que ele semeou durante toda a vida: a dedicação ao benefício coletivo. “Isso vem da minha formação e da convivência com pessoas muito ativas nessa área”, comenta Perina. A influência, conta, veio de casa: “Meu pai trabalhou muito tempo na Nestlé e foi o fundador da cooperativa dos funcionários da empresa”. Família, lavoura e o desenvolvimento coletivo da agricultura formam o tripé da prática e do discurso do produtor. São os insumos de uma trajetória vencedora, que o tornou referência no setor sucroalcooleiro – e o Top Farmer Cana, escolhido pela PLANT PROJECT, em 2017. O envolvimento com a cultura vem de longa data, por sua origem na roça. “Meus avós já eram produtores rurais”, afirma Perina. Em 1980, quando se formou engenheiro agrônomo pela Unesp de sua cidade, Jaboticabal, no interior de São Paulo, assumiu a administração da propriedade da família, a Fazenda Belo Horizonte, e iniciou ali um processo de revitalização da atividade. Combinando a vivência e o gosto pelo campo com o conhecimento acadêmico e o espírito questionador, foi buscar inovações tecnológicas, ferramentas e métodos que pudessem otimizar os resultados das lavouras. Um deles, hoje 66

uma espécie de assinatura de seu trabalho como produtor, é o Método Inter-rotacional Ocorrendo Simultaneamente, mais conhecido pela sigla Meiosi. Com as botas vermelhas da poeira da Belo Horizonte, Perina se orgulha de mostrar ao vivo seu laboratório a céu aberto. Caminhando pela lavoura, ele rapidamente dá uma aula sobre Meiosi. Conta que o método ficou esquecido por algum tempo, mas passou a ganhar espaço novamente, impulsionado pela aplicação de novas tecnologias. De maneira geral, o cultivo de cana por Meiosi consiste em intercalar os espaços com outras lavouras que tragam benefícios econômicos e agronômicos. No caso da Fazenda Belo Horizonte, predomina o amendoim, mas também entram soja e feijão. Essa integração da cana com as oleaginosas, uma rotação de culturas, favorece o plantio de ambas. O grão entra nas áreas de reforma dos canaviais como mais uma fonte de renda e ainda melhora

Minha grande vontade é ver a melhoria do todo, pois ganhamos individual e coletivamente”

as condições da terra para um novo ciclo da cana. A mudança ajuda também no controle sanitário. “Como não há tantas pragas e doenças comuns às duas culturas, você quebra o ciclo do problema e aumenta as chances de sucesso na próxima safra”, diz. “A técnica foi desenvolvida de maneira muito simples, o que temos feito é buscar o máximo de rentabilidade do que já temos.”


TOP FAR ME R CA N A

A CANA COMO BANDEIRA Exemplo dentro e fora da porteira, o agricultor Ismael Perina Júnior se tornou um modelo na área de produção e uma das principais lideranças para o setor sucroenergético Por Romualdo VenÂncio | Fotos Emiliano Capozoli

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“ 68

PRODUTIVIDADE MÁXIMA Da área total de 670 hectares da Fazenda Belo Horizonte, cerca de 600 são ocupados pelos canaviais. É nesse espaço que entra também o amendoim. Do restante, uma pequena parte é destinada à criação de gado de corte. Na busca pela melhor rentabilidade, Perina se apega aos detalhes, microfatores que podem fazer grande diferença nos cálculos de produtividade e custos de produção. “No macro, as coisas estão bem resolvidas”, pontua. Para reforçar cada possibilidade de retorno da atividade, o agricultor

Ano a ano procuramos administrar cada um dos talhões dentro de um novo modelo de utilização de insumos”

deixa a porteira sempre aberta para tecnologias mais modernas, novos produtos ou versões atualizadas desses itens e iniciativas inovadoras dos fornecedores. “Todo ano procuramos administrar cada um dos talhões dentro de um novo modelo de utilização de insumos e isso tem funcionado muito bem.” Em alguns casos, basta uma mudança estratégica de manejo para surgirem resultados surpreendentes. Foi o que aconteceu com a programação de reforma dos canaviais. “A cada ano, reformávamos praticamente 20% da área total. Ao final de um período de cinco anos toda a lavoura estava renovada”, cita Perina. Agora, esse processo é feito com menos de 10% dos canaviais e o ciclo total de renovação se completa em um prazo próximo de dez anos. “Reformamos apenas o que é realmente necessário, onde houve perda de produtividade ou algum outro problema. Se le-

varmos em conta o custo de R$ 8 mil por hectare nesse manejo, dá para ter uma ideia do quanto conseguimos economizar.” A longevidade da cana plantada na Belo Horizonte, próxima de dez anos entre os cortes, é condição essencial para se alcançar tal evolução. Essa cautela com as lavouras tem chamado a atenção inclusive de outros especialistas do setor sucroenergético. É o caso de Plínio Nastari, presidente e CEO da Datagro Consultoria., uma das principais empresas globais de consultoria especializada em mercados agrícolas e que atende clientes em 41 países. “Estou muito impressionado com o que ele tem conseguido em termos de longevidade e produtividade com o sistema de Meiosi e a rotação de culturas”, comenta Nastari. Os números justificam bem a boa impressão. Na safra passada, Perina comemorou a melhor produtividade de seus canaviais ao conseguir colher 111 toneladas por


hectare. Considerando os últimos quatro anos, a média foi próxima de 100 toneladas por hectare -- a média nacional não chega a 80. “Alcançamos esse resultado em um ambiente de média fertilidade, pois não se trata de uma fazenda com terras de excelente qualidade”, afirma o produtor/agrônomo. No passado, lembra, com um canavial bem mais novo, a produtividade média da propriedade ficava entre 85 e 88 toneladas por hectare. MULTIPLICAÇÃO SEM MILAGRES Associado ao sistema de Meiosi, Perina vem trabalhando com a utilização de mudas pré-brotadas (MPB), que apresentam padrões elevados de qualidade e sanidade. Cada uma dessas mudas vai gerar uma touceira, e os colmos dessa cana se tornam uma nova muda. Ou seja, cria-se um estoque de “sementes” disponível no próprio local para a implantação dos ca-

naviais. Na prática, esse viveiro é plantado em uma linha entre as áreas ocupadas com amendoim, que darão espaço para 10 ou 20 futuras ruas de cana, cultivadas a partir das mudas obtidas ali. As vantagens da utilização de MPB passam por maior produtividade, controle sanitário, melhor padronização da produção, praticidade no manejo das lavouras e redução de custo. “O desenvolvimento dessas mudas é a grande evolução dos últimos anos no cultivo da cana”, afirma Perina. A satisfação do fazendeiro é baseada nos resultados práticos. Ao eliminar a necessidade de transporte das mudas, há uma redução de até 35% nos custos de produção, o que envolve consumo de combustível, mão de obra, desgaste dos veículos, entre outros itens. Essa economia pode ter um incremento de mais 20% com o aumento da produtividade, algo que vem acontecendo rapidamente. Há quatro anos, quando

começou a utilizar a tecnologia de MPB, o fator de multiplicação era de uma linha para sete. “A rigor, usávamos duas linhas, mas passamos para uma porque a quantidade de mudas era suficiente”, diz Perina. Assim que se tornou possível trabalhar com uma linha para dez, o agricultor resolveu ganhar também no espaçamento. “Deixávamos uma distância de 50 centímetros entre as mudas e passamos para 65 a 70, dependendo da variedade.” Agora, assim que o amendoim é colhido, cada linha de mudas pré-brotadas dá origem a outras 20, sendo dez de cada lado. “É um rendimento impressionante”, comemora Perina, que viu esse potencial ser dobrado. “Recentemente realizamos um dia de campo na fazenda e constatamos que algumas mudas apresentaram fator de multiplicação de uma linha para 40.” O ganho é também qualitativo, pois é possível selecionar a variedade de muda de acordo com as PLANT PROJECT Nº3

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“ ISMAEL PERINA JUNIOR 58 anos, casado

Diretor da Fazenda Belo Horizonte (Jaboticabal, SP) Faturamento 2016: R$ 6 milhões Divisão do faturamento: 90% cana e 10% amendoim (essa divisão varia conforme o cenário de oportunidades e a definição da área de reforma dos canaviais) Área total da empresa em São Paulo: 670 hectares Área para plantio de cana: 600 hectares Produção: • Cana – 60 mil toneladas por ano (entregue para a Usina São Martinho) • Amendoim – 10,8 mil sacas de 25 kg por ano (270 toneladas entregues para a Coplana – Cooperativa Agroindustrial) Hobbies: viajar, ouvir música caipira, assistir a esportes na TV (principalmente tênis e vôlei) Outras atividades: presidente do Sindicato Rural de Jaboticabal, diretor da cooperativa de crédito Sicoob/ Coopcredi de Guariba (SP) e vice-presidente da Central de Cooperativas de Crédito do Estado de São Paulo. 70

Buscamos produtividade acima de 100 toneladas de cana por hectare. E estamos nesse patamar” características de cada área. “Consigo planejar o desenvolvimento da forma de plantio de maneira muito mais completa, certo de que a cana cultivada é de fato a ideal para aquele tipo de solo. Diferentemente do que acontecia no passado, quando corríamos o risco de utilizar uma variedade que não permitia aproveitar o melhor potencial oferecido pelo solo.” COMPROMISSO COM O COLETIVO Assim como a cana que produz, Perina é um especialista em multiplicar tempo. Apesar de toda a atenção que tem com a atividade agrícola da família, ele dedica apenas entre 25% e 30% de sua jornada à propriedade. Em geral, os finais de semana. “É quando coloco tudo em dia”, comenta, tranquilo. Na gestão da rotina, afirma, seu trunfo é contar com uma equipe eficiente. “Nosso técnico agrícola mora na fazenda e cuida de todo o quadro funcional, gerencia as planilhas de todas as operações e sempre conversamos sobre o que é melhor a ser feito e quando deve ser feito.” Além do pessoal que está no dia a dia da Belo Horizonte, há o suporte dos técnicos da cooperativa da região. É nesse ponto que a prosa toma o rumo de uma parte importantíssima da agenda e do currículo de Perina. Quando questionado sobre seu envolvimento com entidades do setor, o fazendeiro respira um pouco mais fundo. Pode ser por causa

de sua paixão pela representatividade classista ou porque sabe que o assunto vai longe e precisará mesmo de mais fôlego. E então se empolga. Para se ter ideia, Perina é presidente do Sindicato Rural de Jaboticabal – caminhando para um segundo mandato; é diretor da cooperativa de crédito Sicoob/Coopcredi de Guariba (SP), instituição que já presidiu; é vice-presidente da Central de Cooperativas de Crédito do Estado de São Paulo, e por conta disso acaba tendo eventuais participações nas reuniões da Central de Cooperativas dentro da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), em Brasília. Achou muito? Mesmo os cargos que já não ocupa mais ainda ganham sua atenção. Perina presidiu a Associação de Fornecedores de Cana de Guariba (Socicana) e a Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana). “Sempre me coloco à disposição do atual presidente da Orplana, Eduardo Vasconcellos Romão, para participar de alguns fóruns nacionais e internacionais, o que é muito satisfatório para mim”, comenta. Pelo menos duas vezes por mês ele vai a Brasília representando a entidade. Somando todas essas atribuições, o agricultor mantém uma rotina de dois a três dias em sua cidade, dois a três dias fora – em geral na capital federal – e os fins de semana cuidando da fazenda.


O interesse em trabalhar pelo coletivo surgiu desde quando passou a administrar a fazenda de sua família. Bastou o incentivo certo, vindo de um admirado professor, para que entrasse de corpo e alma. “Conheço o Ismael Perina há muitos anos”, conta Roberto Rodrigues, coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getulio Vargas, uma das grandes inspirações do agricultor. “Foi meu aluno de Cooperativismo na faculdade. E seu primeiro trabalho profissional também foi comigo, quando conseguimos que o governo instituísse o pagamento de cana pelo teor de sacarose e montei o Departamento Técnico da Socicana em Guariba, para monitorar a instalação dos sistemas de medição da sacarose nas usinas da região. Ismael, muito jovem ainda, chefiava então a validação do novo modelo em uma das usinas.” Se hoje Perina é – ou continua a ser – uma personalidade tão solicitada, tal condição é re-

O desenvolvimento da tecnologia da muda pré-brotada é a grande evolução desses últimos anos, pois intensifica a produtividade com alto grau de sanidade da cana”

sultado do prestígio conquistado ao longo de quase 40 anos dedicados ao setor sucroenergético. “Acompanhei a trajetória profissional e institucional de Ismael no cooperativismo e no associativismo, que foi sempre marcada por seriedade, interesse pela inovação e dedicação às causas da classe rural, em especial os produtores de cana-de-açúcar. Desprendido e tolerante, é um líder democrático e moderno, e todos que o conhecem esperam que assuma cargos e funções cada vez mais destacados, pelo bem da categoria que representa tão bem”, acrescenta Roberto Rodrigues. Exemplo claro da consideração que o setor tem por Perina foi a indicação de seu nome

para presidir a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Açúcar e do Álcool, órgão ligado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O período de dois anos que passou à frente da Câmara Setorial, entre 2014 e 2016, foi muito importante para conhecer melhor certas dificuldades. “Quando há troca de governo, troca de pessoas, começa tudo de novo. Essa falta de sequência é uma das coisas mais danosas para o Brasil, pois o País perde recursos, investimentos e potencial.” O aprendizado só fortaleceu o conceito que traz desde o princípio dessa jornada: “Minha grande vontade é ver a melhoria do todo, pois ganhamos individual e coletivamente”. PLANT PROJECT Nº3

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TOP

partners FAZENDA BELO HORIZONTE

PROTEÇÃO DO CULTIVO Segundo Perina, a especial atenção às questões micro é fundamental para otimizar os resultados. A FMC Agricultural Solutions tem papel importante no início do desenvolvimento das plantas, momento decisivo para o futuro do canavial. A empresa oferece inseticidas e nematicidas para o controle de pragas a partir do tratamento do sulco de plantio. A linha de herbicidas combate as principais plantas daninhas dos canaviais, evita a matocompetição e dá condições para que as plantas expressem todo seu potencial de desenvolvimento na préemergência.

FERTILIZAÇÃO Por estar em uma região com terras de média fertilidade, Pereira tem especial cuidado com o manejo de solo – a adubação pode ser responsável por até 60% da produtividade das lavouras. Com a aplicação de soluções de fertilização da Mosaic, o agricultor amplia os benefícios já alcançados pelo fato de inserir o amendoim nas áreas de renovação, como a fixação de nitrogênio no solo. A melhora no crescimento radicular das plantas aumenta seu poder de absorção de água em nutrientes, o que favorece a produtividade no campo e na indústria.

SANIDADE A opção por diferentes fornecedores tem o objetivo de impedir que os inimigos da lavoura criem resistência ao princípio ativo desses produtos. A Syngenta tem lugar garantido nesse manejo de proteção do cultivo por oferecer uma ampla linha de herbicidas, fungicidas e inseticidas. Dessa forma, contribui para que o agricultor mantenha os canaviais sadios desde o plantio até a colheita.

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MUDAS PRÉ-BROTADAS O fornecimento das mudas pré-brotadas (MPB) é uma das maiores contribuições da Basf para os canaviais de Ismael Perina Júnior. A tecnologia permite formar os viveiros de mudas exatamente no espaço onde serão plantadas, o que, segundo o agricultor, gera uma redução dos custos de produção de até 35%, por conta da menor necessidade de transporte. A principal vantagem está mesmo na produtividade. As mudas são mais saudáveis e garantem um plantio mais uniforme com uma taxa elevada de multiplicação. Durante dia de campo realizado na Fazenda Belo Horizonte, foi constatado que uma linha de MPB pode render até 40 linhas de cana. Os resultados ainda são potencializados pela utilização do sistema de Meiosi, pois o cultivo do amendoim nas áreas de renovação dos canaviais melhora as condições do solo e favorece o vigor no desenvolvimento da cana.

LONGEVIDADE

PRODUTIVIDADE

Entre as soluções tecnológicas utilizadas estão os produtos fisioativadores da Arysta LifeScience, que asseguram um desenvolvimento saudável e mais vigoroso das plantas. Quando associada ao portfólio de itens para proteção dos canaviais, envolvendo herbicidas e inseticidas, essa característica aumenta ainda mais as chances de se alcançar maior produtividade por hectare e menor custo por tonelada de cana processada e contribuem também com a longevidade dos canaviais. Esse fator é primordial no planejamento de Perina, pois é a partir do maior tempo de vida útil das lavouras que consegue reduzir os custos em reforma.

Além da contribuição para a prevenção e o combate de pragas e doenças, a Bayer também oferece soluções que impactam diretamente no rendimento industrial dos canaviais. É o caso da opção de regulador de crescimento. O produto evita o florescimento – processo que interrompe a formação de novos entrenós e drena os carboidratos do colmo, que pode causar perdas de até 30% na produtividade e favorece a isoporização, que gera desidratação do tecido dos colmos, reduz o peso da cana e prejudica a extração de sacarose, afetando a capacidade de moagem e o rendimento industrial.

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AgMusa . Uma nova cana comeรงa pela muda. TM

BASF Cana. Mรกximo potencial para o seu negรณcio e longevidade para o seu canavial. 74


A muda pré-brotada, mediante à grande redução de custos e ganhos de produtividade, é a maneira de continuar produzindo neste panorama de dificuldades, quando se leva em consideração o custo de produção e rentabilidade.

Ismael Perina Junior Diretor da Fazenda Belo Horizonte, Jaboticabal - SP

Técnica de meiosi no plantio de AgMusa™ e Amendoim. Fazenda Belo Horizonte, Jaboticabal - SP

0800 0192 500 facebook.com/BASF.AgroBrasil www.agro.basf.com.br

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Chegou a hora de mostrar ao mundo que o Brasil é a tão prometida ‘powerhouse’ da agricultura”

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Ideias e debates com credibilidade

foto: Shutterstock

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Fo

A Agricultura de Trump e as oportunidades para o Brasil ED SIATTI

Engenheiro agrônomo formado pela Universidade de Maringá, é evangelista da agricultura e divide seu tempo entre atividades com produtores nos Estados Unidos e no Brasil

A hora de agir é agora e nunca foi tão boa. Diante de tantas incertezas que cercam as direções da agricultura norte-americana, o Brasil tem uma grande oportunidade de preencher as lacunas que a nova administração de Donald Trump está deixando com o rumo da agricultura nos Estados Unidos. Eu explico melhor... Fica claro que a política agrícola dos EUA não é, pelo menos até agora, uma prioridade para Trump, principalmente quando comparamos, por exemplo, com as indústrias de óleo e gás. Vale lembrar que o novo presidente cercou-se de conselheiros simpatizantes dessas indústrias: Rex Tillerson, ex-CEO da Exxon Mobil, e o investidor Carl Icahn, ligado ao setor de petróleo, que, a meu ver, farão grande oposição à Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês) dos Estados Unidos e às metas de biocombustíveis apresentadas para 2017 dentro do programa Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS). Isso pode significar uma grande oportunidade para o Brasil exportar etanol de cana-de-açúcar para os EUA, para que o país cumprisse a audaciosa meta de adicionar 72,1 bilhões de litros de combustíveis renováveis à gasolina este ano. Outro sinal de que o setor foi deixado de lado por Trump é o tempo de 71 dias depois da eleição – 28 dias a mais que o antecessor Barack Obama – levados para a indicação do secretário de Agricultura, sendo esse o último cargo de sua administração a ter seu nome definido. Para complicar ainda mais, ninguém sabe como Trump vai abordar a Farm Bill – lei que define o rumo das políticas públicas para a agricultura norte-americana --, que 78

o Congresso espera aprovar em meados de 2018. O que mais chama a atenção é que Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos pela força do apoio vindo das regiões agrícolas. Até o momento, entretanto, ele não tem gasto muito de seu tempo articulando sua visão para a indústria primária que suporta a América rural. “Ninguém está confortável ainda” ou “ninguém sabe qual será a direção que eles (Trump e seu gabinete) vão tomar”. Essa é a resposta que recebo quando pergunto sobre o sentimento dos produtores e líderes do agronegócio nos Estados Unidos. Esse momento de incerteza pode ser muito benéfico para o Brasil, desde que a ação seja rápida e certeira. Trump prometeu levar os Estados Unidos na direção do protecionismo. E cumpriu. Retirou o país da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), um acordo de livre-comércio estabelecido entre 12 países banhados pelo Oceano Pacífico, que envolve uma série de questões econômicas e políticas. Vale lembrar aqui que a TPP ainda não está valendo na prática. E o que isso significa para o Brasil? Vou lhes dar uma fotografia melhor: em Minnesota, a carne suína ocupa o terceiro lugar no ranking de exportações, gerando mais de US$ 800 milhões em 2016. O maior destino da carne exportada foi o Japão, um dos signatários da TPP. Aqui, enquanto a agricultura americana bate cabeça, o Brasil teria oportunidade de melhorar sua posição no ranking das exportações de proteína animal e grãos. Outra oportunidade surge com o tão falado muro que Trump promete construir na divisa dos Estados Unidos com o México. Em resposta ao protecionismo dos EUA, o senador mexicano Armando Ríos Piter, que lidera o comitê de relações exteriores, anunciou que vai introduzir um projeto de lei propondo que o México compre milho do Brasil e da Argentina, em vez de adquirir o produto americano. O Brasil pode atender à maior parte dessa demanda, mas tem que correr na frente e iniciar logo as negociações com os parceiros mexicanos, pois não está sozinho nessa corrida e os hermanos do Sul já estão de olho no milho que está à mesa. Mais gasolina será jogada na fogueira entre México e EUA quando houver a renegociação do Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio), que envolve os dois países e mais o Canadá. O México é o maior comprador de milho nor-


te-americano. Importou 26% do total do grão exportado pelos vizinhos do Norte, algo em torno de US$ 2,5 bilhões na safra 2015-16. Não seria nada mal capturar uma parte dessa receita. O Brasil precisa definir rápido qual plano pretende ser para o México: B ou C? Acredito que existem lacunas que o Brasil pode

Yes, nós temos bananas. E drones também! RICARDO CAMPO

Publicitário e especialista de comunicação do Rabobank Brasil

Minha missão começa cedo, pois sou incansável e capaz de percorrer os hectares de uma propriedade em poucas horas. Meu olho é apurado e registra as mais simples variações de forma, cor e temperatura. Detecto falhas e inimigos biológicos. Posso voar e daqui do alto vejo a beleza de uma lavoura como ninguém mais vê. Muito prazer, meu nome é drone, mas pode me chamar de tecnologia presente em campo. Isaac Asimov e Philip Dick, autores de clássicos literários como Eu, Robô e Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, marcaram época por anteciparem o futuro e descreverem o progresso e dilemas de uma nova sociedade em relação à tecnologia e inteligência artificial. Mas, o que até então poderia parecer conto de ficção científica, hoje se traduz em realidade e no meio rural isso não é diferente. A tecnologia está no melhoramento genético, no desenvolvimento de insumos, no maquinário orientado por satélite, na agricultura de precisão e no georreferenciamento das propriedades. Está no nome e na essência das agritechs, as startups agrícolas, que a cada nova safra apresentam soluções e plataformas que auxiliam agricultores nos desafios da produção, gestão financeira, controle

preencher, diante da falta de liderança e prioridade à agricultura, além da direção protecionista da administração Trump. O País possui duas alternativas: ficar olhando o cavalo encilhado passar ou montar nessa oportunidade. Chegou a hora de mostrar ao mundo que o Brasil é a tão prometida “powerhouse” da agricultura.

de pragas, otimização de recursos hídricos e análises meteorológicas. O homem do campo não é avesso à tecnologia. Pelo contrário, é pioneiro na adoção de novas ferramentas que possam ajudá-lo na entrega de resultados mais sustentáveis. No entanto, o que se percebe é uma contradição em relação à sua imagem e estereótipo de profissional conservador e alheio à inovação. E esta é uma visão muito particular das cidades, onde consumidores, mesmo que por meio de produtos já processados, acabam colhendo os frutos de toda a tecnologia investida. E por falar em frutos e consumo, há um recurso tecnológico em expansão nos pontos de venda urbanos, mais especificamente no varejo de FLVs (frutas, legumes e verduras), que serve de exemplo de como campo e cidade podem ser integrados positivamente: a rastreabilidade. Rastreabilidade envolve a capacidade de acompanhar, por meio de softwares e números de identificação, o movimento de uma mercadoria pelas fases de produção, transformação e distribuição. No comércio de alimentos, a recuperação do histórico de produção ou da localização de um produto se tornou essencial para a gestão da cadeia de abastecimento e mitigação de possíveis crises alimentares. A rastreabilidade, que em alguns países já é prática obrigatória para determinados produtos agropecuários, também pode gerar ganhos ao negócio com planejamento da distribuição, redução de desperdícios e adição de valor na entrega aos consumidores, seja pela qualidade e maior frescor dos alimentos, pelo preço justo a se pagar no varejo, seja pela transparência na cadeia produtiva. Uma iniciativa que já consolida esse tipo de resultado é o Programa de Rastreabilidade e Monitoramento de Alimentos (Rama), idealizado pela PLANT PROJECT Nº3

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Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Atendendo principalmente aos objetivos da garantia de origem e controle de resíduos tóxicos, desde 2011, esse programa já rastreou mais de 4 milhões de toneladas de FLVs. A mais famosa garota-propaganda da fruticultura brasileira, Carmen Miranda, com seus figurinos memoráveis, já deixava claro como as frutas são ícones que atraem nossa atenção naturalmente. São cores, sabores, aromas e texturas que despertam nossos sentidos. Se a esta sinestesia incluirmos um fator de interação como o QR code, que pode ser escaneado por smartphones e apontar para o site da empresa produtora ou para o seu perfil em redes sociais como Facebook ou Instagram, certamente a experiência de consumo ficará ainda mais completa. Alguns produtores já perceberam que este é um canal eficaz para ampliar seus atributos de marca junto aos consumidores, cada vez mais exigentes em relação à origem dos alimentos e aos insumos aplicados no processo produtivo. E 80

para dar uma dimensão dessa oportunidade de comunicação, no Brasil, 60% das vendas de hortifrútis (HFs) ocorrem no autosserviço. Nesses pontos de venda, HF representa 9,7% das vendas anuais ou algo próximo a R$ 29 bilhões (Ranking Abras 2016). Yes, nós temos bananas e drones também! Nessa equação de produzir e entregar com qualidade, driblando adversidades do clima e mercado, atendendo à demanda de consumidores conectados e engajados, não resta dúvida de que os produtores rurais podem se tornar os verdadeiros Jedis do campo, e a tecnologia é fator para o sucesso de suas jornadas. Dentro da porteira, com melhor gestão e produtividade, depois da porteira, para garantia de origem e rastreabilidade. A tecnologia pode ajudar a posicionar marcas, disseminar as boas práticas agrícolas e ser uma grande aliada para que o campo converse mais e melhor com o público das cidades. O desafio está lançado. Que a força esteja com vocês!


Tyson Gersh, fundador do AgriHood Detroit Projetos como o bairro agrícola da antiga capital do automóvel podem colocar as cidades no mapa da produção de alimentos

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FRONTEIRA

As regiões produtoras do mundo

fotos: MUFI PLANT PROJECT Nº3

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FRONTEIRAS

As regiões produtoras do mundo

Lavoura do AgriHood de Detroit: apenas 2 hectares cultivados, mas com potencial para plantar uma revolução

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AS CIDADES ENTRAM NO JOGO DA COMIDA Projetos como o AgriHood, de Detroit, podem mudar o modelo da produção de alimentos no planeta – e, de quebra, recuperar regiões urbanas degradadas em todo o mundo Por Ocean Malandra, de Detroit (EUA)*

foto: MUFI

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Agricultura Urbana

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mundo alcançou um marco silencioso em 2008. Foi quando, pela primeira vez, a população urbana ultrapassou a rural – uma reviravolta única e importante na história da humanidade. Como alguém que cresceu no coração de uma cidade, sei por experiência própria que existem algumas facetas da vida urbana que não são muito cor-de-rosa, como a escassez de alimentos, que agora afeta quase 13% de todas as famílias nos Estados Unidos. Ser afastado da natureza e do acesso à comida verdadeira é uma das coisas que tornam o gueto tão desagradável. Quando as pessoas carecem de necessidades básicas como comida fresca no país mais rico do mundo – um país, a propósito, que gasta US$ 20 bilhões por ano em subsídios corporativos para combustíveis fósseis – é porque algo está definitivamente errado no design das comunidades. Por essa razão, quando vi a Michigan Urban Farming Initiative (MUFI) anunciar no final do ano passado que tinha acabado de lançar o que eles afirmam ser o primeiro bairro agrícola (AgriHood) do país, eu imediatamente contatei a organização sem fins lucrativos para descobrir mais sobre o projeto. Localizada no bairro de North End em Detroit, a organização incipiente possui uma lavoura urbana de 2 hectares, um pomar de 200 árvores, um jardim sensorial para crianças, está construindo um centro comunitário

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Imagens atuais e projeções das instalações do AgriHood: iniciativa transforma bairro degradado em uma espécie de Central Park comestível, cercado de habitações

de três andares e já forneceu mais de 50 mil quilos em produtos frescos gratuitamente para mais de 2 mil famílias, a maioria delas de baixa renda. O cultivo de alimentos em áreas urbanas não é novidade nos EUA, é claro. Durante a Segunda Guerra Mundial, um movimento chamado “Jardins da Vitória” – cultivados e administrados em espaços públicos, parques e terrenos baldios nas grandes cidades – conseguiu fornecer quase metade dos legumes frescos da nação. Quando a guerra terminou, a maioria deles foi fechada, pois estavam localizados em terras emprestadas, quer fosse pelo Estado, quer pela iniciativa privada. Depois que os Jardins da Vitória desapareceram, a nação atravessou uma diminuição no número de hortas urbanas até o surgimento dos jardins comunitários em bairros de imigrantes latino-americanos e asiáticos de Nova Iorque e Los Angeles -- antes de ser copiado em áreas mais modernas. Os jardins comunitários e as hortas caseiras têm crescido a todo vapor nos EUA. De acordo com um relatório recente da National Gardening Association, o cultivo de alimentos em zonas urbanas na América está no seu ponto mais alto em mais de uma década, com os jovens da geração millennials (geração Y) liderando o caminho. Cerca de 35% das famílias nos EUA estão agora engajadas em alguma forma de produção de alimentos. Porém, a


fotos: MUFI

horticultura doméstica e a comunitária são limitadas pelo espaço e sofrem com a falta do tipo de planejamento e organização centralizados que as fazendas usam para produzir grandes quantidades de alimentos. Para que as cidades realmente comecem a produzir para consumo próprio, é preciso desenvolver modelos mais complexos e eficientes de produção urbana de alimentos. E é aí que o novo AgriHood de Detroit realmente brilha. “Estamos produzindo muito por metro quadrado”, afirma Tyson Gersh, presidente, cofundador e gerente de fazenda do projeto. “Somos muito mais eficientes do que jardins comunitários e estamos usando hidropônicos para aumentar drasticamente nosso modelo de produção.” Para mim, o AgriHood de Detroit é único porque “posiciona a agricultura como a peça central de um

desenvolvimento urbano de uso misto”. Em outras palavras, é o planejamento urbano que leva em conta o fato óbvio de que as pessoas precisam comer. E isso demorou muito tempo para ser percebido. “Basicamente,esta é uma estratégia de desenvolvimento residencial, com uma fazenda como o centro”, Gersh me diz. Pense nisso como um Central Park comestível, cercado por habitações. Já faz algum tempo, numa outra América, o histórico North End de Detroit era o lar de famílias de classe média e alta. Agora é um retrato do declínio da cidade: lotes vagos abundam e há somente uma mercearia de verdade, onde qualquer produto pode ser encontrado, além de uma loja de bebidas. Para comprar alimentos recém-cultivados é preciso rodar vários quilômetros. O AgriHood mudaria isso completamente.

Mas, à medida que eu me animava com o projeto, um problema atravessou minha mente. Sendo de São Francisco, cidade onde quase nenhuma família de classe média permanece e os pobres dormem nas ruas, eu me perguntava se Gersh e sua equipe estavam preocupados com questões de gentrificação. O próprio Gersh diz que “vimos uma demanda esmagadora de pessoas que querem viver em função de nossa fazenda”. Então, comecei a querer saber sobre os moradores atuais de North End e o que eventualmente aconteceria a eles. “Essa é uma questão muito importante”, responde Gersh quando eu o confronto com minhas preocupações. “Especialmente porque mais de dois terços dos moradores atuais de North End são inquilinos e poderiam ser expulsos da região se os aluguéis aumentassem radicalmente." PLANT PROJECT Nº3

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Agricultura Urbana

A FRONTEIRA URBANA DE DETROIT Os projetos de agricultura urbana ocupam hoje cerca de

70 hectares de terras

na cidade – são mais de 1,5 mil iniciativas do gênero, com a participação direta de cerca de 20 mil moradores, gerando benefícios econômicos e sociais para a população. Estima-se que existam cerca de 6,7 mil hectares em área disponível. Cultivando 30% desse total (cerca de 2 mil ha), Detroit poderia produzir mais da

metade do que consome.

70 HECTARES

2 MIL HECTARES SÃO O EQUIVALENTE A:

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1,65 MIL

3,7 MIL

QUARTEIRÕES

CAMPOS DE FUTEBOL AMERICANO


fotos: MUFI

Tyson, o fundador (no alto), e moradores trabalhando na produção: “Há uma demanda esmagadora de pessoas querendo viver em torno de nossa fazenda”

Enquanto Gersh gostaria de ver a cidade implementar uma política de controle de aluguel para proteger os moradores, algo que está em andamento na área central de Detroit, o MUFI também trabalha em soluções no nível local. Como parte do plano residencial do AgriHood, a organização está construindo uma solução de habitação a preços acessíveis, feita de contêineres e materiais doados pela General Motors. As “casas pequenas” de dois cômodos e 20,72 metros quadrados serão projetadas para serem economicamente acessíveis e usadas para repovoar os lotes vagos do bairro. A verdadeira beleza do AgriHood é esse tipo de planejamento urbano integrado, que arranca um monte de problemas futuros potenciais no broto, plantando agora as sementes para soluções. É o oposto da expansão caótica impulsionada pelo mercado que tem dominado o crescimento urbano americano por décadas.

Em termos de alimentar de verdade um grande número de pessoas, Gersh admite que o AgriHood dificilmente “resolveu o assunto” da segurança alimentar de Detroit. Mas não precisa. O modelo de vizinhança, se duplicado e copiado em todo o país em uma escala em massa, seria uma mudança de jogo, proporcionando acesso a produtos frescos locais de alta qualidade e revertendo as condições difíceis de uma região degradada. As cidades podem cultivar alimentos suficientes para sustentar seus moradores; isso foi comprovado nos dias dos Jardins da Vitória e é exemplificado em lugares como a Havana moderna, onde, por causa do embargo comercial, a cidade teve que se tornar especialista em autossuficiência alimentar. De fato, em todo o mundo as principais cidades estão aumentando as estratégias locais de produção de alimentos.

Com área de plantio escassa, Cingapura é pioneira em arranha-céus transformados em fazendas verticais, que parecem visões futuristas dos jardins suspensos da Babilônia. Montreal, no Canadá, também lançou múltiplas iniciativas de agricultura urbana destinadas a tornar a cidade inteira um modelo mundial para enfrentar a escassez de alimentos. Tudo o que os EUA gastarem com projetos como o novo AgriHood de Detroit para se multiplicar e ser implementado em larga escala é um investimento público real. Embora isso possa soar como uma utopia desenfreada, há, sem dúvida, cerca de US$ 20 bilhões que vão para a indústria de combustíveis fósseis, completamente destrutiva, a cada ano que realmente deveriam ser reutilizados para coisas muito melhores. Texto publicado originalmente na revista eletrônica Paste (pastemagazine.com)

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Grelhados preparados ao ar livre no Blue Hill at Stone Barns No melhor restaurante dos EUA, a experiência vai muito além do salão de refeições

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A grande feira mundial do estilo e do consumo

foto: Daniel Krieger PLANT PROJECT Nº3

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W WORLD FAIR

A grande feira mundial do estilo e do consumo

O PROFETA DO SOLO O que faz do Blue Hill at Stone Barns o melhor restaurante dos Estados Unidos? Uma viagem ao paraíso rural do chef Dan Barber pode responder a essa pergunta e até mudar seus conceitos de agricultura Por Bill Addison, de NoVa IorQue (EUA)*

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ua refeição no restaurante Blue Hill at Stone Barns não começa com um menu. Começa com uma conversa. Você perceberá um pequeno livreto próximo aos talheres, que tampouco revela muito sobre o que a cozinha está preparando – o livreto lista as semanas do ano e os correspondentes alimentos que devem estar em época de colheita. Isto não importa muito. Seu atendente deve chegar e calorosamente fazer perguntas como: "Quão ousado você está se sentindo nesta noite?", "A que horas você gostaria de terminar seu jantar?" Esta última pergunta é muito importante: caso você não tenha hora para terminar, a cozinha terá todo o prazer em lhe servir uma refeição que levará mais de cinco horas. Logo, uma procissão de legumes

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chegará a você, verdadeiros tesouros terrestres com sabores tão vivos que chegam a confundir, e os minutos à mesa passarão voando como uma brisa em um sonho. Uma brisa deliciosa, caprichosa e extraordinária. Existem muitos restaurantes como o Blue Hill at Stone Barns, que criam experiências inesquecíveis para seus clientes. Porém, este, instalado em uma fazenda em funcionamento escondida entre as colinas, 48 km ao norte de Manhattan, é o melhor restaurante nos Estados Unidos porque é mais do que um simples restaurante. Sob a direção de Dan Barber, seu chef executivo, coproprietário e filósofo-chefe, é um experimento, um laboratório, um centro de aprendizado e um modelo para o futuro da agricultura.


Dan Barber, em Stone Barns: antiga propriedade dos RocKefeller é cenário para um eXperimento agrogastronÔmico

foto: Daniel Krieger

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A estrada de acesso ao Blue Hill e um prato de ouriço-do-mar com abóbora cabotiá: o cardápio é definido dia a dia, conforme a oferta da horta local

foto: Daniel Krieger

Stone Barns criou uma reputação em hospitalidade por permitir que seus clientes possam optar por se envolver muito (ou pouco, conforme desejarem) nos aspectos didáticos da produção local. Porém, essa força motriz – com a motivação de quem não se contenta com menos do que simplesmente revolucionar toda a cadeia alimentar dos EUA – é o que move Barber, sua equipe, sua cozinha e sua incansável pesquisa sobre métodos de cultivo. Ela está impregnada em cada incrível prato de comida que sai da cozinha reluzente. Sempre deixo Stone Barns alegre e satisfeito, cheio de uma inspiração igual à que teria após ver um show arrebatador ou terminar um grande livro. Como os artistas e artesãos conseguem afetar a cultura em uma forma mais profunda? Eles se tornam mestres em 92

seu meio escolhido, e então rumam para além da sabedoria estabelecida em direção a algo novo e imediato. Eles expressam as coisas da vida em maneiras audaciosas que mexem com a nossa imaginação, provocam reações e emoções. Miles Davis inaugurou novas vistas para o jazz através de sua incansável experimentação com outros estilos musicais modernos. Allen Ginsberg escreveu Uivo em um dialeto nascido das lancinantes insuficiências da sintaxe poética tradicional. Zaha Hadid desafiou os sisudos críticos de arquitetura ao projetar prédios ao redor do mundo que lançaram além as nossas ideias sobre fluidez estrutural e geometria. Barber não fica atrás em sua personalidade revolucionária, confrontando desafios criativos amplos a partir da perspectiva de um cozinheiro, escritor e estudioso, em um momento na história em que o alimento e sua relação com... bem, com tudo, se tornou uma parte permanente de nossa cultura. Ele recebeu os pastos mais verdes como o quartel de seu golpe culinário. O restaurante – originalmente uma filial do restaurante de Barber em Manhattan, o Blue Hill, um adorável local que logo foi ofuscado por seu “irmão” mais novo mais ao norte do estado – é a peça central do Stone Barns Center for Food and Agriculture [Centro Stone Barns para

Alimentação e Agricultura], uma organização sem fins lucrativos dedicada a atividades de inovação e instrução relacionadas ao cultivo. Durante os 12 anos que se passaram desde o surgimento do restaurante, Barber se tornou um profeta do solo, trabalhando obsessivamente não apenas com produtores regionais, mas também com criadores de animais e plantadores de legumes, todos eles igualmente devotados à sustentabilidade, preservação do solo e à busca de um sabor superior. Essa abordagem literalmente “a partir do solo” compõe cada aspecto da carreira de Barber. Seu maravilhoso livro de 2015, The Third Plate, detalha sua busca por produtores que compartilham sua visão para o futuro dos alimentos nos EUA. No restaurante Blue Hill de Manhattan, as experimentações de Barber com a eliminação de resíduos alimentícios resultou em um impressionante e fabuloso “cheeseburger de bacon e polpa vegetal” servido no bar. (Barber é o coproprietário de ambos os restaurantes Blue Hill, nomeados a partir de uma fazenda familiar em Massachusetts, com seu irmão David e a cunhada Laureen.) É possível entender o caráter da operação de Barber lendo os seus livros, assistindo suas TED Talks e passando por seu estabelecimento em Greenwich Village. Porém, para a imersão


foto: Daniel Krieger

mais profunda e prazerosa em seu mundo, você precisa fazer a viagem até Stone Barns. A viagem em si cria o ambiente de antecipação: seja de trem ou de carro, a cidade vai ficando para trás, quilômetro após quilômetro, até chegar à longa e sinuosa estrada da fazenda, onde a viçosa natureza ao redor sintoniza sua mente e sentidos para o banquete que o espera. A decisão de Barber de adaptar um estilo sem menus para o restaurante veio de uma necessidade: o constante malabarismo de ingredientes recém-colhidos tornava frustrante, para ele, a tarefa de planejar menus de degustação, mesmo aqueles que eram trocados diariamente. E, com tantos cortes usáveis de carne disponíveis de um só animal, ele não quis, digamos, matar 25 cordeiros por semana para servir costeletas para todos os clientes. “O público parecia cada vez mais interessado em tratar o restaurante não apenas como um retiro, mas também como um lugar de conexão”, ele me disse. “Essa conexão

começa antes de o primeiro prato ser servido, e se estende além.” Em qualquer noite em Stone Barns, não há duas mesas que experimentarão a mesma refeição. Com a conversa que é iniciada logo quando você se senta, a equipe da linha de frente do restaurante – um time entusiasmado e simpático que conhece tão bem os usos culinários de folhas de tabaco quanto as harmonizações de vinho e chá – estabelece uma sensação real de conexão entre o restaurante e o cliente. Os atendentes mantêm suas antenas ligadas em todos os momentos, lendo o humor geral da mesa. Se você está se atrapalhando com a doutrina, de prontidão eles lhe presentearão com detalhes e dicas sobre cada pedaço de comida em sua mesa; se eles percebem que você está levemente distraído, rapidamente pegarão mais leve com toda a retórica culinária. O mais importante é que eles proporcionarão a confiança que permite que Barber possa fazer

as coisas ao seu modo. No mês de setembro passado, por exemplo, o jantar começou com uma das poucas constantes em Stone Barns: uma apresentação de “legumes do campo” (pequeninos e redondos tomates; as menores cenouras e nabos; crocantes e emaranhados corações de alface) servidos crus, em espetos e brilhando com uma levíssima camada de vinagrete. O desenrolar da refeição para os recém-chegados ao restaurante pode parecer um pouco desajeitado ou pretensioso -eu me lembro do meu próprio ceticismo na primeira vez. Mas, quando você começa a comer, o efeito é quase espiritual. Raramente os alimentos que experimentamos têm um gosto que chega perto do mesmo que as joias servidas por Barber proporcionam. Eu tentei reparar com certa atenção no que vinha a seguir, mas, finalmente, eu me deixei levar pela vibrante progressão do jantar. Houve uma série de petiscos maravilhosos: pequenos bulbos de couvePLANT PROJECT Nº3

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foto: Ira Lippke

-rábano a serem passados em pesto em conserva e molhos de mirtilo; pezinhos de galinha desossados, fritos e inflados para pareceremse com chicharrones, dálias comestíveis crocantes, disfarçadas de arranjo floral central; minisanduíches de foie gras e chocolate; pastrami feito de coração de porco. Em seguida, pratos um pouco mais substanciais: uma “pizza” de beterraba em uma crosta comprida e crocante, uma versão caprichada de massa à bolonhesa feita de hastes de abobrinha. Um após o outro, por uma sucessão de várias horas com mais de três dúzias de pratos, tudo culminou em uma leva final de frutas de verão – algumas cruas, outras grelhadas, todas extraordinárias. O ponto não é realmente ficar servindo pratos um atrás do outro, mas sim deixar as ondas de sabores e texturas quebrarem-se delicadamente sobre você. Comidas que saboreei reapareceram em 94

minha memória por meses, flashes vívidos de um sonho particularmente comovente. Se você demonstrar a inclinação para tanto, a equipe em algum momento da noite lhe escoltará para um prato ou dois em outro local – talvez a cozinha, ou o pátio, ou o famoso galpão de esterco, convertido em uma sala de jantar rural cercada por uma exuberante fantasia de flores. Nesse local, o baixo e contínuo calor de um tanque que faz a decomposição de compostos também opera como um forno para cozinhar pacotes bem apertados em papelalumínio de legumes ou ovos. Essas trocas de cenário são definitivamente meu aspecto preferido de jantar em Stone Barns: a abordagem de escolher sua própria aventura que a equipe encoraja e coordena ali, na hora. Por exemplo, nosso atendente arregalou os olhos quando eu de repente mencionei meu interesse no programa de pães do restaurante. Por anos, Barber vem trabalhando com

agricultores e cientistas para desenvolver cepas de trigo que podem produzir colheitas rentáveis e sabores mais doces e complexos. Logo eu e meus companheiros de mesa fomos convidados a nos levantar e ir em direção à padaria do restaurante, de onde o próprio Barber saiu. Ele nos guiou por amostras de três tipos diferentes de pão feitos de três trigos diferentes, discutindo seus sabores, texturas e suas variações em práticas de cultivo. Houve uma conversa sobre resistência a doenças e endosperma. O campeão da noite, um pão com cor de cacau com marcantes traços de melaço, é um tipo de pão que Barber chamou de “trigo integral 200%”. Esse pão é feito de uma farinha moída de um cultivar de trigo desenvolvido apenas para ele, chamado Barber II, mais uma quantidade igual de farelo puro de cepas similares. Barber falou sobre desejar que a padaria seja um local de inesgotável experimentação e inovação,


A fachada do restaurante em dia de festa e uma couve-flor grelhada, em receita do chef Dan Barber: uma refeição completa pode levar até cinco horas

foto: Daniel Krieger

onde os clientes também possam provar experimentos de pães que fracassaram como uma possibilidade de fazer comparações. Na realidade, eu experimentei apenas sucesso ali. Entretanto, este não foi o fim de nosso leitmotif do trigo. Após nossa permanência temporária na padaria, pratos temáticos começaram a surgir em nossa refeição como pontos em uma narrativa: um frango que foi assado em um aperitivo de massa azeda apareceu, assim como pepinos em iogurte maltado e um gole de cerveja fabricada com grãos de rotação. Após concluirmos a

próspera leva de frutas, em vez de petit fours, a cozinha mandou uma baguete de pão morno de chocolate, que nós irrefletidamente despedaçamos com as mãos – um final adequado, já que havíamos comido tanto de nossos jantares com as mãos. Para outro grupo, Barber poderia ter desenhado um roteiro comparável a partir de uma abóbora, ou tomates, ou leite, ou milho. Os ingredientes são seus personagens, agentes do prazer através dos quais podemos entender melhor não apenas a terra, mas as pessoas que cuidam e criam, e talvez nós mesmos.

Comer em Stone Barns é um investimento, seja em tempo e dinheiro: o menu “Pecking, Rooting, Grazing” atualmente custa US$ 239 por pessoa, uma quantia que, combinada a taxas, gorjeta e bebidas, pode facilmente chegar próxima a US$ 500. Eu tenho a ultrajante sorte de ter um trabalho que me manda escrever sobre os restaurantes mais extravagantes do país. Mas, pessoalmente, se eu precisasse guardar dinheiro por um ano para gastar em apenas uma refeição – uma refeição para celebrar, uma experiência para ficar marcada –, eu gastaria minhas reservas em um jantar em Stone Barns. (Ou talvez para um almoço de domingo; preciso admitir que concluir uma refeição de cinco horas à meia-noite pode ser cansativo.) A sensação de hora e local que Barber conjura através de sua comida é tão afirmativa quanto gratificante. Jantar aqui não apenas desafia nossas premissas sobre o que um restaurante pode e deve ser como também as eleva. Jantar aqui pode até mesmo mudar nossa visão do mundo. Conteúdo publicado originalmente no site Eater (eater.com), publicado sob licença de Vox Media, Inc. PLANT PROJECT Nº3

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O IMPROVÁVEL VINHO DE SÃO PAULO A localização e o clima indicavam o contrário. Mas, com criatividade e tecnologia, a vinícola Guaspari elabora, na pequena Espírito Santo do Pinhal, brancos e tintos paulistas de qualidade Por Suzana Barelli

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Vinhos Vinhedos da Guaspari, na Serra da Mantiqueira: desafio à natureza para produzir vinhos elogiados

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s primeiras videiras chegaram à pequena Espírito Santo do Pinhal, cidade paulista na Serra da Mantiqueira, quase por acaso. A ideia, na verdade a sugestão de um paisagista, era usá-las para decorar o jardim da casa principal de uma fazenda de café. Mas quis o destino que os donos da propriedade, antes de comprar as vinhas, fossem estudar um pouco mais o assunto. Sem saber, estavam dando os primeiros passos para o nascimento da Guaspari, vinícola que, com menos de cinco anos de mercado, já recebeu elogios do inglês Steven Spurrier – “Um vinho surpreendente”, escreveu o inglês, um dos maiores críticos de vinhos da atualidade –; conquistou medalha de ouro no Decanter World Wine Awards 2016, um dos mais respeitados concursos do mundo, entre outros reconhecimentos. O pulo do gato da Guaspari está na chamada poda invertida, técnica de cultivo que desafia a sazonalidade e permite à videira dar frutos no inverno e não no verão (leia texto na página 93). A ideia foi apresentada por Murilo de Albuquerque Regina, pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) com especialização na Universidade de Bordeaux e o profissional que a família procurou para saber se as videiras PLANT PROJECT Nº3

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W Vinhos

poderiam sobreviver em uma paisagem marcada pelas fazendas de café e pelo clima quente e mais chuvoso do verão. As primeiras vinhas foram plantadas em 2006 e a escolha recaiu nas variedades francesas, como syrah, cabernet sauvignon e pinot noir nas tintas; e sauvignon blanc e viognier, nas brancas. Atualmente são 50 hectares de vinhedos, divididos em 12 parcelas, chamadas de vistas – a Vista do Chá, de pouco mais de 2 hectares, é a mais promissora. Donos da holding MSP Participações, que tem também uma empresa de mineração, os proprietários da Guaspari fizeram um amplo estudo do subsolo antes do plantio. O solo granítico, em sua maioria, e arenoso, com pedras de quartzo, garante a boa drenagem das vinhas. A altitude, entre 1.000 metros e 1.300 metros do nível do mar, traz a grande amplitude térmica entre o dia e a noite, necessária para a lenta maturação das uvas. “Nossa ideia era fazer um vinho de qualidade e aprendemos que o detalhe não é só um detalhe, mas é importante para nosso objetivo”, conta Marina Gonçalves, diretora executiva da Guaspari. Um exemplo disso está no time montado pela Guaspari. O cuidado do vinhedo é dividido entre o engenheiro agrônomo português Paulo Macedo, especializado em viticultura, que visita a propriedade a cada dois meses, e o chileno Cristian 98

Sepúlveda, que mora no local. “É um projeto direcionado à alta qualidade. Nossa tecnologia do campo é inovadora, dos estudos de porta-enxerto à irrigação”, afirma o chileno. Atualmente, o foco dos dois especialistas está em como manejar um vinhedo que enfrenta um clima tropical, durante a poda de produção, e o temperado, do inverno, na época de sua floração e colheita. A elaboração dos vinhos é pilotada pelo enólogo norte-americano Gustavo Gonzales, que tem no currículo passagens pela Robert Mondavi Winery, no Napa Valley (Califórnia), e pela italiana Tenutta dell’Ornellaia. “Começamos a escrever a história dos vinhos desta região. Como não havia vinhos por aqui, isso elimina preconceitos e me permite trabalhar de uma maneira mais criativa e intelectual”, afirma Gonzales. O sucesso dos primeiros vinhos – o Vista do Chá Syrah é um dos queridinhos da crítica especializada, apesar do seu preço, de R$ 194, ser considerado alto para um vinho brasileiro – impulsiona os planos da Guaspari. Na pequena vinícola, que desde março é aberta à visitação do público aos finais de semana, há joias da enologia, como um tanque de concreto em formato de ovo (usado no sauvignon blanc) e barricas de carvalho francês que imitam o formato de um charuto (para o viognier). Tudo para mostrar que o vinho paulista pode, sim,


O chileno SepÚlveda (À ESQ.), o americano Gonzales e a cave da vinícola: agrÔnomo e enólogo tÊm liberdade para desenvolver um trabalho inédito

ter qualidade e sua própria identidade. “Nossa maior dificuldade é permitir que as uvas e, consequentemente, os vinhos expressem o local em que são produzidos, com sabores que podem até ser diferentes do que estamos acostumados”, diz o enólogo norte-americano. Com essa filosofia, hoje já são sete rótulos no mercado: dois brancos, um rosé e dois tintos, na linha Vista, e um branco e um tinto da Vale da Pedra, elaborado com uvas das vinhas mais jovens. Há ainda três vinhos que devem chegar ao mercado em breve, o branco chardonnay e, nos tintos, um corte bordalês, elaborado com cabernet sauvignon e merlot, e o aguardado pinot noir. “Mas a produção do pinot noir ainda é muito pequena”, afirma Marina. Animada com o projeto que deve chegar a 120 mil garrafas neste ano (foram 90 mil em 2016), ela até aventa a ideia de investir em outras novas regiões do Brasil, aproveitando assim todo o conhecimento em viticultura que vem sendo acumulado desde 2006. É, como afirma o sommelier Tiago Locatelli, do restaurante paulistano Varanda, que tem os rótulos da Guaspari em sua carta, um projeto “ambicioso e de qualidade”. Não há como discordar.

O TRUQUE DA PODA O clima tropical tem duas características que dificultam a elaboração de vinhos de qualidade: a chuva de verão, que tende a tornar as uvas menos concentradas, e a pequena amplitude térmica, aquela diferença de temperatura entre o dia e a noite que possibilita a lenta e completa maturação da fruta. A técnica da poda invertida, ou dupla poda, resolve exatamente esta questão climática ao fazer com que a videira produza no inverno, quando o tempo é seco e a amplitude térmica é maior na região da serra da Mantiqueira, divisa de São Paulo com Minas Gerais. Explica-se: primeiro as plantas são podadas logo após a colheita. É a poda clássica, que acontece em todas as regiões produtoras. Seis meses depois, em janeiro, antes de as uvas amadurecerem, há uma segunda poda, chamada de poda de produção. Ela interrompe a produção da videira e dá início a um novo período produtivo, que desta vez será completo e que permite que a maturação dos frutos ocorra em um clima mais favorável. Quando começou, havia dúvidas de como as videiras resistiriam no tempo com a dupla poda, se teriam os mesmos rendimentos e o mesmo desenvolvimento. Sabe-se que vinhas com duas ou mais safras por ano, como acontece no Nordeste brasileiro, dificilmente entregam uvas para vinhos mais complexos. “Com dez anos, as plantas têm boa vitalidade, semelhante à daquelas que seguem a poda tradicional”, afirma o enólogo chileno Cristian Sepúlveda.

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ESCOLHA SUA PICAPE Trabalho ou lazer? Conforto ou resistência? Simplicidade ou tecnologia? Para cada necessidade, há diversas versões no concorrido mercado brasileiro. E lançamentos que prometem tornar ainda mais difícil a decisão na hora de comprá-las. Para ajudá-lo, PLANT traz um guia com nove modelos que podem conquistar você Por SÉrgio Quintanilha

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m 1913, a empresa Galion Allsteel adaptou um chassi de Ford T e criou o primeiro caminhão basculante da história nos Estados Unidos. Quatro anos depois, surgiu o Ford TT, que tinha a cabine do T e a suspensão traseira reforçada e aberta para acomodar caixas. Assim nasceu o modelo “pick-up” (pegar, em inglês), veículos associados ao trabalho pesado e à resistência. Em algumas décadas, porém, essa imagem mudaria. Nos anos 1950, o mundo estava revigorado pelo fim da Segunda Guerra Mundial e as pessoas passaram a comprar picapes para externar um estilo de vida. A partir de então, elas nunca mais foram as mesmas. Na última década do século XX, menos de 15% dos veículos do segmento vendidos eram usados exclusivamente para o trabalho. No Brasil não foi diferente. Hoje, as picapes representam pessoas vitoriosas, empreendedoras, sofisticadas e aventureiras. Não por acaso, portanto, essa é uma das categorias mais concorridas do mercado automotivo brasileiro. Dos 14 modelos de picape à venda por aqui, três são pequenos (com aplicações

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para trabalho e lazer) e dois são do tipo caminhonete (voltadas exclusivamente para o trabalho). Nas próximas páginas, PLANT vai tratar dos outros nove modelos: um deles é gigante (Ram 2500), dois são compactos (Fiat Toro e Renault Oroch) e os outros seis têm porte médio (Toyota Hilux, Chevrolet S10, Ford Ranger, Mitsubishi L200, Volkswagen Amarok e Nissan Frontier). Juntas, as nove picapes mais desejadas do Brasil somaram 138.159 unidades vendidas de janeiro a novembro de 2016. Mas qual delas colocar na sua fazenda? Qual modelo acomoda melhor sua família ou seus amigos? Qual picape tem a sua cara e oferece o melhor custo/ benefício para suas reais necessidades? Qual é boa de dirigir? Qual traz o melhor pacote tecnológico embarcado? Para tentar responder a essas e outras dúvidas, fizemos um guia somente com as cabines duplas – até porque as cabines simples de porte médio estão sumindo e elas só resistem na Hilux, na S10 e na Amarok. Das nove picapes analisadas, seis são rivais diretas (têm o mesmo porte e aplicação). As três que estão “fora da casinha” são a Ram 2500


(pelo tamanho, como já dissemos) e as inovadoras Fiat Toro e Renault Oroch. A diferença dessas duas (as menores entre todas aqui) está na forma de construção. Enquanto as picapes tradicionais são montadas como um caminhão, ou seja, com a carroceria sobre um chassi composto de duas longarinas, suspensões e rodas, a Toro e a Oroch têm a mesma construção de um automóvel de passeio – sua carroceria é monobloco, uma peça única. As rodas e as suspensões são montadas diretamente na carroceria e não no chassi. A vantagem desse sistema é que o comportamento dinâmico da picape fica parecido com o de um carro de passeio. A desvantagem é que não carrega tanta carga. Ambas são derivadas de modelos SUVs. A Renault Oroch é praticamente um Duster com caçamba, embora tenha reforços na suspensão traseira. Já a Fiat Toro usa a plataforma do Jeep Renegade e passou por mais modificações técnicas. De qualquer forma, as duas têm a mesma proposta: oferecer a praticidade de uma picape com a dirigibilidade de um automóvel de passeio. A Toro lidera as vendas na categoria, com 35.995

vendas de janeiro a novembro. A Oroch é a quinta colocada no ranking das picapes médias e grandes, com 12.937 emplacamentos. Por ser muito grande e bem mais cara, a Ram 2500 é a que menos vende entre as picapes analisadas (apenas 427 licenciamentos). Ela é a antiga Dodge Ram, que acabou se transformando em uma marca da Chrysler. Nos Estados Unidos existe também a Ram 1500, que é menor, e pode estrear no Brasil em 2017. Entre as picapes tradicionais, a mais vendida no período é a Toyota Hilux (30.360 emplacamentos). Ela é seguida de perto pela Chevrolet S10 (23.851), que certamente vai lutar pela liderança em 2017. Em um nível de vendas intermediário aparecem a Ford Ranger (14.118), a Mitsubishi L200 (8.859) e a Volkswagen Amarok (8.301). As três passaram por grandes modificações há pouco tempo. A menos vendida é a Nissan Frontier, mas o modelo atual está saindo de linha e ainda no primeiro trimestre de 2017 chegará a nova geração, que está sendo fabricada no México e será produzida também na Argentina, a partir de 2018

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VOLKSWAGEN AMAROK

Unanimidade em dirigibilidade

Pergunte para dez especialistas qual é a melhor picape média com chassi para dirigir e nove irão responder que é a Amarok. De fato, a Volkswagen conseguiu fazer de sua picape a mais amigável na condução, tão parecida com um automóvel de passeio quanto possível. Agora ela foi renovada e ganhará um motor V6 em 2017. As modificações foram mais visuais e de equipamentos, pois a parte mecânica já estava acima da média. Seu segredo é um perfeito ajuste das suspensões, combinando como nenhuma outra o conforto dos passageiros e a estabilidade nas curvas. O motor 2.0 não é o mais forte do segmento, mas o câmbio automático de oito marchas (com a primeira bem reduzida) compensa, garantindo desempenho idêntico ao das rivais. A Amarok conta com o sistema de tração inteligente 4Motion, que lhe garante ótima versatilidade. É indicada para quem tem prazer ao volante.

TOYOTA HILUX

Nova geração melhorou quase tudo

Fabricada na Argentina, a Hilux ganhou uma nova geração em 2016 e se tornou outra picape. O novo chassi e a nova mecânica realmente transformaram a experiência ao volante. Líder de vendas entre as picapes convencionais (carroceria sobre chassi), a Toyota Hilux melhorou a posição de dirigir, ganhou volante de couro com boa pegada, passou a ter muito mais torque e reduziu a vibração do motor. O ajuste nas suspensões deixou a picape mais dócil ao passar por buracos. Ela também ganhou uma nova central multimídia, mas seu uso é o mais complicado de todas. Às vezes, a dificuldade para mudar uma estação de rádio é tanta que chega a irritar. No banco traseiro, o conforto também melhorou, mas o encosto ainda é muito vertical, o que causa incômodo em viagens longas. Foi a primeira grande mudança da Hilux em 11 anos – e ela fez muito bem à picape japonesa.

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FIAT TORO

Corpo de picape, alma de automóvel

O grande desafio técnico na construção da Toro foi dar a ela a capacidade de transportar 1.000 kg sem perder a estabilidade de um carro de passeio. E a Fiat conseguiu. A caçamba acomoda 650 kg e o restante fica por conta dos passageiros. A suspensão traseira multilink tem uma geometria inédita no mundo e atua com três comportamentos diferentes. O câmbio automático de nove marchas faz com que a picape seja sempre silenciosa. Visualmente, ela impressiona pelas luzes de LED bem finas na dianteira. Os faróis ficam na parte inferior. Além disso, a tampa da caçamba é dividida ao meio e abre como uma portinhola, horizontalmente, o que facilita a colocação de objetos no dia a dia. Feita em monobloco, é indicada para quem busca uma dirigibilidade igual à de um automóvel, sem os solavancos das picapes tradicionais.

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DUSTER OROCH Pioneira com a carroceria monobloco Baseada no utilitário esportivo Renault Duster, a picape Oroch foi a primeira a chegar ao mercado com carroceria monobloco em tamanho maior que a das picapinhas. Seu sucesso foi imediato, sobretudo no meio urbano. A Oroch é a mais barata das picapes mostradas neste guia, pois só tem motores flex (1.6 e 2.0). Recentemente ele ganhou uma versão com câmbio automático, que é a nossa indicação. Mas essa transmissão tem apenas quatro velocidades, o que prejudica o consumo e aumenta o ruído do motor. Com o câmbio manual de seis marchas, ela aproveita melhor o torque. Equipada com direção hidráulica, é indicada para quem não quer ostentar e procura gastar o menos possível. A tração é 4x2 dianteira, o que reforça seu caráter urbano. O raio de giro da direção é melhor que o da Toro (usa apenas 11,4 metros, contra 12,2 metros da rival).

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FORD RANGER Interior renovado e mais conectividade A picape americana passou por uma boa modificação em 2016, mas ela se concentrou mais na melhoria do interior do que no visual externo. A Ford procurou dar à Ranger o máximo de conforto e conectividade para que a experiência a bordo seja mais parecida com a de um sedã. O principal item foi a introdução do sistema multimídia Sync com tela de 8” e visualmente bem integrado ao painel. Mecanicamente, o motor 3.2 ganhou melhorias para reduzir o consumo. E a direção ficou mais leve, pois agora tem assistência elétrica. A Ford melhorou também o pósvenda de sua picape, uma vez que as revisões obrigatórias agora ocorrem a cada 10.000 km ou um ano, e não mais em seis meses. A Ranger continua arisca na tocada, despejando muita potência a qualquer solicitação do acelerador. Mas é exatamente isso que muitos consumidores querem. Se você é um deles, a Ranger vai agradá-lo.

MITSUBISHI L200 Um novo sobrenome para se diferenciar Já em sua quinta geração, a Mitsubishi L200 Triton ganhou o sobrenome Sport para se diferenciar da geração anterior, que segue à venda nas versões GL, GLX, Savana e Outdoor. Fabricada em Catalão (GO), a nova L200 deu um enorme salto evolutivo e hoje tem conforto e dirigibilidade muito próximos de um SUV atual. Visualmente, a L200 Triton Sport destaca-se pela enorme grade dianteira cromada. A cabine manteve sua parte traseira em formato de “J”, o que ajudou a diminuir o entreeixos e melhorou a dirigibilidade. O interior ficou mais sofisticado e aumentou em 2 cm o espaço para os joelhos. Muito alto, o assoalho obriga os passageiros a dobrar as pernas, o que pode ser um ponto negativo em viagens longas. Seus principais atributos são a durabilidade e a resistência, mas a inclusão de mais equipamentos fazem dela um veículo para qualquer hora. A central multimídia tem GPS, CD, DVD, MP3 e Bluetooth. PLANT PROJECT Nº3

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CHEVROLET S10 Mais jovem por dentro e por fora A picape da General Motors rejuvenesceu. Graças a um facelift muito bem feito, a picape S10 ganhou vida tanto no design externo como no painel. Com para-choque elevado e faróis com luz de navegação diurna, a S10 também teve as linhas do capô suavizadas e agradou em cheio. Basta ver que suas vendas vêm sendo vigorosas e ela pode roubar a posição da Toyota Hilux em 2017. A versão LTZ é mais indicada do que a High Country, que é muito cara. Por dentro, a S10 também foi aprimorada. A ergonomia melhorou e a tela multimídia é a melhor entre todas as picapes, com botões enormes na tela sensível ao toque. Mas a nova S10 não é só visual. Graças a uma nova calibração das suspensões, ela se tornou mais dócil ao volante e mais firme na estrada (a barra estabilizadora mais rígida fez muito bem a ela). Os freios ganharam novas pastilhas.

NISSAN FRONTIER A primeira de uma nova série Totalmente modificada, a picape da Nissan foi apresentada em março e já está à venda em sua 12ª geração. Inicialmente, ela só tem a versão topo de linha (LE) disponível, com motor 2.3 de 190 cv, câmbio automático de sete marchas e tração 4x4. Antes, o motor era 2.5 e o câmbio tinha apenas cinco velocidades. A partir de 2018, será produzida também na Argentina e ganhará mais versões. A nova Frontier é a primeira a sair de um forno global que produzirá três novas picapes. As outras duas são a Renault Alaskan e a Mercedes-Benz Classe X. A nova Frontier ganhou caçamba com capacidade de 1.050 kg, quatro ganchos de fixação e tomada 12V. O sistema multimídia é um de seus fortes atributos, bem como os sistemas de segurança, que tornaram a Frontier mais estável. Em relação ao modelo anterior, a nova Frontier ganhou 874 milímetros na cabine. Os bancos têm tecnologia “gravidade zero” e são extremamente confortáveis. 108


RAM 2500 Somente para profissionais Antes de optar pela Ram 2500, saiba que ela só pode ser conduzida por quem tem carta de motorista de caminhão (categoria AC). Isso porque se trata de uma picape realmente gigante, com mais de 6 metros de comprimento. O motor é um enorme 6.2 com 330 cv de potência e 104 kgfm de torque. Basta pisar no acelerador que ela anda mesmo. Antigamente chamada de Dodge Ram, a Ram 2500 Laramie também enfrenta restrições para circular em grandes cidades. Mas seu conforto é único. Viajar com ela é uma delícia, pois há espaço de sobra e a lista de equipamentos é completa. Apesar de seu porte, a 2500 é fácil de dirigir. Estacionar já passa a ser um problema, pois ela não cabe em qualquer vaga ou garagem. Uma das marcas da Fiat Chrysler Automobiles, a Ram planeja trazer para o Brasil o modelo 1500, que é menor e bem mais acessível.

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VIAGEM A TIRACOLO O couro é o ponto-chave nessas bagagens de mão, mas a sofisticação também se faz presente. Plant selecionou cinco opções para você transitar com estilo Por FaBriCia PeiXoto

ERMENEGILDO ZEGNA NÃO É EXATAMENTE COURO, MAS SIM TECIDO DE COURO. ASSIM É A “PELLE TESSUTA”, TÉCNICA CRIADA PELA ERMENEGILDO ZEGNA A PARTIR DA TECELAGEM MANUAL DE FIOS DE PELICA EXTREMAMENTE FINOS. O RESULTADO É UM MATERIAL DE TEXTURA MACIA, USADO EM DIVERSOS TIPO DE ACESSÓRIOS, COMO CINTO, SAPATOS E ESTA BOLSA DE VIAGEM. PREÇO SOB CONSULTA MONTBLANC A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DO COURO É TÃO GRANDE PARA A MONTBLANC QUE A GRIFE ALEMÃ FEZ QUESTÃO DE MONTAR UMA DE SUAS UNIDADES FABRIS EM FLORENÇA, NA ITÁLIA, CIDADE CONHECIDA POR ALGUNS DOS MAIS TRADICIONAIS CURTUMES DA EUROPA. NO CASO DA BOLSA URBAN SPIRIT, O PRIMOR VAI ALEM DA MATÉRIA-PRIMA: OS FORROS DOS BOLSOS INTERNOS CONTAM COM UM REVESTIMENTO ESPECIAL QUE PROTEGEM CHIPS DE CARTÕES DE CRÉDITO E DE PASSAPORTES CONTRA LEITURA NÃO AUTORIZADA. PREÇO: R$ 8,2 MIL

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Retrato

É PURO LEITE! O Gir Leiteiro é hoje o mais bem sucedido programa de melhoramento de uma raça pura para leite nos trópicos. Nenhuma raça pura, nem mesmo as estimadas raças de clima temperado, tem maior produção vitalícia que as boas vacas Gir Leiteiro. Elas ficam produzindo por até 12 ou 15 anos nos rebanhos. São fortes, saudáveis e longevas. Nesta foto, feita nas Fazendas do Basa, de Evandro Guimarães (em Leopoldina - MG), lote de doadoras de mais de 8 mil kg de leite por lactação em controle leiteiro oficial sem ajustes. Um patrimônio do Brasil e do mundo tropical. Texto e foto de Zezinho Peres 112


Raduan Nassar, em rara foto feita na Fazenda Lagoa do Sítio, no Interior de São Paulo Produção literária deu lugar à produção agrícola

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Um campo para o melhor da cultura

fotos: Edu Simões/Cadernos de Literatura Brasileira/Acervo Instituto Moreira Salles PLANT PROJECT Nº3

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Ar A RTE

Um campo para o melhor da cultura

fotos: Edu SimĂľes/Cadernos de Literatura Brasileira/Acervo Instituto Moreira Salles

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LAVOURA LITERÁRIA Como a vida em uma fazenda no interior de São Paulo moldou a festejada obra (e a reclusão) do escritor Raduan Nassar, um dos mais importantes da literatura brasileira Por Ana Weiss

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aduan Nassar não vai a festas literárias, nunca concordou com noites de autógrafos para promover seus poucos livros e quase nunca dá entrevistas. Ainda assim, o escritor é um sucesso. Reconhecido internacionalmente como um dos maiores representantes da literatura brasileira, foi destaque em uma das primeiras edições deste ano da revista New Yorker, a mais importante em seu segmento no mundo. Na reportagem com o paulista de Pindorama, a publicação nova-iorquina chamava Nassar de “o maior escritor brasileiro”. Perguntava a razão de ele ter parado de escrever e falava de uma faceta menos conhecida do romancista: a de ter trocado a econômica (porém densa e aclamada) produção literária pela silenciosa e reclusa produção agrícola em uma fazenda no interior de São Paulo. Nascido e crescido em uma propriedade rural de família, Nassar, aos 81 anos, é autor de apenas dois romances, Lavoura Arcaica e Um Copo de Cólera,

ambos escritos e lançados nos anos 1970. Ao ser anunciado no ano passado como vencedor do troféu Camões, o mais importante da língua portuguesa, reagiu com espanto. “Não entendi esse prêmio, sou autor de um livro e meio”, afirmou. Na verdade, além dos romances, o escritor tem ainda dois contos publicados. Todos os seus textos – ao menos os quatro que ele autorizou que chegassem ao público – foram lançados pela Companhia das Letras recentemente, em um volume que o grupo editorial batizou de Obra Completa, um grande sucesso de vendas e uma das raras ocasiões em que o escritor compareceu a um lançamento, onde, porém, não proferiu uma única palavra. O que o título da New Yorker esconde é que Raduan jamais disse que não escreveria mais. Em meados dos anos 1980, ele declarou em rara entrevista ao jornal Folha de S. Paulo que passaria a se dedicar à produção rural na fazenda de 640 hectares que comprara em Buri,

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Porta de entrada da sede da Lagoa do Sítio: na obra de Nassar, descrições de cenários levam leitor a passear por ambientes da fazenda onde o autor viveu

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região Sul do estado paulista, mas não que estava encerrando algo. “Minha cabeça hoje fervilha com outras coisas, ando às voltas com agricultura e pecuária, procurando me enfronhar sobre tratores, implementos, formação de pastos, tipos de capim, braquiária, pangola, setária, humidícola”, anunciou recolhendo-se em um silêncio de anos em suas terras. Esse movimento criou uma aura de mistério que teve efeito contrário ao que seu protagonista parecia desejar. Raduan Nassar passou a ser cultuado para além da qualidade indiscutível de seus romances, mas pela excentricidade com que sua reclusão passou a ser vista. Afinal, os anos 1980 eram um período em que escritores brigavam a tapa por alguns centímetros nas páginas dos cada vez mais reduzidos cadernos culturais do País. Ficou em suspenso a dúvida sobre a duração desse abandono. Não estaria o autor escrevendo às escondidas em sua casa de fazenda? Quanto mais negou entrevistas, mais sua vida se tornou objeto de especulação e curiosidade no meio editorial e fora dele. Algo agravado sobretudo com

a versão de seus dois romances para o cinema. Em 1999, Um Copo de Cólera foi para as telas e, em 2001, Lavoura Arcaica. Suas declarações alguns anos depois para a revista Cadernos de Literatura Brasileira, coleção do Instituto Moreira Salles – à época dirigida por um amigo de Nassar, Antonio Fernando De Franceschi – pareceram excessivamente modestas para um dos autores vivos mais cultuados da língua portuguesa. “Nunca pensei em expor qualquer teoria a respeito do meu minguado trabalho, nem vejo sentido nisso. Enquanto escritor tive, sim, três preocupações: desenvolver meu aprendizado da língua, fazer leituras de alguns autores, segundo meus critérios, e fazer uma leitura atenta da vida que acontece fora dos livros. Tem mais isso, no que fui radical: não permitir que transformassem minha cabeça numa lata de lixo.” Todo tipo de perscrutamento a respeito dos mais de 20 anos dedicados à terra, porém, só confirmaram a despretensão literária de Nassar. Parentes próximos, funcionários da fazenda Lagoa do Sino e vizinhos, quando procurados por jornalis-


Literatura

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AUTORES NO CAMPO Outros escritores com os pés dentro da porteira

MANOEL DE BARROS Um dos maiores poetas brasileiros, Manoel de Barros nasceu em Cuiabá, no Mato Grosso. Depois de se formar em direito e ter sua poesia reconhecida, voltou para o estado natal a fim de se dedicar à criação de gado em sua fazenda. Ao contrário de Raduan Nassar, continuou publicando e produzindo de sua morada rural, onde criou obras com forte influência da natureza e dos animais até a sua morte, em 2014. Como o romancista, manteve o tema do campo em sua obra e foi vencedor de um prêmio Jabuti.

MONTEIRO LOBATO José Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, interior paulista. Apesar de ter deixado a terra natal para criar uma carreira literária sólida – tendo sido eleito integrante tanto da Academia Paulista como da Academia Brasileira de Letras –, toda a sua literatura continuou carregando as tradições, tipos e personagens da fazenda onde nasceu. A ficção de Lobato, em muitos pontos controversa, é tida como uma das mais importantes documentações da cultura caipira do Brasil.

HILDA HILST Uma das escritoras mais cultuadas de seu tempo, Hilda Hilst produziu a parte mais importante de sua obra de uma fazenda de família próxima a Campinas, a Chácara do Sol, onde hoje funciona um centro cultural que leva seu nome. Formada em direito e amante da vida boêmia, Hilst disse ter se recolhido ao silêncio do campo para poder se dedicar ao essencial da criação artística. Lá recebeu outros escritores em formação, como Caio Fernando Abreu, que teve a obra profundamente influenciada pelos meses que viveu com a amiga no interior paulista.

tas cansados de ter pedidos de entrevista negados, confirmavam a imagem que desacreditava o circuito cultural: Raduan era um proprietário de terras que acordava cedo, dormia com as galinhas e entre esses dois pontos se dedicava a cuidar de sua plantação de arroz e do gado, sendo amado pelos funcionários e suas famílias, que tratava como parentes. “Abandonei o curso científico e pulei para o clássico, abandonei um curso de letras na universidade, o curso de direito no último ano, a empresa familiar assim que meu pai fale-

ceu”, declarou à revista Veja no final dos anos 1990. “Abandonei ainda uma criação de coelhos, o jornalismo e outras coisas mais. Tudo somado, só levei a pecha de inconstante. Por que só quando abandonei a literatura eu teria me transformado em personagem fascinante?” Entre “outras coisas a mais” inclui-se a formação de filósofo e convites para lecionar na Universidade de São Paulo. Em um tempo em que artistas precisam da superexposição para manter e ampliar o público que os sustenta, Lavoura Arcai-

ca e UmCopo de Cólera, mais de 30 anos de seus lançamentos, ainda são textos citados como os preferidos entre estudiosos, estudantes e consumidores de livros sem muito arcabouço teórico. E a matéria principal das duas obras é a vida do escritor, essa mesma que ele se esforça desde sempre em manter em segredo. Nassar nunca admitiu a autobiografia, mas experiência do homem atrás do escritor transborda de sua ficção. Tanto André, personagem de Lavoura Arcaica, como o chacaPLANT PROJECT Nº3

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reiro de Um Copo de Cólera têm suas narrativas ambientadas em paisagens do campo, casas de fazenda obviamente suportadas pelas atividades rurais. O personagem principal de Lavoura Arcaica, considerado seu livro mais importante (prêmio Jabuti de 1976), é, como o escritor, filho de uma família imigrante de origem libanesa. E como seu criador, André foge da terra, para depois voltar a ela como quem regressa ao lar materno. De uma fazenda vizinha à Lagoa dos Sinos, era possível ver uma casa menor e mais simples que a principal. É a casa que Raduan Nassar preferia ocupar. Em tudo -- da disposição das janelas à porta de entrada -- enxerga-se o cenário onde o personagem de Um Copo de Cólera recebe, com 118

um erotismo quase sádico, a amante urbana, uma jornalista por quem o trabalhador da terra não tem nenhum pudor de revelar seu desprezo. Quase se pode sentir o cheiro de café coado das primeiras páginas do romance só de olhar para a casa cercada de plantas pedindo poda. Com a maior discrição que foi capaz, Nassar doou grande parte dessas terras em que vivia para a Universidade Federal de São Carlos instalar um campus. Loteou o restante e deu de presente aos ex-funcionários da Lagoa dos Sinos. Recentemente, em fevereiro, voltou a ganhar as páginas do noticiário ao discursar contra o atual governo do País. Na sua fala na cerimônia realizada em um museu paulista, o escritor disse que se vive

hoje no Brasil “tempos sombrios, muito sombrios”, o que moveu o atual ministro da Cultura, Roberto Freire, a responder que “quem dá prêmio a aºdversário político não é a ditadura”. Raduan se calou, mas a polêmica prosperou nas imprensas brasileira e portuguesa. Isso porque o Camões é um reconhecimento binacional, não pertence ao governo brasileiro. Ainda não havia se calado o burburinho quando o escritor se levantou e, serenamente, deixou a cerimônia para voltar à sua reclusão. Sobre o que fará a partir dessa nova “fuga”, a única pista que se tem é uma resposta vaga a uma pergunta de um repórter da revista Piauí sobre a possibilidade de ele voltar a escrever: “Quem sabe? Eu realmente não sei”.


O CEO Stern (à esq.) e Mateus Barros, líder da The Climate Corporation na América do Sul Expedição para colher opiniões de produtores brasileiros sobre sua plataforma de agricultura digital

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As inovações para o futuro da produção

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STARTAGRO

As inovações para o futuro da produção

Mike Stern, o Unicórnio do Agro: “Não achamos quetemos de ser os inventores de tudo”

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UM UNICÓRNIO ENTRE NÓS Mike Stern, CEO da The Climate Corporation, primeira startup AgTech com valor de mercado na casa de US$ 1 bilhão, tem percorrido fazendas pelo interior do Brasil em busca de informações e futuros clientes. E falou a PLANT sobre sua visão do futuro da agricultura digital Por Por Luiz Fernando Sá | Fotos Cristiano Borges , de Rio Verde (GO)

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ue aparência tem um unicórnio? No mundo das startups de tecnologia, ele frequentemente usa jeans, camisetas, é jovem e tem no bolso uma carteira recheada. A figura mitológica do cavalo com um chifre na testa é utilizada no mundo da inovação para batizar as empresas que, ainda em estágio inicial, recebem aportes generosos de investidores, a ponto de terem seu valor de mercado calculado na casa dos bilhões. São raros e valiosos, como os seres imaginários. O Facebook, de Mark Zuckerberg, é um deles. O Uber, de Travis Kalanick, também. A The Climate Corporation, de Mike Stern, pode se encaixar na categoria. Se você não conhece Stern, saiba que ele tem estado bastante entre nós. E que o Brasil tem papel fundamental na missão que ele carrega hoje de fazer valer o cheque de quase US$ 1 bilhão que a multinacional americana Monsanto preencheu para adquirir, em novembro de 2013, a companhia com sede no Vale do Silício. Para o primeiro unicórnio AgTech (em-

presa de tecnologia voltada para a produção agrícola), a resposta dos agricultores brasileiros ao seu principal produto – a FieldView, uma plataforma digital de monitoramento e gerenciamento da produção agrícola – será crucial para definir se a ambição da companhia de se tornar a referência global em agricultura digital. Se o conceito e o sistema desenvolvidos pela Climate for bem-aceito no segundo maior mercado produtor de alimentos do mundo, um bom passo nessa direção terá sido dado. “A maior parte do meu tempo aqui no Brasil é justamente para conversar e ouvir o retorno dos produtores”, afirmou Stern a PLANT em uma entrevista exclusiva, concedida no auge da colheita da safra de verão, no coração da zona produtora de Rio Verde, em Goiás. O executivo acabara de chegar de Sorriso, no Mato Grosso, outra escala de uma turnê que vem se tornando frequente em sua rotina (leia mais ao final dessa reportagem). Esse unicórnio tem cabelos grisaPLANT PROJECT Nº3

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Perfil

lhos e em nada lembra os nerds do Vale do Silício. Ele foi parar lá depois de uma carreira bem-sucedida em vários postos dentro da Monsanto. Transferiu-se dos laboratórios de biotecnologia para o mundo dos dados, levando para os engenheiros da Climate a experiência de quem há muitos anos fala a língua dos produtores. Fazer essa tradução é indispensável para alinhar discurso e prática, um desafio no mundo da agricultura. Os produtores são, em geral, empreendedores dispostos a inovar, mas precisam ser convencidos de que a inovação trará benefícios reais. E isso, para quem está vacinado

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Os produtores Claudemir e Felipe Schwening (abaixo), da Pai Manoel, e Vilmo e Fernando Orlando, da São José, em Goiás: primeiro ano de testes no campo dão subsídios para Barbosa, da Climate, fazer a tropicalização da FieldView

pela visita constante de vendedores oferecendo toda espécie de traquitana tecnológica, muitas sem serventia, só se descobre na prática. Não é diferente com a FieldView. Antes de fazer o lançamento comercial da plataforma (que deve ocorrer ainda este ano, a tempo de ser utilizada na safra 2017/18), a Climate tratou de “tropicalizar” a ferramenta – que já tem registrados mais de 100 mil agricultores, com 38 milhões de hectares cadastrados, nos Estados Unidos, 6 milhões deles em sua versão paga – e colocá-la em testes por aqui. Cerca de 100 produtores brasileiros de Mato Grosso, Goiás e Bahia foram contatados e reservaram talhões de

suas propriedades para avaliar o produto durante cerca de um ano. A primeira impressão foi positiva, embora não conclusiva. “É o primeiro ano que usamos. Ainda temos de ver o que vamos conseguir extrair de informação e trazer em aumento de produtividade ou redução de custos”, afirma Felipe Schwening, 32 anos, jovem que, ao lado do pai, Claudemir, comanda a operação da Fazenda Pai Manoel, com 3,1 mil hectares de soja transgênica plantada na safra 2016/17. “Mas já tivemos algumas experiências positivas com correções mais rápidas de alguns problemas no plantio e também fizemos testes de variação de velocidade do


plantio para entender qual seria o efeito para a produtividade.” Cada detalhe como esse pode ter impacto na rentabilidade de uma lavoura. A plataforma fornece dados minuciosos sobre o desempenho de cada operação a partir de sensores instalados nos equipamentos usados, sejam plantadeiras, pulverizadores ou colhedeiras. Esses dados são enviados por banda larga para um servidor na nuvem e processados juntamente com informações históricas sobre clima, solo, produtividade etc., gerando relatórios e mapas de desempenho que permitem ao produtor tomar as medidas necessárias praticamente em tempo real. Tudo é acompanhado em tablets, que podem ser facilmente operados pela equipe da fazenda. “Hoje todos os operadores, mesmo os mais simples, têm smartphone, estão acostumados a mexer com os aparelhos. Fica mais fácil aprender a trabalhar com esse sistema”, afirma Claudemir Schwening, pai de Felipe. Não muito distante da Pai Manoel, a família Orlando também já faz contas do impacto do uso da FieldView em suas terras. Mesmo com 50 anos de diferença entre eles, o avô Vilmo, 77, e o

neto Fernando, 27, têm opinião semelhante sobre o futuro das tecnologias digitais nas lavouras. “É um caminho sem volta. Não é bonito isso aqui, é necessário”, afirma o jovem agrônomo, a quem o avô, que chegou há 31 anos na região de Montividiu, em Goiás, para desbravar e consolidar a Fazenda São José, entregou o comando da propriedade. O foco primário de ambos está na redução dos custos da lavoura. “Se aumentarmos a velocidade das plantadeiras em 1 quilômetro por hora, podemos saltar de 15 para 20 hectares por dia e isso nos faria ter menos despesa”, exemplifica Fernando, que cultiva 2,45 mil hectares de soja convencional, com produtividade média de 75 sacas por hectare. “É quase uma covardia comparar o sistema novo com o antigo.” Entre entusiastas e desconfiados, os produtores fazem observações e sugerem aperfeiçoamentos que tornem a plataforma mais próxima de suas necessidades. “Para cada safra, o produtor precisa tomar até 50 decisões, desde a escolha do tipo de semente, fertilizante, defensivo, maquinário, até armazenamento e comercialização”,

afirma Mateus Barros, líder da The Climate Corporation para a América do Sul. “O uso da tecnologia permite que ele analise cada talhão, entenda suas caraterísticas, e tome as decisões mais adequadas em cada um desses momentos.” Os agricultores às vezes querem algo mais. Na Fazenda Pai Manoel, um dos pontos levantados pela família Schwening foi uma possível integração da FieldView com outros programas que fazem a gestão de estoque ou financeira da propriedade. Isso, segundo Stern, é questão de tempo. A estratégia da Climate é permitir que outros desenvolvedores construam softwares baseados em sua plataforma e, assim, ampliem as possibilidades dos usuários. O modelo é semelhante ao dos fabricantes de smartphones, que abrem suas plataformas para os criadores de aplicativos. “Não achamos que temos de ser os inventores de tudo”, afirma Stern. “Estamos interessados em encontrar parceiros que possam trazer novas peças para o quebra-cabeça da agricultura digital.” O unicórnio AgTech tem ambição. E não brinca em serviço.

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NINGUÉM ESTÁ INVESTINDO MAIS QUE NÓS” O que o sr. conhece sobre o ambiente de inovação AgTech no Brasil? Para ser sincero, não estou muito familiarizado com o cenário de inovação no Brasil. Sei que há um ecossistema vibrante para startups e que nosso time aqui está conversando com uma série de empresas em diversos segmentos. Nós abrimos a infraestrutura de nossa plataforma de desenvolvimento e estamos muito interessados em ter mais parceiros dentro dela. Por exemplo, há uma série de sensores sendo desenvolvidos para a agricultura. Não achamos que precisamos ser os inventores de tudo. Estamos mais interessados em encontrar startups e parceiros que possam trazer novas peças para o quebra-cabeça. A Climate está aberta a fazer aquisições também? Sim, estamos abertos. Recentemente compramos uma pequena empresa chamada VitalFields, na Estônia. Eles desenvolveram uma ferramenta que permite um melhor acompanhamento de dados dos subsídios oferecidos a produtores na Europa. Essa é uma necessidade real para a agricultura europeia e é um exemplo claro de como podemos tratar a questão das aquisições. Vocês pretendem trazer para o Brasil laboratórios para pesquisa e desenvolvimento de novas funcionalidades para o sistema da Climate? Nós já temos um foco em engenharia de sistemas no Brasil, trabalhando em

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softwares. Também vamos ampliar nossa pesquisa agronômica, o que devemos fazer em grande parte através de parcerias. Uma das perguntas que os produtores sempre fazem quando se fala em novas tecnologias para a produção é: “Quando nós seremos ouvidos?” Eles são frequentemente abordados por vendedores oferecendo coisas incríveis e respondem “ok, a tecnologia é fantástica, mas não é o que eu preciso.” O sr. costuma ouvir os produtores? Qual a sua estratégia nesse sentido? Nós estamos em um período de testes no Brasil. Estive em uma fazenda hoje em Sorriso, no Mato Grosso, visitando dois irmãos que começaram a testar nosso produto há cerca de um ano. Eles são parte de um grupo que montamos para avaliar nossa plataforma antes do lançamento e fazer sugestões. Essa é nossa estratégia, ir a campo e trabalhar com os produtores. Temos entre 90 e 100 produtores parceiros fazendo esses testes. A maior parte do meu tempo aqui no Brasil é justamente para conversar e ouvir o retorno desses parceiros. A partir dessas conversas, é possível que seja desenvolvido algum produto ou funcionalidade específica para o Brasil ou para a agricultura tropical? Com certeza. Estamos consistentemente ouvindo nossos parceiros falando sobre a relação entre o clima e a necessidade de pulverização das lavouras. Aqui, temos de levar em consideração a possibilidade que vocês têm de produzir duas safras ao ano. Isso não acontece na Europa e


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em grande parte dos Estados Unidos. As decisões precisam ser tomadas de forma muito justa e combinada com informações meteorológicas. O que é fantástico em nossos softwares é que podemos inovar muito rapidamente. Eu trabalhei durante muitos anos na Monsanto e lá pude ver como o desenvolvimento de novas variedades com a biotecnologia demanda tempo. Com software é tudo diferente. Nos Estados Unidos, lançamos oficialmente nossa plataforma no início de setembro do ano passado. Agora, já estamos na quarta atualização. Por isso é tão importante para nós estar aqui, conversar com os produtores, coletar os dados de cada região. Eu digo a eles: “Falem o que aprenderam, o que precisam”. É interessante como eles apontam coisas relevantes. Em geral, saímos dos encontros com algo novo para implementar. O resumo desse processo é: inovação e aperfeiçoamento podem ser feitos muito rapidamente. Nós não somos perfeitos. O que pretendemos fazer é dar as ferramentas nas mãos dos produtores, deixá-los expostos aos atributos que propomos e trabalhar com eles. Existem várias companhias hoje trabalhando com modelos preditivos para clima e pragas nas lavouras. Quando a Climate deve lançar um produto com esse tipo de funcionalidade? Antes de mais nada, é preciso dizer que esse não é um problema fácil de resolver. Há uma porção de softwares por aí trabalhando com tecnologia de reconhecimento por imagem, apontando fotos de uma infestação no campo e qual a praga que pode estar afetando a lavoura em determinado ponto.

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Mas já há alguns deles usando machine learning para construir modelos que podem antecipar a existência de condições climáticas favoráveis para o surgimento de infestações... Exato. Mas para ser capaz de produzir um modelo preditivo, como eu dizia, que aponte que existe uma grande probabilidade de surgimento de ferrugem asiática na soja, por exemplo, em uma determinada parte da lavoura, isso não é simples de se fazer. Acreditamos que apenas com grandes quantidades de dados, que cubram uma série de variáveis em uma grande quantidade de áreas e em uma grande quantidade de tempo é que isso será possível. Essa certamente será uma das áreas mais competitivas da agricultura digital. Posso te garantir que ninguém está investindo mais e possui mais recursos para resolver esse problema do que a The Climate Corporation. Esse é o futuro. Estou realmente animado. O sr. disse que ainda não foi fechado o preço de lançamento para o sistema Field View no Brasil. Qual é o valor médio pago pelos agricultores americanos? Temos dois produtos atualmente no mercado. Um é o FieldView drive que estamos testando aqui. Começamos a oferecer nos Estados Unidos no ano passado, com vendas baseadas em um modelo de assinatura. O valor médio é de mil dólares por ano para cada propriedade, independentemente do tamanho. Ocorre que em algumas regiões do Brasil as fazendas são muito maiores. Por isso ainda estamos trabalhando na definição de um valor apropriado. Estamos a poucos anos do lançamento também de novos produtos

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Reportagem de capa

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A NOVA ROTA DA CHINA A China está desenhando uma nova geração de trens de alta velocidade, capazes de transportar passageiros a 500 km/hora, e cargas a 250 km/hora. Desde que o programa chinês de construção de uma malha ferroviária moderna foi iniciado em 2004, o crescimento tem sido extraordinário. Em 2005, no mundo todo a rede de ferrovias de alta velocidade era de 4 mil km. Em 2016, a China já dispunha de uma malha de 20 mil km, e o resto do mundo permanecia com os mesmos 14 mil km. A meta chinesa é chegar a 30 mil km em 2020, e a 45 mil km em 2030.

O objetivo é integrar os principais mercados chineses com Londres, Frankfurt e Barcelona em poucos anos. No meio do caminho, haverá a integração com o Oriente Médio, a Índia e o Leste Europeu. O trajeto de 15.400 km entre o Leste Europeu e a China poderá ser feito em poucos dias. Enquanto isso, o transporte marítimo de produtos agrícolas continuará demandando de 40 a até 60 dias, para levar uma carga da América do Sul até a China. Este é um processo que precisa ser levado em conta. Os custos de transporte e a integração comercial da China com o mundo estão mudando. Este é um movimento que encontra paralelo apenas

no estabelecimento da Rota da Seda, há dois mil anos atrás. A seda era base de troca e moeda utilizada no rico comercio entre a Ásia e o Ocidente. Era muito valorizada pelos nômades que criavam os cavalos utilizados para o transporte, as guerras e a manutenção da paz. Um livro seminal que explica o desenvolvimento da Rota da Seda, é The Silk Roads, do pesquisador de Oxford, Peter Frankopan. Vale a pena a leitura, e uma reflexão sobre as enormes transformações que estão ocorrendo neste momento, e como podem afetar a competitividade da produção de produtos industrializados e alimentos no mundo todo.

Plínio Nastari Presidente da DATAGRO Consultoria

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A SEGUIR EM... ...PLANT PROJECT Na edição #04 (maio/junho 2017) da revista e em todos os canais digitais, vamos mostrar, com conteúdo multiplataforma, como a indústria de máquinas e equipamentos está entrando na era da agricultura digital.

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A REVOLUÇÃO DAS MÁQUINAS


...STARTAGRO A primeira plataforma de conteúdo AgTech do Brasil apresenta um evento exclusivo na Agrishow, debatendo o que acontece quando algoritmos, inteligência artificial, internet das coisas e outros avanços tecnológicos se encontram para transformar as lavouras. Acompanhe e inscreva-se pelo site: www.startagro.agr.br.

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