QUIXOTE: Uma outra história

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QUIXOTE Uma outra histรณria


© 2017 Projeto Quixote

Editora Renata Farhat Borges

Assistentes editoriais Izabel Mohor Fernanda Moraes

Revisão Thais Rimkus

Desenho do livro Márcio Koprowski

Fotografia

Entrevistas

As imagens são do acervo Quixote ou de colaboradores da equipe ao longo de mais de vinte anos, identificadas ao final do livro

Realizadas por José Furlan e transcritas para o livro

Imagem da contracapa Gustave Doré

QUIXOTE Uma outra história Graziela Bedoian, Auro Lescher e Zilda Ferré Com a colaboração da equipe do

Projeto Quixote

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Vagner Rodolfo CRB-8/9410 L625q Bedoian, Graziela Quixote uma outra história / Graziela Bedoian, Auro Lescher e Zilda Ferré. - São Paulo : Peirópolis, 2017.

224 p. : il. ; 21cm x 19,5cm.

ISBN: 978-85-7596-553-5

1. Cuidados institucionais. 2. Crianças. 3. Adolescentes. 4. Situação de risco. 5. Políticas públicas. 6. Assistência social. I. Bedoian, Graziela. II. Título. 2017-765

CDD 362.732 CDU 364-053.6

Índice para catálogo sistemático: 1. Cuidados institucionais : Crianças e adolescentes 362.732 2. Assistência social : Crianças e adolescentes 364-053.6

Editado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 2009. 1ª edição, 2017 Editora Peirópolis Ltda. Rua Girassol, 310F – Vila Madalena 05433-000 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3816-0699 Disponível em e-book nos formatos ePUB (ISBN 978-85-7596-554-2) e KF8 (ISBN 978-85-7596-555-9)

Aglael J. A. G. Rossi, Alberto A. Comuana, Aline Jardim Vasconcelos, Andressa L. Modolo dos Santos, Andréia de Almeida, André Luís O. da Silva, Auro Lescher, Bruno C. Rocha, Bruno Pastore, Carlos Parada, Cecilia M. M. A. Motta, Cláudia M. da Silva, Cláudio S. Loureiro, Débora Dalonso Peres , Francisco Eurismar de L. Salviano, Felipe Mendes Ferreira, Isabel A. Martins Ferreira, João V. G. Aquino, Juliana C. da Silva Campos, Laura M. Feitosa, Luciana C. Escudero, Lucineide dos Santos, Marcelly G. Alberto, Maria Inês Rondello, Otavio Fabro Boemer, Raphael F. Boemer, Rafael G. da Silva, Rafik J. Chakur, Renato Rochwerger, Rodrigo R. Ferré, Rosimeire do Nascimento, Sílvia de O. Sampaio, Suely A. Fender, Zilda R. Ferré


?etra a atimi adiv a uo adiv a atimi etra A

A arte imita a vida ou a vida imita a arte?


Mapa do livro Em algum lugar da Mancha

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Quixote, uma outra história

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Sonhos e inspiradores quixotescos

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Olievenstein

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Di Loreto

30

Paulo Freire

40

Cervantes Quixotinhos e os Moinhos de Vento

103

Acolhimento

105

A arte para transformar

115

A grande caixa lúdica

121

A roda, o coletivo

128

Olhar tridimensional

134

Olhar clínico

138

44

Olhar pedagógico

148

O educador dos novos tempos

152

51

As oficinas

158

Moinhos de vento

58

A infância hostil

60

A clínica do trajeto

66

O adolescente cobrador

67

Rua, a casa sem paredes

70

A pouca escola e a leitura

74

hospedaria

A alma quixotesca

77

Sonhos dos quixotescos de hoje

80

Estratégias de manejo da hospedaria

84

Estratégias de manejo na rua

98

Olhar social Quixotices costumeiras e memoráveis

170 187

Uma ilha para sancho pança e uma outra história

203

Referências bibliográficas

212

O Projeto Quixote

216


Em algum lugar da Mancha Ou de São Paulo

De um jeito Dom Quixote de ser... Abandonou casa, família,

Ou da Vila Mariana

propriedades e... saiu pelo mundo acreditando ser um daqueles heróis dos livros de cavalaria que tanto lia!

Era uma vez

Mas logo caiu e voltou.

um fidalgo

não comia, não bebia,

que não fazia mais nada da vida:

nem dormir ele dormia. Só lia. E lia somente livros de cavalaria. Um dia ele se tocou. E se levantou.

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não daria. Somente as inspirações advindas dos livros e a montaria não lhe bastariam. Então, em companhia de seu, a princípio, desconfiado escudeiro, partiria. Para o povo de sua época – aliás, para os homens de todas as épocas –

Deixou de ser apenas mais um espectador.

Percebeu que, humanamente sozinho,

Fez de Rocin, um pangaré, sua montaria possante: o Rocinante!

tornara–se doidão. Para nós do Quixote, não. 9


QUIXOTE Uma outra histรณria

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O que é o projeto

QUIXOTE?

POde parecer estranho, mas nosso maior sonho é não precisar existir... ... que crianças e jovens possam usufruir de arte, educação, acolhimento em seu bairro, em sua vizinhança, em sua cidade, em seu país.

Face à monstruosa injustiça social que abandona e entristece muitas

Uma escola? um aMbulatório de saúde mental? Um circo? Um centro cultural?

crianças e muitos adolescentes no Brasil, o Projeto Quixote nasce com um sonho: a afirmação da vida, da subjetividade, das potencialidades de meninos e meninas em situação de vulnerabilidade social.

Queremos construir uma outra história.


A

s origens do Projeto Quixote remontam a meados de 1995, no Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, no Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), quando um grupo de educadores, mobilizados pelo uso de crack

na Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo) por crianças de rua, buscou apoio técnico para o trabalho. Na época,

Nomear-se como Projeto Quixote era munir-se da certeza de que a realidade a ser enfrentada exigia em parte a coragem e o sonho emprestados do ícone da literatura universal, mas também reconhecer os próprios limites da experiência e dos conhecimentos necessários.

o contexto de uso, as angústias do atendimento, e rapidamente

Logo no início, entendemos que os verdadeiros quixotes eram as crianças

cenário, marcado por histórias de violência, abandono e negligência,

e os adolescentes que, como quixotinhos urbanos, abandonavam suas

em que o principal diagnóstico era a exclusão social.

social e risco.

Quixote, em 1996, com uma área forte de formação e pesquisa outra

os próprios limites da experiência e dos conhecimentos necessários.

O uso de drogas ganhou status secundário, circunstancial, em um complexo

em desenvolvimento, em complexa e grave situação de vulnerabilidade

para esse público, com estratégias próprias, e assim nasceu o Projeto

emprestados do ícone da literatura universal, mas também reconhecer

violação de direitos e com a existência de crianças morando nas ruas.

adequar às demandas daquelas crianças e daqueles jovens, sujeitos

legitimidade em nossos estudos, propusemos abrir um serviço específico

a realidade a ser enfrentada exigia em parte a coragem e o sonho

crianças. A primeira questão era lidar com a indignação diante da

estratégias. Clinicamente, tratava-se de outra questão. Era preciso se

e vulnerabilidade para educadores de todo o estado. A fim de ganhar

Nomear-se como Projeto Quixote era munir-se da certeza de que

os educadores começaram a levar para a clínica algumas dessas

mais voltado para adultos e adolescentes. Não se adaptavam às

iniciativa e propôs que estendêssemos a formação sobre uso de drogas

voltada para o atendimento.

iniciamos um grupo de supervisão e discussão sobre aquela realidade,

Aquelas crianças não se encaixavam no serviço que oferecíamos,

A Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo soube da

Logo no início, entendemos que os verdadeiros quixotes eram as crianças e os adolescentes que, como quixotinhos urbanos, abandonavam suas comunidades de origem rumo a aventuras desconhecidas no centro da cidade, em busca de uma vida melhor.

comunidades de origem rumo a aventuras desconhecidas no centro da “A clientela de uma instituição é selecionada (queiramos ou não) por aquilo que ela oferece aos que passam por ela e por aquilo que essa clientela tem dificuldade de encontrar em outros lugares.” [Parada, 2003]

cidade, em busca de uma vida melhor. O desafio do trabalho com essas crianças e esses jovens era muito mais complexo do que lidar com uma espécie de toxicomania precoce. As crianças e os jovens não estavam nas ruas à procura da droga, mas de sobrevivência física (alimento) e sobrevivência psíquica (significado para a vida).

Por situação de vulnerabilidade entendemos a condição de crianças e j­ovens que, por circunstâncias de vida, estão expostos à violência, ao uso de drogas e a um conjunto de experiências relacionadas a privações de ordem afetiva, cultural e socioeconômica que desfavorecem o pleno d­esenvolvimento bio-psico-social.

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SONHOS E INSPIRADORES

QUIXOTESCOS

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OLIEVENSTEIN exclusão e marginalidade

paradigma humanista

Substância indivíduo contexto Uma influência marcante na clínica construída no Projeto Quixote vem da postura humanista defendida por Claude Olivenstein frente à questão da toxicomania e do sofrimento dos sujeitos, bem como da importância de entender o lugar da droga no imaginário social. Tratar pessoas que sofrem pelo consumo de drogas é se questionar sobre o componente ideológico presente nas concepções científicas e políticas sobre o tema, que delimitam campos e estabelecem normas, recursos, abordagens e contribuem para traçar um limiar entre marginalidade e exclusão, tanto dos sujeitos envolvidos com o uso indevido de drogas quanto dos serviços e de seus trabalhadores. Reflexão que se aplica também a outras minorias que não se adequam aos limites da regulação social, ao lugar no xadrez social ocupado por cada um (Olievenstein, 1997).

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A compreensão de que as condições de vulnerabilidade social acabam por gerar situações de exclusão que favorecem o uso de drogas, no caso de crianças e adolescentes em situação de rua, marca e define toda a construção prática e conceitual do Projeto Quixote.

Claude Olievenstein psiquiatra fundador do Centre Médical Marmottan, em Paris

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A

questão da exclusão é fundamental neste campo, sobretudo quando trabalhamos em uma cidade grande como São Paulo, com crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. A vulnerabilidade se traduz por dificuldades na frequência e no aproveitamento escolar

nas comunidades, nas condições de saúde e nas relações afetivas da criança ou do adolescente consigo mesmo, sua família e o mundo, expondo-o a um circuito de sociabilidade marcado por violência, uso de drogas, conflitos com a lei, violação de direitos e proteção. Muitas vezes essas experiências de vida facilitam dinâmicas expulsivas da família nuclear e têm como consequência o abandono da casa, da escola e até da comunidade de origem, facilitando o ingresso no circuito da rua e das instituições sociais de abrigamento e proteção social, regidas pelas políticas públicas ou pela ausência delas. As motivações para a rua tornar-se uma espaço de relações, aprendi-

O crack em São Paulo é questão de saúde pública. E expressão cruel de uma contemporaneidade perversa, repleta de frágeis soluções e de falsos problemas. Não se trata de clínica nem de tratamento, mas de ética e humanidade. Dos riscos, o mais soberbo em arbitrariedade e truculência é o de medicalizarmos uma questão social, viés sempre presente em estratégias higienistas para abordar a questão no âmbito das cidades. Se nos referirmos aos jovens em situação de sub-humanidade, aprisionados no crack, como sendo toxicômanos, correremos o risco de interná-los – compulsoriamente – em dispositivos institucionais, de altíssimos muros e voraz vigilância, para tratar quem não deseja tratamento, privar de liberdade quem sofre com o crack e com as limitações que a própria miséria impõe, além de fracassar obviamente nos objetivos de tão obtusa intervenção (Lescher, 1997).

zagens, violências e prazeres para uma criança ou um adolescente são

Com Olieve por perto, esse risco não corríamos.

múltiplas e singulares a cada sujeito, mas o denominador comum dessas

A compreensão de que as condições de vulnerabilidade social acabam por

histórias é a falta de dignidade, de vínculos afetivos satisfatórios e a

gerar situações de exclusão que favorecem o uso de drogas, no caso de

privação de direitos humanos básicos. Tal vivência é avassaladora para

crianças e adolescentes em situação de rua, marca e define toda a cons-

a formação do ser-cidadão e imprime marcas profundas, que determinam

trução prática e conceitual do Projeto Quixote.

uma forma de pertencer e acessar o mundo a partir de um lugar de exclusão e abandono (Barros e Bedoian, 2006).

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A vulnerabilidade se traduz por dificuldades na frequência e no aproveitamento escolar nas comunidades, nas condições de saúde e nas relações afetivas da criança ou do adolescente consigo mesmo, sua família e o mundo, expondo-o a um circuito de sociabilidade marcado por violência, uso de drogas, conflitos com a lei, violação de direitos e proteção.

O trabalho sobre a questão da exclusão, ou melhor, da inclusão, tornou-se a principal terapêutica. Isso explica em parte a facilidade

Consideremos como exemplo o consumo de crack em São Paulo por crianças e

com que uma criança que pipa crack na praça da Sé pode abandonar a

adolescentes em situação de rua. A presença da comercialização dessa droga é

“dependência” à pedra quando lhe é garantido um lugar onde dormir, comer,

uma circunstância quase inevitável no circuito da miséria e da rua, um componente

criar e trocar afeto de forma sustentada ao longo do tempo. Criança que

perverso, fazendo parte das relações de poder, status, proteção e sobrevivência.

brinca não pipa.

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Todas as estratégias pensadas pela equipe do Projeto Quixote sempre buscaram unir um olhar tridimensional, decorrente do paradigma humanista e da interface com a inclusão social, que proporciona uma perspectiva mais holística, integrando o ­clínico ao social e ao pedagógico, com a recomendação da articulação com o coletivo e a dimensão da cidade.

Olieve e a Rua Em 1998, o Projeto Quixote contou com a presença de Olievenstein em uma conferência internacional na Unifesp sobre um mapeamento que fizemos da circulação das crianças e dos adolescentes pelas ruas e pelas instituições de atendimento, a Cartografia de uma rede (Lescher et al., 1999). As contribuições de Olieve nesse momento ainda inicial da formação conceitual e prática do Projeto Quixote foram precisas. Se a dimensão social da clínica preponderava nas intervenções, era importante compreender ainda o lugar da rua como campo de atuação e intervenção.

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Nas palavras do próprio Olievenstein:

“Senhoras e senhores, eu seguramente sou um dos mais incompetentes para comentar esse estudo. Sou muito mais adepto da poesia do que da ciência, mas, enfim, a gente deve comentar. Durante anos, vi estudos científicos sobre o Brasil, e particularmente um, que aparece todos os anos, se dirigia a uma juventude conveniente, uma juventude importante, crianças e adolescentes escolarizados. E assim, com esses estudos, chegamos a conclusões, sei lá, de que 12% fumavam maconha e 0,37% das crianças escolarizadas de tal a tal idade tinham cheirado cocaína. Sim, é interessante para a estatística, mas, para as pessoas que trabalham no campo mesmo, de que serve isso tudo? Durante muitos anos, pensei que isso não servia para nada. Eu entendia que isso era um álibi científico para justificar o que a gente fazia ou deixava de fazer. Eu creio que algumas pessoas necessitam, precisam de estatística, outras pedem mais epidemiologia, mas isso para apagar algo de essencial. Os meninos e as meninas que nós entrevistamos não são instrumentos de estatística, são futuros homens e futuras mulheres que pedem algo: primeiro, ter uma identidade; segundo, ser reconhecidos e não ser perseguidos; em terceiro lugar, ser tranquilizados e assegurados de que a vida não é tão horrível assim. Alguns cientistas gostariam de eliminar esse problema cuidando de problemas de genética, aí a gente acharia o gene da cocaína. Bom, hoje em dia se fala um pouco menos, porque se fala mais do Viagra. Mas, enfim, seria reconfortante se a gente encontrasse que a toxicomania é uma doença genética e que, assim, a ciência vai resolver os problemas da sociedade. O que muda, o que é diferente nesse estudo que a gente viu hoje, é justamente o que há de movimento vivo nesse percurso descrito. Esses garotos e essas garotas não são simplesmente cifras, são pessoas que organizam uma vida e que tentam vivê-la do melhor modo que podem. O que me chamou muito a atenção foi a similitude entre os efeitos das substâncias e os efeitos do que se passa na rua; eles nos mostraram como, por exemplo, as pessoas não são imóveis, não estão fixas num único lugar. Mas que nesses lugares de trânsito as pessoas entram, vivem e saem e tentam defender-se. Defender-se de quê? Claro, da fome e da miséria, mas também

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se defender das exigências de classes dominantes, que pedem que seja organizada a segurança dos belos bairros e que, para tanto, a fim de assegurar a beleza dos bairros, gostariam de rechaçar em certos lugares, em certos guetos, os mais sórdidos, mandar para esses lugares as crianças que dão medo. As sociedades atuais estão tão apavoradas com esse tipo de problema que, sob pretexto de redução de danos, aceitam, como fez a Suíça, dar drogas de um modo controlado; é fácil de imaginar que tudo isso tem mais a ver com a segurança dos bancos do que com o destino e a vida de cada um dos drogados nesse sistema. O interessante nesse estudo apresentado, mesmo com os números, é que as crianças aqui são sujeitos, não são simplesmente objetos de estudo. Trata-se, pela primeira vez, de um estudo científico mostrando algo de essencial: em primeiro lugar, que o sujeito é um sujeito, não é um objeto. Mostra-se também que é possível fazer antropologia e ciência com consciência. Uma ciência sem consciência leva a medidas de repressão, de aniquilamento, à morte. A ciência é científica somente se tem consciência e se, de um modo fundamental, as questões de ética são colocadas no primeiro plano. Obrigado pela atenção.”

Essa perspectiva sobre a vivência da intensidade da rua e do uso de drogas contribuiu também muito para a compreensão das dinâmicas levadas pelas crianças e pelos jovens aos atendimentos, ajudando a desenhar a atmosfera presente em nossos moinhos de atendimento. O imediatismo da vivência da rua combina muito com a dinâmica do uso da droga; rua é um espaço de sociabilidade específico, onde a droga ocupa um posto importante na ordenação das relações de poder, violência, prazer. A ideia de que a busca por drogas é também uma defesa às ameaças externas da rua e da miséria, para além das variáveis singulares psicológicas, sugere que um uso circuns-

"”Os meninos e as meninas que nós entrevistamos não são instrumentos de estatística, são futuros homens e futuras mulheres que pedem algo: primeiro, ter uma identidade; segundo, ser reconhecidos e não perseguidos; em terceiro lugar, ser tranquilizados e assegurados de que a vida não é tão horrível assim.” (Claude Olievenstein)

tancial de drogas parece ser o que melhor caracteriza o encontro da criança ou do jovem nas ruas com uma substância psicoativa. Circunstancial enquanto relacionado às características da rua e por ser descrito como funcional, como “tirar a fome”, “espantar o medo”, “permanecer acordado” etc. Esse aspecto circunstancial ainda se confirma pela perda desses sentidos, na medida em que tais necessidades são alcançadas de outras formas — por exemplo, em uma instituição, impactando no padrão de uso das substâncias. Não se trata de um uso recreativo ou abusivo, mas circunstancial. No entanto, discutir a exclusão/inclusão social não é uma tarefa simplista. Estar incluído socialmente não é apenas estar na escola, ter uma família, um trabalho, manter-se longe das ruas. Resta uma ancoragem

. O . O

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subjetiva que gera o sentimento de pertencer a dado grupo, de sentir-se merecedor do que é oferecido. A ideia de cidadania frequentemente está relacionada a pertencer a uma totalidade social. Essa discussão é muito comum no campo jurídico-político-moral, mas também tem seu caráter sociológico, na medida em

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que as noções de indivíduo e cidadão são construídas. O papel de cidadão

intervenção e tratamento deve unir estratégias éticas e estéticas que

exige que se generalizem aquelas coisas que todos devem e podem ter,

visam à inclusão social.

“uma identidade social de caráter nivelador e igualitário”.

Tais concepções marcaram profundamente a construção das estratégias

No Brasil, a noção de cidadania sofre uma espécie de desvio que a impede

de intervenção, a metodologia de trabalho e a estrutura do Projeto

de assumir integralmente seu caráter nivelador, em função de razões his-

Quixote. As estratégias de atendimento, então, devem oferecer

tóricas e culturais que formaram a sociedade. O que aqui parece garantir

um circuito alternativo de sociabilidade, marcado pelo respeito à

mais a qualidade de cidadão são as intrincadas relações sociais que cons-

individualidade e aos tempos de cada um, por meio de novos espaços

tituem um tecido de pertencimento. São as relações pessoais de que cada

e novas formas de convivência. Isso implica um redimensionamento

um dispõe que permitem o acesso ao uso da sociedade (Damatta, 1997).

das práticas institucionais e uma articulação entre as diferentes

A exclusão social não se confunde com a pobreza, que é um fator sem

instituições pelas quais esses jovens passam.

dúvida preponderante, mas está relacionada à “forma de distribuição

A instituição e suas equipes precisam apostar em um ambiente de acolhi-

dos acessos” (Sposati, 2000), à possibilidade de acessar os meios de

mento, receptivo, adequado ao tipo de clientela, e favorecer os vínculos

melhorar as próprias condições de vida.

– tecido das relações sociais, de um novo circuito de sociabilidade –,

As relações sociais tecem as possibilidades de acesso à cultura, aos serviços de saúde, educação, lazer etc. O circuito de sociabilidade de crianças e jovens em situação de risco oportuniza determinadas perspectivas de vida. O traficante muitas vezes é a figura de identificação mais próxima dos jovens, representando o “sucesso” social na comunidade. Vender drogas muitas vezes é o “emprego” mais disponível. Consumir drogas muitas ­vezes é a forma de prazer possível. Considerando que as circunstâncias de vida de crianças e jovens em

gerando com essa experiência o sentimento de pertencer, participar, ser protagonista de pequenos projetos a projetos de vida, pensar sobre as escolhas, ampliar os repertórios culturais, os conhecimentos de informática, a alfabetização, a experiência com grafite, costura, geração de renda. Tudo isso ao lado das boas terapêuticas médico-psicológicas, sempre que houver demanda para tal. Todas essas experiências em um ambiente acolhedor também precisam ser trocadas com a comunidade em geral, com a cidade. Olieve ressaltava que a prevenção primária estava diretamente ligada à cidade e a sua capacidade de acolher a diversidade.

situação de risco favorecem o uso de drogas e que isso está relacionado a um circuito de sociabilidade intrínseco à condição de exclusão social, enquanto há um acesso menor às ofertas da sociedade, a proposta de

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ATMOSFERA DE ACOLHIMENTO

A equipe participa de vários dispositivos coletivos de discussão sobre a prática e as questões institucionais, como minequipes, reuniões gerais, supervisão institucional. O trabalho é árduo, desperta angústia, desmotiva, gera frus-

A atmosfera institucional do Projeto Quixote é mais uma das marcas

trações, e esses barulhos subjetivos interferem diretamente no acolhimento

evidentes da influência do pensamento de Olieve. A inclusão deve ser

de famílias, crianças e jovens que chegam ao Projeto Quixote exigindo um

vivida em todos os espaços institucionais, o que exige em parte a disponi-

cuidado constante de todos. Esse modelo de atendimento que integra o olhar

bilidade da equipe de atendimento e suas habilidades de escuta e respeito

clínico, pedagógico e social, compartilhando uma postura de acolhimento ins-

pelo cliente, mas em parte também pelo ambiente institucional, por seus

titucional, é bastante trabalhoso. A tentação de separar programas, saberes,

critérios de elegibilidade e acesso e pela atmosfera, sua arquitetura, suas

poderes e abordagens é uma constante.

portas e chaves.

Todo o atendimento está organizado em uma matriz que une os diferentes

O acolhimento como uma postura institucional que instrumentaliza a pos-

programas: pedagógico, clínico, de atenção à família, o Mundo do trabalho

tura humanista é um dispositivo presente. Deixar pousar quem chega de

e Refugiados Urbanos. As atividades ocorrem em oficinas artísticas e

diferentes formas, com distintas demandas, inclusive demandas de outros

em atendimentos clínicos individuais e em grupo, contando com uma

(por serem crianças e adolescentes, muitas queixas chegam referidas a

equipe multiprofissional formada por educadores, oficineiros, psicólogos,

escola, a conflitos com a lei, a família ou a órgãos de defesa de direitos),

psiquiatras, clínico geral, além de profissionais de enfermagem e

é uma estratégia aliada à oferta de oficinas lúdicas e artísticas. A arte

farmácia, terapia ocupacional e fonoaudiologia.

presente facilita a expressão, a convivência e as experiências coletivas e individuais. O foco no criativo e na potência de cada um resgata um olhar mais holístico, que se desprende dos sintomas, das queixas.

Esse modelo de atendimento que integra o olhar clínico, pedagógico e social, compartilhando uma postura de acolhimento institucional, é bastante trabalhoso. A tentação de separar programas, saberes, poderes e abordagens é uma constante.

O Projeto Quixote executa serviços das políticas públicas como o Caps (Centro de Atenção Psicossocial, o Clube da Turma e o SPVV (Serviço de Proteção a Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência) para vítimas de abuso sexual. Todos

O acolhimento e a disponibilidade de escuta também se estendem à própria

os clientes chegam pela mesma porta de entrada e participam de grupos de

equipe. O cuidado institucional para garantir espaços de discussão e reflexão

acolhimento voltados simultaneamente para famílias, crianças e adolescentes.­

colaboram para o que Olieve recomendava, que era tomar cuidado para não

Os ­grupos utilizam a linguagem verbal e artística. As equipes se aproximam, es-

cair na tentação assistencialista de prover ao outro aquilo que imaginamos

cutam as demandas e desenham projetos terapêuticos conjuntos. E os clientes

lhe faltar. Diante da miséria, da infância e da tradição católica da nossa cultura,

passam a frequentar outras atividades da casa. Depois, aqueles que se ­interessam

esse alerta assegura uma direção de atendimento mais técnica (Bedoian, 1999).

integram projetos de formação para o mundo profissional. Um intenso ­trabalho de articulação com a rede de proteção e cuidado é realizado.

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di loreto trabalho em rede generosidade humanismo método Ético-estético coletivo

cultura da troca roda Sempre foi motivo de orgulho e mesmo lastro para o discurso do Projeto Quixote ser uma equipe que trabalha. Essa legitimidade se deu por meio da prática do convívio com cadeiras que voam, jovens que não têm casa, crianças que são violentadas de muitas formas. Quem se oferece a acolher verdadeiramente essa demanda social vive com intensidade o que é frustração, injustiça, angústia. Lida com a necessidade, mas também com múltiplos desejos, em especial com os próprios. Diante de tantos moinhos de ventos, fazer parte da equipe de trabalho dá muito trabalho. Somos demasiadamente terráqueos, e o trabalho é muito envolvente, quase mortalmente. Se a legitimidade vem da experiência, da história de mais de vinte anos, não é só da prática de atender, fazer desenho junto, escutar, mas também da cultura de troca. Troca sobre os casos, sobre a instituição, troca com outros, troca com textos, com registros e com supervisores.

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A estrutura do Quixote e sua opção de integrar diferentes olhares, programas, projetos e equipes e, ainda assim, manter um ar solto, acolhedor, fora da caixa, implica um intenso e constante trabalho de equipe para garantir que tudo funcione bem, para dar conta também daquilo que é específico.

OSWALDO DANTE MILTON DI LORETO médico e psiquiatra brasileiro


Durante todos esses anos, fizemos muitas reuniões. Muitas mesmo.

esquentando, um café aqui, outro ali, até que, de repente, Di pedia para

Acreditamos no coletivo. O coletivo da equipe, das crianças, dos jovens, das famílias, dos educadores, das políticas, da cidade. Apostamos no coletivo com todas as suas peculiaridades, porque trabalhamos para a inclusão social.

alguém falar do estado geral da nação. Como se em capítulos mensais,

Estar em uma equipe de trabalho implica conhecimento, vivência prática,

para preservar um tanto dos laços afetivos nem sempre é a melhor opção.

­algumas leituras, manejo de grupo, empatia. Pertencer aos móveis e aos

Quando o que está em jogo são relações entre pessoas, muitas vezes, a

utensílios da casa de uma equipe é uma conquista árdua. É preciso ter

questão é o quanto cada um confia no trabalho do outro.

delicadeza e determinação. Talvez o que de fato norteie esse trabalho seja viver uma equipe, na plenitude de suas tarefas, inclusive no pensar-se como grupo. Praticamente desde que o Quixote existe, nossa equipe sempre teve um momento de reflexão institucional, uma vez por mês, em que nos encontramos e conversamos, discutimos, calamos, na presença de um supervisor.

nós atualizássemos as novidades e as desgraças; o grupo começava a conversar. Aprender a falar com equipes de trabalho grandes nem sempre é fácil. O espaço da supervisão ensinou que se escutar, mesmo falando muito, não é tão simples, exige esforço, respeito. Comunicar-se bem é um indicativo de saúde das equipes, assim como garantir a voz para todos os diferentes participantes ou representantes das funções. Di dizia que, em equipes que se gostam, as cobranças são mais veladas e que optar por uma generosa poupança de desentendimentos no dia a dia

Além de levarmos conosco a fundamental importância dos espaços coletivos para reflexão da prática e quão delicada é uma equipe,

a experiência com Di gerou alguns aprendizados eternos sobre nós mesmos:

Durante mais de dez anos, nosso supervisor foi Oswaldo Di Loreto. Com sua sacolinha de plástico-bolha e com um polegar sempre em prontidão para cumprimentar os atrasados, Di chegava de mansinho, parecendo saber que com a gente era difícil ir direto ao assunto. Aprendemos muito com nós mesmos, a partir da atmosfera criada nos encontros com ele. Os encontros começavam com uma conversa sobre banalidades, depois iam

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O Cabelo despenteado “Sabe o cabelo despenteado da madame, aquele tipo fashion ? Para se chegar àquele ar despenteado, casual, solto, são horas e horas de cabeleireiro...”

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Tão pouco

A estrutura do Quixote e sua opção de integrar diferentes olhares, programas, projetos e equipes e, ainda assim, manter um ar solto, acolhedor, fora da caixa implicam um intenso e constante trabalho

Talvez passar pelo Quixote possa fazer com que o jovem, durante um assalto, (porque isso talvez ele continue a fazer) não aperte o gatilho na hora “H”...

coletivo para garantir que tudo funcione bem e possa dar conta também daquilo que é específico. Não é fácil gerenciar tantas diferenças sob o guarda-chuva de uma equipe.

Só isso? Só respeitar o outro, a vida do outro? Afinal, não parece pouco. A gente quer que eles se aprumem, aproveitem a vida sem tantos riscos, arranjem um trabalho, construam uma família, sigam seus desejos...

Otorrino “Se você tem vocação para otorrinolaringologista, talvez este lugar não seja o melhor para você... O cara atende a vários pacientes que chegam morrendo de dor e, no dia seguinte, 99% estão curados. Resultado positivo rápido só no otorrino.”

Nem sempre é possível. Di alertava para o fato de o trabalho ser também sobre algo mais profundo, bem mais profundo, sobre a alma e certa ética, mais humanista.

As diligências

O trabalho exige certa estrutura para conviver com a frustração, com

Além da vivência em supervisão, Di, estudioso da clínica infantil, de tempos

a paciência de investir em um tempo que é da criança, da família, para

em tempos nos presenteava com suas diligências. Escritor tardio, como dizia,

entender que os movimentos e os resultados são construídos no dia a dia.

por ter iniciado seus escritos aos 65 anos, levava para nossa supervisão

A dor dos nossos clientes não é de garganta, são dores mais profundas,

os capítulos de um de seus futuros livros. Fazia várias cópias e entregava

dores de alma, fruto de privações, violências, negligências e de vontade,

uma para cada participante. Não era para ler na supervisão nem para

muita vontade de ter outra vida, outras histórias. O trabalho é de médio

estudar, era presente mesmo.

e longo prazo, e não se trata uma evolução retilínea nem cartesiana.

Em suas diligências quixotescas, deixou muitas marcas na equipe e no jeito de funcionar do Quixote. Ele teria tido bastante trabalho conosco ainda...

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Di

Você copiou o Manuel Bandeira que inventava palavras e criou a expressão “trabalhador psi”. Eu copio você porque estamos escrevendo um livro. Um jeito bom de compartilhar com os leitores a importância das suas supervisões, além de matar a saudade da sua AMIZADE, do seu HUMANISMO, do seu MÉTODO, do seu CONHECIMENTO e da sua GENEROSIDADE. Na dedicatória do segundo livro, que você batizou de Posições tardias – sempre enfatizando que se tratava de uma contribuição à perspicaz teoria das posições de Melanie Klein, não de um Kama Sutra para velhinhos, como talvez o leitor mais apressado pudesse suspeitar –, você conversa com o finado amigo Michael, companheiro de aventuras quixotescas. Eu copio porque escolhi o mesmo caminho ao escrever esta carta, homenageando você e colocando na roda a sua contribuição para o mundo dos trabalhadores psi, a contribuição para o mundo dos trabalhadores, a contribuição para o mundo. Aproveito para pedir perdão: naquela sexta-feira, no hospital, véspera da sua morte, eu viajei e não pude ficar com você, eu tinha certeza de que você ainda continuaria por lá. Lembro-me do seu olhar de amigo angustiado, porque já começava a misturar convicções com arquétipos. Delírios desencadeados pelo acúmulo dos anestésicos opiáceos no seu corpo. Ao contrário de Dom Quixote, que morreu após recobrar a razão (ou então

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AMIZADE Naqueles meses em que eu o acompanhava às terças de manhã, ao centro de hemodiálise, você deitado num leito com tubos enfiados pelo corpo, me lembro da sua capacidade incrível de adaptação, parecia que era a coisa mais normal do mundo. Eu ao lado, sentado numa cadeira de couro, confortável, e quando nos dávamos conta, mais uma sessão de hemodiálise realizada. E íamos embora, jogando conversa fora. A conversa para dentro, às vezes não precisava de muitas palavras, era de outra natureza. Gosto sempre de lembrar e contar para as pessoas queridas aquela vez em que você estava com sono, deitado no leito e cochilou gostoso, com sorrisinhos intermitentes. Quando você acordou e se deu conta de que tinha me deixado sozinho durante aqueles minutos, foi logo me contando o que tinha sonhado: Aristóteles levando uma surra, ao que perguntei se quem batia era Nietzsche ou Freud. Aí você comentou: sabe, ultimamente eu dei para sonhar todas as noites com os gregos no século de Péricles.

MÉTODO

Di Loreto

HUMANISMO

DI AMIZADE

CARTA A OSWALDO DANTE MILTON DI LORETO

recobrou a razão para morrer), você, que viveu a vida inteira construindo a serenidade, naquelas 24 horas finais, viveu a desrazão que o confundia e assustava. Perdão.

Essa é uma lembrança da nossa amizade, memória como testemunho e cumplicidade.

HUMANISMO O centro do seu humanismo não é o humano, é o Outro. O centro do seu humanismo é a relação com o Outro.

MÉTODO Todos nós sabemos da importância do método na sua vida e na sua obra. Você fala com todas as letras: “A mente é construída e reconstruída durante toda a vida. Mas é na infância que ela se estrutura. É quando se fincam as estacas. Evoluções posteriores serão construídas sempre em torno dessa estrutura inicial. Quando se trata de pesquisar a patogênese a partir do estudo de casos clínicos, a questão da metodologia usada para produzir conhecimentos passa a ocupar lugar de honra. Em verdade, em verdade, vos digo: o método é tudo. Os conhecimentos sobre a origem das doenças da mente são confiáveis, na exata medida em que é confiável a metodologia usada para produzi-los”.

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Este é um projeto ético-estético que deseja amplificar e intensificar o complexo reencontro de crianças e jovens que vivem nas ruas do centro da cidade de São Paulo com suas mátrias, processo que denominamos “rematriamento”. Ético-estético porque baseado no vínculo de confiança que vai sendo tecido entre os educadores terapêuticos (ETs) e essas crianças e esses jovens na rua, por meio de atividades lúdicas e culturais. É também político, porque trabalha com a complexidade da pólis, da cidade, entre diversos atores, coadjuvantes e protagonistas.

DI

É importante realçar que, aqui, mátria se refere aos inúmeros aspectos físicos e emocionais relacionados à comunidade e à família de origem, mas também a outros aspectos, mais profundos, psicológicos, relacionados à própria construção da identidade da criança. Temos a saudável tendência de aceitar como verdadeiro aquilo que pode ser enunciado. Narrar a própria história é vital para se sentir razoavelmente confortável dentro do próprio corpo. De corpo e alma.

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A história tem a ver com o amor-próprio, mãe e pai de todos os amores.

enerosida

A palavra-chave que abre as portas conceituais e pragmáticas deste projeto é “mátria”. Um neologismo, mais precisamente, inventado pelo poeta argentino Ernesto Sabato. Ele falava que daquelas experiências demasiado humanas, das quais a que mais o emocionava era a cena do imigrante, exilado, que, da popa do navio, vê a costa de sua pátria se distanciando, sem ao menos saber se algum dia irá reencontrá-la. Tão forte, não deveria se chamar “pátria”, mas “mátria”.

onhecime

CONHECIMENTO Di, recentemente lançamos um belo livro sobre o Programa Refugiados Urbanos. Foi no teatro da nossa nova sede, que, aliás, foi batizado de Espaço Di Loreto. Não sei se Robert Appy já tinha lhe contado.

Matéria-prima da narrativa do sujeito como ser autônomo, único, absolutamente singular em sua história, que fia com uma linha que não separa, não aliena nem esquarteja, mas alinhava, define e protege.

GENEROSIDADE A única vez que eu te vi chorar foi numa supervisão no Quixote. Você falava sobre a generosidade da sobrinha do Napoleão com a situação vulnerável em que Freud se encontrava, vital para que ele conseguisse se exilar em Londres, escapando, assim, dos campos de concentração nazistas. PARA TERMINAR Aproveito pra atualizá-lo de que mensalmente, por meio de seminários, a equipe do Projeto Quixote se dedica ao estudo de seus livros. Já estamos terminando o primeiro. E é impressionante como eles nos ajudam a compreender nosso dia a dia nas oficinas e nos atendimentos.

Saudade, Di, você faz falta. Era mais fácil quando você nos ajudava a manejar os moinhos e o vento. Nós continuamos aqui, resistindo nas trincheiras... Beijo na turma, Auro

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Paulo Freire Ético-estético EDUCAÇÃO

PRÁTICA COTIDIANA BONITEZA paixão do saber alegria de criar prazer do risco Entre outros pensadores que se preocuparam com a educação e a infância, Paulo Freire nos inspira cotidianamente com suas reflexões acerca do que fazemos e de por que fazemos. Paulo Freire, à sombra da mangueira no bairro Casa Amarela, no Recife, contribuiu para que pudéssemos pensar as questões ético-estéticas do Projeto Quixote no que se refere ao atendimento de crianças, adolescentes e familiares, tendo como base uma visão global daqueles que desembarcam no Projeto Quixote. Procuramos fundamentar a construção de nossa caminhada a partir das dimensões ética e estética. A expressão de Paulo Freire “decência e boniteza de mãos dadas” tem nos inspirado ao longo dos últimos vinte anos.

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a beleza não é privilégio de uma classe, mas uma construção compartilhada por todos, precisando ser conquistada a cada momento, a cada decisão, por meio de experiências e atitudes capazes de criar e recriar o mundo.

Paulo Reglus Neves Freire educador, pedagogo e filósofo brasileiro

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mas uma construção compartilhada por todos, precisando ser conquistada a cada momento, a cada decisão, por meio de experiências e atitudes capazes de criar e recriar o mundo. A expressão dessa ética se dá nas formas da estética, no resgate e na busca de todas as formas de expressão humana – sua beleza estética própria e o aprimoramento dessas expressões. Paulo Freire nos inspira na coerência das opções ético-estéticas de nosso trabalho. Temos a arte como eixo norteador do trabalho educativo desenvolvido no Projeto Quixote; a arte em suas diversas linguagens desperta em crianças e adolescentes novos valores e repertórios, desenvolvendo o sentido de valorização estética existente no mundo por meio de sentimentos e emoções suscitados nas interações com as diferentes linguagens apresentadas. Trabalhar a partir dessas referências nos faz descobrir e sentir a alegria de buscar o conhecimento, a curiosidade de aprender a aprender. Nessa perspectiva, o educador é um artista quando cria e recria o conhecimento de forma compartilhada com as crianças e os adolescentes, tornando o ofício de educador em exercício estético. “Conhecer, para mim, é algo de belo! Na medida em que conhecer é desvendar um objeto, o desvendamento dá “vida” ao objeto, chama-o para “vida”, e até lhe confere uma nova “vida”. Isso é uma tarefa artística, porque nosso conhecimento tem qualidade de dar vida, criando e animando os objetos enquanto aprendemos (Freire e Shor, 1986).

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arte como eixo norteador do trabalho educativo

Conforme nos apresenta Paulo Freire, a beleza não é privilégio de uma classe,

Decência e boniteza de mãos dadas

É preciso ousar, no sentido pleno desse termo, para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de acientífico, senão de ­anticientífico. É preciso ousar para dizer cientificamente que estudamos, apren-

demos, ensinamos, conhecemos com nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. “É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional” (Freire, 1993). O grande sonho de Paulo Freire era uma educação aberta, democrática,

que estimulasse em crianças e adolescentes o gosto da pergunta, a paixão do saber, da curiosidade, a alegria de criar e o prazer do risco, para possibilitar, então, a criação.

[Zilda Ferré]

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Cervantes

IMAGINAÇÃO ARTE Criatividade Realidade

LOUCURA SONHOS Realizações “Produto da alma criativa de um artista que foi o Cervantes, nos mostra que as artes são fundamentais (...). Eu diria que a religião do Projeto Quixote é a arte e a cultura; a arte é a referência fundamental, o ético e

desde o começo, a gente pensou: vamos logo nos chamar de “quixotescos” de alguma forma, porque a gente quer, sim, mudar o mundo.

Miguel de Cervantes Saavedra romancista, dramaturgo e poeta castelhano

o estético, puxando aí Paulo Freire, que é outra grande referência. Ele dizia que qualquer processo educativo de seres humanos tem que passar pela boniteza e pela decência, o ético e o estético. Talvez outra grande referência da psicologia e da medicina fosse um trabalho com rigor e com uma atenção central, junto com a arte, o belo, o estético, o ético e o psíquico. Essa coisa muito sofisticada que nós, seres humanos, temos e aproveitamos pouco, toda essa sofisticação para a gente criar uma sociedade muito melhor do que a vigente. A gente tem conseguido muito pouco diante do potencial que temos de sonhar, melhorar e aprender com as experiências.”

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[Auro Lescher]

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Todo educador no Quixote deve ter, precisa ter e não tem como entrar nessa caixa de ressonância, e não baixar esse aplicativo que vem lá dos céus, trazendo Cervantes, Paulo Freire, Oswaldo Dante Di Loreto. Di Loreto é outra grande referência do Projeto Quixote; ele foi muito próximo da

Cervantes lembrou que querer salvar o mundo é sublime, julgar-se o salvador é ridículo.

gente, um supervisor que todo mês estava aqui, e é um nome importante na psicologia da criança, da infância e da família no Brasil. Infelizmente, faleceu; ainda assim, não tem uma semana que não fazemos referência a ele, ele paira nos nossos ares. As referências fundamentais do Projeto Quixote são pessoas, ideias, visões de mundo, experiências pregressas, experiências futuras, sonhadas e trabalhadas para que virem realidade. A arte pelo simples fato de talvez estarmos falando do Projeto Quixote, e Quixote ser um produto da alma criativa de um artista que foi o Cervantes, nos mostra que as artes são fundamentais. O legado de Miguel de Cervantes foi forjar na alma da humanidade, com ferro em brasa, um ethos. Caminhando num fio da navalha entre o sublime e o ridículo, mostrou que cada um de nós escreve sua própria história. Nem anjo nem demônio. Nem herói nem anti-herói. Simplesmente humano.­ As crianças repetem a história do Dom Quixote. Sonham com um quê de transformação, se diferenciam de uma situação de muita privação e às vezes muita violência e vão para o centro da cidade em busca de outra história para si mesmas.

[Auro Lescher]

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Angelo Agostini

É a que nasce da

Aqui suas palavras ressoam; ainda que existam há mais de 410 anos, r e p e r c u t e m...

reflexão, da autonomia, gerando respeito e responsabilidades. Respeito às origens, ao meio e aos desejos.

Aqui também, casa de refugiados ou resistentes, casa de acolhimento ou apoio, abrigo aos e dos psis, espaço dos arteiros... Aqui a loucura da lucidez é estimulante e estimulada, aqui a lucidez da loucura é respeitada. Assim como Dom Quixote, saímos de nosso mundo e vamos para fora

Aqui a partida estimulada é a de quem não abandona suas raízes; ao contrário, de quem as tem bem presentes, mas usa também suas asas e tudo o que elas representam. Aqui, como na obra de Cervantes, Sanchos e Quixotes têm o mesmo peso

semear os ideais de justiça, respeito, hombridade e, acima de tudo, liberdade.

e devem residir em cada atuante.

A liberdade em questão não é qualquer uma, não. [Andreia de Almeida] 48

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Quixotinhos e os moinhos de vento

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As crianças e os adolescentes que chegam ao Quixote

RISCO

têm histórias em

que a violência, a privação de direitos e de afetos, a droga e a rua estão presentes, deixando marcas, limitações e ressentimentos. Em linguagem de criança, isso se traduz em agressividade, abandono de escola, de casa, de comunidade, de si mesmo, gerando sintomas como uso de drogas, dificuldades de aprendizagem, de relacionamento, comportamentos transgressores e/ou automutiladores e outras questões de saúde mental. Como verdadeiros quixotinhos urbanos, esses jovens enfrentam todos esses moinhos de vento e saem em busca de aventuras, afetos, respeito e, sobretudo, uma vida melhor. Mas essas condições os colocam em situação de risco e vulnerabilidade – em outras palavras, ficam expostos a um conjunto de experiências relacionado a privações de ordem afetiva, cultural e socioeconômica, que pode limitar ou desfavorecer um pleno

R ua

desenvolvimento bio-psico-social (Quixote, 2007). Para muitos, a rua vira

A sociabilidade das crianças e dos jovens em situação de vulnerabilidade pode oferecer perspectivas de vida bem delimitadas. Muitas vezes, o traficante é a figura de identificação mais próxima, que representa “sucesso”

DROGAS

social na comunidade. Vender drogas muitas vezes é o “emprego” ­d isponível.

Consumir drogas é, muitas vezes, a forma de prazer possível. A periferia é mui-

tas vezes feia, mal-acabada, com menos recursos sociais. Nessa trama, embora vulneráveis, às vezes os jovens acabam tendo ­d ificuldades para

acessar outras opções que possam ampliar seu repertório de vida, outro circuito institucional de proteção, de ­d esenvolvimento. Para ser aces-

sível à criança, ao adolescente e à família, um serviço precisa oferecer atendimentos fáceis de se iniciar e se manter e precisa ter vagas. Isso depende muito das características do próprio serviço e também da condição de cada criança, adolescente e família para superar os obstáculos psicológicos, sociais e até de transporte para chegar ao atendimento (Donabedian, 1980).

uma possibilidade de existência nesse caminho; para outros, o circuito do conflito com a lei e suas instituições. As motivações para a rua se tornar uma opção de espaço privilegiado de relações, aprendizagens, violências e prazeres são múltiplas. Mas sempre estão presentes a falta de dignidade, de vínculos estáveis e a privação de direitos. Às vezes, essas crianças e esses adolescentes frequentam muitas instituições simultaneamente; ora estão na rua, ora em casa, e

refugiados

acabam sofrendo por não estarem em lugar nenhum de fato, por não

pertencerem. Acabam vivendo como se estivessem exilados em seu próprio território, como refugiados urbanos (Lescher e Bedoian, 2017).

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“O Quixote

. r a g u l m e s s é o lugar do

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O Quixote faz questão de receber a todos, desde sempre. Crianças, jovens e famílias em complexas situações de vulnerabilidade: criamos uma porta de entrada bem aberta para eles. Não precisa estar na escola, não precisa ter documentos, não precisa ter endereço fixo nem estar acompanhado por um adulto responsável. Temos orgulho de receber a todos sem necessidade de encaminhamentos ou indicações. O sistema de plantão sem necessidade de agendar a primeira visita também facilita muito a chegada, encurta a distância entre estou “pensando em buscar atendimento” e ser, de fato, atendido.

Então, quem chega ao Quixote?

o t a r t e r um

Nossos primeiros registros de atendimento são de 1997, ano em que chegaram ao Quixote cerca de 350 crianças, jovens e famílias. De lá para cá, foram atendidos cerca de 15 mil, e realizados mais de 250 mil atendimentos, cada um deles com intensidades, sofrimentos e conquistas próprios. São muitas

Com poucos requisitos de entrada, acabamos recebendo aqueles que não

histórias em 21 anos, todas permeadas por situações de vulnerabilidade,

se encaixam em outros lugares e têm dificuldade para chegar. Todos,

violência e vontade de mudar e ter uma vida mais interessante. A maioria

independentemente das motivações, no primeiro dia passam por uma

das crianças e dos adolescentes que chegam ao Quixote é do sexo masculino e tem

conversa individual; assim, construímos um banco de informações que

entre seis a dezoito anos, com destaque para a faixa dos dezesseis anos. O motivo de

revela a situação de risco e a vulnerabilidade, traçando o perfil de todos

chegada mais relatado sempre foi “participar de atividades” ou “curiosidade”,

os atendidos como uma fotografia inicial do momento da chegada.

seguido por motivos relacionados à saúde, como uso de drogas ou busca por psiquiatra, psicólogo; problemas de aprendizagem também é uma das queixas. Cerca de 20% nem sabem por que nos procuram e 10% chegam ao

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a t r o P

Quixote por ter sofrido violência sexual, física ou psicológica. Encaminhados por instituições, pelo Judiciário, pela escola, pelo conselho tutelar, por abrigos ou, ainda, por amigos e parentes, muitos deles chegam já tendo experimentado algum tipo de droga na vida (cerca de 40%), índice bem maior que a média de

15 mil i d n e t a l i m 0 25 s o n a 8 1 a 6 de cerca de 40% 55


enfrentarmoinhos

estudantes do Brasil. Um quarto deles não dormiu com a família no último

mês, mas em abrigo, na rua ou em alguma unidade da Fundação Casa.

Aliás, mais de 10% de todos que chegam ao Quixote já passaram por uma medida socioeducativa alguma vez na vida. E mais de 15% realizam algum tipo de atividade para gerar renda. Quase metade passa grande parte do tempo na rua, em atividades de lazer ou batalhando a subsistência. Muitos estão na escola, mas apresentam dificuldades para ler e escrever e fazer da escola um local de aprendizagem de fato. Apenas 23% consideram que os responsáveis por eles são a mãe e o pai juntos, e mais da metade deles diz que alguém da sua família tem um problema de saúde relacionado ao uso de álcool, drogas ou outra questão mental. São quixotinhos urbanos, em complexas situações de vulnerabilidade, com muita vontade de enfrentar todos esses moinhos.

“ ” “ “

O Quixote sempre trabalhou e sempre trabalhará com a questão do sofrimento da criança e do adolescente, mas também com os sonhos. Diferentemente de outros serviços que focam no sofrimento, o Quixote convida: vamos brincar, vamos sonhar! [Cláudio Loureiro]

Claro que tratar de uma questão de abuso sexual e violência física em que você vê a pessoa com hematomas causa um impacto grande. Tem criança que está na rua, que usa crack, que rompeu com a família, o que também é muito dolorido. A gente olha para a pessoa como alguém que precisa de ajuda, alguém que está sofrendo, que precisa ser cuidado e acolhido. Tenta amenizar a dor e o sofrimento daquela criança, daquele adolescente. E a gente consegue isso por meio do vínculo, que acho que é o nosso grande diferencial. A questão é criar um vínculo com o serviço, o terapeuta, o Quixote. E a partir daí a gente vai acompanhando. [Isabel Ferreira]

São iguais a outras crianças, têm exatamente os mesmos direitos que as outras crianças. Não é porque estão em situação de vulnerabilidade ou na rua que não têm direito de ser criança. [Cláudia da Silva]

56

” 57


o t n e v e d s o h moin

“”

Desfazer ou estragar algumas coisas na infância pode ser muito rápido e muito fácil. Recuperar isso é como tecer um fiozinho de seda. [Zilda Ferré]

violência cotidiana

rua como opção drogas e vulnerabilidade social

perspectivas de vida

conflito com a lei

pouca escola Questões clínicas

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a i c n â A inf hostil No Brasil, a violência cotidiana está presente na vida de crianças e adoles-

centes de muitas formas, das mais sutis às mais grotescas. A principal delas ainda se traduz na negação dos direitos a uma infância e uma juventudes plenas. Embora a violência física, psíquica e sexual já faça parte da história de muitos dos que chegam ao Quixote, alguns vêm para cuidar disso no momento em que a ferida está aberta. Com o objetivo de aprimorar esse processo, foi preciso preparo a fim de criar um jeito acolhedor e especializado. Violência é emprego de força física, verbal, moral, envolvendo abuso de poder. Pode ocorrer dentro de casa em forma de agressão física, psicoló-

tratamento médico ou a falta simples de atenção são vivências avassaladoras para qualquer um. Mas sem dúvida o abuso sexual provocado por adultos contra a criança ou o adolescente é bastante complexo. No panorama dos efeitos devastadores desse tipo experiência, percebemos que, para aquele que vive a violência, como resultado da perversão do adulto, o risco maior é a angústia da morte, morte da vida como sujeito. A violência é exatamente a antecipação de uma experiência para a qual a criança não está preparada. A criança vai sinalizando que não está bem. E a aura do segredo e da invisibilidade do problema coloca a criança ou o adolescente

gica ou mesmo por negligência de um membro da família sobre os outros.

em uma situação de desproteção enorme. Os

E pode ocorrer com qualquer um. A violência acontece em ambos os sexos,

familiares com frequência se perguntam sobre

em qualquer nível social, econômico, religioso ou cultural. Mas, para os

as razões da falta ou da negação da percepção,

quixotinhos urbanos, acaba sendo um dos trampolins mais potentes para

demonstrando a dificuldade em admitir que algo

levar crianças e adolescentes para as ruas ou para fora da infância.

tão inadmissível possa acontecer. Quando a situação

Devido à dependência afetiva e financeira em relação a um adulto, as crianças e os adolescentes ficam muito vulneráveis às vivências de rejeição, humilhação, ameaças, desrespeito e até mesmo punições exageradas. Esse dia a dia às vezes não deixa marcas corporais visíveis, mas suas cicatrizes podem construir uma

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Violência é emprego da força física, verbal, moral, envolvendo abuso de poder. Pode ocorrer dentro de casa em forma de agressão física, psicológica ou mesmo por negligência, de um membro da família sobre os outros. E pode ocorrer com qualquer um. A violência acontece em ambos os sexos, em qualquer nível social, econômico, religioso ou cultural.

criança, da sua bagunça, do seu brincar, do lúdico, a omissão de

é revelada, há uma ruptura familiar, e a forma como isso é tratado – em todos os níveis (jurídicos, sociais, clínicos) – influencia todos os envolvidos (Rondello e Nakagawa, 2007).

armadura que persiste por toda a vida. A falta de cuidados básicos com a

Mas a violência a que estão expostos ainda tem outras

manutenção de alimentação ou higiene, a proibição da expressão natural da

faces perversas. A exploração sexual infantil denuncia

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ejeição, humilhação ou ameaça

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outras deformações de uma sociedade que não consegue proteger nem valorizar plenamente suas crianças e seus adolescentes, que coloca meninas e meninos em situações muito difíceis de subsistência. Manter a segurança e o bem-estar da família, com crianças e adolescentes, não é tarefa fácil, principalmente para quem vive em condições de baixo nível socioeconômico, com pouca retaguarda social. Essas famílias vivem constantes situações de violência e são submetidas a condições difíceis, à falta de informação e orientação, criando um ciclo de repetições e perpetuação da agressividade. No fim das contas, crianças e adolescentes seguem um roteiro em que brincar, estudar, sonhar e ter um sono tranquilo e seguro fazem parte de um filme que elas não estão vivendo.

“ ” ” “

É comum no discurso de crianças e adolescentes em situação de risco a referência a maus-tratos físicos, violência sexual e conflitos domésticos como motivos do afastamento de seus responsáveis. [Maria Inês Rondello]

Esta criança está enredada em uma linguagem com pesos e medidas do universo adulto para expressar algo a que ela ainda não tem como responder. Ela acaba respondendo ao se adultizar ou criar um sintoma para isso. A gente está falando da perda da infância. Só de haver a denúncia, fazer exames, estar no meio de uma discussão, a criança fica em uma situação em que ela não tem como responder nem dar significado para aquilo, e isso já exige cuidados. [Renato Rochwerger]

Algumas vezes as pessoas que chegam ao atendimento não conseguem romper com o círculo de violência em que estão inseridas. Então, quando você identifica a situação, a coisa mais importante a fazer é interromper. É como ver um incêndio – em vez de ficar interpretando o incêndio, primeiro você apaga, depois vai ver o tamanho do estrago, vai consertar as paredes, vai ver o quanto a estrutura ficou fragilizada com o fogo. Mas a primeira coisa é apagar. Então, isso é uma coisa que a gente tenta fazer: identificar as situações graves, interromper, para aí começar a trabalhar. É preciso ter esse tempo. [Bruno Rocha]

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A Clínica do Trajeto

Quando o coração transborda, a língua fala. [Miguel de Cervantes]

Somos fascinados pela resiliência. Contos de fada e histórias do folclore sobre adversidades e transformação, persistência e atos de nobreza demonstram ser esse um tema irresistível.

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Infelizmente, não é possível pensar que todas essas crianças, por si só, assim como heróis das histórias, serão capazes de transpor as barreiras ao longo de sua infância e sua juventude. Nem mesmo que conseguiremos prevenir que tais ameaças assolem a vida delas. Como resultado, teremos crianças e adolescentes crescendo em meio a adversidades caracterizadas pela violência estrutural endêmica de nosso país, o que acarretará questões em seu desenvolvimento. Já é bastante comprovada a ideia de que as experiências de adversidade associadas aos primeiros anos de vida, por exemplo, guardam uma associação robusta com as taxas de morbidade e mortalidade na vida adulta. Experiências ruins, que englobam situações de perda, abuso, negligência afetiva ou violência familiar, não se perdem ao longo do tempo e impactam negativamente a saúde mental e a trajetória dessas crianças e desses adolescentes. As consequências longitudinais da adversidade precoce, dada a sua heterogeneidade, sugerem diferenças individuais na vulnerabilidade e

neurobiológicas

na

resposta

aos

ambientes sociais. Isso significa que as experiências positivas, ao longo do

Nesta perspectiva, dados do último Censo fazem projeções de que até 2020

desenvolvimento, podem reduzir os

teremos mais de 30 milhões de crianças e adolescentes de zero a dezoito

riscos determinados pelo impacto

anos no Brasil. Destes, estima-se que 25% estarão em situação de vulne-

das experiências negativas. Essa

rabilidade socioeconômica-cultural (IBGE, 2010). Aproximadamente 7,5 milhões

premissa implica a devida atenção

de jovens brasileiros estarão expostos a situações de risco.

a estratégias de prevenção de

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­doenças ou de promoção da saúde que diminuam fatores de estresse tóxico na vida das crianças e das famílias, bem como ampliem o repertório de estímulos à resiliência. É com esse olhar para a extrema necessidade de estimular a melhoria no longo prazo, estabelecendo padrões para cuidados integrados de saúde e condições sociais de alta qualidade, que pautamos nosso atendimento em saúde mental de crianças e jovens no Projeto Quixote. Compreendemos a saúde mental como reflexo da trajetória de cada um dos jovens que atendemos. Quem são eles? Onde moram? Quais são seus medos, seus anseios e seus desejos? Nossa avaliação e nossa propedêutica clínica visam a ser um alicerce em que esse jovem possa se apoiar ao longo da incrível jornada que é descobrir-se como indivíduo e como sujeito no mundo. Crianças e adolescentes que enfrentam dificuldades e apresentam alterações de saúde mental, mesmo sem um transtorno psiquiátrico específico, são muitas vezes estigmatizados e excluídos socialmente. Para além das privações econômicas e estruturais que muitos desses jovens vivenciam, existe ainda o “não pertencimento”.

O adolescente cobrador A prática de delitos por adolescentes está presente em todas as classes sociais, em países ricos e pobres – não é privilégio nosso. Está relacionada à forma como tratamos a juventude e a transgressão às leis e à história de cada um. A dinâmica de cobrar do mundo aquilo de que fui privado é bastante complexa, e pode parecer mais fácil justificar esse fenômeno pela pobreza e pela desigualdade social. Não são apenas as faltas materiais que geram delitos, como às vezes se pensa. A busca de atenção e amor são motivadores inconscientes para crianças e adolescentes que viveram privações afetivas na infância. Crescer em meio à violência faz pensar que esse é o jeito de se relacionar (Rigato, 2008).

[Laura Feitosa]

Há que se respeitar essas marcas. Claro, o adolescente quer o melhor celular ou o boné da moda e não está livre do apelo consumista só porque não tem mesada. A delinquência pode parecer um atalho ilusório para chegar lá, para quem não enxerga outras perspectivas e projetos. Ilusório e perigoso, porque, para esse tipo de ato, em geral, as leis funcionam bem. E esses adolescentes ingressam no sistema de medidas socioeducativas

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com diferentes graus de privação de liberdade. Quando o jovem pratica um ato socialmente não aceito, acaba obrigando alguém a se encarregar dele, para além dos limites da família ou da escola. Às vezes, essa busca por algo que limite a impulsividade só alcança um basta no pé das autoridades, nas referências externas que representam a lei da comunidade, com suas clausuras educativas. O que queremos que eles aprendam na marra é que devem respeitar o direito dos outros. Às vezes não funciona muito bem, e a opção entre uma arma ou uma latinha de spray pode ser uma questão de oportunidade. Tentação e armadilha.

Violência gera violência Parece clichê, mas os piores desfechos, como morrer ou praticar de novo um delito, dependem em parte das oportunidades oferecidas aos adolescentes quando saem do regime de medidas socioeducativas. Quem corre os maiores riscos são os que não frequentam a escola, têm maior defasagem escolar ou não participam de nenhuma atividade. Ou seja, os que não conseguem se vincular a outro circuito (Rigato, 2006). Já ouvimos de adolescentes que o “mundo do crime” parece com o uso de drogas: reforçado pela falta de alternativas, torna-se uma espécie de vício (Quixote, 2000). Por sorte, a delinquência indica que alguma esperança subsiste. É um pedido de socorro, controle de pessoas fortes, amorosas e confiantes (Winnicott, 1999).

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Parece clichê, mas os piores desfechos, como morrer ou praticar de novo um delito, dependem em parte das oportunidades oferecidas aos adolescentes quando saem do regime de medidas socioeducativas.

“” “ ” “ Se não tenho, pego. Se não gosto, quebro. Se você não me ouve, grito.

São adolescentes que não conseguiram permanecer na escola, sendo dela logo excluídos muitas vezes na primeira infância, e passando assim boa parte de seu tempo na rua. Nesta, acabam aliciados pelo tráfico das comunidades onde residem, envolvem-se em atos infracionais, passam a consumir drogas, e iniciam uma repetição de idas e vindas entre a Fundação Casa e as medidas em meio aberto. [Aglael Rossi] No cumprimento de medidas sócio-educativas em meio aberto, os adolescentes vivenciam uma segunda forma de exclusão da escola, no preconceito que os rotula como aqueles que vão roubar e traficar, dificultando sua permanência na escola e comprometendo indiretamente sua liberdade, uma vez que para a extinção da medida é exigido presença e aproveitamento escolar. São adolescentes que, para a surpresa de todos, não apresentam, em sua maior parte, problemas de aprendizagem, mas, por terem ficado fora da escola desde a infância, não construíram as condições básicas para o aprendizado formal da leitura, da escrita, e dos conteúdos das demais disciplinas. Isto porque, as regras de sobrevivência nas situações de risco e vulnerabilidade são diferentes daquelas da escola. [Aglael Rossi]

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rua, A casa sem paredes O manto da invisibilidade

Uma única criança na rua já seria suficiente para pensarmos que algo não deu certo. Seja na escola em que ela estudava, seja na comunidade em que vivia, seja na família que a envolvia. Por alguma razão, ou por várias, sua rede de proteção social e afetiva não deu conta de acolher de forma adequada as demandas de desenvolvimento de sua infância, suas curiosidades e suas angústias, seu futuro. Algo se rompeu – ou se interrompeu –, como uma espécie de exílio, imposto pela necessidade de sair de casa e

Como verdadeiros quixotinhos, despedem-se de suas mátrias, nas periferias em geral feias e inacabadas, rumo a uma realidade desconhecida, na esperança de melhores aventuras, respeito e segurança. Mas acabam se confrontando com a realidade e a crueldade da rua.

Na rua, essas crianças vivem um tempo fugaz, o aqui e agora que ajuda a esquecer o passado e ofuscar o futuro. Circulam em um território amplo, onde o uso de drogas se encaixa como uma luva. A rua é um espaço de sociabilidade específico, onde a droga ocupa um lugar importante. Entre crianças e jovens em situação de rua, o uso de droga é elevado, atrelado às circunstâncias, tirar a fome, espantar o medo, permanecer acordado etc.

distanciar-se de suas histórias, das pessoas com as quais ela possui vínculos

Esse aspecto circunstancial se confirma pela perda desses sentidos, na

afetivos, com os cheiros, as roupas, o cachorro, sua mátria. Muitas vezes,

medida em que as necessidades são alcançadas de outras formas. Não

experiências de violência e violação de direitos facilitam dinâmicas expul-

são as drogas que fazem as crianças ou os adolescentes irem para as

sivas da família. Para algumas crianças e adolescentes brasileiros, a rua

ruas, mas suas condições de vulnerabilidade social e privações de várias

se torna um local de refúgio, moradia, lazer, sobrevivência e apelo.

ordens. Não são toxicômanos precoces, são refugiados urbanos, exilados

Descalços, cinza e esfarrapados, misturam-se ao ritmo apressado dos centros da cidade e tornam-se quase invisíveis em meio à multidão, per-

da comunidade de origem. Essas crianças e esses adolescentes não chegam ao Quixote. O Quixote vai até eles, nas ruas.

dendo o direito à proteção e o direito de ser criança em um novo território marcado pelo uso de drogas e pela violência. Como verdadeiros quixotinhos, despedem-se de suas mátrias, nas periferias em geral feias e inacabadas, rumo a uma realidade desconhecida, na esperança de melhores aventuras, respeito e segurança. Mas acabam se confrontando com a realidade e a crueldade da rua, onde o espaço do humano se reduz, e a tarefa diária ganha uma conotação de sobrevivência – dormir, comer, tomar banho, vestir-se, divertir-se, cuidar da dor de dente, ganhar dinheiro etc.

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Chegamos devagarzinho, por meio do trabalho delicado da equipe de ETs (educadores terapêuticos), com suas mochilas lúdicas que constroem passo a passo uma trajetória alternativa à rua em um complexo processo que chamamos de “rematriamento”. “Mátria”, neologismo do poeta Ernesto Sabato usado para descrever a visão que o imigrante tem de sua terra natal, a partir da popa do navio, indo embora. Da abordagem inicial nas ruas à articulação das redes, o trabalho passa por fases, até que os ETs acompanham os pequenos refugiados urbanos rumo à comunidade de origem – mesmo que demore, mesmo que seja muito longe do centro, mesmo que seja dolorido. É um trabalho radioativo. A possibilidade de rever e de integrar de alguma forma suas referências na comunidade, se apropriar da própria história, de uma família que sobreviveu ou não às dificuldades sociais do meio, isso é a esperança e a possibilidade de remover o manto de invisibilidade que esconde a infância e a dor dessas crianças e desses adolescentes nas ruas. Elas querem muito se rematriar com a vida, tomar um banho de dignidade, ler um livro.

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riança na rua é bizarr

Quando o Quixote vai?

Cada criança e adolescente em situação de rua passa por um processo longo de revinculação até poder retornar à sua família e/ou à sua comunidade. Esse processo é singular e respeita sua história, seus recursos psíquicos e emocionais, a história de sua família e de sua comunidade. De qualquer maneira, o que está em jogo é o reencontro tenso e intenso de alguém consigo mesmo, e narrar a própria história é vital para sentir-se razoavelmente confortável dentro do corpo. [Auro Lescher]

A falta de acesso a políticas públicas que respondam de forma eficiente coloca-os realmente numa situação assemelhada à de uma guerra, uma situação de profundas privações. [Cláudio Loureiro]

“ ”

Além das circunstâncias inóspitas da rua e da singularidade de cada criança e adolescente, o trabalho depende da disponibilidade dos educadores de ouvir as difíceis histórias de vida. Essa abertura para o outro precisa ser apoiada pela instituição, que deve ter espaços para acolher sua equipe e dar sentido a essas experiências em supervisões e reuniões sistemáticas. [Lescher e Bedoian, 2017]

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a c u o p A escola e a leitura

Outro moinho enfrentado por crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade é o acesso a boas oportunidades de formação. Um dos aspectos em que isso mais se evidencia é nas dificuldades que envolvem a leitura e a escrita, questão comum aos adolescentes, e também nos relatos de violência sofrida e provocada na escola, percebida como local de exclusão. Os adolescentes vivem situações de abandono e negligência na família, rompimentos, envolvimento em atos infracionais e uso de drogas. Encontram-se defasados em relação ao currículo escolar tradicional de sua faixa etária. No geral, concluíram o ensino fundamental 1 e podem estar há vários anos fora da escola, retornando a ela por EJA (educação para jovens e adultos). Há adolescentes com dificuldades específicas

no processo de aprendizagem da leitura e da escrita que são também acompanhados individualmente em psicopedagogia e fonoaudiologia.

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As dificuldades de leitura e escrita dos adolescentes podem ser diferenciadas em duas situações: aqueles que frequentam a escola e foram aprovados automaticamente para a série seguinte sem ter adquirido o conhecimento básico relativo à série concluída e aqueles que a abandonam, ficando em situação de risco e vulnerabilidade.

Por não serem acolhidos pela escola em suas necessidades afetivas e cognitivas, os adolescentes perdem o interesse pelo conhecimento formal – isso restringe ainda mais sua possibilidade de estar no mundo, uma vez que, na maior parte, esses jovens advêm de classes sociais com precário acesso aos bens de cultura e lazer. O fato de não dominarem a leitura e a escrita dificulta, claro, o aprendizado do conteúdo de outras disciplinas escolares.

Há adolescentes com dificuldades específicas no processo de aprendizagem da leitura e da escrita que são também acompanhados individualmente em psicopedagogia e fonoaudiologia.

A educação infantil tem um papel fundamental nas relações sociais, no entendimento de regras a partir de jogos, na constituição da percepção visual e auditiva e na motricidade global e fina que é intrínseca ao ato de escrever. Entretanto, constatamos que muitos dos adolescentes do grupo não se desenvolvem além, muitos ainda escrevem com letra bastão e não conseguem ler a escrita cursiva. Tendo em vista que em geral a família teve pouco convívio com a leitura e a escrita, os adolescentes que chegam ao ensino fundamental têm pouco contato com a linguagem escrita. Ao mesmo tempo que a família vê a escola como lugar de possibilidade, acaba não acompanhando o desenvolvimento escolar do jovem e seu processo de aprendizagem de leitura e escrita. Esses fatos comprometem a prática e posteriormente a fluência com os textos.”

[Aglael Rossi e Aline Vasconcelos]

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HOSPEDARIA

Querer salvar o mundo é sublime. Julgar-se o salvador é ridículo. [Miguel de Cervantes]

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s a o s s Pe Quem faz o Quixote são as pessoas que aqui se dispõem a estar com crianças, jovens e famílias e com a rede de atendimento.

O trabalho implica estar muito presente, de verdade. Escutar os detalhes, insistir nas propostas, articular as pequenas brechas de oportunidades, defender outros pontos de vista e negociar os projetos de cada um. Quem frequenta o Quixote cria vínculos com a instituição, por meio de laços afetivos com a equipe. As cores do corredor, a alegria das oficinas e o almoço saboroso são resultado de um intenso trabalho de entrega. Não somos especiais por fazer esse trabalho. Acreditamos que quem nos procura merece um bom atendimento, como aquele que todos nós gostaríamos de receber na vida. O Quixote se mantém em alma, mas com diferentes corpos, ao longo do tempo. Já mudou de casas, recebeu diferentes profissionais que deixaram e levaram histórias, além de muitos projetos e serviços. Com tantas mudanças em mais de vinte anos, o que é a alma quixotesca?

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Sonhos

dos quixotescos de hoje

Alma quixotesca

Para mim, o Quixote é um espaço de muita possibilidade para as crianças e para quem trabalha aqui. Depende de como você se coloca, de como você está presente, porque você tem que estar inteiro o tempo todo, e presente, não dá para chegar aqui com a pontinha do pé. É preciso chegar pisando e se assentar, porque nossos quixotinhos querem você presente. É um espaço de troca e aprendizagem; aprendi muita coisa aqui e sou extremamente grata aos meus colegas. Brigo bastante, mas trabalho bastante e gosto muito do que faço, então acho que é um lugar de aprendizagem e de afeto. A gente briga, mas a gente briga porque a gente gosta. [Zilda Ferré, coordenadora pedagógica]

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Escolhi trabalhar no Projeto Quixote porque por meio dele pude realizar um grande sonho, o de me aproximar de questões da infância e da adolescência de sujeitos têm seus direitos violados: uma criança ou um adolescente que rompe com a família, que está na rua, que está fora da escola, que sofreu violência. São situações que sempre me incomodaram. Estar perto deles e ajudá-los: eu tinha esse sonho. Quando encontrei o Quixote, me senti contemplada no sonho do Auro de criar essa ONG. Embarquei nesse projeto dele, senti meu sonho contemplado nesse sonho maior. Cuidar da infância é um desejo que tenho desde a infância. [Isabel Ferreira]

O Quixote é meu trabalho, é minha casa. Aqui me sinto bem. É vida, é muita vida o tempo inteiro, criança o tempo inteiro, é gente o tempo inteiro. Os meus grupos, por serem de esportes, de atividades, sempre de movimento, são muito barulhentos, muito vivos, muito bagunça, então às vezes, quando estou desanimada, chego aqui e eu já ganho fôlego. Para mim, o Quixote é vida e ao mesmo tempo é lição de vida, porque a gente aprende muito com os meninos, aprende com as famílias... Com o que já vivenciei aqui, hoje sou uma pessoa totalmente diferente do que era quando entrei. [Cláudia da Silva]

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Eu adoro aqui, é muito bom e gostoso. A gente faz aquela comidinha, fica todo mundo feliz, é maravilhoso! As pessoas elogiam, e isso é muito bom para gente. É uma correria, é paulada e corre daqui, corre dali, e no fim tudo dá certo. A gente tem que correr conforme o horário, aí a gente corre, e no fim a comida está ali, toda bonitinha feitinha, e eles amam. [Lucineide dos Santos, cozinheira]

” “” “

Meu sonho é ser reconhecido pelo trabalho com os meninos do Quixote. [Tcheba]

Nós emprestamos sonhos para eles, e eles nos emprestam sonhos. Vir para cá fez a diferença na minha vida; a possibilidade de me relacionar com as famílias, com os adolescentes. Falamos muito aqui de emprestar sonhos, e isso me motiva. O meu grande sonho para o Quixote é que ele não receba tanto sofrimento, tanta dor. Ou seja, é uma mudança em todo o mundo. Uma mudança das políticas públicas. Que aqui seja um lugar de arte, de cor, de brincadeira. Que seja um lugar de vida em potencial. [Débora Dalonso Peres]

Sim, cada um vai fazer o seu Quixote. Olha, eu sou suspeita. O Quixote é um lugar em que eu gosto muito de estar, é um lugar para ampliarmos os horizontes dos nossos atendidos. Um lugar aonde nossos atendidos vêm para serem olhados. Um lugar onde olham para a criança, olham para família. Às vezes essa pessoa está muito sofrida, então você tem que olhar para descobrir o que ela tem, qual é o desejo dela, porque ela chegou. O Quixote é um lugar de olhar essa pessoa, de cura e de falar: “Olha, presta atenção, você pode”. A ideia do Quixote é que as pessoas que aqui entram aprendam a caminhar sozinhas. [Rosimeire do Nascimento]

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Estratégias e manejos

da hospedaria

Acolher Conhecer

Mapear potências e vulnerabilidades

Coletiva e individualmente 84

Deixar . . . r a s u o P Fase 1 – Acolhimento

Como fazemos isso? Por meio de uma superfície de vivências, encontros e aprendizagens. O acolhimento é a porta de entrada do Projeto Quixote. Ao mesmo tempo que é uma postura institucional, é também como chamamos a fase inicial do atendimento, com entrevistas e grupos específicos para quem está chegando, seja por uma demanda de situação de vulnerabilidade, de saúde mental, violência, seja para quem está na rua (neste caso, com as abordagens locais). Os primeiros encontros sempre são marcados pelo conhecer mútuo. A chegada à casa pode ser espontânea, não precisa ter agendamento prévio. Todos são recebidos por um profissional que mostra a casa, apresenta as pessoas, e preenche uma ficha inicial. Explicamos como funcionamos e convidamos para os grupos de acolhimento ou para outras conversas individuais, conforme as primeiras impressões. Quando aparecem no Quixote, os jovens levam demandas e motivos diversos para estarem lá, muitas vezes atribuídos

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por terceiros. A escola: “Não para quieto, não aprende, é muito agressivo”. A família: “Usa tóxico, se corta, não dorme em casa”. O Judiciário: “Em medida socioeducativa, necessita tratamento”, “sofreu violência”, “pais usuários de drogas”. Os abrigos: “Precisa fazer uma atividade”... Mas estamos interessados em ouvir, ouvir a criança e o adolescente, até entender que demanda eles mesmos trazem, do que sofrem, do que reclamam, o que querem.

O

olhar tridimensional

, múltiplo, nos permite

acolher o jovem sem focar na queixa inicial nem no sintoma motivador da vinda ao Quixote. A estratégia é uma perspectiva mais oblíqua e global.

O jovem precisa perceber o que quer para si. A primeira pergunta é sempre “por que você veio?”. E as pessoas normalmente não sabem. Por isso que a gente tem um tempo, que chamamos de “deixa pousar”, para esse entendimento e essa percepção. Às vezes a pessoa não vem porque quer, mas por indicação, por uma demanda terceirizada. Tem que esperar o processo de cada um.”

A oficina de acolhimento Esse é um espaço de convivência em que toda proposta transcorre a partir do lúdico e da brincadeira espontânea e descontraída, favorecendo a construção de vínculo, o desenvolvimento da simbolização e da linguagem. Os grupos se formam por idade. Separamos crianças de adolescentes e fazemos paralelamente equipes com familiares e responsáveis. Nas oficinas, privilegiam-se propostas projetivas, abertas, com começo, meio e fim,

Considerando que são crianças e adolescentes, é importante um olhar

de preferência propostas que favoreçam que a equipe possa conhecer a

individual sobre cada um, mas também um olhar grupal.

interação entre os pares, com os adultos, com a tarefa, com as regras, e

“Nós nos preocupamos sempre em acolher bem, apresentar quem está chegando para a equipe, para o grupo, saber o nome de todos, olhar nos olhos, fazer se sentirem notados, se importar com a produção realizada, prestar atenção nas falas, nas faltas.“

possa escutar como a criança ou o adolescente se apresenta, interage, quais são seus interesses e suas dificuldades. O espaço para improvisos e sugestões é valorizado. Conhecer exige treino do trabalho conjunto. Ao mesmo tempo que frequentam oficinas de acolhimento, participam de conversas individuais, entrevistas com clínicos (assistente social, psicólogo, psiquiatra, clínico geral, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo ou psicopedagogo) ou com educadores, para que a equipe possa conhecer, escutar a história, as motivações de ter ido ao Quixote, tanto quando é por iniciativa própria quanto quando é de um terceiro (seja a escola, seja o poder público, seja a família).

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Todas as interações ajudam a mapear a situação de vulnerabilidade e risco relacionada a vínculos com a escola, a família, a drogas, a saúde, a dores, a projetos futuros e a interesses e também a mapear os recursos disponíveis da rede, da família e da comunidade. A partir do panorama da condição de vulnerabilidade, construímos um projeto junto com a criança ou o adolescente e a família. A equipe do acolhimento precisa ser integrada e dinâmica. Cada um possui funções bem definidas. O oficineiro é responsável pela atividade – incluindo proposta, materiais, organização e tempo. O educador apoia o oficineiro, participando da atividade e estimulando o grupo. O clínico ajuda o grupo a conversar entre si, falar de si, se conhecer, opinar; ele fica no grupo. Fora do grupo, encontram-se a retaguarda de corredor e os clínicos responsáveis pelas entrevistas individuais para conhecer a história e mapear a demanda, articular a rede, construir projetos. A proposta de uma tarefa em grupo pressupõe que nem todos aguentam participar, principalmente crianças e adolescentes, sobretudo novos integrantes. Para dar conta dessa dinâmica, a figura da retaguarda de corredor é fundamental; um profissional que apoie o espaço ao redor, como em um plantão, para aqueles que saem e voltam para os grupos. Ao fim de cada atividade são realizadas reuniões de miniequipe com os ­profissionais envolvidos; nelas, discutem-se o dia, os casos, a atividade, cruzando informações das entrevistas individuais, do estar em grupo e da

As principais atividades de acolhimento são os jogos e as brincadeiras espontâneas, a representação plástica resultante da pesquisa e da experimentação de diversos materiais, como tintas, spray, colagem, e a representação literária, com relatos, contos, poéticas, apresentados em vivências comunicativas.

“ ”

O que é o acolhimento? É assim: esteja na minha frente e sinta que aqui tem outro ser humano que quer muito entender você. Ouvir e entender; essa pessoa não vai julgar, vai entender. [Auro Lescher]

o ã ç a u t i s mapear a e d a d i l i b a de vulner e risco Deixar pousar; mapear situação de vulnerabilidade (drogas, rua, conflitos com a lei, com a escola, com a família, violência etc.); projeto individual. Esse modelo de atendimento coletivo gera uma referência de pertencimento grupal. Rodar até fazer marquinhas no chão.

família. Assim, a equipe passa a conhecer melhor as necessidades dos participantes e se capacita a pensar projetos singulares.

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Pousou?

Fase 2 – Casa

Quando a equipe junto à criança

Que Objetivos temos ao encaminhar alguém para uma atividade?

ou ao adolescente sente que há entendimento daquilo que se busca, de suas necessidades e sabe o que o Quixote pode oferecer, está na hora de pensar um projeto individual, que inclui outras atividades e acompanhamentos profissionais ou mesmo outros recursos da rede. Aí o convite é para sair do acolhimento e ingressar nas demais atividades. Chamamos essa fase de “casa”. Os projetos individuais incluem diversas intenções, sempre construídas junto com os jovens, como as oficinas pedagógicas; os acompanhamentos terapêuticos grupais e individuais para tratamento das questões clínicas; o fortalecimento da família e de outros vínculos; os acompanhamentos externos com a rede, a escola e a comunidade.

Fortalecer vínculos

Aumentar repertórios Ampliar acesso a oportunidades

Favorecer linguagem(s) Acolher escutar tratar 90

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sonhar crescer

empreender Ter outras experiências

r a t e j o r p

Fase 3 – Mundo do trabalho

Autonomia para agir no mundo

Quando os jovens começam a olhar para a frente e para o futuro, eles são estimulados a pensar em projetos de vida. E a questão da sustentabilidade e da geração de renda passa a fazer parte das atividades. Buscamos refletir com os jovens a partir de seus sonhos, seus interesses. Como se imaginam daqui a alguns anos? No programa Quixote Jovem são realizadas atividades que desenvolvem competências básicas para o mundo do trabalho, como autonomia, trabalho em equipe, comunicação,

“Quando chegamos a uma comunidade, é comum as crianças dizerem que querem ser policiais, traficantes, jogadores de futebol. Hoje, há crianças que chegam ao Quixote e dizem “quero trabalhar numa grande corporação”.

conhecimentos de informática, postura no ambiente de trabalho, como ser entrevistado etc. As atividades ocorrem em oficinas fechadas, com duração de seis meses. O grupo é

Ser respeitado ser ouvido

Criar Cocriar 92

formado a partir de uma seleção, e cada jovem selecionado recebe uma bolsa mensal. São realizadas parcerias com empresas para a inserção dos jovens no mercado de trabalho, como a feita com a PricewaterhouseCoopers, há dez anos, para a inserção de jovens em funções administrativas.

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Olha para frente, menino! Se eu morrer hoje, amanhã faz dois dias.

O mercado formal, com a almejada carteira a ­ ssinada, é exigente, tecnológico e competitivo, um mu­ndo distante para o jovem da periferia ocupado com o peso de morar longe

O que você imagina para seu futuro? Para adolescentes em situação de

do emprego, ter a casa alagada, louça para lavar, irmãos para

vulnerabilidade, nem sempre é fácil descobrir seus talentos, desenvolver

cuidar, a responsabilidade de gerar mais renda ou a a única renda,

suas habilidades e elaborar um projeto de vida. Não dá tempo. Logo preci-

no caso dos que vivem acolhidos em abrigos e que têm cerca de dezoito

sam gerar renda. Se escapam das armadilhas do conflito com a lei, do uso

anos. A opção que se coloca para esses adolescentes não é entre a inser-

de drogas e do refúgio nas ruas, resta encarar precocemente a entrada no

ção precoce no mercado de trabalho nem a permanência na escola e nos

mundo do trabalho, formal ou informal. Aqueles que ainda o fazem quando

estudos, mas entre uma inserção digna ou indigna. Porque ele vai trabalhar

crianças, nem sabem que é trabalho, misturam esses afazeres com o

cedo, na melhor

brincar e a um estilo de vida próprio, vendendo balas no farol ou pedindo

das hipóteses. A desigualdade social está aí. Estar incluído socialmente não

dinheiro pelas ruas. Para aqueles que têm a chance de buscar trabalho

é apenas estar na escola, ter uma família, um trabalho. Resta uma anco-

mais tarde um pouco, os desafios continuam enormes.

ragem subjetiva que gere o sentimento de pertencer, de merecer o que é

A trajetória escolar desses adolescentes às vezes se dá a trancos

oferecido, de desejar, de sonhar.

e b­arrancos, condicionada às circunstâncias em que eles vivem,

A situação de vulnerabilidade e a urgência da vida p­o dem gerar um achatamento

com mudanças de endereço, de professores, instabilidade

dos sonhos, das perspectivas, das potencialidades. Antes de serem vulneráveis,

sobre o futuro, uso de drogas, gravidez, e a uma escola pouco

trabalhadores, ainda são adolescentes e respiram as características

atrativa, que não consegue investir a ­paciência necessária

contemporâneas de viver no imediatismo, acessar informações na palma

para a aprendizagem. Isso quando frequentam a escola!

da mão, se conectar (Boemer, 2017). São bombardeados pelos apelos do consumo, também querem as melhores coisas, sem grande esforço.

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95


Sonhos de um futuro, o que será de nossos jovens? Olham para os pais, os que trabalham o mês todo e ganham pouco ou olham para a comunidade e enxergam na figura do traficante o ­sucesso. O caminho da crim­inalidade mostra-se atraente pelo que falsamente promete. Enfrentam todo dia e­sses grandes moinhos de vento. Para desviar-se dessas enormes e velozes pás de vento, a trilha com esse adolescente passa por entender e buscar o que gera ­realização pess­oal. Futuro tem a ver com sonhar. Para isso, é preciso fomentar tal­entos e a­mpliar repertórios, e esse processo exige investimento afetivo e uma abordagem atenta que insiste – e insiste muito. Despertar o interesse desses adolescentes e apostar que eles podem é algo que alavanca oportunidades. Existem muitas oportunidades, e a equipe faz as pontes para que os ­jovens cheguem a elas. Ser reconhecido e valorizado por algo que se faz é uma experiência potente. FAZ olhar para frente.

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Durante o ano em que participou do projeto de inclusão social Escritório é Escola, em parceria com a PwC, Ilzenir, como tantos outros brasileiros, tinha um cotidiano desafiador: sair do Jardim Pantanal, no extremo leste de São Paulo, bater cartão na Barra Funda, zona oeste, às oito horas da manhã e, então, trabalhar até as cinco da tarde. Depois, enfrentar o ensino médio, chegando em casa todos os dias depois da meia-noite.

A MÃE DE TODOS AMORES É O AMOR-PRÓPRIO. AMOR QUE VAI ALÉM. ALÉM DO ESPELHO DE CADA UNHA PINTADA DE VERMELHO, DE CADA LUGAR QUE AINDA NÃO ESTIVE, DE CADA PAR DE SAPATOS QUE AINDA NÃO COMPREI, DE TODOS OS TRABALHOS, TODAS AS PESSOAS QUE EU AMO E TAMBÉM AS QUE AMAREI. EU MATO O DESTINO OU ELE ME MATA. A MINHA ESCOLA ENSINA QUE EMBAIXO DOS MEDOS

HABITAM OS DESEJOS. QUE FAZER CONTA É TÃO IMPORTANTE QUANTO FAZER DE CONTA. A MINHA ESCOLA ENSINA QUE EU SOU O QUE SEMPRE QUIS SER: SONHADORA PROFISSIONAL, LEITORA DE ENTRELINHAS. ELA ME MOSTRA A EMERGÊNCIA DO CONHECIMENTO, PORQUE ELE É MAIS QUE URGENTE QUANDO EMERGE DE ÁGUAS PROFUNDAS. A QUÍMICA DOS POETAS. (Lescher e Sánchez, 2013)

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Rematriamento – o acolher Por viverem um processo de profundas rupturas com a família e a comunidade de origem, entendemos que crianças e jovens em situação de rua estão em uma condição de estrangeiros em sua própria pátria.

98

1, 2, 3

1

adolescentes vínculos de confiança e o desejo de serem cuidados. Inspirados também pelo conceito de “hospitalidade”, discutido por Jacques Derrida, isso significa que, na prática, na primeira fase do atendimento, a hospitalidade dos contatos deve ser incondicional; ou seja, uma radicalização da presença que está pautada na troca de olhares, na escuta do outro, num encontro marcado pela estranheza, pela tensão e também pela curiosidade. Nesse momento, não cabem doutrinações, convencimentos nem sensibilizações para qualquer movimento outro. O vínculo que vai se formando é a legitimação da ajuda. O desejo de ter acesso à saúde, à educação e à cultura aparece. É a constância da presença do educador que abre espaços para esses jovens quererem se aproximar e dizer seu nome, contar sua história. O contato se dá pela ética e estética, e um novo prazer é experimentado (Lescher e Bedoian, 2017).

São refugiados urbanos, que é o nome do programa específico para

Na fase seguinte, no consulado, o acolhimento é mais condicional, na medida

crianças em trânsito pelas grandes cidades. O processo de saída das ruas

em que os atendimentos acontecem também em uma sede institucional,

foi chamado por nós de “rematriamento”. “Mátria” é um neologismo criado

quando crianças e os jovens já com alguns vínculos podem espontaneamente

pelo escritor argentino Ernesto Sabato para descrever a imagem do

buscar a instituição, participar de atividades, receber um lanche, tomar

imigrante que deixa sua casa, sua cidade e sua pátria, entra em um navio

um banho. A sede do Projeto Quixote se torna outro lugar possível no

e, da popa, vê a costa da pátria se distanciar. Essa experiência pode ser

circuito da rua para favorecer acolhimento, espécie de “pics”. É no movimento

tão forte que não deveria se chamar pátria, mas mátria – “mátria” retrata

de ir e vir que as crianças e os jovens podem se certificar da existência

ado

uma metodologia específica, o rematriamento, com três fases.

e compreensão sobre a situação para construir com as crianças e os

Hospitalidade

Para desenhar uma estrutura de atendimento nas ruas, foi desenvolvida

As abordagens de rua e mesmo os atendimentos na sede exigem respeito

sul

na rua

que rompem ou interrompem seus vínculos e partem para outro lugar.

Devemos sentir seus cheiros, escutar suas histórias, nos interessar por seus costumes e suas gírias, enfim, suportar suas provocações e a força de suas emoções, a tristeza e a impotência, quando comparamos a criança que fomos com a criança que nos fala.

Con

Estratégias e manejos

melhor o que encontramos de dor e possibilidade nesses quixotinhos urbanos

99


torno desse jovem, às vezes até ser uma espécie de consulado que garante

a possibilidade de comunicação entre o jovem que está na rua e sua família.

Con

a função do educador terapêutico (ET) é articular uma rede de cuidados em

sul

ado

2 3

da instituição e das pessoas que lá estão. Quando o vínculo se estabelece,

trânsito entre a rua e seu território. A criança e o adolescente estão no mo-

vimento de saída da rua, voltando à família ou à comunidade. O trabalho com a rede é intenso e singular, uma vez que o centro de São Paulo recebe crianças e jovens de outras regiões da cidade e de outros municípios, e

muitos contatos, por telefone e presenciais, são necessários. São articulados os recursos sociais disponíveis na família, na escola, na rede de saúde e assistência social, e tudo o que a comunidade possa oferecer que contemple o projeto construído com cada criança e cada família.

100

Rematriamento

A terceira fase, de rematriamento, é focada na comunidade de origem, no

O trabalho de inclusão torna-se fundamental. A rede deve trabalhar para a construção de um circuito de sociabilidade de qualidade, alternativo à rua, que ofereça possibilidades de expressão da subjetividade e de criação de vínculos afetivos e de interesses, gerando a experiência de pertencer e ter projetos, pensar sobre as escolhas, ampliar os repertórios c­ulturais. O atendimento à família é frequente, possibilitando o acolhimento de retorno e o trabalho sobre os motivos que tornaram a rua um espaço de refúgio. Muitas vezes é preciso apoiar também a escola e os professores, que ficam paralisados diante de tantas demandas de alunos e familiares e não conseguem colaborar como poderiam.

A rede, formada por diversos atores, deve trabalhar para a construção de um circuito de sociabilidade de qualidade, alternativo à rua, que ofereça possibilidades para expressão da subjetividade, proteção e criação de vínculos afetivos e facilite o acesso aos recursos sociais, de forma a gerar, com essa experiência, o sentimento de pertencer, participar, ser pertinente e protagonista de pequenos projetos, até da vida; pensar sobre as escolhas, ampliar os repertórios culturais.

101


a alma quixotesca

102


acolhimento

104


escuta escuta Essa

questão

é

revisitada

e

refletida diariamente pela equipe. Há

uma

preocupação

verdadeira

dos profissionais com os novos que chegam, de garantir que entendam e vivam um pouco o acolhimento no Quixote. Trata-se de uma disposição institucional – ela pode ser coletiva, pode ser individual, mas tem que acontecer. Pensando no diálogo, na mediação e na

“A primeira noção a delimitar quando falamos de acolhimento é a de função. O acolhimento não é um lugar (como um dispensário, uma consulta, mesmo se nós o chamamos de acolhimento), tampouco é um primeiro momento de encontro, um gesto único, a tarefa de uma pessoa determinada. O acolhimento é uma função operante (uma produção ou, ainda, uma capacidade) da instituição. É uma ‘secreção’ institucional permanente.” [Parada, 2003]

disponibilidade como elementos essenciais ao acolhimento, temos que entender também o diálogo além de uma conversa, de fato como uma escuta. Estar atento ao que é falado, a um gesto e a uma palavra é algo que pode gerar múltiplos significados e interpretações.

mediação, por sua vez, é buscar um interesse em comum, o interesse de fazer algo junto nesse encontro.

O diálogo, a mediação e a disponibilidade

disponibilidade está relacionada com o desejo ou a angústia do profissional.

A gente entende o acolhimento como uma função operante, que está na

que a gente sente. O profissional tenta encontrar um sentido naquela

essência de tudo o que fazemos e que tem como base o diálogo, a mediação e a disponibilidade. Chegar a algum lugar e se sentir acolhido faz toda a diferença. Então, a equipe tem que estar muito presente e ser bastante

Na realidade, não tem como a gente estar disponível sem sentir as coisas relação, porque, se a gente não vê sentido de estar junto com os jovens, torna-se muito difícil estar disponível.

“A disponibilidade e o acolhimento não são uma conduta, mas uma disposição institucional, coletiva e individual.” [Parada, 2003]

[Aline Vasconcelos]

sensível a isso, para que de fato o Quixote seja um lugar acolhedor.

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O acolhimento se dá em determinados momentos mais formais, como uma consulta ou um atendimento, mas também se dá de um jeito bastante informal nos corredores, na hora do lanche, na entrada, numa brincadeira

espontânea. É a vida que a instituição tem: pulsa mesmo, o tempo todo. O ambiente é feito exatamente pelas pessoas que estão nele, então é importantíssimo estar sensível a isso e pensar sobre essas questões.

[Aline Vasconcelos]

“Para escutar, é necessário em primeiro lugar disponibilidade, sim, mas só isso não é suficiente. É preciso também levar em conta um gesto ou palavras que podem ser consideradas de uma maneira múltipla, não monolítica. Quando o nível de vigilância dos atendentes baixa, o que temos a dizer de um paciente se empobrece: ‘É chato’, ‘é muito simpático’, ‘é perverso, grave’ e banalidades do gênero, todas expressões que criam um impasse e não nos fazem avançar.” [Parada, 2003]

De acordo com Parada (2003), a atmosfera é uma das características mais complexas de uma instituição. O que faz com que nos apresentemos ou nos comportemos de determinada forma conforme os ambientes? Uma primeira pista seria que nossa reação dependerá muito da maneira como somos tratados (ou acolhidos) e pela maneira como os locais são tratados. O ambiente em uma instituição de tratamento se cria em função da maneira pela qual os atendentes investem em seu trabalho. Uma estratégia importante é pensar o que vai fazer diferença para eles nesse encontro, nesse acolhimento, nesse lugar, e tentar proporcionar

“Podemos definir disponibilidade como a simples possibilidade de dirigir-se a (ou de ser abordado por) alguém para dizer (ou fazer) alguma coisa. Se nos autorizamos ou não, se temos vontade ou não de nos dirigirmos a alguém e, sobretudo, o que dirigimos (violência, confidência etc.) a outro, isso depende de nosso estado atual e do ambiente do acolhimento. Aqui a disponibilidade é um componente-chave.” [Parada, 2003]

um ambiente que não é o lugar conhecido, que não é um lugar que já foi vivido, experimentado. É tentar proporcionar outra história. Aquele encontro mágico que de repente se dá, simplesmente por eu es-

tar disponível e ouvir, ouvir os múltiplos sentidos do que acontece ali. E quando há o encontro, o vínculo e o acolhimento, as potencialidades e as necessidades aparecem.

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DIÁLOGO, MEDIAÇÃO E DISPONIBILIDADE PARA O ACOLHIMENTO Para ser vigilante, é necessário antes encontrar um interesse no outro. Caso contrário, nós adormecemos e a demanda torna-se inaudível. [Parada, 2003]

Armada do senso comum, nossa vigilância se esgota, e se esgota ainda mais rapidamente quando, no dia a dia, marginalizamos os loucos, os drogados ou outros que se desviam do “bom senso”. A escuta muda conforme nosso papel, porque não nos dirigem as mesmas coisas nem da mesma maneira.

Não é difícil ver uma criança com um comportamento na escola, outro comportamento no abrigo, em casa ou em uma ONG ou uma instituição. Isso depende de como aquele lugar de fato cuidou da criança, a olhou e a acolheu.

Cuidar do ambiente de um estabelecimento não se resume, então, na boa manutenção dos locais, à preocupação com uma decoração simpática ou a angariar sorrisos. [Parada, 2003]

[Parada, 2003]

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No Quixote, o acolhimento está em toda parte.

o ambiente é feito pelas pessoas que estão lá. Nossa assinatura,

Uma

“UMA OUTRA HISTÓRIA”,

atmosfera de acolhimento

assume que a ideia é transformar,

gera vínculos que possibilitam

O acolhimento

de preferência para melhor. O Quixote

Quando há

é a oficina, o lugar de

é uma usina que o tempo todo gera coisas

o encontro,

“deixar pousar”, o lugar da escuta,

novas. É muito intenso e acaba gerando

o vínculo e o acolhimento,

o lugar de formação do vínculo,

resíduos também. Todos se transformam:

E isso é muito importante,

as potencialidades

de conhecer a casa, conhecer todos.

as crianças, suas famílias e

ter um lugar de referência: o vínculo.

e as necessidades aparecem.

O vínculo se faz confiança.

as pessoas que trabalham no Quixote.

uma comunicação verdadeira. Aquilo que toca o outro, que faz o outro pensar em si.

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a arte para transformar Apostando na arte, na educação e na saúde como formas de aproximação e vínculo, o Projeto Quixote busca construir alternativas eficientes para os desafios cotidianos da vida de crianças e adolescentes – como a violência, o abandono, a falta de referências e o abuso de drogas –, por meio de oficinas artísticas e estratégias clínicas e sociais, em que criatividade, afeto e expressão caminham sempre juntos.

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O legado de Miguel de Cervantes

As artes emergem no Quixote não só cumprindo um papel terapêutico nos processos das atividades, ou como interlocutora para o trabalho do clínico-terapeuta. Ela é potência e cultura empírica emanante dos próprios jovens e das crianças que as realizam, canalizada sob a orientação dos profissionais educadores da arte.

foi forjar na alma da humanidade, com ferro em brasa, um ethos.

Por serem realizadas em uma dinâmica tridimensional, em vista de cada “ser” em sua plenitude, as artes também podem ser observadas com uma visão pautada na redução de danos. A atividade realizada em oficinas é acompanhada por um profissional clínico-psicólogo, e um técnico social e é proposta por um educador-artista em dupla de um educador-pedagogo.

Caminhando num fio da navalha entre o sublime e o ridículo,

A arte e seus processos e procedimentos artísticos com propósito poético difere-se da visão contida na arteterapia, mas também é terapêutica: acalma, organiza, extrai os mais profundos sentimentos da alma, pode transformar dores em forma, cores, possibilita dizer e expressar-se, não só através da linguagem oral ou escrita. Pode ser plástica, física, mental e reflexiva. De maneira geral, poderíamos dizer que ela multiplica as possibilidades de comunicação e reflexão do “ser”.

mostrou que cada um de nós escreve sua própria história. Nem anjo nem demônio. Simplesmente humano. [Auro Lescher] grafite Felipe Risada

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[Otavio Fabro Boemer]

Nem herói nem anti-herói.

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As referências fundamentais do Quixote são pessoas, ideias, visões de mundo, experiências pregressas, experiências futuras, sonhadas e trabalhadas para que virem realidade. A

A arte evidencia a necessidade de expansão. A riqueza visual, onírica, lírica e poética presente nas práticas diárias do Quixote produz os mais diversos efeitos sociais. A experimentação artística de diferentes linguagens, como o rap, a dança, o teatro e o grafite, promove o acesso à cultura, a troca e o direito à cidade. [Raphael Gomes]

arte pelo simples fato de talvez falarmos do Projeto Quixote, e Quixote ser produto

da alma criativa de um artista que foi o Cervantes, isso nos mostra que as artes são fundamentais.

[Auro Lescher]

Às vezes, o adolescente chega muito fechado e não se interessa por nada. Quando começa a ver tintas, papéis, cores, ele vai se mostrando, vai abrindo um campo interno de capacidades. O desenho dele foi visto por várias pessoas, a gente fez um quadro... E isso vai dando outro sentido para a vida do adolescente. [Zilda Ferré]

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a grande caixa lĂşdica

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Somos uma grande caixa lúdica

O Quixote foi uma casa em que me deram uma chance para mostrar o que sei fazer e passar adiante. Digamos que o Quixote é uma lousa, e eu sou o giz. Ou o Quixote é uma caixa lúdica, e eu sou um dos brinquedos lá dentro, que as pessoas vão manipular, curtir, brincar – as pessoas vão me pegar e vão fazer uso para o bem. [Tcheba]

O atendimento começa na recepção, passa por grupos, entrevistas, lanche, almoço, corredor e continua depois que a atividade termina, até a hora de ir embora. Todos os espaços e os momentos no Projeto Quixote são considerados encontros potenciais em que o atendimento ocorre. Não é necessário ter um horário marcado nem estar em uma sala de atendimento. A interação ocorre também nesses settings.

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124

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on

O Quixote, com esse jeitão do colorido, da alegria, já torna o ambiente acolhedor desde a entrada. A casa toda é decorada com grafites, com obras de arte. Então, essa chegada já torna o ambiente diferente e favorece muito o trabalho. Faz com que os jovens queiram retornar, com que os familiares queiram voltar. [Isabel Ferreira]

vivê

nc

“oiting”, neologismo que busca dar conta do sentido de flexibilidade; a escuta no corredor, a valorização do espontâneo. E o que melhor define a configuração do espaço é um

uma Superfície de

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eu tenho autorização para tomar vento... Neiara ouviu essa fala de uma criança de cerca de seis anos que, sentada numa cadeira, de frente para janela, olhava o jardim do entorno da sala do Projeto Quixote e levantou uma reflexão: um lugar em que me autorizo a sentir o vento no rosto, no corpo, é um lugar receptivo, que protege e cuida da vida. Essa sensação dá à criança um lugar de pertencimento. A maternagem que exercemos cria um refúgio, um lugar em que posso expressar o sofrimento, mas também a alegria e a confiança – algo quase sagrado. Aqui emerge a maestria da infância que, na espontaneidade e na liberdade, expressa e define tempo, espaço, sensibilidade e inaugura com imaginação um universo simbólico misterioso. Nosso espaço brincante, livre como ele só, possibilita à criança entrar em contato com materiais como papelão, caixa, caixote de materiais reciclados, tecido, pneu, escorregar no morro, e há outros espaços na casa, como brinquedoteca, balança, escorregador, ateliê, uma caixa-casa de brincadeiras e aprendizagens; além disso, quando a criança se apropria do lugar, outros espaços brotam de sua imaginação. À medida que exercemos essa maternagem, um laço continente e vinculador surge, e, dessa linguagem universal do brincar, nasce a construção de pequenos elos que formam uma cadeia afetiva que sustenta o contato. Essas reflexões se formam a partir de uma observação e uma escuta do educador num contato corpo a corpo, alma a alma.

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À medida que exercemos essa maternagem, um laço continente e vinculador surge, e, dessa linguagem universal do brincar, nasce a construção de pequenos elos que formam uma cadeia afetiva que sustenta o contato. Essas reflexões se formam a partir de uma observação e uma escuta do educador num contato corpo a corpo, alma a alma.

O espaço brincante quixotesco é libertador

, para se aninhar, descansar, ficar quieto, ficar sozinho, se livrar de adultos/familiares que muitas vezes o agridem, por vezes o acolhem. O ambiente favorece a parceria e o convívio entre grandes e pequenos; são diferentes idades conectadas nas experiências significativas dos afetos presentes. Valorizam-se atitudes de empatia em situações em que os maiores estão com os pequenos, na esperança de que a solidariedade e a colaboração entre colegas ajudem a resolver conflitos. É sempre viva a importância do brincar e presente o significado rico do espaço experienciado pelas crianças. Privilegiamos esses ambientes de vinculação porque eles são vitais para a expressão do sujeito.

[Zilda Ferré]

onde as brincadeiras acontecem é onde as experiências vividas precisam ser boas e positivas. 127


Para lidar com a violência sem sucumbir, é preciso fazer a roda girar, coletivamente, e dar sentidos, escrever novas histórias. Lamentar, reclamar, negociar, rever. Enfim, é necessário falar sobre isso. A linguagem artística, em todas as suas formas, ou a linguagem verbal iluminam as vivências que oprimem, calam e geram sofrimento e conflitos.

Toda a estrutura de atendimento se dá por meio de oportunidades de estar em grupo nas oficinas, nos corredores, no refeitório. Vivemos em grupos na família, na escola, na comunidade.

Nesse processo, o melhor caminho é estimular a palavra, não deixar passar em branco as situações cotidianas que causam conflito nos grupos. Poder falar sobre o que nos aflige transforma as narrativas e indica caminhos.

A roda, o coletivo A violência está presente de várias formas e acaba sendo vivida e manejada por uma equipe. Seja simplesmente porque vivemos na cidade, seja porque lidamos com histórias atravessadas por situações-limite, ou porque nossas intervenções lidam com a exclusão, com a subjetividade ou

Valorizamos os espaços coletivos de troca como ferramentas fundamentais para o trabalho com crianças e adolescentes com vistas à inclusão, ao protagonismo e ao pertencimento. Expor ideias, ouvir o outro, refletir, concordar, discutir. No Quixote, há também espaços individuais que compõem a estratégia para os cuidados mais próximos. Quem chega logo percebe isso, pois, mesmo com uma demanda tão particular, em pouco tempo se está em um grupo de acolhimento.

porque a sustentação do trabalho coloca em jogo o crédito de um processo, de uma equipe, de uma comunidade, de uma aposta em crianças e jovens que já perderam alguns investimentos.

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É uma marca da Casa: o coletivo 129


Além das vivências espontâneas nos espaços grupais, o Projeto Quixote criou dispositivos institucionais para estimular o falar coletivo. Além das oficinas, então, surgiram o espaço da roda e o da roda-gigante.

Integrando os que chegam

A roda sempre acontece no começo do grupo: é quando se dá a apresentação dos meninos que chegam, dos meninos novos. Os integrantes do grupo contam o que fazem e por que que estão lá.

Para além de um começo de conversa

A gente entende que uns acolhem os outros também, é muito legal; quando a gente vê a criança ou o adolescente se aproximar daquele colega novo. E aí o grupo se torna muito mais interessante.

A ideia da roda aparece desde o início do projeto, há mais de vinte anos. Surge como instrumento finalizador de todo um contexto desenvolvido nas oficinas em determinado período. É o momento em que se faz um fechamento de tudo o que ocorre na oficina, quando as crianças e os adolescentes se pensam e se repensam, buscam um sentido diante do que fora apresentado. Acrescentam-se, subtraem-se, questionam, reivindicam, exercitam seu direito de pensar, refletir sobre muitos insights. Muitos acabam por se perceber, e o sentido se faz presente, aquele exercício do pensar absorve e ao mesmo tempo dá contorno às situações vivenciadas. Interessante notar o discurso coletivo e o Eu singular que se cria e que acaba por imperar. A roda se torna espelho, espelho de nossas reflexões, espelho coletivo e singular, e seu efeito sutil e discreto permanece marcado em todos aqueles que lá estiveram em seu tempo e em sua prosa.

A roda simboliza uma finalização do encontro, mas também aquela expectativa da volta para aquele lugar, na semana seguinte, do retorno àquele grupo. Então, ela é essencial. É um espaço de expressão em que

crianças e adolescentes vão falar como viveram o grupo e o que querem viver naquele grupo. Todos os grupos, não somente os de acolhimento, têm o mesmo tipo de organização, começando e finalizando com a roda.

[Aline Vasconcelos]

[Rafik Chacur]

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A roda-gigante Um nome inspirado nas nossas rodas de conversas ao fim dos grupos e das oficinas, momento em que a palavra circula com o mesmo peso entre os diversos atores envolvidos. O Quixote cresceu, e seu crescimento esteve relacionado ao número de pessoas atendidas e de atendentes – todos os colaboradores são atendentes, direta ou indiretamente – e, com isso, à necessidade de criar espaços de conversas, críticas e sugestões, institucionais, horizontais e coletivas. Então, resolvemos fazer uma das coisas que fazemos bem, que é juntar e somar. Unimos a demanda interna que veio com o crescimento institucional e a demanda externa da política do SUS e criamos a roda-gigante, partindo de um exercício que já fazíamos em nosso cotidiano. Roda-gigante é um espaço itinerante dentro do Quixote. A casa inteira faz

uma pausa para compor essa roda, que é grande e que gira em todos os sentidos. Sempre há uma lista de pautas, que são discutidas uma a uma, e ao fim são pensados os encaminhamentos.

[Andressa Modolo dos santos]

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A roda-gigante é um dispositivo de acolhimento institucional para a equipe, educadores, mães, crianças e jovens, no qual conversamos sobre nossa vida em comum, com pautas. A cada roda-gigante, que acontece periodicamente, tentamos juntar essa caixa lúdica quixotesca. Os grupos de acolhimento são os tijolinhos que a gente usa, mecanismos coletivos que vão buscar entender, ouvir de verdade, não julgar. A partir disso, a gente cria um campo de troca muito favorável. [Auro Lescher]

” “ ” “

A Miniequipe é outro coletivo fundamental do fazer do Quixote.

Entendo a miniequipe como um grupo precioso, em que as pessoas que trabalharam nas oficinas, nos atendimentos individuais/coletivos, com crianças, adolescentes, jovens e famílias, compartilham diariamente vivências, angústias... [Inês Rondello]

A miniequipe proporciona aos educadores a troca de saberes/fazeres/experiência e possibilita que algo nos passe algo ou nos toque, algo que nos faz pensar o menino ou a menina, olhar e escutar o outro. A miniequipe é lugar, é forma, é a arte de cultivar o encontro diário das pessoas que colaboram com o fazer quixotiano. [Zilda Ferré]

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OLHAR TRIDIMENSIONAL

O olhar tridimensional, múltiplo, permite que a criança e o adolescente sejam acolhidos sem o foco na queixa inicial nem no sintoma motivador da ida ao Quixote. A estratégia gera uma perspectiva mais oblíqua e global, permitindo, ao mesmo tempo, um olhar individual sobre cada criança e adolescente e um olhar amplo para o coletivo.


Diante das complexas situações apresentadas pelas crianças, pelos jovens e pelas famílias, desenvolvemos um olhar que busca sempre integrar as perspectivas clínica, pedagógica e social durante as atividades oferecidas, independentemente dos programas, dos projetos ou das fases do atendimento. Olhamos em três dimensões a fim de conhecer necessidades, anseios e potências e de dar volume e profundidade a nossas ações. O atendimento foi organizado em oficinas lúdicas e pedagógicas, com a presença da arte atrelada a um suporte clínico e social, criando uma superfície ético-estética em que afetos, vínculos, demandas e desejos podem circular. Esses olhares atravessam toda a estrutura de serviços e projetos, que são integrados e organizados em fases e programas. As fases são momentos do atendimento, nem sempre sequenciais: acolhimento, casa e mundão. Os programas integram as ações de projetos e serviços de forma transversal: o pedagógico, o clínico, o família, o mundo do trabalho e o refugiados urbanos.

olhar pedagógico

olhar social

olhar Clínico

O olhar pedagógico presta atenção ao desenvolvimento de saberes, habilidades, capacidades, talentos, projetos; ao fazer, conviver, expressar-se, para o conhecimento formal e informal e a valorização de todas essas produções e todos esses processos. A casa toda é organizada como um ambiente de aprendizagem – nos cantos, nas oficinas, na brinquedoteca, na biblioteca. O espaço é brincante, como uma grande caixa lúdica em que a arte está sempre presente. Brincar, experimentar e aprender, saber de si, do outro e do mundo.

O olhar social se preocupa com a realidade social e comunitária de cada família, com os direitos, os benefícios, a sociabilidade, o contexto dos recursos da rede e a articulação de tudo isso.

O olhar clínico é a escuta e o cuidado da subjetividade, das fantasias, dos medos, das angústias e dos desejos, dos sintomas e das demandas. Eles têm dores, sofrimentos e precisam tratar disso. Há casos de transtornos psíquicos – alguns decorrentes do uso indevido de drogas, outros das situações de violência sofrida –, há problemas de aprendizagem e outras questões de saúde mental.

O olhar do educador perpassa todas as atividades, independentemente de o profissional ser um médico, um oficineiro, um recepcionista etc. Consideramos que o educador tem um olhar tridimensional, que inclui a subjetividade, o social e a aprendizagem.

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olhar Clínico

A clínica no Projeto Quixote A prática clínica no projeto se desenvolve por dois eixos: o atendimento individual e o atendimento em grupo. O público contempla crianças e adolescentes. A escuta e a compreensão do sofrimento da população atendida se ­desenvolvem na convivência mediada por atividades lúdicas e de ­expressão

criativa e esportiva. Também ocorre por meio de atividades de mobilização social para discutir o coletivo da comunidade, para enfrentar os ­conflitos e as transgressões que se apresentam na convivência. A experiência da convivência com a população atendida pode ser

O olhar clínico estaria mais voltado a constituição do sujeito, alguém sub-

compreendida como um setting terapêutico ampliado, porque ocorre nos

metido a uma sujeição, a linguagem que o constitui com leis, regras e

grupos, nas oficinas, nas salas de atendimento, nas ruas, nas festas e nos

normas. A constituição do sujeito implica a maneira como seu subjetivo

eventos de que o Projeto Quixote participa.

maneira de ocupar e firmar uma posição, um lugar. É por meio do que se fala e do que ouvimos daquilo que falamos que a ordem dessa constituição encontra na fala e na linguagem seu lugar.

profissional consegue ler, nas atitudes apresentadas pelas crianças e pelos adolescentes, a atualização crônica do sintoma (repetir a história de violência, abandono e ruptura) na instituição e o potencial criativo para

O dia a dia de uma escuta nesse sentido clínico implica um acompanha-

experimentar uma experiência diferente de si mesmo e do outro – seja no

mento constante dos conteúdos, que alcançam significado não somente

próprio ato do brincar, de descobrir o sabor do protagonismo ao ter sua

no registro de uma linguagem, mas naquilo que ficou inscrito na formação

visão validada numa construção feita em grupo, seja num gesto de supe-

do Eu. A palavra, quando portadora de um sentimento que outrora estava

ração em atividades esportivas.

perdido, encontra seu lugar, e os diversos mecanismos que utilizamos como forma de manifestação acabam por esvaziar-se. Assim pensamos a clínica de nossos pais, crianças e adolescentes.

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O lugar do terapêutico se desenvolve na relação e na maneira como o

interage com o mundo exterior, suas várias formas de se expressar, sua

[Rafik Chakur]

[Cláudio Loureiro ]

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A clínica também tem uma função de suporte para casos mais delicados, em que crianças ou adolescentes apresentam um comportamento que necessita de maior contorno, continência. Há momentos em que a figura do terapeuta desenvolve essa atividade entrando no grupo junto com o jovem atendido; há momentos em que o corpo a corpo se desenvolve em todo o espaço do Quixote, tendo como analogia o fato de o espaço se apresentar como uma grande caixa lúdica. A obliquidade é um recurso metodológico de intervenção diante das manifestações de sofrimento que se apresentam. É um desvio, uma mudança de perspectiva que só pode efetivamente ser bem utilizada quando o terapeuta tem muita precisão na compreensão do caso; quando isso não ocorre, tal recurso tem o delicado ônus de ser uma atuação contratransferencial do terapeuta, que vê dificuldades para lidar com o atendimento. Mesmo quando isso ocorre, a reflexão e o exercício de perceber a atmosfera transferencial do caso são determinantes para o curso efetivo da clínica. A construção das estratégias da clínica só pode ser mais bem apurada por meio da discussão dos casos nas supervisões, nas reuniões de miniequipes e no empenho do profissional em utilizar os recursos teóricos da visão psicodinâmica para desenvolver uma leitura do fenômeno transferencial

e apresentar a atitude terapêutica pertinente.

Podemos dizer que o fazer clínico no Projeto Quixote não privilegia apenas os sintomas psicopatológicos, mas deixa esse elemento ao lado da busca dos potenciais criativos que todo jovem traz em si, com maior intensidade, para transformar e se descobrir diferente e mesmo ao conviver com as possíveis limitações, experimentar uma relação mais vivificante com o outro, seja no grupo de pares nas atividades, seja com os membros da equipe, a família ou outras pessoas de fora do Projeto Quixote.

[Cláudio Loureiro]

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O trabalho e a convivência na clínica com essas crianças e esses adolescentes é uma constante troca – troca de energia de que elas precisam quando chegam feridas pelas violências que sofrem em decorrência da vulnerabilidade social em que vivem. Quando podem, eles devolvem a energia investida por você. E trocas de sabedorias, de experiências... [João Vitor Gomes Aquino]

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Quando chega uma pessoa com uma demanda de tratamento ou com uma dor psíquica, nós a acolhemos individualmente, no Acolhimento, lugar do deixar pousar, da escuta da subjetividade. A criança pode ter sido encaminhada por uso de drogas, sim, mas o problema pode ser outro, como violência doméstica ou transtorno de ordem cognitiva; o sofrimento às vezes é diferente. O olhar clínico no Projeto Quixote está presente na escuta atenta das questões de saúde e saúde mental das crianças, dos adolescentes e de familiares atendidos. Escutamos essa subjetividade e, a partir daí, criamos um projeto terapêutico singular, que pode contemplar uma avaliação clínica e uma avaliação psiquiátrica. Dificilmente as crianças e os jovens trilham o mesmo caminho, porque cada um é um. Não são todos que fazem capoeira ou break nem que precisam de uma avaliação psiquiátrica. Para isso, temos uma variedade de escolhas dentro do programa clínico e contamos com vários profissionais para dar conta do processo. Parte da equipe está organizada em um serviço vinculado à política pública de saúde

e executa um Caps* AD IJ, com atendimentos específicos em pedagogia, psicologia, psiquiatria, clínica geral, serviço social, fonoaudiologia, terapia ocupacional, enfermagem e farmácia, além de oficinas. Os atendimentos estão integrados com outras frentes pedagógicas e sociais. Outra parte está vinculada a um serviço psicossocial da política de assistência psicossocial e executa um SPVV** com atendimentos para vítimas de abuso sexual e violência física, psíquica.

[Cecília Motta]

* Caps – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Infanto Juvenil ** SPVV – Serviço de Proteção Social às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência

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projeto terapêutico

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que foi preso; se você conseguiu entrar para a história daquela pessoa, ela volta, ela vem dar notícia. Ela cria uma relação com o Projeto Quixote – com as pessoas e também com a instituição. Às vezes quem atendeu não está mais aqui, mas o atendido ainda procura o projeto, vê o nome em algum lugar, acha na internet e volta, porque algo deixou uma marca, um vínculo, que é na verdade o principal instrumento de trabalho que a gente tem.

O vínculo é o que me autoriza a cuidar.

Uma das características marcantes do Quixote é o olhar clínico que ele dá para as questões, os casos e as situações sociais, um olhar que considera cada sujeito como único e complexo. O trabalho desenvolvido com

O vínculo que eu desenvolvo com a criança e com a família é o que vai me

cada pessoa tem essa característica de ser único e complexo. Dar conta

autorizar a cuidar. O vínculo autoriza o cuidado, autoriza a bronca, autori-

de algumas sutilezas e chegar perto do sofrimento intenso de gente que

za o não, autoriza o sim. A partir dessa função do vínculo, a gente constrói o resto. Se ele não me autorizar a cuidar, eu não consigo cuidar, mesmo

requer cuidado, uma estratégia específica e complexa que precisa de tempo

para ser trabalhada. O que aprendi ao longo do tempo foi que, se você investe em um caso, ele responde proporcionalmente ao investimento. Se você tem um caso complexo e investe pouco, ele vai responder pouco. Se você tem um caso complexo, desenvolve uma estratégia adequada e investe bastante, ele vai responder na mesma proporção. Alguns casos a gente acompanha por longos anos – às vezes o sujeito completa dezoito anos e continua vindo aqui para dar um alô, dizer que está bem, que está muito mal ou

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foi abandonada, violentada, negligenciada, que está muito machucada,

estratégia específica e com

que a pessoa precise. Eu tenho que estar autorizado. Quando a gente trata, por exemplo, de crianças em situação de rua, isso fica mais fácil de

perceber, porque elas romperam com todo mundo, com a família, com o bairro, com várias coisas, com estruturas sociais de que participava,

como a escola, e foram para a rua. Então, passar a confiar em alguém de novo e deixar que aquela pessoa se aproxime e tente cuidar é um desafio.

[Bruno Rocha]

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Tem uma frase, não me lembro de quem, mas que é uma metáfora que diz que “você se propor a olhar uma questão complexa, de maneira positivista muito objetiva, é como você eleger o microscópio para tentar olhar o universo”. Então, você foca em uma coisa muito pequenininha para tentar dar conta de uma imensidão infinita. A estratégia é não cometer esse erro de reduzir a um problema único. Normalmente, os casos chegam aqui com um pedido de atenção específico; por exemplo, a escola diz que

O Educador terapêutico (ET) Um diferencial clínico, criado pelo Quixote, foi se inspirar na lógica do acompanhamento terapêutico (AT), que surgiu com a mudança nos hospitais psiquiátricos quando os tratamentos em saúde mental não podiam mais encarcerar as pessoas e o desafio era estar com elas no mundo.

esse menino tem um problema de aprendizado. Quando você entra na

O educador terapêutico, educador tridimensional, nasce para fazer um

história, pode descobrir, além desse problema, uma trajetória de aban-

acompanhamento próximo, no mundo, não em salas nem em hospitais; o

dono, de ter morado muitos anos fora de São Paulo e só ter conhecido a

público é formado por crianças e adolescentes em situações de vulnera-

mãe com onze ou doze anos, adolescendo. Foi quando o sujeito começou

bilidade, que correm alto risco nas ruas da cidade.

Esse é o olhar diferenciado, tridimensional, sem ficar preso à queixa que motivou a busca do atendimento; dar atenção à parte social ­daquele caso, além de levar em consideração a parte clínica e pedagógica. ­Muitas vezes, uma coisa ruim que levou o sujeito para o serviço pode ser a ­salvação dele, pode ser o jeito de ele pedir o socorro de que precisava.

Você propõe a um menino uma ida ao edifício Martinelli para olhar o cen-

a ter dificuldades na escola. A coisa nunca se dá de maneira isolada.

tro da cidade de cima e, no caminho, descobre histórias. De lá do alto, o menino aponta para que lado da cidade ele mora, conta o nome de uma escola, e isso ajuda você a localizar a família e fazer uma visita lá; na volta para a rua, ele ainda mostra uma foto com a mãe na porta de casa. Isso é capaz de mobilizar uma ligação de alguém que não fala com a família há meses! É um trabalho muito complexo, um trabalho de cirurgião.

olhar diferenciado, trid 146

[Bruno Rocha]

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Olhar pedagógico

“O Quixote é um espaço alternativo às situações de vulnerabilidade, e o pedagógico busca desenvolver habilidades que muitas vezes a criança não tem por falta de vivência. Muitas das crianças não frequentam escola ou educação infantil formal, e várias saíram de casa muito cedo, com doze anos, já estão nas ruas há dois, três anos. Esse espaço pedagógico vai de encontro a essas questões de que a escola não dá conta – e não porque ela não quer dar conta, mas porque ela não sabe negligência muito grande; aliás, os pais são negligenciados, portanto a criança

como fazer. Essa criança vive violência em casa, tem uma falta, passa por uma entra na roda. A partir disso, trabalhamos aqui para que essas coisas comecem a mudar, ofertando a arte, um caminho para alegrar-se, para brincar, para sentir-se feliz, para experienciar. Por isso, oferecemos às crianças um leque

O trabalho pedagógico no Projeto Quixote vem com uma proposta voltada e

de possibilidades, desde artes plásticas, expressão corporal, capoeira, esportes,

vinculada à questão da arte, porque a gente desde sempre entendeu que a

e elas vão fazendo escolhas, elas aprendem a escolher.

criança ou o adolescente em situação de risco ou de uso de drogas precisava

de outra coisa que fosse importante para que a droga e a rua deixassem de ser o foco e, assim, outro espaço se tornasse central em sua vida.

[Zilda Ferré]

A criança chega muito desconfiada, afinal, não entende por que começaram a, de repente, tratá-la bem. Ela às vezes não se sente merecedora, ela sempre se acha culpada de dar tudo errado. Até adquirir confiança, demora um tempo, e esse é o desafio da gente com o trabalho pedagógico, propondo, oferecendo. Naquele momento, a criança pode não se desenvolver como ela gostaria, mas posteriormente ela vai apreciar e vai gostar do que faz. A gente vem trabalhando em uma vertente que chamamos de “obliquidade”; são caminhos que a gente vai construindo, esse jeito de estar no mundo com a criança, esse trajeto em que ela vai se sentindo protagonista, ela vai construindo junto.

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Meu sonho... Que a criança chegue ao Quixote não para ser tratada, mas para brincar, fazer arte, correr, tomar lanche junto.

Sempre digo que desfazer ou estragar algo na infância é um processo

[Zilda ferré]

As atividades são compostas de oficinas de artes plásticas, que chama-

não ter mais crianças na rua, com tantas dores. que haja uma infância mais cuidada. Esse é o meu grande sonho.

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muito rápido e muito fácil. Agora, recuperar é como tecer um fiozinho de seda – é de uma delicadeza, uma sutileza, implica carinho, afeto, que hoje está tão perdido, a questão do amor… Amor humano, é estar perto do outro, estar na presença do outro. Acho que é um privilégio para a gente que trabalha aqui receber uma criança, poder estar com ela e presenciar sua mudança, vivenciar sua construção, uma outra história, um outro caminho, uma família um pouco mais organizada, com desejos.

mos de oficina lúdica, com jogos, brincadeiras, culinária e afins, tudo de acordo com uma agenda construída com as crianças. A arte está presente o tempo todo, nas oficinas de criatividade, de grafite, teatro, música, contação de história... Temos também a oficina de dança, com o Tcheba, que é uma delícia, tem até mães participando; há oficina de karatê, capoeira, esporte e a brinquedoteca; criou-se o grupo de experimentação, que é mais terapêutico, para meninos com dificuldades muito grandes de estar com outros. Ainda fazemos todas as oficinas voltadas para o mundo do trabalho, como informática, comunicação e empreendedorismo. São diversas atividades, que mudam conforme os interesses da equipe, das crianças e dos adolescentes.”

o h n o S e d n a

151


O educador dos novos tempos

C

onsiderando as crianças e os adolescentes como cidadãos de direito que participam ativamente da sociedade e da construção do seu conhecimento, cabe ao educador ter clareza de que as experiências anteriores, as histórias e a realidade social das crianças e dos adolescentes são o ponto de partida para a construção do trabalho

coletivo. Nessa perspectiva, o professor/educador deve ter clara a tarefa de

nessa mediação que entra o educador com sua competência. Como afirma Paulo Freire (l982), “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, o homem se educa em comunhão”. Nessa comunhão educador/educando, saberes significativos. Nesse sentido, o lugar onde age, fala, vê, escuta, pensa e sente o educador é um lugar onde se pode ir ao encontro dos aprendentes, exercitando a aprendizagem no campo da coautoria ou “desencontrando-se”, na sua alteridade. Portanto, o ensinar pode prestar-se a uma recriação do mundo das crianças

objetivo identificar e mapear habilidades, saberes, competências, conquistas

e dos adolescentes a partir de símbolos de sua cultura (anseios, regras de

e problemas. Além disso, há necessidade de transformar esse mapeamento

comportamento, crenças, medos, sonhos, desejos), dentro de uma prática

num precioso recurso de diagnóstico, entendendo que as crianças e os

de inserção e de apropriação do ser, ou pode prestar-se a um exercício de

adolescentes precisam de tempo para exercitar suas competências e interagir

alienação. Portanto, a ação pedagógica não deve estar a serviço apenas

com o conhecimento, uma vez que a aprendizagem é de natureza processual.

dos processos lógicos e intelectuais, ela deve estar profundamente anco-

No entanto, não se passa de uma situação de “não saber” para uma de “saber

rada no afetivo e no social. Daí a importância de o educador estar apoiado

tudo”, mas se faz um percurso de idas e vindas.

em um marco teórico que norteie a sua prática.

dizagem que englobe, além dos aspectos científicos, os aspectos culturais, em especial a dimensão humana propriamente dita, em um contexto de resistência às condições adversas. Nessa perspectiva, poderíamos apontar que o educador/ensinante possui de fato um papel simbólico, o de “ensinar” por meio das linguagens (da fala, da palavra, da música, da dança, do desenho, do jogo etc.), mas também por meio das atitudes, de sua postura frente aos eventos da vida, que estabelecem em si o distanciamento entre um indivíduo

Como afirma Paulo Freire (l982), “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, o homem se educa em comunhão”.

pode-se viver e saborear a alegria do diálogo, da conversa, da construção de

respeitar saberes trazidos por esses meninos e essas meninas e ter como

O educador deve pensar o “fazer pedagógico” dentro de um espaço de apren-

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e o outro, capaz de proporcionar sua inserção no mundo. É nesse espaço,

o d n u m o d recriação s a ç n a i r das c s e t n e sc e l os ado

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Na troca e na prática reflexiva, aprendemos a ler, construindo novas hipóteses na interação com o outro. Aprendemos a refletir, e refletir é libertador, porque instrumentaliza o educador no que ele tem de mais vital: o pensar, que ajuda a estruturar hipóteses na interação e na troca com o grupo. O papel do educador é vital como mediador, como “fazedor” de boas perguntas que instigam o olhar curioso. Também como criador de vínculos e de um espaço pedagógico acolhedor onde possa construir-se (educando-se enquanto aprendiz).

Como você imagina sua vida daqui dez anos?

Cabe ao educador o planejamento das interações e das relações, o manejo do tempo, a estruturação do espaço e a seleção e o uso de materiais.

Por que as pessoas matam os animais para fazer couro? Por que os ricos têm dinheiro? O que vocês gostam de fazer? Como se faz o cabelo da boneca?

o papel do educador nas brincadeiras

Será que vocês entendem as orientações que os pais passam?

Cabe ao educador ser sensível às necessidades e aos desejos dos peque-

Como você se sente quando alguém briga com você?

nos, fortalecer as relações que eles estabelecem entre si, envolvê-los em atividades significativamente variadas e otimizar o uso pedagógico de diferentes recursos. A maneira como o educador desempenha seu papel é fundamental na experiência de aprendizagem de cada participante de grupo ou oficina, já que ele é um modelo importante na formação de atitudes. Além disso, cabe a

Como você se sente quando alguém fala que você pode fazer algo e de repente muda de ideia e não deixa mais?

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esse profissional auxiliar na organização das brincadeiras para que mais tarde as crianças tenham autonomia para brincar sozinhas. Cabe ao educador o planejamento das interações e as relações, o manejo do tempo, a estruturação do espaço e a seleção e o uso de materiais.

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O educador dos novos tempos necessita estar sintonizado com as formas em que as informações são trabalhadas, atribuindo-lhes um significado, impregnando-as de uma contextualização com a vida e com o espaço em que o educando se insere. É importante que o educador possa transitar nos vários espaços de aprendizagem – rua, escola, comunidade – e que se identifique com as classes populares, seja democrático, que aceite o risco, que tome iniciativa e, em certos momentos, dirija o processo, induza, mas que em sua prática educativa substitua a indução

pela colaboração crítica do educando. Isso o diferencia do educador autoritário que procura preservar e manter o processo de sua prática ancorado na indução, que manda de cima para baixo.

Para garantir que a brincadeira aconteça e se desenvolva, o educador deve estar presente, mas isso não significa que ele deva intervir o tempo todo. Ele pode agir indiretamente ao observar as crianças, organizar o ambiente e ajudá-las na escolha de materiais que poderão enriquecer mais a atividade. Outra questão importante: o ambiente que será explorado pelas crianças deve estimular sensações, afetos, cognição e imaginação. Os educadores e os demais membros da equipe escolar precisam pensar como o espaço pode ser estruturado para acolher as experiências de aprendizagem, que são promotoras do desenvolvimento infantil. Para isso, é fundamental garantir que o ambiente seja aconche-

[Zilda Ferré]

gante, acolhedor, seguro, estimulante e organizado. É importante que, periodicamente, apresente novidades, mudanças. É preciso também observar seu efeito sobre as interações dos pequenos e avaliar se os objetivos foram atingidos.

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As oficinas

N

o Quixote, uma grande superfície de encontros e vivências foi cons-

muitas crianças que chegam ao Projeto Quixote não brincam, e cabe ao educador ampliar sua atenção e o tempo das brincadeiras e de construção de brinquedos. Hoje fazemos muitos brinquedos de material descartável, o que se mostra uma forma divertida de brincar e pensar o meio ambiente.

truída: as oficinas servem de plataforma de contato. A oficina é um

Cada oficina tem sua linguagem, suas técnicas, seus preparos alquímicos.

espaço de criação, de expressão, de pertencimento, de cocriação.

E gera em quem participa experiências próprias. Muito importante no dia

Lugar onde acontecem vivências e todos podem aprender, descobrir,

a dia é a preparação do entorno: o espaço, os materiais, o antes e o depois

se divertir, exercitar, curtir, suar, cantar, rir, chatear, cansar, enjoar.

das atividades. Organizar a casa para receber. A imagem de uma oficina é

As oficinas têm diferentes intenções. São feitas aproveitando pequenos projetos de começo, meio e fim relacionados a produtos artísticos, coletivos e individuais, num tempo determinado, seja uma colagem, um painel, um prato de brigadeiros, um gol, uma coreografia, uma planilha. Possuem

o fazer coletivo, que gera convivência, e produções artísticas e subjetivas. Por isso, é muito importante respeitar as produções realizadas, guardar, olhar, comentar. Valorizar o que fazemos juntos e olhar para cada um. Observar a evolução de cada um e retornar, apoiar.

objetivos gerais quixotescos, específicos de cada linguagem e ainda indi-

Muitas oficinas no Quixote são abertas, o que significa que a cada encontro

viduais para cada participante.

podemos ter um grupo diferente. Para garantir a unidade de um percurso

Sempre está em pauta: estar junto, vincular-se ao Quixote, experimentar um circuito de sociabilidade alternativa, desenvolver a autonomia e aumentar o repertório. Sentir, fazer, ser, estar e falar sobre tudo isso. A oficina é um lugar de parcerias, de realização, de sucesso, fracasso, tentativas e erros.

em grupos abertos, é sempre importante se voltar para horizontes coletivos, que dão sentido, norte e futuro. Algumas formas de fazer isso são: reunir as produções em eventos como sarau, mostra cultural, festas, o balaio das artes ou campeonatos de futebol. Por outro lado, esses eventos coletivos geram o

O que fazemos nas oficinas lúdicas do Projeto Quixote é provocar desafios, construir histórias brincando e, assim, possibilitar que as crianças aprendam novas maneiras de brincar.

sentimento de pertencer e também geram aplausos. Ser reconhecido é muito importante. Compartilhar experiências, conquistas.

O que fazemos nas oficinas lúdicas do Projeto Quixote é provocar desafios, construir histórias brincando e, assim, possibilitar que as crianças aprendam novas maneiras de brincar. A criança não nasce sabendo brincar. Ela aprende por meio do contato com a cultura. Por isso, acredito ser extremamente importante que os educadores brinquem com elas –

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Oficinas lúdicas Todas as oficinas do Quixote são lúdicas e trabalham diferentes vivências para construir vínculos, aprimorar a comunicação e outras habilidades, sempre mediadas pela arte e pelo brincar em quatro linguagens: corporal, musical, plástica e literária. A linguagem corporal está presente em tudo: nas atitudes, no lanche, no corredor, e nas oficinas de karatê, capoeira, dança, esporte ou teatro. A experimentação plástica é facilitada em oficinas de criatividade, grafite, desenho animado, no grupo experimentação e nas atividades lúdicas, com uso de diversos materiais. A poética dos grupos aparece no trabalho com a linguagem, na contação de histórias, no grupo leitura e escrita, na informática e nas atividades do dia a dia. O lúdico ainda ganha espaço nas oficinas de culinária, na brinquedoteca, em jogos e brincadeiras, além de festas, passeios culturais e esportivos e outras quixotices.

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GRAFITE Para além do spray, o grafite é um processo intenso de criação. Aprender essa arte é enxergar além dos muros que cercam a cidade. A cultura do grafite é um movimento de expressão que se manifesta visualmente e revela realidades, opiniões, discursos, anseios e identidades. Pretendemos mostrar aos participantes da oficina que eles podem ter voz na sociedade, que são cidadãos com direitos e deveres e que, por meio da arte das ruas e das histórias de muitos grafiteiros, podem encontrar motivação para seguir em frente, superar dificuldades e não desistir de alcançar seus sonhos e seus objetivos. Criar algo e colocar nos espaços urbanos fazendo com que outras pessoas nos reconheçam por aquilo.

[Felipe Ferreira e André Luís da Silva]

Fiz um negócio de nada. Um desenho qualquer. Sei lá o que saiu, Um monte de linha atravessada, Atravessando uma linha qualquer.

Aprendemos a olhar de maneira diferente para os grafites na rua. Há novas técnicas e maneiras de ganhar dinheiro fazendo sua arte. [participante]

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[Williams]

grafite Otavio Fabro (OTA)

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AGÊNCIA QUIXOTE SPRAY

O grafite abre novos horizontes, chega trazendo um novo caminho, uma nova fonte de interesse, um novo jeito de pertencer, de ser valorizado,

principalmente com o adolescente que está com a identidade ambígua, confusa. O grafite é poderoso com os adolescentes, é uma linguagem artística com uma força muito própria e uma linguagem bastante singular. [Zilda Ferré]

A Agência Quixote Spray Arte é um negócio social do Projeto Quixote, que tem como objetivo gerar renda por meio da venda de serviços e produtos relacionados ao grafite, dentro do programa de formação para o mundo do trabalho. Para os jovens talentosos que se inspiram nessa expressão artística, a agência indica um futuro profissional e uma primeira inserção no mercado de trabalho. Eles aprendem técnicas de desenho e pintura nas oficinas e são encaminhados para trabalhar como auxiliares e aprendizes nos serviços da agência, sob a orientação de grafiteiros profissionais. A agência

venceu o Prêmio Empreendedor Social Ashoka/McKinsey em 2000; em 2012, recebeu o Prêmio Economia Criativa do Ministério da Cultura. A agência realiza serviços de grafite para pessoas físicas e jurídicas em

grafite Felipe Risada

fachadas, paredes internas, ilustrações, telas, camisetas e móveis, além de performances ao vivo, cursos e workshops. Tanto os grafiteiros como os jovens são remunerados pelos serviços prestados. grafite Otavio Fabro (OTA)

Eu já tinha largado a escola quando comecei aqui no Quixote, porque eu tinha que trabalhar mesmo. Tinha que fazer uma escolha na minha casa: trabalhar ou estudar. As coisas estavam ruins, tive que trabalhar e comecei com grafite mesmo. Tô fazendo até hoje; a grana é boa, dá para levar, e pretendo trabalhar com isso pelo resto da minha vida, se der. [jovem aprendiz]

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Dança Mais que uma sequência de passos, a dança pode ser um meio de autodescoberta e ampliação de horizontes. Como grupo, buscamos desenvolver a coordenação motora, o ritmo e o trabalho em dupla para conquistar confiança. Nas oficinas de dança, o break está

sempre presente, trazendo toda a força do hip-hop. Outros estilos também aparecem, como soul, locking, R&B e pop. Para os mais corajosos, é oferecido treinamento de saltos.

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[Tcheba]

Eles precisam de carinho, afeto e escuta. Escutar a criança brincando, montando alguma coisa no chão e entender o que ela está fazendo são coisas simples que vêm dos familiares que a gente teve e eles não têm; a vida é muito dura, é muito cinza, a vida desses meninos eu encaro como um cinza que vai sendo colorido aqui. [Rodrigo Ferré]

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Palco, coxias, cortina, cabine de som e luz, poltronas para plateia... A arquitetura é produto e produção de subjetividade. Para além do espaço do banal e do cotidiano, conquistamos o espaço da arte, da criação do possível. O teatro cria e mantém uma superfície pela qual percorrem os acontecimentos, as conexões, em cima da qual são produzidos efeitos singulares e inéditos que comunicam a profundidade do grupo e de seus integrantes com a superfície das circunstâncias, do contexto, do “fora”. De repente, fica acessível ao grupo, estimulado por jogos dramáticos que buscam situações cênicas, iluminadas e sonorizadas, a ampliação espontânea, livre, quase lisérgica da superfície do corpo. Corpo grupal.

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O mais profundo é a pele vestida de infinitos figurinos que transformam a opressão e o isolamento em também infinitos personagens nas suas imprevisíveis situações cênicas. Afirmação de liberdade.

Atento aos ritmos e aos timbres, o jovem ator se mantém na fronteira, passeia pelas bordas, está dentro e fora ao mesmo tempo. Faz circular as

QUIXOTE EM CENA

O mais profundo é a pele

questões entre os participantes do grupo, tecendo uma espécie de crochê cuja linha é de natureza afetiva. Atores e técnicos de um grupo de teatro que navega com o outro em direção à alteridade. O ateliê de teatro cria, inventa, reinventa, descristaliza mitos e estigmas, lubrifica as relações entre as pessoas. É um elogio à potência, potência de agir, de contracenar no palco, na boca de cena, semanalmente, e interagir no dia a dia da comunidade.

[Auro Lescher]

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Olhar Social

Uma das premissas que atravessam o olhar social é o caráter sociopolítico

e interventivo, que, por meio de diversos instrumentos, viabiliza intervenções de acordo com a demanda de cada cenário de atuação. O olhar social, imbuído pela escuta ativa, favorece a aproximação e a construção de vínculo com as crianças, os adolescentes e as famílias, em grande parte com os seus direitos violados e que anseiam por atenção, dignidade, pertencimento, cidadania, cuidado para alívio da dor e do sofrimento

Como gerar pertencimento? Como gerar transformação? Inclusão social não é um processo simples, não basta estar na escola, no trabalho, na família. Há um quê subjetivo, relacionado ao sentimento de pertencer, de merecer o que é oferecido. 170

causados por abandono, violência, conflito familiar, dificuldade na aprendizagem, de socialização, uso de substâncias psicoativas, questões de saúde mental, situação de acolhimento institucional, conflito com a lei, cumprimento de medidas socioeducativas; há, por fim, os que desejam participar das atividades “sem queixa” aparente. Nossa prática prima pela perspectiva de estimular e desenvolver a crítica, o empoderamento do sujeito, na busca de garantir os seus direitos, conquistar a sua autonomia, o alivio do sofrimento e da dor e o acesso a benefícios sociais. Atuamos em equipe multiprofissional, haja vista a complexidade da demanda, e construímos projetos terapêuticos de acordo com a necessidade de cada indivíduo e de sua família. Um campo imprescindível nessa área de atuação é a articulação com a rede de atendimento socioassitencial/intersetorial/territorial, na qual há promoção de conversações e entendimentos das questões multifatoriais relacionadas às demandas, tanto iniciais quanto as que emergem ao longo do acompanhamento.

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Nesse contexto, tendo em vista os moinhos de vento, que usam as hélices para captar e converter da energia eólica em outro tipo de energia para movimentar

mecanismos, o olhar social seria uma das “hélices” que impulsionam o processo para que outras histórias das crianças, dos adolescentes e das famílias possam emergir.

[Isabel Ferreira]

Comunidade

O trabalho social implica entender o contexto das famílias, o local em que moram. Só quando vamos às comunidades de origem, visitamos as mátrias, entendemos as dificuldades relatadas. A intervenção na família e na comunidade requer vínculo, negociação com as lideranças, mas, sobretudo, respeito à realidade vivida. Não entramos na casa de ninguém sem sermos convidados. Essa postura é muito importante. Sempre respeitar. Acessar a comunidade exige tempo, calma e conhecimento da sua dinâmica, do seu funcionamento interno, das suas relações, dos papéis dos principais atores, além da explicitação a todos dos objetivos do trabalho a ser realizado. Esse conjunto de passos requer um processo com idas e vindas, estabelecimento de confiança, reconhecimento pelos atores da importância de tal intervenção (Comuana e Peres, 2010).

Ao analisar cada história de vida que se apresenta, nos é colocado o desafio de ajudar as famílias a encontrar alternativas para resolver questões que se apresentam tão complexas em suas vidas: como cuidar de um filho, como passar sentidos relacionados à identidade, respeito por si mesmo e consequentemente pelos outros... Como fazer isso, se os progenitores são, na absoluta maioria, vítimas de violência e desigualdade social? Durante a nossa rotina, nos deparamos com mães que, além do contexto social de extremo risco em que vivem, não conseguem proteger seus filhos, colocando-os em situações de risco ainda maiores. Um exemplo é o caso de uma mãe que participa frequentemente do grupo e relata sofrer violência por parte do marido, alcoolista. Certo dia, quando ameaçada

por ele com uma faca, foi interceptada pelo filho de seis anos, que, no

intuito de protegê-la, acabou ferido pelo pai. Uma troca de papéis, não há cuidadores preparados para essa batalha!

[Luciana Escudeiro]

172

al

173


Famílias vulneráveis e problemas de filhos, sobrinhos, netos, enteados,

programa de atendimento à família do Projeto Quixote

crianças e adolescentes em complexas situações

iniciou suas atividades há aproximadamente 21 anos e, durante o ­percurso,

de vulnerabilidade por diversos motivos: uso inde-

construiu manejos mais adequados à população atendida. Reformulare-

vido de drogas, transgressão da lei, situação de rua,

mos nossas ideias, confrontando nossas idealizações, exercitando nossa

falta de perspectivas positivas, pouco interesse pela

flexibilidade e nossa disponibilidade em acolher e escutar os familiares que

escola, baixa renda familiar etc. Apresentam relatos

nos procuram ou são procurados por nós.

Os familiares chegam ao Quixote expondo dificuldades

contundentes da vivência de pessoas sofridas, envergonhadas, desvalorizadas, impotentes diante de sua dura realidade. Pessoas que perderam a capacidade de indignar-se diante de sua condição de sofrimento, que não reconhecem as próprias competências e os recursos que têm. As histórias giram em torno do sofrimento e da impotência que vivenciam junto aos problemas identificados em suas crianças ou seus adolescentes. Alguns familiares, apesar de vivenciarem esse sentimento de impotência frente à realidade, ­ainda acreditam que algo possa mudar.

O

A ideia tem sido sempre a de possibilitar o fortalecimento das relações entre pais e filhos, por meio do diálogo e do resgate dos potenciais e da autoestima, além da conscientização dessas famílias sobre a própria condição de vida, sobre responsabilidades, capacidades e possibilidades de mudanças. Nosso desafio é envolver os familiares no atendimento das crianças e dos adolescentes, pois entendemos que todos eles se encontram em situação de vulnerabilidade e precisam ser incluídos na escola,

no lazer, em programas de capacitação profissional e grupos de pais, entre outros. A família como um todo está e sente-se abandonada em vários aspectos, necessitando de apoio para resgatar seus saberes.

[Suely Fender]

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A partir dessas considerações, construímos um espaço que integra o

Estamos

interessados

no

que

a

trabalho subjetivo e a inserção social,

família tem a dizer sobre a criança ou o jovem, sobre si, sua vida, seus

buscando potencializar as famílias em seu papel protetor e, assim, me-

sofrimentos e suas alegrias, seus

lhorar o relacionamento familiar, aumentar a aderência das crianças e

sonhos e seus desejos. Assim, por meio

dos adolescentes aos atendimentos e às oficinas, reduzindo, com isso, o

do diálogo, tentamos abrir espaço para

impacto dos fatores de risco. A premissa é que familiares mais satisfeitos

a construção de novas perspectivas de

com a própria vida desempenham melhor o papel de proteção e educação

vida, de fortalecimento dos vínculos afetivos,

dos filhos.

familiares e comunitários.

Recebemos famílias encaminhadas por diversos serviços, como fórum,

O atendimento familiar individual é a etapa em que

conselho tutelar, escola, UBS, outros Caps, famílias que enfrentam uma

acontece o processo inicial de acolhimento, em que ouvi-

diversidade de problemas pessoais e sociais: violência doméstica, confli-

mos como o familiar descreve sua realidade e como vê o problema

tos no relacionamento entre os pais, uso de álcool e drogas, desemprego,

que enfrenta. Muitas vezes levamos a criança ou o jovem para uma con-

dificuldades financeiras, baixa escolaridade, entre outros.

versa conjunta e, a partir do problema apresentado, vamos construindo

Os pais e outros familiares são atendidos e acompanhados em grupos, individualmente e por meio de visitas domiciliares.

um espaço de expressão da subjetividade, de fortalecimento dos vínculos de afeto e de confiança entre família, adolescente/criança e instituição. Nos grupos multifamiliares, percebemos que compartilhar vivências é algo que facilita a abordagem e a discussão sobre manejos com os filhos em casa, ameniza angústias e amplia as alternativas de cada um em relação ao problema. O vínculo com a equipe e entre os próprios membros do grupo tem sido fundamental para a permanência desses familiares no tratamento. Nesses grupos, a reflexão passa por temas como o comportamento dos filhos, o uso de substâncias psicoativas, dificuldades de comunicação entre os membros da família, violência doméstica, ausência paterna, desesperança, impotência e medo. Além disso, familiares

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­participantes passam a contar sobre aspectos e dificuldades relacionados

Compartilhar vivências é algo que facilita a abordagem e a discussão sobre manejos com os filhos em casa, ameniza angústias e amplia as alternativas de cada um em relação ao problema.

à própria história de vida e a questões de âmbito familiar. Gradativamente, entendem sua responsabilidade no comportamento dos filhos e começam a se conscientizar de que o problema não é exclusivo do jovem, mas da família como um sistema integrado. Outro espaço oferecido é a oficina de mães, espaço privilegiado de aprendizagem, troca afetiva-emocional e de pertencimento, em que se busca agregar o trabalho subjetivo, pedagógico e social à geração de renda, por meio da confecção de produtos artesanais que são vendidos, como tapetes, bolsas, aventais e outros. A integração social ocorre também nos momentos de festa e eventos, quando os familiares têm uma participação ativa, principalmente as mães, que preparam bolos e ajudam a organizar a casa, expondo trabalhos de arte. Ao contarem suas histórias em todas as oportunidades oferecidas, auxiliamos no entrelaçamento de passado, presente e futuro e na construção de uma forte conexão; as famílias podem recontar suas histórias de origem e transformar o futuro das novas gerações.

[suely Fender]

Poderia mandar fazer um carimbo, manter o refrão e substituir as Anas por Marias e os Paulos por Josés. Qualquer que fosse a ‘queixa-figura’, o lamento que se entreouvia na ‘queixa-fundo’ era sempre a falta de encantamento, de algum romantismo, de ‘sonhanças’ comuns, de atitudes solidárias e de participação ativa na vida familiar, até mesmo nas duras tarefas de educação dos filhos. No fundo, no fundo, contavam de uma vida desperdiçada. O que elas relatavam, basicamente, era que os filhos não conheciam o pai e que a vida tinha ficado idêntica à vida dos personagens do Graciliano: ‘secas’. [Oswaldo di Loreto]

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Elas mudam um pouquinho. Se ela muda, muda a mãe, e o familiar passa a jogar essa vibração de transformação também na comunidade em que ele mora, dentro da casa, e muitas vezes eles moram em condomínios familiares. Então aquilo vai para a família extensa. A proposta é esta: sermos pessoas melhores e que sejam pessoas melhores, cidadãos, com direitos e deveres; que a gente tenha amorosidade. Essa amorosidade volta, resgata de dentro delas, para que a criança possa ser uma pessoa melhor e feliz, que busque a felicidade de outras pessoas também. Isso não tem preço. [Suely Fender]

Nós cuidamos do lado sofrido, mas todos nós temos um lado brilhante, e isso a gente instiga, porque é isso que vai para o outro. Levar luz para aquele lado que está com sofrimentos muito dramáticos; acho que a gente trabalha com coisas muito pesadas... Às vezes, ver uma criança sofrendo é bastante dolorido.

[Suely Fender]

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Em meio aos variados problemas que as crianças e os adolescentes nos

tações. Além disso, a troca entre diferentes serviços ajuda na organização de prioridades e a cuidar dos cuidadores, os familiares.

apresentam, com frequência observamos uma grande desorganização

Empoderar nossos adolescentes, chamando-os a ser ativos no cuidado

nos cuidados da saúde da família como um todo. A maioria, no entanto,

e no conhecimento do próprio corpo, é uma meta a ser cumprida.

relata ter realizado o pré-natal e feito o acompanhamento clínico das

Atividades que permitem a discussão de temas de promoção de saúde

crianças nos primeiros anos de vida. Frequentemente, até a idade de sete

ajudam nesse processo. Assim, incentivamos, nos grupos de crianças,

ou oito anos, enquanto necessitam ser vacinadas, esse acompanhamento

jovens e familiares, a entrada de profissionais da saúde que abrem espaço

é realizado com sucesso. A saúde bucal, no entanto, continua sendo um

para conversar sobre sexualidade, higiene, cuidados com a pele e sobre

grave problema, embora tenha melhorado significativamente com a implan-

doenças, sempre que surgem demandas espontâneas.

[Dra. Sílvia Sampaio]

tação de consultórios odontológicos e profissionais especializados nas UBS*. Nas faixas etárias mais avançadas, observamos que as crianças deixam de frequentar os serviços de saúde primária e só passam nas urgências quando apresentam problemas agudos. A vacina dos quinze anos (tétano e difteria) e a de HPV frequentemente estão atrasadas. Entre os adolescentes, raramente algum sabe falar sobre sua saúde ou sobre medicações em uso. A resposta típica: “Isso você tem que perguntar para minha mãe”, mesmo quando o diálogo entre mãe e filho está rompido. Esses jovens não se apropriam do próprio corpo, apesar de muitos já terem vida sexual ativa. Nesse panorama, o contato próximo com a rede das UBSs e outros serviços de saúde, como a Casa do Adolescente, serviços de reabilitação, Caps e * UBS – Unidade Básica de Saúde

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A rede de (des)cuidados

Apae, é fundamental, pois possibilita o alinhamento de condutas e orien-

Quando falamos sobre o fazer social, estamos buscando conexões. Há casos de famílias, crianças e adolescentes que, depois de um tempo conosco, desaparecem sem avisar. Nas inúmeras ligações que faço para saber o que aconteceu, como estão, percebo um não-dito muito forte por trás dos motivos relatados, que é o carinho e o respeito daqueles que estão ausentes do Quixote. Sentem o momento da ligação como um cuidado, uma atenção especial. Entendem a mensagem de que eles (atendidos/responsáveis) não são apenas mais um para nós, que são únicos. Essa troca de energia e sentimentos fortalece os vínculos e reforça o trabalho com amor, um trabalho que aprendi somente aqui. [Juliana Campos]

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O trabalho em rede

Uma rede de atendimento não significa a existência de uma uniformização dos

serviços. As inúmeras instituições existentes trabalham segundo princípios

Nenhum serviço ou equipamento é capaz de atender isoladamente a todas

A diversidade contribui para aumentar as alternativas de vinculação das

as necessidades e todos os desejos de uma população em situação de risco

crianças, dos adolescentes e das famílias ao circuito institucional.

[Alberto Comuana, assistente social]

e abandono, sobretudo no campo da exclusão social. No entanto, o trabalho em rede possibilita que cada organização conheça as potencialidades de seus parceiros, podendo fortalecer os vínculos e agilizar trocas de informações e encaminhamentos mais sinérgicos. A primeira rede de suporte é a informal, com auxílio da família e de vizinhos, amigos ou dos que fazem as vezes de amparo na comunidade. As famílias transitam por diversos locais em busca de recursos para suas necessidades. A rede deve ser traçada em função dessas necessidades. Quando os técnicos de uma rede podem se conhecer e conhecer o trabalho que cada um realiza, percebemos benefícios imediatos. Os encaminhamentos passam a ser realizados com uma qualidade melhor, sem a prática da “batata quente”, na qual um equipamento tenta empurrar o atendido para outro; discutem-se alternativas para solucionar o problema em conjunto.

O assistente (insistente) social

O assistente social atua como articulador entre o serviço social, a saúde mental, as ações socioeducativas e as políticas públicas. No trabalho com famílias em situação de risco social, a presença desse profissional é fundamental para facilitar o acesso a outros equipamentos, serviços e políticas sociais, por meio do fornecimento de recursos, orientação e encaminhamentos. Mais que encaminhar ou orientar para questões práticas ou benefícios sociais, o serviço social atua no Projeto Quixote como um

Conhecer o trabalho do outro, com as suas potências e as suas impotências, nos ajuda a pensar o nosso próprio trabalho e a compartilhar dificuldades; esse é um processo que propicia a construção de um conhecimento coletivo.

clínico do social, que avalia as situações e reflete com a pessoa atendida sobre a situação vivida, auxiliando na organização de seu cotidiano para a melhora de sua condição de vida. O trabalho contribui ainda para uma

Há vários intercâmbios desejáveis, por meio dos encaminhamentos, das

percepção mais elaborada do contexto social a partir da análise crítica

trocas entre os profissionais, dos atendimentos simultâneos, em instituições

das questões do cotidiano e da conquista de seus direitos.”

[Alberto Comuana]

de saúde, assistência, educação.

184

e regras bastante diversificados, alcançando resultados conjuntamente.

Clín

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quixotices costumeiras e memorรกveis

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Sarau

Evento poético-musical, aberto e gratuito, que promove a democratização do uso do espaço para a comunidade e para interessados em mostrar sua arte. Tem de tudo: poesia e cantoria, dança e sabedoria, samba e funk, DJs e aplausos, muitos aplausos. É o momento de celebrar as produções e apreciar as diferenças.

O sarau foi pensado como espaço para que as oficinas e o público frequentador pudessem se manifestar das mais variadas formas. A ideia é simples: abrimos o palco e o microfone para que as pessoas assumam o papel de protagonistas, vivenciando performances e despertando para novas possibilidades. Muitas vezes aparecem nos saraus assuntos que não trabalhamos diretamente nas oficinas. A comunidade marca presença e convidamos outros serviços da região. Muitas pessoas frequentam o Quixote somente por conta das apresentações. O sarau faz parte da rotina da casa. As crianças e os jovens esperam e se preparam para os próximos, levando sempre amigos e familiares. A plateia fica lotada. [André Luís da Silva]

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MOSTRA CULTURAL

A mostra é uma ocupação artística do espaço, um momento do ano em que todas as produções das crianças, dos adolescentes e das famílias saem das salas, dos armários, das pastas e, sob a curadoria de alguns educadores, invadem os espaços coletivos. Tudo se renova para recebê-las, novas tintas, novas fotos, as salas ganham instalações interativas. É quando a gente cresce uns aos olhos dos outros. Todos são convidados a expor seus trabalhos para a casa e para a comunidade, que tem a oportunidade de se envolver de outro jeito com o Quixote, olhando-o como um espaço cultural. Para as crianças e os adolescentes, é uma forma de ver seu trabalho valorizado e se ver de um modo diferente. A mostra nos ajuda ainda a marcar o tempo de produções; fecha um ciclo e inicia um outro. [Zilda FerrÉ]

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Impacto de Estilo

DIA DO GRAFITTI

Impacto de Estilo é um campeonato de dança para b.boys, b.girls e crews,

Organizado pelos grafiteiros Ota e Nick, é um

criado e produzido pelo educador e dançarino Tcheba Zoom, do grupo

encontro de artistas do graffiti, em que con-

Estilo de Rua, em 2005. Todo ano, o evento recebe no Projeto Quixote cen-

vidados e a comunidade em geral se reúnem

tenas de participantes de várias cidades e até de outras regiões do país

para aproveitar a data, estabelecida em 27 de

para celebrar e valorizar a cultura hip-hop. O evento cresce a cada edição,

março, e para trazer reflexões sobre o lugar

com mais e mais crews, além das batalhas individuais. Os participantes

do artista na cidade, o reivindicador da rua,

são selecionados por um júri, e há premiação para os primeiros coloca-

o papel cultural e social, políticas públicas e

dos, mas, muito além da competição, é uma grande festa em que a dança

o graffiti como ferramenta de inclusão social,

se torna uma potente ferramenta de inclusão social, saúde, bem-estar e

entre outros temas. Como a forma de refletir

cultura através do break.

do grafiteiro-artista é a arte conversam com a cidade com intervenções em muros e praças.

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Hip-Hop Urra

hip-hop urra! (H2U) Em 1999, o Projeto Quixote iniciou o projeto Hip-Hop Urra, em que reunia lideranças jovens do hip-hop, grafiteiros, b.boys, DJs e MCs em grandes intervenções artísticas na cidade. Organizado de forma colaborativa, eram convidadas as “crews” para dialogar com a cidade por meio do hip-hop. Na época, o hip-hop estava mais identificado com a periferia, e o grafite ainda não tinha ganhado as galerias e o prestígio atual. Fomos construindo juntos um jeito de nos aproximarmos. O fruto desse diálogo gerou um conceito bem definido de intervenção. O evento deveria juntar sempre uma mensagem para discutir com cidade, um muro simbólico e uma data comemorativa. Foram diversas edições.

Quando vou a uma cidade, quero ver as expressões artísticas. Quero ver o diálogo e, para mim, o grafite é um tipo de diálogo. Definitivamente, há um diálogo quando você tem uma comunidade vibrante. Diálogo entre o artista e a sociedade. Ou um bonito tipo de monólogo, e aí é uma forma de discurso público. São artistas gritando. Você não pode criar uma sociedade em que simplesmente se elimina uma forma de os seres humanos se relacionarem. Para algumas pessoas, é a única forma que têm de se comunicar. [Jon Reiss, 2008]

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Paz e justiça social

25 de janeiro, aniversário da cidade

Muro da penitenciária Carandiru

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Graffiti insano Porque a arte está em toda parte Tudo começou quando o Quixote foi convidado a fazer uma intervenção artística nas paredes do Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, localizado no bairro Jardim Brasil. Os grafiteiros-educadores Graphis, Anjo, Shock, Ota, Rica e Nick toparam a empreitada. Mas o que era apenas um grafite sobre as silhuetas de grandes artistas da MPB transformou-se num workshop coletivo com cerca de trezentos pacientes. Com uma faixa delimitada por jornais com um metro de altura e cinquenta metros de extensão, os pacientes puderam intervir com sprays, tintas e pincéis, criando um grande painel coletivo que ocupava todo o pátio interno do hospital. Mergulhar três dias em um mundo desconhecido e dividir tintas e vidas com os pacientes internados foi uma experiência tão intensa que, ao fim, todos estavam misturados. Quem é artista, quem é paciente? A experiência foi registrada pela fotógrafa Stela Murgel e pelo cinegrafista Daniel Rúbio e se transformou, em 2007, na exposição Graffiti Insano: a realidade e a verdade nunca se deram e se encontram.

A REALIDADE E A VERDADE NUNCA SE DERAM E SE ENCONTRAM. 196

O simples preparar do muro, forrando de jornal as paredes para delimitar onde os pacientes pintariam, gerou um elemento não previsto: o dia a dia das notícias e das manchetes dos jornais velhos da realidade extramuros. Os juros, a política, o cinema... Tudo na parede. Olhávamos para os lados, e muitos pacientes estavam lendo as notícias e escolhendo os jornais que seriam usados.

O mais puro do grafite sendo feito pelos mais puros artistas que já conheci, e todos satisfeitos com a visão ou o delírio (chamem como quiserem). [Nick]

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QXTeam poderia ser o nome dado a todos nós do Quixote ou a qualquer grupo das oficinas. Mas foi o nome dado ao time de futebol do Quixote, nascido das oficinas de esporte e da aposta dos educadores, que viram naqueles garotos campeões. Se na quadra precisariam treinar muito para ganhar troféus, na vida já estavam bastante descolados. Acreditar no ­potencial desses jovens é o principal motor das conquistas. Disputar os

campeonatos com times de escolas particulares de São Paulo e representar a camisa que defendem, do Quixote, faz querer entrar no time, jogar bem, respeitar os técnicos e o grupo. Com algumas medalhas e troféus no currículo, o time continua cativando fãs, se aprimorando e amadurecendo. Além dos títulos, em menos de um ano consolidamos um time, um grupo, praticamente uma família. Parceria, companheirismo, cuidado, respeito, cobrança e muita alegria marcam a trajetória do QXTeam.

[Marcelly G. Alberto, comunicação]

É campeão... é ca m p e ã o !

2017 foi um ano bastante especial para o esporte do Projeto Quixote. No início do ano, foram formadas duas equipes de futsal com meninos que já participavam das atividades e das oficinas de esporte. Nasceu, então, o QXTeam. Foram meses de treino e preparação para os campeonatos, e surgiu inclusive uma campanha de financiamento coletivo, que garantiu, com o apoio de muitos fãs e torcedores, novos uniformes e inscrições nos campeonatos. As equipes, categorias sub-14 e sub-16, disputaram amistosos com os colégios Arquidiocesano e Renascença, estrearam no Jogos Escolares Paulistas e participaram da Copa da Inclusão do OliRena, campeonato interescolar realizado pelo colégio Renascença. O resultado foi incrível: 100% de aproveitamento na Copa da Inclusão, primeiro lugar do OliRena sub-14 e primeiro lugar nos Jogos Escolares Paulistas nas sub-14 e sub-16.

E s ca l a ç ã o

1. O time começou, os meninos mais antigos vão ganhar uma bolsa e, para isso, precisam de RG. Alexandre não tem, Danilo também não. Não conhecemos os pais de Renan. 2. O pai de Alexandre nunca fala sobre o filho. Conhecemos os pais de Renan. O pai de Alexandre enfim começa a falar das dificuldades da família. Alexandre tira o RG. Danilo também. José passa a ir ao Quixote sozinho, assim como Ezequiel, Nathan e Gabriel Domingues. Josué ainda não. 3. No jogo de estreia, Josué vai sozinho ao Quixote pela primeira vez. Guilherme se torna aos poucos mais independente e responsável. Rafael está fazendo muitos cursos. Danilo e Rafael estão ótimos no Quixote Jovem. Otavio está se esforçando, cumprindo combinados, interagindo e cuidando do time. Otavio não tem nenhum documento e sofre com isso. Combinamos de Otavio tirar o RG nessa semana, Danilo vai ajudar. Vítor, o esquerdinha, menino liso, difícil vincular, diversas tentativas, não aparece. Insistimos mais um pouco, ele aparece no treino, ainda deslocado, mas tentando se enturmar. Faz perguntas pueris, tenta se aproximar, erra, se desculpa, tá chegando. Felipe, o

Qxteam

menino-problema, enfim encontrou algo a que pudesse se dedicar, em que pudesse ser ele mesmo; mais responsável, focado e obediente. José, o menino calado, para quem tudo sempre está bom, não reclama, não se impõe, não faz amizades. Não fazia, mas está cada dia mais se colocando no grupo. Alexandre, ah, Alexandre! O menino carente, que fala sem parar para não ter que ouvir, que pergunta mil coisas, que não consegue se concentrar... Esse continua o mesmo, com brilho no olhar e confiança em nós, disciplinado, se cobra muito, mas deixa leve o clima em qualquer lugar e está melhorando na escola.

Eles foram para o Tatuapé, de metrô.

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[Cláudia da Silva]

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FiM de temporada Os técnicos tiveram que suar a camisa, estudar muito, quebrar a cabeça para encaixar as peças certas nos lugares certos, não só no esquema de jogo, mas no esquema da vida. Erramos, choramos, tentamos novamente, nos decepcionamos e sorrimos, ah, como sorrimos! Sorrimos de felicidade e de desespero, quando não coube todo mundo na van ou quando tivemos que pegar três trens e um ônibus lotado e nem sabíamos o caminho correto... Mas fomos na coragem, na vontade de conhecer o novo. Quando um teve que voltar para o abrigo, outro foi expulso de casa, ou apenas quando o colega não estava bem, os meninos sempre tentaram entender o lado do outro, apoiar e estar perto, dividindo o lanche ou atravessando São Paulo para ir a um jogo. Todos juntos. Esse grupo tem autogestão, sabe a hora de bagunçar e a hora de parar. Brincam e brigam; cuidam. Hoje eles se sentam no sofá e se sentem em casa, cuidam dos materiais e dos profissionais, respeitam os espaços e as regras, ficam à vontade e se orgulham de defender e representar essa camisa, Projeto Quixote.

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Pode-se dizer que é um orgulho, sim! Muito orgulho, pois estamos acostumados a ver sempre o que não deu certo, a criticar, a desmotivar, a não perceber a mudança nas coisas mais simples. Mas esse grupo fez e está fazendo questão de mostrar que pequenas mudanças no dia a dia moldam o futuro. Porque a vida é assim, nada começa do nada nem termina quando acaba. E, claro, teve muito gol e muita taça. [Cláudia da Silva]

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Uma ilha

para sancho panรงa

E uma outra histรณria

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Uma ilha

Somos tudo isso misturado – uma escola. Uma escola em 3-D (em três dimensões). A profundidade, o volume, se dá pelo olhar muito cuidadoso dos educadores à subjetividade de cada criança, cada jovem ou cada família que frequenta o Quixote.

para Sancho Pança

Uma das interpretações etimológicas para a palavra “educar” é a possibilidade de despertar no outro a sensação gustativa do doce. Quando conseguimos compartilhar com uma criança de um ano de idade

O que é o Projeto Quixote?

sua primeira experiência de intimidade com o chocolate, percebemos a intensidade dessa descoberta: o êxtase se apresenta, lambuzando seus dedos, seu rosto e o olhar de quem observa. Quando um jovem deseja escrever uma outra história instigante, para si

É um ambulatório de saúde mental, porque usamos instrumentos médicos e psicológicos para aliviar as dores do corpo e da alma? É um centro cultural, porque dançamos o break e grafitamos os muros da cidade? É um circo, porque fazemos nossos malabarismos?

mesmo e para o mundo em que ele vive, podemos crer, com poucas chances de nos equivocar, que práticas educativas em 3-D estão acontecendo, ajudando-o a enfrentar dragões e moinhos de vento, feito o incansável Dom Quixote, que afirma, ao longo dos séculos, a potência do ser humano de tomar para si o próprio destino. Toda boa escola deve ser uma fábrica de chocolates.

Auro Lescher

Um centro de formação e pesquisa de educadores, porque queremos mudar o mundo? Ou um campo de refugiados, porque acolhemos crianças e jovens que transitam pelas ruas do centro de São Paulo? 204

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UMA OUTRA HISTÓRIA

por um buraco raspado na tinta branca que cobria as primeiras fileiras do vitrô da janela e que impedia os meninos como ele de olhar para fora. Tudo isso pesava: meu nascimento, minha família, meu domicílio, minha educação. E esse peso me fazia empenhar-me sem sucesso em numerosas relações

Disse que precisa de não ser ninguém toda vida. De ser o nada desenvolvido. E disse que o artista tem origem nesse ato suicida. Manuel de Barros

Conheci o Projeto Quixote quando estava sofrendo de dores da mente e de ilusão, me encontrava num sono quase profundo. Digo quase profundo porque às vezes conseguia sair desse estado de ausência numa forma vulcânica e perigosa. De tempos em tempos, saía da caverna em que me encontrava e, com o semblante assustado e assustador, explodia. No risco dessa explosão, muitas vezes eu perecia, perecia por ter sido eu mesmo. Isso me obrigava a

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humanas oferecidas a mim. Depois veio o menino em conflito com a lei, seguido do menino preparado, do menino técnico e pontual, do menino social, do menino de uma vida exterior, do menino de se deixar ver e do menino que não se adaptava ao esforço de ser legitimado. Isso que se acumulava sobre minha fronte me amargurava, pois sempre odiei, mais que a morte, a necessidade de fingir. Essa dissimulação involuntária e imposta me obrigava a buscar exílio, como um solitário em busca de afeto. No Quixote, encontrei companheiros com que pude compartilhar essa dor e me mostrar simples, como eu era de fato; lá consegui ser franco comigo mesmo. Pude mirar o fim do doloroso aperto que me causava o silêncio e a dissimulação e aprendi a ir e vir, suportando viver como vencedor nessas condições contraditórias e assustadoras.

anestesiar a melancolia, e o preço dessa anestesia custava tecer em torno

Lá fiz mosaicos com a Eneida, conversei bastante com a Cecília, com

de mim uma rede de mal-entendidos. Nesse ato de me debater, muitas

a Fátima, com o Roberto e com o Ota. Aprendi a desenhar com o Anjo,

vezes mirava uma saída e uma luz de um caminho por vir, como se soubesse

com o Coe e com o Graphis e a ouvir conselhos vindos de quem quer que

que ali onde me encontrava eu não era mais que um forasteiro. No Quixote,

fosse e estivesse passando pelos corredores. Mais do que a ouvir e dar

fui acolhido e pude acolher esse caminho. Lá, aos poucos, percebi que as

conselhos, aprendi a ouvir – e é óbvio que quem escuta fala. É um lugar

‘’dores’’ que sentia não passavam de uma nuvem de acumulações: o menino

onde se ouve e se é ouvido, de escutar e de falar; para os jovens que a

que riscava as paredes, o menino que fez primeira comunhão a pulso, o

família traça o destino, sem concessões, partindo do que o estado trilha

menino que usava a roupa dez números maiores e era reprimido, o menino

com suas reservas, o Quixote sempre foi um refúgio, uma “Pasárgada”,

que se sentia asfixiado na escola pública e se admirava, atraído pela rua,

onde eu sou amigo do rei. Segundo os hindus, Deus se revela através

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dos ouvidos e da língua, mais que através dos olhos. Sentia isso na pele. Mesmo que voltasse para casa e o que visse não correspondesse com o que ouvia ou pensava, eu estava munido de palavras que nutriam um germe de esperança em mim, nas coisas e nos outros. O Quixote é um lugar que ainda se dá ao surgimento e à aparição, onde as pessoas que por lá passam levam consigo a obrigação de agir – e agir com eficiência na crença de um milagre, transcendendo burocracias e recursos medidos. Também foi lá no Quixote, onde já atuei como educador social, que, recentemente, Graziela Bedoian – uma das mais singelas aparições em minha trajetória nesse lugar poético, desmedido, e que só enxerga com o olho da nuca – apresentou-me um livro do Di Loreto chamado Casos e causos no tempo das diligências; dele, duas máximas de suas diligências

Nossa missão é continuar e perguntar a cada indivíduo que encontramos nesse trem desgovernado se ele não tem saudade de como as coisas eram antes da partida, se não tem vontade de ir para o lado de fora, se não se lembra de como eram as coisas quando ele ainda era criança. Nossa dormem e se confundem com o metal do vagão do trem: “Ei, psiu, como pode ser tão forte o apelo deste trem, você não percebe que está incômodo aqui, neste lugar apertado e medido, que existem outras coisas lá fora?”. Despertar a intuição, acordar o olho da nuca dos homens, “o extinto”, mesmo quando somos pegos por aquela velha impressão de que tudo já foi feito e que só conseguiremos partir do que conhecemos – é a missão que deve estar gravada no nosso subconsciente. O trabalho de educador do Quixote habita o nosso inconsciente, habita o

no aqui e no agora”.

porão de nossa casa. No nosso porão também habita a certeza de muito

diferença ainda é ser um lugar como todos os outros, cheio de artistas. E isso – ser um lugar como qualquer outro – é o que faz o Quixote ser diferente e comum, almejando ruir as paredes, realizando de fato a comunidade. Essa é “uma outra história” do Quixote: assim como nós artistas – que residimos da cozinha à agência de grafite, da recepção às salas de atendimento e oficinas, da direção à administração e faxina – temos um compromisso com a nostalgia e o pressentimento, e, com isso, nos faz permanecer no Quixote de sempre dando vazão ao devir contínuo que faz da metamorfose a dádiva do nosso ofício rumo à concretização do paraíso terrestre.

trabalho a fazer, um trabalho de escultor do tempo. “Esculpir o tempo”,

só falar do presente.

essa pode ser a imagem do nosso trabalho, apesar de que, em nossas condições frente às demandas, sem um pingo de ansiedade, seria mais

cidade, vou arriscar falar do Projeto Quixote do agora. Sinto que sua sutil

ter a mente ligada no aqui e agora.

missão é continuar se indignando e continuar indagando às pessoas que

se inscreveram em mim: “Só falar do presente” e “ter a mente ligada só

Embalado por essas duas máximas, que são de escrever nas paredes da

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lugar poético, desmedido, e que só enxerga com o olho da nuca.

verdadeiro dizer “escavar o tempo”. Por isso deixo um convite a quem possa conhecer “verdadeiramente” as novas instalações do Projeto Quixote: se quiserem ver a imagem do que é o trabalho de escavar o tempo e nele achar reminiscências herdadas por milhões de seres rumo a uma iminente realização, por favor, venham conhecer o porão habitado pela nova casa do Projeto Quixote. Lá está a imagem da nossa missão, o inconsciente de nossa morada.

[Bruno Pastore]

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Caros amigos do Projeto Quixote,

Aqui quem fala é Carlos Parada. Recebi muitos de vocês lá no Centre Medical Marmottan, onde trabalhei durante dez anos com Olievenstein. Como sabem, a elite brasileira resolveu apelar para a ignorância. Não tem mais projeto nenhum para o país nem para os jovens nem para os miseráveis. Vocês estão salvando a horda desse país, estão salvando a pátria!

carta de carlos parada aos amigos do projeto quixote

Saibam que, na França, quando se fala de Brasil e América do Sul, é como um Eldorado da revolução, da invenção, ou para tratar da miséria das crianças. Vocês estão no meio dos dois: da revolução e das crianças. Das crianças de rua ou na rua. Continuem! Olievenstein sempre fez a distinção entre marginal e excluído. Na França, durante anos, drogas eram o caminho para se tornar marginal, para se revoltar contra uma sociedade. Hoje, a maioria das drogas faz parte da exclusão. Da vida dos que nem podem sonhar em subir no trem da história, pois, se subirem, serão recebidos a cassetete. Coragem! E parabéns pelo que vocês fazem. Posso testemunhar que Olievenstein tinha uma grande admiração pelo engajamento, pelo coração e pela fineza da vossa clínica. Continuem! Estamos com vocês, sempre! Um abraço a todos, Carlos Parada Psiquiatra radicado em Paris, autor de Toucher le cerveau, changer l’esprit e Como um anjo canibal em co-autoria com o Prof. C Olievenstein

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ÍNDICE IMAGENS p3, 51, 187, 203, ilustração p10, 16, 41, 47, ilustrações de Gustave Doré p45, foto de Miguel de Cervantes em domínio público p48, 49, ilustração de Angelo Agostini p53, 54, 55, 56, 57 – Oficina Lúdica, fotos de Rodrigo R. Ferré p58 - Marina da Silva, Adriana dos Santos, foto de Adriana Latorre p60, foto de Myro Rolim p61, foto de Carla Carniel p62, foto de Adriana Latorre p65, foto Acervo Quixote p67, 156, Oficina Criatividade, foto de André Luís O. da Silva p69, graffiti de Felipe Risada, foto de André Luís O. da Silva

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p79, Mara C. D. S. Duarte, foto de André Luís O. da Silva

p81, José Hilton dos Santos, foto de Luane Araújo

p94, 95, Escritório Escola, foto Acervo Quixote/ Roberto Madalena

p116, 117, graffiti e foto de Felipe Risada

p143, Oficina Quixote Jovem, foto de Raphael Boemer

p79, Andreia de Almeida, foto de Lucas Alves

p81, Aline Vasconcelos, Rafaela A. Nogueira, Mara Duarte, foto de André Luís O. da Silva

p96, Escritório Escola, foto de Ricardo Reis

p119, Mostra cultural, foto de Rodrigo R. Ferré

p143, Oficina Lúdica, foto Acervo Quixote

p164, graffiti Agência, foto Acervo Quixote

p96, Gizamundo, ilustração e foto de Otávio Fabro (Ota)

p120, 121, 125, 126, Oficina de graffiti, estampas em papelão, fotos de Raphael Boemer

p144, Oficina de teatro, foto de Raphael Boemer

p164, 165, graffiti de Felipe Risada, foto de André Luís O. da Silva

p146, 147, fotograffiti de Alexandre Anjo, foto de Stela Murgel

p164, Logo Agência Quixote Spray Arte, foto Acervo Quixote

p150, Zilda Ferré

p165, graffiti Nick, foto Acervo Quixote

p155, grafitti sobre plástico transparente de Alexandre Anjo – Dia do Graffiti 2017, foto de Raphael Boemer

p165, graffiti e foto de Otávio Fabro (Ota)

p79, Emiliana L. de Oliveira, Eunice F. da Silva, Aparecida T. de S. dos Reis, foto de André Luís O. da Silva

p82, Rafik Chakur, Alberto Comuana, foto de André Luís O. da Silva

p79, Raphael Boemer, Mara Duarte, foto de André Luís O. da Silva

p82, Railda Barbosa Oliveira, foto de André Luís O. da Silva

p79, 111, Luciana Escuderio, Fábia Lourenço, Débora Peres, Rosi do Nascimento, foto de André Luís O. da Silva

p82, 105, Isabel Ferreira, foto de André Luís O. da Silva

p79, Simone Benedita, Graziela Bedoian, foto Acervo Quixote p79, Rosi do Nascimento, Ana Vasconcellos, foto de André Luís O. da Silva p79, Maria Luzia V. Batista, Iara A. A. dos Santos, foto de André Luís O. da Silva

p71, Survivel Guide, foto Acervo Quixote

p79, Rafaela A. Nogueira, Ligia Florino, Isabel Ferreira, foto Acervo Quixote

p71, Bruno Rocha, Clara Holanda, foto Acervo Quixote

p79, João V. G. Aquino, Cláudia da Silva, foto de André Luís O. da Silva

p72, Refugiados urbanos, foto de Myro Rolim p74, 75, Biblioteca Quixote, foto de Rodrigo R. Ferré

p80, Júlia dos S. Silva, Erica C. Machado, Maria do S. Gomes, Gabriella R. S. Costa, foto de André Luís O. da Silva

p76, 77, 103, Sede Projeto Quixote, foto Acervo Quixote

p80, mini equipe, foto de André Luís O. da Silva

p78,79, André Luís O. da Silva, foto de Lucas Alves

p80, Oficina Lúdica, foto de André Luís O. da Silva

p79, Roberto Madalena, Raphael Cintra, foto Acervo Quixote

p81, Cecília Motta e Zilda, foto de Érica Machado

p82, 83, Lançamento Refugiados urbanos, foto Acervo Quixote p82, Auro Lescher, foto de André Luís O. da Silva p83, Equipe Parcerias, foto de Lucas Alves p83, Parte da Equipe Quixote, foto de Érica Machado p84, foto de Raphael Boemer p85, 127, Quintal, foto de Rodrigo R. Ferré p86, 141, Fotografia, foto de André Luís O. da Silva p87, Oficina Lúdica, foto de Rodrigo R. Ferré p89, Trabalho tinta sobre papel, foto de Rodrigo R. Ferré p90, 160, Oficina artes plásticas, foto de André Luís O. da Silva p93, 158, 159, Oficina Lúdica, foto de André Luís O. da Silva

p98, Refugiados urbanos, foto Acervo Quixote p100, foto Acervo Quixote/ André Luís O. da Silva p101, Refugiados urbanos, foto de Gabriel Benicio

p121, 127, Estampa graffiti papel cartão, foto de Raphael Boemer p122, Oficina Lúdica, foto de Rodrigo R. Ferré

p104, 105, 109, foto de Rodrigo R. Ferré

p122, Aline Vasconcelos, foto de Rodrigo R. Ferré

p104, 106, 191, Mostra cultural, foto de Rodrigo R. Ferré

p122, Oficina Lúdica, foto de Rodrigo R. Ferré

p104, 108, 190, Mostra cultural, foto de Rodrigo R. Ferré p104, 105, 119, foto de Rodrigo R. Ferré

p122, 123, 125, 163, Fachada Quixote, graffiti de Gelson Salvador e Maicon, foto Acervo Quixote

p104, Acolhimento Frederico M. Gonçalves, foto de Rodrigo R. Ferré

p123, Brinquedoteca, foto de André Luís O. da Silva

p105, Erica Cristina Machado, foto de André Luís O. da Silva

p123, Tatiane André de Oliveira, foto de Rodrigo R. Ferré

p107, tela de Demis Sanchez, foto de Frederico Gonçalves

p125, Tcheba Zoom, foto de Raphael Boemer

p110, Mostra cultural, foto de Rodrigo R. Ferré

p128, Roda gigante, foto de Raphael Boemer

p112, Almoço, foto de André Luís O. da Silva

p130, 131, Mini equipe, foto de André Luís O. da Silva

p112, Refeitório, foto de André Luís O. da Silva p113, foto de André Luís O. da Silva p114, foto de Aline Jardim Vasconcelos

p130, 131, foto de Raphael Boemer p132, 133, Roda gigante, foto de Raphael Boemer

p156, Oficina de criatividade, foto de André Luís O. da Silva p160, Oficina de música, foto de Anunciação Silva p161, Morro deslizante, foto de André Luís O. da Silva p161, Oficina de acolhimento, foto Acervo Quixote p161, Oficina de karatê, foto Acervo Quixote p161, Oficina de horta, foto de André Luís O. da Silva p161, Oficina de criatividade, foto de André Luís O. da Silva p161, Oficina culinária, foto de Gustavo Bielo C. Gonzalez

p163, graffiti e foto de Otávio Fabro (Ota)

p166, 167, Sarau, fotos de Raphael Boemer p168, Oficina Máscara, de 1997, foto Acervo Quixote p168, 169, Teatro, fotos de Raphael Boemer p173, Oficina de mães, foto Acervo Quixote p174, 175, Oficina Lúdica, foto Acervo Quixote p176, Oficina Lúdica, foto Acervo Quixote p176,177, Oficina de mães, foto Acervo Quixote p178, 179, 180, 181, Oficina de mães, fotos Acervo Quixote p188, Teatro, foto Acervo Quixote p189, Sarau, foto de André Luís O. da Silva

p162, Oficina Lúdica, foto de Rodrigo R. Ferré

p190, Escultura de Otávio Fabro (Ota), Hotel Radisson, SP, foto Acervo Quixote

p163, Mostra cultural, foto de André Luís O. da Silva

p191, Mostra cultural, fotos Acervo Quixote, Rodrigo R. Ferré, André Luís O. da Silva

p192, Impacto de Estilo, foto de André Luís O. da Silva p193, Dia do graffiti, foto de Raphael Boemer p193, Oficina de graffiti, foto Acervo Quixote p193, grafitti sobre plástico de Otávio Fabro (Ota) – Dia do Graffiti 2017, foto de Raphael Boemer p193, graffiti Harry Borges, Dia do graffiti, foto de Raphael Boemer p194, foto Acervo Quixote p195, Hip Hop Urra!, fotos Acervo Quixote p196, graffiti Insano de Otávio Fabro (Ota), foto de Stela Murgel p196, 197, graffiti Insano, fotos de Stela Murgel p198, graffiti de Felipe Risada, foto de André Luís O. da Silva p200, 201, Qxteam, fotos de André Luís O. da Silva p214, Sede Vila Mariana, foto Acervo Quixote p217, Moinhos Luz, República, Bexiga – Creca, 1, fotos Acervo Quixote p218, 219, 220, 221, publicações Quixote, fotos Acervo Quixote

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O Projeto Quixote O Projeto Quixote é uma Oscip que atua desde 1996 com a missão de transformar a história de crianças, jovens e famílias em complexas situações de risco, por meio de atendimento clínico, pedagógico e social integrados, gerando e disseminando conhecimento. Para enfrentar todos os dragões dessa empreitada, o Projeto Quixote aposta na arte, na educação e na saúde como formas de aproximação e vínculo com o público. A estratégia é construir alternativas para os desafios cotidianos de sua vida – a violência, o abandono, a falta de referências e o abuso de drogas – por meio de oficinas artísticas e ações clínicas e sociais, em que criatividade, afeto e expressão caminham sempre juntos. O Projeto Quixote atua nas áreas de inclusão social, educação e saúde nas seguintes frentes: Atendimento Com estratégias lúdicas, são construídos vínculos afetivos que possibilitam o surgimento espontâneo de demandas, respondidas por uma equipe multidisciplinar. A frente de atendimento é dividida em cinco programas: 1. Programa pedagógico O programa pedagógico do Projeto Quixote busca desenvolver a formação global, social, expressiva e cognitiva das crianças e dos adolescentes participantes que chegam, estimulando-os em todas as suas potencialidades e oferecendo oportunidades para que saibam atuar, interagir e construir novas aprendizagens. O trabalho é centrado na arte/cultura, com diversas oficinas como música, teatro, graffiti, dança, desenho animado, leitura e escrita, artes, karatê, capoeira, culinária, esportes, informática, além de festas, teatro e passeios.

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2. Programa clínico e psicossocial O programa clínico e psicossocial oferece atendimento em psicologia, psiquiatria, clínica médica, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicopedagogia, serviço social, farmácia e enfermagem, sendo referência em abuso de drogas, saúde mental e violência e abuso sexual. Executa, em parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo, dois serviços: SPVV (Serviço de Proteção a Vítimas de Violência) e Caps (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas Infantojuvenil). 3. Programa de atenção à família O Programa oferece atendimento psicossocial e geração de renda para familiares dos atendidos por meio da produção e da venda de produtos artesanais. Por trás de uma criança em situação de risco, há uma família em situação de risco. É por isso que o Projeto Quixote presta atenção especial a esse público, por meio do programa de atenção à família. Cuidando-se da família, cuida-se da criança. Assim, enquanto jovens e crianças que frequentam o Quixote estão participando de atividades, os parentes participam de grupos de discussão em que colocam em pauta as questões de sua família e de seus filhos. Eles também participam de oficinas de geração de renda em que aprendem a fazer artesanatos, quitutes e bordados. Além disso, alguns dos produtos produzidos são vendidos na própria loja do Projeto Quixote e nos bazares.

A primeira atividade do programa de educação para o trabalho é o Quixote Jovem, curso que aborda competências que o Quixote considera básicas para a inserção no mercado de trabalho, como empreendedorismo, mundo do trabalho, comunicação, e expressão. > Quixote Jovem: formação em competências básicas para o mundo do trabalho em oficinas de cidadania, comunicação, projetos e informática. > Agência Quixote Spray Arte: formação e geração de renda por meio do grafite. 5. Refugiados urbanos Atendimento a crianças e adolescentes em situação de rua, visando ao rematriamento, ao retorno à comunidade de origem. O programa tem foco numa das populações mais vulneráveis atendidas pelo Quixote: as crianças e os jovens que vivem em situação de rua. Formação e pesquisa A área busca estudar a prática para produzir conhecimentos e subsidiar políticas públicas voltadas a crianças, jovens e famílias em situação de risco. Por meio de cursos, supervisões, consultorias e publicações para técnicos e educadores sociais de todo o Brasil, procuramos trocar e multiplicar os aprendizados.

Além das oficinas, os familiares passam por acompanhamento clínico no Quixote e, se precisar, os profissionais fazem visitas domiciliares. 4. Programa de educação para o trabalho No primeiro contato dos atendidos com o Quixote, o acolhimento, a equipe se preocupa em identificar as demandas individuais de cada jovem. Ao longo dos anos, notou-se uma demanda comum entre eles: se inserir no mercado de trabalho. Foi para atender adequadamente a essa necessidade que surgiu o programa de educação para o trabalho, que se divide em diferentes atividades, buscando atender às variadas maneiras de se trabalhar e obter renda em nossa sociedade, inclusive aquelas que não são tradicionalmente vistas como opções de trabalho.

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Moinho 1

Moinho Bexiga

Moinho República

Moinho Luz

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Publicações Quixote

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Refugiados Urbanos Graziela Bedoian e Auro Lescher (orgs.) São Paulo, Condeca/Editora Peirópolis, 2017

Mundo da família: conceitos e manejos do atendimento Graziela Bedoian e Suely A. Fender (orgs.) São Paulo, Projeto Quixote, 2010

CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL: LIMITES E NECESSIDADES DA ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE, V. I Auro Lescher e col. São Paulo, Fapesp/Projeto Quixote, 2004

O escritório é escola: inclusão social no mundo do trabalho Graziela Bedoian (org.) São Paulo, PricewaterhouseCoopers (PwC)/Editora Peirópolis, 2014

MUNDO DO TRABALHO E JUVENTUDE EM SITUAÇÃO DE RISCO Graziela Bedoian e Roberto C. Madalena (orgs.) São Paulo, Fies/Projeto Quixote, 2008

CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL: LIMITES E NECESSIDADES DA ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE SAÚDE, V. II Nivaldo Carneiro Junior e col. São Paulo, Fapesp/Projeto Quixote, 2007

Gizamundo Auro Danny Lescher, Demis Menéndez Sánchez Ilustrações de Otavio Fabro (Ota) São Paulo, Editora Peirópolis, 2013

TEXTOS DE APOIO DA ÁREA DE ENSINO E PESQUISA DO PROJETO QUIXOTE Auro Lescher e Graziela Bedoian (orgs.) São Paulo, Projeto Quixote, 2007

CARTOGRAFIA DE UMA REDE Auro Lescher e col. São Paulo, Projeto Quixote, Ministério da Saúde/Cosam e UNDCP, 1999

Por trás dos muros: horizontes sociais do graffiti Graziela Bedoian e Katia Menezes (orgs.) São Paulo, Editora Peirópolis, 2008

CONCEITOS E ESTRATÉGIAS PARA O ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E JOVENS EM SITUAÇÃO DE RISCO Organização de Auro Lescher e Graziela Bedoian São Paulo, Projeto Quixote, 2007

Boletim “Tecendo a rede”, publicação distribuída mensalmente para mil educadores, durante 36 meses, 1999-2001 (Projeto Quixote)

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Em mais de vinte anos de atividades, o Projeto Quixote já trabalhou com cerca de 15 mil pessoas, sendo mais de 250 mil atendimentos a crianças, adolescentes e famílias. Por ano, são atendidas em média 1.500 pessoas, em 20 mil atendimentos. Aproximadamente 4 mil educadores e técnicos já passaram pelas ações da área de formação e pesquisa. Como reconhecimento por suas ações, o Projeto Quixote já recebeu diversos prêmios: Finalista Prêmio Itaú Unicef 2017, Prêmio Dom 2016 – Grupo Fleury, Prêmio Excelência da Brazil Foundation 2013; Prêmio Economia Criativa, do Ministério da Cultura, com a Agência Quixote Spray Arte 2012; Prêmio Itaú de Excelência Social em 2008 e 2011; Finalista no Dubai International Award for Best Practices to Improve the Living Environment e participante da mostra de tecnologias sustentáveis do Instituto Ethos, com o projeto Escritório-Escola, em parceria com a PwC, 2010; Prêmio Best in Class do Recognition Award (PwC) e Marketing Best Social em 2009; Prêmio Top Social ADVB, 2007; projeto de educação para o trabalho Redesenhando o Futuro em parceria com a Petrobras; Semifinalista do Prêmio Itaú – Unicef em 2007, finalista em 2001; finalista do Prêmio Trip Transformadores em 2007, na categoria Teto; finalista do Prêmio Empreendedor Social 2006 da Folha de S.Paulo em parceria com a Fundação Schwab; selo Organização Parceira do Centro de Voluntariado de São Paulo 2005; Projeto de Educação para o Trabalho finalista na categoria Apoio à Criança e ao Adolescente, do Guia de Boa Cidadania Corporativa da revista Exame, 2003; primeiro colocado no Concurso Nacional de Jingle – Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) em 2003; diploma de mérito pela Valorização da Vida, conferido pelo Senad em 2002; Prêmio Empreendedor Social 2000, pelo plano de negócios da Agência Quixote Spray Arte, premiada também como ideia inovadora pela Ashoka Empreendedores Sociais e pela Mckinsey & Company; Prêmio Ação Criança, da Fundação Abrinq, 2009. Entre nossos principais parceiros, podemos mencionar Unifesp, Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do Município de São Paulo (Smads), Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA), Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca), Porto Seguro, Brazil Foundation, PricewaterhouseCoopers, Instituto Arredondar, Gerdau, Itaú, Bic, Tegma, Banco Caixa Geral de Depósitos, Rede Folha de Empreendedores, Ashoka, PP&C.

Equipe 2017 Aglael J. A. G. Rossi, Alberto A. Comuana, Aline F. S. de Oliveira, Aline J. Vasconcelos, Amanda F. de Souza, Ana Claudia Vasconcelos Serri, Andre Luis O. da Silva, Andreia L. Schunemann, Andreia de Almeida, Andressa L. Modolo dos Santos, Aneli A. de Macedo, Aparecida T. S. dos Reis, Auro D. Lescher, Bruno C. Rocha, Cassio H. G. Papa, Cecília M. M. A. Motta, Claudia M. da Silva, Cleibson A. A. da Silva, Daniel Maia e Silva, Emiliana L. de Oliveia, Erica C. Machado, Eunice F. da Silva, Fabia de A. Lourenço, Felipe M. Ferreira, Fernanda L. A. Cezar, Francisco E. de L. Salviano, Frederico F. M. Gonçalves, Gabriel F. Benicio, Gabriella R. S. Costa, Graziela A. Bedoian, Gustavo B. C. Gonzalez, Indiara L. S. dos Santos, Ingrith A.e Silva, Isabel A. M. Ferreira, João V. G. Aquino, José Hilton dos Santos, Josefa A. S. Silva, Juliana C. da Silva Campos, Laura M. Feitosa, Lilian Bastos dos Santos, Lucas de C. B. Alves, Lucas de T. Lima, Luciana C. Escudero, Lucineide L. dos Santos, Mara C. D. S. Duarte, Marcelly G. Alberto, Marcos R. C. dos Santos, Maria F. A. Lara, Maria Ines Rondello, Maria Luzia V. Batista, Marina da Silva Rodrigues, Neiara H. T. Portolese, Otávio F. Boemer, Patricia da C. Silva, Paulo J. Silva, Rafael G. da Silva, Rafaela A. Nogueira, Rafik J. Chakur, Railda B. Oliveira, Raphael de O. Cintra, Raphael F. Boemer, Rodrigo R. Ferré, Rosimeire do Nascimento, Silvia de O. Sampaio, Suely A. Fender, Vanessa M. Oliveira, Zilda R. Ferré.

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Este livro contou com o apoio de:


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