CATÁLOGO | mau da língua

Page 1

ministério da cultura e museu paranaense apresentam:

dezembro — 2023

Museu

Karranca Groove: do que são feitos o barro e a água na obra de davi de jesus do nascimento

Karranca Groove: what clay and water are made of in the work of davi de jesus do nascimento

Beatriz

Brenda K. Souza

apresentação foreword
Paranaense mau da língua evils of the tongue
Lemos lista de obras list of works agradecimentos do artista artist’s acknowledgments davi de jesus do nascimento 10 20 36 114 118
6

tem um pé de fruta aqui em casa. todo domingo rego ele com pedaços do rosto de minha mãe guardados dentro da reza ranzinza que fiz para o diabo que eu via no redemoinho entre as pernas quando era criança

there is a fruit tree here at home. every sunday i water it with pieces of my mother’s face buried inside my surly prayer to the devil that I saw in the whirlwind between my legs when i was a child

7
10 mau da língua

mau da língua, exposição individual e inédita de davi de jesus do nascimento, deságua no Museu Paranaense (MUPA) com desenhos, fotografias, vídeo, escultura e instalação, além das águas guardadas, aguamentos barranqueiros e derranhos que marcam a sua identidade.

O modo de vida às margens do Rio São Francisco não deixou opção que não fazer as coisas como quem faz poesia. A partir de lenhos brutos, guardados pelas águas, mas também lenhos talhados, segredos de família, a madeira vive para além da vida da árvore da qual um dia foi tronco ou foi galho. É assim também com as ossadas e os bichos que se misturam com(o) gente, com os retratos-enchente e os acervos familiares que presentificam forças e saudades. A obra toda de davi é intrinsecamente ligada às durações e efemérides do tempo e da vida, de casa e de afora, das tecnologias ancestrais e das mais industriais, das coisas feitas e das coisas resgatadas, da imensidão do Chico profundo à pequeneza dos caracóis.

Incansavelmente em movimento, água, pedra, madeira, barranco, margem, casa, corpo, os organismos, todos, vivos, são apanhados em constituições mútuas e penetráveis. Essa sugestão da obra de davi é abraçada com toda força de admiração pelo MUPA, com seus esforços de promover vidas, culturas e artes geradoras, em contraposição às violências narrativas e aos afogamentos das histórias populares.

O trabalho de davi compõe com uma sensibilidade ribeirinha para o belo, os sonhos e os sinais, com um conhecimento profundo sobre terra, água e ar, com vivências de um mundo norte-mineiro tradicional e complexo, com uma poética-oralidade cheia de força e singularidade. Mas também é um trabalho transcriado com as coisas do urbano, assim como é político no gesto sutil de ser.

O quanto isso interessa e compartilha com as atenções do MUPA não é miudeza. Com essa exposição, propõe-se que o público paranaense também possa se identificar nas tramas dessas criações. Que se envolva pelas redes feitas de rio, família e conversa fiada. Que não se atenha ao preto no branco, mas permita-se viver aquilo que flui em tons terrosos. Museu Paranaense

11 davi de jesus do nascimento museu paranaense
apresentação

foreword

evils of the tongue, solo and unprecedent exhibition by davi de jesus do nascimento, opens its floodgates at Museu Paranaense (MUPA) with drawings, photographs, video, sculptures, and installations – in addition to the stored waters, full ravines and riverbanks that mark davi’s identity.

A way of life forged on the banks of the São Francisco River leaves no choice but to proceed like someone who writes poetry. From logs washed ashore by the waters, but also sculpted pieces and family secrets, wood lives far beyond the life of the tree of which it was once a trunk or branch. The same can be said for the bones and animals that mingle with people, for the flood-portraits and family collections that exude strength and longing. davi's entire work is intrinsically linked to the durations and ephemerides of time and life, at home and afar; to ancestral and more industrial technologies, to things made and things rescued, shifting from the immensity of the depths of the Chico to the minuteness of snails.

Tirelessly moving, water, stone, wood, ravine, bank, house, body, all living organisms are caught in mutual and penetrable constitutions. This view, suggested by davi's work, is embraced with immense admiration by MUPA, in its efforts to promote lives, cultures and generative arts, in opposition to narrative violence and the drowning of the people’s stories.

davi's work is composed with the sensitivity of the people of the riverbanks – to beauty, to dreams and signs, as bearers of a deep knowledge of land, water and air – ; it is steeped in the experiences of the complex and traditional world of northern Minas Gerais, with a poetics/orality replete with strength and singularity. Yet it is also a work trans-created with the things of the urban world, and it is political, in the subtle gesture of being.

Just how much all this also captures MUPA's attention should not be belittled. With davi’s exhibit, we invite the public of Paraná to identify with the plots that unfold in his creations, to involve themselves in networks made of river, family, and small talk. Not sticking to what is black and white, but allowing themselves to experience that which flows on in earth tones and colors.

12
evils of the tongue
13
de jesus do nascimento museu paranaense
davi

nasci na manjedoura com 4 lobos guarás me rodeando e cresci aprendendo a dividir tudo quanto é ninho e falação fiada na porta dos ouvidos.

nós barranqueiros - que nascemos chupando tamarindo e fazendo careta de azedume - grudamos a sombra da ponte na alma para esticar os quintais e permitir que o rio venha lamber nossos pés pisados de pregos.

i was born in a manger with four maned wolves around me and i grew up learning to share all that is nest-egg and idle chatter just waiting to be heard. we barranqueiros - those of us who were born sucking on tamarind and grimacing at its bitterness - glued the shadow of the bridge to our souls to expand our backyards and let the river come to lap at our feet that had walked over nails.

19

mau da língua

20 mau da língua
Brenda K. Souza

“o tamanduá a língua põe, feito quem quer comungar”

J.G.R

Há uma conversa fiada nas margens de cá do rio de que o primeiro pecado veio da carne da língua. O órgão longo e viscoso teria sido o responsável de, depois de tentear uma espécie de fruta proibida, convergir o paraíso às avessas; dar de saber ao homem a sua natureza de bicho como quem coloca no prato muita fartura em comida para só um comer. A lambança foi tanta que, dizem, todas as águas do mundo se espalharam.

A saliva do fruto de outrora preparava em verdade uma enchente.

Desde então, tem quem viva de se enredar no alheio, catando conversa na ponta do redemoinho. Com ele, adianta-se a palavra a caminhar suas distâncias, sabendo que na língua reside a possibilidade primeira de experimentar o que o corpo ainda não sabe, afiar os dentes do porvir, esticar, criar caminho.

Em mau da língua, primeira exposição individual de davi de jesus no Museu Paraense, somos levados ao centro dessa ventania riscada nos quintais alagados e convidados a conhecê-los pelos olhos da boca. A partir de uma seleção de desenhos, pinturas, fotografias, falas, objetos e restos engolidos e cuspidos pela correnteza, o artista despeja abundante todo fruto da coleta e inaugura ele mesmo um novo modo de derramar as águas doces do mundo.

davi se orienta pelo rio – rede bifurcada – e pela pesquisa nos acervos fotográficos de sua família. A partir desses espaços, seu trabalho torna-se resposta à exigência do mergulho, à necessidade de marcar no gesto do desenho e da colheita a sobrevivência do bando, porque “sobreviver gera o desejo por mais de si”.

Da profundidade do rio, davi recolhe os “objetos de águas guardadas”. O primeiro é um baleiro guardador de tempo-menino – “o nutre acre” –, recheado do tamarindo que cresce no bucho dos bichos medonhos moradores das águas fundas, no “sorvedouro”. A centralidade ocupada pelo objeto e pela fruta convoca o corpo ao movimento, espelhando nele a abundância azeda com a qual se farta todo aquele que se sabe morador de um entrelugar. O segundo objeto é uma “embarcação azeda”, uma canoa de três proas que comporta a “sustança” para os que se vão navegar nos sumidouros do rio, sem chance que a fome alcance; depois desta, há ainda

21
de jesus do nascimento museu paranaense
davi

a “sustança quebrada”, uma proa em viva travessia. Por último, a série “caxumba” fecha a seleção de objetos e faz encher a boca de saliva com o quadríptico de trouxas, tarrafas com tamarindos.

O marrom do tamarindo, do barro do fundo do rio, das águas mexidas de chuva, dá o tom também aos demais trabalhos. Nos desenhos da série “gritos de alerta” –, davi traz sempre em bando as criaturas sem as quais não se veleja a canto algum. A carranca, imagem híbrida meio-gente meio-bicho, é o amuleto primeiro que protege o corpo-embarcação.

Numerosas, as carrancas de davi não se repetem, mas andam apinhadas em cachos feito marimbondo.

Além destes, dividem morada molhada neste espaço os “aguamentos” de “sorvedouro”, a presença trincada do “retrato-enchente” da tataravó Ana Josefa; o “fogo selvagem” que acomoda na imagem do corpo-artista os restos de um bicho antigo; os retratos organizados em continuidade; a fala-alerta que não nos deixa nunca esquecer de que “a língua é castigo do corpo”, mas também é um jeito de ir.

O azedume que amalgama os trabalhos selecionados para esta exposição estão sempre presentes – nalguma medida – na feitoria de davi, mas o modo como essa presença se desenha desta vez nos cobra outra exigência do olhar, nos solicita um tipo diverso de coragem: a coragem de, tendo um corpo, experimentar as tantas formas que lhe cabem, saber velejar profundo, voltar outro sem gritar de susto com a nova-velha imagem que o espelho d’água vem refletir.

22 mau da língua

evils of the tongue

“o tamanduá a língua põe, feito quem quer comungar”1

J.G.R

There is idle talk on the banks of the river here that the original sin came from the flesh of the tongue. Hence, this long and viscous organ was responsible, after taking a taste of a kind of forbidden fruit, for turning paradise upside down – for making ‘man’ aware of his nature as an animal, like someone who fills their plate with too much food for just one person to eat. The mess was so great, they say, that all the water in the world spewed out and over.

The saliva of the fruit of old led to veritable flooding.

Since then, there are those who make a living from entangling themselves in other people’s affairs, eavesdropping at the edge of the whirlpool. Hence, the word journeys forth, knowing that from the tongue come the first chances to experience that which the body does not yet know, sharpening the teeth of the future, stretching out, carving a path.

In evils of the tongue, davi de jesus’ first solo exhibit at the Museu Paranaense, we are carried to the eye of this windstorm in flooded backyards and invited to know them through the eyes of our own mouths. Through a selection of drawings, photographs, speech, objects, and debris swallowed and spit out into the current, the artist spews out all the abundant fruit of the harvest and himself begins a new way to unleash all the fresh water of the world.

davi is guided by the river – a forked network – and by his research into the photographic archives of his family. Through these spaces, his work becomes an answer to the demands of the deep plunge, the need to mark the survival of the flock in the gesture of drawing and harvesting, because “survival creates the desire for more of itself ”.

From the depths of the river, David collects “objects of stored waters”. The first is a baleiro that preserves boyhood-time – the “nutre-acre” –, a net filled with the tamarind that grows in the stomach of the fearsome animals living in the deep waters, in the sinkhole. The centrality occupied by the object and the fruit calls the body to movement, mirroring in it the sour abundance that all those who know they live in an in-between place indulge in. The second object is a “sour vessel”, a canoe with three prows that provides “sustenance” for those who navigate the river’s sinkholes, where they are protected from hunger. This is followed by the “broken sustenance”, a prow for rapid crossing. Finally, the selection of objects closes with the “caxumba” series, making your mouth water, with its quadriptych of bundles, of nets holding tamarinds.

The brown of the tamarind, of the clay at the bottom of the river, of the turbid rainwater, also sets the tone for the other works. In the drawings from the “warning cries” series, davi always brings a herd of creatures whom you cannot sail

23 davi de jesus do nascimento museu paranaense

anywhere without. The “carranca”, a hybrid image that is half-human, half-animal, is the main amulet that protects the body-vessel.

Numerous, davi’s “carrancas” are not repeated, but crowd together in clusters like wasps.

And there also, the soaking waters, the cracked presence of the floodportrait of great-great-grandmother Ana Josefa share a wet home, the wild fire that accommodates the remains of an ancient animal in the image of the artist’s body, the portraits organized in continuity, the words of warning that never let us forget that “the tongue is punishment for the body”, but it is also a way of going on.

The bitterness that amalgamates the works selected for this exhibition are always present – to some extent – in davi’s workshop, but the way this presence emerges this time demands something else from our gaze, asking us for a different type of courage: the courage, as people with bodies, to experiment as much as we can with this embodiment, knowing how to sail with expertise and returning transformed, unintimidated by the images, both new and old, that the water mirror reflects back to us.

24
evils of the tongue
1 “The ant eater sticks its tongue out, like someone wanting to take communion”.
25
de jesus do nascimento museu paranaense
davi

tânia sempre come a carne por último porque acha a coisa mais gostosa do prato e não tem o costume de misturar tudo igual o restante do povo da família. vânia desde pequena traspira o caldo da fruta que come todas as manhãs por isso a gente ama abraçar ela grudano suor.

o que me fez nascer meio-dia e quatro, com sol, vênus, marte e mercúrio em peixes foi o cemitério de almoço e janta ou assoreamento dos dentes de dentro. jogávamos no quintal os ossos que a gente roía, sem preocupação se os cachorros iriam ou não engasgar. eles mastigavam, mas nunca engoliam. sempre sobrava esqueleto no quintal. a nossa sobra e a sobra deles.

o que mais tinha na terra do quintal além das escamas de peixe que nosso pai tratava era tritura. roíamos os ossos tanto de galinha quanto da costela de boi. os da coxa eu e minha irmã brincávamos de ver quem na primeira mordida conseguia quebrar pra chupar o tutano. quando te chamei para morrer aqui tudo inundou. a água levou nossa ossada os cachorros e a casa dos vizinhos com eles dentro debaixo. aqui as paredes falam, colocando boca nas palavras acima do nível da marca da última enchente.

28

tânia always eats the meat on her plate last because she thinks it is the tastiest thing there and she doesn’t have the habit of mixing everything together like the rest of the family does. vânia since she was small sweats the fruit juices that she has every morning and that is why we love to hug her while she is sticky from the sweat.

what caused my birth at four past noon, with the sun, venus, mars and mercury in pisces was our lunch and dinner cemetery or the way our teeth sedimented there inside. we used to throw bones that we gnawed into the backyard, never worrying about whether the dogs would choke. they chewed but never swallowed them. there were always skeletons left in the yard. our leftovers, their leftovers. what else there was in the backyard besides the scales of the fish that our father cleaned were grindings. we gnawed on the bones of both chicken and beef ribs. my sister and i played with the thigh bones to see who could break them at the first bite then suck their marrow. when i called you to die here everything flooded. the water took our bones the dogs and the neighbors' house with them in the deep. here the walls speak, mouthing words above the level of the mark of the last flood.

29

sem título [untitled], 2023 fotografias [photographs]

30 mau da língua
31
de jesus do nascimento museu paranaense
davi

32-33

32 mau da língua

estudos de corpo-embarcação ['body-boat'studies], 2018 fotografias polaroid, butuca de Castiel Vitorino Brasileiro [polaroid photographs, Castiel Vitorino Brasileiro's peephole]

34-35

nutre acre [acre nourishes], 2023 objeto de águas guardadas, baleiro com tamarindos [object of stored waters, candy dispenser with tamarinds]

33 davi de jesus do nascimento museu paranaense

Karranca Groove 1 : do que são feitos o barro e a água na obra de davi de jesus do nascimento

Beatriz Lemos

1 Karranca Groove é o título da canção de Marku Ribas e 5ª faixa no disco 2 do álbum Marku 50 – Batuki, Parda Pele, Atavu, 2013. Aqui, o escolhi como expressão que denota sintonia e fluidez com a carranca. Um groove é muitas vezes associado a uma sensação rítmica contagiante e cativante que faz as pessoas quererem dançar ou se mover ao ritmo da música.

36 mau da língua
“Para os bichos e rios, nascer já é caminhar”

Os lábios se curvam involuntariamente, os olhos se alargam e rapidamente se estreitam, as sobrancelhas se unem. É nesse momento que a ponta da língua procura compreender a complexidade desse gosto tão único. Quando um rosto encontra o sabor do tamarindo, é como se lampejos de surpresa e intensidade investigassem cada expressão.

É uma feição careta/carranca, de desconcerto, mas também de fascinação, como se a mente estivesse processando a experiência gustativa e decidindo se deve celebrar ou desafiar esse encontro inesperado.

Há uma vivacidade na expressão facial, um vigor que transcende a mera função de comer. É como se o rosto estivesse envolvido em um diálogo momentâneo com o alimento, trocando impressões e reações. E, à medida que a acidez se dissipa, é comum observar um sorriso contido ou uma risada suave.

A aliança entre o azedo e o doce tem coloração âmbar e é caráter distinto do tamarindo. Fruto de casca aveludada, com formatos escultóricos e tons terrosos, como se fossem pequenas lascas de terra molhada ou de troncos úmidos de árvores. Vasto nas regiões quentes do Rio São Francisco, muitas vezes se confundem com bichos da terra pendurados nas folhas, mas também poderiam ser pedaços de madeira cavados na carranca.

Ao provar o tamarindo, nossas feições acompanham a experiência da língua no encontro de um gosto peculiar e se assemelham às carrancas que, historicamente, protegem barcos e casas à beira do Rio São Francisco. Acredita-se que essa fisionomia do assombro espanta maus espíritos e acalma as águas. Para as comunidades ribeirinhas, não há escudo maior do que ter fé nas proas.

O vínculo entre o tamarindo e a carranca indica toda a dimensão espiritual secular que carrega os rostos de humanos e de animais, especialmente quando há fusões entre estes, com expressões exageradas de espanto, expurgo e combate. Essa correspondência visual, simbólica e cultural é apenas uma das janelas para adentrar a obra de davi de jesus do nascimento e nos ajuda na elaboração de um percurso poético que possa dar conta do universo tão imenso de fabulações e confluências entre as águas.

37 davi de jesus do nascimento museu paranaense

Para perceber as nuances de sua produção é preciso encarnar para si o devir carranca – assim como define davi – e olhar para os lados com as portas dos ouvidos.

II

Imagine nadar em um rio de tamarindos ou que carcaças de peixe-boi saíssem de suas costas ao anoitecer. Imagine um berço rosa para ninar cardumes e um menino que, de tanto olhar para uma carranca, se fundiu com uma proa e todas as manhãs é visto nas embarcações.

Ao imaginar, vemos. E é assim que davi nos mostra as encantarias de seu povo e de seu território. Artista barranqueiro, de pele feito lama de rio e palavras de quem tem na boca a memória dos peixes, sua origem vem das águas do São Francisco. Quando criança, via caracóis saírem das varizes de sua avó e abraçava as pessoas para sentir o cheiro das frutas que elas comiam. Com olhos radiantes e curiosos, davi encharca a realidade ao seu redor com filtros de poesia, evidenciando a pureza contida nas coisas como elas realmente são, nas coisas como elas também poderiam ser ou nas coisas quando ganham impensados propósitos.

São essas as saudades que banham seu trabalho. Lembranças de um tempo em que todos nós já vivemos, quando a inocência se traduz em gestos simples e espontâneos, em um mundo que é novo e emocionante a cada descoberta. Acompanhar davi artista é também conhecer um pouco de davi quando criança, como se estivéssemos rebobinando as fitas VHS que guardam os segredos e alegrias da família Nascimento. O universo do menino esculpido de barro, que cresceu entre os girinos, nos barrancos do São Francisco, das Gerais, com o primo mestre carranqueiro, o pai mestre barqueiro e a mãe encantada nas águas do rio.

E, pelas bonitezas do olhar sensível de quem é parente da terra, encontramos também os dizeres difíceis de sua realidade adulta, que atesta as mudanças na paisagem, a diminuição das águas, os desmatamentos das margens, as transformações causadas pela ingerência de sistemas criados para o adoecimento dos rios, como assoreamentos, transposição, seca e rompimento de barragens2. Macroprocedimentos que estão presentes no dia a dia das comunidades ribeirinhas e que são causadores de forçosos movimentos diaspóricos de famílias, ao longo da extensão do grande rio que cruza diversos estados brasileiros.

2 Em conversa com o artista, em sua opinião, as barragens são os procedimentos mais danosos para a vida dos rios. Barragens em rios são estruturas construídas para represar água, criando reservatórios artificiais.

38 mau da língua

Essa é também a história de sua família baiana ao chegar a Pirapora, em 1975, nos tempos áureos da cidade portuária, quando o respeitável evento de fim de tarde era a chegada dos tradicionais barcos a vapor. O translado de passageiros e mercadorias entre o Nordeste e o Norte de Minas fomentou a economia da região, entre os séculos 19 e 20, e fez de municípios do interior locais dinâmicos de alto turismo e diversidade cultural3. Mesmo sendo um símbolo imperial, a navegação por meio dos vapores foi o principal meio de transporte no extenso trecho navegável do Rio São Francisco e foi proibida devido ao risco de acidentes decorrentes dos bancos de areia assoreados. Apenas um exemplo dos impactos que a cultura do extrativismo gera nas comunidades tradicionais e na liberdade do ir e vir. Pirapora é matéria-prima para o trabalho de davi de jesus, de onde sua prática cria interlocuções com o mundo, e a história da cidade é um capítulo importante para se conhecer o Brasil fluvial e os processos migratórios no interior do país.

III

A tardança de tempo que cada lugar nos pede diz muito sobre a produção de davi. Assim como a pausa de contemplação diante do horizonte visto de dentro do barco, o artista nos presenteia com a reiteração e reincidência de suas imagens, palavras, casos fabulados e, principalmente, da narrativa de seu território. Com quase uma década de produção, davi segue a sonhar, a escutar e conversar com o Rio São Francisco que, por sua vez, o convoca constantemente.

Aliás, sua escuta abrange também as sabedorias das avós, dos pescadores, dos insetos, dos barrancos e das carrancas. Com delongas, insiste na insistência de um trabalho que não se restringe a ser um tema de pesquisa. Pelo contrário, temáticas não se sustentam no arco do tempo. Para davi, fazer sua arte é se transmutar em matéria para além de seu corpo. Ou melhor, uma composição matérica, onde é possível ampliar todos os sentidos do corpo, para que a comunicação ocorra de múltiplas maneiras.

E, assim, é necessária a teimosia. Pois são objetos, seres, desenhos, aguamentos, imagens e aparições que perseguem o artista e reivindicam presença. Trata-se de um repertório de imagens pertencentes a um contexto singular, que volta e meia reaparecem no imaginário de um povo. Diz-se que não importa quantas vezes tentam matar um rio, sempre haverá uma nascente prestes a brotar. A persistência é adaptação e fluxo contínuo em busca de seu deságue de destino.

3 Pirapora, por exemplo, era destino de muitos artistas da MPB como Alceu Valença, Sá e Guarabyra, entre outros, e morada do músico barranqueiro Marku Ribas. O álbum Pirão com Peixe, de 1977, de autoria da dupla Sá e Guarabyra, foi composto em homenagem a Pirapora, com destaque para as canções Trem de Pirapora e Cinamomo

39 davi de jesus do nascimento museu paranaense

A partir da constância, davi de jesus do nascimento aprofunda campos conceituais que dão sustento à sua obra e que nos oferecem possibilidades de estudos ampliados, podendo abrir discussões tangenciadas acerca de seu universo artístico. É possível traçar diversas leituras tendo sua obra como ponto de referência. Aqui, me proponho a navegar por três possibilidades, as quais acredito serem de interesse em sua pesquisa: família, amuletos e monstruosidade.

Família

No vídeo, a irmã apresenta as duas cadelas, Rodela e Lessi; os três coelhos, Teca, Nica e Minnie; e o casal de papagaios, Sandy e Junior. Segue com a câmera mostrando o ambiente do quintal até chegar na cozinha, no momento de servir o almoço de domingo, descrevendo cada familiar como se estivesse à frente de uma reportagem. Naquela ocasião, tios, sobrinhos, pais, filhos e avós comem juntos moqueca de surubim. Trata-se de uma gravação de 3'57", em filmadora VHS, de um dia comum em família, que, posteriormente, foi projetado em uma caixa de madeira com água, sob o título de pirão de peixe com pimenta, na segunda exposição individual de davi4. Uma das primeiras obras concebidas em parceria com seu pai Davi (de quem o artista herda o nome) é uma, entre tantas outras, possibilidades de reativar lembranças de um cotidiano familiar, ressignificando experiências de luto, saudade, conflitos e cura.

A prática caseira de filmar e fotografar foi comum durante toda a infância de davi e de seus irmãos e primos, ao longo dos anos 1990 e começo dos anos 2000. São registros que testemunham desde o crescimento das crianças aos festejos tradicionais, passando pelas ações de impacto humano no curso do São Francisco. Além de importante documento de observação do contexto e região, essas fotos e vídeos são a autorização de acesso a um legado da imagem e ao direito à memória, algo negado para muitas famílias racializadas, étnicas e desprovidas de recursos.

O que vemos (e participamos) nas imagens consiste em momentos de lazer elegidos como dignos de lembranças para a posteridade e que foram reunidos em coleção de fitas de vídeo, remasterizados para DVD, e muitos álbuns de fotos. Ao nos darmos conta do conjunto de peças, é possível identificar escolhas, prioridades, intimidade e laços de afeto. São apontamentos dos instantes que realmente importam – escolhas precisas e únicas –, decisões que foram roubadas de nós pelas câmeras digitais.

Outra característica importante desta coleção são os “retratos-enchentes”, rostos de familiares com expressões sérias e atentas – fotos típicas

4 o suor da testa mora dentro dos marimbondos é a segunda exposição individual do artista, realizada no Memorial Minas Gerais Vale, entre outubro e dezembro de 2019. Com curadoria de Júlio Martins.

40 mau da língua

das que servem para certidões. Ampliadas e com as marcas do tempo no papel impresso, as imagens, quando expostas, ganham notas poéticas reveladas pelo artista, atestando histórias íntimas de vida do bisavô, João das Queimadas, da tataravó Ana Josefa Paixão, do tio Neno e da vó Joaninha.

De tempos pra cá, davi decidiu ser guardião desse tesouro, reunindo em acervo registros de parentes próximos e distantes. O acervo de família vem fazendo redemoinhos em sua produção, a partir de gestos de “remolhar” as imagens, e firma a presença de seus antepassados e ancestralidades como reverência. Pelo título da série butuca em remolho podemos também conhecer o sorriso de sua mãe, Eliane Vieira do Nascimento, falecida precocemente, ainda jovem. O encantamento de sua mãe foi um marco decisivo em sua vida, desaguando na comprovação pessoal em seguir a profissão de artista e como alimento para a reconfiguração familiar e de reaproximação com seu pai e seu irmão.

Quem conhece davi e sua maneira de trabalhar sabe, logo rapidamente, que a colaboração e o consentimento de seus familiares na elaboração de suas obras são um condicionante. Assim como ter as condições apropriadas para uma apresentação fiel e honesta de sua comunidade. Isso porque seu trabalho parte do Rio São Francisco com o propósito cabal de curar as feridas familiares, os traumas sociais cravados em seu corpo dissidente, quando jovem em uma cidade do interior, e as angústias coletivas de um povo que é parente do rio sob constante política de morte. Desta maneira, toda a sua produção é uma emocionante carta de amor à sua mãe, numa verdadeira tentativa de dividir com ela o caminhar de sua gente e sua terra.

Assim, as aquarelas, ou melhor, “aguamentos barranqueiros”, como denomina o artista, especialmente as séries a correnteza zanza silêncios e para desalagar, retratam cenas de vizinhos, amizades, conhecidos e desconhecidos de sua cidade, mas que podem se estender para todas as cidades que beiram o grande São Francisco. Aparições de corpos aguados, quase que disformes, fazendo alusão aos momentos coletivos de comunhão com o rio, mas também aos lamentos das enchentes e alagamentos. As obras nos mostram as pessoas dessa terra, de corpo feito em barro marrom. Como metodologia para nunca esquecer o inegociável, o artista tem convidado seu pai para colaborações em trabalhos escultóricos, vídeos e fotografias. Por sua vez, Davi, pescador e mestre barqueiro, elabora, com a ajuda do filho, um novo entendimento de arte, diferente da marcenaria que constrói barcos, móveis e instrumentos musicais, mas aquela que articula com o capital simbólico das grandes exposições e instituições de arte. Nas recentes exposições de davi, é constante a presença de barcos, ora inteiros, ora em partes – como oratórios, casas de tamarindo, caixão silenciador ou proas que dão a rota no espaço –, todas as obras em autoria compartilhada com seu pai, Davi Nascimento. Um dos trabalhos mais emblemáticos dessa parceria é singra, projeto elaborado para um festival virtual5, onde o processo completo de construção de um barco à vela, sua

41 davi de jesus do nascimento museu paranaense

esta é a única foto que temos de Ana Josefa Paixão - minha tataravó materna - que assim como as outras mulheres de nossa família, toda vida lavou roupa no rio são francisco. nasceu em queimadas, na bahia. e hoje, vó Joanamãe de minha mãe - me contou que ela morreu de fogo selvagem. no final de sua travessia, ao invés de colocar lençol na cama eles forravam com palha de bananeira pra não grudar nas feridas. conseguir ver o rio correr melando o rumo do barro trincado é como passar o olho fértil no gargarejo febril e assado ofertado pelo sol de meio-dia de toda noite minguante. voltar pra pirapora é nadar contra a correnteza com braços de romaria fluvial.

this is the only photo we have of Ana Josefa Paixão - my maternal great-greatgrandmother - who, like the other women in our family, washed clothes in the são francisco river all of her life. she was born in queimadas, bahia. and today, grandma Joana - mother of my mother - told me that she died from wild fire. at the end of her journey, instead of putting a sheet on the bed, they covered it with banana straw so it wouldn't stick to the wounds. being able to see the river flow along the path of cracked clay is like passing a fertile eye over the feverish, roasted gargle offered by the sun at midday of every waning night. to return to pirapora is like swimming against the current with river pilgrimage arms.

42
43

43

retrato-enchente de minha tataravó Ana Josefa Paixão [flood portrait of my great-great-grandmother Ana Josefa Paixão] fotografia (butuca em remolho) do acervo de família [photograph from the family's collection]

44

“as veias de um rio visto de cima”, retrato-enchente de meu pai David Nascimento [flood portrait of my father David Nascimento], fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection] retrato-enchente de minha mãe Eliane Nascimento [flood portrait of my mother Eliane Nascimento], fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

45

retrato-enchente de tio Neno [flood portrait of uncle Neno] fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

44
45

apresentação ao rio e posterior navegação é acompanhado, passo a passo, por meio de fotos e vídeos de Caio Esgario, companheiro de vida do artista. Em meio ao labor do barqueiro, davi dialoga com os gestos do pai através de estudos corporais e sonoros.

Amuletos

Como proposta de projeto artístico para a Bolsa Pampulha 2019, davi propôs carregar por seis meses uma carranca de 20 quilos pelas ruas de Belo Horizonte. A ação consistia em algo novo para sua prática, porém, representava um gesto de combate, que poderia fortalecê-lo no processo de adaptação à nova cidade de morada – já que as carrancas são esculturas sagradas de proteção e um elemento familiar para o artista. Contudo, corpo-embarcação extrapolou expectativas e se transmutou em um rito de passagem, um acontecimento para além das categorias de arte. O tempo se alargou e o que seriam meses durou um ano, quando carranca e corpo se fundiram em massa única com lampejos de suplício e de gozo.

A proposta nasceu como performance, mas logo o artista se deu conta de que as categorias não dariam conta daquela experiência do corpo e do espírito. Apesar de por vezes o corpo exausto, a insistência do sacrifício elevou a ação a um percurso espiritual de autoconhecimento, cura e conciliações com suas raízes e terra natal6. Dos resquícios artísticos, a fotografia analógica Kodak PLUS-X 125, corpo-embarcação ficou como pedra fundamental que autoriza o início da jornada. Dessa maneira, o ato de carregar na cacunda a carranca é um, entre tantos, acontecimentos instaurados por davi de jesus, em que as bordas entre vida/arte se esparramam. Muitos elementos emblemáticos que fazem parte da cultura barranqueira são convidados a participar como coautores do pensamento artístico de davi. Eles estão lá como amuletos de proteção, de coragem, de escuta do território. Conversam a todo instante com o artista, instruindo-o conforme querem ser apresentados e difundidos ao mundo externo. Assim é sua relação com as carrancas, quando elas se manifestam em desenhos e vídeos, com as redes de pescas, quando se materializam como instalações na série caxumba, e com os tamarindos, as carcaças de bichos, galhos e os demais “objetos de águas guardadas”, trazidos pelo rio.

5 A obra singra foi comissionada para o festival fluvial Seres-rios, em 2021. Trabalho realizado em colaboração com o pai, Davi de Jesus do Nascimento, e Caio Esgario. Para conhecer o trabalho, acessar o link: seresrios.org/ davi-de-jesus-do-nascimento/

6 Ao carregar a carranca, davi carrega também a referência cultural associada à sua terra. Esse simbolismo fica evidente ao termos conhecimento de que a carranca usada em corpo-embarcação pertencia ao músico Marku Ribas e foi cedida via empréstimo de sua amiga, Lira Ribas, filha do músico barranqueiro.

46 mau da língua

grito de alerta é um exemplo dessa escuta. A série, que foi iniciada no período da pandemia com o objetivo de dar um suspiro em meio ao medo, à incerteza e à instabilidade de recursos, hoje ocupa um lugar de destaque em sua produção. Milhares de carrancas desenhadas, individualmente ou em grupos, povoam o imaginário estético relacionado ao conjunto de sua obra. Com expressões de grito e de alerta, mostram-se abocanhando umas às outras, de pé, deitadas, tombadas, dançantes. Assim como conjuro, foram as responsáveis pelo início da emancipação financeira do artista, inaugurando sua obra no mercado de arte e, conforme correnteza, trazendo continuamente seu nome para a cena artística nacional. As carrancas em alerta trabalham em modo de feitiço e não querem parar.

Já a sua carranca escultura, que foi talhada pelo Mestre Expedito Viana Rodrigues – uma referência na região – e que atualmente protege sua casa, foi avistada recentemente7 na obra gemer carranca naufragada, uma dupla de vídeos onde o artista faz a mediação da conversa entre carranca e rio, lava a carranca com água doce do rio em gesto de benzimento e assunta a carranca feito bicho farejador. As imagens em movimento integram a série estudos de corpo-embarcação, que segue em contínuo desenvolvimento.

Por sua vez, os tamarindos preenchem baleiros, redes, barcos e ambientes inteiros, exalando seu cheiro agridoce para além dos espaços expositivos ocupados pelo artista. Dizem que, ao se passar perto ou longe dos museus e centros de arte que já receberam obras de davi, o cheiro permanece lá, conservado e emanando a memória e espiritualidade do rio por muitos anos.

Monstruosidade

Um corpo que é metade humano, metade escorpião, surubim, calango ou coruja. Em exorcismo de dor vemos repetidas vezes davi de costas, revelando partes de seu corpo quando se metamorfoseia em bicho. A belíssima série de Polaroids, que teve início em 2018 e segue em contínua duração, é um apontamento do corpo quando suas bordas se extrapolam, quando os parâmetros de normatividade social não se sustentam.

Ao encontrar pelo chão de Pirapora, corriqueiramente, carcaças e pedaços de bichos já em processo alargado de mumificação natural – favorecido pelo clima seco da região, que rapidamente desidratada os tecidos e preserva as características externas dos organismos –, davi experimenta outras versões de si ao costurar ou “acostumar”8 novos corpos ao seu. O resultado clarifica a integração de sua identidade ao seu contexto de

47 davi de jesus do nascimento museu paranaense
7 Obra exposta em mau da língua, em cartaz no Museu Paranaense, Curitiba, Paraná, entre dezembro de 2023 e março de 2024.

50 mau da língua

48-49, 51 sem título [untitled], 2023 04 trouxas e tarrafas com tamarindos dependuradas por anzol e linha de pesca, águas guardadas da série caxumba [04 bundles and nets with tamarinds hanging from hook and fishing line, stored waters from the series mumps]

origem e, mais que isso, afirma e celebra as múltiplas existências, desde humanidades, não humanidades e seus híbridos, que dali pertencem. A série fotográfica também traz ao debate a cosmopercepção que desconsidera relações opressoras e tirânicas entre espécies, desvinculando as hierarquias ao propósito do capital e do extrativismo e ancorando aos seres vivos um ambiente natural de coparticipação e comunhão. Ou seja: lascas de magia que rememoram as intelectualidades afroindígenas que compõem toda a extensão do Rio São Francisco.

Redizendo desde esse lugar, somamos a outros trabalhos rituais que mesclam sua identidade, compondo-a tão fluida quanto um curso d’água. Assim ocorre no ensaio fotográfico pesca-ameaça de naufrágio da barca ou ensaio para morrer com o rio, realizado em colaboração com seu pai e irmão após um sonho do artista. Na cena, Davi pai lança a rede no rio para pescar o filho davi. E se repete no caso das fotografias pesca farta, em que o artista posa ao erguer nos ombros um peixe amarelo, e porto seco azedume, quando, na proa de uma embarcação abandonada, davi se torna carranca – esta última, pelas lentes de seu irmão Bicho Carranca. Já na esfera dos experimentos de comunicabilidade entre corpos, o artista vem desenvolvendo uma série de pequenos vídeos acerca dos seus estudos do movimento, que fazem alusão ao dançar do redemoinho na terra seca9, seja em prosa direta com raízes varizes do Rio da Velhas, seja na impecável sintonia da dança com o cacarejar das galinhas da vizinhança.

Esse conjunto de obras ocupa um lugar central no debate iconográfico e teórico na contemporaneidade, ao discutirmos os transbordamentos da Teoria Queer e das teorias de monstruosidade e ecologia, ao serem atravessadas pelas localizações de raça e geografia. De modo que, ao revelar poeticamente seu mistério, de teor essencialista, o artista se insere na categoria identificada pela norma social como demoníaca, monstruosa, anormal, personificando as existências que, há séculos, são descritas como selvagens e causando, assim, respostas comuns entre medo e atração. Não à toa, as discussões sobre monstruosidade têm ganhado cada vez mais tono, em âmbito global, na tentativa de subjetivar as experiências sexo-gênero dissidentes, em especial, o corpo queer racializado e periférico.

Dando lastro ao estudo que desvela as diversas formas de vida provindas do rio, os aguamentos da série sorvedouro anunciam as entidades oriundas do barro que toca as águas mais profundas do São Francisco. O título faz referência ao fenômeno natural em que a água, muitas vezes de

8 Processo em que o artista cola pedaços de animais em fotografias.

9 Nessa série de trabalhos, davi faz alusão ao redemoinho a partir da frase “O Diabo na rua, no meio do redemoinho”, sua inspiração e influência direta no livro Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa. A obra célebre da literatura brasileira se passa, em partes, na região do Norte de Minas Gerais, sendo a cidade Pirapora um dos pontos turísticos relacionados ao romance.

54 mau da língua

davi de jesus do nascimento

sem título [untitled], 2023 derranhos, da série grito de alerta [spills, from the series warning cries]

55
museu paranaense

maneira rápida e poderosa, é absorvida ou sugada para dentro, como em um buraco, abismo ou vórtice, formando correntes subterrâneas, cavernas ou formações geológicas específicas. A ideia de absorção aqui aglutina seus três significados: impregnação, compreensão e arrebatamento. Para algumas culturas indígenas da região e proximidades, seres do submundo cuidam do equilíbrio da terra e são os donos dos recursos naturais. Portanto, os seres medonhos retratados por davi de jesus, muitas vezes narrados em período de gestação, emergem para a superfície no intuito de serem reconhecidos através de suas histórias, vozes e odores.

IV

mau da língua

A exposição que ocupa o salão de projetos temporários do Museu Paranaense reúne remontagens de obras dos últimos anos de produção do artista, em diálogo com trabalhos elaborados para a ocasião. Perpassa por sua trajetória, celebrando a versatilidade entre linguagens, ao agrupar fotografias, esculturas, objetos, vídeos, desenhos, pinturas e a escrita que aparece na poesia de seus títulos. Embora haja o ineditismo de algumas peças, elas habitam um vocabulário já conhecido e familiar no universo imagético de davi, mas que, dessa vez, somos convidados a adentrar sua poética através dos “olhos da boca”, como descreve a escritora Brenda K. Souza, em seu texto de abertura.

No entanto, ao lançarmos uma perspectiva mais alargada de sua produção, podemos considerar que mau da língua consiste na terceira parte que encerra o ciclo de uma tríade de exposições realizadas no ano de 2023, em diferentes instituições brasileiras, e que, como suas obras que insistem nos redemoinhos, essas exposições também se embaralham, como se fossem uma única exibição, só que em partes, para garantir o fôlego da respiração. Tal panorama atesta um primeiro momento de madurez de sua

56

prestígio de voo, vestígio de queda [prestige of flying, traces of the fall], 2017 patas de rolinha costuradas sobre fotografia instantânea, água guardada da série exorcismo de dor [turtle-dove paws sewed on instant photography, stored water from the series exorcism of pain]

57

fogo selvagem [wildfire], 2023 escorpião acostumado sobre fotografia instantânea, água guardada da série exorcismo de dor [scorpion 'accostumed' on instant photography, stored water from the series exorcism of pain]

58

prestígio de voo, vestígio de queda ii [prestige of flying, traces of the fall ii], 2022 pássaro lacerado e acostumado sobre fotografia instantânea, água guardada da série exorcismo de dor [lacerated bird 'accostumed' on instant photography, stored water from the series exorcism of pain]

59 davi de jesus do nascimento museu paranaense

gemer carranca naufragada [to moan wrecked scowl], 2023 video-fuá da série estudos de corpo embarcação, butuca de Caio Esgario [video from the series 'body-boat' studies, Caio Esgario's peephole]

60
61

estudos de 'corpo-embarcação' ['body-boat' studies], 2023 vídeo projetado em caixa de madeira com água de rio suspensa, butuca de Caio Esgario [video projected on a wooden box with suspended river water, Caio Esgario's peephole]

62
63

produção, sendo possível identificar as escolhas feitas para o trabalho, ao longo do trajeto, articulações discursivas acerca de seu campo de pesquisa de forma mais apropriada e um corpo estético próprio das obras.

Assim, uma análise dessas três mostras, no intuito de observar o modo como davi comunica as nuanças que seu trabalho exige, salienta algumas sutilezas em relação ao espaço, à luminosidade, à ativação dos sentidos requerida por certas obras e ao movimento corporal no qual o artista sugere para o percurso expositivo. Os panoramas se assemelham em seu partido curatorial: compostos de obras que acompanham o artista por anos e obras que nascem para cada ocasião, mas falam o mesmo idioma.

na boca da noite, os muruins, exposição realizada no Instituto Çarê10, é a primeira desse conjunto de mostras. O assunto por entre os trabalhos foi o estudo da luz e como esse elemento recria a ambientação ideal para o repouso de suas obras. A atmosfera concebida para a ocasião teve em conta a relação entre a cintilância e o desejo do tato – conexão cara para o artista por ajudá-lo a relatar uma melhor compreensão de seu contexto, este que flui entre tons amarronzados, terrosos e âmbar.

Já a segunda, em contagem cronológica, ocorreu no Palácio das Artes, sob o título madeira doce, água áspera11. Para o momento, davi pôde elaborar expograficamente um conversatório entre os trabalhos, de modo que o corpo em trânsito pelo espaço expositivo performava similitudes com o movimento das embarcações que navegam pelo São Francisco. O argumento se firmava na potência do deslocamento, que ora é feito de calmaria e pausa, ora arrebata no susto que sacode.

Por fim, mau da língua, em exibição no Museu Paranaense, é o retorno ao começo. Trata-se do ápice desse vórtice, pois é a amarração de um pensamento artístico que vem sendo fabulado nos últimos anos. É feitiço de carranca. Aqui, davi apresenta a defesa de um léxico comum para as deformidades do rosto, ao se tornar carranca e ao saborear o tamarindo. mau da língua experimenta o embaralhamento dos sentidos, uma confusão de sensações do corpo, se tornando um lugar vivo para sua investigação. As embarcações azedas que ali descansam: sustança e sustança torada, partes de seus “objetos de águas guardadas”, nos dão as direções de destino. Uma canoa com duas proas e uma proa empapuçada de tamarindos são suas entidades de caminho, que em meio a amuletos e antepassados, se encarregam de transportar o menino com pele de barro para o horizonte do porvir.

10 A exposição esteve em cartaz entre abril e junho de 2023 no Instituto Çarê, em São Paulo. Com texto de apresentação de Brenda K. Souza.

11 A exposição esteve em cartaz de outubro a janeiro de 2024, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Com texto de apresentação de Isabella Rjeille.

64 mau da língua

sem título [untitled], 2023 aguamentos barranqueiros, da série sorvedouro [riverside waterings, from the series sinkhole]

65

pesca farta [abundant fishing], 2018 fotografia instantânea, butuca de Luana Vitra [instant photography, Luana Vitra's peephole]

70-71

sustança [sustenance], 2023

objeto de águas guardadas, embarcação azeda [object of stored waters, 'sour boat']

72-73

sustança torada [toasted sustenance], 2023

objeto de águas guardadas e proa azeda [object of stored waters, 'sour boat']

75

enchente de 1979 [flood of 1979], 1979 fotografia analógica do acervo da família [analogue photography from the family collection]

74
75

corpo-embarcação [body-boat], 2019 fotografia analógica, butuca de Alexandre Lopes [analogue photography, Alexandre Lope's peephole]

76
77

Karranca Groove 1 :

what clay and water are made of in the work of davi de jesus do nascimento

For animals and for rivers, to be born is to be on the run.

Lips curve involuntarily, eyes widen and then quickly narrow, brow furrows. It is at this moment that the tip of the tongue seeks to apprehend the complexity of such a unique taste. When a face encounters the flavor of the tamarind, flashes of surprise and intensity seem to be investigating each expression.

There goes a grimace, a scowl of bewilderment, but also of fascination, as if the mind were processing the gustatory experience and deciding whether to celebrate or challenge such an unexpected encounter.

There is a vivacity in the facial expression, a vigor which transcends the mere act of eating. It is as if the face were engaged in a momentary dialogue with the food, exchanging impressions and reactions. As the acidity dissipates, a shy smile or a soft laugh commonly emerges.

This alliance between the sweet and the sour has an amber hue and is a distinct characteristic of the tamarind – a fruit with a velvety peel, sculptural shapes and earthy tones, like small chips of wet soil or damp tree trunks. Abundant in the warm regions of the São Francisco River, tamarinds, hanging from their leaves, are often confused with the animal creatures of the land, but could also be pieces of wood carved in a carranca [scowling face].

When trying tamarind, our features follow the experience of the tongue that encounters a peculiar taste, resembling the carrancas that historically protect boats and houses along the São Francisco River. It is believed that this expression of astonishment chases evil spirits away and calms the waters. For riverine communities, there is no greater shield than keeping their faith alight on the prows.

The connection between the tamarind and the carranca invokes the entire secular spiritual dimension that the faces of humans and animals bear – especially when they merge – showing exaggerated expressions of amazement, expulsion and combat. This visual, symbolic, and cultural correspondence is just one of the windows for entering davi de jesus do nascimento’s work, helping us to craft a poetic journey that can account for this immense universe of fables, this coming together of the waters.

To capture the nuances of davi’s work, we must embody the carranca as it evolves – as he defines it – and look into it, with our ears as doors.

1 Karranca Groove is the title of the song by Marku Ribas, and the fifth track on disc 2 of his album “Marku 50 - Batuki, Parda Pele, Atavu”, 2013. Here, I chose it as an expression that denotes harmony and continuity with the carranca. “Groove” is often associated with an infectious, captivating rhythmic sensation that makes people want to dance or move to the beat of the music.

78
evils of the tongue

II

Imagine swimming in a river of tamarinds, imagine manatee carcasses emerging from your back at dusk. Imagine a pink cradle to lull shoals of fish and a boy who, from staring at a carranca so much, merges with the prow and is seen on the boats every morning.

By imagining, we see. And that's how davi shows us the enchantments of his people and his territory. A riverine artist, with skin like river mud and the words of one who carries the memory of fish in his mouth, his origin comes from the waters of the São Francisco River. As a child, he saw snails come out of his grandmother's varicose veins and hugged people to capture the aroma of the fruits they ate. With radiant and curious eyes, davi saturates the reality around him with poetic filters, evoking the purity contained in things as they really are, in things as they could also be, or in things when they take on unforeseen purposes.

These are the longings that bathe his work. Memories of a time we have all lived, when innocence turns into simple and spontaneous gestures, in a world that is new and exciting with each discovery. Following davi the artist is also getting to know a bit of davi as a child, as if we were rewinding VHS tapes that held the secrets and joys of the Nascimento family. The universe of the clay-sculpted boy, who grew up among tadpoles, on the ravines of the São Francisco River, from [Minas] Gerais, with his master carranca-maker cousin, his master boatman father and his mother under the spell of the waters of the river.

And through the loveliness of the sensitive gaze of one who is kin of the land, we also find the difficult enunciations of his adult reality, attesting to changes in the landscape, the abating waters, the deforested shores, transformations caused by the interference of systems created to sicken the rivers, through sedimentation, transposition, drought, and breached dams2. Macro-procedures that are present in the daily lives of riverine communities and cause forced diasporic movements of families along the length of the great river that traverses various Brazilian states.

This is also the story of his family from Bahia arriving in Pirapora in 1975, during the golden days of the port city, when the auspicious event of the evening was the arrival of traditional steamboats. Between the 19th and 20th centuries, the transfer of passengers and goods between the Northeast and North of Minas fueled the region's economy and turned municipalities of the hinterlands into burgeoning places of upscale tourism and cultural diversity3. Despite steamship navigation’s status as an imperial symbol, it was the main means of transportation over the extensive navigable stretch of the São Francisco River, until banned due to the risk of accidents caused by silted sandbanks – just one more example of the impact that extractive culture has had on traditional communities and their freedom of movement. The city of Pirapora is the raw material of davi de jesus’ work, the place from which his practice converses with the world; the city's history is an important chapter to understand riverine Brazil and migratory processes within the country.

2 In a conversation with the artist, he expresses the opinion that dams are the artifice that most damages the life of rivers. River dams are structures built to hold back water, creating human-made reservoirs.

3 Pirapora, for example, was the destination of many MPB artists such as Alceu Valença, Sá and Guarabyra, among others, and home to the riverine musician Marku Ribas. The 1977 album, made by the duo Sá and Guarabyra, was composed in honor of Pirapora, especially the two songs “Trem de Pirapora” and “Cinamomo”.

79 davi de jesus do nascimento museu paranaense

The flow of time that each place demands speaks volumes about davi's work. Just like the pause to contemplate the horizon from a boat, the artist regales us with the reiteration and recurrence of his images, words, inventive stories, and, mainly, the narrative of his territory. With almost a decade devoted to artwork, davi continues to dream, to listen and to confabulate with the São Francisco River, which, in turn, constantly summons him.

Moreover, his listening also encompasses the wisdom of grandmothers, fishers, insects, riverbanks, and carrancas. With lingering persistence, he insists on the insistence of work that is not restricted to being a research theme. On the contrary: themes do not sustain themselves over time. For davi, to make art is to transmute into matter beyond his body. Or rather, a material composition where it is possible to expand all the senses of the body so that communication can occur in multiple ways.

And hence, stubbornness is necessary – since objects, beings, drawings, waterings, images and appearances pursue the artist and claim presence. It is a repertoire of images belonging to a unique context that occasionally reappears in the imagination of a people. It is said that no matter how many times attempts are made to kill a river, there will always be a new source ready to spout. Persistence is adaptation and continuous flow searching for a destination.

Through constancy, davi de jesus do nascimento plunges deep into conceptual fields that support his work and offer us possibilities for expanded studies, ones that may open subsidiary discussions about his artistic universe. It is possible to trace various readings that take his work as a point of reference. Here, I propose to traverse three themes that I believe are pertinent to his research: family, amulets, and monstrosity.

Family

In a video, davi’s sister introduces two dogs, Rodela and Lessi, three rabbits, Teca, Nica and Minnie, and a pair of parrots, Sandy and Junior. The camera then shows the ambience of their backyard, and moves on to the kitchen, at Sunday dinner, describing each family member as if it were a news report. On that occasion, uncles, nieces, parents, children, and grandparents eat a traditional fish dish, catfish moqueca, together. It is a 3'57" VHS camcorder recording of an ordinary family day, projected on a wooden box with water, under the title “fish stew with pepper”, during davi's4 second solo exhibition. One of the first works conceived in collaboration with his father Davi (from whom the artist inherits the name), it is also one way, among so many others, to reactivate memories of everyday family life, redefining experiences of mourning, longing, conflict, and healing.

Making home movies and photos was a common practice throughout davi's childhood – and that of his siblings and cousins – during the 1990s and early 2000s. It left records of children growing up, traditional festivities and the impact of human

80 evils of the tongue
III
4 “the sweat of the brow lives inside the wasps” was the artist's second solo exhibit, held at Memorial Minas Gerais Vale, between October and December 2019. Curated by Júlio Martins.

actions on the course of the São Francisco River. In addition to constituting an important document for observation of the context and region, these photos and videos provide access to a legacy of image and the right to memory, something that has been denied to many ethno-racialized and socially vulnerable families.

What we see (and take part in) through these images consists of chosen leisure moments deemed worthy of remembrance, for posterity. They became part of a collection of video tapes – remastered to DVD – and of numerous photo albums. By becoming acquainted with this set of pieces, we are able to identify choices, priorities, intimacy and bonds of affection. They are markers of moments that really matter – precise and unique choices, decisions that have been stolen from us by today’s digital cameras.

Another important characteristic of this collection can be found in its “flood portraits”, faces of family members with serious and attentive expressions – the type of photos used in documents. Enlarged, printed safeguards of the traces of the passing of time, these images, when exhibited, gain the poetic touch of the artist, attesting to the intimate life stories of great-grandfather João das Queimadas, greatgreat-grandmother Ana Josefa Paixão, uncle Neno and grandmother Joaninha.

Over time, davi has chosen to become the guardian of this treasure, gathering records of close and distant relatives in a collection. The family collection has stirred up whirlpools in his work, through gestures of “remoistening” the images, and shoring up the presence of his ancestors and ancestralities, in reverence to them. Through the series titled “peephole” [butuca em remolho], we also become acquainted with the smile of his mother, Eliane Vieira do Nascimento, who passed away prematurely. His mother’s passing – her ‘enchantment’ – was a decisive milestone in his life, feeding his personal confirmation to pursue an artistic career and nourishing familial reconfiguration, notably his reconnection to his father and brother.

For those who know davi and the way he works, it quickly becomes apparent that the collaboration and consent of his family in the creation of his works are determining factors. Furthermore, having the appropriate conditions for a faithful and honest presentation of his community. This is because his work starts from the São Francisco River with the integral purpose of healing family wounds, the social traumas engraved on his dissident body, as a young boy living in a small town, and the collective anxieties of a people who are relatives of a river that has become the object of persistent policies of death. Thus, his entire artwork is a moving letter of love to his mother, a genuine attempt to share with her the journey of their people and their land.

Hence, the watercolors, or rather, “riverside waterings” as the artist calls them, especially the series “the river current buzzes silences” and “for a drying up” depict scenes of neighbors, friends, acquaintances, and strangers to his town, yet ones that can extend to all towns along the great São Francisco. Apparitions of waterlogged bodies, almost deformed, allude to collective moments of communion with the river, but also to the lamentations of floods and inundations. The works show us the people of this land, their bodies made of brown clay

As a methodology to never forget the non-negotiable, the artist has invited his father to collaborate on sculptural works, videos, and photographs. In turn, Davi, a fisher and master boatman, acquires, with the help of his son, a new understanding of art, different from the carpentry that builds boats, furniture and musical instruments; it is one that converses with the symbolic capital of major

81 davi de jesus do nascimento museu paranaense
82 evils of the tongue
83 davi de jesus do nascimento museu paranaense

art exhibitions and institutions. In davi's recent exhibits, the presence of boats is constant, sometimes whole, sometimes in parts – like oratories, tamarind houses, silencing boxes or prows that map a route through space – all works whose authorship he shares with his father, Davi Nascimento. One of the most emblematic works of this collaboration is “singra”5, a project designed for an online festival, in which the entire process of building a sailboat, its launching and subsequent navigation are followed, step by step, through photos and videos by Caio Esgario, the artist's life partner. Amid the boatman’s labor, davi engages in a dialogue with his father's gestures, through studies of body and sound.

Amulets

As an artistic project for the Bolsa Pampulha 2019 Grant Award, davi carried a 20-kilogram carranca through the streets of Belo Horizonte over a six-month period. The action represented something new to his work, a gesture of combat that would fortify him in the process of adapting to his new city of residence – since frowning faces are sacred protective sculptures and a familiar element for the artist. However, “body-boat” went beyond initial expectations and transmuted into a rite of passage, an event that moved beyond the categories of art itself. Time expanded, and a project that was supposed to last for months lasted a year; carranca and body merged into a unique whole that underwent flashes of torment and ecstasy

The proposal was born as a performance, but the artist soon realized that initial categories would not capture the entire bodily and spiritual experience. Putting up with the physical exhaustion that was part of the process, davi’s insistence on sacrifice elevated his action to a spiritual journey of self-discovery, healing and reconciling with his roots and homeland6. Of the artistic remnants, the analog Kodak PLUS-X 125 photograph, “body-boat” stands out as the cornerstone that authorizes the beginning of a journey. The act of carrying the carranca on his back is one, amongst the many events that davi de jesus investigates, in which the boundaries between life and art are always overflowing.

Many emblematic elements that are part of the riverine culture are summoned to join in as co-authors of davi's artistic thinking. They are present as amulets of protection and courage, of listening to the territory. They communicate constantly with the artist, instructing him on the way they want to be brought in and disseminated throughout the external world. This is his relationship to the carranca, as they appear in drawings and videos, or in fishing nets when they materialize as installations in the “mumps” series, along with tamarinds, animal carcasses, branches and other “objects of stored waters” brought in by the river.

“warning cries” is an example of such listening. The series, initiated during the pandemic to provide a breath of fresh air amidst its fears, uncertainty, and resource instability, now occupies a prominent place within his work. Thousands

5 singra was commissioned for the Seres-rios Festival in 2021. The artist worked collaboratively with his father Davi de Jesus do Nascimento, and with Caio Esgario. The work is featured on his website at: seresrios.org/davide-jesus-do-nascimento/

6 By carrying the carranca, davi also carries the cultural reference associated with his homeland. This symbolism becomes evident when we learn that the carranca used in “body-boat” belonged to the musician Marku Ribas, coming to him on loan from his friend, Lira Ribas, daughter of the riverine musician.

84 evils of the tongue

of individually or group-drawn carrancas populate the aesthetic imaginary that pertains to the entirety of his oeuvre. With expressions that scream and shout out in warning, they appear in different stances: devouring each other, standing up, lying down, falling, dancing. Like an incantation, they were responsible for inaugurating the artist's financial independence, getting his work onto the art market and –following the currents – continually conveying his name to the national art scene. The carrancas on alert work like a spell, and they are relentless.

As for his sculpted carranca, carved by Master Expedito Viana Rodrigues – a reference in the region which currently stands watch over his house – it was recently displayed7 as part of the work “to moan wrecked scowl”. The latter is made up of a pair of videos in which the artist mediates the conversation between the carranca and the river, washes the carranca with fresh river water in a gesture of blessing, and treats it like a scent-sniffing creature. The moving images are part of the continuously evolving “body-boat studies” series.

Meanwhile, the tamarinds fill candy bowls, nets, boats, and whole environments, emitting their sweet and sour smell beyond the exhibit spaces occupied by the artist. It is said that, when one passes close to or far from museums and art centers that have already hosted davi's works, their scent can be captured, remaining on the wind, emanating the memory and spirituality of the river for many years thereafter.

Monstrosity

A body that is half human, half scorpion, catfish, lizard, or owl: in “exorcism of pain”, we repeatedly see davi from behind, revealing parts of his body when he metamorphoses into an animal. This beautiful series of polaroids, which was begun in 2018 and evolves continuously, is a portrayal of the body when it overflows boundaries, when it flows beyond the parameters of social normativity

Finding carcasses and pieces of animals on the ground in Pirapora, already in an advanced stage of natural mummification – favored by the dry climate of the region, which quickly dehydrates tissues while preserving the external features of organisms – davi experiences other versions of himself by sewing or “accustoming”8 new bodies to his own. The result shows how his identity incorporates his context of origin and, more than that, affirms and celebrates the multiple existences that belong there, from the human to the non-human and their hybrids. The photographic series also brings to the debate a cosmo-perception that challenges oppressive and tyrannical relationships between species, severing hierarchies from the purposes that capital and extractivism have allocated to them and anchoring living beings in a natural environment of co-participation and communion. In other words, these are splinters of magic invoking the Afro-Indigenous intellectualities that stretch out over the entire length of the São Francisco River.

2023 to March 2024.

85 davi de jesus do nascimento museu paranaense
7 A work exhibited in “evils of the tongue”, on exhibit in Museu Paranaense, in Curitiba, from December 8 A process in which the artist glues pieces of animals to photos.

In further echoes from this territory, we add other ritual works that express the artist’s identity, composed with the fluidity of a river that runs its course. This is so for the photographic essay “fishing-threat of shipwreck” or “rehearsal for dying with the river”, that davi made in collaboration with his father and brother, inspired in a dream he had. In the scenes portrayed, davi's father casts a net into the river to fish for his son davi. This is the case for the photographs intitled “abundant fishing”, in which davi poses while lifting a yellow fish on his shoulders, and “dry port bitterness”, where from the prow of an abandoned boat, davi turns into a carranca – the latter through the lens of his brother Bicho Carranca. In the realm of experiments of communication between bodies, the artist has produced a series of short videos about his studies of movement, alluding to the dance of the whirlwind over dry land9, either in direct conversation with the varicose roots of the Rio das Velhas or in impeccable harmony with the clucking of the neighborhood chickens.

This set of works is central to iconographic and theoretical debates of our day, in discussing the overlap of Queer Theory, theories of monstrosity and ecology, intersected by race and geography. By poetically revealing his mystery, which has something of an essentialist nature to it, the artist falls into the category that social normativity identifies as demonic, monstrous, abnormal; he personifies existences that for centuries have been described as wild, causing responses ranging from fear to attraction. Not surprisingly, discussions about monstrosity have gained increasing prominence globally, in an effort to award subjective density to dissident sex/gender experiences, and especially the racialized and subalternized queer body.

Providing support for the study that unveils the various forms of life coming from the river, the “waterings” of the “sinkhole” series announce entities that hail from the clay that touches the deepest waters of the São Francisco River. The title refers to the natural phenomenon in which water, often very rapidly and powerfully, is absorbed or sucked in, as in a hole, abyss, or vortex, forming underground currents, caverns, or specific geological formations. The idea of absorption here encompasses three different meanings: impregnation, understanding and washing away. For some Indigenous cultures in the region or nearby, underworld beings care for the balance of the earth and are the owners of its natural resources. Hence, the monstrous beings portrayed by davi de jesus, often narrated during their gestation, pop to the surface to be recognized through their stories, voices, and scents.

IV

evils of the tongue

This exhibit, occupying the temporary projects hall of Museu Paranaense, brings together works reassembled from the artist's recent years of production, in conversation with pieces created for the occasion. It spans his trajectory and celebrates the versatility of his languages by grouping photographs, sculptures, objects, videos, drawings, paintings, and the writing that appears in the poetry of his titles. Although some pieces are unprecedented, they dwell in a vocabulary

9 In this series of works, davi alludes to the whirlpool using the phrase “The Devil in the street, in the middle of the whirlpool”, in reference to the inspiration and direct influence he takes from writer Guimarães Rosa’s Grande Sertão, Veredas. This famous work of Brazilian literature takes place, in part, in the northern region of Minas Gerais; the town of Pirapora is one of today’s tourist attractions related to their role in the novel.

86 evils of the tongue

already known and familiar to davi's visual universe. This time, however, we are invited to enter his poetics through the “eyes of the mouth”, as described by writer Brenda K. Souza in her opening text.

Nevertheless, when we cast a broader gaze over his production, we perceive that “evils of the tongue” constitutes the third and concluding part of a triad of exhibits held in 2023 at different Brazilian institutions. Like his works that insist on whirlwinds, these exhibits also intertwine, as if they were a single display, separated only to allow us to take a breath in between. This panorama attests to an initial moment of maturity in his production, allowing us to identify the choices he has made over the course of his trajectory, the discursive connections of his research field, and his aesthetically unique body of work.

An analysis of these three shows, aiming to reveal how davi communicates the nuances that infuse his work, should foreground some subtleties regarding the space, brightness, the sensory activation required by certain works, and the bodily movement that he suggests as the path to take through his exhibits. The panoramas resemble each other in their curatorial approach, composed of works that have accompanied the artist for years as well as pieces born for each occasion, all speaking the same language.

“in the depths of the night, the little flies”, an exhibit held at the Instituto Çarê10, is the first of this set of shows. The theme that shoots through these works is the study of light; it recreates the ideal environment for the repose of his works. The atmosphere conceived for the occasion evokes the connection between the sparkling of light and the desire to touch – a tie dear to the artist, which helps him convey a better understanding of his context, as it spouts up amidst brownish, earthy, and amber tones.

The second exhibit, chronologically speaking, took place at the Palácio das Artes (Palace of Arts) under the title “sweet wood, rough water”11. For the occasion, davi was able to create an elaborate expographic conversation between works. The body moving through the exhibit space performs in cadence with the movement of boats navigating the São Francisco River. It speaks of the power of displacement, sometimes calm and paused, sometimes unsettled by the unexpected.

Finally, “evils of the tongue”, on display at Museu Paranaense, takes us back to the beginning. It is the culmination of this vortex, tying together aesthetic thought that he has developed over recent years. It is a spell cast by the carranca. Here, davi presents the defense of a common lexicon for facial deformities, becoming a carranca and savoring tamarind. “evils of the tongue” is an experience of the mingling of the senses, a confusion of bodily sensations, becoming a lively place for research. The sour boats resting there, “sustenance” and “toasted sustenance”, part of his “objects of stored waters”, give us directions for reaching a destination. A canoe with two prows and a prow soaked with tamarinds are vehicles for the journey, which, amid amulets and ancestors, set off to carry the boy of clay skin toward the horizon of the future.

87 davi de jesus do nascimento museu paranaense
10 On exhibit at the Instituto Çarê, in São Paulo, from April to June, 2023. With a text of introduction by Brenda K. Souza. 11 The exhibit was on display from October 2023 to January of 2024, at the Palace of the Arts, in the city of Belo Horizonte. With a text of introduction by Isabella Rjeille.

82-83

pesca-ameaça de naufrágio da barca ou ensaio para morrer com o rio [fishing-threat of boat sinking or rehearsal for dying with the river], 2016

fotografia digital, butuca de Bicho Carranca [digital photography, Bicho Carranca's peephole]

88

vestidura de enxágue [washing garment], 2023 fotografia digital, butuca de Caio Esgario [digital photography, Caio Esgario's peephole]

91

enlace, 2019

fotografia digital, butuca de Bicho Carranca [digital photography, Bicho Carranca's peephole]

89

eu criança - na época de muita chuva - não dormia, com medo de acordar com o rio dentro de casa. a gente morava de frente pra ele e isso acabou acontecendo mesmo. um de nossos vizinhos achou uma sucuri no meio da enchente e inventou de pegar pra comer e ela quebrou os braços dele. eu estava nos braços de minha mãe nessa hora

as a child - in the rainy season - i didn’t sleep, i was afraid to wake up with the river inside the house. we lived in front of it and that really did happen. one of our neighbors found a sucuri constrictor in the middle of the flood and came up with the idea of grabbing it for food and it broke his arms. i was in my mother’s arms when that happened

90

92-93, 95

barranco na fazenda de horácio [gully at horacio's farm], 2004 fotografias do acervo de família [photographs from the family's collection]

96-97

acampamento na ilha das pimentas [camping site on pepper island], 1998 fotografias do acervo de família [photographs from the family's collection]

94 mau da língua
95
do
museu paranaense
davi de jesus
nascimento
96 mau da língua
97
de jesus do nascimento museu paranaense
davi

tio eurico tem um pilão para matar caracóis. ele também guarda sal para jogar nas lesmas e sentir fome enquanto elas derretem na sua frente. debaixo da malagueta na ilha das pimentas o segredo para nascer beiradeiro é cozinhar meio litro de correnteza até que nasça pedra de lavadeira na panturrilha esquerda do corpo de um surubim bigodudo. o alto são francisco aninhou a tremura de sua voz no joão de barro da carne do peixe que vive agora no sul do umbigo com a lua pingando umbuzada sobre a pele trincada de sol morto. onde conheci afrânio o tempo é outro. e lá eles se abraçam pingano suor sem nojêra ninhuma.

uncle eurico has a pestle to smash snails. he also keeps salt to throw at the slugs and feel hungry as they melt in front of him. under the chilli tree on the island of peppers, the secret to being born a native is to boil half a liter of water from the current until a laundress's stone is born on the left calf of the body of a mustachioed surubim fish. the são francisco river highlands nestled the trembling of his voice in the joão de barro bird in the flesh of the fish that lives now in the south of the navel with the moon dripping umbuza onto the skin cracked by the dead sun. there where i met afrânio, time is different. and there people hug each other dripping sweat without any disgust at all.

98
99

99

fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection], 1980

101

vovô João das Queimadas [grandpa João das Queimadas], 1992 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

102

vovó Joaninha [grandma Joaninha], 1995 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

104 mãe [mother], 1992 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

105

nascente [river spring], 1992 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

100 mau da língua
101
do
museu paranaense
davi de jesus
nascimento

aos nove anos mordi quinze lagartas do pé de coqueiro lá de casa e meu pai não sabe até hoje que eu comia a serragem das madeiras que ele pulverizava. semana passada beijei a terra do quintal de minha avó seguindo o rastro brilhante dos caracóis de jardim que ela cria dentro das varizes da perna antes de catar as acerolas.

when i was nine years old i bit into fifteen caterpillars from a coconut tree at home and even today my father doesn’t know that i ate the sawdust from the wood he grounded.

last week i kissed the earth of my grandmother's backyard following the bright trail of garden snails that she raises inside the varicose veins on her legs before collecting the acerolas.

103
104 mau da língua
105
do
museu paranaense
davi de jesus
nascimento

de primeiro - antes dos muros - vivíamos na casa dozotro que era parente e até dos que num era. tomava café almoçava merendava jantava. a gente também malinava uma no quintal da outra catando as frutas machucadas de cascalho ou sujas de poeira que é o estado adormecido dos redemoinhos. os pescoço vieram com as paredes e percebemos o quanto altura significa segredo. rabo na cadeira e três tias de gerações diferentes conversando fiado. cada uma na sua calçada com o fiapo de manga entre os dentes adiando a hora de dormir e botando a culpa no calor. eu nasci do bucho cheio. lá não é minas. é gerais. um sol para cada pessoa e peixeira debaixo do colchão

at first - before the walls - we lived under the roofs of other people who were our relatives and even people who weren't. we had breakfast, lunch, snacks, dinner. we even made a big mess in the other's yard, scavenging fruits bruised with gravel or covered in dust, the dormant state of the whirlpools. long necks stretched up where there were walls and we realized how much height means secrecy. one’s behind on the chair and three aunts from different generations chatting away. each one from her own sidewalk with the mango lint between their teeth postponing bedtime and blaming it on the heat. i was born with a full stomach. there it is not minas. it's gerais [general, public, broad]. a sun for each person and a knife under the mattress

106
111
de jesus do nascimento museu paranaense
davi

lista de obras [list of works]

obras na exposição mau da língua, davi de jesus do nascimento

30-31

sem título [untitled], 2023 fotografias [photographs]

32-33

estudos de corpo-embarcação ['body-boat'studies], 2018 fotografias polaroid, butuca de Castiel Vitorino Brasileiro [polaroid photographs, Castiel Vitorino Brasileiro's peephole]

34-35

nutre acre [acre nourishes], 2023 objeto de águas guardadas, baleiro com tamarindos [object of stored waters, candy dispenser with tamarinds]

43

retrato-enchente de minha tataravó Ana Josefa Paixão [flood portrait of my great-greatgrandmother Ana Josefa Paixão]

fotografia (butuca em remolho) do acervo de família [photograph from the family's collection]

45

retrato-enchente de tio Neno [flood portrait of uncle Neno]

fotografia (butuca em remolho) do acervo de família [photograph from the family's collection]

48-49, 51

sem título [untitled], 2023 04 trouxas e tarrafas com tamarindos dependuradas por anzol e linha de pesca, águas guardadas da série caxumba [04 bundles and nets with tamarinds hanging from hook and fishing line, stored waters from the series mumps]

55 sem título [untitled], 2023 derranhos, da série grito de alerta [spills, from the series warning cries]

57

fogo selvagem [wildfire], 2023 escorpião acostumado sobre fotografia instantânea, água guardada da série exorcismo de dor [scorpion 'accostumed' on instant photography, stored water from the series exorcism of pain]

60-61

gemer carranca naufragada [to moan wrecked scowl], 2023

video-fuá da série estudos de corpo embarcação, butuca de Caio Esgario [video from the series 'body-boat' studies, Caio Esgario's peephole]

62-63

estudos de 'corpo-embarcação' ['body-boat' studies], 2023 vídeo projetado em caixa de madeira com água de rio suspensa, butuca de Caio Esgario [video projected on a wooden box with suspended river water, Caio Esgario's peephole]

65

pesca farta [abundant fishing], 2018 fotografia instantânea, butuca de Luana Vitra [instant photography, Luana Vitra's peephole]

66-69

sem título [untitled], 2023 aguamentos barranqueiros, da série sorvedouro [riverside waterings, from the series sinkhole]

70-71

sustança [sustenance], 2023 objeto de águas guardadas, embarcação azeda [object of stored waters, 'sour boat']

72-73

sustança torada [toasted sustenance], 2023 objeto de águas guardadas e proa azeda [object of stored waters, 'sour boat']

75

enchente de 1979 [flood of 1979], 1979 fotografia analógica do acervo da família [analogue photography from the family collection]

obras no catálogo que não integram a exposição mau da língua

44

"as veias de um rio visto de cima", retratoenchente de meu pai David Nascimento [flood portrait of my father David Nascimento], fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

retrato-enchente de minha mãe Eliane Nascimento [flood portrait of my mother Eliane Nascimento], fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

56 prestígio de voo, vestígio de queda [prestige of flying, traces of the fall], 2017 patas de rolinha costuradas sobre fotografia instantânea, água guardada da série exorcismo de dor [turtle-dove paws sewed on instant photography, stored water from the series exorcism of pain]

58

prestígio de voo, vestígio de queda ii [prestige of flying, traces of the fall ii], 2022 pássaro lacerado e acostumado sobre fotografia instantânea, água guardada da série exorcismo de dor [lacerated bird 'accostumed' on instant photography, stored water from the series exorcism of pain]

77

corpo-embarcação [body-boat], 2019 fotografia analógica, butuca de Alexandre Lopes [analogue photography, Alexandre Lope's peephole]

82-83

pesca-ameaça de naufrágio da barca ou ensaio para morrer com o rio [fishing-threat of boat sinking or rehearsal for dying with the river], 2016 fotografia digital, butuca de Bicho Carranca [digital photography, Bicho Carranca's peephole]

88 vestidura de enxágue [washing garment], 2023 fotografia digital, butuca de Caio Esgario [digital photography, Caio Esgario's peephole]

91 enlace, 2019 fotografia digital, butuca de Bicho Carranca [digital photography, Bicho Carranca's peephole]

92-93, 95 barranco na fazenda de horácio [gully at horacio's farm], 2004 fotografias do acervo de família [photographs from the family's collection]

96-97 acampamento na ilha das pimentas [camping site on pepper island], 1998 fotografias do acervo de família [photographs from the family's collection]

99

fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection], 1980

101

vovô João das Queimadas [grandpa João das Queimadas], 1992 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

102

vovó Joaninha [grandma Joaninha], 1995 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

104

mãe [mother], 1992 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

105

nascente [water spring], 1992 fotografia do acervo de família [photograph from the family's collection]

ficha técnica [credits]

secretaria da cultura do estado do paraná

Governador do Estado do Paraná

Governor of the State of Paraná

Carlos Massa Ratinho Junior

Secretária de Estado da Cultura State Secretary of Culture

Luciana Casagrande Pereira

Diretora-Geral da SEEC General Director of SEEC Elietti de Souza Vilela

Diretor de Memória e Patrimônio

Director of Memory and Heritage

Vinicio Costa Bruni

Coordenador do Sistema

Estadual de Museus Coordinator of the Museums State System

Marcos Coga da Silva

Assessoria de Comunicação Communication Consulting Fernanda Maldonado

sociedade de amigos do museu paranaense

conselho deliberativo

Presidente President

Guilherme M. Rodrigues

Secretária

Secretary

Barbara Fonseca

Membros

Members

Cristine Elisa Pieske

Amélia Siegel Corrêa

Juliana F. de Oliveira

diretoria

Presidente President

Manoela Guiss

Vice-presidente Vice President

Felipe Vilas Bôas

Secretária Secretary

Francielle de Souza

2o Secretário

2nd Secretary

Richard Romanini

Tesoureira Treasurer Josiéli Spenassatto

2a Tesoureira

2nd Treasurer

Mariana Souza Bernal

conselho fiscal Presidente President

Gabriela Bettega

Membros Members

Christianne L. Salomon

Gabriela Martello

museu paranaense

Diretora Director

Gabriela Bettega

Diretor Artístico

Artistic Director

Richard Romanini

Gestão de Conteúdo e Comunicação

Content Management and Communication

Beatriz Castro

Heloisa Nichele

Núcleo de Arquitetura e Design

Architecture and Design Division

Gabriela Martello

Juliana F. de Oliveira

Estagiários Interns

Davi Eduardo B. Molinari

Isabella Barbosa de Melo

Núcleo de Antropologia Anthropology Division

Coordenadora Coordinator Josiéli Spenassatto

Estagiária Intern

Maria Eduarda Rodrigues

Núcleo de Arqueologia Archaeology Division

Coordenadora Coordinator

Claudia Inês Parellada

Estagiários Interns

Jeniffer Dambroski Braz

Vitor E. Weissheimer

Núcleo de História History Division Coordenador Coordinator

Felipe Vilas Bôas

Estagiários Interns

Daiana Marsal Damiani

Gabriella Perazza

Felipe C. de Biagi Silos

Núcleo Educativo

Educational Division

Milena Aparecida Chaves

Roberta Horvath

Marília Alvez Abreu

Estagiários Interns

Lucas Plaza da Rosa

Renata S. Oliveira

Thiago Zeferino Silvestre

Gestão de Acervo

Collection Management

Denise Haas

Laboratório de Conservação Conservation Laboratory

Esmerina Costa Luis

Janete S. Gomes

Biblioteca Romário Martins (Museu Paranaense)

Romário Martins Library

Diego Roggenbach

Segurança

Security

José Carlos dos Santos

Supervisor de Infraestrutura

Infrastructure Supervisor

Rogério Rosário

exposição mau da língua

Concepção e projeto

Concept and project Museu Paranaense

Artista Artist

davi de jesus do nascimento

Assistente do artista

Artist's assistant

Caio Esgario

Texto crítico

Critical Text

Brenda K. Souza

Revisão

Proofreading Mônica Ludvich

Tradução

English Version

Lucas Adelman Cipolla

Miriam Adelman

Montagem

Exhibition Installation

Raul Fuganti e equipe

Iluminação

Lighting

Iluminarte

catálogo mau da língua

Concepção

Concept

Museu Paranaense

Coordenação editorial

Editorial management

Beatriz Castro

Revisão

Proofreading

Mônica Ludvich

Heloisa Nichele

Tradução

English version

Lucas Adelman Cipolla

Miriam Adelman

Fotografia da exposição Exhibition views

Caio Esgario

Design editorial

Editorial Design

Juliana F. de Oliveira

Richard Romanini

Impressão

Printing Ipsis

créditos dos textos

Apresentação

Foreword

Museu Paranaense

mau da língua

evils of the tongue

Brenda K. Souza

Karranca Groove: do que são feitos o barro e a água na obra de davi de jesus do nascimento

Karranca Groove: what clay and water are made of in the work of davi de jesus do nascimento

Beatriz Lemos

Textos autorais

Artist's texts davi de jesus do nascimento

créditos das imagens

capa e contracapa [cover and back cover] davi de jesus do nascimento

4-5, 8-9, 14-18, 26-27, 48-49, 51-53, 66-67, 70-73, 108-113

Vistas da exposição mau da língua no MUPA, dezembro de 2023

Caio Esgario

Obras e reprodução de obras, coleção do artista*

Cortesia de davi de jesus do nascimento

* Para créditos referentes a cada obra, ver a seção Lista de obras

Agradecimentos

O Museu Paranaense agradece aos diversos profissionais e parceiros que fizeram parte deste trabalho e se dedicaram à realização da exposição mau da língua. Às equipes da Secretaria de Estado da Cultura, da qual fazemos parte, incluindo seu corpo administrativo, técnicos, estagiários e voluntários.

Por fim, o MUPA agradece aos patrocinadores sem os quais este projeto, previsto no Pronac 222082, Mostra Comemorativa - 20 Anos da Sociedade de Amigos do Museu Paranaense, não aconteceria.

MUSEU PARANAENSE

Rua Kellers, 289, São Francisco Curitiba, Paraná, Brasil – 80410-100 +55 (41) 3304 3300 museupr@seec.pr.gov.br museuparanaense.pr.gov.br @museuparanaense

A exposição temporária mau da língua, do artista davi de jesus do nascimento, foi inaugurada no Museu Paranaense (Sala Lange de Morretes) em 14 de dezembro de 2023, com duração até março de 2024.

PATROCÍNIO REALIZAÇÃO

agradecimentos do artista

Rio São Francisco

Ana Josefa Paixão

João das Queimadas

Joana Vieira

Antônio Vieira

Eliane Nascimento

David Nascimento

Ana Paula Nascimento

Danilo Nascimento

Caio Esgario

Brenda K. Souza

Beatriz Lemos

Priscila Magella

Jordhanna Cavalcante

Castiel Vitorino Brasileiro

Mestre Expedito

Mestre Jorge Ribeiro

Mitre Galeria

Museu Paranaense

Museu Paranaense

Davi de jesus do nascimento: mau da língua / textos de davi de jesus do nascimento, Beatriz Lemos, Brenda K. Souza ; tradução para o inglês de Miriam Adelman. - Curitiba, PR :Museu Paranaense, 2024. 120 p. : il. ; 25,5 x 18,5 cm.

Edição bilíngue

Período expositivo: 14 de dezembro de 2023 a 24 de março de 2024

ISBN 978-65-981850-2-2

1. Museu Paranaense - Catálogos.

2. Nascimento, Davi de Jesus do - Exposições.

3 Arte contemporânea - Exposições. 3. FotografiaExposições. I. nascimento, davi de jesus do. II. Lemos, Beatriz. III. Souza, Brenda K. IV. Adelman, Miriam . V. Título.

Tipografia

ITC Caslon 224 Std e Stilson Display

Papel

Munken Lynx Rough 120g

Tiragem

300 unidades

CDD ( 22ª ed.) 700
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.