JORNAL PEDAL Nº11

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NĂşmero Onze Dezembro 2012 Gratuito


Fotografia capa: Ricardo Filho de Josefina ricardofilhodejosefina.com

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A LIGA PEDAL continua no jornalpedal.com

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É Natal no Jornal . Último mês do ano, última edição do Pedal no seu primeiro ano de vida. O fechar de um ciclo que vai renovar-se já, já. Neste Pedal ansiamos pela renovação de um novo ano. Bicicletas que se reciclam e renovam pelas mãos de Vítor Peixoto, de regresso a Lisboa, para reabertura da loja RCICLA, em Algés. Em época de Natal, temos também doces como presentes e doces em cima da mesa da consoada e damos o nosso contributo gastronómico, para saborear antes, durante ou depois de umas pedaladas de fim de ano. Aprendemos como se aprende e como se ensina a andar de bicicleta, recordando os primeiros passos em cima de duas rodas e festejamos esta época especial com uma ciclonovela de Natal. R T A S C U

PEDAL OFF OFF ROOM live stream Dezembro marca o início de uma nova rubrica do Jornal Pedal. Pedal OFF OFF ROOM - cujo nome se inspira no livro "Jazz Off" do músico, musicólogo e escritor Jorge Lima Barreto - é um programa de música transmitido em directo, via web. Os convidados são músicos, produtores, DJs que, de alguma forma, estão ligados ao universo das bicicletas. Nicolai Sarbib (CVLT) é um dos mentores e dinamizadores do programa e iniciou a série OFF OFF ROOM, com um DJ set que pode ser visto ou revisto em ustream.tv/channel/jornalpedal.

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Online em Janeiro 2013 Artigos, Entrevistas, Rádio Podcast, Vídeos e Fotografias em

JORNALPEDAL.COM

Exposições HOUDINI e PMA

Lisboa ao Carmo x Jornal Pedal

De 28 de Dezembro a 19 de Janeiro, realizam-se as exposições HOUDINI e PMA, na Møbler, no Príncipe Real, em Lisboa. PMA é uma exposição de fotografia de Bráulio Amado, Pedro Geraldes e Ricardo Filho de Josefina sobre a cidade de Nova Iorque. Três amigos numa cidade vista em três perspectivas: uma primeira experiência, um regresso à cidade e a visão de alguém que a habita. HOUDINI é uma exposição ambulante de ilustração, de Bráulio Amado - presente um mês em cada cidade, durante este ano. Chega agora ao fim, em Lisboa, depois de ter passado por cidades como Nova Iorque, Fidadélfia, Madrid, Berlim, São Francisco, Porto ou Chicago. Na inauguração, é ainda lançada a publicação "HOUDINI", editada pela Sleep City e pela Watdafac Gallery. – moblerstore.com

Numa colaboração entre o Jornal Pedal e a loja Lisboa ao Carmo, os designers do Pedal fizeram uma ilustração sobre Portugal - aplicada numa série de t-shirts e cadernos -, onde colocam a bicicleta como um dos símbolos do nosso país, ao lado de ícones como o Cristo Rei, a Casa da Música, a Torre de Belém, o Templo de Diana ou o Galo de Barcelos. As t-shirts e os cadernos - impressos em serigrafia por Ricardo Avelino/Mr. Shirt Guy - já estão à venda na loja Lisboa ao Carmo e estarão à venda na loja online do Pedal, em jornalpedal.com. lisboaaocarmo.com facebook.com/mr.shirtguy


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omem de Prata ganha mais um segundo lugar no Criterium de Lisboa." Foi a manchete num jornal nacional. O segundo lugar é um meu lugar cativo, não que eu o queira, mas é sempre meu. Nunca tive outro lugar, sempre o segundo. Lugar do primeiro a perder. Já experimentei o alleycat, mas o resultado manteve-se, segundo. Uma das causas pode ser eu ser o meu treinador, não estou para pagar a alguém só para dizer para eu pedalar. E ofertas não me faltaram. Mas esta foi a gota de água, já estou farto de ser segundo e desta vez até era visto como favorito. Vou adoptar um sistema de treino agressivo a partir da próxima semana. Esta estou a descansar do Criterium em que fiquei no mesmo lugar de sempre. Semana a seguir ao Criterium de Lisboa Gustav sai de sua casa e começa o habitual aquecimento. Cinco minutos depois começa a pedalar e a assobiar. Não tardava já tinha um cão vadio atrás dele, dog sprint. Esta era a primeira fase de treino, pedalar o mais que podia à frente de um cão. Dois quarteirões foi o que ele aguentou antes que o cão o mordesse. Isto equivaleu a 55 segundos de corrida, nem um minuto foi, nem a t-shirt ficou suada. Depois de o cão o ter largado e deixando a marca na sua perna, coxeou até à estrada e ficou à espera da namorada que o levasse até ao hospital. "Que lhe aconteceu?" "Prefiro dizer nada." No hospital foi-lhe dito para descansar, mas não quando. A mordidela foi só superficial, não atingiu os músculos. No dia seguinte, repetiu o treino. Aquecimento, pedalada, assobio e o cão a correr atrás dele. Desta vez, o cão que o apanhou não corria tanto quanto o do dia anterior e não o mordeu passado cinco quarteirões. Deixou que o cão parasse de ladrar para

recomeçar a correr. E assim fez seis meses de treino. Estava na hora de pensar num novo treino.Treino 2: mandar chamar um táxi e não pagar a corrida, ou seja, ia a uma praça de táxis, metia-se dentro de um táxi e pedia para o levar para um sítio perto de onde partiu, onde tinha a bicicleta. Logo aí o taxista normalmente fica em fogo e expressa a sua raiva. "Você não podia ir a pé?" ou "Para tão perto e eu estive na praça tanto tempo à espera para isto." Isso entusiasmava mais Gustav. No fim da corrida de táxi pedia a factura e enquanto o irado taxista a passava, saía, agarrava na bicicleta e fugia. Quase sempre o motorista ia a correr atrás dele. Para treinar isto escolhia os mais gordos, pois não tinham grande resistência e à medida que ia avançando com o treino ia escolhendo uns que ou lhe parecessem que estivessem já chateados com a vida ou que lhe dessem luta na corrida. Mas rapidamente desistiu deste treino porque primeiro estava a prejudicar o trabalho de várias pessoas e, depois, eles não corriam muito, pois nunca trancavam o táxi para poder ir atrás de Gustav. Na noite em que abandonou a ideia de correr à frente de taxistas, decidiu ir dormir cedo pois na manhã seguinte iria, de novo, percorrer o trajecto do Criterium. Sim, consegui quebrar mas foi só menos 13 segundos. Gustav não desmoralizou e voltou aos seus treinos agressivos. A situação mais caricata foi quando provocou uns “graffiter”. Quando começaram a correr atrás dele, as calças dos perseguidores iam caindo até que um deles tropeçou, pois o cós das calças, que no início da perseguição estava abaixo do rabo, acabou abaixo dos joelho. Gustav cansou-se mais a rir do que propriamente com o que pedalou. Os seus amigos disseram que lhe pagavam um treinador de jeito, mas ele não cedeu ao facilitismo de ter um Gritador de "Pedala!" A 21.ª Criterium de Lisboa era o seu objectivo para a medalha de ouro. Finalmente o treino agressivo tinha dado frutos, uma mordidela, alguns inimigos taxistas e muitas outras pessoas perigosas.


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notícias dos nossos amigos que viviam na cidade e por outro a própria curiosidade em lidar com os estragos da tempestade in loco era bastante. Ao atravessar a Williamsburg Bridge para entrar em Manhattan viam-se bastantes mais pessoas do que o normal. O metro tinha sido gravemente atingido e fechado, não só devido à falta de electricidade mas também pelas cheias. O meio de transporte mais importante da grande metrópole falhava, tal como todos os outros meios de transporte que, consequentemente, aos poucos se iam esgotando. As ruas da cidade estavam cobertas de lama e água, folhas, troncos e entulho variado. A primeira impressão foi ver uma cidade completamente distante daquilo que a caracteriza. Pequenos carros com geradores eram rodeados por uma multidão esfomeada por electricidade e aqueles que não conseguiam esperar para carregar os seus telemóveis, gadgets e computadores, deram rumo até Midtown, para lá da 34th Street, onde a cidade funcionava como normal. O cenário era algo semelhante a uma peregrinação, milhares de pessoas ocupavam as ruas e passeios, rumo a Norte. A falha de energia e transportes durou pouco mais de uma semana, embora actualmente algumas zonas ainda continuem com deficiências no aquecimento e electricidade. Não trabalhei durante uma semana, uma vez que para além de não haver electricidade, não havia maneira de entrar no edifício, nem sequer forma de lá chegar para alguns dos meus colegas que vivem mais longe. Uma das revistas locais lançava uma edição especial dedicada e produzida durante o fim-de-semana da Sandy. Na capa lia-se com grande destaque "It's global warming, stupid", traduzindo, "é o aquecimento global, estúpido". Uma das poucas revistas que analisava o acontecimento numa perspectiva completamente diferente, ofensiva, com uma lição de moral implícita, com razões ao invés de uma análise à destruição provocada por um fenómeno natural. Em plena altura de Halloween, e apesar da ironia, o cenário era realmente assustador. À noite, parte da cidade ficava completamente às escuras, desligada, fora de contacto. Nesses bairros formavam-se pequenas

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o final do dia de sexta-feira começou a correr um email geral pela empresa onde trabalho: “Sandy, furacão, com previsão de grandes estragos em New Jersey, Nova Iorque e Massachussets. Cheias, ventos fortes, possíveis cortes de electricidade”. Há cerca de um ano, o mesmo alerta tinha sido comunicado, dessa vez, sob o nome de Irene, e o resultado final foi um alarme que se ficou apenas por alguns ramos partidos e uma chuva que durou a noite inteira. À medida que as horas iam correndo a dentro do fim-de-semana, a previsão da Sandy ficava cada vez mais ligada a um cenário negro e sério. As corridas aos supermercados começaram, os preparativos de protecção e a evacuação de certas zonas de Manhattan denunciavam um fim-de-semana atribulado. O sucedido foi história para todos os jornais, nacionais e internacionais. A TSF começou por procurar emigrantes portugueses via Facebook para receber notícias do que se passava, o que fazia acreditar em todo o mediatismo do acontecimento e preocupação para lá desta cidade e país. No final, superou tudo isso, especialmente para um português, emigrante, que nunca teria lidado com um cenário deste género. Resumindo a Sandy por poucas linhas, desde Nova Iorque, o estrago e o impacto que teve foi algo surreal. As cheias em zonas da cidade chegavam à cintura, a energia foi cortada em metade da cidade, redes telefónicas deixaram de funcionar, árvores derrubadas, uma explosão gigante da central eléctrica que se viu desde Brooklyn e iluminou o céu de uma noite onde a chuva, ventos fortes e a sensação de terror foi constante. O dia seguinte foi um confronto com a realidade. Moro em Brooklyn, numa zona chamada Bushwick, ligeiramente mais elevada do que as restantes partes da cidade, o que nos protegeu de eventuais cheias. Continuámos com electricidade, rede de telemóvel, e aos poucos as lojas voltaram a reabrir na nossa zona. Nesse mesmo dia, a meio do dia, um grupo de cinco pessoas decidiu pegar nas suas bicicletas e ir até Manhattan. Por um lado, não havia maneira de receber

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sub-culturas, reorganizavam-se comportamentos e repensavam-se as necessidades para uma adaptação à realidade. Os supermercados começaram a dar comida antes que a falta de refrigeração acabasse por estragar maior parte dos alimentos. A mobilidade urbana foi fortemente afectada e a bicicleta acabou por assumir um papel super importante durante os dias seguintes ao furacão. Sem electricidade, as pontes e ruas fechadas assim como o esgotamento de gasolina, o carro acabou por tornar-se algo impossível e, consequentemente, inútil fazendo com que mais nova-iorquinos se deslocassem de bicicleta. A bicicleta passou a servir de exemplo. Um veículo que carrega a liberdade para se chegar a qualquer ponto urbano para entrar em contacto com pessoas. Serviu para gerar energia, repensar a própria mecânica e as potencialidades do próprio instrumento. O cenário em algumas zonas dava ainda um certo gozo uma vez que os carros geravam filas gigantescas de quilómetros. Tentavam abastecer-se de gasolina, encostando-se ao lado direito das estradas onde maior parte das vias cicláveis acompanham as avenidas principais. O cenário inverteu-se. Agora as bicicletas tomavam conta das vias principais. Todas as áreas de Nova Iorque situadas junto ao mar foram destruídas e ainda hoje continuam em reparação. A maior parte dos bairros que foram atingidos são de pessoas de uma classe mais baixa, que acabaram por ficar sem tudo o que tinham. A quantidade de pessoas que se voluntariaram foi, e continua a ser, impressionante. Toda a gente sabe quais são as principais causas das alterações do aquecimento global. Pouco é feito e a faixa de segurança é esticada até ao limite. Já houve situações idênticas em que provam que certos comportamentos têm que ser alterados e servem de exemplo a para serem tomadas atitudes. O blackout de Nova Iorque em 2003, por exemplo, mostra que o preço do uso excessivo de energia eléctrica teve o retorno de três dias sem qualquer electricidade. A verdade é que podemos começar por mudar coisas pequenas que levarão com certeza a alterações e consciencializações maiores. A culpa é nossa. Portanto, cabe-nos fazer alguma coisa, estúpido. DR


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anobrar uma máquina requer conhecê-la para lá do seu manual de instruções. Implica mais do que usar a lógica. Adquire-se com a prática. Quem ensina e quem aprende a andar de bicicleta sabe que é assim, um exercício de experimentação motora e de expulsão de receios que bloqueiam o acesso à experiência. Tudo isto se consegue mediante algumas premissas, ou antes, tudo fica mais fácil quando elas estão reunidas. Quem escreve esta reportagem é também instrutor de condução de bicicleta, o que pode levantar algumas questões sobre o puxar da brasa a uma sardinha que começa a dar as primeiras pedaladas como área de negócio. Creia o leitor que é uma tarefa exigente, esta de quem escreve, conquanto traz consigo a possibilidade de explorar nuances e subtilezas só ao alcance dos que conhecem o terreno e a experiência que aqui se conta.

Decidir Muitas são as razões que levam alguém a adiar o momento em que se aprende a descolar os pés do chão e a ganhar controlo sobre um mecanismo simples, porém simbiótico, que alicerça uma nova forma de contacto entre o chão e o nosso corpo. Substituir os pés pelas rodas e o pavimento pelos pedais está ao alcance de todos os que sentem motivação para experimentá-lo. Sem isso, nada feito. A vontade antecede tudo, mesmo os pânicos de última hora que podem levar a algumas desistências ou a novos adiamentos. Nos últimos seis anos surgiram cursos para ensinar a pedalar e procura não tem faltado. A Escolinha da Bicicleta, do Núcleo Cicloturista de Alvalade, em Lisboa, foi a primeira a oferecer o serviço, uma ideia que surgiu depois de lhes ser concedido um espaço no Complexo Desportivo Municipal de São João de Brito, passando o

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colectivo a dispor de um ringue de jogos onde desde 2006 ensinam. Começou como uma “carolice”, diz-nos o presidente e instrutor João Santos: “ninguém estava à espera que alcançássemos o número de alunos nem os efeitos práticos que daí resultaram”. A procura destes cursos é geralmente antecedida de outras tentativas frustradas, a solo ou com a ajuda de familiares e amigos. Rui Pratas é o instrutor da Pedalnature e há dez anos deu-se conta de que algumas amigas suas não sabiam andar de bicicleta, oferecendo a sua ajuda para ensiná-las. Quando decidiu levar o assunto mais a sério acabou por encontrar a Escolinha de Alvalade, que já existia. Rui obteve depois uma formação em Jogo e Motricidade Infantil cuja metodologia adaptou para ensinar o equilíbrio da bicicleta a adultos. As primeiras amigas que ensinou representaram a ponta do icebergue que viria a descobrir mais tarde: “80% dos iniciantes que tenho são do sexo feminino, dos quais 50 ou 60% nasceram entre 1962 e 1975”. Rui avança uma possível explicação para este fenómeno que ocorre na Grande Lisboa, associando-o ao período em que a cidade cresceu e ficou dominada pelo automóvel: “Foi o final das brincadeiras de rua”, diz-nos, resultado de um sentimento de insegurança crescente. Para Ana Pereira e Bruno Santos, da Cenas a Pedal, é difícil traçar um perfil de pessoas que os procuram. Formados em 2008 pelo britânico Cyclists' Touring Club para a instrução de condução de bicicleta (tal como este que vos escreve), lidam com aprendizes de todas as idades e com as mais diversas histórias de vida. Há receios que acompanham os aprendizes até às aulas, mas também uma dose suficiente de coragem, vontade e perseverança: “Há muitos medos associados e quanto mais velhas são as pessoas mais isso se nota, porque tiveram mais anos para criar expectativas. E não é só o medo de cair, é também o medo de falhar, medo de se meterem a fazer uma coisa que acham já não ser para a sua idade, isso tem uma importância diferente da que tem para uma pessoa de 20 ou 30 anos, há esse medo de estar a arriscar fazer algo meio atípico para a idade e depois não funcionar”, diz Ana. Mas a experiência de instrutores e alunos prova que funciona.

Avançar São os adultos quem mais procura estas aulas, mas há também pais que optam por dar aos filhos a oportunidade de aprender num ambiente controlado. Para a Cenas a Pedal e Escolinha de Alvalade, que ensinam crianças a partir dos cinco anos, as razões para essa escolha variam entre a limitação física dos pais, para acompanhar em segurança a aprendizagem dos filhos, e o insucesso de tentativas anteriores. Embora seja normal as crianças aprenderem mais depressa que os adultos, estes cursos funcionam para todos e todas as idades como um acelerador desse processo, a forma mais eficiente de desenvolver e adquirir novas competências. Qualquer pessoa está apta a aprender, até sozinha. O que aqui se faz é evitar caminhos tortuosos e aquisição de vícios que prejudiquem ou não acrescentem nada de essencial ao andar de bicicleta. Cada instrutor tem o seu método e há, entre todos, alguns pontos de convergência. Leonel Mendonça, instrutor nos cursos que a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) organiza pontualmente em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, tem a missão de ensinar em grupo, factor que considera ajudar à aprendizagem: “uns puxam pelos outros e estão todos em pé de igualdade. Ao ser em grupo, nós não conseguimos estar a dar apoio a todos ao mesmo tempo, o que faz com que eles sejam obrigados a ter uma certa autonomia no momento em que estão a aprender”. A mesma opinião já não é partilhada por Rui Pratas da Pedalnature que, depois de ter experimentado essa abordagem, apercebeu-se da discrepância de ritmos de aprendizagem: “não é justo dar mais atenção aos que evoluem mais depressa. [Agora] as aulas são sempre individuais e reservo três horas para cada uma”, refere. Este ano, surgiu o primeiro curso do género na cidade do Porto pela mão de Pedro Rosa, bailarino e coreógrafo. “A minha experiência no ensino da dança contemporânea a jovens e adultos é a base do meu método”, conta-nos. “Passa por uma desconstrução precisa da postura e do movimento, de uma análise cuidada do funcionamento do corpo e da própria mecânica envolvida no acto de


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dirigir uma bicicleta. Trata-se de fazer um trabalho passo a passo, começando com noções e tarefas mais simples e progredindo até ao acto completo de dirigir a bicicleta com segurança e leveza”, continua. Todos concordam que um bom espaço de ensino é condição fundamental para a eficácia da aprendizagem. Zonas amplas, planas ou com ligeira inclinação para facilitar o arranque, sem trânsito, sem obstáculos numa primeira fase, com curvas e obstáculos na fase final. Nem sempre é possível reunir num mesmo local todas as características desejáveis, sendo necessário priorizar e ajustar. Os instrutores têm locais de treino habituais podendo, no caso da Cenas a Pedal e Pedalnature, deslocar-se até à zona de residência do aluno, caso seja do seu interesse e exista um local de treino adequado nas proximidades. Com alguma frequência surgem pedidos para que as aulas se realizem longe de olhares indiscretos. O desejo de não querer ser visto, seja por desconforto ou por se tratar de figuras públicas, deve ser tido em conta na medida em que pode influenciar o ritmo e o à-vontade necessários para aprender. Rui Pratas recorre preferencialmente a uma área no Parque das Nações, em Lisboa, e chega a iniciar as aulas às 5h30 da manhã, quando não se vê vivalma nas redondezas, para satisfazer esses pedidos. A Cenas a Pedal realiza os seus cursos regulares no Jardim da Estrela onde tenta uma abordagem diferente sobre a privacidade: “Nós tentamos desdramatizar isso, aprender a andar de bicicleta é como fazer outra coisa qualquer”, diz Bruno acrescentando que, quando o aluno não se sente à vontade, acaba por pedir um sítio mais resguardado ou é o próprio instrutor quem toma essa decisão: “é um bocadinho mais desafiante, às vezes, e há pessoas que obviamente encaram isso com mais à-vontade do que outras, mas não tem impedido que aprendam e tem a vantagem de o fazerem num sítio mais realista, no fundo”.

Adquirir As circunstâncias específicas de cada aluno recomendam que os instrutores adaptem o que for necessário para beneficiar a aprendizagem. É o que

acontece com a escolha da bicicleta de treino, onde o tamanho, a geometria e destreza a que obriga na condução têm influência directa sobre o aluno, como nos diz João Santos: “Isso é outro segredo do ensinar a andar de bicicleta, que a pessoa se sinta bem, [sabendo que] assim que põe os pés no chão está em segurança e não cai, porque as pernas fazem um bipé sem ter que se levantar. Só depois é que começamos a subir gradualmente o selim”. Rui Pratas tem vindo a especializar-se no ensino a pessoas obesas, construindo uma bicicleta adaptada para esse efeito – com rodas mais pequenas, tamanho 24'', e um sistema de travões alterado – de forma a “não obrigar os iniciantes a dobrar tanto os membros inferiores, que é a maior dificuldade que têm”. Hoje, graças ao passar da palavra, é bastante procurado para este serviço. A aprendizagem tem um lado mecânico e outro, mais subjectivo, que exige dos instrutores uma sensibilidade para compreender bloqueios mentais. Por mais método que se desenvolva e eficiente que se consiga tornar o processo, o instrutor é sobretudo um companheiro de aprendizagem, um apoio, um guia, alguém que encoraja e valida constantemente os pequenos avanços que o aluno realiza. A bicicleta e o ciclista devem fundir-se num corpo só: “no início os principais problemas são a verticalidade do corpo, o alinhamento com a bicicleta e a utilização funcional do guiador”, refere Pedro Rosa, notando também que “muitas vezes o corpo inclina-se para os lados, encolhe-se e fica tenso aos primeiros sinais de desequilíbrio ou receio de algum imprevisto” e a tendência é agarrar o guiador com muita força. Para conseguir aliviar a tensão “respiramos fundo”, conclui. Ana Pereira considera “a parte emocional tão ou mais importante do que a técnica. Muitas vezes tu explicas e a pessoa percebe, mas depois têm a parte emocional a dar cabo daquilo, por isso não serve de muito seres bom a explicar a técnica se depois não tiveres um perfil de relacionamento interpessoal que permita vencer essas barreiras”. Por essa razão, o treino faz-se também do lados dos instrutores já que é fundamental criar uma relação de confiança e para isso é necessária uma boa dose de reforço positivo: “As pessoas costumam

dizer que nós somos muito simpáticos e temos muita paciência. A experiência aí ajuda imenso, porque eu não tenho que fingir confiança, eu tenho confiança que aquilo vai funcionar. Por isso, às vezes as pessoas acreditam nelas próprias simplesmente porque sentem que eu acredito nelas”, remata Ana. Talvez a maioria das pessoas passe pela experiência de aprender a andar de bicicleta duas vezes ao longo da sua vida – a primeira como aprendiz, a segunda para ensinar os filhos. É raro encontrar quem não se lembre do momento da sua “descolagem”, tal é a grandeza da emoção que se sente. Para os instrutores, apesar do aperfeiçoamento da técnica e da automatização dos processos, a alegria de ver alguém ganhar asas mantém-se, como se fosse a primeira vez.

CURSOS Lisboa Cenas a Pedal: cenasapedal.com/ Escolinha da Bicicleta: ncaescolinha.webege.com/ FPCUB / CML: www.fpcub.pt/ Pedalnature: www.pedalnature.com/ Post: postcoop.org/ Porto Aprender a Andar de Bicicleta: aprenderaandardebicicleta.blogspot.pt/


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Está quase, mas falta qualquer coisa para estar perfeito.

Eu trago a roda!

Está bela.

Sai ao pai. Muito obrigado pelas vossas oferendas. Sem vocês ela não andava.

É fruto do nosso profundo Amor!


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Texto: Duarte Nuno Fotografia: Ricardo Filho de Josefina

Não te esqueças que tem de ser entregue ainda hoje.

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Liga a luz para mostrar o que falta.

E eu trago a câmara de ar!

E eu tenho o indispensável pedal!

Cuidado com ele!!

FIM


RCICLA Rua Major Afonso Palla 17 2715-311 Algés

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Amigos do Ambiente ApAixonAdos pelAs bicicletAs Calçada dos Cesteiros, 7 (Santa Apolónia) 1100–138 Lisboa Tel.: 927207738 Email: info@binaclinica.com

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Vítor

O Vítor. Aquele das bicicletas. O que andava de BMX e agora de roda fixa. O Vítor que não é de bicicletas com cheiro a novo, é antes daquelas que trazem o peito cheio do tempo vivido. Sabe reciclar para o mundo ciclável. É de Porto Salvo, foi para Amesterdão conquistar bicicletas nos noventa, tornou-se um cicloholandês e está de volta a Portugal - com a reabertura da loja RCICLA, agora em Algés - para inundar o país de duas rodas.

RCICLA Rua Major Afonso Palla 17 B 
2715-311 Algés

Entrevista: João Bentes e João Pinheiro Fotografia: Ricardo Filho de Josefina ricardofilhodejosefina.com

R Regresso do Ciclomem

rcicla.wordpress.com


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memória mais remota que o liga à bicicleta tem por base uma fotografia onde identifica a bicicleta e o momento. “Era uma Órbita já sem rodinhas”, diznos Vítor ao explicar que tinha cinco ou seis anos e que foi no seu bairro, em Porto Salvo. Não se lembra depois da bicicleta com uma grande presença, foi para a escola onde o futebol foi maior: “fui mesmo alto cromo da bola” diz ao Pedal entre risos. Tudo isso mudou aos 14 anos quando conheceu o BMX. “Já sabia andar de bicicleta mas aquilo clicou, as manobras, os cavalinhos. Foi aí que, de certa maneira, comecei a andar de bicicleta outra vez”, diz Vítor. Mesmo não sendo uma forma de deslocar-se no dia-a-dia, ia com os amigos até às rampas de Cascais ou de Linda-a-Velha. Quando tinham provas era o pai que os levava, a ele e aos amigos. “Tenho altas memórias dessa altura”, acrescenta. De certa forma, foi com o BMX que Vítor começou a ter uma forte ligação ao ciclo-objecto, mais ligado às manobras mas também foi a altura em que aprendeu a utilizar as ferramentas, muito graças ao senhor Fernando das bicicletas de Porto Salvo, que lhe fornecia as peças e emprestava-lhe as ferramentas. A ida para Amesterdão tem, para além de outros factores, raízes no BMX, diz Vítor: “é que em Amesterdão, eu podia ir de bicicleta andar para as rampas, podia ir para esses sítios. Não precisava de meter a bicicleta no carro ou nos transportes ou no que quer que seja"... Chegou à capital holandesa em noventa e oito, e sempre que podia ia para um edifício ocupado com rampas no terceiro piso. “O edifício era brutal. Ficava atrás da estação central, o Third Floor Skate Park, acho que era isso. Era mesmo muito fixe.” conta Vítor. Seis meses depois o edifício desapareceu e, juntamente com o frio do Inverno holandês, fez murchar a cena do BMX. Para andar na cidade, começou por ter uma Peugeot em segunda mão, uma Mixte. “andei com essa Peugeot até ela morrer mesmo. Ainda por cima saltava nessa bicicleta, então a distância entre o bottom bracket e o chão começou a encurtar e nas curvas os pedais começavam a tocar no chão”, conta Vítor com entusiasmo.

fazer era mexer em bicicletas e, contra o que costumava dizer, alugou uma garagem e começou a levar para lá bicicletas com o objectivo de fazer negócio. Encontrava as bicicletas na rua, arranjava-as e vendia-as através de flyers. Foi assim que tudo começou. Conta-nos Vítor: “Estando eu em Amesterdão e havendo tanta procura, de certa maneira, as possibilidades do negócio vingar era grande”. A primeira venda foi um sucesso, recolheu cerca de trinta bicicletas, espalhou flyers pelos Albert Hein e em três dias tinha tudo vendido. Essa primeira garagem foi a primeira de três lojas em Amesterdão, as reciclagens foram subindo ligeiramente de preço com as rendas e obrigações legais da Recycled Bicycles registada como Reciclar by Vítor. Em termos de funcionamento, Vítor tinha sempre muito para fazer, geria tudo sozinho e não se pode deixar à margem o facto de trabalhar sempre com material em segunda mão. Exemplifica: “Com material novo é mais fácil. Nas primeiras bicicletas chegava a demorar, não digo um dia inteiro, mas, uma manhã com uma bicicleta. Depois fui ganhando mais experiência e aprendi certos truques que permitiam fazer as coisas mais rápido”. Na primeira loja recuperava para vender mas na segunda começa a fazer arranjos para clientes e aí começa a ter ajuda esporádica de um amigo. Na terceira loja, localizada num local mais exposto, começa a ter mais trabalho o que significou repartir o trabalho com uma segunda pessoa que garantia o trabalho de reparação a clientes e Vitor passou a dedicar-se exclusivamente à reciclagem e à venda de ciclo-objectos prontos a pisar asfalto. Esta última levou à criação de bicicletas customizadas, bicicletas que eram encomendadas por clientes e montadas por Vítor. O conceito esteve sempre ligado à reciclagem, ao agarrar em coisas que passaram a não ter uso e a recuperação da sua utilização, o que definiu um tipo de cliente que não bate à porta do Vítor para apanhar uma bicicleta nova, ele não tem esse material. Ali há boas bicicletas e tudo é usado.

“não me importo de remendar os meus pneus mas não quero passar a vida a remendar os pneus dos outros” Em Amesterdão, começa por trabalhar como limpa janelas mas segue-se um trabalho como empregado de limpeza num café que funcionava das seis às nove. “Tinha tempo”, diz-nos. Repara também que há bicicletas abandonadas pela cidade, “em Amesterdão há bicicletas abandonadas sem cadeado nem nada, eu muito rapidamente comecei a arranjar bicicletas”. A sua colecção de bicicletas abandonadas servia para emprestar aos amigos que o vinham visitar a Amesterdão, uma colecção que foi crescendo, contanos: “Houve até uma altura em que o pessoal do BMX veio visitar-me a Amesterdão e também pessoal espanhol que conhecia através de tours e campeonatos. Éramos catorze e eu tinha bikes para toda a gente”. Nessa altura, Vítor dividia-se entre o seu trabalho diário e as bicicletas que ia recuperando e coleccionando mas não pensava nesta última como via profissional, chegava até a dizer a amigos que insistiam com ele para se dedicar às bicicletas: “eu não me importo de remendar os meus pneus mas não quero passar a vida a remendar os pneus dos outros”. No entanto, à medida que foi tendo outros trabalhos chegou a um ponto em que decidiu que tinha que dedicar a energia a uma coisa dele, a trabalhar ele próprio. Facto era que o que sabia

“Lembro-me de uma pasteleira SPARTA, marca holandesa, pus-lhe um volante BMX. Curti bué essa bike” Na Holanda, a sua loja é a número 210 no registo e quando lhe perguntamos o segredo para conquistar o espaço numa cidade já super ocupada por pessoas das bicicletas responde: “Talvez tenha começado por causa dos preços” e acrescenta: “Eu acho que é um bocado como aqui, tens um café ao pé da tua casa e é a

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esse que tu vais. É muito uma questão de proximidade, de comodidade e claro, se tiveres um bom serviço. Eu acho que faço um bom serviço“. Actualmente, a loja em Amesterdão tem três vertentes distintas: a reparação de bicicletas, a venda dos ciclo-objectos e o aluguer de bicicletas. "As coisas correm bem", conta Vítor. Por esta altura, já lhe terão passado cerca de vinte cinco mil ciclo-objectos pelas mãos, entre os da sua colecção, os vendidos e os reparados. “Houve várias bicicletas”, começa Vítor. “Lembro-me de uma pasteleira SPARTA, marca holandesa, pus-lhe um volante BMX. Curti bué essa bike”. No entanto, em certo dia Vítor empresta a bicicleta a um rapaz que estava a precisar de ajuda. “Disse-me que perdeu o comboio, a maior tanga! Fui para casa nunca mais o vi, fiquei sem bike”. Antes dessa montou ainda uma bicicleta com uma forqueta de mota, diz: “Tava um ganda abuso. Fui a uma empresa de bike messengers para ver se me davam trabalho. O gajo olhou para a bike e disse que não”. (risos) “Eu curtia bué aquela bike”. Para além da loja com boas máquinas e bom serviço, há também o Bike Polo e o fixed gear, movimentos desenvolvidos paralelamente à actividade de Vítor na loja. O Bike Polo foi simples, começa com clientes que frequentam a loja. Entre eles, alguns estafetas a pedais que, por vezes, abrandam ali para um olá ou simplesmente para bombear a pressão dos pneus. “Houve um deles que me falou do Bike Polo, fiquei curioso e fui experimentar” diz Vítor que, na altura, usou uma Stevens Pista com uma relação pesada e sem travões para a primeira vez. Continua: “O gajo [o estafeta] emprestou-me um malet, eu marquei um golo e curti bué, mesmo”. Quando chegou à loja no dia seguinte, pela facilidade de acesso a material, montou uma bicicleta só para o Bike Polo e começou a jogar com mais frequência.

“Uma das coisas que me apelava mais era o facto de requerer pouca manutenção, uma pessoa que ande todos os dias quer que a bike dê poucos problemas” O fixed gear, diz Vítor, “é uma história mais longa”. Lembra-se que uma semana depois de ter chegado a Amesterdão, começou a reparar mais nos estafetas de bicicleta, gostou logo do visual da bicicleta, sem travões


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mas pouco tempo depois vê um desses a “clicar os pedais” [pedais de encaixe] e não gostou nada daquilo. Explica-nos: “o facto de ter uns ténis próprios para andar de bicicleta foi logo ali um corte e nunca mais pensei naquilo”. Mais tarde, a coisa desenvolveu-se e começaram a aparecer clientes a perguntar se na loja se transformava ou não bicicletas para fixed gear. Diz Vítor: “Curti bué a bike. Uma das coisas que me apelava mais era o facto de requerer pouca manutenção, uma pessoa que ande todos os dias quer que a bike dê poucos problemas”. O interesse foi crescendo, em certa altura traz uma roda fixed já montada de Inglaterra. A primeira fixed, montou-a num quadro de montanha, sem travões e pedais BMX. “Aprendi a fazer power skids em parques de estacionamento até dominar mais ou menos a coisa” Em simultâneo, o fixed gear começou também a aparecer em Portugal e a amizade com Kico leva-o, não só a desenvolver mais o gosto pelo fixed gear, como a abrir a RCICLA em Portuga,l em 2008. Lembra-se do amigo lhe ter contado acerca de umas pessoas que usavam straps nos pedais, algo essencial no controlo e travagem da bicicleta de carreto preso. “Arranjei logo uns straps. Ainda hoje uso fixed”, diz Vítor que passados uns anos foi ao encontro da casa mãe do fixed gear. “Houve uma altura em que me inscrevi num velódromo e fui ter aulas. Não tenho problema nenhum em dizer isto, mas não tive pernas para aquilo, no velódromo tens mesmo de ter alta preparação.” confessa-nos Vítor apesar de mais cedo ou mais tarde tencionar voltar às voltas da pista. Pelo contacto com estas várias ciclo-actividades e estilos de vida, perguntamos ao Vítor se algum dia chegou a ser estafeta. A resposta mostra um pouco do percurso deste ciclo-holandês agora de volta a Portugal. Após ter sido despedido do último emprego, a primeira coisa que procurou foi algo relacionado com bicicletas, mais concretamente essa tarefa de fazer entregas em duas rodas. No entanto, há poucas empresas de estafetas em Amesterdão e demasiadas pessoas a quererem fazê-lo. O mesmo aconteceu com outros dos interesses de Vítor, as listas de espera para trabalhar em restaurantes vegetarianos era igualmente muito longa. Contudo, percebemos que, já na actual loja em Amesterdão, as duas coisas conseguiram misturar-se: “veganism and bikes, what else can you get?!” exclama entusiasmadamente um cliente que, do lado de fora da loja, vê uma das t-shirts expostas. Conta-nos: “tinha um espaço onde punha peças na parede e usava-o para pôr cenas que o pessoal fizesse que não tinham necessariamente a ver com bicicletas”. Nesse espaço, estava a t-shirt com a inscrição “veganism” e era de uma marca DIY de um outro amigo português, a Rise Clan. Também é Amesterdão que o influencia na escolha de tornar-se vegetariano depois de um inter-rail que faz em noventa e quatro, dois meses antes de ir para a tropa. Vegetarianismo, punk-hardcore e bicicletas podem misturar-se? “Bem, gosto da música, sou vegetariano, uso a bicicleta e sou apologista do seu uso, logo sim.”, Vítor não hesita na altura da resposta. “Primeiro apareceu o gozo pelas bicicletas, da cena do BMX, depois a cena do punk-hardcore, depois a cena do vegetarianismo e, mais tarde, o uso de bicicleta como meio de transporte. Há uma ligação entre todas, por exemplo, a cena do punk-hardcore moldou muito a minha forma de estar na vida e, inevitavelmente, a maneira como faço as coisas”. Isto é bastante visível para quem conhece os espaços que Vítor construiu, da resposta óbvia e prontificada do “faz tu mesmo” à constante presença e apoio à comunidade ciclística.

“Na altura em que comecei a pensar vir para cá e quando vinha passar férias via cada vez mais pessoal a andar de bicicleta, o que para mim foi muito motivador ”

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O nome RCICLA para muitos não será novidade. Em 2008, Vitor, juntamente com Kico, abre a RCICLA, a primeira loja especializada em fixed gear, sendo responsável pelo boom do movimento em Lisboa. Começou em Paço de Arcos, passou para a Lx Factory e, agora, com o regresso de Vítor a Lisboa, reabre novo espaço em Algés. A pequena sala da Lx Factory mantémse como tubo de ensaio para outras aventuras neste novo capítulo da história da loja. “Agora que dicidi vir para cá, foi de certa maneira pegar nas coisas como estavam e talvez dar-lhe uma vida nova. Vou empenharme a 100%!” Das suas mãos surge esta renovada RCICLA, que nasce ainda de uma vontade antiga de regressar a Portugal e ao seu tempo, que agora se alia ao lírico desejo de contribuir na mudança já visível em Lisboa: “apesar das coisas estarem a correr bem em Amesterdão, acho que posso fazer mais diferença cá do que lá. Lá sou a loja 210.” explica-nos Vítor, contrariando o movimento migratório que se sente nos dias de hoje. “Dizer isso pode parecer muito poético, mas essa foi uma das razões que me levou a vir para cá.”, confessa-nos. Apesar de conhecer melhor as necessidades e características dos pedaleiros holandeses, Vítor importa de lá tanto o material que tem à venda na loja como a forma de trabalhar: “Vou ter bicicletas holandesas e material em segunda mão e componentes de fornecedores de lá, que mesmo com transporte, consigo bons preços”. Tudo o resto fica para descobrir. É inegável e quase cansativo ouvir ou dizer inúmeras vezes que se vêem cada vez mais bicicletas no meio urbano, que o movimento está a crescer. Mas longe do "paraíso" que é Amesterdão, para Vítor, no que toca às duas rodas, o cenário por cá é bastante promissor, e como diz: “da maneira como as coisas estão, não sei como vai soar, mas acho que já não há volta a dar, acho que já não há retorno”. “Em Amesterdão, a papa já está toda feita”, diznos Vítor quase em tom de desabafo. Ao contrário do que acontece nas lojas que em Lisboa se dedicam ao pedalar do dia-a-dia, na loja de Vítor, na Holanda, pouco se fala de política ou políticas urbanas. O objecto ciclável é para ser usado e abusado, quase como qualquer outro objecto consumível. Mesmo sendo este o ciclo gerador do negócio de Vítor, não deixa de sentir-se incomodado pela falta de respeito à máquina, ao objecto. Não há grande paralelismo a fazer entre essa experiência fundadora na Holanda e esta a começar em Portugal, mas temos agora Vítor a servir de cordão umbilical entre estes dois universos paralelos. Não há hierarquia neste processo, mas agora qualquer um de nós terá fácil acesso e pode acarinhar uma qualquer Koga Miyata com um belo grupo Shimano 600 Arabesque ou pedalar descontraidamente à beira-rio numa elegante Gazelle com contra pedal.

“Só depois de ter vivido na Holanda, é que descobri a potencialidade de nos deslocarmos de bicicleta”

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Pensamos num futuro melhor e não deixamos de imaginá-lo com o Vítor. Em relação à sua nova loja, não quer enriquecer, mas também não quer “trabalhar para aquecer”. É desta paixão pelas bicicletas e de poder trabalhar com elas, que vive Vítor. Reconhece o risco que tomou em vir para Portugal numa altura em que as coisas estão a correr bem em Amesterdão e daqui a um ano esperamos poder estar aqui fazer as contas do que foi feito. Num futuro próximo também se esperam quadros feitos pelas mãos de Vítor, com o pouco material que falta para colocar em prática os conhecimentos que foi adquirir a Londres. Fez um curso de construção de quadros e voltou para casa no que acabava de construir. Interessa-se pelas geometrias do objecto e gosta de soldar. Aprender a construir quadros é então um passo natural. Questionámo-lo se tenciona fazer workshops sobre o tema, mas constata que já tem muito trabalho para as duas mãos que tem. No entanto, gostava de voltar ao velódromo e acabar o curso que começou na Holanda e, “vir para cá e ir ao velódromo de Sangalhos para oferecer os meus serviços para ser instrutor, ou fazer alguma coisa, porque aquilo é mesmo incrível.” O entusiasmo de Vítor é contagiante e inspirador, o fervor das suas palavras e a forma apaixonada de como fala leva-nos a querer ficar mais tempo a conversar pedalar horas ao lado dele ou experimentar uma qualquer rampa de um skate park. Os dias são longos e há muitas mais horas de luz em Portugal do que na Holanda, muitas mais para o Vítor ciclar.

“Sinto-me bem fisicamente, espero ter ainda alguma coisa para oferecer, não profissionalmente, mas a nível de satisfação pessoal.”

SPRINT Fixed gear, single ou mudanças? Fixed gear. Qual a bicicleta que mais desejas? Já a tenho. Qual a ferramenta que consideras que mais usas? A rebarbadora*. Qual é o RIDER que mais admiras? O Joep**. Qual a Alleycat em que gostavas de participar? 24 Hour Race***. Qual o local perfeito para um jogo de Bike Polo? O ringue de Paço de Arcos. Qual a cidade ideal para as duas rodas? Amesterdão. *Vitor trabalha sobretudo com bicicletas e peças antigas, daí trabalhar com esta ferramenta que lhe é de facto muito útil. **Um dos mais antigos Ciclo mensageiros de Amesterdão ***Alleycat Holandesa anual com cerca de 460 km e inclui checkpoints entre cidades.


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Misturar a farinha, o fermento a canela e o gengibre. Juntar a manteiga à temperatura ambiente e esfarelar até ficar com a consistência de migalhas de pão. Juntar o açúcar, a raspa de laranja e o ovo ligeiramente batido. Amassar bem. Deixar cerca de uma hora no frigorífico coberto com película aderente. Cobrir a superfície onde vai estender a massa com farinha para não colar e estender a massa, com cerca de 3mm. Cortar no formato que desejar e levar ao forno a 180º sobre uma folha de papel vegetal. Retirar quando estiverem louras.


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