dose mínima

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71 micronarrativas

JEFERSON BANDEIRA

[dis] tensão máxima dose mínima


Projeto gráfico, diagramação e capa Diego Zerwes Ferreira www.zerwes.com.br Ilustração: Marisa Cristina Rodrigues Todos os direitos reservados ao autor. B214 Bandeira, Jeferson, 1980Dose mínima [dis]tensão máxima / Jeferson Bandeira. – Curitiba: J. Bandeira, 2009. 78 p. ; 10 cm. 1. Micronarrativas - 2. Literatura Paranaense. I.

Título.

CDD B869.35


Bula Homero Gomes Numa das poucas tentativas minhas entre alunos do ensino fundamental, fui abordado por um escritor-mirim, ainda orgulhoso de sua escolha. Ele queria me mostrar um poema que fizera na noite anterior. Percebi claramente que ele dominava a escrita, mas senti instantaneamente uma mistura de pena e esperança. Senti pena porque ser escritor é ser masoquista, embora eu sempre estampe um sorriso besta logo ao encerrar um período de criação. Pena porque seus pais e congêneres não aceitarão suas escolhas e seu modo de vida. “Isso aí é pra ser um passatempo...


não uma profissão. Vá ser doutor, filho”. E ele terá de se adequar. E senti esperança, pois ele estava interessado em um objeto que não possui ícone e que não faz barulho. Esperança ingênua de quem acredita na literatura como instrumento de libertação da mente; uma panaceia em forma de palavras. O meu aluno começava a fazer uso de um medicamento de uso contínuo. Ele começaria devagar, com pílulas, pastilhas com sabor uva e comprimidos, para depois encarar injeções doloridas, venosas e intramusculares, muitas vezes com efeitos colaterais insuportáveis, cruéis e necessários. Mas esse aluno saberá, entretanto, fugir das panaceias com extensas e intensas contra-indicações? Espero que sim. E, bem, para aquele leitor que não


consegue redigir mentalmente as bulas do que lê, existem apresentações como esta. No caso específico de Dose Mínima (Dis) tensão Máxima posso dizer que há uma ou outra contra-indicação para o tratamento que prescrevo: 2 comprimidos por dia, um ao levantar e outro ao deitar. Entretanto, a super-dosagem não é contraindicada, vai do organismo de cada um. Cada comprimido poderá ser ingerido com álcool, leite ou água gaseificada. Aconselharia o tabaco, mas comigo foi no seco devido às leis atuais anti-fumo.


Palavras do autor dose mínima [dis]tensão máxima: Micronarrativas pervertidas por sua própria natureza, fabricadas com alto teor de impassividade, num momento em que o apelo sexual e a frustração movem nossa dinâmica social. pílulas e mais pílulas numa sociedade agônica e hipocondríaca afeita a um consumo desenfreado de remédios – comprimidos para tudo – sem ao menos conhecer a doença que aflige realmente. na rapidez e precocidade (pós-modernas), que possam gerar algum prazer essas [des]compromissadas rapidinhas.


IDENTIFICAÇÃO DO PRODUTO Pílulas de efeito prolongado: suporte com 71 micronarrativas.

COMPOSIÇÃO Pílulas.

INFORMAÇÃO AO LEITOR Ação esperada do produto Fortes sintomas de riso já na primeira ingestão. Prazo de validade Essa informação não pode ser fornecida no momento. Contra-indicações Às pessoas preocupadas demais em não viver.


1 N茫o era escritor por acaso. Cansou de ouvir hist贸rias da mulher.


2 Se aquilo nรฃo era o fim, era um mau comeรงo.


3 Tinha fama de briguenta, mas dava tudo pela paz.


4 Encheu o filho de pancada atĂŠ esvaziar o saco.


5 Tinha a mulher como santa. Fazia milagres nos vizinhos.


6 - Relaxa e goza. - Mas sou frĂ­gida.


7 Queria casa, comida e roupa lavada. Alcanรงou o papel de amante.


8 De tanto investir nela, assumiu uma dĂ­vida eterna.


9 Dependia dos pais pra tudo. AtĂŠ pra criar o filho.


10 De gr達o em gr達o, morreu engasgado.


11 NĂŁo tem motivo pra morrer. SĂł dĂ­vidas pra continuar vivo.


12 - N達o fui eu. Era outro de mim. - Rateiem a pens達o.


13 Cedeu à tentação. Jogou o carteado com o marido. Estavam no 20º andar.


14 Pega na cama, sem tempo de explicar. A mãe assumia a situação dali.


15 Quem com ferro tanto fere, um dia pega tĂŠtano.


16 Temo que pegue amor. Quanto me custa fazer um carinho.


17 - Te quero hoje como a Ăşltima vez. - Jura?


18 O problema era a gravidez. O filho: a solução.


19 - Pô, há um mês que não transamos. - É a crise, querida, a crise mundial.


20 Surrou tanto a mulher que acabou com sua cara.


21 BancĂĄrio. Lutava com uma dĂ­vida externa. Filho fora do casamento.


22 Sua boca é mais que simples lábios. Isso complica muito.


23 E o serão foi além da “pequena” mãozinha.


24 Para os filhos, um exemplo de pai. Para a mulher, apenas o mesmo.


25 NĂŁo entendeu o porquĂŞ das flores. Largou os espinhos.


26 Deu de gato. Ela soltou os cachorros.


27 Na via crucis do casal moderno, ansiedade em acabarem as contas.


28 A outra dava tudo. Supria o nada que era a esposa.


29 - Sinto falta de um pouco de prazer. - S贸 as prioridades no momento.


30 Soou a campanhia. Abriu-se a janela. Essa tecnologia desenvolve cada uma.


31 O poodle leva a madame pra passear.


32 Tinha a louca mania de imitar a m達e. Tanto fez que acabou com ela.


33 - Filha, ou casa ou sai de casa. - Mas nรฃo dรก na mesma?


34 Estava na maior pilha. S처 n찾o achou o bot찾o de Liga/Desliga.


35 - Vai firme. - Nรฃo dรก. Acabou o Viagra.


36 Na missa de sĂŠtimo dia, morre de olhares pelo oitavo da fila.


37 Sempre viveu no limite. No dia de sua morte a dĂşvida: pertencia a quem?


38 - Olha, dessa vez passa. Na outra, cozinhe e lave.


39 Nos dias de seca, apela pra cheia.


40 Não é que ela dá pro gasto.


41 Pintou o cabelo. Pintou a unha. Pintava em casa quando dava.


42 Dava nó em pingo d’água e vendia como bijuteria.


43 Deu pra acalm谩-lo. No tratamento usou todos os m贸veis da casa.


44 Tacam fogo no índio. E o que choca é o canibalismo.


45 Tinha fama de galinha. Vivia Ă base de galo.


46 - Não tem nada na mesa! - E esse colar no pescoço?


47 - Isso ĂŠ obra do destino. - E eu xingando meu marido.


48 - Faz cara de safada. - Dá não. Hoje é meu dia de folga.


49 - Hoje você não me escapa. - Até que enfim.


50 Com um tapa na bunda chorou. Hoje sorri por menos.


51 - Estou muito dividida ainda. - Pra quem fica o mais precioso? - Pro que investe mais.


52 - O que sou pra vocĂŞ? - Uma dĂ­vida a mais a cada trepada. - Pra onde foi o romantismo?


53 - Nosso amor ĂŠ joia rara. - Por isso nĂŁo saio de casa?


54 - Você me deu tudo e mais um pouco. - Você me tirou tudo o que tinha.


55 - Posso sair pra fumar? - VocĂŞ nem entrou pra valer.


56 Aquela chave de pernas custou caro. Outra retirada no ordenado.


57 A amante deixou-o esgotado. A mulher, molhado. Chovia muito nesse dia.


58 - Uma completa, por favor! - Cart達o ou dinheiro?


59 - Prometo que de hoje n達o passa. - Ainda bem, ai se meu marido acorda sem mim.


60 Sempre a velha rotina. Come fora e lancha em casa.


61 Queria tudo na vida. Seu cartão de crédito que o diga.


62 Eram feijรฃo e arroz. Ela trouxe o tempero. Hoje dรก pra dois.


63 Fiz tudo por seu amor. No fim n達o fiz mais nada.


64 Foi fiel. N達o ao marido, a si mesma.


65 Com o corte da mesada, passou a meter a m達o na carteira.


66 Pegou a mulher com outro. Decidiu tentar o mesmo.


67 Deixou a mulher pintar e bordar. Agora vive dos lucros.


68 Fez dezoito. Podia sair da barra da saia da mĂŁe. JĂĄ devia estar pronto pro casamento.


69 Arreganhou as pernas. Mas ele s贸 veio visitar o filho.


70 Respeitou o tempo da namorada. Aquele homem encapuzado nem quis saber.


71 Acusava o marido de machista. Ai dele se n達o comparecesse, sentia a ira feminista.


Contato: jeferson_bandeira@hotmail.com

Apoio Cultural:

WT Turismo – Agência de Viagens. Tel: (41) 3203-3610 / 8854-1401 Email: anderson@wtturismo.com.br



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