Enquadramento #20: Stephanie Rothman

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P U BLICA ÇÃ O TRIMES TRA L MA RÇO 2022 IS S N 2183-1734

STEPHANIE ROTHMAN

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“Desde que houvesse suficiente nudez e violência distribuídas pelo filme (…) eu tinha liberdade. Uma vez pagas as minhas dívidas com as exigências do género, podia abordar os assuntos que me interessavam: os conflitos políticos e sociais e as mudanças que estes produzem”.

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STEPHANIE ROTHMAN


Filme “La Sang d’un Poéte” de Jean Cocteau, 1932.

Filme “Orphée” de Jean Cocteau, 1950.

man virá a revelar-se admiradora em entrevistas posteriores, já tinha usado esse objeto em “La Sang d’un Poéte” (1932) e “Orphée” (1950), por exemplo.

Chegados ao minuto 20 de “The Velvet Vampire” (1971), terceira longa-metragem de Stephanie Rothman, a protagonista Diane LeFanu (Celeste Yarnall) interrompe um momento íntimo partilhado pelo casal composto por Susan (Sherry E. DeBoer) e Lee Ritter (Michael Blodget). A cama em que os amantes se encontram está no meio do deserto. Diane aproxima-se deles, saída de um espelho, integralmente vestida de um escarlate ondulante. Não é o tipo de sequência a que o público dos filmes ‘exploitation’ esteja habituado. É certo que há nudez, como era obrigatório em praticamente qualquer título do género, e referências sexuais mais ou menos explícitas. No entanto, a preocupação estética dessa cena, com referências à pintura e ao cinema de inspiração surrealista, é sintoma de uma marca autoral de Rothman.

Ao longo de uma curtíssima carreira – sete longas-metragens realizadas em menos de uma década no ativo –, Stephanie Rothman dedicou-se aos filmes de série B com uma elegância que poucos dos seus contemporâneos almejavam. Aos elementos do género que são intocáveis (baixos orçamentos, violência, nudez, temas fantasiosos), Rothman acrescenta uma preocupação estética – e também ética – incomum na intensa produção ‘exploitation’ dos anos 1960 e 1970.

A cena – um sonho de Susan Ritter, que se repetirá ao longo do filme, com outras variações, mas sempre com o mesmo ambiente – parece retirada de uma pintura. O espelho de onde sai Diane remete para o universo do Surrealismo. Jean Cocteau, de quem Stephanie Roth4

Filme “The Velvet Vampire”, 1971.

O figurino escarlate de Diane também denota uma preocupação da realizadora com a paleta cromática do filme. O vermelho do vestido prolonga-se nos lençóis em que o par romântico se encontra deitado. Há de ainda reverberar em elementos da maquilhagem da personagem e na decoração da casa onde Diane LeFanu recebe o casal em diferentes momentos. O uso da cor é em si mesmo um recurso narrativo, não só em “The Velvet Vampire”, como noutros filmes de Rothman.

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No universo do cinema norte-americano daquele tempo, Rothman destacava-se por um outro facto: era praticamente a única mulher num “clube de rapazes”. E esse podia ser apenas um apontamento biográfico se a realizadora não tivesse feito da sua condição de mulher uma marca distintiva do seu trabalho. Stephanie Rothman trouxe uma perspetiva feminista para o cinema ‘exploitation’, de uma forma mais vincada do que qualquer grande estúdio de Hollywood se atreveria a fazer nesse tempo. Mesmo partindo de um género comercial, destinado a agradar a amplas camadas de público, nunca abdicou de fazer uma leitura crítica (e até subversiva, para os padrões do seu tempo) das relações de poder na sociedade – não só entre géneros, mas entre os diferentes grupos sociais –, a que não será alheia a sua formação de base, em Sociologia, pela prestigiada University of California em Berkeley.

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Filme “Blood Bath”, 1966.

“Desde que o cinema não fosse incendiado” “Como não sabia durante quanto tempo poderia fazer filmes, decidi dizer o que queria enquanto tinha a oportunidade”, dirá Rothman em 2008 numa entrevista publicada no jornal The Austin Chronicle. Nos seus filmes, a realizadora queria criar narrativas mais próximas do mundo real por que lutava: com “um equilíbrio de poder mais igualitário e justo entre os sexos”.

– com o académico Henry Jenkins, a propósito da retrospetiva da sua obra na Viennale de 2007.

Por exemplo, nas obras que realizou, não eram só as mulheres a aparecer nuas, como era comum no universo ‘exploitation’. Também os homens surgiam frequentemente sem roupa. Os filmes com a classificação “R” – que em Portugal corresponderia a “maiores de 18 anos” – tinham regras apertadas: não podia mostrar pelos púbicos ou genitais visíveis, nem sexo simulado. Mas havia abundante nudez.

“Tentámos, dadas as restrições do género, abordar algumas ideias que foram ignoradas por Hollywood e pela maioria dos outros filmes feitos na época. Desde que atingíssemos as expectativas dos subdistribuidores [dos filmes série B], estes não se importavam”, disse numa outra entrevista, publicada na revista do Center for the Study of Women da University of California em Los Angeles.

“Existiam certas expectativas do público que precisavam de ser satisfeitas, em particular no que toca a nudez e violência”, reconhece a realizadora, na mesma entrevista. “A minha luta foi tentar justificar dramaticamente essas cenas e torná-las transgressoras, sem serem repulsivas para o público”, acrescenta, numa outra conversa

“Na verdade, ficavam felizes se fizéssemos algo controverso, porque isso lhes daria publicidade nos jornais. Desde que o cinema não fosse incendiado, não havia problemas em ir além das expectativas convencionais para este tipo de filme”.

Esta é uma ideia que retoma noutras conversas públicas, ao longo das últimas duas décadas, quando o seu trabalho começou a ser (re)descoberto na Academia e nos meios cinematográficos.

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Filme “It’s A Bikini World”, 1967.

Universidade Roger Corman Esta liberdade para tratar os temas sociais e políticos que interessavam a Stephanie Rothman no quadro de um cinema destinado às massas não é, também, alheia à figura do seu primeiro produtor – e seu “único mentor”, como afirmou na entrevista com Henry Jenkins –, o lendário Roger Corman.

No final do curso de Cinema, foi a primeira mulher a receber a bolsa da Directors Guild of America. É aqui que o seu caminho se cruza com o de Roger Corman – que foi objecto de atenção no número 14 desta publicação https://issuu.com/enquadramento/docs/enquadramento-14)

Com ele trabalharam mais de uma dezena de realizadores que marcariam as décadas seguintes de Hollywood, popularizando a ideia de que as suas produtoras eram uma escola informal de cineastas, por vezes referida como a “Universidade Roger Corman”. O produtor dava liberdade criativa a quem com ele trabalhava, desde que fossem cumpridas as expectativas de rentabilidade dos filmes.

O produtor contratou-a em 1964, onde exerceu diferentes funções, desde o “scouting” de locais de filmagem, “casting” de atores, escrita de cenas, montagem e até realização de algumas sequências. Aparece, por isso, creditada como “produtora associada” em filmes como “Beach Ball” (1965), “Voyage to Prehistoric Planet” (1965) e “Queen of Blood” (1966). A realizadora também filmou sequências para “Blood Bath” (1966), um ‘remake’ de um filme jugoslavo, onde é creditada, juntamente com Jack Hill, como co-realizadora. Antes disso, Roger Corman financiou a primeira longa-metragem de Rothman, “It’s A Bikini World”, que, apesar de ter sido rodado em 1965, só foi estreado dois anos depois.

Rothman conta que, enquanto rodava o seu segundo filme, “The Student Nurses” (1970), Corman estava fora dos Estados Unidos, a dirigir uma longa-metragem da sua autoria, “Von Richthofen and Brown” (1971). Por isso, a realizadora – que também assinava o argumento, juntamente com o marido, Charles S. Swartz – foi “livre para desenvolver a história das enfermeiras como quisesse, desde que houvesse nudez e violência suficientes”.

Rothman nunca esteve totalmente confortável no universo ‘exploitation’. Afirma em várias entrevistas que fazia estes filmes porque eram os únicos que lhe eram acessíveis. “It’s A Bikini World” é ainda um filme convencional dentro do género – com um título pouco menos do que autoexplicativo – e a realizadora sentiu-se deprimida com a experiência e o resultado final. Por isso esteve afastada do meio cinematográfico por praticamente cinco anos. Voltaria à realização, em 1970, novamente pela mão de Corman.

Nascida em 1936 em Nova Jersey, na costa Leste dos EUA, cresceu em Los Angeles onde fez quase todo o seu percurso. Antes de enveredar pela Sociologia, Stephanie Rothman ainda chegou a estudar para entrar numa escola de Medicina, mas a sua vida académica acabaria por se virar na direção do Cinema, que decidiu cursar na University of South California depois de concluída a formação de base em Berkeley. 10

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FILMES FUNDAMENTAIS

The Student Nurses

Roger Corman criou a produtora e distribuidora New World Pictures em 1970. “The Student Nurses”, que marcava o regresso de Stephanie Rothman à realização, foi o segundo filme da empresa. Com um orçamento limitado (de cerca de 120 mil dólares), terá feito mais de 1 milhão no ‘box-office’. A título de comparação, “Patton”, realizado por Franklin J. Schaffner, e que tinha entre os argumentistas Francis Ford Coppola, vencedor do Oscar de melhor filme nesse ano, tinha um orçamento dez vezes superior.

O filme trata questões como o aborto, numa época em que este ainda era criminalizado, e a orientação sexual, com sugestões de bissexualidade de uma das protagonistas. “Talvez devesse tentar outra coisa”, sugere num dado momento.

Este sucesso de bilheteira ajudou a estabelecer comercialmente a New World Pictures. Corman também percebeu o potencial de integrar temas socialmente fortes nas narrativas dos seus filmes, o que viria a marcar o trabalho da nova produtora nos anos seguintes.

As questões feministas não são os únicos temas sociais abordados por Rothman, que coloca as suas personagens a refletir sobre ética médica, eutanásia e desigualdade no acesso aos cuidados de saúde, mas também sobre pobreza, imigração ilegal e discriminação racial. A América de 1970 não é muito diferente da de 2020.

Em “The Student Nurses”, Stephanie Rothman identifica todos os seus temas de interesse, que aprofundaria em filmes seguintes, desde logo as questões feministas e os direitos das mulheres: “O que faço com o meu corpo é assunto meu”, diz uma das protagonistas numa das cenas do filme. Uma frase arrojada na América de 1970.

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Filme “The Student Nurses”, 1970.

Além disso, Rothman trata as enfermeiras estudantes de forma individual, conferindo-lhes dignidade que nem sempre era reconhecida às mulheres no contexto das narrativas dominantes. Ainda que partilhem a mesma casa e frequentem a mesma escola, cada uma das enfermeiras tem as suas próprias necessidades sexuais e posições éticas. A montagem intercalada, quase ao jeito de uma novela, vai dando espaço à construção dessa singularidade de cada personagem.

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The Velvet Vampire

Ao sucesso comercial de “The Student Nurses” seguiu-se um outro projeto financiado por Corman, “The Velvet Vampire”. Com um orçamento de 165 mil dólares, foi filmado no deserto em Joshua Tree, na Califórnia. O filme foi um fracasso em termos comerciais, mas tornou-se um objeto de culto e é, provavelmente, a mais unânime das obras de Stephanie Rothman nos dias de hoje. Como o título indicia, trata-se de um filme de vampiros. Mas está longe de ser um filme clássico de vampiros, já que Rothman subverte as expectativas do género. A realizadora explica: “nos filmes de Drácula, homens e mulheres eram vítimas dos vampiros, mas eram as mulheres que suportavam o êxtase de ter seu sangue chupado, enquanto se deitavam passivamente. Se os homens eram atacados por vampiros, geralmente era num cenário de luta, destruindo o vampiro ou morrendo de forma violenta. Então eu decidi inverter essa convenção, fazendo com que o homem desfrutasse de uma morte orgástica por uma vampira, enquanto era a mulher quem dava luta.”

Rothman volta a abordar questões sociais, como as novas formas de conjugalidade que emergiam numa América a viver os efeitos da “revolução” hippie, levantando novamente a questão da bissexualidade, mas também da discriminação social e da exploração a que estavam sujeitos os imigrantes. 14

Filme “The Velvet Vampire”, 1971.

Não é só a narrativa que dinamita as convenções dos filmes de vampiros. Ao contrário das obras clássicas, de ambiente soturno, “The Velvet Vampire” é colorido, filmado debaixo do sol californiano que parece não importunar os vampiros. O filme incorpora técnicas dos filmes de terror europeus, com ênfase no poder narrativo da cor ou cortes através de dissoluções vagamente psicadélicas.

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Filme “Group Marriage”, 1973.

Terminal Island

ploitation’, com nudez e violência em doses abundantes e a mesma liberdade para introduzir os temas sociais e políticos que a preocupavam.

“The Velvet Vampire” acabou por ser o último filme de Rothman para a New World de Corman. A saída ficou a dever-se a questões financeiras: “Roger não me pagava um salário digno. Na opinião dele, não precisava pagar nada aos seus realizadores, porque estava a dar-lhes a hipótese de terem o seu trabalho a ser amplamente visto, o que lhes poderia abrir as portas dos grandes estúdios”, criticou numa entrevista. “E para uns poucos, isso aconteceu. Para a maioria, não”. Rothman e o marido mudaram-se para a Dimension Pictures, uma nova produtora e distribuidora, parcialmente financiada pelos mesmos distribuidores regionais que trabalhavam com Corman, a troco de um salário mais elevado e de uma participação minoritária na empresa. “Em nenhum sentido, tive maior controle criativo sobre meu próprio trabalho enquanto trabalhava lá”, adverte, porém.

A ilha a que alude o título do filme é uma prisão de “último recurso”, criada por um governo distópico. Rothman reflete sobre as relações de grupo e a forma como homens e mulheres podem colaborar (ou ser conflituosos) num contexto de tensão imensa.

Na Dimension, Rothman esperava fazer o mesmo tipo de filme que antes desenvolvera para a New World: ‘ex16

Filme “Terminal Island”, 1973.

O primeiro filme na nova “casa” foi “Group Marriage” (1973), que abordava um casamento triangular, desafiando novamente as normais convencionais de conjugalidade, e lançando mão de uma ideia de inspiração vagamente anarquista, fazendo uma certa apologia do comunitarismo. Esta ideia é desenvolvida na obra seguinte, no mesmo ano, “Terminal Island”, um dos seus filmes mais interessantes.


“Como não sabia durante quanto tempo poderia fazer filmes, decidi dizer o que queria enquanto tinha a oportunidade, em vez de jogar pelo seguro”

“Estigmatizada”

na sala”: ela era uma mulher num território de homens. “Ninguém me disse diretamente, mas muitas vezes percebi indiretamente que essa era a razão decisiva pela qual muitos produtores não queriam conhecer-me”.

O último filme realizado por Stephanie Rothman foi “The Working Girls” (1974), que volta a ter protagonistas femininas poderosas no centro da narrativa. Três mulheres com ocupações pouco usuais – uma ‘groupie’, uma acompanhante e uma bailarina de strip – partilham um apartamento em Los Angeles e encontram-se sob ameaça dos homens que encontram nas suas vidas.

Durante dez anos fez alguns argumentos e tratamentos cinematográficos, juntamente com o marido, que nunca foram vendidos. Chegou a assinar um contrato para três longas-metragens com uma produtora, mas os filmes nunca foram realizados. Ao mesmo tempo, recusou os vários convites que teve para voltar a realizar um filme ‘exploitation’.

Depois deste projeto, deixa a Dimension Pictures em 1975, tentando ao mesmo tempo abandonar o universo ‘exploitation’. Outros realizadores seus contemporâneos, como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese ou Peter Bogdanovich, que também trabalharam com Roger Corman, fizeram essa transição bem-sucedida para o cinema dos grandes estúdios.

O seu último trabalho para cinema foi o argumento de “Starhops” (1978), realizado por Barbara Peeters, que também trabalhou com Roger Corman. O guião de Rothman, a que originalmente chamou “Carhops”, foi de tal modo alterado que ela não quis ser creditada no filme. Na ficha técnica, a história surge assinada com o pseudónimo Steve Zaillian.

Stephanie Rothman, no entanto, nunca conseguiu fazê-lo: “Eu tinha bons agentes e tentamos muito conseguir um trabalho, mas descobrimos repetidamente que eu era estigmatizada pelos filmes que tinha feito”, disse ao The Austin Chronicle. “A ironia foi que eu fiz [os filmes ‘exploitation’] para provar que tinha capacidade para fazer filmes mais ambiciosos, mas ninguém me deu a oportunidade”.

Depois de uma década de dificuldades e sem perspetivas de futuro, Stephanie Rothman desistiu do cinema. Chegou a dirigir um proto-sindicato de professores da Universidade da Califórnia, onde fazia lobby e escrevia um boletim político sobre questões laborais. Por fim, investiu uma pequena herança em imobiliário, área na qual acabou por trabalhar nas décadas seguintes.

A realizadora atribui a dificuldade de transição para os grandes estúdios não só ao “estigma” de ser uma autora série B, mas também àquilo que chamou de “elefante 19


Ícone feminista

e suspense realizados por mulheres. Dois anos depois, o mesmo evento criou a bolsa Stephanie Rothman Fellowship for Women Student Filmmakers, destinada a jovens mulheres estudantes de cinema.

Não é totalmente preciso usar o termo “redescoberta” sobre o cinema de Stephanie Rothman. Não sendo uma realizadora imediatamente apontada como fundamental, mesmo entre os cinéfilos mais atentos, o que é certo é que o seu trabalho não esteve propriamente esquecido, sobretudo nos meios académicos: o guionista Terry Curtis Fox escreveu sobre ela na edição de Novembro-Dezembro de 1976 da revista Film Comment; no mesmo ano, a teórica feminista Pam Cook escreveu sobre a sua obra no periódico académico Screen Journal e, um ano depois, o crítico Dennis Peary dedicou-lhe o ensaio “Stephanie Rothman: R-Rated Feminist”; em 1980, o Institute of Contemporary Arts de Londres fez uma retrospetiva dos seus filmes.

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Ainda no final do ano passado, o canal de ‘streaming’ da influente Criterion dedicou uma coleção às mulheres cineastas da New World Pictures. No programa estavam dois filmes de Stephanie Rothman (“The Student Nurses” e “The Velvet Vampire”), além de “Humanoids from the Deep” (1980), de Barbara Peeters, “Slumber Party Massacre” (1982), de Amy Jones, e “Suburbia” (1984), de Penelope Spheeris.

Talvez os anos 1990 sejam o período em que a obra de Stephanie Rothman está mais longe de algum tipo de reconhecimento, mas as atenções voltariam a virar-se para os seus sete filmes já no novo milénio, sobretudo desde a retrospetiva na Viennale, em 2007.

Esta nova atenção levou também a um ressurgimento do interesse por obras de académicas feministas, como a já referida Pam Cook, mas também de Claire Johnson, que sobre ela escreveram nos anos 1970. Uma nova geração de académicos e cinéfilos tem colocado Stephanie Rothman no lugar de ícone feminista.

Mais recentemente, e à medida que Hollywood procurava heroínas femininas para acertar contas com o seu próprio passado, recebeu vários prémios, como o Vanguard Award no Nevada Women Film Festival (2018) e o Inspiration Award no Etheria 2017, a mais importante mostra de filmes de ficção científica, fantasia, terror

Como escreve Ben Sher, há uma discussão entre os académicos relativamente à forma como o cinema foi colocando em causa o sistema patriarcal. Há, por um lado, quem dê maior responsabilidade ao trabalho feito nesse sentido pelo cinema independente e os filmes de vanguarda. Outros argumentam que o papel deter21


FILMOGRAFIA minante é o de mulheres que, trabalhando dentro do mainstream, podem desmantelar as representações de Hollywood sobre os papéis de género.

Blood Bath (1966) – co-realizado com Jack Hill It’s a Bikini World (1967)

Sobre isto, Pam Cook escreveu que “a obra de Rothman fez parte dessa polémica. Os seus filmes podem ser vistos como um excelente exemplo de subversão feminista a partir de dentro, usando as fórmulas genéricas do cinema ‘exploitation’ ao serviço da sua própria agenda como mulher realizadora”.

The Student Nurses (1970) The Velvet Vampire (1971) Group Marriage (1973) Terminal Island (1973)

Henry Jenkins considera, por seu turno, necessário “reexaminar” a obra de Rothman à luz do cinema dos anos 1990, “uma vez que as questões que ela colocava estão intimamente ligadas àquelas que são levantadas por um conjunto de filmes de Hollywood” dessa época, que procuram inserir a política feminista em géneros comerciais, como “Alien, o oitavo passageiro” (Ridley Scott, 1979), “Silêncio dos Inocentes” (Jonhatan Demme, 1991) ou “Thelma e Louise” (Ridley Scott, 1991): “Muitos destes filmes foram dirigidos por veteranos do cinema ‘exploitation’, fortemente influenciados pelo seu legado”, defende este crítico.

The Working Girls (1974)

Sobre esta matéria, fiquemos com as palavras da própria Stephanie Rothman: “Eu queria fornecer uma compreensão mais complexa das experiências de mulheres e homens. Os homens também são estereotipados em alguns filmes ‘exploitation’. Embora haja um ponto de vista feminista nos meus filmes, não pretendia ser o único ponto de vista. Eu vi esse estereótipo inicial relativamente a ambos os sexos como uma oportunidade, um ponto de partida, para surpreender e intrigar o público”. 22


FICHA TÉCNICA Edição Coordenação Editorial

Texto Samuel Silva

Design ISSN 31 de Março de 2022


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