Vozes do silêncio

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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEGUNDA-FEIRA, 17 DE NOVEMBRO DE 2014

VIOLÊNCIA

Escola clama por equilíbrio entre conflitos e reinvenções tóriosdominadosporgruposdistintos. Pequenos espaços renomeadosemumbairrositiadopelotráfico.Diariamente,vejogente matar ou morrer por poder, por droga, por nada. Meu aluno mudou, o bairro onde estou mudou. Eu mudei? As alterações agora me parecem pontuais.Quandoaviolênciaexterna me invadiu as salas, levando minhas cadeiras e computadores em roubos, ganhei grades nas portas. A mudança, porém, parece ter dado aos meus alunos um novo sentido: estão eles sendo cada vez mais vitimizados?

Sistema educacional deve acompanhar as mudanças da sociedade. O que vem a seguir é a voz da escola BEATRIZ JUCÁ Repórter

Estampo noticiários policiais com certa frequência. A maioria dasmanchetescontacasosextremos de violência que, à minha revelia, acontecem nas minhas dependências:“Alunoéespancado por colegas em sala de aula”, “Estudante é preso dentro de escolapública”,“Professoréameaçado de morte”. Esses casos reforçam a gravidade do meu problema por meio dos relatos repetidos por professores, pais e até mesmo por policiais. Embora sejaobservadoraonipresente,pouco me dão voz. Eu, escola pública imersa em comunidade de alto risco, peço licença para contar também a minha história. Sintocomosepairassenotempo. Pareço cada vez mais distante da época destes alunos que hoje povoam meus corredores, comseuspésligeirosemãosquase sempre grudadas em algum aparelhoeletrônico.Vivoumlapso de anos e, talvez por isso, seja tão difícil para mim compreender o que eles buscam nos meus pátios com seus olhos cada vez mais agitados. Quando exatamente as vozes ficaram tão afiadas, despejadas contra quem lhes ferir o pensamento? Não sei. Vez por outra, enquanto tento entender o que mudou nos meus meninos, ouço um burburinho caótico dentro de mim. Olho pra dentro e assisto a cenas que se repetem com frequência nos meus corredores: ameaças, ofensas e até o extremo de tapas que, no fim das contas, parecem doer na minha própria estrutura. Quase tudo aparentemente a troco de nada. Penso que estou, de alguma forma, quebrada – a maioria dos pedaços fora de lugar. Minhas salas, antes consideradas quase sagradas, agora são palco para violências físicas e simbólicas que, silenciosas, tomam aqueles que me habitam. Professor, aluno,funcionário:todosmergulhados em um problema que já não sei mais como dar conta. Um problema que às vezes, eu mesma constato, escapa de mim.

Assustados Observo o entorno dos muros que me delimitam, e as casas parecem se amontoar, umas coladas nas outras. Depois de tanto tempo sem olhar com atenção para o lado de fora, percebo que muita coisa mudou. Vejo os alunos deixarem meus portões de ferroassustados,girando acabeça com insistência para conferir se há algum perigo em volta. Só consegui entender o que acontece ao meu redor quando ouviumameninalouradizerbaixinho à colega, enquanto deixa-

Há grades por todo lado: no portão da frente, nas fachadas das salas para evitar furtos, no balcão da cantina. Eu, escola, que sempre sonhei libertar pelo conhecimento, pareço prendê-los simbolicamente na minha arquitetura FOTO: FERNANDA SIEBRA

BASTIDORES

O arquétipo da estrutura escolar narra a história Esta série de reportagem foi pensada para dar voz a diversos atores da comunidade escolar que, não raramente, silenciam quando o assunto é aviolênciaqueosenvolvediariamente. Cada página, uma voz: da escola, do aluno, do professor, dos pais, do mediador, do Estado. Para compôlas, foram consultados 10 professores, 6 alunos, 2 especialistas em Educação, 3 mediadoras, 4 pais e 1 promotordeJustiça. Naprimeira página, o arquétipo da escola vira personagempara refletirsobre seuentorno.

va a sala do 9º ano: “Eu me sinto segura aqui na escola porque não devo nada a ninguém nem tenho envolvimento com droga. Mas hoje é difícil se sentir segura nesse mundo. É a lei da selva aqui nesse bairro: um matando o outro pra sobreviver”.

Drogas Quandoouvisuaspalavras,compreendi o que motivou a morte de Humberto (nome fictício) tão perto de mim. O menino tinha olhar doce, mas de vez em quando cruzava meu pátio com olhos alterados pela droga. Perdi as contasdequantasvezesovimentir para a professora: “Deixei de usar”, ele dizia, dando de ombros. Para além de meus muros, ainda pude vê-lo algumas vezes assaltando para manter o vício. Humberto me deixou em uma de minhas esquinas. A verdade é que mal vi o que aconte-

ceu do lado de fora. Soube de sua morte quando meu porteiro, atraído pela confusão que se formava na esquina, viu o menino de 17 anos que estudava aqui desde pequeno esticado no chão. Um grupo tentava tirarlhe a cabeça, uma forma de ganhar status no bairro. A aglomeração de pessoas impediu. Quando a história ganhou meuscorredores,muitosarquearam os ombros como quem se acostumou a perder amigos para a morte prematura. Eu me encaixei no espanto: pela frieza banal e pela perda de um dos meus. Derrota minha? Essasviolências externas,que alcançamo extremo,têminvadido minhas estruturas sem que eu tenha tempo para organizar qualquer bloqueio. Se dentro de mim tudo parece conturbado, o que dizer do espaço que me rodeia?Estou edificadaentre terri-

Rabiscos Eu, que sempre sonhei libertar pelo conhecimento, pareço prendê-los simbolicamente na minha arquitetura. Eu, que lhes devo atenção e amparo, sequer percebi quando os rabiscos deixaram as portas do meu banheiroparapovoar,emcortesprofundos, a pele dos estudantes. Estamos ambos mutilados. Não posso me eximir da minha responsabilidade: há também violências sendo produzidas dentro de mim. Há meninos agredindo e apelidando colegas, desafiandoashierarquias.Háautoridades exaustas, algumas mais preocupadasem manter-se autoridades do que em transmitir, de fato, valores morais. E assim vão se multiplicando as microviolências que tornam meu cotidiano um fardo. Outro dia, ouvi um professor comentaroalertadapesquisadora Luciene Tognetta durante uma palestra na cidade:“Violências brutas apenas têm se repetido. O que tem aumentado são as microviolências, aquelas que ninguém sabe porquê o aluno bate, não copia, atrapalha”. Apesar das pernas cada vez mais agitadas palmilhando meu piso, sinto meus alunos cada vez mais tristes. Noto algo no olhar deles que mistura raiva com impotência. São meninos que, afogados na cultura do ouvir e do pensar nos erros que cometeram, pararam de falar. Vivem suas contradições apenas por dentro. Sem dizer o que pensam e sentem, deixam a consciência e a reparação escapar quando se deparam com o conflito. Como possomeadequaraostempos de hoje, organizandominhas estruturas físicas e educacionais para formar meus alunos para a vida? Leia mais na página 7

OPINIÃO DO ESPECIALISTA

Aprendizagem tem que fazer sentido ao aluno

LUCIENE TOGNETTA Educadora e especialista em psicologia escolar

Q

uem nunca ouviu alguém falando: “Estas crianças de hoje só faltam nascer falando”? É verdade que as crianças mudaram. Mas será que a forma como somos educados está ajudando esses meninos a superarem as ondas de violênciaatuais? Talvez(o ensino) não esteja adequado a esses meninos e meninas que são de fato diferentes. (...) Enquantonósestivermosenclausurados nos conteúdos escolares de química, matemática, ciências e português, sem viver os cotidianos e fazêlos relacionar seus conflitos com os problemas sociais maiores, não vamosconseguir avançar. Claroqueessesmeninossãoreflexos da sociedade, que também tem uma maneira abrupta de resolver conflitos. Esses alunos vivem violências cotidianas em família cujos pais também não sabem resolver conflitos. Os pais também muitas vezes passaramporumaeducaçãoautoritária que é tão perigosa quanto a permissividadeexcessivaquesetemhoje. Os dois lados dão ao sujeito uma falta de sentido para a vida, e aí o sentido que eles vêm buscando está naviolência enas drogas. Se a sociedade passa por isso, se os alunos e os pais não conseguem resolver conflitos, alguém precisa se responsabilizar por isso. Não é assumir a responsabilidade porque sobrou para a escola, mas a instituição escolar é formadora por direito e por dever. As escolas que têm parceria com a comunidade são as que mais vêm dando certo. O diálogo com os pais é fundamental. O problema é queafamíliamuitasvezes estáperdidatambém. As incivilidades cotidianas que se manifestam como indisciplina são sinais de que esses meninos muitas vezesestãoentediadosporlivrosdistantes da sua realidade, por uma aprendizagem sem significado. E aí nós culpamos esses adolescentes como se a violência deles viesse de casa, mas às vezes essas indisciplinas são características de espaços em queoprofessorapenas dá aula. Ninguém suporta ficar horas sentado escutando uma coisa que às vezes ele até já sabe ou que na verdade elenãovêsentido.Atéporqueaescola hoje não é mais o lugar (absoluto) do conhecimento. O conhecimento está dado também na internet. Estou dizendo que o lugar do conhecimento não é mais na escola? Claro que não. Mas aí é que está: a escola é o lugar das relações entre os conhecimentos. Os meninos trazem conhecimentospara relacionarem eproduziremconhecimentonovo.


DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEGUNDA-FEIRA, 17 DE NOVEMBRO DE 2014

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AMBIENTE ESCOLAR

Excluídos, alunos buscam espaço para autoafirmação A palavra é do aluno: para se manter na escola pública, é preciso conquistar o respeito ou o medo dos colegas BEATRIZ JUCÁ Repórter

Mulher, quando eu cheguei aqui, ninguém falava de outra coisa na escola. Qual era o babado? “A piveta do oitavo ano que já tinha chegado causando com cabelo pintado de louro e nariz empinado”. Ora, se eu lá ia baixar minha cabeça pra alguém. Cheguei aqui quase pedindo pra apanhar. Novata que não baixava a cabeça pra veterano e ainda morando em outro bairro? Todo mundo olhando torto, e eu ainda pensando no que diabo ia fazer pra sair dessa. Tinha ouvido até que tavam tudo querendo me pegar na saída. Foi só o porteiro colocar a tal da panela Janete em cima da pedra da cantina na hora do recreio que eu vi as menina

tudo entrando no banheiro. Fui logo atrás e tranquei tudim lá dentro. “Vem cá, porque vocês querem me bater se eu não fiz nada?”. Ficaram umas três num canto e a outra, já chegando perto da porta, foi quem disse: “Vieram dizer que tu tava falando da gente”. E eu lá sou de falar de quem eu nem conheço? Mandei logo a real: só ia abrir a porta se entregassem o nome da criatura. Foi o jeito soltar uma pra levarem a fofoqueira até lá. A pobre tava com tanto medo que dei desconto. Acabou que ficou todo mundo como mentiroso. Só depois de algumas semanas é que elas vieram com a história de que sou legal. No final, acabou tudo amigo né? Mas aqui é assim: ninguém perdoa novato não. O negócio é se virar pra conseguir seu espaço. Se não, de apelido é que não escapa mesmo! Já vi chamarem um de macaco, mesmo sabendo que é crime. Comentaram no corredor que o pai pode até ter que ir depor. Então, o segredo é se garantir. Só tem que tomar cuidado pra

ATITUDE

39,9% dos estudantes de escola pública entrevistados em 2009 para pesquisa de Vanessa Vicentin enfrentam conflitos de forma submissa, colocando a opinião alheia acima da sua própria.

25,5% agem de forma agressiva e apenas 5,9% são assertivos, resolvendo os conflitos por meio do diálogo. 28,7% apresentaram métodos mistos. Foram ouvidos 266 alunos de Campinas (SP).

não se meter em briga de território nem mexer com a mulher de quem tá mandando no bairro. Dia desses, chegaram ali no portão ameaçando invadir. O diabo é que nem sempre a gente sabe quem é que tá envolvi-

ENTREVISTA Ana Carina Stelko-Pereira Doutora em Psicologia e Mestre em Educação Especial (UFSCar)

Reduçãodoproblema passapelaanálise docomportamento BEATRIZ JUCÁ Repórter

Comoaanálisedocomportamento podecontribuir paraareduçãodos casosdeviolência nasescolas?

A análise do comportamento pode ser empregada em diferentes níveis de atuação: 1) de forma mais específica a alunos que apresentam comportamentos agressivos e/ou que são alvos de violência em múltiplos contextos, geralmente por psicoterapia; 2) de forma menos intensiva a alunos que estão em situação de vulnerabilidade, podendo ser realizado atendimentos em grupo ou aconselhamento a pais; 3) de forma mais ampla e preventiva, como quando se ensina

habilidades sociais a alunos de toda uma turma. Atéquepontoosconflitosdacomunidadeinterferemnaescola?

A escola está inserida na sociedade e, assim, é impossível pensar qualquer escola sem discutir o bairro, a cidade, o estado e o país em que se localiza. O que acontece aos alunos fora da escola reflete no que ocorre na sala de aula e o oposto também é verdadeiro, o que ocorre na escola interfere no modo em que vão se relacionar e se comportar fora do ambiente escolar. Nessecaso,aescolaéresponsável peloqueocorre foradela?

Não se pode mais dizer que a

escola não se responsabiliza pelas agressões físicas que ocorrem na esquina ou nos grupos das mídias sociais de alunos de uma mesma turma. Certamente a escola é parte de um todo, não é a causa de todas as mazelas, mas não pode negar a responsabilidade de criar oportunidades para os alunos discutirem o mundo em que vivem e o modo como o mundo vem moldando suas identidades, seu modo de ser. Oqueasenhoraconsideraviolência simbólicanasescolas?

A violência simbólica é difícil de ser percebida e ocorre de múltiplas formas. Quando se utiliza de materiais didáticos que apresentam uma realidade social diversa da que o aluno vive, por exemplo. Quando impõe uma única maneira de aprender, isto é, por meio da aula expositiva. A violência simbólica só pode ser enfrentada por meio do aumento de espaços verdadeiramente democráticos nas escolas.

do com coisa errada. Aí fica nessa: todo mundo trancado dentro da escola. Eu mesma não tenho medo não. É porque a gente já tá acostumado. Só o que tem é menino armado do lado de fora. O perigo é o caminho pra casa. Tem um da minha família que é envolvido com droga, mas não é tão chegado ao ponto de matar. Agora se ele tiver devendo e não pagar, vem um, mata e arranca a cabeça. Meu vô já sofreu até ataque do coração com medo disso. Sei o que eu sofro em casa, mulher. Tenho lá coragem de usar esse negócio? Aqui já me ofereceram foi muito, mas eu mesma num quis não. “Valha, pega aí. Tu num vai querer não? Diabéisso?”. É só o que eu escuto. Depois tenho que ficar aguentando frescura, mas tem gente de mente fraca que, numa dessas, cai. É só o que vejo aqui mesmo, perto da escola. Outro dia ouvi uma conversa que tinha um menino armado no turno da manhã. Aí eu não me sinto tão segura não. Você por acaso

teria coragem de andar tranquila dentro da escola com uma pessoa armada? Mas não tenho medo não, porque acho que aqui ainda tá melhor do que em muita escola por aí.

Confusão Eu não sou muito de briga, sabe? MedoeutenhodelevarumMerece. Sabe como é não? Semana passada, o menino de cabeça raspada gritou: “Capitão gelo!”. Era pra todo mundo ficar estátua, mas aí o outro foi inventar de abriraporta.Sóouviocoro:“Merece!”.Efoitodomundopracima dele com as mãos abertas pra fazer zuada no tapa. Jogaram um livro que veio bater na minha cara.A maiorconfusão.Masdentro da escola a gente sabe se virar. Tem umas tias que são massa! Quando a gente tá mal ou inventa briga grande, o porteiro vem e dáumabraço,chamapraconversar. Aí a gente vai levando. Fora da escola é que é mais brabo. Queméquegostadelevardesaforo pra casa? Teve uma tia que levou a gente pra uma exposiçãonoshopping.To-

do mundo animado no busão, mas aí quando chegou lá os homem era tudo olhando pra gente. Eu disse logo: “Tia, tão bem pensandoqueéarrastão”.Eladisse pra gente não se preocupar que ia dar tudo certo. Mas num é desaforo olharem pra gente desse jeito? Difícil se segurar. Eu moro no famoso “vixi”, já ouviu falar? É aquele lugar que quando você fala, o outro já diz: “Vixi, longe demais”. Mas não gosto desse negócio de dizer que sou da favela não. Teve um dia queouvi umacolegaminha dizer que é contra favela: “Se a cidade é Fortaleza, é Fortaleza. Todo mundo junto”. Acho que era pra ser assim mesmo. Quando a gente vai se apresentar nas outras escolasecomeçaafalar,opovojá se afasta. Tem as coisas chatas dentro da escola também. A gente tá ali nasala,eapessoajáchegabrigando com quem tá com a blusa levantadapor causadocalor.Tudo bem que tem que reclamar, mas acho que podia dizer: “Por favor, você pode baixar a camisa?”. Mas não. Pessoal chega rasgando: “Menino, seu favelado, baixe a camisa que você não tá em casa”. Não era ninguém tá gritando desse jeito né? Mas quando tem briga entre aluno,aconteceédoladodefora. A menina sai, vai mexer no cabeloe,seolharpraalguém,jácomeça a confusão. Ao invés de uma das partes parar, não. Como os ricos chamam os pobres, são tudo favelado. Aí isso já gerou uma coisa na cabeça dos colegas. Se a gente mesmo diz pra parar com issoque vaificar feio,eles járebatem: “Eu sou é assim mesmo”. Aí é o jeito a gente deixar brigar. Leia amanhã: a voz do professor

BASTIDORES

Voz autoral do jovem para expor sua versão O estudante vira protagonista nesta página para contar as violências pelas quais passa diariamente, sejam elas físicas, verbais ou simbólicas. A linguagem é dele. O arquétipo expõe uma espécie de manual de sobrevivência narrado por seis alunos de escola pública, com características de várias escolas. Para não expô-los pela pouca idade e pela possibilidade deprejuízo,onarradorencarnahistórias reais, ocorridas em pelo menos três escolas de Fortaleza, localizadas embairros distintos. Amanhã,é a vez do professor contar suaversão.


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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - TERÇA-FEIRA, 18 DE NOVEMBRO DE 2014

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ESTRUTURA ESCOLAR

Professor: limiar entre repassar conhecimento e educar para vida Nova função, cobrança multidisciplinar e poucas ferramentas preocupam o professor, narrador desta história BEATRIZ JUCÁ Repórter

Grande parte da cidade ainda dorme, quando deixo o portão de casa com passos apressados e escorregoocorpoaindasonolento até a parada de ônibus. Meus dias, em geral, são longos: três turnos de trabalho em escolas que ficam em pontas diferentes da cidade. Foi assim, na correria de uma aula pra outra dentro do transportecoletivo, quemeacostumei a cortar Fortaleza mais de uma vez no mesmo dia. A sensação é de que estou 24 horasa mil. Como vou conseguir conciliar a tarefa de transmitir o conteúdo a uma outra demanda que agora, dentre tantos tipos de violência na escola, vêm surgindo silenciosa pra recair sobre meus ombros? Como eu, professora de dezenas de alunos por turma, vou dar conta de assumir também um papel que deveria ser dos pais? Que critérios devo escolher para educá-los para a vida? Das palestras com especialistas e pesquisas que li sobre o assunto, tenho como dever incorporar também o papel de ser mãe de meus alunos. Como se a exigência da minha entrega já não fosse tanta, escuto com frequência a própria família me cobrar resultados. Outro dia, chamei a avó de um aluno cuja indisciplina já prejudicava toda a sala. Mal expus o problema, ela foi dizendo: “Não sei o que fazer com esse menino mais

OCORRÊNCIAS

Tipos de violência mais comuns Agressão física: Comporta agressões entre alunos ou mesmo envolvendo alunos e funcionários da escola Agressão verbal: Diz respeito a insultos e bullying, além de discussões no ambiente escolar. Atos infracionais: Envolvem crimes praticados por menores. Normalmente, esses casos são encaminhados para outros órgãos, mais adequados para resolver o conflito.

AMEAÇAS

12%

dos professores do Brasil dizem sofrer agressões pelo menos uma vez por semana. O índice, publicado neste ano pela OCDE, é o mais alto entre 34 países

Violência patrimonial: Inclui roubos ou depredação da estrutura da escola Simbólica/ Institucional: Causada pelo desprazer do aluno pelo aprendizado ou mesmo pela insatisfação do professor, é difícil de ser percebida. Envolve, por exemplo, imposições no ambiente escolar. Indisciplina: Geralmente protagonizada pelo aluno, que se recusa a cumprir as normas estabelecidas pela comunidade escolar interferência dos facilitadores.

não. Se você quiser, que dê seu jeito”. Mas como, se um simples pedido de silêncio na hora da aula já é motivo para acionar um gatilho de ameaças? Não bastassem as horas exaustivas de trabalho, preciso ajudar os meus alunos a aprenderem a solucionar seus próprios conflitos sem nem sequer ser apresentada às possíveis ferramentas. O negócio é experimentar. E assim vamos dando vários tiros no escuro na esperança de acertar um. Um colega, por exemplo, decidiu criar um jogo, distribuindo cartões verdes por atitude positiva e vermelhos quando se quebra as regras ou precisa se ausentar da sala durante a aula. Cada aluno tem direito a três

O QUE ELES PENSAM

Educador ganha novas funções e estratégias

“Concordo que hoje as famílias estão responsabilizando a escola por educar seus filhos, mas a escola tem que sepreparar paraessa realidade.Projetos devem ser desenvolvidos para sensibilizar esses pais com reuniões continuadas.Asescolas devem fazer estudos sobre tolerâncias com os pais,conversarcom eles” FRANCISCOEDSON DESOUZA LANDIM Coordenadordo ProgramadeMediação ComunitáriadoMP,durante Agenda22

“Queremosqueos nossosalunossaibam conviver, mas oferecemos que aprendamcomautoridade.Oquevocê quer para o seu aluno: autonomia ou heterotomia? O professor que querautonomia quer queo alunoaja conforme a necessidade, não autoridade. Está provado que eles obedecemasregrasquandosão autorregulados,quandosão protagonistas” LUCIENE TOGNETTA Especialistaempsicologia escolar

vermelhos para as necessidades. Se perder o quarto, corre o risco de ser suspenso. Um deles cochichou baixinho para o professor que precisava ir ao banheiro, mas já havia perdido todos os seus cartões. Nesse momento, meu colega descobriu: é preciso quebrar as regras quando não são boas. O problema é que, na dificuldade de manter autoridade e respeito perante o aluno, acabamos gastando mais tempo com convenções do que com as questões verdadeiramente morais. Uma professora do Fundamental II me contou que reclamou com uma aluna porque ela

Vocação e amor para ensinar A professora de cabelos vermelhos desce os batentes do pátio chamando atenção. “Professora Magna”, chama um menino que assistia a um jogo de futebol na quadra. “Agora não dá, amor. Tenho que ir ali conversar com esse pessoal do jornal”, ela diz, sorrindo. Depois sai apressada – o perfume ficando um pouco mais no corredor – para pegar a chavedolaboratóriode ciências. “É que os meninos estão disputando campeonato de futebol. Tátodo mundo animado”, explica Magna Lup Crispim, enquanto acomoda os óculos escuros sobre a cabeça. Recentemente,presenteouos alunos com a bola que agora rola pela quadra de piso vermelho. “Você não sabe como uma bola prende os alunos na escola! O negócio é que só dura dois meses, aí os professores tão sempre comprando outra”. A revolução que a simples bola faz no cotidiano desses meninos é a mesma que toma a professora. Entre os alunos, o que se comenta é que ela é uma das mais

‘‘

Quandoeudesistir dosmeusalunos, acho quetô morta.Tem dia queeupenso: nãovou maisser professora. Maséum amor,um apego,sabe?”

‘‘

Meualunoque está roubando,pra mim, nãoéum ladrão qualquer.É meualuno errado.Não aprendi a separar,me desespero quandopercoum” MAGNALUP CRISPIM Professora

respeitadas. Divide a fama de durona com a de amiga. Não é raro receber a ligação de algum deles querendo uma conversa ou um conselho. “Eu acho que eles me respeitam porque sou muito envolvida com eles. Sou tão eles, sabe? Dentro de mim, tem uma revolução”, diz. A sobrecarga de trabalho nos três turnos e as violências que já viu dentro e fora das várias escolas em que trabalhou instigam a missão que abraçou para si: tentar melhorar o mundo para o seu aluno imerso em vulnerabilidade. Sem negar a culpa do sistema, ela sabe, tem coisa que também depende dela. “É difícil, quando tem um aluno que tá roubando e tá matando, você sentir que muitas vezes o professor não está mais vendo aquele menino como aluno. Está vendo como qualquer um vê lá fora, entendeu? Como marginal. Meu aluno que está roubando, pra mim, não é um ladrão qualquer. É meu aluno errado. Nãoaprendiaseparar,medesespero quando perco um”, ela diz.

Nacarreiradeprofessora,precisou aprender a lidar com as perdas enquanto se empenhava no árduo trabalho de salvá-los pelo conhecimento. Uma pergunta lhemartela a cabeçatodos os dias: O que fazer para ajudálos? Enquanto busca respostas, perde mais um e se devasta. Não é raro ouvir de alguém: “Como é que você pode chorar por uma pessoa que tá matando?”. A estranheza,porém,édela.“Eupensoénoporquêdeeleestarnaquela situação e na minha falta de forças para ajudá-lo”, responde. Violência maior pra ela, que divide a vida e as histórias de suas tatuagens com meninos de diversasturmas,étodaaestrutura negada ao aluno: em casa e na escola. Violência é mal ter como se salvar.

estava usando caneta vermelha na tarefa, mesmo depois de ela ter dito que só poderia usar a azul. A menina insistiu uma, duas, três vezes. Ela tomou a caneta e mandou chamar a mãe. Na conversa, a mãe questionou: “Mas por que proibir a caneta vermelha?” Minha colega respondeu: “Eu já não tenho mais autoridade aqui por causa desse tipo de aceitação”. Fiquei pensando em que tipos de conflitos vale a pena gastarmos tempo. Na escola em que outro colega trabalha, os meninosdoEnsinoFundamentalestavam tendo seus lanches tomados pelos alunos do Ensino Médio. A solução encontrada na escola foi deixar os menores lanchando dentro da sala de aula para garantir-lhes o direito de comer. Na hora, achei uma ideia eficaz.Masagora, pensandomelhor,creioque foiapenas o caminho mais rápido. Vale a pena, constatei na correria do meu dia, me preocupar comconflitosqueenvolvemintolerância. Preciso encontrar formasdefazermeualunoreconhecer os valores morais. Só assim eles vão conseguir resolver conflitos maiores: quando passarem a solucionar os problemas menores do seu cotidiano. A grande questão sou eu, praticamente só, ter que dar conta disso tudo. Alguns projetos sociais nos auxiliam na escola, mas osvejopontuaisdemaisparamelhoresresultados. Àsvezes,acho que o que falta mesmo é um grande grito por socorro contra as violências desproporcionais que vemos diariamente. Que se exija menos que o professor seja também pai e psicólogo e que lhes dê ferramentas e estrutura para seguir a vocação de educar. Leia amanhã: voz dos pais

BASTIDORES

Visão do docente para refletir suas posturas O professor vira narrador deste capítulopara contar estratégiasepreocupaçõesexpostaspordezdocentesouvidosdurante aapuraçãoda reportagem. A escolha do arquétipo como protagonista é uma forma de preservar-lhes a identidade, evitando problemas com alunos e direção das escolas em que trabalham, sem deixar decontarorealcotidiano deles.


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DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - QUARTA-FEIRA, 19 DE NOVEMBRO DE 2014

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VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

Pais tentam equilibrar rotina e papel de acompanhar os filhos Rotina de trabalho e falta de estrutura familiar são extremos que têm dificultado atuação dos pais BEATRIZ JUCÁ Repórter

Ocorpo miúdo domais velho,há tempos, está curvado ao chão. Comosolhosmirando tãolongamente o piso de calçamento, o que meu filho vê? Vivo em corda bamba. Eu, mãe de tantos filhos, tentomeequilibrarentreotrabalho na rua, a responsabilidade duplicada pelo divórcio e a atenção que preciso dar à educação dos meninos. Caio dessa corda quase todo dia. Sou falha. Soube que falhei quando meus olhos cansados não conseguiram captar o momento exato em que o menino mais velho colou a vista no chão. Continuo falhando na pressa do dia a dia, quandosigo sem conseguir compreender o que ele vê. Será que meu filho não vê? Eu digo: “Passa, menino, pra escola. Tem que ir lá agarrar teu futuro.Nadadebrigarnemapelidar”. Repito isso todo dia, mas ele não vê, porque os olhos há muito se fixaram no chão da rua. Agora, vive nessa de querer status no bairro. E essa escola, não pode me ajudar? Encarnoa dor de muitas mães que têm o desafio de criar seus meninos na periferia, em meio à revolta de não ter, ao tráfico, à

Voz da família busca mais ajuda para os jovens O arquétipo de uma mãe de periferia vira narrador para contar a realidade de três mães ouvidas pela reportagem. Apenas uma delas, articuladora da comunidade, teve identidade revelada. As outras pediram anonimato.Alémdisso, foiouvidoumpaiintegrado à escola e a mãe de um aluno falecido na escola particular – formas demostrartambém outras facetas.

SAIBA MAIS 1.ALei Estadual13.230/2002 determinaa criaçãoda Comissãode Atendimento,Notificaçãoe PrevençãoàViolência Doméstica ContraCriança e Adolescentenas escolaspúblicase particulares. 2.Cabe aessas comissões identificar,atender, notificar, acompanhare tomaras medidas adequadasdo ponto devista educacionalepsicossocialem casos deviolênciadoméstica contra criançae adolescente. 3. ASMEafirma estar realizando um trabalhodeconscientização e sensibilizaçãocom osintegrantes do corpoescolar(profissionais da educação,alunos epais)para criar as comissões nasescolas municipais. 4. Aredeestadual desenvolve o ProgramaEscola Que Protegedesde 2008,atravésdeformaçãopara implantaçãodessascomissões. Emboraasformações tenham acontecidosomenteaté 2011,a Seducaindaestálevantandoo andamentodessas comissões. 5.Em contrapartida,aSeduc ressaltaarealização do programa GeraçãodaPaz, quebusca fortalecer aescolacomo espaçodeinclusão e depromoçãoda cultura da paz. A ideiaéarticular melhorosprojetos jáexistentes noEstadoe promover aaproximação dos paiscom a escola,uma formadeobter melhoresresultados.

BASTIDORES

Muitas mães têm o desafio de criar seus meninos na periferia, em meio à revolta de não ter, ao tráfico, à violência. A luta diária é para fazer os filhos resistirem ao caminho fácil, que invariavelmente é também sua perdição FOTO: BRUNO GOMES

violência.Muitasdeminhasamigas viram seus filhos entregarem seus corpos ao crime por influênciadopai.Afaltadeestrutura está presente nas nossas casas de talforma que como vamos nós,sozinhas,fazer nossos filhos lutarem contra o caminho fácil, aquele que invariavelmente é também sua perdição? Outro dia, fui conversar com aprofessora.Eladisse:“Suaobrigação é educar. Eu tenho que alfabetizar”.Entendoque aescola está sobrecarregada, mas enquantotrabalhoparabotarcomidana mesa quem então vai olhar para os meus meninos? Soube que, aqui em Fortaleza, um pai está desempenhando essepapelhoje sem dono.Elefaz por conta própria, é voluntário. Foi estudar adulto, junto com os filhos.ParticipoudeConselhoEscolar, se formou e foi ficando.

Virou representante da comunidade na escola. Hoje, aos 42 anos, Ednardo Teixeira da Silva é porteiro de noite e, de dia, vira pai de filhos que não são seus. “O ensinamento de casa é que vai longe. Só assim nossos filhos vão conseguir alcançar seus sonhos”, ele diz. Assim, quando há algumproblemanaescola,échamado para mediar. Sua palavra transita entre pais e alunos pra fazer revolução. “Educar os filhos se tornou um desafio sério”. A luta dos pais pela educação, ele sabe, nunca acaba. Os imperativos vão da conversa séria aos simples avisos cotidianos. “Se vão pra esquina, digo pra ter cuidado. Se ouvem coisa errada, peço que se afastem. Eles precisam evitar praticar a violência”. A conversa, seja com filhos seus ou dos outros, deve ressaltar amor e camuflar a agressivi-

dade. O segredo, ele diz, é mostrar que mesmo o aluno que erroumerecepreocupaçãoecuidado. Foi assim que conseguiu ajudar um garoto alto que havia sido transferido de escola pela mãeporcontadebullying.Semanas após a matrícula, ele ainda não havia aparecido nas aulas. A direção chamou Ednardo para ajudar. “Me dê só o endereço dele”, disse. Ao aluno, Ednardosó podia oferecer sua palavra, então chamou o filho e um colega para o acompanharem, uma tentativa de dar bom exemplo ao garoto. Pediu licença antes de subir as escadas do duplex onde o jovem morava. O menino mal começouafalar,entrouemprantos. Disse que os colegas chamavam de “gordinho” e espancavam ele. “Eu me segurei porque sabia que ele estava desabafando com a pessoa certa. Mostrei

meu filho e o outro jovem, e eles falaram também. Consegui conquistá-lo”. A conquista é fruto do diálogo. Quando o menino acalmou o choro, Ednardo perguntou: “Você tem vontade de sair de casa?”. Ele disse que sim, mas que tinha medo. Ednardo então propôs o desafio: “Se eu vier cedinho na sua casa, você vai comigo? A escola está de braços abertos esperando você”. O garoto aceitou. No outro dia, cumpriu o trato. Quandoosdoischegaramàescola, teve o cuidado de apresentálo à direção, aos professores e aos alunos. Sem cerimônia, foi dizendo:“Esse alunoémeu.Está sob a minha responsabilidade”. Era uma forma de fazê-lo se sentir seguro. Um dia, procurou a mãe dele para tentar reaproximá-la do filho. Separada, ela não sabia como lhe dar atenção. Ele tentou explicar, com calma: “O filho tem que sentir nosso amor quando está passando por um momento difícil. Se não tiver o apoio da mãe, vai ter de quem nesse mundo de perdição?”. Uma amiga me disse que Elisângela da Silva Nascimento, mãe de três filhos, vive tentando articular projetos para as escolas do bairro onde mora. Pra ela, educação cabe aos pais, mas a escola pode ajudar. “O pai e a mãe podem não saber ler, mas sabem que a obrigação do filho é irpraescola.Precisatentarencaixar o filho em algum projeto. Não é porque o pai passa o dia na rua que o filho tem que passar. Não podemos colocar a responsabilidade só na escola e no Governo. Precisamos também sair da nossa zona de conforto”. Eu,comomãe,sintodificuldade de me aproximar da escola. Falta vontade, coragem, tempo. Por um período, pensei que era bobagemessahistóriade participar de reunião de colégio. Será? Sei que preciso me integrar, acompanhar os estudos dos meninos, mas tudo é tão difícil. Quem pode me ajudar? Leia amanhã: a voz do mediador

Alerta materno pelo diálogo A mulher de pele clara e cabelos loiros se acomoda em uma das quatro cadeiras de madeira que circulam a mesa no pequeno loft que mantém como uma espécie de escritório. Mãe apartada dos filhosporumatragédiaqueocorreu há 12 anos em uma escola particular de Fortaleza, Ângela Montenegro Arraes tem dificuldade para contar sua história, mas o faz porque decidiu virar porta-vozdanecessidade de diálogoentre paiseescolaparaeducar os alunos para a vida. “Acho que tenho uma palavra para edificar outras vidas, para alertar outras mães”, ela diz. O embrião da dor de Ângela foi gerado em uma festa. Quando o filho Gianfranco saiu em defesa de um amigo que discutia com outro jovem por conta de uma paquera, comprou uma briga marcada tempos depois para a porta da escola particular em que ambos estudavam. O menino de 17 anos acabou morto pelo jovem, vítima de um “mata leão” a alguns metros da escola. Oirmão caçula,naépocacom 15

anos, ainda tentou separar a briga, mas não conseguiu chegar a tempo de salvar o irmão. “O preço da vida do Gianfranco foi a amizade”, diz a mãe. Preocupada em como os dois filhos vivenciariam a perda, decidiu deixar o mais velho, já maior de idade, irestudar na Europa. O caçula foi levado para morar com a tia em Brasília, retornando a Fortaleza por alguns semestres até atingir a maioridade e seguir também para a Europa.

Golpe A celeridade do golpe proferido no entorno da escola foi a mesma que guinou a vida de Ângela: “Você perde um filho e logo depois perde os outros dois porque tem que mandar pra fora pra recuperarem a parte interior”. Quando fala sobre o que aconteceu ao filho, trata como um acidente que poderia ter acontecidoem qualquerescola, nãofosse a negligência que assola a maioria delas. “As escolas ainda estão muito preocupadas com o primeiro lugar no vestibular. Elas

‘‘

Euachoque asescolas perderama grande oportunidadede trabalharcoma formaçãodecaráter.A preocupaçãodelasé sócom ovestibular”

‘‘

Orapaz quematou meufilhonão era um assassino.(...) Acho quea escola ganharia seaprofundasse realmenteessa questão(da violência)” ÂNGELAMONTENEGRO MãedeGianfranco

até tentam abafar a violência compsicólogo,masnãoaprofundam. O que acontece na pública também tem na particular”. A firmeza da voz de Ângela ilumina seu ponto de vista: a escola precisa se entender como extensãodacasa doaluno edeve dividir com a família a responsabilidade de transmitir valores e de educar, embora os pais continuem sendo a maior referência. “O rapaz que matou meu filho não era um assassino. (...) Acho que a escola realmente ganharia se aprofundasse essa questão”. A mãe ainda vive longe dos filhos, hoje formados – um mora na Europa e outro em Curitiba. Desistiu dos processos que movia contra a escola e o algoz do filho pelo desgaste. “A maioria daspessoasquerajustiçaimediata. Esperei a divina. Se não tivesse feito isso, não estaria contandohojea minhahistória.É muita dor,umnó na gente.Você deixar seu filho na escola e ele não voltar? Eu não tô mais protestando, tô agradecendo a Deus por ter sobrevivido a essa tragédia”.


8 | Cidade

DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - QUINTA-FEIRA, 20 DE NOVEMBRO DE 2014

Vozes do

PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA

Mediador é aposta para ajudar a resolver conflitos na escola Práticas restaurativas envolvem profissionais e alunos nas escolas cearenses. A narrativa a seguir é dos mediadores BEATRIZ JUCÁ Repórter

“Oi, moço! Boa tarde”, cumprimento o porteiro de cabelos curtos que passeia os dedos por um molho de chaves até encontrar a que abre o cadeado do portão de uma escola da rede pública. Há pouco mais de dois anos, costumo ir até lá duas vezes por semana,geralmentecomumacompanheira de trabalho, para participar das práticas restaurativas com a comunidade escolar. Nossopapel? Ajudaralunos efuncionários a resolverem seus próprios conflitos. Naquela terça-feira de setembro, os ponteiros do relógio passeavamsobreas13hquandochegamosaopátiodaescola.Professores e alunos haviam acabado de se confraternizar no local, como fazem diariamente antes de subir para as suas salas. Estudantes se apressavam em alcançar os degraus mais altos, quando fui analisar o livro de ocorrências para ver os casos encaminhados por gestores e professores para a mediação. Aos poucos,opátiofoi ficandodeserto – apenas um ou outro aluno cruzando o espaço para resolver alguma coisa na diretoria. Quase todos os dias, adentro os corredores de várias escolas com o objetivo de encorajar o diálogo entre meninos desacostumados a ter espaço para a livre expressão de seus sentimentos. Tenho como tarefa fazer com que se sintam seguros para falar e refletir. Ajudá-los, dentre tantas violências que sofrem e produzem,a resolverem seus conflitos, seja com colegas, professo-

res ou funcionários da escola. O Estado me vê como um caminho a guiá-los para a reparação do dano e a responsabilização. Tento fazer jus a esse papel. Meu trabalho não envolve todos os tipos de conflito. Enquanto me debruço sobre os casos de agressão, ameaça, indisciplina e danos ao patrimônio, encaminho a outros órgãos os conflitos não mediáveis – aqueles que vão para a alçada criminal por meio de abusossexuais, agressõesfísicas graves e atos infracionais. Na sala onde realizo meu trabalho,rotineiramentevejotransformações. Faço parte de uma mudança concreta para uma geração inteira que não aprendeu a se portar com assertividade ao se deparar com um conflito. Em meu favor, tenho projetos sociais que dão aos meus alunos uma nova oportunidade: a de se reconhecer como protagonista. Essa esfera transformadora abrange todas as minhas ações, daescuta em grupo no círculo de diálogosobreasnecessidadesda escola, passando pela sessão de mediação em si até a articulação da comunidade. Especialmente nas sessões de mediação, po-

BASTIDORES

A voz é de quem trabalha para intermediar Uma das principais ações para ajudar os jovensa resolverem seus próprios conflitos é a mediação escolar. Neste capítulo, o mediador vira narrador para explicar seu trabalho. Para isso, a reportagem conversou com três funcionários da ONG Terre des Hommes, uma aluna que formou-se mediadora e dois ex-alunos beneficiadospor programassociaisna escola.

EXPERIÊNCIA

Projetossociaisoferecemnovaperspectiva

“A violência de fora interferia na escola, mas tinha vários projetos sociais. Participei do Escola de Mídia, que ensinava audiovisual, e aprendi a me comunicar melhor. Hoje trabalhocom produção elogística”

“Viameus amigosroubandoepensava: não posso entrar nesse caminho. Fiquei sabendo do projeto Escola de Mídia em 2006 e participei de quase todasasedições. Fuimeaprofundandoehojetenho uma profissão”

LUISSILVASANTIAGO NETO Produtor

GABRIEL SILVA Câmera

rém, os avanços são percebidos com tintas fortes. É lá que vejo alunos em conflito saírem transformadospeladescobertadodiálogo franco. Acontece que o conflito em si é natural. Próprio do ser humano,eletemoseupapelnoprocesso de educação. O que prejudica essa geração de alunos é o não gerenciamento dos conflitos: sejapelasubmissão,pelaagressividade ou pela dificuldade de dialogar. É aí, neste ponto, que o conflitosetornanegativo–quando vira porta de entrada para a prática das violências.

Sensibilização Meu papel não é somente ajudálos a resolver determinados conflitos. Na escola, sou também multiplicadora. Atuo na sensibilização de pais, professores e dos próprios alunos, com oficinas temáticas e reuniões regulares. Só a mediação, aprendi com a prática,não resolve: é precisoarticularcomaredecomunitária, aproximando pais e proje-

tos sociais da escola. Somos um grupo que luta para garantir direitos no ambiente escolar, e o aluno é peça chave nele. No meu desafio diário de promover o diálogo, costumo contar com a ajuda de uma aluna de olhos apertados que formou-se mediadora porque encontrou na prática restaurativa uma forma de distribuir amor. Preservolhe a identidade para garantir sua segurança e os direitos assegurados pelos seus 16 anos. Ela chegou até nós em uma situação de conflito: aluna novata e de um bairro diferente de ondeficaaescola,precisouresistir a olhares tortos dos veteranos. Não demorou até ser encaminhada para a mediação por umconflitocomumacolega.“Fiquei encantada com as coisas que ouvia e quis ser mediadora”. Quando a menina de olhos apertadossecapacitoumediadora e começou a atuar na escola em que estuda, passou a viver múltiplas transformações dentro e fora de si. Aos olhos dos

Dificuldade em propor solução A forma como alunos de ensino fundamental e médio se comportam quando buscam solucionar conflitos entre si é reveladora: a grande maioria (65,4%) age com submissão (39,9%) ou com agressividade (25,5%), conforme estudo feito pela pesquisadora Vanessa Vicentin, em 2009. Isso significa que mais da metade dos estudantes responde com agressividade física ou verbal ou simplesmente se submete à violência, não reagindo a ela. O estilo assertivo, no qual o aluno procura

ferramentas mais adequadas para resolver os impasses, representa apenas 5,9%. Os 28,7% restantes se referem a formas mistas de resolver conflitos. A educadora e especialista em psicologia escolar, Luciene Tognetta, afirma que, além dos problemas de agressão e bullying, chama atenção nas escolas brasileiras a quantidade de jovens que não defendem os outros das injustiças porque também são frutos de uma educação que os fez se sentirem submis-

sos. “Eles não se metem onde não são chamados”, aponta.

Enem A dificuldade de dialogar e de resolver conflitos dos alunos foi confirmada também em outra pesquisa realizada pela especialista. Munida com os dados das provas do Enem aplicadas entre os anos de 2001 a 2008, ela questionou: será que o nosso jovem sabe resolver problemas? Para responder, ela se debruçou sobre a prova de redação. A avaliação analisa cinco compe-

tências: 1. Domínio da norma culta da língua; 2. Compreensão da proposta da redação; 3. Organização e interpretação de informações e defesa de um ponto de vista; 4. Domínio dos recursos linguísticos para a construção do argumento; 5. Elaboração de proposta de intervenção com respeito aos direitos humanos. Geralmente, as provas do Enem pedem que o aluno descreva ou disserte sobre um problema social do cotidiano. A quinta competência do Enem, ressalta a especialista, é justamente a que mede a capacida-

colegas,acabouvirandoreferência: “Eu acho que os alunos não me veem como mediadora, mas como amiga. Eles me procuram”, ela diz. Outro dia, uma confusão foi instalada porque um colega denunciou o roubo do dinheiro de passagem de ônibus e do celular. Em meio ao protesto, o grupodeprofessores ecoordenadores estavam praticamente de mãos atadas. “Eu disse: calma! Quem foi resolver fui eu. Tomei as dores”. Cada vez mais envolvida com as questões da escola, a menina de olhos apertados percebeu que até mesmo quem lhe virava o olhar passou a procurá-la quando estava passando por algum conflito no ambiente escolar. A rotina agora é “diretoriasala-diretoria-sala” – uma ponte entre a base e o comando da escola em busca de paz. Vez por outra, um professor dá por sua falta na sala de aula. Quando os olhos apertados apontam na carteira, começa a cobrança: “Menina, tu nunca tá em sala de aula, tá sempre na diretoria”. A resposta, confiante do papel que exerce, vem levemente desaforada: “Tenho culpa, tia? Me tira de lá então”. Mas o trabalho é reconhecido pela professora: “O engraçado é que você só tira nota boa”. A menina responde sem cerimônia porque não vê mais os professores e a diretoria de sua escola à distância. “Vejo como amigos. E quero que vejam a gente, alunos, como amigo também”,diz. A tarefa, ela sabe, não é fácil. Mesmo assim, vai contabilizando importantes conquistas dentro e fora da escola. Agora mediadora, ela diz que uma das grandes conquistas está na forma como é olhada. “As pessoasnãoolhammaisdiferente pra mim porque sou conhecida por causa da mediação. Sou bem recebida, mas tem colega que fala uma coisa pra quem

OCORRÊNCIAS

20,8% dos 109 mil estudantes de 13 a 15 anos ouvidos pelo Pense 2012 (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) se dizem agressores. Um em cada cinco deles admite a prática de bullying contra colegas

16 instituições estão implantando a mediação escolar na Capital, conforme as secretarias municipal e estadual de Educação. Trata-se da principal aposta para ajudar jovens a resolver conflitos

MEDIAÇÃO ESCOLAR

Trâmites Fluxo de trabalho 1. Acompanhamento do

registro de ocorrências, onde a comunidade escolar registra os casos direcionados para a mediação 2. Pré-círculo: Cada pessoa

convidada para a prática restaurativa é ouvida sobre interesse, disponibilidade e necessidade de participar do . É o momento de identificar o fato que será levado ao círculo 3. Círculo: As pessoas são

ouvidas em suas necessidades e valores, num espaço de diálogo e respeito.

Técnicas 1. Momento inicial de acolhida

aos participantes e apresentação do "bastão da fala". 2. Objeto que simboliza a peça

da fala passa para cada participante do círculo, que tem liberdade para falar sem ser interrompido. Permite a expressão completa das emoções. Facilitadores realizam escuta ativa, a fim de identificar o ponto de vista de cada um. 3. Perguntas circulares são

realizadas em várias rodadas para estimular a olhar o conflito de outra forma e vislumbrar perspectivas futuras. 4. O acordo (se houver) deve

ser sugerido pelos próprios participantes, sem interferência dos facilitadores.

não tá no habitat dele, aí a pessoa já se afasta. Sei lá, é um baque pra quem não é da favela”. No bairro onde mora, a menina aprendeu a fechar os olhos para se salvar. Decidiu ficar em casa para não ter que ver pobreza e erro na rua. Os olhos marejam quando alguém lhe pede para explicar: “Eu só vivo dentro de casa porque eu não aguento ver essatristeza.Temdiaqueeuchoro dentro do ônibus, porque é uma falta de amor tão grande. É isto que mediação está tentando trazer aqui pra escola: amor”. Leia amanhã: a voz do Estado

de do aluno propor uma solução para o problema em questão. No período avaliado, 14,5 milhões de provas foram validadas. As notas da quinta competência estavam abaixo de 50 na avaliação que era de zero a 100. “Eles até vão bem nas primeiras competências, mas na proposta eles falham”, diz a pesquisadora. Segundo ela, o que está implícito na quinta competência do Enem é justamente a resolução de conflitos. “Estes meninos, portanto, não sabem resolver conflitos a partir de práticas democráticas como o diálogo. Não vai adiantar o professor colocá-los para ler jornais e revistas porque ele não tem instrumentos pra resolver sequer um conflito com um amigo”.


6 | Cidade

DIÁRIO DO NORDESTE FORTALEZA, CEARÁ - SEXTA-FEIRA, 21 DE NOVEMBRO DE 2014

Vozes do

CONTRA A VIOLÊNCIA

Poder Público tem o desafio de monitorar e integrar ações São muitos os projetos disponíveis, mas Estado e Município enfrentam dificuldades para acompanhar as ações e monitorar resultados

ENTREVISTA Flávio Mesquita

ENTREVISTA João Lúcio de Alcântara

AVANÇOS

Coordenador do programa Geração da Paz da Secretaria da Educação (Seduc)

Ações em curso Estado

Comunidade escolar deve protagonizar a paz na sala de aula

558 escolas estaduais (cerca de 81% do total) aderiram ao programa Geração da Paz, que busca fortalecer a escola como espaço de inclusão, de respeito à diversidade e da promoção da cultura da paz

Coordenador de gestão escolar da Secretaria Municipal de Educação (SME)

Município No ano de 2013, a Secretaria Municipal da Educação (SME), em parceria com o Ministério Público, com a Secretaria de Segurança Cidadã (SESEC) e a Terre des hommes Brasil, iniciou a implantação do projeto piloto de Mediação de Conflitos em 12 escolas municipais.

BEATRIZ JUCÁ

BEATRIZ JUCÁ

Mais de uma centena de escolas incluíram a pauta da construção da paz em seus projetos políticos pedagógicos, de forma diária e sistemática.

Repórter

Quediagnóstico osenhorfariada situaçãodasescolasestaduaisatualmenteemrelaçãoàviolência?

Quem está nas escolas sente a tensão. A juventude está tensa e com pouco estímulo que os mantenha concentrados. Visitei escolas nos últimos três anos e, lá, é unanimidade que a escola eventualmente é perigosa pelo ingresso de traficantes. Mas a violência não é uma constante. Claro que se a gente considerar um empurrão ou o bullying uma violência, a gente generaliza. Quando começamos o programa Geração da Paz foi para tentar mudar o paradigma de combater a violência para construir a paz. Isso não é feito da noite pro dia. ASeducnãotemdadossobreaquestão.Neste caso,emqueagestão se baseiaparaimplantaraspolíticas?

Em 2010, existia uma tendência para que as escolas se aparelhassem para que a violência não ocorresse dentro da escola, que era inclusive colocar policial armado. Isso contém a violência, mas não promove a paz. A resposta que demos foi justamente ouvir a sociedade. Nós ouvimos mais de 3 mil pessoas antes de implantar o Geração da Paz. Outrosestadosrealizam estudos atéparamonitorarasações.Como oCeará fazesseacompanhamento?

Pesquisa acadêmica se faz muito, mas há ainda pouca comunicação entre o Estado e a Academia. Os dados federais já vêm defasados em no mínimo cinco anos. As pesquisas e estatísticas podem apontar alguma coisa, mas há um problema que as escolas ainda não estão preparadas para os novos valores, as novas relações interpessoais de hoje. Temos agora uma parceria com a Unesco. Nossos trabalhos são extremamente acadêmicos. Inclusive, os projetos

Soluções passam pela formação de gestores e pela escola autônoma

Projeto Professor Diretor de Turma, que visa educar também sob o aspecto emocional, ultrapassou 6.400 professores

que chegam na Seduc estão sendo avaliados para gerar indicadores subjetivos, que são muito difíceis de conseguir. Amediação éumagrandeaposta doEstado,mas aindaenvolvepoucasescolas.Háalgumaprojeção paraseraplicadaemtodaarede?

A mediação foi implantada em quatro escolas e até o fim do ano serão mais seis. Minha formação é nessa área, então sei que a situação é mais complexa do que a gente sonha porque não temos gente suficiente. Esbarramos na parte estrutural. O que dá estabilidade ao projeto, que é o que a gente quer fazer, é analisar essas dez escolas para abrir as portas para a comunidade. Oprofessorvemadquirindo tambémopapeldeeducar.ComooEstadovê essanovaresponsabilidade?

A gente precisa reconhecer que a realidade está demandando que sejamos educadores. Já perguntei aos professores e, em cinco anos, ninguém quer continuar se não houver mudança. Por isso, o Geração da Paz é horizontal, para que todo mundo comece junto a mudar. Temos que desenvolver mentalidade cooperativa, solidária e restaurativa. Se não, vai ser tudo olho por olho, dente por dente. A gente precisa ter a coragem de dizer que ama e que perdoa. Paz não se delega. Se tiver alguém que não protagoniza isso, a escola não funciona.

Formação de 200 professores diretores de turma no Programa Felicidade Autêntica: Virtudes, Emoções Positivas e Habilidades Sociais Curso Direitos Humanos e Geração da Paz distribuiu 100.000 coleções, por meio de fascículos semanais, às escolas da rede de Ensino Médio Instalação de um programa piloto em Mediação Escolar em 4 escolas de Ensino Médio de Fortaleza, via parceria com o Ministério Público do Ceará e Fundação Terre des Hommes. Até o fim do ano, mais seis escolas devem ser contempladas Agenda 22: evento mensal que dá oportunidade para escolas e outros parceiros apresentarem suas experiências no ambiente escolar Projeto Escola Segura (BPCom/Ronda): aproximação do Policiamento Comunitário das escolas, como estratégia de prevenção às drogas e violência, através de visitas em que 250 agentes do Ronda realizam minipalestras.

Repórter

Em 2014, a segurança escolar foi reforçada pelo Pelotão de Segurança Escolar (PSE), que tem a missão de planejar e executar rondas escolares, a fim de garantir o atendimento aos pais, alunos, professores e colaboradores da rede pública municipal de ensino, no que diz respeito à segurança nas unidades escolares. A SME também está implantando o programa do Ministério Público Conte até 10, cujo tema é “Valente é quem não briga”. O programa está sendo desenvolvido com alunos dos 8º e 9º anos e tem como objetivo criar uma cultura de paz. A atitude é contar até dez antes de reagir e deixar a raiva passar. Projeto Caravana Tamu Junto a Favor da Vida tem como objetivo a promoção de práticas colaborativas e abrange os seguintes eixos temáticos: arte, cultura e educação popular, formação, informação e pesquisa e articulação comunitária. Programa Amigos do Zippy, da Associação pela Saúde Emocional de Crianças, trabalha a Educação Emocional de crianças de seis a sete anos de idade e ensina os pequenos a lidarem com as dificuldades do dia a dia, a identificarem seus sentimentos e conversarem sobre eles, e a explorarem maneiras de lidar com esses sentimentos. A rede municipal conta, ainda, com o PROERD, programa desenvolvido pela Polícia Militar, que é essencialmente preventivo e comunitário, consistindo em aulas para pais e alunos.

Comoavalia asescolasmunicipais hojeemrelaçãoàviolência?

Nós identificamos que não há violência física dentro das escolas, mas no entorno há muitas violências causadas por drogas e disputa de território que repercutem dentro da escola. Temos um pelotão de segurança escolar composto por 40 viaturas que está sendo implantado neste ano. Fizemos uma seleção de diretor por mérito e de coordenadores pedagógico por meritocracia, melhorando a qualificação. E temos ainda um projeto de mediação em 12 escolas, em parceria com entidades que nos orientam. ASME nãotemdados numéricos sobreaviolência escolar.Comoa gestãopensaasações?

Temos a coordenadoria de tecnologia que vai fazer o monitoramento a partir do pelotão de segurança escolar. Teremos esse mapeamento por área no próximo ano. ComoaSMEacompanhaasviolênciasfísicasesimbólicasnaescola?

A gestão aposta na descentralização. A escola precisa ser autônoma. Que a comunidade participe, que o gestor seja escolhido por mérito para administrar não só a escola, mas também as pessoas. A SME orienta, mas a escola, com seu próprio grupo, tem como obrigação inerente a ela resolver esses conflitos. Vamos lançar um manual do diretor para o próximo ano, com todos os programas que existem para minimizar essa questão. A escola precisa ter autonomia financeira, pedagógica e administrativa. A Secretaria não pode estar interferindo. Onúmerodeescolascomnúcleode mediaçãoaindaéreduzido.Háum planoparaatendertodaarede?

Começamos um curso de formação de diretores e tivemos

o cuidado de tratar sobre crime escolar. Além disso, temos a célula de mediação, que trata do conflito e da promoção da cultura de paz. Estamos percebendo com os teóricos que temos que ter disciplina na escola, que é uma coisa que tem se perdido. Pra isso, precisamos de gestão eficaz. Sóumadas12escolasanunciadas defato realizaamediação,asoutrasaindaestãoemimplantação.A SMEvaiaumentaressenúmero?

Vamos avaliar no fim do ano para tentar ampliar. A mediação nada mais é que fazer com que os alunos conversem e se respeitem. Nossas perspectiva é, a partir do próximo ano, capacitar profissionais de outras escolas. Asociedadetemdemandado queo professorassumaopapeldeeducar.Osenhorachaqueesses profissionaisestãopreparadosparaisso?

O professor e o governo precisam se preparar. Temos que educar e ensinar. A escola não pode excluir o aluno que é criado por um tio que não tem condição de educá-lo. Na minha visão, a escola tem que incluir. Claro que essa é uma questão complexa. Os professores colocam que têm que ser pedagogo, psicólogo, pai. O fato é que mais gente teve acesso à escola e o desafio da gestão é educar. Para isso, é preciso projetos e boa gestão. Ser professor é o encantamento de mudar a vida dos outros.


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