UnicaPhoto [n. 22]

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Unicaphoto

#22
PAIXÃO
ALMA BRASILEIRA Thomaz Farkas (1924-2011)
Thomaz Farkas, Robert Frank, Augusto dos Anjos, o Aleijadinho, Cecília Meireles: além das efemérides, Unicaphoto segue apresentando e levantando questões contemporâneas, da ecologia à tecnologia; do rio ao mar; das viagens imanentes às transcendentes; do sertão à metrópole; do centro à periferia. E mostra como tudo isso se relaciona com o mundo que você vê, mesmo que esteja tudo misturado, mesmo que finja não ver.
A
PELA

Unicaphoto#22

a revista de fotografia da Unicap

Robert

O centenário de dois mestres da fotografia Unicaphoto mergulha na fotografia moderna brasileira a partir do trabalho do húngaro radicado no Brasil, Thomas Farkas. E destaca o trabalho do americano

Robert Frank. Neste 2024 marcado pelos 60 anos do golpe-civil militar no Brasil, sua revista de fotografia vai buscar registros iconográficos importantes dessa terrível época no Nordeste, em dois ensaios inéditos.

MÃO
AS DALINHAS MINHA
Frank (1924-2019)

todas as almas brasileiras

Se você acha que as grandes dúvidas entre fotógrafos se limitam a saber se a marca de equipamentos A é melhor que a marca B, sugiro passar na redação de Unicaphoto, qualquer dia. Até chegarmos à capa desta edição, muitas águas rolaram. O centenário do húngarobrasileiro Thomaz Farkas concorria com o centenário do Robert Frank (1924-2019). No debate rolou a questão de técnica, a força da luz e a dureza da sombra, os temas dos seus documentários, as manipulações fotográficas & fotomontagens (em Frank) e até certo experimentalismo & surrealismo (em Farkas), levantado por alguém. Houve réplica, tréplica, ranger de dentes mas, ao final, o conselho editorial resolveu dar preferência àquele que abraçou e ajudou a criar a alma e o imaginário brasileiro: Thomaz Fark. E que revolucionou nossa fotografia. O departamento de design, no entanto, pediu para fazer menção à capa que “não-foi”. E fica nosso respeito ao trabalho desse outro grande mestre da fotografia, o suíço Robert Frank.

Mas nem só de efeméride vivem o jornalismo cultural e as revistas de fotografia. Neste número 22, muitos temas dariam excelentes capas também. Você verá: temas como ecologia e meio-ambiente terminaram formando uma tendência nos artigos e colaborações em nossa caixa de correios. O tópico está presente em “Gigantes silenciosos”, de Girleide Germana da Silva, onde inclusive você pode ler o “poema ecológico” de Augusto dos Anjos, que também faz data redonda neste ano; em “Entalhes líquidos”, um ensaio work in progress de Kari Galvão, sobre rochas e águas do sertão. Transversalmente, ainda, o tema está em “Atomizados pela tecnologia e a violência’, no trabalho de José Arthur Nóbrega de Pontes sobre cianotipia, que fala, um pouco, da botânica no Recife. Por falar em tecnologia (e fotografia), esses são assuntos da resenha de Julianna Nascimento Torezani, para o livro Políticas da Imagem: vigilância e resistência da dadosfera, da pesquisadora, Giselle Beiguelm.

Se houver outra palavra-chave para sua Unicaphoto 22 ela seria: poesia.

Ela passa pelo poema-trípitico-visual de Izabele Margarida de Oliveira Brito, (“Daqui do Capibaribe”), que se apoia em imagens do Recife e relembra João Cabral de Melo Neto. Poesia também é a chave para “Um haikai, uma imagem”, coordenado pela professora Catarina Andrade, na disciplina Literatura, Fotografia e Audiovisual, da pós-graduação “As narrativas contemporâneas da fotografia e do audiovisual”, desta Unicap, onde vários autores e autoras experimentam a correlação entre a palavra escrita e a imagem.

Mais poesia resume o ensaio de Renata Victor sobre os profetas do Aleijadinho, em Congonhas, Minas Gerais. O ensaio é costurado por texto da poeta Cecília Meireles (1901-1964); e crônica do poeta Mário de Andrade (1893-1945) na qual se ressente de o Brasil não reconhecer a genialidade de Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), o Aleijadinho. A gente estava se organizando para falar de outro tema alto desta edição.

Em entrevista exclusiva, as artistas visuais Juliana Amara [Amara] e Ignus [Thalyta Tavares] falam para Unicaphoto qual é mesmo a delas. E como veem e vêm ao mundo. Do centro para fora. Da periferia para dentro. Alunas da formação e, agora, da pós-graduação da Unicap, seu trabalho tem forte acento e atuação sociais. as fotógrafas atuam na periferia do Recife e região metropolitana auxiliando na comunicação de coletivos e artistas da “nova” e invisível cena do audiovisual, do teatro, da dança, da poesia, em meio ao caos do Recife. É comum vê-las no centro da cidade, na velha Boa Vista, ou em Peixinhos, ou no morro da Conceição, em ação, discutindo o caos, para além da filosofia. São um tipo de mecenas sem grana, mas com um grande tesouro que é a capacidade de interpretar e mudar o mundo. Coletivamente. “Tudo misturado”.

editorial

COORDENAÇÃO-GERAL

Renata Victor

EDITOR

Sidney Rocha

CONSELHO EDITORIAL

Filipe Falcão, Renata Victor e Sidney Rocha

IMAGEM DA CAPA

Thomaz Farkas, (s/t) acervo do IMS

FOTO DA QUARTA CAPA

Thomaz Farkas, (“Roda de samba”), acervo do IMS

QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO

Catarina Andrade

Beatriz de Melo Britto

Brenda de Andrade

Catarina Andrade

Domingos de Lima

Eduardo Costa Cunha

Francisco M. Mota

Girleide Germana da Silva

Gisele Carvalho

Izabele Margarida de Oliveira Brito

José Arhur Nóbrega de Pontes

Juliana Amara

Julianna Nascimento Torezani

Kari Galvão

Mário de Andrade

Matheus Alves da Rocha

Nivaldo Francisco

Renata Victor

Sidney Rocha

Silvana de Andrade

Thalyta Tavares

Wallace Fontenele

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Artigos e os seus comentários publicados não refletem necessariamente a opinião da revista.

Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco.

Esta sua 22a edição vem a público em 26 de março de 2024.

(ISSN 2357 8793)

o eterno reencontro por Nivaldo Francisco gigantes silenciosos por Girleide Germana da Silva atomizados pela tecnologia e a violência José Arhur Nóbrega de Pontes

caríssima miss biffin por Renata Victor & Mário de Andrade

políticas da imagem por Julianna Nascimento Torezani

entalhes líquidos por Kari Galvão

8 20 28 38 60

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70 daqui do capibaribe por Izabele Margarida de Oliveira Brito etc e caos Entrevista com Juliana Amara e Thalyta Tavares um haikai, uma imagem por Catarina Andrade com participações deAícia Cohim, Beatriz de Melo Britto, Brenda de Andrade, Domingos de Lima, Eduardo Costa Cunha, Francisco M. Mota, Gisele Carvalho, Matheus Alves da Rocha, Silvana de Andrade e Wallace Fontenele

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thomaz farkas, do brasil por Sidney Rocha aconteceu

Thomaz Farkas/Acervo IMS
viagem

o eterno reencontro

Nivaldo

Francisco
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sem fronteira

Entre o o caminho que se faz ao caminhar e se pode avançar do Recife os mais de 130 quilômetros até Caruaru, há um universo de vivências e retornos que se entrelaçam como os fios de uma tapeçaria tecida pela história e pela memória. Nesse trajeto, onde o asfalto encontra a terra dura, batida, onde a cidade some, o asfalto desaparece e o mundo rural ressurge, sem respeitar fronteiras, nem vales.

Neste ensaio, o olhar de Nivaldo Francisco se debruça sobre a paisagem e a cultura que permeiam essa jornada, uma jornada que se inicia na intimidade de uma vivência familiar. É a partir dos laços ancestrais, dos vínculos com seus avós no distrito de Gonçalves Ferreira, que se revela a essência dessa viagem. É ali, onde os traços da terra se com/fundem com as lembranças de infância, que se ergue o palco para uma narrativa de retornos e reencontros.

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agora, um vivedouro

O registro do caminho se faz através de retratos, não apenas da paisagem que se desdobra diante dos olhos, mas também das pessoas que povoam esse cenário. São rostos marcados pelo tempo e pelas histórias que carregam consigo, testemunhas silenciosas das transformações que moldaram aquele espaço ao longo dos anos.

Ao entrar em Gonçalves Ferreira, o fotógrafo acompanha os passos do seu pai em visitas aos espaços que tecem as teias da memória familiar. Primeiro, são acolhidos na casa de um amigo, onde o tilintar dos sinos dos animais ecoa pela vastidão do campo. Mais adiante, encontramos as ruínas de um antigo espaço, onde outro parente dava vida ao carvão em meio às labaredas crepitantes. “Este mesmo espaço também foi usado como matadouro e cultivo de vegetais por meu avô”, diz Nivaldo. Ali, onde o fogo ardia sob o manto estrelado do céu, seus ancestrais deixaram suas marcas, transformando o local em um centro de atividades que ecoam os sussurros do passado.

Caminhando pelas vielas

poeirentas, entre casas de paredes gastas pelo tempo, mergulhamos com Nivaldo nas entranhas do distrito, buscando desvendar os segredos mais íntimos que ali se escondem. São conhecimentos e tradições que resistem ao tempo, as circunstâncias que moldam a vida daqueles que chamam o lugar de “minha casa”, as inquietações (do fotógtafo) que impulsionam cada passo dado na jornada da existência.

Nessa imersão profunda, nessa dança entre o passado e o presente, o Nivaldo Francisco encontra busca conexões. Mem sempre as alcança. A jornada é de perdas, é sobre o inacessível, também. São estradas que se entrelaçam sob o sol do agreste, a vida em constante retorno às raízes que lhe sustentam: um eterno reencontro, portanto. E assim, entre os suspiros do vento que sussurra segredos antigos e o canto dos pássaros que ecoa pela vastidão do horizonte, a vida segue, o viajante segue, as memórias prosseguem.

gigantes silenciosos

Girleide Germana da Silva

No entrelaçar de folhas e galhos, as árvores desenham um contorno único na paisagem urbana, desafiando o avanço incessante da sociedade com sua presença serena. Seu papel transcende a mera ornamentação; elas são guardiãs de uma simbiose delicada entre o desenvolvimento humano e a resiliência da natureza.

À medida que o concreto avança, as árvores permanecem como testemunhas resilientes, oferecendo não apenas sombra e frescor, mas também uma defesa incansável contra a poluição sonora e visual que caracteriza a vida urbana moderna. Seus ramos estendidos não apenas filtram o ar, mas também filtram o estresse, proporcionando refúgio e tranquilidade em meio à agitação cotidiana.

Na interseção entre a sociedade e a natureza, as árvores nos recordam que nossa jornada rumo ao progresso deve ser forjada com uma consciência ambiental. Ao reconhecermos sua importância multifacetada na criação de ecossistemas urbanos sustentáveis, cultivamos não apenas bosques de verdura, mas também esperança para um futuro onde a harmonia entre a sociedade e o meio ambiente é uma prioridade inegociável. Portanto, celebremos as árvores não apenas como monumentos vivos, mas como aliadas essenciais em nossa busca por uma coexistência equilibrada. Seu legado é mais do que somente estético; é um apelo sussurrado pelo respeito à natureza, um chamado para preservarmos, nutrirmos e admirarmos esses gigantes silenciosos que moldam nosso presente e delineiam os contornos de um amanhã sustentável.

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ecologia
K. Ford
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Datas redondas.

Há 140 anos, nascia o poeta paraibano Augusto dos Anjos, morto há 110 anos. Poeta de difícil catalogação, até hoje, pode-se dizer que seu interesse pela natureza (o termo tem várias acepções em sua obra) como, por exemplo, nestes versos de “Tristezas de um quarto minguante”: Pelos respiratórios tênues tubos/ Dos poros vegetais, no ato da entrega/ Do mato verde, a terra resfolega/ Estrumada, feliz, cheia de adubos.

“A árvore da Serra” é um dos seus sonetos mais conhecidos.

Um poema “ecológico”, escrito em um tempo onde ainda não se falava de ecologia.

Bem a calhar nos lembrarmos dele diante deste ensaio de Girleide Germana.

a árvore da serra

— As arvores, meu filho, não têm alma!

E esta arvore me serve de empecilho.

É preciso cortá-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, porque sua ira não se acalma?!

Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!

Deus pôs almas nos cedros... no junquilho. Esta arvore, meu pai, possui minh’alma!

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: “Não mate a arvore, pai, para que eu viva!”

E quando a arvore, olhando a patria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco, O moço triste se abraçou com o tronco

E nunca mais se levantou da terra!

do livro Eu de Augusto dos Anjos (1884-1914), publicado em 1912

tecnologia
1. Pescadores (Praia de ItamaracáPernambuco).Goma Bicromatada, Papel Canson A5, 200g

atomizados pela tecnologia e a violência*

José Arthur Nóbrega de Pontes

A partir da obra da Anna Atikins, fazemos uma releitura de sua obra com uma reflexão sobre como as novas tecnologias utilizadas na fotografia do século 21 , são um reflexo de uma sociedade assustada e neoliberal. A partir disso, mostramos como a cianotipia pode ser uma prática fotográfica para registrar a Região Metropolitana do Recife. O ensaio serve como um manifesto contra o individualismo moderno e a precarização dos espaços públicos da cidade do Recife e sua região metropolitana ao mesmo tempo que registramos a fauna, a flora e os espaços públicos da cidade.

Palavras-Chave: Cianotipia, Anna Atkins, Neoliberalismo, Flora, Região Metropolitana do Recife, Goma Bicromatada.

Título original:

A fotografia na Região Metropolitana do Recife.

O indivíduo do século 21 atomizado pelos processos tecnológicos e pela violência.

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INTRODUÇÃO

No século 19, a bióloga inglesa Anna Atkins construiu seu ensaio Photographs of British Algae (Atkins, 1843) e criou pela primeira vez um livro que continha um processo fotográfico. Neste livro ela representa a flora marinha da região onde morava, mimetizando as algas através da cianotipia. A técnica no século 19 também foi amplamente utilizada em processos de reprodutibilidade das artes e cópias de documentos, desde blueprints na arquitetura, design de objetos, biologia, engenharia naval entre outros. O pigmento azul Prússia feito através da união de ferricianeto de potássio e citrato de ferro quando exposto à radiação UV mimetiza o objeto a ser revelado, trazendo a fotografia ou fotograma através de um processo que pode ser feito em casa com poucos equipamentos.

O INDIVÍDUO NEOLIBERAL ATOMIZADO NA FOTOGRAFIA

No século 21, vivemos um processo automatizado da fotografia; celulares, câmeras digitais e inteligência artificial colocam a fotografia nas mãos do sujeito atomizado que perde o contato com as ruas e o coletivo. A produção fotográfica lentamente fica cada vez mais resumida e automática, deixando o fotógrafo numa posição onde ele perde a chance de viver a construção da fotografia, a cidade, a natureza e os meios que envolvem a produção fotográfica. A insegurança pública e a violência na região metropolitana tornaram o Recife e suas ruas um lugar hostil para a fotografia. Muitas vezes deixamos de registrar a cidade por conta do medo, seja pelo receio de ser assaltado e/ou apenas por um imagético popular onde a rua é um lugar onde não se deve estar, e muito menos estar com equipamentos fotográficos.

“…a racionalidade neoliberal esvazia o lugar da cidadania , atomizando a consciência política do sujeito que passa a se reduzir à esfera privada. Essa conformação do sujeito neoliberal constitui uma peça-chave para compreender de que maneira o neoliberalismo pode ser tomado como uma máquina de produção de precariedade” (Alves, 2020)

A violência registrada pela fotografia dos grandes veículos de comunicação alimenta ainda mais o imagético coletivo de que não devemos estar nas ruas. Termina assim calando a fotografia produzida por aqueles que não são detentores dos meios de produção ou grandes canais de comunicação, deixando assim a narrativa fotográfica nas mãos da publicidade ou grandes jornais e TVs. Desta forma, nas redes sociais, TVs e celulares temos uma invasão de marcas, locais e elementos que representam a cidade em locais privados, deixando as ruas, praças e espaços públicos marginalizados no imagético popular, contribuindo ainda mais para que os significados das fotografias produzidas sejam meramente comerciais ou em ambientes fechados e particulares, retratando a família, comidas e eventos privados. O celular, a inteligência artificial e os aplicativos trazem para o indivíduo atomizado pelo neoliberalismo a precarização do lazer e da interação com o coletivo, afastando as pessoas dos locais públicos, praças, transportes coletivos, natureza e de toda e qualquer vivência do Terceiro Lugar. Entendemos aqui o Terceiro Lugar todo e qualquer lugar de interação que não sejam locais de trabalho privado ou nossa própria casa, locais onde podemos ter relações sociais com pessoas que não sejam diretamente relacionadas a nossa vida pessoal.

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2. Pata de Vaca- Bauhinia forficata (Piedade, Jaboatão dos Guararapes - PE). Cianotipia, Papel A4, 60g

3. Jasmin - Jasminum grandiflorum (Casa Amarela, RecifePernambuco). Cianotipia, Papel Canson A5, 200g

O TERCEIRO LUGAR COMO ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA

“o terceiro lugar é coração da vitalidade social de uma comunidade” (Oldenburg, 1989).

É como se vivêssemos a revolução do indivíduo. As pessoas parecem não querer mais interagir, formar grupos, partidos, dialogar, viver a cidade em seu coletivo. A ideologia do Self Made Man toma conta da fotografia, atomizando o ser humano, fragmentando o coletivo, trazendo a fotografia para uma negação da cidade, de todo e qualquer interação que possa gerar algo coletivo, feito nas ruas, nas praças, bosques e locais públicos na cidade.

Proponho com este ensaio não só uma releitura da obra da Anna Atkins utilizando a flora e a fauna e os espaços públicos da RMR, mas também uma proposta para que o morador da Região Metropolitana do Recife saia à rua e registre a cidade. Aqui temos um registro de plantas, insetos, lugares e pessoas feito no Recife e na região metropolitana em diversos terrenos baldios, praças, canteiros, parques e outros interstícios na cidade.

Agora, mais de 100 anos após os primeiros ensaios da Anna Atkins o processo fotográfico mudou e se automatizou. O retorno ao passado que proponho aqui faz com que o indivíduo do século XXI atomizado pelos processos tecnológicos e pelo neoliberalismo econômico encontre

nas ruas de sua cidade a natureza e o coletivo. Esta natureza e paisagens que encontrei nestes locais, alterados ou não pelo ser humano, podem me colocar num processo de descobrimento da cidade onde moro e de seus moradores, da vegetação e das ruas da capital pernambucana.

CONCLUSÕES FINAIS

Para criar estas fotografias ou fotogramas, como gosto de chamar (visto que em alguns registros não há uma câmera fotográfica para a execução), é necessário caminhar pela cidade, por seus terrenos, por seus bairros, cruzar com moradores de diversas regiões. Ação que nos leva a vivência de um Terceiro Lugar fora da nossa vida social, onde para recolher essa vegetação e imagens foi preciso caminhar pela cidade, relacionarse com pessoas de diferentes classes sociais, diferentes bairros, moradores de ruas, comerciantes, populares, pedestres, garis, todo tipo de diversidade social, todo tipo de locais não privados, colocando a rua e sua natureza como um Terceiro lugar de convivência social.

O processo de fotografia alternativo nos dá a oportunidade de não só registrar a flora e a fauna de onde moramos como fez a Anna Atkins, mas de viver a cidade como um local coletivo, de descoberta e de trocas. Há nas fotografias do ensaio um aspecto urbano, mesmo aos registros da natureza, criamos um vínculo entre os indivíduos e o espaço público com a vegetação da RMR, despertando um olhar sobre a

“O espaço público no Brasil se consolida não como espaço de encontro, da convivência social, como lugar privilegiado para o exercício da cidadania, para a prática do respeito a um outro discurso mas, sim, como mero espaço de circulação. ”(Leitão, P; 108)

A botânica e fotógrafa inglesa Anna Atkins (1799-1871) teve acesso a uma câmara fotogrática em 1841

cidade e o coletivo não com medo da violência, mas com empatia e prazer de caminhar de fazer uma fotografia que seja ao mesmo tempo urbana e coletiva. As ruas da RMR, que para a maioria das pessoas faz parte de um imagético violento e de abandono, é colocada por este ensaio como um local de abundância de espécies de plantas, animais e pessoas. A interação entre indivíduos, caminhadas longas e observações de cada fenda, cada terreno, cada vaso de plantas para possamos encontrar objetos para criar estas imagens, servem como um convite para que as pessoas ocupem a cidade, saiam às ruas, saiam de seus núcleos atomizados, isolados e participem de um Terceiro Lugar fora das bolhas sociais da internet, sem nenhuma automatização. O uso de uma técnica passada para fazer uma experiência no presente.

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4. Capela de São Benedito (Praia de Carneiros, Ipojuca - Pernambuco).Goma Bicromatada, Papel Canson A5, 200g 5. Palmeira- Areca Bambu (Boa Viagem, Recife - Pernambuco). Cianotipia, Papel A4, 60g

BIBLIOGRAFIA

ATKINS, Anna. Photographs of British Algae. Londres: 1843. ALVES, Souza. Libertas: Revista de Pesquisa em Direito, Ouro Preto, v. 07, n. 01, e-202101, jan./jun. 2021 | Página 20 de 23 OLDEBURG, Ray. The Great Good Place. EUA: 1989.

LEITÃO, Lúcia. Quando o Ambiente é Hostil, Recife, 2014, UFPE | Página 108. ISBN 97885-415-0508-6

FICHA TÉCNICA

Imagens 1,4,6 - Goma Bicromatada (CMY). Pigmentos de Aquarela e Papel Canson. Câmera 77D, lente Sigma 70300mm.

Imagens 2, 3, 5, 7, - Cianotipia (Fotogramas sem utilização de câmeras fotográficas)

6. Borboleta - Heliconia Ninfalídeos (Praia de Tamandaré, PE). Goma Bicromatada (CMY), Canson A5, 200g 7. Hibisco - Hibiscus rosa-sinensis (Parnamirim, Recife- Pernambuco). Cianotipia, Papel Canson A5, 200g ensaio

caríssima miss biffin

Renata Victor & Mário de Andrade

O nome verdadeiro do Aleijadinho era Antônio Francisco Lisboa (1738-1814), morto, portanto, há 210 anos.

Era filho do arquiteto Manoel Francisco Lisboa, com uma escrava.

Aleijadinho viveu sob os hálitos das ideias liberais que se propagavam em Minas Gerais no século 18 e que terminaram por dar o tom à Inconfidência.

Em 1777, aos 39 anos de idade, Aleijadinho foi vitimado por uma severa doença: sífilis, framboesia trópica, reumatismo ou lepra (como sugere o poema de Cecília Meireles, “mãos de gangrena e lepra”), o certo é a que doença comprometeu e deformou todo seu corpo, irreversivelmente. Sua principal obra é o conjunto de esculturas em pedra-sabão, representado os doze profetas do Antigo Testamento.

Esculpidas entre 1800 e 1805, estão localizadas no adro do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, no município de Congonhas, em Minas Gerais. Neste ensaio, Renata Victor foi ao santuário e fotografou os Doze Profetas e trouxe um belíssimo ensaio. Parte dele você vê agora, ineditamente, na Unicaphoto. Para a fotógrafa, “é importante recuperar a importância desse gênio brasileiro tanto para a religiosidade popular, brasileira, quanto para a arte nacional, do Barroco brasileiro. Sua obra não pode ser esquecida.” É também o que pensava e questionava o poeta Mário de Andrade (1893-1945), ainda em 1930, quando criticava o esquecimento dirigido à obra do grande Aleijadinho: “O que os brasileiros sabem é que teve um homem bimaneta neste país que amarrava o camartelo nos cotos dos braços e esculpia assim. E isso os impressiona tanto que contam pros companheiros e estes pros seus companheiros, miss Biffin”.

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O profeta Amós
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O profeta Daniel O profeta Jonas
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Agora que já passou, pode-se dizer, praticamente despercebido o centenário de José Maurício Nunes Garcia, temos que nos preparar com carinho pra que passe também despercebido o outro nosso grande centenário deste ano: o do Aleijadinho. A 29 de agosto próximo fazem dois séculos que Antonio Francisco Lisboa nasceu. A minha convicção é que o grande arquiteto mineiro foi o maior gênio artístico que o Brasil produziu até hoje. Mas por muitas fatalidades e muita incúria o nome dele permanece vago na consciência nacional dos brasileiros.

A maior fatalidade que impediu a fixação da grandeza dele em nós, foi não termos tido nenhum estrangeiro que nos viesse ensinar que o Aleijadinho era grande. Nós só nos compreendemos quando os estranhos nos aceitam. Exemplos típicos: Carlos Gomes e Villa-Lobos. Brecheret também. Mas a incompreensão dos viajantes europeus pelo Aleijadinho é mais ou menos explicável. Vinham todos duma cultura ainda renascente ou por demais sentimentalmente e açodadamente romântica para compreenderem esse bruto de primitivo. Assim Rugendas, assim Spi e Martius e assim principalmente SaintHilaire.

Já o capitão Burton, cuja universalidade de espírito é admirável, e cuja perfeição de observações mereceu elogios de Tyler, sente-se que ficou muito preocupado com Antonio Francisco Lisboa, embora não o tivesse compreendido minimamente. E dá algumas ratas de bom tamanho. Assim quando conta que o Aleijadinho trabalhava sem ter mãos, ajustando os utensílios com cotos de braços, comenta desastradamente: “mas o caso do Aleijadinho não é o único de atividades surpreendentes nos aleijados, basta lembrar o caso recente de miss

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o aleijadinho
O profetaJeremias

‘Biffin’. O caso do Aleijadinho se torna, pois, pra Burton, o de muitos outros. Lembrem miss Biffin, gente! Noutra página (The Higlands of the Brazil, II, 122) chega a descrever com certa pormenorização o admirável São Francisco, de S. João d’El Rei. Crítica razoavelmente as defeituosas cúpulas das torres e específico o processo, quase sistemático na arquitetura de Antonio Francisco, de torres em quadrados curvilíneos (“This may be called the roundsquare tower style”...), achando que só se recomenda porém pela excentricidade. E, preocupado com as belezas arquitetônicas do Velho Mundo, não te um uma palavra de elogio pra obra-prima, antes conclui conselheiral, que os povos jovens da mesma forma que a rapaziada, precisam saber que a genialidade principia pela imitação e só depois cria por si e que quando a criação precede precocemente a imitação, no geral os resultados são desgraciosos, sem gosto e grotescos. O conselho não é ruim, como se vê, porém a verdade é que o Aleijadinho estava imitando! E se genializava o imitado, culpa não era dele de possuir a violência de temperamento, a grandeza divinatória que nacionalizava sem querer, nem, como escultor, o senso da escultura como poucos ou a intuição da expressão expressionística dum imaginário espanhol ou dum pós-gótico alemão.

Burton ainda se refere várias vezes ao Aleijadinho. Acha “handsome” o exterior da D. Francisco, de Ouro Preto e sem nenhum elogio se refere às obras de talhe da Carmo, de S. João d’El Rei, apenas acompanhando o nome de Antonio Francisco Lisboa com o epíteto de “infatigável”. Os Passos, de Congonhas, meio que o horrorizam, chama-lhes “caricaturas”. Mas, sem perceber o elogio

expressionista que fazia, reconhece que embora grotescas e vis, essas esculturas serviam pra “fixar firmemente os assuntos no espírito da gente do povo”.

Quem talvez melhor percebeu o valor do Aleijadinho creio que foi Von Veech no segundo escrito que publicou sobre o Brasil, a relação da viagem. É verdade que passando em Ouro Preto elogia as fontes da cidade, distingue uma igreja sem janelas (?), e do Aleijadinho e suas igrejas nem pio. Mas diante dos profetas da escadaria de Congonhas, aos quais, por natural confusão protestante, chama de “apóstolos”, percebe o homem... “As estátuas dos doze apóstolos em tamanho natural e pedra-sabão, foram esculpidas por um homem sem mãos; embora não sejam obras-primas, os trabalhos deste curioso artista, completamente autodidata, trazem o cunho dum talento insígne (“Reise über England und Portugal nach Brasilien und den vereinigten Staaten des La Plata-Stromes”, II, 191). Mas o livro de von Veech, por sinal deliciosíssimo, é pouco lido por nós... O Aleijadinho não teve o estrangeiro que lhe desse gênio e as vozes brasileiras não fazem milagres em nossa casa. Não está situado, as obras deles não estão catalogadas, não há um livro sobre ele, pouco se sabe sobre a vida dele e quase todos lhe ignoram as obras.

O que os brasileiros sabem é que teve um homem bimaneta neste país que amarrava o camartelo nos cotos dos braços e esculpia assim. E isso os impressiona tanto que contam pros companheiros e estes pros seus companheiros, miss Biffin.

MÁRIO DE ANDRADE

Publicado no Diário Nacional, São Paulo, 30 de maio de 1930

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“Sinos, procissões, promessas. Anjos e santos nascendo em mãos de gangrena e lepra Finas músicas broslando as alfaias das capelas.

Todos os sonhos barrocos deslizando em pedra. [...]”

Cecília Meireles

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Romance XXI ou das Ideias. In:. Romanceiro da Inconfidência.
Os profetas Naum e Oséas
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O profeta Baruque
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O Santuário de Bom Jesus de Matosinho, na cidade de Congonhas, em Minas Gerais
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os profetas

As esculturas dos profetas de Congonhas, obra-prima do renomado artista Aleijadinho, são reverenciadas por sua beleza e importância histórica. Essas obras, localizadas na entrada do santuário, são uma expressão da genialidade artística do mestre e da devoção do povo mineiro. Isaías, o primeiro profeta na série, é retratado com sua figura imponente, segurando um pergaminho que simboliza suas visões divinas. Apesar de algumas imperfeições, a escultura transmite a essência da mensagem profética e a força de sua visão espiritual.

Jeremias, posicionado ao lado de Isaías, tem características marcantes, longos bigodes e barba frisada. Sua postura grave, com uma pena na mão, sugerem sua missão como mensageiro de Deus.

Ezequiel, conhecido como o “profeta do exílio”, está em uma posição central entre os profetas. Sua figura, apesar de similar à de Jeremias, transmite grande intensidade. É uma das figiras mais expressivas do conjunto.

Daniel, instalado no terraço do adro, é uma figura bem marcada, que personifica a coragem e a fé.

Sua estátua monolítica reflete a força desse profeta.

Oséias, posicionado sobre o pedestal, tem postura serena e pode-se notar sua postura abosolutamente comtemplativa.

Baruque, embora não seja um dos profetas principais, recebe destaque no conjunto escultóricio. É uma figira jovem e imberbe e, nisso, contrasta com os demais profetas. Joel, Abdias, Amós, Jonas, Habacuque e Naum completam a série, cada um com sua própria individualidade e importância. Suas estátuas, cuidadosamente posicionadas no adro, transmitem, principalmente a importância de suas mensagens e a intensidade de suas experiências espirituais. Essas esculturas, além de obras de arte excepcionais, são também símbolos da fé e da devoção do povo brasileiro, da história e cultura do país. [R.V.]

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Os profetas Habacuque e Naum
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O profeta Joel
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O profeta Isaías No primeiro plano, o Baruque O profeta Ezequiel O profeta Abdias
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políticas da imagem

Julianna Nascimento Torezani

Através das ideias da pesquisadora, professora e artista Giselle Beiguelman mergulhamos na discussão sobre fotografia, cinema e arte atravessada pelas questões sobre poder, visibilidade e tecnologia a partir do livro Políticas da Imagem: vigilância e resistência da dadosfera, publicado pela Ubu Editora, em 2021. A obra aponta uma série de trabalhos artísticos (entre filmes, fotografias e exposições plásticas) e tem rico referencial teórico entre autores clássicos e contemporâneos, importantes e necessários para entender a produção imagética atual, imbricada por questões estéticas e políticas.No primeiro ensaio intitulado Olhar além dos olhos, Beiguelman discute que partindo da sociedade disciplinar, em que o corpo ficava confinado em espaços

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resenha
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específicos, há uma nova concepção de corpo em função dos novos dispositivos ligados a conexão em rede, plataformização e vigilância. O corpo, como elemento político, atravessa a esfera da estética para ser estudado, digitalizado e analisado a cada instante pelos novos aparatos de controle, sobretudo imagéticos, em que “as imagens digitais são, sobretudo, mapas informacionais que contêm uma série de camadas, o que permite que sejam relacionadas entre si e com outras mídias, a partir de atributos matemáticos” (beiguelman, 2021, p. 18). Estamos diante de um novo estatuto da imagem, em que captura das imagens alinhada com tecnologias de inteligência artificial fazem a coleta e análise de dados da superexposição das pessoas com o objetivo de mapear o comportamento e as escolhas para obter poder

Políticas da Imagem: vigilância e resistência da dadosfera”, oferece uma análise perspicaz sobre a interseção entre imagem, vigilância e resistência na era digital. Beiguelman desvela as complexidades e os perigos da dadosfera, lançando luz sobre como nossas imagens digitais são constantemente monitoradas e exploradas. Com uma abordagem crítica e perspicaz, Beiguelman oferece insights valiosos sobre como podemos resistir aos sistemas de vigilância e proteger nossa autonomia na dadosfera.

através dos novos aspectos de sociabilidade. No ensaio sobre a Dadosfera, Beiguelman (2021, p. 49) acentua a questão do mapeamento e afirma que “somos rastreáveis pelo que compartilhamos”, ou seja, através de nossas publicações nas redes sociais somos vigiados o que permite a mineração dos dados que faz com que empresas públicas e privadas criem estratégias de comunicação personalizadas com a finalidade de venda de produtos e serviços, além de elementos de persuasão em função de ideias, ideologias e, sobretudo, indicação de votos (haja vista o que já ocorreu em eleições norte americanas e brasileiras), em que “os grandes olhos que nos monitoram veem pelos nossos olhos. É isso que diferencia a vigilância atual do sistema panóptico”

(beiguelman, 2021, p. 63). Somos “seduzidos” a compartilhar nossa vida para fazer parte da rede, para vermos e sermos vistos. Em Ágora Distribuída, é revisto o conceito de ágora como espaço de discussão política para uma boa administração do espaço. As novas ágoras não se limitam ao espaço físico das cidades, uma vez que temos termos como realidade virtual, realidade aumentada e realidade expandida, que demonstram a interconexão entre o espaço físico e o ciberespaço, como exemplo as leituras diferenciadas que vão além do código de barra e da biometria, chegando a etiquetas RFID e QRCodes (amplamente utilizados). Tendo em vista que “toda imagem digital é potencialmente não humana, carregando uma série de camadas e informações que são legíveis apenas por máquinas. E é esse reduto inalcançável aos olhos e à linguagem humana que dá à visão computacional o poder de interferir no cotidiano, determinando o acesso a lugares, por meio de reconhecimento facial ou mapas de calor, na obtenção de um emprego, por meio de leitura da íris, e na prevenção da probabilidade de um delito, através do sensoriamento dos seus movimentos e informações dispersas em incontáveis bancos de dados” (beiguelman, 2021, p. 9798). Nesse sentido, ações bancárias, compras, entrada em lugares, acesso a cardápios são feitas através de códigos rápidos, e de outro modo, até os conflitos são travados para além dos territórios físicos, remodelando a nova geopolítica do mundo globalizado. Para tratar sobre datacolonialismo, o ensaio Eugenia Maquínica indica que é possível que a seleção de seres humanos ocorra através das máquinas pelas instruções que são dadas a estas, o que também faz ocorrer situações de racismo e misoginia. Beiguelman (2021,

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p. 125) alerta que o racismo algorítmico ocorre “porque o universo de dado que construiu reflete a presença do racismo estrutural da indústria e da sociedade às quais pertence e que o expandem em novas direções”. Neste sentido, surgem novas formas de exploração do trabalho e de preconceito que atende a interesses econômicos e políticos na relação da exploração racial-colonial ainda existente. Importante salientar que, nesta perspectiva, as imagens digitais não apenas registram e apresentam os referentes com a devida iluminação, mas carregam metadados, que contém informações como geolocalização, tipo de equipamento, local, data e técnica fotográfica, o que faz com que exista uma imagem expandida acerca de dados na captura das cenas. Memória Botox trata sobre a cultura das redes que possibilita registrar o cotidiano desenfreadamente, gerando um volume de dados imenso que serve a diversos usos com intencionalidades várias (sobretudo capitalistas, pois quase tudo está à venda), mas que ao mesmo tempo não consolida um arquivo para estudos históricos. Esse big data é fortemente alimentado por registros que estão além da captura do momento, pois após os

dispositivos absorverem luz, há uma grande quantidade de aplicativos para retocar, modificar, alterar, realçar e “embelezar” as imagens. Tudo isso com a finalidade de obter informações para refinar os algoritmos. Beiguelman (2021, p. 145) afirma que “o processamento das imagens, em todos, é feito por técnicas de deep learning por meio de redes neurais, transferindo estilos e comportamentos para as imagens. Para tanto, dezenas de milhares de imagens são usadas para treinar os algoritmos que dão cor, movimento e profundidade às fotos e vídeos que inserimos em seus servidores”. Dados esses que servem para impulsionar o consumo e a remixagem dos produtos culturais, entre outros.

No último ensaio, Políticas do ponto br ao ponto net, a questão da era do Antropoceno é tratada através da pandemia causada pela covid-19, que causou uma crise política-econômicacultural global gerando imagens impactantes como hospitais lotados, covas coletivas em cemitérios, descarte de máscara inadequado, abrindo um novo parâmetro de visualidade com elementos de biocontrole do corpo, que precisou ficar confinado e vigiado. Políticos se aproveitaram do momento de diversas formas, inclusive com a

“A partir dessa profunda reflexão sobre a sociedade contemporânea, Beiguelman nos faz pensar e discutir acerca da sociabilidade, da tecnologia e da cultura atuais, abrindo um campo de olhar a fotografia não apenas como elemento de registro do cotidiano e momentos especiais, mas como instrumento de poder e controle, que permite ampla vigilância do comportamento das pessoas.

construção e remodelação de sua imagem, tanto de forma positiva (pedindo que a população se proteja) quanto negativa (como atitudes de necropolítica e descaso com a população). “Internacionalmente conhecido como um centro produtor e irradiador de memes, o Brasil tornou-se, com o coronavírus, não apenas símbolo da pior política de gestão da pandemia, mas uma verdadeira Memeflix” (beiguelman, 2021, p. 184).

A partir dessa profunda reflexão sobre a sociedade contemporânea, Beiguelman nos faz pensar e discutir acerca da sociabilidade, da tecnologia e da cultura atuais, abrindo um campo de olhar a fotografia não apenas como elemento de registro do cotidiano e momentos especiais, mas como instrumento de poder e controle, que permite ampla vigilância do comportamento das pessoas. A obra é um alerta de que os mecanismos de inteligência artificial e plataformização possibilitam ser utilizados para diversos fins, portanto devem servir para o progresso da sociedade de forma coletiva, não como espaço de racismo, misoginia e preconceito, assim os usuários das redes sociais devem observar com atenção os conteúdos que aparece em seus perfis, sobretudo publicitários, e serem críticos e céticos diante dos fatos.

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entalhes líquidos

Kari Galvão um ensaio em andamento

work in progress

“Entalhes Fluidos” nasceu em 2021, a partir da observação de detalhes de rochas durante trilhas feitas por áreas próximas ao sertão. Por ser de uma cidade atravessada por rios e contornada pelo mar como Recife, sempre tive forte ligação com as águas e seus movimentos.

Durante as andanças, foi recorrente notar a presença da água entalhada nas rochas pelos formões do tempo e foi como um despertar de fascínio pelas formas e texturas ali marcadas.

Utilizo como suporte para registros das imagens a fotografia analógica e digital (câmera e celular), como forma de somar a esses paralelos das águas: dois extremos divididos pela evolução do tempo que os separam, mas se interligam pelo mesmo fim – o de marcar memórias.[K G ]

Para as imagens feitas em câmera analógica, foram usados os filmes Kodak Ultramax 400 (vencido) e Kodak Pro Image 100@400 (vencido), ambos revelados e digitalizados pelo Lab:Lab Analógico, em Curitiba, PR.

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poema visual

daqui do capibaribe

Izabele Margarida de Oliveira Brito

Talvez como o “Poema em linha reta”, de Álvaro de Campos: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo/ Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,/ Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipesna vida...”, ou melhor, bem melhor, este poema visual de Izabele, tríptico, oferece outra reta, outra linha, desses pássaros, o contrário dos príncipes, ou reis ribeirinhos do cais do Capibaribe, de Cabral, do Recife, esses seres como rosas-riosrosários, “cujas contas fossem vilas,/ de que a estrada fosse a linha”, ainda buscando a voz do maior poeta brasileiro, segue, portanto, reta, retilínea, a linha, a linha...

Pensei que seguindo o rio/ eu jamais me perderia:/ ele é o caminho mais certo,/ de todos o melhor guia./ Mas como segui-lo agora que interrompeu a descida?/

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Vejo que o Capibaribe,/ como os rios lá de cima,/ é tão pobre que nem sempre/ pode cumprir sua sina/ e no verão também corta,/ com pernas que não caminham./

os versos desta página e deste ensaio são de “Morte e vida severina”, de João Cabral de Melo.

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DIVULGAÇÃO/GUI LODT
entrevista

etc e caos

Caos é o segundo e terceiro nomes dessas fotógrafas e um pouco o método de edição desta entrevista. Eu, Sidney Rocha, entrevistei as artistas visuais Thalyta Tavares (Ignus), 26, e Juliana Amara, ou simplesmente Amara, 23, para a Unicaphoto. Uma conversa por email, por mensagens de aplicativos, por telepatia. A ideia era buscar entender mais sobre como a fotografia contemporânea, no Recife, ajuda a entender ou decifrar mais os movimentos sociais, culturais, a dança, o audiovisual, a música, longe dos grandes meios e dos altos palcos e palanques. A cidade do manguebeat, dos anos 90, hoje vive uma realidade ainda mais híbrida. E brutal. A herança da diversidade cultural que alcançou mais a música, naquelas eras, hoje tem novas feições.

Sobretudo femininas.

A presença de coletivos, de ocupações, se multiplica na periferia e se espalha por outras formas de se fazer cultura.

Os hábitos culturais mudaram nesta Recife dos anos 2024?

É cedo para falar, mas uma coisa se nota desde já. Não se trata somente do refrão: “Da lama ao caos, do caos à lama”, mas do caos à lama do caos.

E nisso se insere a novíssima produção da notícia, nos rolês; da fotografia, nos “corres” da galera-videomaker, do audiovisual, do “conteúdo”.

O Recife caótico, onde o velho centro da cidade é mais periférico que as beiradas. “Continua tudo misturado, Josué [de Castro]”, diria uma imaginária canção do novíssimo caos, na manguetown às bordas do Capibaribe.

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Ocupar. Resisitr. “Um dia tudo isso será seu”. O que vê que olha para a cidade em seu longo entardecer.

Para as artistas visuais Talyta e Juliana Amara, ao modo do poeta Carlos Pena, o Recife vai marchando, o bairro de santo Antonio tanto se transformando que, agora, às cinco da tarde, mais se assemelha a um festim, e portanto, o refrão tem sido assim: reinterpretar o caos, esse caos social. E pessoal.

“Meu propósito é dar sentido a minha vida utilizando a fotografia. É poder atravessar pensamentos criando signos através das minhas produções. Nunca é algo vazio, sempre há um propósito. Minha dívida mental é fomentar a arte, levantar artistas que não têm condições e precisam ser expostos”. diz Talita, cujo interesse é “ressignificar o entendimento de que o audiovisual precisa ser creditado, valorizado e, acima de tudo, respeitado”.

Essa ideia de respeito parece ser o centro do trabalho das duas, como diz Amara na conversa pelo aplicativo: “Nisso somos iguais, eu e Ignus. Uso a fotografia e o audiovisual para viabilizar o trabalho de outros artistas que não possuem acesso, que estão em construção, que estão em um contexto social mais ‘fragilizado’, artistas mulheres, pessoas negras, lgbts”. Esse é o ponto forte que podemos ver no trabalho das fotógrafas formadas pela Universidade Católica de Pernambuco:

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“Isso parte muito também da nossa vivência, falando por mim que sou uma mulher negra lgbt de periferia, que nunca teve acesso à tecnologia, que sempre fiz tudo a partir de muita gambiarra e rede de apoio”, falou ou digitou ou pensou ou acendeu Amara.

Não se trata, portanto, de autorreferência, mas de buscar espaços, pensava eu aqui, enquanto Ignus acendia outro e ascendia: “Hoje eu entendo que estou conseguindo alcançar vários espaços, e sinto que minha experiência pode ser compartilhada, para que pessoas que são do mesmo meio que eu, possam também acessar esses lugares e de uma forma mais fácil.”

Juntas, elas se denominam “as articuladas”. “Buscamos por artistas e coletivos que precisam da nossa ajuda com audiovisual”, respondem quase em tom messiânico.

“E como acontece isso?”, me pergunto, mas Ignus responde pelo método preferido das duas: a telepatia: “A gente vai lá, fortalece, enaltece, faz fotos, vídeos, conteúdo. Além disso, a gente também participa, juntas, do ‘Falas da Cena’.

O projeto foi criado por Ignus e tem o objetivo de dar visibilidade a artistas periféricos.

Em duas horas de conversa, troca de mensagens, psicografias, a palavra periferia aparece o tempo todo. Então foi necessário saber de que lugar as artistas estacam falando: de fora ou de dentro dessa periferia. O tema se estende, porque, na real, o Recife todo é periferia, o Brasil é periférico. Então, photomanguegirls, vocês se consideram “fotógrafas periféricas”?

Neste momento, a gente se transfere para o palco de um teatro aonde as falas se misturam:

ignus

Não me considero periférica. Nasci em Sertânia. Vim para Paulista. Morei no Janga.

“Se isso não for ser periférica, não sei o que é”, digo eu.

ignus continua

Entenda. Sempre tive muitos privilégios, na educação, com boas escolas e com cursos particulares. Uso disso para devolver para o universo, utilizo dos meus equipamentos para fortalecer artistas periféricos que não tiveram o mesmo acesso. Acredito que essa é minha forma de contribuir e devolver o que tive de facilidades.

amara

Quanto a mim, sou sim, periférica. Cresci na periferia, sempre morei na periferia, e meu objetivo principal é fazer registro do meu meio. Embora tudo seja discurso e imagem, sendo desse contexto eu percebo que não chega para todos, a partir que o tempo vai passando, que câmeras novas vão surgindo, boa parte da

população só tem acesso a uma câmera de celular, que embora faça sim muita coisa, a qualidade de entrega é diferente, não podemos comparar um vídeo de celular ou de um equipamento mais inferior com uma puta câmera de 20 mil reais e todo o resto.

O que eu e Ignus fazemos, é utilizar do nosso acesso e falo de conhecimento, pois em equipamento temos o básico, na real mesmo eu mesma nem câmera tenho, e com muito mais muito esforço, tentar fazer algo melhor para a galera, mostrar que essa pessoa é digna de um bom registro, falando que hoje em dia a imagem é muito valorizada para artistas elevarem suas carreiras.

ignus (complementando) Como já estamos saturadas das mesmas visões do centro [da cidade], entendo que posso criar outros diálogos com o que temos na cidade. Fotografar por outras perspectivas, procurar coisas que ninguém olha, captar o sujo e a energia caótica da cidade me alimenta, o centro me ocupa.

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Outros carnavais. Na página anteior, o carnaval no Marco Zero, por Ignus. Aqui, O olhar para os detalhes, em carnaval no subúrbio do Recife, por Juliana Amara.

Gosto da ideia de visões distintas, menos engessadas, das fotógrafas. Olho aqui as fotografias das moças para essa edição e se nota claramente que são visões diferentes, dentro de uma ideia mais ou menos consensuadas.

Em breve Amara e Ignus estarão expondo, em projeto da designer Nathalia Amorim. O projeto participa de editais e hoje, dia desta entrevista, 22 de março, o trabalho de conclusão de Nathalia acaba se ser aprovado com nota 10, com louvor, pelo Centro de Artes da Universidade Federal de Pernambuco, com indicação a participar de prêmios e congressos de design colaborativo. A exposição, claro, se chama “Caos”.

ignus

Sim, nós entramos em consenso sobre o “Caos”, pois é algo que vivemos em nossas vidas enquanto fotógrafas, é o que nos chama atenção.

amara

O caos que falamos é puramente o real pelo real, a gente registra sem maquiar a realidade, isso para alguns pode ser visto como o caos, mas o caos está mesmo na falta de acesso, na falta de políticas públicas efetivas, na falta do básico para viver.

ignus

De modo muito simples, o belo não nos atrai. Queremos fogo, queremos sujeira, retratar a violência e, acima de tudo, representações reais do cotidiano.

amara

Sim. A fotografia em si é bastante branca e elitista, a minha vivência na fotografia já se torna puro caos, em uma perspectiva de não lugar. Por isso escolhemos o tema de

vivência no caos, pois precisamos ser honestas com o mundo em que vivemos.

ignus

Retratá-lo de maneira bela e falsa não está de acordo com nossa conduta.

As vozes, textos, pensamentos se misturam mais. São mentes diferentes:

amara

Temos até características muito próprias e distintas de linguagem e técnica, mas nossa visão e filosofia são muito compartilhadas, o que facilita nossa comunicação e por isso o trabalho flui tão bem.

ignus

Minha narrativa aborda temas que remetem ao underground, ao artista de rua, periférico, favelado e aos projetos realizados na cidade. Procuro viabilizar canais para que os artistas possam ter lugar de fala, de forma independente, a minha caminhada já se faz há alguns anos nesse ritmo.

Saímos do teatro e seguimos para pegar um ônibus. Ignus se afastou para fumar. Nem precisava... Amara lia em voz alta um livro imaginário. Acho que falava sobre o começo de sua formação acadêmica, na Unicap.

amara

Desde meu ensino médio, sempre fui muito politizada, e atenta em quem eu era, é necessário na verdade que seja assim, principalmente por perceber que o caminho que eu vejo para mim não faz parte de uma trajetória linear. Ser fotógrafa é uma escolha não convencional para meu contexto. Fiz o vestibular da Unicap e ter conseguido a bolsa de estudos foi uma grande realização, mesmo em meio caos da pandemia

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Plásticas.

Na foto de página inteira, Juliana Amara e erotismo, nos manequins das lojas decadentes do centro do Recife.

No morro da Conceição, Zona Norte do Recife, moradora pinta a casa de azul, com tinta fornecida pela prefeitura.

“Pintou, tá novo”. E, assim a procissão e vida passam. [A foto é de Ignus]

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Aceitamos todos os cartões.

Na ordem, pastoral carcerária católica e os menores infratores, no Recife,registrado por Ignus. A cena musical, no subúrbio,por Amara, que fotografou também os domos e as cúpulas do centro da cidade, enquanto Ignus apresenta sua fantasmogoria, diante dos ouros falsos, a preços de ocasião.

dificultasse em muita coisa.

Eu me lembro disso, lhe digo, porque acompanhei sua formação. Acompanhei as duas, na verdade. Fomos colegas no curso de fotografia da Unicap.

amara (lia ou se recordava?)

Eu não tinha computador, não tinha câmera, e nem ir para faculdade podia, por causa do vírus [Covid-19], então ficava muito preocupada como seria essa formação. Quando as coisas foram melhorando e fui correndo atrás, nunca fiquei parada, e sempre almejei lugares que realmente dialogassem com meus objetivos, às vezes até priorizando a experiência do que a grana, nisso fui aprendendo bastante, e sabendo por exemplo o que fazia eu me manter nesse objetivo, não me ver em muitos lugares que tive (mulher, preta….) ao invés de me afastar, me causa um incomodo enorme de estar ali, presente, e de levar os meus também, como diria vóinha, de ser afoita, mesmo, e me desdobrar para dar certo, isso porque eu gosto também tá? O meio acadêmico me faz bem, no sentido do conhecimento, do tanto do que posso aprender e o poder de compartilhar essa experiência também. Saí da graduação assim e

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“Vida-lazer.” Vida-real.

A juventude se diverte na “Virada Negra”, em 2022, na praia do Buraco da Velha, no Pina,Zona Sul do Recife. [Foto de Amara]

Vítima de acidente de trânsito no maior hospital público do Nordeste, o Hospital da Restauração Governador Paulo Guerra, no Recife. [Foto de Ignus]

entro na pós com mais sede ainda. ignus (retornando) Do que vocês estão falando?

amara

Sid estava querendo saber de você como foi isso de sua formação “acadêmica”, da pós...? Quem tu eras e como tu te vês, agora.

ignus

Acho que a menina que entrou na graduação era impiedosa com seus próprios julgamentos, queria fotografar o mundo inteiro sem saber antes o que era o mundo. Queria registrar tudo sem saber meus caminhos, achava que minhas fotos diziam algo enquanto eu vivia calada. Hoje, sou uma mulher e entendo minhas composições. A mulher que me tornei entende que a fotografia é um meio de comunicação e transformação também social. Na pós graduação, entrei sendo Ignus, agora mulher-artista, consciente do meu papel na sociedade enquanto fomentadora de arte.  Minhas lentes são testemunhar a beleza intrínseca do absurdo, da dura realidade. Sou sociopolítica enquanto batedora de fotos.  Olho além das superfícies polidas e confronto realidades desconfortáveis que muitas vezes preferimos ignorar. Dentro do tumulto, eu capto o que vejo e já faz tempo que, para mim, deixou de ser fotografia e virou manifesto. Acho que mudei.”

amara

Sid, que onda.Tu colocou a gente numa peça de teatro?

Sorrimos. Entramos no coletivo sem sequer olhar o destino. A frase soou filosófica, cheia de sentidos.

“Pra onde a gente está indo?”, pergunto para alguém, nesse ônibus. Ninguém sabia.

amara

Relaxa, Sid, A gente não sabe. Ninguém sabe. É o caos, tu entende, agora?

Na outra parada, desci, na praça do Diário. Dali vejo o poeta Carlos Pena Filho, estatualizado em meio ao caos do centro. O céu do Recife e seu longo processo de escurecer. Amara seguiu. Ignus seguiu. Cada uma com seu caos. E sua ternura.

Ouço as vozes das fotógrafastelepatas:

ignus

Nesse caos, nesse calor, Sid, somos sempre um só. Só não somos os mesmos nem as mesmas.

amara

Tá tudo misturado, Sid. Tu num consegue ver, né?

SOBRE BOLETOS ETC E CAOS

Atualmente, Ignus é chefe de redação na empresa Maker mídia. Atua no audiovisual e, como freelancer, na direção de fotografia, still, ensaios, shows, movimentos culturais, produções de conteúdo, entre outros.

Amara trabalha na Comunicação da Secretaria da Mulher de Pernambuco, como fotógrafa e videomaker.

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Novo “Beatuy”. Incolor.

Juliana Amara, em dois momentos.

1. Nesta página, “Cena Peixinhos”, num pré-carnaval. Mais uma noite normal da nova gente do velha cidade.

2. A beleza-glitter, de fácil apelo e acesso.

A foto faz parte da série da artista visual, “Vou ali na cidade”

Espelho, espelho nosso.

Na página seguinte, foto de Ignus, tambpem sobre a busca de beleza, no Mercado mais popúlar do Recife, o Mercado São José.

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entrevista

um haikai, uma imagem

Catarina Andrade

Pensar as artes em suas especificidades, aproximações e zonas intersticiais, nos convoca a pensar sobre a experiência. Como experimentamos o mundo sensível? Como experimentamos o terreno fronteiriço, e inevitável, em que as várias artes se tocam e se afetam mutuamente, transformando a ordem do discurso e proporcionando múltiplas formas de percepção? Imagens e palavras possuem seus diversos e distintos códigos de interação com o espectador/leitor/ observador, participam de maneira diferente do regime do sensível e participam de forma singular dentro de um tempo e espaço. Na disciplina Literatura, Fotografia e Audiovisual da pós-graduação As narrativas contemporâneas da fotografia e do audiovisual, da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), buscamos, a partir da experimentação, vivenciar essas fronteiras entre palavra e imagem propondo exercícios que se realizam por esses interstícios em que as artes se aproximam, se tocam e, ainda, se confundem. Desse modo, uma das atividades propostas é Umhaikai, uma imagem, que consiste em as/os estudantes escolherem um haikai em relação a uma imagem por elas/eles produzida (aqui elas/eles podem tanto buscar uma imagem de um banco pessoal, quanto investir na produção de uma imagem, ou seja, o haikai pode dar a ver uma imagem já realizada ou servir para a realização de uma imagem). Sob o risco visual de sua concisão, escolhemos o haikai tendo em mente que o pareamento com as imagens é capaz de instaurar um movimento em que palavra e imagem não se fixam em uma significação intrínseca, mas se interrogam mutuamente em busca de uma abertura crítica.

o mar o azul o sábado liguei pro céu mas dava sempre ocupado

Paulo Leminski

imagem de Matheus Alves da Rocha

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De colchão em colchão Chego à conclusão Meu lar é no chão

Paulo Leminski

imagem de Eduardo Costa Cunha

matéria

o osso da ostra a noite da ostra eis um material de poesia

Manoel de Barros

imagem de Alícia Cohim

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acordei e me olhei no espelho ainda a tempo de ver meu sonho virar pesadelo

Paulo Leminski

imagem de Brenda de Andrade

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inverno

O sol de inverno: a cavalo congela a minha sombra.

Matsuo Bashô

imagem de Silvana de Andrade

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A gaveta da alegria já está cheia de ficar vazia

Alice Ruiz

imagem de Gisele Carvalho

Na poça da rua O vira-lata Lambe a Lua

Millôr Fernandes

imagem de Domingos de Lima

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Nos dias quotidianos É que se passam Os anos

Millôr Fernandes

imagem de Francisco M. Mota

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“Que importa o sentido se tudo vibra?”

Alice Ruiz

imagem de Wallace Fontenele

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Minha mão vazia Esperando a sua Encontro que cria.

Gabriela Marcondes

imagem de Beatriz de Melo Britto

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dentro de si o silêncio das incertezas

Catarina Andrade

imagens de Catarina Andrade

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thomaz farkas, do brasil

Neste 2024, centenário do nascimento do fotógrafo, documentarista, produtor, educador e cineasta Thomaz Farks, Unicaphoto apresenta parte do seu trabalhoacervo do Instituto Moreira Sales, para mostrar sua potência para as artes visuais, sua pesquisa com a linguagem e o resultado: uma obra sem comparações a fotografia brasileira

IMS
Thomaz Farkas/Acervo
capa
Thomaz Farkas/Acervo IMS

Na páginas anteriores, “Retrato de menina” (1943, Campos de Jordão, SP) Acervo IMS

Aqui, Fachada interior do Edifício Sao Borja (1945) Acervo IMS

Nas páginas seguintes, nesta ordem, “Praia de Copacabana, RJ (1947) e “O Mirante do Trianon”, estrutura que havia antes da construção do do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, Masp  Acervo IMS

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“Roda de samba” (1946), RJ Acervo IMS Thomaz Farkas/Acervo IMS

Still do documentário “Cantoria” (14’/ PB/ Colorido/16mm), produzido por Thomaz Farkas e dirigido por: Geraldo Sarno entre 1969 e 1970. Uma das locações foi a Fazenda Três Irmãos, em Caruaru, Pernambuco. Na foto, os cantadores Lourival Batista e Severino Pinto.

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Thomaz Farkas/Acervo IMS

Na página anterior, foto de Thomaz Frark, sem título, de 1946.

Acervo IMS

“Meninos espiando jogo de fora do estádio do Pacaembu”, (1941), SP

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Thomaz Farkas/Acervo IMS

a alma brasileira

Thomaz Farkas nasceu em Budapeste, Hungria, em 1924 e morreu em 2011, em São Paulo, Brasil. Sua família imigrou para o Brasil, estabelecendo-se em São Paulo, quando ele tinha quatro anos de idade. A cidade teve influência decisiva para que desenvolvesse seu talento para a fotografia, paixão que o acompanharia ao longo de sua vida. São seus temas a paisagem urbana, tanto de São Paulo como do Rio de Janeiro (em uma época de grandes e constantes transformações), dos seus arredores, mas também a riqueza e diversidade cultural e social do país, a partir dos anos 1940. Farkas foi um dos fundadores do Foto Cine Clube Bandeirante, entidade com importante papel na promoção da fotografia como forma de expressão artística no Brasil. Sob a influência do clube, Farkas experimentou grande variedade de estilos e técnicas fotográficas, o que enriqueceu sua prática e estimulou sua constante necessidade e vontade de inovação.

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“Usina hidrelétrica” (1945 Acervo IMS
Thomaz Farkas/Acervo IMS

Ele era igualmente hábil em retratar a vida urbana das grandes cidades brasileiras, mas também em explorar a beleza intocada da natureza tropical do país. Seus retratos de pessoas comuns, suas experimentações com luz e sombra, e sua habilidade em capturar momentos fugazes da vida vulgar, popular, revelam uma sensibilidade peculiar e uma compreensão diferenciada da condição humana. Sobretudo do que significa o Brasil e os brasileiros. Nos seus retratos, se pode distinguir tanto a intimidade como a autenticidade, como se o fotógrafo tivesse sempre em perspectiva buscar as várias camadas da identidade nacional. Ele documentou as festas populares, profanas e religiosas, a política, as tentativas de mudança de um país em desenvolvimento.

Farkas, educador

Uma das características de sua trajetória é não ter sido somente “fotógrafo”. Farkas desempenhou papel relevante como educador e mentor. Era conhecida sua generosa capacidade de compartilhar conhecimento e experiência com outros fotógrafos, pois acreditava mesmo na formação e crescimento de uma comunidade fotográfica genuinamente brasileira. Esse interesse pela educação e à promoção da fotografia como arte deu surgimento a novas gerações de talentos, nas artes e na fotografia profissional no país.

O impacto do trabalho de Thomaz Farkas na fotografia brasileira excede suas realizações individuais. É constantemente “visto” na obra de inúmeros artistas visuais que têm por sua obra referência e inspiração, tanto no Brasil como no

exterior. Deixou marcas profundas na forma como nos vemos e somos vistos, a partir da fotografia. Fruto de uma cosmovisão humanista, de alta sensibilidade estética, terminaram por constituir uma vida inteira dedicada à paixão pela arte da fotografia, que continua viva nestes 100 anos de seu nascimento.

acervo/ memória

Em uma parceria feita com o próprio Farkas, o Instituto Moreira Sales – IMS assumiu a guarda e a preservação da sua obra fotográfica. Sem essa porta de acesso do IMS, talvez nunca pudéssemos apreciar a obra do Farkas em seu conjunto. Por essa razão, e pela acessão das reproduções nesta edição, Unicaphoto agradece. Importante, também o trabalho desenvolvido pelo Canal Thomaz Farkas em difundir a produção cinematográfica desse húngaro radicado no Brasil. No acervo, on-line, você pode assistir 34 filmes de curta e médiametragem, onde Farkas atou como diretor, produtor e, claro, diretor de fotografia. Entre esses documentários podemos citar “Viva Cariri” (1990, 36’30”, colorido, PB, 16 e 35 mm) gravado em Juazeiro do Norte, Ceará, com direção de Geraldo Sarno, fotografia de Lauro Escorel e Affonso Beato, com produção de Farkas. O laboratório de imagem foi a Fotoptica, empresa que Farkas herdou do pai. No filme, os cantadores Pedro Bandeira (que este resenhista teve a honra de conhecer e frequentar) e Raimundo Silvestre. O documentário venceu grandes prêmios, entre eles –recebeu o Troféu Candango, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, naquele 1970. [S.R.]

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aconteceu

AGOSTO

1.Encontro com a Fotografia (10 a 12/08)

Evento de abertura do 2º semestre letivo de 2023, com a presença de convidados(as) do universo da Fotografia em palestras e oficinas. O término da programação foi através da visita ao Paço do Frevo e Cinema no Porto Digital, com a exibição do filme “Disco Boy”.

2.Prêmio Alcir Lacerda (19/08)

Noite de premiação aos fotógrafos pernambucanos na 10ª edição do Prêmio Alcir Lacerda. Os homenageados foram: Alcione Ferreira, Fred Jordão, Fritz Simons (in memoriam) e Renata Victor.

3. 21º Edição da Unicaphoto (19/08)

Foi lançada mais uma revista Unicaphoto, com um vasto conteúdo, sob coordenação de Renata Victor e edição de Sidney Rocha

4.Visita de Alexandre Figueirôa (21/08)

Alunos(as) do 2º e 4º módulos de Fotografia receberam, para um bate-papo sobre o filme “Consuella”, o cineasta e pesquisador Alexandre Figueirôa.

5. Alunos(as) vão a estreia de “Consuella” no Teatro do Parque (24/08)

Nossos(as) alunos(as) foram conferir à estreia do documentário de Alexandre Figueirôa, no Teatro do Parque.

SETEMBRO

6. “Sai da frente” (04/09)

Trabalho finalista na categoria Cinema Audiovisual 04, Videoclipe (avulso) - 6.

7.Expocom nacional (05/09) Apresentações Intercom (GP fotografia) das exprofessoras Julianna Torezani com “fotojornalismo e/ou fotoilustração de Gabriela Biló para Folha de S.Paulo” e Ivan Alecrim com “A fotógrafa, o presidente, a janela trincada e a imagem. Entre estética e opinião pública”.

8. O Pequeno Encontro da Fotografia (14/09)

A ex-aluna Alícia Cohim foi selecionada, através de convocatória para projeções, na 9ª edição do festival com o tem “A imaginação como saída”.

9.Oficina para Jovens do Projeto de “Altas Habilidade e Superdotação” (04/09)

Atendendo a programação da I Semana de Altas Habilidade e Supedotação, organizada pelo grupo de Pesquisa Altas Habilidades/Superdotação, Humanismo e Cidadania coordenado pela Profa. Dra.

Vera Borges de Sá, evento em parceria com o colégio Liceu Nóbrega de Artes e Ofícios, além do Conselho Brasileiro para Superdotação - CONBRAS, o curso de Fotografia da Unicap, através da coordenadora Renata Victor, ministrou uma oficina de Pinhole, remontando o princípio da técnica fotográfica analógica, construindo imagens com latinhas.

10. Exposição fotográfica homenageando a Semana Socioambiental (04/09)

A Semana Socioambiental da Unicap inspira alunos(as) do curso de Fotografia em exposição sobre o tema, no Campus.

OUTUBRO

11.Lançamento do livro de Sidney Rocha (02/10)

Lançamento do livro “O Inferno das Repetições” de Sidney Rocha, acontecendo agora no Museu do Estado.

12.Convidado Rômulo Chico (02/10)

O ex-aluno e repórter fotográfico Rômulo Chico dividiu com os(as) alunos(as) de Fotografia a sua experiência profissional.

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13.Presença do maquiador Dio Coelho (19/10)

Estudantes dos 2º e 4º módulos vivenciaram uma incrível aula sobre maquiagem

14.Oficina de Pinhole e Light

Painting – Fé e Alegria (20/10)

Oficinas de Pinhole e Light Painting! Tarde de muita prática com os adolescentes do Projeto Fé e Alegria.

15.Prêmio 5 estrelas no guia quero estadão (22/10)

Pelo segundo ano consecutivo, o Guia Quero Estadão premiou o curso de Fotografia da Unicap com 5 estrelas em reconhecimento à qualidade do nosso curso! Essa nova conquista só foi possível graças ao esforço, dedicação e paixão dos professores, estudantes e equipe que fazem parte da nossa missão.

16.Aula com Ronald Cruz (26/10)

Tivemos o prazer de receber o incrível Ronald, ele nos contou muito sobre sua trajetória na fotografia e apresentou lindos trabalhos. Valeu querido.

17.Pibic – Apresentação de trabalho – Nivaldo Neto (26/10)

Apresentação do trabalho

“Representação de classes: encenação, enquadramento e iluminação no cinema pernambucano” do nosso aluno do 4° módulo: Nivaldo Neto.

NOVEMBRO

18. Novos Voos: Releitura sobre a obra de Alcir Lacerda (14/11)

Noite de abertura da exposição de fotografias produzidas pelos alunos concluintes do curso de fotografia da instituição de ensino. Na Torre Malakoff.

19. 12º Edição do Fotovídeo (16 e 17/11)

Evento que vem se consolidando a cada edição e que reuniu um grande público interessado no universo da fotografia. Foram dois dias com vasta

programação, como: palestras, oficinas, mostra de vídeo competitiva e leitura de portifólio.

DEZEMBRO

20. Exposições: Produção interdisciplinar de 2023.2 e releitura da obra de Alcir Lacerda (15/12)

Mostra fotográfica, resultante da produção dos(as) alunos(as) de várias disciplinas dos cursos de Fotografia, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, no hall da Biblioteca Central da Unicap. No mesmo espaço, vocês vão conferir a exposição dos(as) formandos(as) de fotografia, que fizeram uma releitura da obra do fotógrafo Alcir Lacerda.

21. Resultado do 3° concurso SOS Oceanos (06/12)

Com o objetivo de chamar a atenção das pessoas para a importância da preservação dos mares, o SOS Oceanos foi aberto para aluno(as) da Unicap e público fora da instituição

22. Resultado do 4° concurso de Fotografia e Vídeo Sobre a Consciência Negra (14/12)

O concurso foi criado em reconhecimento a data de grande importância para o país, bem como o reforço da luta contra o racismo. Aberto para aluno(as) da Unicap e público fora da instituição

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JANEIRO

O ano de 2024 começou com a disciplina de Direção de Fotografia para os alunos e alunas da especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual. As aulas oram ministradas pelo professor Marcelo Costa.

FEVEREIRO

O semestre 2024.1 começou oficialmente no dia 15 de fevereiro. Além do reencontro com os alunos veteranos, o curso de Fotografia deu boas-vindas para os novos estudantes que vão cursar o 1º período. A abertura do semestre foi marcada pelo Encontro com a Fotografia. O evento foi marcado por palestras e seminários que aconteceram entre os dias 19, 20 e 21 de fevereiro.

Carnaval

O Concurso de Fotografia Carnaval de Pernambuco aconteceu pelo 14º ano. Os vencedores desta edição são:

Júri técnico: Izabele Brito. Júri Popular: Pedro Augusto Mendes Chaves.

MARÇO

Colação de Grau da 13ª turma do curso de Fotografia da UNICAP. A cerimônia foi cheia de emoção, alegria e comemoração. Parabéns aos mais novos fotógrafos e fotógrafas.

Exposição Luz e Cor

Sob curadoria e direção da artista visual, Mayssa Leão, 40 artistas pernambucanos, expõem na Galeria Janete Costa, no Parque Dona Lindú, em Boa Viagem. Entre as artistas, Clarice Melo, Gisele Carvalho, Mirandolina e Silvana Andrade,alunas da Universidade Católica de Pernambuco, além da participação de Renata Victor, coordenadora do curso de fotografia. O acesso é gratuito. A mostra vai até 20 de abril.

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Priorizar atividades que coloquem o campus em contato com a sociedade.

Esta é uma das diretrizes do curso de fotografia da Unicap, além de estimular a prática de saberes e vivências diversas, compartilhadas.

Exposições, prêmios, visitas à instituições de pesquisa e órgãos de comunicação, consultas, atividades de formação continuada, serviços à comunidade, marcaram as ações do curso de fotografia da Unicap, de agosto a dezembro de 2023.

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IMS
Thomaz Farkas/Acervo
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