UnicaPhoto [n. 21]

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Unicaphoto#21

a revista de fotografia da Unicap

Éric Rondepierre

RETRATOS FANTASMAS

Para expulsar todos os fantasmas do cotidiano, Unicaphoto embarca em trens-fantasmais, passeia pelos recifes de todo lugar, entra em cidades-fantasmas, paralelas, visíveis & invisíveis, alienadas & alienígenas & sobrepostas, encara crises humanas de identidade (e a crise humana definitiva, da dor com a qual muitos e muitas tiveram que se deparar), acompanha irônico sermão para peixes & homens, enquanto lê curiosos mandamentos: “escrever, filmar, montar”.

Éric Rondepierre. W1932A, da série “Précis de décomposition”, de 1993,

fantasmas, peixes e cidades

Esta revista cumpre a tradição: será lançada no dia 19 de agosto. Dia Mundial da Fotografia. A data foi criada para celebrar a fotografia, mas também valorizar o trabalho dos fotógrafos em todo o mundo. De nossa parte, já há 21 edições, a Unicaphoto tem feito de cada edição um manifesto de celebração e incentivo a esses e essas profissionais. Especialmente porque este veículo, acadêmico, reflete o pensamento da Unicap, no tocante à formação e, em especial, da Escola de Comunicação, do curso de Fotografia, onde se dê a ênfase à “comunicação”, à “fotografia”, mas sobretudo à palavra “escola”.

Por isso, você sempre encontrará, aqui, contribuição valorosa de estudantes e de professores e orientadores empenhados em formar profissionais não somente para o campo de trabalho, mas educar e instruir cidadãos e cidadãs para um mundo mais democrático e plural. Neste número, estão muito presentes o cotidiano, de muitas formas: desde as questões da perda, do luto, da saudade, no impactante ensaio de Amanda Remígio, às questões desse pluralismo, subjetivismo e identidade no tocante ensaio de Ismael Holanda, sobre o que se vê e o que não se vê.

Saudade também é um dos eixos do artigo sobre o cineasta-anarquista Amin Stepple e seu trem-fantasma. Contudo, essa saudade apresentada pelo pesquisador e professor Paulo Cunha termina por entregar um dos textos mais emocionantes desses últimos números de Unicaphoto. Porque é, ao final, sobre a amizade. Sobre a presença do outro, sempre, e na necessidade de divulgar o trabalho do amigo. E, no caso de Amin Stepple, que obra, hem? Era esse tipo de cara que a vida é ao mesmo tempo a obra. Um tipo de consciência aguda e sensível do seu tempo. Este número, portanto, celebra a memória, a amizade, como o faz quando aponta para Alcir Lacerda, e ao prêmio que leva seu nome. Neste ano, recebem-no a fotógrafa Alcione Ferreira e o fotógrafo Fred Jordão, tudo apresentado na matéria de Walli Fontenele.

O prêmio ainda homenageia o trabalho de Fritz Simons, in memorian, com texto também muito sensível do seu filho, Udo Simons. A cidade e seus mitos e suas lendas, gente de carne e osso, como a travesti Consuelá, que é tema de filme de Alexandre Figuêiroa, entrevistado do Grabriela Agra.

Gente de osso e carne e esperança e afeto se apresentam no trabalho de Mariana Barros, em fotos feitas na África, as fotos mais humanas, de sensibilidade e urgência inadiáveis. É sobre a condição humana.

A mesma humanidade que aparece na objetiva/subjetiva de Renata Victor que, ao fotografar um aquário marinho, termina nos fazendo pensar não em peixes, somente, mas em comportamentos humanos. Demasiadamente humanos.

Esta Unicaphoto também se volta para a cidade. Ou as cidades. As visíveis, as invisíveis, as paralelas, como é o Recife de Leonardo Araújo e as cidades do interior de Douglas Fagner. Ou, ainda, da arquitetura feita de luz e sombra, da nossa cidade universitária, o campus da Unicap, por Júlia Brito. Ou em Paulo Pedrosa e sua a cidade alienígena/alienada, pontiaguda, inóspita, distópica, prateada. Mas, nem de prata nem de ouro, nos alerta o ensaio compacto e conciso da artista visual K. Ford sobre o mundo das aparências.

Na matéria de capa, o obra do fotógrafo contemporâneo Éric Rondepierre. Todo retrato é um retrato mortuário, uma fantasmagoria? Em um texto de Denis Laberge, com muitas conexões, literárias, teatrais, sobre poética da imagem, ou da desomposição, com questionamentos de uma fotografia cada vez mais arte híbrida.

Ainda, e especialmente, o grande diretor de fotografia, Pedro Sotero, conversa com Filipe Falcão sobre os mandos e desmandos do cinema, com ênfase para o roteiro e a luta corporal e mental num set de filmagem. Além da clássica seção “Aconteceu”, do curso de Fotografia, da Escola de Comunicação da Unicap. Esperamos que você goste.

editorial

COORDENAÇÃO-GERAL

Renata Victor EDITOR

Sidney Rocha

CONSELHO EDITORIAL

Filipe Falcão, Renata Victor e Sidney Rocha

ASSISTÊNCIA EDITORIAL

Quel Valentim

IMAGEM DA CAPA

W1910A (1993-1995), de Éric Rondepierre.

FOTO DA QUARTA CAPA

Frits Simons

QUEM É QUEM NESTA EDIÇÃO

Alcione Ferreira, Prêmio Alcir Lacerda, é fotógrafa

Alexandre Figuêiroa é jornalista e realizador

Amanda Remígio é jornalista

Douglas Fagner é fotógrafo

Filipe Falcão é doutor em Comunicação, pesquisador em audiovisual, professor da Unicap

Fred Jordão, Prêmio Alcir Lacerda, é fotógrafo

Fritz Simons, Prêmio Alcir Lacerda, foi fotógrafo

Gabriela Agra é aluna de jornalismo da Unicap

Ismael Holanda é fotógrafo

Júlia Brito é fotógrafa

K. Ford é artista visual e arte-educadora

Leonardo Araújo é fotógrafo e documentarista

Mariana Barros é jornalista e fotógrafa

Padre Antônio Vieira foi missionário e filósofo

Paulo Cunha é professor, escritor e jornalista

Paulo Pedrosa é estudante de fotografia da Unicap

Pedro Sotero é diretor de fotografia

Renata Victor é mestre em História e coordenadora do curso de Fotografia da Unicap

Udo Simons é jornalista

Walli Fontenele é jornalista, fotógrafo e videomaker

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Artigos e os seus comentários publicados não refletem necessariamente a opinião da revista.

Unicaphoto é uma publicação semestral do Curso Superior de Tecnologia em Fotografia da Universidade Católica de Pernambuco.

Esta sua 21a edição vem a público em 19 de agosto de 2023.

(ISSN 2357 8793)

a crise humana definitiva por Amanda Remígio amin stepple: um anarquista na periferia da américa do sul por Paulo Cunha por uma memória lgbtqua+ do recife no cinema entrevista com Alexandre Figuêiroa quando ninguém vê por Ismael Holanda nem tudo que reluz por K. Ford sermão aos peixes por Renata Victor pernambuco sobrexposto por Douglas Fagner 8 22 28 34 46 52 82 98 114 122 157 146 74 retratos fantasmas por Denis Laberge prêmio alcir lacerda por Walli Fontenele e Udo Simons cidade paralela por Leonardo Araújo urbanalien: subversão das cidades por Paulo Pedrosa
tributo a paul strand por Júlia Brito a santíssima trindade: escrever, filmar, montar entrevista
Pedro Sotero a força encontra a delicadeza por Mariana Barros aconteceu 130 140
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Éric Rondepierre. W189, da série “Précis de décomposition” (1993-1995)

fotojornalismo

a crise humana definitiva

Amanda Remígio

Este artigo é um excerto do projeto de conclusão de Amanda Remígio, orientanda do professor Filipe Falcão, no curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Em breve, o estudo estará disponível no repositório de Unicap.

Parte das fotos que compõem o estudo, você pode ver aqui. “Este projeto tem como propósito analisar como a dor do luto pode ser um processo muito particular, permitindo assim, que a mesma seja expressa nos mínimos detalhes da sensibilidade humana. O estudo sobre a essência deste fenômeno será desenvolvido através de um ensaio fotográfico jornalístico com cinco pessoas que já passaram pelo processo de luto”, explica a jornalista.

FOTOJORNALISMO

A vida é a história da nossa morte. Ter consciência de que tal fato é imutável é compreender o limite da própria existência, é se permitir ser fascinado pelo terror de um futuro certo a todos. Assim, sabendo da sensibilidade inerente ao processo da perda, se faz necessário observar como o fenômeno pode transcender as barreiras da dor e se transformar de maneira a retirar algo de bom. Músicas, filmes, livros, além de outras grandes obras dedicadas àqueles que já se foram, demonstram a capacidade humana de reinventar processos dolorosos. É o potencial da morte de aflorar reações alternativas. Existe beleza nessa mudança, na forma como lidamos com a perda com o passar dos anos? Isso pode ser capturado através do registro fotográfico?

O foco do trabalho fotojornalístico que aqui será desenvolvido diz respeito ao estímulo e registro do processo de ressignificação.

uma alegoria sobre a inevitabilidade da morte

[Um detalhe de pintura a óleo do século 18 representando a Dança da Morte. Imagens/Londres/ CC BY 4.0]

É importante compreender que o ensaio realizado não diz respeito ao impacto inicial da morte, não é sobre o momento em que esse tipo de notícia é recebida, e sim, sobre a convivência com a perda. A forma como lidamos com o fantasma do

luto sob nós. Este trabalho diz respeito à capacidade dicotômica do abstrato de ser nítido. Tal fenômeno — vale ressaltar — difere da romantização da perda, discorre sobre a relação direta do luto como uma expressão de amor, da falta e consequentemente, do desejo.

O núcleo central da pesquisa e do ensaio jornalístico foi apresentar esta análise através das imagens sem depender necessariamente do que é dito pelos personagens, mas sim, do que é expresso. Exatamente por isso, o produto escolhido para apresentar o tema foi a fotografia. A decisão de pôr em prática tal ideia, mais especificamente através do fotojornalismo, descende de sua capacidade de eternizar as reações do inconsciente humano como registro da sua existência. Entretanto, apesar de sua natureza de expressão realística, é necessário esclarecer que os ensaios aqui apresentados passaram pelo processo de produção. A parte idealizada deste projeto diz respeito a criação de um contexto provocativo, o que não quer dizer que estas mesmas reações sofreram intervenções, mantendo assim, o perfil fotojornalístico de captura do fato.

Danse Macabre,
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As fotos publicadas junto a este artigo são reproduções do ensaio O retrato da dor: um ensaio sobre como o luto impacta o ser, de Amanda Remígio

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O projeto foi pensado para posteriormente virar uma matéria especial em um portal de notícias ou em uma revista fotográfica. A ideia é dar espaço para que as imagens sejam expostas e falem por si, não sendo necessários textos longos ou outras formas de contextualização para compreender o tema. Assim, além do resumo das histórias de cada personagem, a interpretação de suas emoções fica por conta dos espectadores.

O presente trabalho é sobre não somente o olhar de quem tem sua dor retratada como também compreende o olhar do telespectador, o direcionamento que este recebe para compreender o que é exposto.

A FAMILIARIDADE

A morte, por sua natureza elegíaca de maneira geral é retratada na grande maioria dos casos através da dor. Exatamente pelo tema constantemente ser limitado, surge a necessidade de falar sobre suas variáveis principalmente a partir de um recorte fotojornalístico.

Temos assim, sua contextualização histórica e os impactos individuais que permitem que a perda tornese muitas vezes um canal de canalização do amor.

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Letícia [e Thomas,] ambos de 18 anos, perderam seu filho, Anthonny Miguel de Souza Silva, de 10 meses, no dia 28 de maio de 2022.
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É importante esclarecer que por se tratar de um tema naturalmente extenso e delicado, entretanto, inerente à história da humanidade, não é possível trazer neste relato um detalhamento específico de cada período, sendo assim, seguirei a abordagem a partir de uma análise de pontos específicos e saltos temporais. Independentemente de religião ou filosofia, sabemos que as interpretações atuais sobre a morte vem de uma herança das gerações anteriores. Através dos desenhos os nossos ancestrais do período paleolítico (5.000.000 - 8.000 A.C.), expressavam artisticamente as experiências do cotidiano da época. Nesses registros, temos o surgimento das primeiras manifestações religiosas e consequentemente o início de ritos relacionados com a morte. Na Idade Média (476 - 1.453), devido à insalubridade na saúde, alimentação e higiene, com pestes e epidemias frequentes, era comum lidar com a morte como um fenômeno corriqueiro. Como defende Ariès (2012, p. 49–50), a vida na idade das trevas não “valia o suficiente” para se permitir prolongar um fato concreto.

A familiaridade com a morte era uma forma de aceitação da ordem da natureza. Com a morte, o homem se sujeitava a uma das grandes leis daespécie e não cogitava evitá-la, nem exaltá-la. Simplesmente a aceitava, apenas com a solenidade necessária para marcar a importância das grandes etapas que cada vida devia sempre transpor. (ARIÈS, 2003, p. 46-47)

No que se concerne a interpretação da morte como conhecemos, ela surgiu ainda na antiguidade, mas

ganhou força a partir do século 18 com os filósofos iluministas. Tal concepção ainda foi aperfeiçoada pelos existencialistas que tratavam a partida como algo inconcebível. Até o momento, via-se a morte como um ciclo vicioso, mórbido e sem fim. Essa concepção perdurou e ainda no século 19, mantinha-se um perfil mais macabro do luto, dando espaço para um dualismo na sensibilidade coletiva desse fim.

Não é de se surpreender, portanto, que o homem, diante de tanto descontrole sobre a vida, tente se defender psiquicamente, de forma cada vez mais intensa contra a morte. “Diminuindo a cada dia sua capacidade de defesa física, atuam de várias maneiras suas defesas psicológicas. (KÜBLER-ROSS, 1997, p. 52)

Tal qual elucidado pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, o luto ainda é visto como uma perda. Mesmo com a naturalização do tema e o avanço da ciência em tornar o

A perda, o luto, suas fases. Esses elementos definem ou são definidos no modo como cada um vai lidar com sua dor. Como disse a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, em um perfil para a revista Life (1969), “quem melhor para oferecer instruções sobre ‘a crise humana definitiva’ do que aqueles que estão no meio dela?”

A psiquiatra, responsável por grandes estudos nessa área do luto, é parte das referências no estudo de Amanda Remígio, que Unicaphoto publica ineditamente parte da introdução.

Kübler-Ross ainda aifirma: “Quando eu quis saber como era ser esquizofrênico”, disse o Dr. Kübler-Ross à Time, no início do mesmo ano, “passei muito tempo com esquizofrênicos. Por que não fazer a mesma coisa? Sentaremos juntos com pacientes moribundos e pediremos que sejam nossos professores”.

[A psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross in 1983 Lyn Alweis—Post Archive/ Getty Images]

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fato mais compreensivo, ele segue mistificado. Tendo em vista que a dor é inerente a natureza humana, a cultura da submissão deste trauma para o ser contemporâneo agrava o medo do homem moderno diante da morte. Apesar do tabu presente pelo medo de tal efemeridade, faz parte da essência cultural do ser humano a necessidade de registrar suas vivências, até mesmo as mais difíceis. Antes da invenção da fotografia, por exemplo, era comum retratar a vida através das pinturas. É neste contexto que surge o gênero artístico francês, conhecido como Danse Macabre, ou, dança da morte. O movimento artístico popular do folclore europeu foi elaborado no final da Idade Média. A alegoria retratava a universalidade da morte. É desta maneira, com gênese na pintura, que a fotografia começa a abordar a temática da morte. Outro fator que contribuiu para a relação foi o fato de que no século XIX, os tempos de exposição da câmera eram longos, tornando difícil capturar imagens nítidas de pessoas vivas, já que qualquer movimento poderia tirar a nitidez do resultado. Dessa forma, fotografar corpos imóveis de pessoas já mortas era mais comum. Superfícies estáticas garantiam, portanto, melhores resultados na revelação e impressão fotográfica. Assim surge a fotografia pósmorte, ou fotografia post-mortem. Esta é a arte de fotografar os mortos, hábito comum na era Vitoriana, no final do século XIX. A captura de momentos, seja por uma despedida ou de forma factual objetiva, diz respeito essencialmente a registros passados a partir do clique de um botão. A morte é inerente a nós de tal forma que a fotografia está ligada à captura de

sentimentos e o fotojornalismo à exposição da vulnerabilidade do ser humano diante das circunstâncias da vida. Assim, o objetivo do presente trabalho é então romper esse conceito da natureza fotojornalística como exclusivamente crua e instantânea, permitindo a criação de um ensaio pré-produzido e sensível que dialogue em todas as suas camadas com a temática da morte e permaneça coerente à captura dos fatos.

Dando seguimento, foi realizado desta forma, o ensaio fotográfico jornalístico O retrato da dor: um ensaio sobre como o luto impacta o ser, com 40 imagens, todas em preto e branco. A temática da morte conversa com as distintas reações do luto capturadas nestes registros. A escolha dos locais nesta pré-produção também está de acordo com a essência do tema, desta maneira, foram selecionados espaços que de alguma forma representavam memórias as quais os vivos tinham com os parentes já falecidos. Elementos como objetos pessoais e fotos também foram utilizados para remeter a presença como uma homenagem aos que já se foram.

A INEGOCIÁVEL

Visando desmistificar a morbidez do tema e chamar atenção para a sensibilidade e profundidade presente na expressão da perda, o trabalho aqui desenvolvido será em formato fotográfico de uma visão jornalística. O propósito é capturar através das imagens a sensibilidade na forma com a qual os marcados pela perda manifestam sua dor. A perda, como já esclarecido aqui anteriormente, afeta diretamente o ser humano, mas, podemos afirmar que existe beleza colateral no luto? Neste trabalho é possível compreender que a beleza a qual

me refiro diz respeito à capacidade humana de redirecionar a dor, de forma a ressignificá-la. Em outras palavras, conviver com a perda. O processo de luto é, portanto, um redimensionamento das fantasias e defesas do psiquismo, em busca de um novo equilíbrio de forças (VIANA, E, 2013).

Como esclarecido pelo psicólogo Érico Bruno Viana, o luto é sobre a maneira como cada um vai se distrair da dor, sendo esta, o lembrete da ligação entre o vivo e o morto. Seguindo a lógica, se não houvesse amor não haveria, portanto, dano pela perda.

Entretanto, como aqui é defendido, o luto é uma expressão de amor.

“Pedir a Deus para não sofrer é como pedir para voar. Mas a gente pede assim mesmo e depois fica com raiva do pobre coitado. O sofrimento é certo como a morte e tão inegociável quanto” (MADEIRA, C, 2021, p. 109.)

Bem como expresso nas palavras da escritora Carla Madeira, o luto é uma obrigação. Não existe escolha, a morte é o instrumento determinante da efemeridade do homem.

Como consciência de nossa finitude, tomamos um desesperado ato de preservação da memória e do afeto. Os registros daqueles que já partiram ainda se fazem presentes em nossa cultura. A imagem como ferramenta de consolação, se opõe à ideia da fotografia como um instrumento de captura daquilo cujo é representável, neste caso, a função é capturar o que já não é mais visível, a despedida, a dor e a saudade.

Deixando em segundo plano a potencialidade abstrata da fotografia e voltando ao registro da realidade palpável, o fotojornalismo tem em sua natureza a característica de representar a vida humana de

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Cintia [Maria Reis Guimarães], de 53 anos, passou pelo processo de luto duas vezes em pouco mais de 1 ano. Sua mãe, Lidice Cortes Lustoza, de 74 anos, faleceu em 13 de novembro de 2021, vítima da Covid-19. Seu pai, Adelmo Reis Guimarães, 85 anos, morreu no dia 26 de dezembro de 2022, pelo rompimento de um aneurisma e uma parada respiratória e pulmonar.

Sandy [Kettlin Ramos Feitosa], de 19 anos, teve um processo de luto intenso. No dia 28 de maio de 2022 ela perdeu 12 parentes de uma só vez. Todos morreram soterrados na lama depois do deslizamento de uma barreira em Jardim Monteverde, na divisa entre os municípios de Recife e Jaboatão dos Guararapes. Apesar de ter saído viva, ela faz parte da história do maior desastre natural em números de mortos em Pernambuco

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“Mirtes Renata, 36 anos, era empregada doméstica. Ela trabalhava para a família de Sari Cortes Real, na época primeira dama da cidade de Tamandaré. Como de rotina, a patroa solicitou que Mirtes descesse com o cachorro da família para passear, entretanto, neste dia, Miguel, seu filho de apenas 5 anos, estava no trabalho da mãe. A doméstica deixou a criança, sob os cuidados de Sari, que fazia as unhas em casa. Ao pedir para ver a mãe, a primeira dama permitiu que a criança fosse sozinha ao elevador. De lá, ele parou no 9º andar, de onde caiu. Ao voltar do passeio, Mirtes encontrou seu filho no chão, o acompanhou imediatamente até o hospital, mas Miguel não resistiu. Em entrevista, a ex-empregada doméstica revelou que não identificou o crime de imediato, mas que com o passar do tempo foi ganhando consciência, e através disso, tirou forças para lutar por justiça. O racismo estrutural e o trauma sofrido por Mirtes permitiram que ela transformasse a dor em um meio de alcançar a justiça. Mirtes passou a cursar direito numa universidade particular do Recife, onde ganhou uma bolsa de estudos. Atualmente, ela também estagia na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Mirtes segue buscando a justiça com suas próprias mãos, lutando para que a morte de seu filho não seja em vão e que faça a diferença na luta contra o racismo. O luto de Mirtes Renata, foi traduzido em força.”

“O ensaio foi realizado na tarde do dia 7 de mai [....], com locação na praia de Boa Viagem, na zona sul do Recife. A decisão de realizar as fotos na orla foi em homenagem às tantas memórias que Mirtes e seu filho construíram juntos, já que ambos tinham o costume de ir lá com frequência. Para a composição das cenas, ela levou: fotos;uma bola de futebol; um chapéu de pirata; brinquedos e um carrinho que Miguel usava quando ia à praia. Na direção do posicionamento, dei orientações gerais sobre o uso dos brinquedos e das fotos em cena, mas não interferi diretamente e a deixei livre para se portar e se expressar de forma espontânea.”

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tal forma que invariavelmente também se depara com a morte. É interessante compreender como a fotografia, e claro o fotojornalismo, permitem então que um mesmo tema seja retratado através de múltiplas representações. Para entender a relação do luto com o registro de como as pessoas dentro dele se sentem, podemos explicar a exata funcionalidade deste trabalho. No ensaio, a temática da perda é a principal. A ideia é fazer uma homenagem a quem já se foi, mas isso é retratado não necessariamente com imagens do morto e sim através do personagem vivo, que serve de representação.

Através desse tipo de registro podemos compreender melhor não só o conceito dos cinco estágios do luto, como também gerar novas interpretações. A negação, a raiva, a barganha, a depressão, e a quinta e última etapa, a de aceitação, podem ser facilmente observadas nas pessoas que passam pelo luto, e consequentemente também podem ser registradas pela fotografia.

“Não que hoje Cintia Guimarães, viva em uma utopia e isenta do sofrimento desses lutos, mas simultaneamente vive o prazer de estar consigo pela primeira vez em seu céu particular. O luto de Cintia Guimarães é traduzido em liberdade.”

“O ensaio realizado na praia de Casa Caiada, em Olinda. A praia era um dos poucos locais onde Cintia tinha permissão de ir, e, portanto, mesmo quando acompanhada de sua família, ela se sentia mais livre lá.”

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amin stepple

Paulo Cunha 22
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Poderia ter vivido como um pequeno-burguês O jornalista, crítico, roteirista e diretor Amin Stepple Hiluey marcou profundamente o cinema experimental no Nordeste do Brasil — e sua trajetória chega a ser tão instigante quando a sua obra. Sua presença nos cinemas, bares e redações do Recife e Olinda, a partir dos anos 1970 será para sempre lembrada por quem conviveu com ele. Eu, particularmente, não o esquecerei jamais.

Conheço alguma coisa da trajetória dele: nascido pelas mãos de uma parteira, em casa, no dia 12 de novembro de 1950, em Campina Grande, Amin José Stepple Hiluey era filho do comerciante de miudezas José e da dona de casa Júlia. Foi uma criança tranquila e comportada ao lado de dois irmãos e duas irmãs. Era bom aluno no Colégio Estadual do Prata.

Poderia ter vivido como um pequeno-burguês interiorano se não tivesse se apaixonado cedo pelo cinema e se tornado um cinéfilo precoce: ainda adolescente, aderiu ao Cineclube Glauber Rocha, considerado o cineclube “de esquerda” (o rival Cineclube Campina Grande era criticado como sendo “de direita”,

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por defender a “arte pela arte”). Aqueles anos 1960 foram para os jovens cmpinenses um momento de transição entre o patriarcalismo conservador do interior nordestino e as novidades que chegavam do mundo.

Além da programação do Cineclube Glauber Rocha e seus debates acalorados, Amin produzia na Rádio Caturité, nas tardes de domingo, o programa Sétima Arte. Foi nesse período que Amin Stepple passou a ser conhecido como um crítico radical dos costumes do interior do Nordeste e dono de uma virulência verbal que o caracterizaria para sempre. Quem conviveu com Amin sabe de como ele podia ser exigente com os amigos, cobrando cada vacilo. Geneton Moraes Neto dizia que Amin era o sujeito que não deixou a nossa geração fazer besteiras. Em 1971, aos vinte anos, Amin Stepple se muda para o Recife.

Não foi uma adaptação fácil

Durante muitos meses, evitando pedir dinheiro à família, trabalhou como representante comercial de laboratórios farmacêuticos. Em 1973, decide fazer o concurso vestibular para o Curso de Jornalismo da Unicap. Quando as aulas começaram, ele encontra na sala de aula o grupo que finalmente o ajudaria a fazer que sempre desejou: filmes. Surge ali, nos corredores da Unicap, um bando que adotaria o Super-8 como forma de produzir filmes. Praticamente todo o grupo aparece no primeiro curta que Amin Stepple roteirizou e co-dirigiu em 1974 com Geneton Moraes Neto, chamado “Isso é que é”. Um anos depois, realiza seu primeiro curta individual, “Tempo Nublado”. Esses dois filmes iniciais já se posicionam claramente contra a ditadura militar implantada no Brasil em 1964 e radicalizada em 1968. Paralelamente, Amin Stepple também começa a criar filmes definidos por elementos de sua própria paixão pelo cinema. Dois curtas de 1976 exploram seu interesse em compreender a força do cinema comercial: “Robin Hollywood” e “P.S. Um Beijo”. No terceiro ano do curso, em 1976, Stepple decide interromper a graduação para estudar no Curso Livre de Cinema do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. No MAM, nessa época sob a curadoria de Cosme Alves Netto. Lá, acompanha centenas de sessões de filmes, e adota, além do Cinema Novo, influências do cinema experimental de Júlio Bressane e Rogério Sganzerla e das chanchadas da Atlântida.

As dificuldades de sobrevivência no Rio o fazem retornar a Pernambuco, se instalando em Olinda, ainda em 1977.

Amin Stepple cria a Negócio da China Pictures empresa fictícia que funciona como produtora. Surgem então “O lento, seguro, gradual e relativo striptease do Zé Fusquinha” (1978), “Creuzinha não é mais tua” (1979).

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“Isso é que é”. Desde os primeiros filmes, Amin se posicionou francamente contra a ditadura militar implantada no Brasil em 1964 e radicalizada em 1968. [Foto de Regi Galvão]

Talvez eu deva deixar isso bem claro: aquele era um cinema anarquista, barato, feito com ajuda de amigos, nos fins de semana ou nas férias. Não tinha nada a ver com esse cinema hype com orçamento de milhões praticado hoje em dia. Não tinha nada a ver na forma de produção, não tinha nada a ver esteticamente. Antes mesmo de concluir o Curso de Jornalismo, em 1980, Amin Stepple começa a trabalhar como repórter no Diario de Pernambuco. Também foi correspondente no Recife da revista Visão e um crítico feroz nas páginas do Correio de Pernambuco. Foi então que o jornalista e também cinéfilo Roberto Menezes, designado para gerenciar o Departamento de Jornalismo da TV Globo no Recife, aos poucos foi convocando vários superoitistas para fazer parte da sua equipe. Em 1982, Amin Stepple torna-se assimW editor de telejornais.

“A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema” Chegamos então ao projeto infelizmente inacabado de “A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema” (1980), definido por Amin como “comédia neo-muda romântica” e “dedicada às donas de casa”. Amin Stepple convoca Ivan Cordeiro para ser o fotógrafo, Regi Galvão como assistente de produção e Ana Farache para ser a atriz. Reservou o teatro a céu aberto do Centro Luís Freire, em Olinda, e começou as filmagens. Para isso, pediu emprestado a Ana Farache a penteadeira, um liquidificador, pratos e panos. Conseguiu uma tela de projeção e cadeiras — ele arrumou tudo como um ambiente esquizofrênico: ao mesmo tempo sala de cinema e casa de família. As filmagens mostram a atriz lavando e enxugando pratos ou se penteando diante do espelho. Amin Stepple queria articular essas duas personas do universo feminino: as estrelas de cinema e as donas de casa. Ele nos dizia que havia muito mais em comum entre elas do que diferenças. Queria também fazer essa aproximação através de uma ideia popular do cinema, povoada de figuras como Zé do Caixão, Zezé Macedo e Cantinflas — além das músicas de Waldick Soriano e Jackson do Pandeiro. Para Amin Stepple, tudo isso se amalgamou em Campina Grande, nas sessões do Cine Capitólio, antes mesmo do cineclubismo e da cinefilia.

Por isso a ideia da Estação da Serra da Borborema, onde paravam os trens que chegaram a Campina Grade. O belo título reenvia aos Irmãos Lumière, com o trem primordial que chegava à Gare de la Ciotat, espantando os espectadores. Mas, como Amin nos escreveu em várias cartas da época, “problemas técnicos, problemas financeiros, outros problemas” dificultaram a finalização do seu último super-8.

Bem mais que um amigo

Em 2022, com o apoio da Iniciativa de Digitalização de Filmes Brasileiros, do projeto Cinelimite, coordenado por William Plotnick e Glenis Cardoso, foi possível digitalizar em 2K todos os super-8 realizados por Amin Stepple. No meio dos rolos guardados por Anarruth Correia e Diogo Stepple, viúva e filho de Amin, a surpresa foi encontrar as filmagens nunca montadas de “A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema”. Essas cenas também foram digitalizadas. Muito envolvido nesse processo de digitalização e restauração, certa noite do verão de 2022, tive um sonho incrível, extremamente realista, no qual Amin Stepple me contava como seria o filme quando terminado. Ele me tratava como sempre me chamou, de Paulinho. Listou cena a cena, cada fala, cada música. Acordei pensando na frase de Kafka: “Quando Gregor Samsa, certa manhã, despertou de sonhos intranquilos…” Ainda perturbado, liguei para Ivan Cordeiro, em Los Angeles, e decidimos, naquela emoção, “concluir” o filme. Mais tarde, resolvemos dizer que o filme inacabado de Amin Stepple foi “transcriado” por nós. Há uma diferença, é claro. Nosso companheiro Amin Stepple Hiluey foi diagnosticado com câncer de próstata em 2016. Apesar das tentativas de tratamento, faleceu no dia 25 de dezembro de 2019, aos 69 anos de idade. Eu e Ivan Cordeiro consideramos Amin bem mais do que um amigo. Era um mestre para nós.

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FILMOGRAFIA DE AMIN STEPPLE HILUEY

Em Super-8

“Isso é que é” (1974)

“Tempo Nublado” (1975)

“Robin Hollywood” (1976)

“P.S. Um Beijo” (1976)

“O lento, seguro, gradual e relativo striptease do Zé Fusquinha” (1978)

“Creuzinha não é mais tua” (1979)

“A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema” (1980)

Em vídeo (Arquivo Rede Globo Nordeste)

“Paulo Bruscky - Bruxo e Inventor (1983)

“O Incrível Rucker Vieira”(1984)

“Edy Clínio, o Conde do Rock”(1984)

“Carnaval no Mangue - Siri na Lata 87”(1987, em parceria com Ana Farache)

Em 16 milímetros

“Ciclo — História de amor em 16 quadros por segundo” (1999, com Fernando Spencer)

“That’s a Lero-Lero” (1996, com Lírio Ferreira)

Série de interprogramas curtos em vídeo (Arquivo Rede Globo Nordeste)

“Cinema Pernambucano —70 anos” (1983)

Como ator

“Funeral para a Década das Brancas Nuvens” (1979, de Geneton Moraes Neto)

“Arabescos Camelóides” (1982, de Regis Galvão)

Como narrador

“Fabulário Tropical (1979, de Geneton Moraes Neto)

Como roteirista

“Árido Movie” (2005, de Lírio Ferreira)

“País do Desejo” (2011, de Paulo Caldas)

“Rossellini amou a pensão de Dona Bombom” (2011, nunca realizado)

Poética & política. personas: da mulher”do lar” à pop star, nada escapava à crítica de Stepple. A atriz Ana Farache, em frames de uma das sequências encontradas do “Trem...”, identificadas como “penteadeira”.

amin steplle: o resgate

O resgate da obra de Amin Stepple Hilluey só foi possível com o apoio de Anarruth Correia e de Diogo Stepple Correia, viúva e filho do cineasta, detentores dos direitos autorais. O primeiro passo se concentro nos filmes realizados em Super-8, entre 1974 e 1980, a parte mais vulnerável e inacessível da obra de Amin Stepple. “Isso é que é, de 1974, já havia sido digitalizado em 4K, no laboratório da Pro-8, em Los Angeles, sob a supervisão de Phil Vigeant e de Ivan Cordeiro, durante o processo de digitalização e restauração da obra de Geneton Moraes Neto. Os outros seis filmes — “Tempo Nublado” (1975), “Robin Hollywood” (1976), “P.S. Um Beijo” (1976), “O lento, seguro, gradual e relativo striptease do Zé Fusquinha” (1978), “Creuzinha não é mais tua” (1979) e “A Chegada do Trem Fantasma à Estação da Serra da Borborema” (1980) — foram incorporados à Iniciativa de Digitalização de Filmes Brasileiros, de Cinel;imite, sob a coordenação de William Plotnick e Glenis Cardoso. O escaneamento em 2K foi realizado em duas etapas, no Recife e em São Paulo.

Curadoria e pesquisa: Paulo C. Cunha Filho

Licença autoral:

Anarruth Correia e Diogo Correia

Stepple Hiluey

Suporte: Ivan Cordeiro e Ana Farache

Iniciativa de Digitalização de Filmes

Brasileiros

Coordenação

Geral: William Plotnick e Glenis Cardoso, Cinelimite

Restauração sonora: Marcelo Arruda - DJ Mostarda

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por uma memória lgbtqia+ do recife no cinema

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Gabriela Agra entrevista Alexandre Figuêiroa
entrevista

O cineasta e pesquisador de audiovisual Alexandre Figuêiroa fala para Unicaphoto, numa entrevista de Gabriela Agra, sobre seu mais novo trabalho Consuella, curta-metragem que revisita a trajetória da travesti mais popular da capital pernambucana.

Em uma época na qual as travestis só podiam sair na rua depois das seis da noite, Consuelo desfilava no Baile Municipal, participava de concursos de fantasia e virava centro das atenções nas colunas sociais de todos os jornais do estado.

Com muita ousadia e irreverência, ela desafiou as normas do seu tempo e, claro, incomodou muita gente, tornando-se a travesti mais famosa do Recife nas décadas de 1980 e 1990.

É essa a trajetória revisitada em Consuella, o mais recente curta de Alexandre Figueirôa, cujo trabalho nos últimos anos tem se dedicado a investigar personagens emblemáticos da cena lgbtqia+ do Recife do passado. A partir de depoimentos e imagens de arquivo, o novo filme do diretor reconstrói a história de uma figura que, acima de tudo, se tornou inspiração para toda uma nova geração de travestis e mulheres trans. Mas foi com Eternamente Elza (2003), um documentário despretensioso sobre o cotidiano da transformista recifense dedicada a interpretar as grandes divas brasileiras do rádio, que o diretor percebeu a urgência de construir uma memória LGBQIA+ recifense. Desde então ele não parou mais e lançou Kibe Lanches (2017), Piu Piu (2019), Recife, Marrocos (2022) e agora Consuella (2023). Todos revisitando personagens e lugares emblemáticos da cena queer do passado.

“Todos esses filmes resgatam a memória e atualizam esses personagens ao trazê-los para o presente”, ele explicou em conversa à Unicaphoto, na qual detalhou ainda as dificuldades para reviver essas histórias, a importância de resgatar esses personagens e apresentá-los às gerações de agora, além de algumas das referências que permeiam o seu trabalho enquanto realizador audiovisual. Confira a entrevista completa:

Unicaphoto – Em Consuella, você dá continuidade a um sólido trabalho de resgate de personagens e vivências LGBTQIA+ no Recife do século passado. Na sua opinião, de que forma o audiovisual contribui para a (re)construção dessa memória coletiva? Alexandre Figuêiroa – A ideia de fazer o resgate dessas personagens LGBTQIA+ surgiu meio que por acaso quando eu fiz o meu primeiro documentário sobre uma dessas figuras, que foi o Eternamente Elza, em 2003. Mas esse foi um filme feito para Elza e sem grandes pretensões em torno do audiovisual. Já essa ideia de documentar essas figuras surgiu em 2013, quando eu fiz a reedição do Eternamente Elza com Chico Lacerda. Foi quando eu pensei em botar o filme no YouTube, porque ele tinha ficado nesse circuito bem alternativo mesmo, sem circular em lugar nenhum. Falei com Chico, ele sugeriu fazer uma nova edição e então o filme teve exibições no Festival Mix Brasil, no For Rainbow e no Recifest que homenageou Elza. Foi quando eu percebi a importância desse tipo de documento de registro.

Só que Elza é diferente, porque ela estava viva, fez show, cantou, deu entrevista e tudo mais, então é um documento presente, digamos assim. Já quando foi o Kibe Lanches, do Barão, embora na época ele estivesse vivo, não havia registro. Foi aí que acentuou ainda mais, para mim, a necessidade de ter esse registro, porque o Kibe Lanches e as noitadas do Barão mexeram com a vida LGBTQIA+ do Recife no final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Fez muito sucesso e era um point da noite marginal e alternativa, mas não tem foto, nem vídeo, nada. Tem um filme de Jomard Muniz de Britto, do qual eu pego um trecho, e só. Foi aí que eu percebi essa carência, o que é normal nesse mundo marginal, sobretudo em uma época que não tinha a facilidade que hoje existe com os celulares e as câmeras fotográficas. Então, todos esses filmes resgatam a memória e atualizam esses personagens ao trazê-los para o presente. Isso é curioso porque as pessoas, que de alguma forma viveram a época, começam a recordar um tempo que elas gostavam e se identificavam, mas também serve para mostrar às novas gerações que esses personagens foram a vanguarda antes de existir todos esses movimentos de libertação e LGBTQIA+ que vemos hoje em dia.

Unicaphoto – Em Piu Piu, um dos seus últimos curtas, você se vale de uma linguagem mais poética de reprodução da realidade para contar a história de um dos mais antigos transformistas do Recife. Já neste novo filme, a narrativa documental

Consuelá em baile de carnaval, no Recife, em 1981.
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[Foto: blog Fernando Machado]

convencional é o que predomina. Você poderia comentar o porquê dessas escolhas?

AF –Trabalhar com memória é sempre um desafio, porque você tem que resgatar histórias que muitas vezes estão esquecidas. Quando o personagem está vivo, como é o caso do Kibe Lanches e Eternamente Elza, é mais fácil porque mesmo que você não tenha imagens, você tem o depoimento das pessoas. Em Kibe Lanches, por exemplo, nós tentamos fazer uma encenação de como eram as apresentações que lá aconteciam, mas usamos pouquíssimas coisas, porque não dava para reproduzir o clima e a irreverência da época.

No caso de Piu Piu, isso foi mais grave, porque apenas a partir de uma entrevista dada por ele para Lêda Rivas no Diário de Pernambuco, foi possível reconstruir a trajetória dele. Em termos de imagem, havia grandes lacunas, porque não existia detalhes dessa época, então o que conseguimos foram algumas fotos de jornais com a impressão péssima. Mas era muito pouco. Tudo o que tínhamos era a lembrança dele contando nessa entrevista pra Leda, então nós optamos por uma reconstituição da época, mas de uma forma mais poética. Então, o personagem é quase um fantasma, digamos assim, uma espécie de espectro que caminha no Recife contemporâneo e vaga por lugares que o personagem estaria circulando nos dias de hoje como aquele trecho da Manoel Borba [perto da rua das Ninfas] e o Centro do Recife. Portanto, a opção por essa reconstituição poética era o que dava pra fazer. Usamos imagens de arquivo que não têm nada a ver com o personagem Piu Piu, mas que remetem e criam uma realidade ficcionalizada ou uma ficção realista do que foi esse personagem que viveu nos anos 1950 e 1960 no Recife.

Já Consuella, há o diferencial das muitas imagens fotográficas e memória das pessoas porque é mais recente. Mesmo já falecida, ela é uma personagem que eu conheci. Então, assim, é uma personagem muito rica em termos de informação. Na verdade, diante da quantidade de coisas, nós poderíamos até fazer um longa-metragem, mas para isso teria que investigar mais a fundo a vida pessoal e familiar dela. Então, nós preferimos abordar o personagem público da Consuella, que foi a grande estrela, a grande vedete, a grande travesti do Recife dos anos 1980 e 1990, que ficou na memória de muitas pessoas e que tem uma representatividade muito forte. Mas, mesmo assim houveram lacunas como é o caso, por exemplo, do tempo que ela viveu em Paris, porque sabemos o que as pessoas falam, mas não há imagens. Nesse caso, eu tive que apelar para recursos da imaginação com

fragmentos que eu mesmo filmei lá na França para reconstituir essa vida dela na França. Já aqui [no Recife], são muitos os depoimentos e fotos. E essas fotografias são um elemento muito importante nessa reconstrução. Por isso, a opção por uma estrutura mais clássica com uma cronologia da vida dela. Eu tinha acesso a mais documentos e imagens. Tem até um trecho de um filme feito por Jomard Muniz de Britto, Au Revoir, Madame Bayeux, no qual Consuella aparece e é a única imagem que existe dela em movimento.

Unicaphoto – Como a formação em jornalismo costuma guiar seu olhar sobre essas histórias? Como isso influencia seu processo produtivo?

AF –O fato de ser jornalista influencia no sentido de que eu gosto de contar histórias e gosto de ler biografias, sobretudo de personagens à margem. Personagens muito importantes como reis e rainhas não fazem muito minha cabeça, mas eu gosto de histórias de escritores, de artistas, de pintores, de cineastas, e sempre presto muita atenção em biografias bem escritas, nas quais há uma pesquisa aprofundada. Eu acho fascinante isso de reconstruir a vida de alguém através de documentos e depoimentos. Então, de alguma forma, os filmes que eu realizo acabam tendo essa pegada, porque eu vou nos jornais e pesquiso. Em Consuella, folheamos jornais e pegamos matérias sobre o impacto que ela causava quando chegava aqui [em Recife], sobre a reação dos jornais e da cidade ao fato de uma travesti ganhar um concurso de fantasia

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Grupo de Teatro Vivencial, marco da irreverência e da contracultura na cena pernambucana dos anos 1970 e 1980. [Foto: Gilberto Marcelino/Divulgação] Na página ao lado, Alexandre Figuêiroa, em foto originalmente publicada em OGrito!, de 9/12/2019.

no Baile Municipal do Recife. Então, são essas situações que eu resgato através dos depoimentos, mas sobretudo através da leitura dos jornais da época porque ela era bem querida pelos colunistas sociais. Então, foi através da pesquisa dos jornais que certas escolhas do filme foram realizadas. Os cortes e toda a edição foram feitos em função dessas informações que estavam presentes no nos jornais. Enfim, acredito que, o fato de eu fazer documentário é uma relação direta com a minha atividade jornalística e o Consuella talvez seja o mais jornalístico dos meus trabalhos. É um documentário jornalístico, diferente do Piu Piu, do Kibe Lanches e até do Eternamente Elza, que são mais lúdicos e mais poéticos.

Unicaphoto – Como cineasta e pesquisador do audiovisual, quais são as referências que você traz para sua produção?

AF –Por eu ser pesquisador de cinema e de audiovisual, evidentemente, já assisti muitos filmes, muitos documentários e muita ficção, assim como já li muito sobre cinema, sobre diretores e tudo. Mas, para ser sincero, eu nunca pensei muito nessa bagagem na hora de fazer os filmes. Talvez venha naturalmente por conta da intertextualidade, ou seja, eu vi tanto filme, eu vi tanto documentário, que isso, de alguma forma, já está dentro de mim. Então, quando eu vou produzir e pensar um documentário, isso já surge naturalmente desse conjunto de informações que eu adquiri no decorrer do tempo. Mas, como os filmes são focados nas pessoas e no que elas contam da vida delas, talvez lembre um pouco o Cinema Direto e o Cinema Verdade. Eu diria que isso é mais presente no Eternamente Elza, mas menos em Kibe Lanches e no Piu-Piu, por conta justamente da necessidade de fazer uma coisa mais poética pelas lacunas de informação, de documentos e de imagens. Então pela falta de recursos para reencenação, nós acabamos pegando muito fragmento de filmes e aí tem uma coisa de bricolagem, que lembra um pouco o Super-8 de Jomard Muniz de Britto, que era um cinema mais aberto, mais livre.

Unicaphoto – Aliás, um elemento recorrente nos seus trabalhos é a incorporação de registros fotográficos e imagens de arquivo dos personagens e

Consuelá no Baile dos Artistas, Recife, 2012.

lugares retratados. Você acredita que o diálogo entre o cinema e a fotografia é uma importante dimensão contra o apagamento dessas histórias?

AF –Sem as fotos, esses filmes não existiriam. Em Consuella, especialmente, que é um documentário mais jornalístico, mais clássico, porque tiveram muitas fotos e imagens. No caso dos outros, não; não têm muita foto porque não havia muitas imagens de arquivo. Então, por exemplo, no Kibe Lanche, as fotos mostradas são aleatórias: das travestis do grupo de teatro Vivencial, de gays nos anos 1980, de revistas pornô, de gravuras que remetem ao mundo árabe. Enfim, foi muito diversificado. Já Consuella não, porque está documentado com fotos de quando ela apareceu nas revistas durante os desfiles de carnavais, tem fotos de arquivo pessoal, cedidas por algumas das personagens que aparecem no filme. São fotos que estavam nas gavetas e armários das pessoas e agora não mais, porque vão ser vistas por um número grande de pessoas e vão permanecer de outra maneira, ressignificadas na medida em que estão no filme. No caso de Piu Piu, não tínhamos foto, mas imaginamos tudo a partir do que ele conta na entrevista. Então, o material utilizado, embora não seja de fotos de Elpídio Lima, que é o personagem Piu Piu, remete ao universo dele e dos lugares por onde ele circulava. Então, por exemplo, temos muitas fotos dos cartazes do Teatro Marrocos, local onde ele trabalhou. E essas fotos são documentos importantes, sobretudo, porque o Teatro Marrocos é um teatro que não tem muito sua história contada. Então, é importante resgatar essas imagens, seja em jornais,

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(Foto: Zilton Antunes)

Teatro Marrocos.

Ilustração publicada originalmente no GGNJornal de todos os Brasis, acompanhando excelente artigo “Marrocos, o teatro de striptease no Recife “ de Uraniano Mota.

seja em revistas ou nos arquivos pessoais, porque, mesmo quando não estão presentes no filme, inspiram o realizador e reencenam o clima da época.

Unicaphoto – Para você, o que representa colocar no mundo hoje um filme sobre uma figura como Consuelo, a travesti mais famosa do Recife, no país que mais mata pessoas trans e travestis e no estado que, tragicamente, permanece o mais perigoso para a comunidade?

AF –Apesar dos avanços em termos de políticas públicas, de organizações e de uma parcela dos meios de comunicação, nós sabemos que ainda há muita homofobia e muita violência. Um paradoxo, porque no momento que temos avanços, ao mesmo tempo temos essa violência absurda. Então, qualquer obra que trate desse tema com respeito, tem relevância por mais simples que seja. Eu vejo muito nos festivais LGBTQIA+ ou mesmo em outros festivais, que são muitos os temas abordados e ao mesmo tempo são muitas as questões que ainda que não foram devidamente mapeadas e equacionadas. Então, qualquer obra audiovisual, por mais simples que seja, é importante que seja mostrada e que circule para além dessa bolha do circuito LGBTQIA+, ocupando também outros espaços.

Um filme como Consuella mostra a relevância de personagens como ela, que desafiaram as normas e as regras, embora haja um certo glamour. Consuella fez parte, digamos assim, daquele universo das travestis como Jane Di Castro e Rogéria, que foram para Europa e voltavam bem glamourizadas, quase cópias de grandes atrizes de cinema. Então, há uma exibição de um certo luxo. Mas, mesmo assim, elas foram muito importantes, porque as travestis, as mulheres trans e os gays eram perseguidos e elas sempre foram muito mais discriminadas, sempre sofreram muito. E, de alguma forma, Consuella não tinha essa pretensão política, mas a sua existência já era política, no sentido de desafiar as normas, de se impor na sociedade, de não levar desaforo pra casa, porque não era fácil sair na rua de dia, em uma época em que travesti só saía depois das seis da noite. Tudo isso inspirou as outras e contribuiu para as mudanças que a gente vê posteriormente. Então retratar isso é importante paras novas gerações de travestis e mulheres trans, que estão lutando e brigando por um espaço. E acredito que é uma forma de estimulá-las a fazer os filmes e não eu. Para elas serem protagonistas das suas próprias obras, não serem simplesmente personagens.

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34 comportamento

quando ninguém vê

Ismael Holanda
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o duelo do eu real

Os bastidores da vida, desejos, sonhos frustrados na infância, fetiches e ações censurados pelo machismo, escondidos entre quatro paredes.“Quando Ninguém Vê” traduz, em imagens, sentimentos oprimidos, que explodem em um duelo entre o eu real e as máscaras sociais. No momento em que o homem busca a sua reconstrução, as contradições de um meio, que insiste em privá-lo dos próprios sentimentos, ainda o mantém refém de uma couraça de proteção, tonando ainda mais forte a dor do “não poder”. Será que ainda é preciso gritar dentro do próprio casulo, onde o conforto da invisibilidade parece ser a única saída? O ensaio é uma crítica ao machismo ainda vigente na sociedade brasileira. É um pedido de socorro, uma tentativa de usar a arte como canal para a libertação de um masculino ferido, que teve seus sentimentos sequestrados por uma sociedade moralista. Afinal, tudo explode “ quando ninguém vê”. [I.H]

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nem tudo que reluz

Há no deserto do Atacama na periferia do município de Alto do Hospício, localizado no Norte do Chile uma gigantesca pilha de roupas descartadas que cresce vorazmente a cada ano. O conteúdo da pilha vem do comércio de roupas usadas na área situada no porto de Iquique. As que não são vendidas vão parar no deserto. A pilha, cujas roupas têm como origem de envio a Europa, a Ásia e as Américas, contém itens cobiçados de marcas famosas.

A pilha colossal de roupas é comparada a Grande Ilha de Lixo do Pacífico, um depósito de resíduos plásticos que flutua entre a Califórnia e o Havaí. Enquanto o deserto do Atacama acolhe um mar de roupas, o oceano pacífico recebe em suas águas uma ilha de plástico. Essas duas toscas versões das sete maravilhas do mundo têm em comum um lamentável predicado: são o resultado do consumo excessivo e da procura obsessiva pelo próximo item inestimável. Aqueles produtos cobiçados por envergarem o logotipo da moda ou seguirem o hype da última tendência terão o mesmo destino: o lixo.

É onde se debruça este ensaio fotográfico: uma reflexão sobre a voracidade em que se busca o mais recente artigo reluzente nas prateleiras ou nos aplicativos. NTQRO são as letras iniciais do ditado popular Nem Tudo Que Reluz é Ouro

Nas fotos, itens encontrados no lixo foram pintados de dourado recebendo assim uma maquilagem reluzente que ao mesmo tempo questiona e ironiza sobre o hábito humano de descartar à esmo e com total ausência de reflexão ambiental ou comportamental objetos que uma vez foram cobiçados, usados com vaidade ou exibidos com inflado orgulho.

Tijolos quebrados, latas amassadas e panelas enferrujadas encontrados em terrenos baldios, abandonados ao relento, ou em sacos de lixos precariamente descartados são os protagonistas deste ensaio. O ensaio é constituído de 6 fotos coloridas.

K. Ford
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ensaio
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sermão aos peixes

Renata Victor & Padre Antônio Vieira
52 ensaio & crítica
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A fotógrafa e educadora Renata Victor visitou o Aquário Marinho do Rio de Janeiro, ou AquaRio, e trouxe este excelente ensaio para a Unicaphoto. O AquaRio é o maior aquário marinho da América do Sul e abriga mais de 2 mil animais, de 350 espécies diferentes. Um bom lugar para um discurso sobre a biodiversidade. Se há um lugar para falar dos peixes (ou aos os peixes), esse é o lugar. O Sermão de santo Antônio aos peixes, do Padre Antônio Vieira (1608-1997) nos mostra como o olhar crítico desse filósofo e missionário alcança a atualidade de forma ainda impactante. Pregado em São Luís, MA, há quase 370 anos, (13 de junho de 1654), o sermão é um documento importante e constitui um marco sobre as injustiças e as desigualdades da sociedade daquele período. Fala da ganância dos brancos em relação aos indígenas. Aborda temas transversais do mundo atual, sobretudo em relação à educação e o desinteresse das pessoas pelo simples ato de pensar. É um texto-denúncia.

Numa formidável alegoria, o padre Antônio Vieira, através da lenda na qual Santo Antônio prefere pregar aos peixes que aos homens, o texto é uma obra-prima em imaginação e linguagem. Assim, a rêmora, o torpedo e o quatro-olhos, o roncador, o pegador, o voador, e até o polvo, entre outras espécies, (nesse “aquário” do padre) servem ao escritor para estabelecer metáforas poderosas sobre os vícios humanos como o orgulho, a soberba, a ambição e, como disse a fotógrafa Renata Victor, “um momento para pensarmos nos discursos, na retórica, no meio ambiente. E isto inclui o homem’. Aqui, em excerto, o capítulo V do famoso Sermão.

Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós. E começando aqui pela nossa costa: no mesmo dia em que cheguei a ela, ouvindo os roncadores e vendo o seu tamanho, tanto me moveram o riso como a ira. É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?! Se, com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar um aleijado, porque haveis de roncar tanto? Mas por isso mesmo roncais. Dizei-me: o espadarte porque não ronca? Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem pouca língua. Isto não é regra geral; mas é regra geral que Deus não quer roncadores e que tem particular cuidado de abater e humilhar aos que muito roncam. S. Pedro, a quem muito bem conheceram vossos antepassados, tinha tão boa espada, que ele só avançou contra um exército inteiro de soldados romanos; e se Cristo lha não mandara meter na bainha, eu vos prometo que havia de cortar mais orelhas que a de Malco. Contudo, que lhe sucedeu naquela mesma noite? Tinha roncado e barbateado Pedro que, se todos fraqueassem, só ele havia de ser constante até morrer se fosse necessário; e foi tanto pelo contrário, que só ele fraqueou mais que todos, e bastou a voz de uma mulherzinha para o fazer tremer e negar. Antes disso já tinha fraqueado na mesma hora em que prometeu tanto de si. Disse-lhe Cristo no horto que vigiasse, e vindo de aí a pouco a ver se o fazia, achou-o dormindo com tal descuido, que não só o acordou do sono, senão também do que tinha blasonado: Sic non potuisti una hora vigilare

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Octopus vulgaris, 1904 Ernst Haeckel (1834-1919)

mecum? Vós, Pedro, sois o valente que havíeis de morrer por mim, «e não pudestes uma hora vigiar comigo»? Pouco há, tanto roncar, e agora tanto dormir? Mas assim sucedeu. O muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela. Pois que vos parece, irmãos roncadores? Se isto sucedeu ao maior pescador, que pode acontecer ao menor peixe? Medivos, e logo vereis quão pouco fundamento tendes de blasonar, nem roncar. Se as baleias roncaram, tinha mais desculpa a sua arrogância na sua grandeza. Mas ainda nas mesmas baleias não seria essa arrogância segura. O que é a baleia entre os peixes, era o gigante Golias entre os homens. Se o rio Jordão e o mar de Tiberíades têm comunicação com o Oceano, como devem ter, pois dele manam todos, bem deveis de saber que este gigante era a

ronca dos Filisteus. Quarenta dias contínuos esteve armado no campo, desafiando a todos os arraiais de Israel, sem haver quem se lhe atrevesse; e no cabo, que fim teve toda aquela arrogância? Bastou um pastorzinho com um cajado e uma funda, para dar com ele em terra. Os arrogantes e soberbos tomam-se com Deus; e quem se toma com Deus, sempre fica debaixo. Assim que, amigos roncadores, o verdadeiro conselho é calar e imitar a Santo António. Duas cousas há nos homens, que os costumam fazer roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder. Caifás roncava de saber: Vos nescitis quidquam. Pilatos roncava de poder: Nescis quia potestatem habeo? E ambos contra Cristo. Mas o fiel servo de Cristo, António, tendo tanto saber, como já vos disse, e tanto poder, como vós mesmos experimentastes, ninguém houve jamais que o

ouvisse falar em saber ou poder, quanto mais blasonar disso. E porque tanto calou, por isso deu tamanho brado.

Nesta viagem, de que fiz menção, e em todas as que passei a Linha Equinocial, vi debaixo dela o que muitas vezes tinha visto e notado nos homens, e me admirou que se houvesse estendido esta ronha e pegado também aos peixes. Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade, porque sendo pequenos, não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados. que jamais os desferram. De alguns animais de menos força e indústria se conta que vão seguindo de longe aos leões na caça, para se sustentarem do que a eles sobeja. O mesmo fazem estes pegadores, tão seguros ao perto como aqueles ao longe; porque o peixe grande não pode

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dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, e assim lhes sustenta o peso e mais a fome.

Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou e pegou de um elemento a outro, sem dúvida que o aprenderam os peixes do alto, depois que os nossos portugueses o navegaram; porque não parte vice-rei ou governador para as Conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam a eles, para que cá lhes matem a fome, de que lá não tinham remédio. Os menos ignorantes, desenganados da experiência, despegam-se e buscam a vida por outra via; mas

os que se deixam estar pegados à mercê e fortuna dos maiores, vemlhes a suceder no fim o que aos pegadores do mar.

Rodeia a nau o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores às costas, tão cerzidos com a pele, que mais parecem remendos ou manchas naturais, que os hóspedes ou companheiros. Lançam-lhe um anzol de cadeia com a ração de quatro soldados, arremessa-se furiosamente à presa, engole tudo de um bocado, e fica preso. Corre meia companha a alá-lo acima, bate fortemente o convés com os últimos arrancos; enfim, morre o tubarão, e morrem com ele os pegadores. Parece-me que estou ouvindo a S. Mateus, sem ser apóstolo pescador, descrevendo isto mesmo na terra. Morto Herodes, diz o Evangelista, apareceu o Anjo a José no Egito, e disse-lhe que já se podia tornar para a pátria, porque «eram mortos todos aqueles que queriam tirar a vida ao Menino»: Defuncti sunt enim qui quaerebant animam Pueri

Os que queriam tirar a vida a Cristo menino, eram Herodes e todos os seus, toda a sua família, todos os seus aderentes, todos os que seguiam e pendiam da sua fortuna. Pois é possível que todos estes morressem juntamente com Herodes?! Sim: porque em morrendo o tubarão, morrem também com ele os pegadores: Defuncto Herode, defuncti sunt qui quaerebant animam Pueri

Eis aqui, peixinhos ignorantes e miseráveis, quão errado e enganoso é este modo de vida que escolhestes. Tomai o exemplo nos homens, pois eles o não tomam em vós, nem seguem, como deveram, o de Santo António.

Deus também tem os seus pegadores. Um destes era David, que dizia: Mihi autem adhaerere

Deo bonum est. Peguem-se outros aos grandes da terra, que «eu só me quero pegar a Deus». Assim o fez também Santo António; e senão, olhai para o mesmo Santo, e vede como está pegado com Cristo e Cristo com ele. Verdadeiramente se pode duvidar qual dos dois é ali o pegador: e parece que é Cristo, porque o menor é sempre o que se pega ao maior, e o Senhor fez-se tão pequenino, para se pegar a António. Mas António também se fez menor, para se pegar mais a Deus. Daqui se segue, que todos os que se pegam a Deus, que é imortal, seguros estão de morrer como os outros pegadores. E tão seguros, que ainda no caso em que Deus se fez homem e morreu, só morreu para que não morressem todos os que se pegassem a ele: Si ego me quaeritis, sinite hos abire. «Se me buscais a mim, deixai ir a estes.» E posto que deste modo só se podem pegar os homens, e vós, meus peixezinhos, não, ao menos devereis imitar aos outros animais do ar e da terra, que quando se chegam aos grandes e se amparam do seu poder, não se pegam de tal sorte que morram juntamente com eles. Lá diz a Escritura daquela famosa árvore, em que era significado o grande Nabucodonosor, que todas as aves do céu descansavam sobre os seus ramos e todos os animais da terra se recolhiam à sua sombra, e uns e outros se sustentavam de seus frutos: mas também diz que, tanto que foi cortada esta árvore, as aves voaram e os outros animais fugiram. Chegai-vos embora aos grandes; mas não de tal maneira pegados, que vos mateis por eles, nem morrais com eles. Considerai, pegadores vivos, como morreram os outros que se pegaram àquele peixe grande, e porquê. O tubarão morreu porque

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Padre Antônio Vieira, (por Cândido Portinari) autor de famosos sermões, um dos defensores da natureza e dos povos originários.
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“Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer!”. Gravura alemã, 1617.

comeu, e eles morreram pelo que não comeram. Pode haver maior ignorância que morrer pela fome e boca alheia? Que morra o tubarão porque comeu, matou-o a sua gula; mas que morra o pegador pelo que não comeu, é a maior desgraça que se pode imaginar! Não cuidei que também nos peixes havia pecado original. Nós os homens, fomos tão desgraçados, que outrem comeu e nós o pagamos. Toda a nossa morte teve princípio na gulodice de Adão e Eva; e que hajamos de morrer pelo que outrem comeu, grande desgraça! Mas nós lavamo-nos desta desgraça com uma pouca de água, e vós não vos podeis lavar da vossa ignorância com quanta água tem o mar. Com os voadores tenho também uma palavra, e não é pequena a queixa. Dizei-me, voadores, não

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vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? O mar fê-lo Deus para vós, e o ar para elas. Contentai-vos com o mar e com nadar, e não queirais voar, pois sois peixes. Se acaso vos não conheceis, olhai para as vossas espinhas e para as vossas escamas, e conhecereis que não sois aves, senão peixes, e ainda entre os peixes não dos melhores. Dir-me-eis, voador, que vos deu Deus maiores barbatanas que aos outros de vosso tamanho. Pois porque tivestes maiores barbatanas, por isso haveis de fazer das barbatanas asas?! Mas ainda mal, porque tantas vezes vos desengana o vosso castigo. Quisestes ser melhor que os outros peixes, e por isso sois mais mofino que todos. Aos outros peixes, do alto mata-os o anzol ou a fisga, a vós sem fisga nem anzol, mata-vos a vossa presunção e o vosso capricho. Vai o navio navegando e o marinheiro dormindo, e o voador toca na vela ou na corda, e cai palpitando. Aos outros peixes mata-os a fome e engana-os a isca; ao voador mata-o a vaidade de voar, e a sua isca é o vento. Quanto melhor

lhe fora mergulhar por baixo da quilha e viver, que voar por cima das entenas e cair morto! Grande ambição é que, sendo o mar tão imenso, lhe não basta a um peixe tão pequeno todo o mar, e queira outro elemento mais largo. Mas vedes, peixes, o castigo da ambição. O voador fê-lo Deus peixe, e ele quis ser ave, e permite o mesmo Deus que tenha os perigos de ave e mais os de peixe. Todas as velas para ele são redes, como peixe, e todas as cordas, laços, como ave. Vê, voador, como correu pela posta o teu castigo. Pouco há nadavas vivo no mar com as barbatanas, e agora jazes em um convés amortalhado nas asas. Não contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe; nem voar poderás já, nem nadar. A natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo posto ao fogo. Peixes, contente-se cada um com o seu elemento. Se o voador não quisera passar do segundo ao terceiro, não viera a parar no quarto. Bem seguro estava ele do fogo, quando nadava na água, mas porque quis ser borboleta das ondas, vieramse-lhe a queimar as asas.

À vista deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença: Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem. Quem pode nadar e quer voar, tempo virá em que não voe nem nade. Ouvi o caso de um voador da terra: Simão Mago, a quem a arte mágica, na qual era famosíssimo, deu o sobrenome, fingindo-se que ele era o verdadeiro filho de Deus, sinalou o dia em que aos olhos de toda Roma havia de subir ao Céu, e com efeito começou a voar mui alto; porém a oração de S. Pedro, que se achava presente, voou mais depressa que ele, e caindo lá de cima o mago, não quis Deus

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que morresse logo, senão que aos olhos também de todos quebrasse, como quebrou, os pés. Não quero que repareis no castigo, se não no género dele Que caia Simão, está muito bem caído; que morra, também estaria muito bem morto, que o seu atrevimento e a sua arte diabólica o merecia. Mas que de uma queda tão alta não rebente, nem quebre a cabeça ou os braços, se não os pés?! Sim, diz S. Máximo, porque quem tem pés para andar e quer asas para voar, justo é que perca as asas e mais os pés. Elegantemente o Santo Padre: Ut qui paulo ante volare tentaverat, subito ambulare non posset; et qui pennas assumpserat, plantas amitteret. Se Simão tem pés e quer asas, pode andar e quer voar; pois quebrem-se-lhe as asas para que não voe, e também os pés, para que não ande. Eis aqui, voadores do mar, o que sucede aos da terra, para que cada um se contente com o seu elemento. Se o mar tomara exemplo nos rios, depois que Ícaro se afogou no Danúbio não haveria tantos Ícaros no Oceano. Oh alma de Antônio, que só vós tivestes asas e voastes sem perigo, porque soubestes voar para baixo e não para cima! Já S. João viu no Apocalipse aquela mulher cujo ornato gastou todas as luzes ao Firmamento, e diz que «lhe foram dadas duas grandes asas de águia»: Datae sunt mulieri alae duae aquilae magnae. E para quê? Ut volaret in desertum: «Para voar ao deserto.» Notável cousa, que não debalde lhe chamou o mesmo Profeta grande maravilha. Esta mulher estava no Céu: Signum magnum apparauit in caelo, mulier amicta sole. Pois se a mulher estava no Céu e o deserto na terra, como lhe dão asas para voar ao deserto? Porque há asas para subir e asas

para descer. As asas para subir são muito perigosas, as asas para descer muito seguras; e tais foram as de Santo António. Deram-se à alma de Santo António duas asas de águia, que foi aquela duplicada sabedoria natural e sobrenatural tão sublime, como sabemos. E ele que fez? Não estendeu as asas para subir, encolheu-as para descer; e tão encolhidas que, sendo a Arca do Testamento, era reputado, como já vos disse, por leigo e sem ciência. Voadores do mar (não falo com os da terra), imitai o vosso santo pregador. Se vos parece que as vossas barbatanas vos podem servir de asas, não as estendais para subir, porque vos não suceda encontrar com alguma vela ou algum costado; encolhei-as para descer, ide-vos meter no fundo em alguma cova; e se aí estiverdes mais escondidos, estareis mais seguros. Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que S. Basílio e Santo Ambrósio. O polvo com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja latina e grega, que o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cores de todas aquelas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos,

faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lançalhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro. Fizera mais Judas?

Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é o que abraça e mais o que prende. Judas com os braços fez o sinal, e o polvo dos próprios braços faz as cordas. Judas é verdade que foi traidor, mas com lanternas diante; traçou a traição às escuras, mas executou-a muito às claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista aos outros, e a primeira traição e roubo que faz, é a luz, para que não distinga as cores. Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos traidor! Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu! Lá disse o Profeta por encarecimento, que «nas nuvens do ar até a água é escura»: Tenebrosa aqua in nubibus aeris. E disse nomeadamente nas nuvens do ar, para atribuir a escuridade ao outro elemento, e não à água; a qual em seu próprio elemento é sempre clara, diáfana e transparente, em que nada se pode ocultar, encobrir nem dissimular. E que neste mesmo elemento se crie, se conserve e se exercite com tanto dano do bem público um monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão enganoso e tão conhecidamente traidor!

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“um amor mais profundo”

A beleza dos animais marinhos, um mundo mágico e misterioso se desdobra diante de nossos olhos. O AquaRio, um santuário aquático de maravilhas marinhas, nos convida a embarcar em uma jornada visual única, onde as cores dançam e a vida submarina se revela em toda a sua glória. Neste ensaio fotográfico, capturamos uma pequena mostra desse universo aquático cativante. Desde da graciosa arraia que desliza graciosamente, até cardumes vibrantes de peixes que parecem pintar o aquário com seus tons iridescentes, cada imagem nos transporta para um reino de beleza indescritível.

As luzes e sombras brincam na água, proporcionando um cenário cinematográfico que desafia nossa imaginação. A vida marinha se apresenta como uma sinfonia visual, onde cada criatura desempenha seu papel em harmonia. Tubarões majestosos com suas nadadeiras poderosas, plantas marinhas e corais que abrigam uma profusão de corestodas essas maravilhas estão à vista.

O AquaRio não é apenas um lugar de contemplação, mas também um lembrete que devemos cuidar do planeta e daqueles que vivem nele, preservar a natureza para as próximas gerações. Que este ensaio inspire um amor mais profundo pelos oceanos e uma determinação renovada para conservar a beleza que eles abrigam.[R.V]

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Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das terras em que batem os vossas mares, me estais respondendo e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e muito maiores e mais perniciosas traições. E sobre o mesmo sujeito que defendeis, também podereis aplicar aos semelhantes outra propriedade muito própria; mas pois vós a calais, eu também a calo. Com grande confusão, porém, vos confesso tudo, e muito mais do que dizeis, pois não o posso negar. Mas ponde os olhos em António, vosso pregador, e vereis nele o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano. E sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser português, não era necessário ser santo. Tenho acabado, irmãos peixes, os vossos louvores e repreensões, e satisfeito, como vos prometi, às duas obrigações do sal, posto que do mar, e não da terra: Vos estis sal terrae. Só resta fazervos uma advertência muito necessária, para os que viveis nestes mares. Como eles são tão esparcelados e cheios de baixios, bem sabeis que se perdem e dão à costa muitos navios, com que se enriquece o mar e a terra se empobrece. Importa, pois, que advirtais, que nesta mesma riqueza tendes um grande perigo, porque todos os que se aproveitam dos bens dos naufragantes, ficam excomungados e malditos. Esta pena de excomunhão, que é gravíssima, não se pôs a vós senão aos homens, mas tem mostrado Deus por muitas vezes, que quando os animais cometem materialmente o que é proibido por esta lei, também eles

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incorrem, por seu modo, nas penas dela, e no mesmo ponto começam a definhar, até que acabam miseravelmente.

Mandou Cristo a S. Pedro que fosse pescar, e que na boca do primeiro peixe que tomasse, acharia uma moeda, com que pagar certo tributo. Se Pedro havia de tomar mais peixe que este, suposto que ele era o primeiro, do preço dele e dos outros podia fazer o dinheiro com que pagar aquele tributo, que era de uma só moeda de prata, e de pouco peso. Com que mistério manda logo o Senhor que se tire da boca deste peixe e que seja ele o que morra primeiro que os demais?

Ora estai atentos. Os peixes não batem moeda no fundo do mar, nem têm contratos com os homens, donde lhes possa vir dinheiro; logo, a moeda que este peixe tinha engolido, era de algum navio que fizera naufrágio naqueles mares. E quis mostrar o Senhor que as penas que S. Pedro ou seus sucessores fulminam contra os homens que tomam os bens dos naufragantes, também os peixes por seu modo as incorrem morrendo primeiro que os outros, e com o mesmo dinheiro que engoliram atravessado na garganta. Oh que boa doutrina era esta para a terra, se eu não pregara para o mar! Para os homens não há mais miserável morte, que morrer com o alheio atravessado na garganta; porque é pecado de que o mesmo S. Pedro e o mesmo Sumo Pontífice não pode absolver. E posto que os homens incorrem a morte eterna, de que não são capazes os peixes, eles contudo apressam a sua temporal, como neste caso, se materialmente, como tenho dito, se não abstêm dos bens dos naufragantes.

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pernambuco sobrexposto

Douglas Fagner
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simbiose, leituras

A ideia do projeto surgiu a partir de experimentações de sobreposições de imagens ainda quando cursava Fotografia na Unicap, quando fui provocado a criar um projeto para a cadeira de mídias digitais. Utilizei o Adobe Photoshop com o objetivo de criar fotografias sobrepostas, cujo trabalho resultou em uma experiência única que despertou em mim a vontade de investigrar ainda mais o assunto.

Vendo que dessa experiência poderia realizar uma pesquisa, me debrucei sobre o tema para saber mais sobre como era feita essa técnica antes da tecnologia digital. Utilizando uma câmera digital dslr, apliquei a técnica como se fosse em uma câmera analógica, utilizando a sobreposição de imagens, tendo como base o fundamento técnico da dupla exposição. Com o projeto aprovado pelo Funcultura, intitulado Pernambuco sobreposto, consegui captar fotografias com uma câmera digital, utilizando tanto a luz natural como a artificial. O resultado do trabalho teve ambientações e cenários diversos, com visitas a campo em várias regiões do estado, destacando personagens e paisagens numa simbiose subjetiva na leitura, porém objetiva na essência. [D.F]

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retratos fantasmas

Denis Laberge
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Imagem da série “Loupe/ Dormeurs”, (1999-2002), de Éric Rondepierre

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Éric Rondepierre R40 (1993-1995) 84

Rosto ou fisionomia?

O que esconde um rosto?, se pergunta Fernanflor, personagem nebuloso do romance de Sidney Rocha. Talvez seja essa interrogação de onde partem fotógrafos com Éric Rondepierre, e seus retratos fantasmas. Mais que um rosto, um rostro, um mento, o que esconde ou representa uma fisionomia? Disso tratam os estudos fisiognomônicos: desvelar o interior a partir do aparente e, nisso, a razão do comportamento das pessoas. Em um retrato, o que se vê de um rosto é tanto exterior com interior. É o presente já o passado. Mas existe essa tal “vida interior”, essa alma invisível, visível nos retratos? Ou só o que existe são as aparências?

A personagem Jacobina, no conto “O espelho”, de Machado de Assis (1839-1908), tem uma crença distinta: o homem não tem somente uma alma, mas duas. Talvez por isso Machado seja o escritor mais “fotógrafo” (e fantasmal) que tenhamos. Basta lembrar do começo de Dom Casmurro, daquelas imagens sombrias, a arquitetura, a mobília, os medalhões, na tentativa de

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Éric Rondepierre. W1930A (1993-1995)
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Éric Rondepierre. W1921A (1993-1995)
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Eric Rondepierre. Etreinte 18, série Les trente étreintes, Bologne, (1997-2001)
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Éric Rondepierre. R522A (1993-1995)

reconstruir um tempo morto, um tempo e atmosfera de onde pululam fantasmas, uma falha, e falta: “...um homem consolase mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo”, diz Dom Casmurro sobre a tentativa fracassada de reconstituir o passado na casa de Matacavalos. Ou, ainda, em Esaú e Jacó, as imagens “fantasmagóricas e demoníacas” em relação à personagem Flora. Ou no seu conto “Galeria póstuma”, onde essas relações com a fotografia são bem aparentes. E pavorosas. Não à toa, Machado certa vez disse que a retina do homem é uma placa fotográfica, capaz de tornar visíveis os seus fantasmas.

Todo retrato é um retrato mortuário. Uma exumação. Um fantasma.

Se em certa manhã de inverno uma Inteligência Artificial se sentasse para escrever um fotorromance, certamente buscaria em Machado o motor para sua “imaginação”. As imagens o algoritmo as buscaria na França, no estúdio do fotógrafo Éric Rondepierre.

A partir dessa junção, seria bem possível registrar essa “energia onírica”, expressão de Benjamim, quando falava em certo mundo nebuloso, silencioso, que o entendimento simples não pode acompanhar.

Éric Rondepierre nasceu em 1950, em Orleans, e vive em Paris. Suas ligações com a literatura são antigas e duradouras. Seu doutorado em Estética e DEA em Literatura têm como tema a obra da romancista Marguerite Duras (1914-1996).

Suas fotografias aparecem em coleções públicas francesas

(European House of Photography, National Fund for Contemporary Art, Cinémathèque Française, Centre Pompidou, etc.) e internacionais (MoMA em Nova York, LACMA em Los Angeles, Houston Fine Art Museum, etc.). Um fotógrafoator. Um fotógrafo-encenador. Uma das características de sua concepção de arte é o fato de que Rondepierre escreve textos ficcionais sobre seu trabalho fotográfico e uma de suas marcas é unir literatura, teatro, pintura e cinema, em montagens e “desvios”, e nisso se incluem apropriações e elementos autobiográficos, entre outras experimentações e aparições. Uma de suas pesquisas, nos anos 1990, consistiu em identificar “pontos cegos” a partir da projeção de filmes. Grosso modo, se tratou de extrair alguns fotogramas da película: imagens que aparecem na tela

Désolé.

A imagem compõe a série DSL, de Rondespierre. Nela, ele captura 18 frames de clássicos cinematográficos. São experimentações com antigas e novas mídias que buscam redimensionar o olhar e as expectativas para o fazer e o resultado fotográfico.

Em referência à sigla DSL (Digital Subscrive Line), tecnologia que permitia acessar conteúdo de internet pelo mesmo cabo da linha telefônica, tecnologia do fim dos anos 1980, Rondespierre cria a sua própria sigla: DSL (Désolé de Sabo-ter vos Lignes), algo como “Desculpe-me sabotar suas linhas”. Ou suas falas.

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Éric Rondepierre. R433A (1993-1995) 91
Éric
47 x 70 cm 92
Rondepierre. R40, (1993-1995)

a 1/24 segundo, e que não são “captadas” pelo olho humano, imagens “invisíveis”, miasmas. Depois, o artista imprime esses fotogramas, assumindo os processos químicos de películas ou a corrosão entre outros acidentes, e expõe esses fantasmas em grandes formatos para o público. Para ele, fotografia é invenção, ficção e encenação. Ou uma arte da decomposição. Rondepierre busca decompor a realidade, ampliá-la e deslocá-la para alcançar novos sentidos. Seu ato de criação consiste em transformar e redefinir novas possibilidades de decifração. Esse é o principal ponto de vista que a série Unicaphoto apresenta, em parte, aqui: Précis de décomposition.

Sobre seu trabalho o pesquisador Phillippe Dubois, comentou: “Como um arqueólogo que, ao final de sua longa escavação, exuma enfim o que até então era da ordem do soterrado.

O campo de escavação de Éric Rondepierre é o cinema. Os tesouros que ele traz de lá são

achados do invisível. Rondepierre exuma o inconsciente fotográfico do cinema (dubois, 2004, p. 233)1

Essas imagens ou fantasmagorias retratam um duplo: a realidade e a abstração (ambas frutos do acaso) são incorporadas entre si e interagem sem medir poderes ou hierarquias.

A composição da imagem surge a partir deste diálogo entre diferentes linguagens ou componentes artísticos, uma vez que a captura fotográfica é um componente do processo de criação da imagem, e a introdução desse acaso é outro elemento; um segundo procedimento, no qual emerge a imagem, marcada pela passagem do tempo. São imagens a meio-termo, e talvez tudo oposto à fotografia, se a compreendemos fruto de decisões (enquadramentos, composição, abertura, distância focal, velocidade, etc) e, ao mesmo tempo, o resultado se aproxima do cinema, onde se leva em conta o tempo, o dispositivo e muita,

A influência da literatura em Éric Rondepierre é bem antiga. Conceitos que reserva à fotografia coincidem com o que pensa do seu processo literário, como explica em no seu livro Saída (editora Marest, 118 p.):

“A literatura segundo Rondepierre seria uma “interminável meditação de imagens entre si das quais somos o pretexto, os reféns”. Ele acrescenta: “A consistência imprecisa dessa parede [esse espelho] em que, vertiginosamente, meu olhar afunda, eu a atravesso em pensamento, ela mAe segue em um sonho onde me descubro ganancioso, luminoso, inventivo. Qualquer distância abolida entre passado e presente, realidade e ficção é uma doçura para mim”: uma forma de melhor sonhar o livro a ser feito. Nas lacunas da memória, está o reservatório de ficções:

“Minha quarta história é lacunar, estou nela em total ignorância de mim mesmo.”

Acima, fotos de Marguerite Duras e Machado de Assis. [Foto de ER: divulgação]

As imagens são do site do artista: https://www.ericrondepierre.com/

1 DUBOIS, Phillippe. Efeito filme: figuras, matérias e formas do cinema na fotografia. IN: SANTOS, Alexandre e SANTOS, Maria Ivone dos.A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2004.
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muita imaginação. Assim, o movimento e a estaticidade se entrelaçam no trabalho desse de Éric Rondepierre e sua poética do acaso, construído por intuições e acasos.

“Tune in, turn on, drop out” Nestas obras de Éric Rondepierre, o que se pode perceber é uma constante busca pelo questionamento da fotografia como representação. Como o processo de criação é constituído por adições, é possível pensar a passagem do tempo como um elemento a mais da cena, que não apenas lhe adiciona elementos visuais, que favorece novas possibilidades estéticas. Sinestésicas. É o que ocorre com a imagem nesta página, onde o corpo feminino, de grande apelo sensual, perde esses elementos e efeitos plásticos pela corrosão do tempo ou da química do suporte, abre variadas formas de sensualidade, talvez ali tânatos e eros, em total decadência, enfim, a vida&morte: uma só. Contudo, essa metalinguagem nos remete a um processo em curso, uma morte lenta, processual, que está ocorrendo antes mesmo que tivéssemos contato com ela. Tempo. Duração. Acaso. São imagens com cicatrizes. Nesta série, os personagens vivem em melancólica performance, agora atuando em outra dimensão, que não a original, do filme.

Eric Rondepierre. “Convulsion”, série Moires 1996 - 1998
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Elas ganham textura e relevo. Quando Éric as amplia, você pode tocá-las, diretamente em suas chagas. Elas se deformam para que você as veja na plenitude, como fantasmas histéricos. São manchas em baixa velocidade, em altíssima rotação. Estão em ação, no novo fotocinema de Rondepierre. Esses efeitos do tempo terminam por fundar novas relações com esses sujeitos, agora em um drama particular, vivo, como retirados de uma ficção para sua própria realidade, ainda assim inventada, imaginada, ficcional. Não são mais da narrativa fílmica, são obras de novos sentidos. Elas, congeladas, nos congelam igualmente, estão ali buscando que lhes demos sentido. Aí começa o fluxo de consciência, outra inspiração na literatura, que precede e acompanha toda a ação, o suspense, a pose. Não sugere especialmente uma continuidade: aposta na imanência. Por isso, é preciso ver essas imagens como uma narrativa pessoal, nossa, que sempre esteve ali como está em tudo, um conjunto de nossos próprios fantasmas, onde um rosto é mais que um rosto, é o prolongamento de muitos. Estamos diante de um cinema particular, talvez como aquele prometido pelo psicólogo, professor de Harvard, Timothy Leary, que recomendou o lsd aos seus alunos, e por isso foi expulso da universidade, nos anos 1960 e 1970. Leary tinha uma ideia, em relação ao LSD, cujo efeito era esse “cinema particular”. E o lema: sintonize, ligue, saia. No caso da obra de Rondepierre, faça o que você faça, o tempo e o filme continuarão sendo projetados. Você não poderá fazer nada para derrotá-lo.

Éric
R487 (1993-1995)
Rondepierre
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Éric Rondepierre. 413A (detalhe), de (1993-1995)

prêmio alcir lacerda

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A arte da fotografia continua a cativar espectadores e artistas, proporcionando uma janela única para o mundo através de lentes criativas. Neste 19 de outubro, o Curso Superior de Fotografia da Unicap celebra a 10º edição do Prêmio Alcir Lacerda, um evento que reconhece e homenageia os talentos visionários por trás das câmeras. Desta vez, os prêmios serão entregues à Alcione Ferreira, ao Fred Jordão e Fritz Simon (in memoriam). Na ocasião, teremos o lançamento da 21ª revista Unicaphoto; exposição dos melhores trabalhos do último semestre, destacando as obras e os fotógrafos que estão redefinindo os limites da criatividade e da narrativa visual; e conclusão da 5ª turma da especialização “As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual”. A exposição fotográfica que acompanha o lançamento da revista oferece uma imersão física nas histórias visuais captadas pelas lentes dos fotógrafos. Cada imagem exposta é uma narrativa congelada no tempo, capturando momentos emocionais e visuais de grande impacto. Desde retratos, fotografias conceituais, até cenas urbanas deslumbrantes, a exposição abraça a diversidade da experiência humana através da arte da fotografia.

A fotografia tem o poder de transcender gerações, impactar vidas e deixar um legado duradouro. Hoje, prestamos uma emocionante homenagem a um indivíduo cuja paixão e dedicação à arte inspiraram muitos e continuam a ressoar mesmo após sua partida. Alcir Lacerda, um nome da fotografia que se tornou sinônimo de criatividade e inovação, deixou um impacto indelével na fotografia e merece

ser lembrado e celebrado por suas contribuições notáveis. Sua dedicação à fotografia beneficiou muitos profissionais, deixando uma marca positiva nas vidas daqueles que tiveram o privilégio de aprender com ele. Sua habilidade de estimular a criatividade e inspirar outros artistas continua a reverberar. A arte da fotografia tem a capacidade única de capturar momentos efêmeros e contar histórias profundas. Tivemos a honra de conversar com Alcione Ferreira, uma talentosa fotógrafa cujas imagens transmitem emoções intensas e narrativas cativantes. Com um olhar sensível e uma paixão pela expressão visual, Alcione nos leva a uma jornada através de sua carreira, inspirações e perspectivas únicas sobre a fotografia no jornalismo. Quando ainda era estagiária, Alcione teve o privilégio de fotografar Alcir Lacerda para o Dia Mundial da Fotografia. Para a sua surpresa, o retrato feito pela fotógrafa foi revelado e ocupava a mesa de Alcir em um portaretrato.

Confira o relato: “Quando eu estava estagiando, uma das primeiras pautas que eu peguei no jornal foi fotografar seu Alcir no estúdio dele para uma matéria sobre o Dia Nacional de Fotografia. Então eu quando eu cheguei lá, estava muito nervosa. Ele já me conhecia porque eu já tinha sido aluna dele, tinha feito uma oficina e ele tinha dado aula de laboratório pra gente. E aí a primeira pergunta que ele fez pra mim foi assim: “como é que você quer a foto?” E eu fiquei muito nervosa. Aí eu fui colocar ele numa cadeira e tal, fotografei e voltei pro jornal. Mas eu voltei tipo “Ai, meu Deus, tenho certeza que não está legal”. E aí saiu a

O Prêmio, do curso de Fotografia da Unicap, chega à décima edição e destaca o trabalho de Alcione Ferreira, Fred Jordão e Fritz Simons (in memorian). Em reportagem de Walli Fontenele, você pode ler sobre a trajetória de Alcione e Fred, além de poder ler, também, o perfil feito por Udo Simons para seu pai, Fritz. Em torno de tudo, a presença e influência de Alcir no trabalho e vida desses profissionais.

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matéria, saiu a foto dele e tal. E aí, tempos depois, o meu editor, na época, chegou para mim e disse “Olhe se ligaram lá do estúdio do Seu Alcir perguntando por aquela foto. Aí eu disse “Ai meu Deus”, fiquei imaginando que ele não gostou e tal. Aí eu precisava pegar um material lá que eu tinha deixado negativo. E quando eu cheguei lá, para a minha surpresa, a foto que eu tinha feito dele estava no porta-retrato lá no estúdio dele, que ficava no Edifício Ipê, no centro do Recife. E aí quando eu entrei, tomei um susto quando vi a foto. Aí eu carrego isso aí. Ficou uma lembrança tão boa do Seu Alcir…”. Através das lentes de um fotógrafo talentoso, o mundo ganha novas dimensões e perspectivas únicas. Numa entrevista exclusiva, tivemos o prazer de conversar com Fred Jordão, um renomado fotógrafo cujas imagens se relacionam a diversos projetos, como o Lambe-Lambe e a cena musical do Manguebeat. Fred nos levou em uma jornada através de sua carreira, influências e visão sobre a arte da fotografia, e também sobre a sua experiência no audiovisual. Sobre a sua relação com Alcir e com os outros homenageados no Prêmio Alcir Lacerda, Fred nos revela:

“É uma beleza e uma alegria também muito grande compartilhar esse prêmio com duas figuras muito especiais. Eu queria primeiro falar rapidamente de Fritz, que eu conheci muito pouco, o conheci pessoalmente. Ele já não tava mais se dedicando à fotografia, mas era, digamos assim, uma lenda na fotografia publicitária. Ele tinha um rigor técnico incrível. Era uma pessoa que dominava o cromo como poucas. Era uma referência na

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publicidade pernambucana e foi ele quem nos ensinou a fazer um orçamento, que a gente era muito jovem, que não sabia fazer um orçamento. Fomos consultar Fritz e ele explicou pra gente como se montava o orçamento, como se fazia, porque a gente era muito jovem. Eu, Breno, acho que Daniel, entrando no mundo da publicidade, não sabíamos construir direito os orçamentos fotográficos. Então a gente foi visitar ele lá em Olinda e foi uma tarde maravilhosa, ele mostrou algumas coisas pra gente e os vitrais. Então eu me sinto muito feliz nessa companhia de Fritz e também da minha querida amiga Alcione, com quem eu trabalhei no Diário de Pernambuco, uma das mais brilhantes fotógrafas do Brasil. Trabalho muito, um trabalho maravilhoso. Ela faz uma migração do fotojornalismo para um trabalho contemporâneo de documentação, um trabalho maravilhoso. Eu tenho um carinho grande por ela e uma admiração muito grande também pelo trabalho dela. Acho que é uma das pessoas que estão fazendo a documentação importantíssima do Recife, de Pernambuco. É uma grande satisfação estar tão bem acompanhado assim. É muito bom. Agradeço essa companhia”. O Prêmio Alcir Lacerda é um testemunho da extraordinária criatividade e impacto da arte fotográfica. As imagens premiadas nos convidam a contemplar, refletir e apreciar a riqueza da experiência humana através de uma lente visual única. À medida que celebramos os talentosos fotógrafos que deram vida a essas imagens, também celebramos o potencial duradouro da fotografia em transmitir mensagens, contar histórias e conectar pessoas de todo o mundo.

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Fritz Simons

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[Nottuln, Alemanha, 12 de novembro de 1936 — Olinda, Brasil, 11 de julho de 2020.]

fritz simons, um artesão da imagem

Udo Simons

Meu pai entendia o mundo pelas cores, luzes e formas que os olhos conseguem captar. Como fotógrafo, ele acompanhou as mudanças urbanas, sociais e do meio ambiente do Recife, mas o seu trabalho transcendeu a fotografia

Foram os coqueiros de Olinda, ao longo do seu litoral, e o Alto da Sé, os primeiros locais de Pernambuco avistados por meu pai. O ano era 1960 e ele estava prestes a desembarcar no porto do Recife, vindo da Alemanha. Aquela era uma viagem de começos. Pela primeira vez, ele deixara o continente europeu. Pela primeira vez, ele atravessara o Oceano Atlântico. Pela primeira vez, ele se viu sob o céu e o sol do Nordeste brasileiro. Tudo era uma grande novidade para aquele jovem fotógrafo de vinte e poucos anos; e ele se sentiu completamente capturado pelo que experenciava. Aquela fora a sua aventura particular da juventude. Os coqueirais que se espalhavam pela faixa litorânea e o verde da mata dos morros de Olinda, àquela época bem mais intocados e abundante, o fascinaram, atraíram o seu olhar curioso e o lançaram em um novo mundo sensorial, não à toa. Em Hamburgo, onde morava antes de sua mudança para o Brasil, o céu era cinza na maior parte do tempo. Banhada pelo rio Elba, a cidade tem uma vida vibrante, por ser uma das mais ricas da Alemanha e o centro da mídia tradicional do país, mas o seu clima úmido é desafiador, sobretudo, nas baixas temperaturas do inverno, momento em que os ventos e a chuva são cortantes. Para ele, Recife se apresentou como o oposto daquela sensação de desconforto que sentia e não gostava. Meu pai sempre destetou o frio e as temperaturas muito baixas. A sua predileção pelo calor o fez até imaginar, para si, um novo local de nascimento. Ao ser questionado por desconhecidos de onde era,

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onde havia nascido, ele não se fazia de rogado: “Eu sou de Ouricuri”. Ao ouvir tal resposta, as pessoas sorriam e o desacreditavam, mas ele insistia e justificava a procedência.

“Lá é que é bom. Ultimamente, o clima do Recife está muito frio.”

Quando ele chegou ao Brasil, foi o calor da capital pernambucana, o seu céu de um azul profundo e a brisa morna da cidade que o arrebataram. Ele se sentiu acolhido e disposto a ficar, mal sabia onde ou se aquele desejo seria realizado, mas do deck do navio cargueiro em que realizara a sua viagem, ele já estava entregue aos encantos e a beleza de Pernambuco. Essa relação de encantamento perdurou por mais de cinquenta anos até a sua partida, em 11 de julho de 2020, em um dia de céu cinza, com espaçadas, mas fortes pancadas de chuva. Foi como se a cidade também chorasse a sua morte.

UM ARTESÃO-VISUAL

Formado em fotografia na Alemanha, a sua educação nesse ofício, como ele gostava de falar, foi rígida. Na escola, que era técnica, ele e os seus colegas de turma aprendiam sobre a composição da imagem, a importância da luz, o valor das sombras em uma foto. Estudavam o trabalho de Henri Cartier-Bresson, entre outros mestres e referências da fotografia, e visitavam técnicas de desenho e pintura. Por assim dizer, aquela foi uma formação clássica para um artista visual, mesmo ele nunca tendo em vida dimensionado e ressaltado essa sua formação por essa perspectiva. Ele detestaria ser identificado dessa maneira, porque se entedia como um artesão-visual, a despeito dessa denominação nem ser usual, mas era assim como ele se sentia feliz, um artesão. A raiz do seu pensamento como artesão-visual, porém, pode ser mais bem compreendida quando se olha para a história do seu aprendizado. Faz sentido quando ela é vista em perspectiva, principalmente, pelo distanciamento do tempo, afinal, vitralista foi o seu primeiro ofício. Na Alemanha, o ensino formal está estruturado para que os adolescentes se vinculem a algum curso técnico no período de sua vida acadêmica correspondente ao final do ensino médio para a gente por aqui, no Brasil. Por isso, nos anos de 1950, década de parte da sua adolescência, ele optou por aprender a fazer vitrais, tendo aulas desse ofício com os profissionais locais da região de Noguln, cidade onde nascera,

em 12 de novembro de 1936, e que está localizada na Nordrhein-WesLalen (Renânia do NorteVesjália), o estado alemão mais populoso. Após três anos de formação, por volta dos seus 18 anos, ele seguiu para a Basiléia, na Suíça, onde por um ano, trabalhou em um ateliê de vitral, antes de regressar aos seus estudos e, consequente formação como fotógrafo, na Alemanha.

Aquela era uma época em que a Europa se reconstruía. O Continente tinha sido o principal palco de um dos maiores conflitos bélicos da humanidade, a Segunda Guerra Mundial, e, naqueles anos, as pessoas buscavam entender, de fato, a extensão dos acontecimentos de todos os embates ocorridos e os caminhos mais adequados à reconstrução das suas cidades e sociedades.

Ao se considerar esse contexto, é interessante observar o fato de ele ter escolhido, como ofício, o trabalho de uma arte milenar (ser vitralista), para ter, dessa maneira, a possibilidade de restaurar obras que haviam sido completamente ou parcialmente destruídas, em decorrência da guerra, bem como na criação de vitrais para ocupar novos espaços que estavam surgindo; e a fotografia, como uma atividade de registro de um tempo, de um comportamento, da transformação dos espaços. Ofício esse, aliás, que se modernizava e descobria a utilização de linguagens diversas à sua prática.

Em Hamburgo, ele se dedicou e se aperfeiçoou na técnica de portrait e nas fotografias de estúdio de produtos e da publicidade e propaganda, duas áreas, a propósito, em que ele foi um dos pioneiros no Recife por sua atuação ao lado de importantes profissionais que viviam na cidade a exemplo de Edmond Dansot e Alcir Lacerda. Entretanto, por mais de 50 anos, o seu trabalho transcendeu à fotografia. Ao longo do tempo, ele foi composto por uma ampla produção artística visual na criação de vitrais, cerâmicas e pinturas. O Recife possibilitou ao meu pai experimentar e consolidar a sua visão artística, o seu olhar como fotógrafo, o seu legado como artesão-visual.

VIDA MAIS PULSANTE

Daquele seu primeiro encontro com Pernambuco, do alto-mar, ele não levou muito tempo para se estabelecer como fotógrafo profissional no estado. Rapidamente, as pessoas o acolheram e reconheceram o seu talento. Foi uma questão

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de meses. Como ele também era uma pessoa determinada, agiu com assertividade para construir condições objetivas para não precisar mais retornar à Alemanha.

Movido por sua vontade de viver na cidade, que ele consideraria deslumbrante, arrumou emprego, estabeleceu relações sociais, aprendeu o idioma, se casou e constituiu família. Todo aquele seu movimento foi, de fato, algo absolutamente genuíno. Sua vontade era sincera e partia dele, porque nada do que aconteceu após ele desembarcar no bairro de São José havia sido planejado, não tinha sido esse o motivo da sua viagem. O que motivou a sua vinda foi algo bem mais prosaico.

Ele veio ao Brasil para trazer um carro como presente ao seu irmão, Heinz, que alguns anos antes havia se mudado para a capital pernambucana, por questões profissionais, e, durante a sua estada na cidade, acabara se casando. O carro que vinha na “bagagem de meu pai” era um presente de casamento de grossvater e grossmumer (meus avós) ao filho. Coube ao meu pai trazer o dito presente. Ou seja, ele veio com data marcada para voltar à sua casa, mas Recife atropelou os seus planos que se transformariam, radicalmente, um ano após a sua chegada, momento em que ele conheceu a minha mãe, Anamaria, professora com especial habilidade na alfabetização de criança, o que foi uma vantagem para ele aprender o português. Depois do encontro entre eles, em uma festa nos salões da sede do Náutico, a Alemanha tornaria-se um local de visita, uma referência do seu passado. Ele se estabeleceu como fotógrafo profissional e atuou como fotojornalista para o Jornal do Commercio, onde manteve regularmente uma coluna fotográfica, registrando a sociedade pernambucana. Em paralelo ao trabalho no jornalismo diário, criou o Foto Studio Fritz Simons. No final dos anos de 1960, o trabalho do estúdio cresceu e ele teve de se afastar das suas atividades no

Jornal do Comercio para se dedicar exclusivamente à demanda do Foto Studio, que ocupava três andares do icônico edifício Brasília, no centro da cidade.

Naquela época, ele aprofundou o seu registro iconográfico das transformações sociais, urbanas e do meio ambiente de Pernambuco.

Além de uma produção autoral e de séries de portrait, ele tornou-se uma das figuras-chave da publicidade no estado, na medida em que grande parte do seu trabalho, ao longo das décadas de 1970 e 1980, foi dedicada à produção da publicidade e propaganda realizada na capital pernambucana. Nesses anos, ele tanto era uma referência como fotógrafo publicitário, como era o fotógrafo escolhido por alguns dos mais relevantes arquitetos do estado (nomes como Acácio Gil Borsoi, Jerônimo Albuquerque, Wandenkolk Tinoco, Carlos Fernando Pontual), pelo fato de ele ter desenvolvido técnicas fotográficas específicas para o registro em imagens das maquetes dos projetos arquitetônicos que viriam ser construídos na cidade do Recife, prioritariamente.

A partir dos anos de 1990, ele retomou o seu trabalho como vitralista, produzindo uma série de obras, entre elas, o vitral do Fórum Desembargador Rodolfo Aureliano (TJPE) e ampliou a sua atuação artística na produção de pinturas à óleo e em cerâmica. No Recife e em Olinda, a sua vida tornou-se mais pulsante e cheia de perspectivas.

Essas cidades constituíram para ele o cenário perfeito para a realização do seu ofício.

Até os últimos dias de sua produção profissional, ele manteve o rigor técnico necessário para compor as suas imagens, fossem fotografias, fossem os vitrais ou as pinturas e deixou seu olhar ser conduzido pelas cores, luz e exuberância de Pernambuco, um local em que ele avistou do altomar e escolheucomo porto-seguro para viver e se expressar.

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cidade paralela

Conforme dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que Recife possua aproximadamente 1,489 milhão de habitantes, o que equivale a pouco mais de 16% da população total do estado de Pernambuco, sendo a 9ª maior população entre as capitais do país. É estimado, ainda, que na capital pernambucana, em torno de 206 mil pessoas vivem em situação de risco. Pessoas quem moram em condições precárias de segurança, extremamente vulneráveis a deslizamentos de barreiras, desabamentos e enchentes. Boa parte dessa população encontra-se em vivendo palafitas, às margens dos rios que cortam a cidade,

e lhe dão o apelido de Veneza Brasileira.

O mangue “camufla”, para a esmagadora maioria dos recifenses, a existência dessas habitações ribeirinhas, fazendo com que esse seja um Recife quase invisível, dentro do próprio Recife, como diz o trecho da música de Chico Science. Sendo, assim, uma Cidade Paralela.

Os rios, canais e córregos que cortam o município são as vias por onde trafegam as pessoas quem vivem nessa outra cidade. Locais de onde, na maioria das vezes, tiram seu sustento, e é, a partir dessas águas, que essa realidade paralela se mostra. E, para conhecê-la, só navegando pelas suas águas. [L.A]

Leonardo Araújo
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urbanalien: subversão das cidades

Paulo Pedrosa

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um tributo a paul strand

Júlia Brito
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o fotógrafo Paul Strand (1890–1976), em 1917, por Alfred Stieglitz. De inspiração modernista, os cenários e cenas de Strand sçao parques, os arranha-céus de Manhattan, as florestas do Maine, igrejas mexicanas e pequenas aldeias na Itália e na Nova Inglaterra. São espétaculos em ritmos que conjugam a monotonia com a monumentalidade. Suas influências foram Stieglitz, o fotógrafo parisiense Eugène Atget, o roteirista neorrealista italiano Cesare Zavattini e o documentarista social americano Lewis Hine (com quem estudou no Upper West Side de Manhattan). [ph]

Paul Strand ajudou a estabelecer a fotografia como uma forma de arte no século 20. Seu trabalho passou por várias fases. Um dos temas predominantes na fotografia de Paul Strand a sua abstração da arquitetura: suas fotografias buscavam retratar as construções como coisas gigantes e monumentais, para evidenciar a ideia de pequenez das pessoas diante delas.

A técnica da utilização das sombras também estava bastante presente em suas obras – que eram formadas pela luz do sol, que batia na janela dos prédios e era refletida em objetos, pessoas e nas próprias paredes dos edifícios, o que pode ser visto de forma clara em suas fotografias.

Outra característica presente em suas imagens é a utilização do preto e branco, justamente para acentuar ainda mais o contraste entre o claro e o escuro. A arte fotográfica de Paul Strand também é marcada pela valorização das formas geométricas, das linhas, das curvas e dos ângulos. Este ensaio é parte do que foi apresentado à disciplina de História da Fotografia. Nas imagens procurei utilizar os elementos marcantes na obra de Strand, buscar a essência da fotografia desse importante artista da imagem, seu estilo, seu modo de fotografar e os temas predominantes em sua fotografava.

Minhas imagens, a maioria capturadas no ambiente do campus da Unicap, não têm a pretensão de se igualarem às do mestre Paul Strand, mas apenas passear por uma das técnicas tão bem empregadas por ele: o abuso das formas, das linhas, da luz e das sombras. [J.B]

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a santíssima trindade: escrever, filmar, montar

especial
Filipe Falcão entrevista Pedro Sotero

trindade: montar

entrevista

“o roteiro é onde

Como professor de disciplina de Roteiro e de Direção de Fotografia, é muito comum me deparar com dúvida dos estudantes sobre como acontece o processo de adaptar uma idéia que está no papel, o roteiro, e transformar a mesma em um produto fílmico. Nas aulas sempre temos a oportunidade de ler roteiros e analisar os filmes destes até que os alunos possam desenvolver seus próprios projetos. A minha resposta sempre é que se trata de um processo orgânico, que o roteiro pode trazer indicações de planos e movimentos, mas é possível que algumas destas marcações não aconteçam.

Trata-se de um tema muito delicado para quem trabalha e estuda o audiovisual. Afinal, até onde vai a liberdade do diretor de fotografia dentro do seu processo criativo? E a autoria de quem escreveu o roteiro? Quem tem a palavra final?

Terminei no ano passado uma pesquisa de pósdoutorado desenvolvida pela UFPE que dialogou muito com estes questionamentos. Na ocasião, me envolvi com o trabalho de fotografia de Pedro Sotero nos longas O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, dirigidos por Kleber Mendonça Filho. A minha pesquisa incluía estudar as técnicas de fotografia utilizadas por Sotero e pensar em uma estética que levasse a assinatura dele.

Eu não conhecia Pedro Sotero, mas ele foi muito simpático desde o meu primeiro contato. No entanto, ele mora e trabalha no Rio de Janeiro e como era de se esperar, tem uma agenda muito cheia. A solução foi usar o Skype para agendar uma entrevista. Duas na verdade. A primeira aconteceu em um sábado de tarde e a segunda, cerca de três meses depois; teve início ao meio-dia de um domingo. Eu estava um pouco constrangido por acreditar que ele estava cedendo seu horário de descanso para me atender. Sotero foi extremamente solícito e atencioso com relação aos questionamentos da minha pesquisa. Eu prometi em agradecimento quando o encontrar aqui no Recife pagar uma cerveja para ele.

Cocncluí a pesquisa de pós-doutorado e comecei o processo de publicações em revistas acadêmicas e em livros. As duas entrevistas ajudaram na construção deste conteúdo acadêmico, mas elas sempre eram incluídas no texto como citações diretas ou indiretas. Como jornalista, pensei que o conteúdo renderia uma boa entrevista para a Unicaphoto, afinal eu tinha mais de uma hora de gravação. Entrei em contato com Pedro para pedir autorização para publicar, uma vez que o material foi recolhido originalmente para um trabalho acadêmico. Ele permitiu.

Nestas páginas, temos alguns trechos selecionados no qual Pedro fala justamente sobre o processo de adaptação do roteiro para o processo de filmagem, como as decisões estilísticas são pensadas, a importância da relação com os demais membros da equipe, além de outras questões do processo de direção de fotografia e suas relações com a produção fílmica.

[F.F]

você

roteiro é uma bíblia. você se apega”

Unicaphoto – Como acontece o processo de criação fílmica? Você recebe o roteiro e quem decide como o mesmo será filmado?

Pedro Sotero – Cada processo de realização de um filme é único, mas quem dita muito o tom da relação e da construção da cinematografia sempre é o diretor. Ele tem muito pronto na cabeça quanto e como ele quer a colaboração do diretor de fotógrafo e do como o roteiro será trabalhado.

Eu sempre considero o roteiro como uma bíblia. É onde você se apega. É um objeto muito importante de toda a realização cinematográfica. Quando você tem dúvidas, você volta para o roteiro. O roteiro é onde o tom do filme é gerado. Eu tenho um respeito muito grande e uma relação muito especial com o roteiro. Eu uso ele como a minha base para tudo. Mas este roteiro não é um elemento solitário. Eu vou conversar muito com o diretor sobre como este roteiro vai ser transformado em filme.

Unicaphoto – Como acontece o seu primeiro contato com este roteiro?

PS – Na pré-produção é quando você se depara com o roteiro e normalmente eu gosto de fazer uma primeira leitura sem me forçar a pensar em nada técnico, mas em mergulhar naquela história e ler como um livro.

Não é uma leitura do filme e nem da cinematografia. É o meu primeiro encontro com a obra. E, depois dessa primeira leitura, marco uma conversa com o diretor e eu pergunto o que ele quer me dizer sobre a imagem daquele filme, o que está na cabeça dele. Como essa câmera vai se comportar, quais são os filmes que serão usados como referência, como a luz será trabalhada, etc.

Normalmente nas primeiras conversas eu gosto muito de escutar o que o diretor tem a dizer principalmente quando este diretor também assinou o roteiro. Ou seja, ele passou muito tempo imaginando e criando aquele texto. Kleber (Mendonça Filho), por exemplo, é um diretor e autor que escreve os próprios roteiros. Ele se

relaciona com aquela história por muito mais tempo do que qualquer outra pessoa envolvida no processo. Ele tem muito domínio sobre o que ele quer.

Unicaphoto – E após as leituras e conversas com o diretor, é possível seguir tudo o que está escrito no roteiro?

PS – Então, às vezes mudanças acontecem do que está no papel para o que será visto na tela já que fazer um filme é sempre um processo orgânico aonde as transformações vão naturalmente acontecer. Você escreve para uma locação, mas acaba encontrando outro cenário quando o produtor de locação entra no projeto e não consegue exatamente aquele cenário inicial que você queria. E apesar das indicações que existem no roteiro, o processo de filmar vai sendo moldado durante a produção. Aqui temos um processo colaborativo com a direção de arte, com os atores, com o espaço físico em si.

Unicaphoto – No livro Três Roteiros: O Som ao Redor, Aquarius e Bacurau, Kleber Mendonça Filho publicou os roteiros dos longas escritos por ele. Existem algumas indicações de movimentos de câmera, enquadramento ou de zoom que estão presentes no roteiro, mas quando assistimos aos filmes algumas destas indicações não são vistas nas telas. Como estas decisões são tomadas?

PS – Pois é, nem todas as cenas que o Kleber descreve com zoom tem zoom e o contrário também acontece. Você lê no roteiro e o roteiro indica um movimento ou um plano, mas você entende que depois de tudo o que você já filmou, que agora seria a hora de deixar a câmera estática. Mas então para que foi que serviu aquela indicação prévia? Serviu para dar o tom do filme. Isto significa que as notas não são uma operação matemática exata sobre o que vai para a tela, mas essas notas no roteiro dão o tom de como a câmera se comporta no filme de maneira geral. Vamos lembrar que fazer um filme é percorrer três

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etapas. Você escreve um filme, você filma um filme e você monta um filme. Até porque o filme também sofre mudanças na montagem.

Unicaphoto – Trata-se de um processo coletivo mesmo que cada pessoa assuma uma função específica.

PS – Exato. A imagem do cinema é feita pelo diretor, pelo diretor de fotografia, pelo diretor de arte, pelo caracterizador, pelo figurinista e pelos atores. Sem este processo coletivo não existe a imagem que vemos na tela. Se a direção de arte é horrível, não existe uma fotografia boa. Sem uma caracterização interessante dos personagens, não existe milagre que você faça com enquadramento e luz para deixar o filme bom.

Unicaphoto – E no caso de Kleber que além de diretor também é roteirista? Como acontece?

PS – Apesar de Kleber ter muita personalidade e saber muito o que quer, o processo pode fugir deste controle. Ele tem que confiar no diretor de arte, tem que confiar no fotógrafo e todo mundo vai botando um pouco de si naquele projeto. E isso é uma coisa muito bonita. Da figurinista ao maquiador, todos colaboram. São muitas conversas. E são muitas mãos e muitas coisas para dar certo e por isso que o filme acaba tendo uma personalidade muito própria.

Unicaphoto – Então se nem o diretor e roteirista possuem um controle total da obra, como fica a função do diretor de fotografia dentro desta equação? O resultado final sai como você quer?

PS – O diretor de fotografia sofre esse último processo de transformação que é a montagem. É quando você entrega tudo o que você produziu nas mãos do diretor e do montador para eles fazerem a magia e alquimia deles com o que você produziu. Você se distancia e você vê um novo produto diferente do roteiro e diferente do que você filmou e então aparece o filme. É um processo bonito, complexo. Do roteiro para a filmagem, da filmagem para a montagem e da montagem para a tela. Na montagem o diretor de fotografia volta ali para a correção de cor. Normalmente nos filmes do Kleber, eu tenho a chance de ver os últimos cortes e de poder opinar.

Unicaphoto – E como acontece o seu processo criativo? .

PS – A pré-produção é muito importante. Com Kleber eu tenho sempre o prazer de ter uma pré-produção longa. A gente começa a conversar e a se encontrar e a falar do roteiro e de lente, de movimento de câmera e aquilo começa a desenvolver numa decupagem. E então começamos a decupar de fato, a fazer shot list das cenas. Uma lista dos planos de cada cena, mas

Foto:Arquivo pessoal/Divulgação 144

Ao modo do francês Éric Rondepierre, da matéria de capa desta edição, ou de outro fotógrafo, o chileno Amílcar Packer e seus “congelamentos”, capturamos frames da entrevista original concedida a Filipe Falcão por Pedro Sotero, para acompanhar esta conversa sobre direção de fotografia.

normalmente a gente nunca faz do filme inteiro. A gente faz de 60 - 80% do filme e o resto realmente acontece no set ou nas vésperas. O shot list é a nossa base, mas este shot list não é uma coisa totalmente rígida. Quando você chega ao espaço de filmar, você adapta este shot list. No set de filmagem é o momento da adaptação de todas as ideias. É quando você se depara com a realidade física do espaço e com as limitações e com os sons externos que te atrapalham. E então você começa a lidar e a adaptar com tudo e muitas adaptações começam e é um processo muito importante também.

Unicaphoto – Além de pensar ângulos e movimentos de câmera, também é importante pensar na cor do filme. Como este processo funciona para você? PS – Se um filme tem 100 sequências e cada sequência dez planos, você vai equalizar aí cerca de mil takes, mil planos que têm que ter uma colorimetria exata. A pessoa tem que estar com o mesmo tom de pele, a densidade do contraste tem que estar a mesma. Para isso você conta muito com a figura do colorista, que é o cara ultra técnico, que é uma função muito importante na correção de cor. A fotografia mundial tende a ir a um lugar muito do sublime onde tudo é fotografado na hora mágica. Kleber é um cara que foge desse padrão desde sempre. E eu acho que isto está muito forte na minha cinematografia nesses filmes que é abraçar os horários da luz dura e colocar isso como linguagem e fazer o espectador sentir esse calor, esse incômodo e essa luz que faz uma sombra forte no olho, que não é considerada a coisa mais estética do mundo e que não é considerada a coisa de mais de bom gosto do mundo. É isso, não é uma fotografia sublime, mas é uma fotografia narrativa que da alma aos filmes, que dá personalidade aos filmes, que as pessoas nem sabem, mas fazem as pessoas mergulharem e imergirem na cidade em um clima que o filme quer impor. No caso, o Recife onde o clima é quente. Unicaphoto – E sobre escolha de equipamento, lentes e tipo de câmera? Como você faz?

PS – Tem diretor de fotografia de Hollywood que vai dizer qual equipamento quer trabalhar e pronto, mas

tudo é uma adaptação entre o desejo do diretor, o desejo do fotógrafo e a possibilidade orçamentária da produção.

Película se tornou uma coisa praticamente impossível no Brasil hoje. Com a chegada do digital, quase acabaram os laboratórios de película. Quando se teve o boom do digital, as grandes produções estavam sendo filmadas em digital e as pequenas produções em película e isso já se inverteu radicalmente. Hoje as grandíssimas produções hollywoodianas são feitas em película porque ela continua sendo um formato de 35 mm de excelentíssima qualidade técnica e artística. Na América Latina e no Brasil se tornou meio inviável financeiramente continuar filmando em película. O Som ao Redor (2009) foi o último dessa transição que eu tive a chance de trabalhar com película. As câmeras digitais ainda não eram tão fortes no Brasil e nem estavam tão boas. Tinha a primeira câmera da Red, a Red One, disponível no Brasil como uma possibilidade de digital, mas não era uma câmera incrível.

Quando fomos fazer Aquarius (2016), financeiramente já não era mais compatível. Era muito mais caro fazer em película. Era mais barato fazer em digital. E no Aquarius já existiam câmeras digitais muito boas. A Red já tinha evoluído para outras câmeras digitais e a ari, que é uma fabricante alemã muito tradicional de câmeras, começou a fabricar a câmera digital deles que se chamava Alexa. Continua em circulação e continua para mim sendo a melhor câmera digital do mundo.

Unicaphoto – E para continuar aprendendo sobre as últimas novidades como câmeras e lentes, qual a forma para estar sempre em dia?

PS – No site InternetMovieDatabase, no Full Technical Spect, você consegue ver como foram filmados os filmes com detalhes para câmeras e lentes. Tem outro site chamado Shot on What, que você consegue ver quais câmeras e lentes os filmes foram rodados. Eu vou atrás de entrevistas com os fotógrafos para entender como eles foram rodados e assim você vai entendendo as novidades das características das câmeras e das lentes.

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Print screen.

a força encontra a delicadeza

Mariana Barros

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Era fim de tarde em Tamale, interior de Gana, e a van que eu estava com vários jornalistas em uma caravana da ONU, de repente parou para dar passagem a uma procissão que cruzava a pista. Eram homens segurando espingardas e mulheres em trajes coloridos que seguiam um senhor mais velho, que do alto do cavalo que estava, orientava o percurso para a multidão. Ele vinha acompanhado por um outro homem que o seguia a pé com um guarda-chuva o protegendo do sol. Com o motorista da van, que era da cidade, eu descobri que o cortejo era um ritual da troca de chefia de uma tribo.

Não pensei duas vezes e pedi pra descer, mesmo sabendo que estava sem internet e sem ter ideia de como voltaria para o hotel. Eu e uma jornalista uruguaia saltamos da van sem pensar muito, com o intuito de registrar aquele momento, que acontecia em meio a música e fumaça dos tiros de bacamarte. Nos enfiamos no meio do povo, e alguns homens começaram tocar instrumentos para nós, dançamos e fizemos fotos, mas logo depois fomos surpreendidas com um “money, money”

Tentávamos explicar que não tínhamos, e era verdade, estávamos só com alguns trocados para voltar para o hotel, havíamos deixado as bolsas no carro, e eles pareciam não muito satisfeitos com nossa resposta, mudaram semblante e nos cercaram. Nessa hora eu já estava catando tudo que era moeda ou cédula quando uma mão tocou em meu antebraço e me puxou. Era uma mulher. Ela nos tirou dali, e com um gesto com a mão me pediu para segui-la. Atravessamos o conglomerado de gente quando chegamos a uma porta de uma casa que ao ser aberta parecia a porta de um paraíso.

Só mulheres. Em suas roupas coloridas, cozinhando em um caldeirão a lenha no

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chão e um tanto de outros potes coloridos de comidas espalhadas por ali. Mulheres coloridas com e sem hijab. Mulheres amamentando crianças, sorrindo, cantando e livres. Me senti amparada, acolhida e protegida naquele pedaço de mundo onde a comunicação era através do olhar e apesar das nossas diferenças de roupas, de pele, cabelo, de línguas e cultura, eu me sentia igual naquele momento. Senti a fragilidade em ser uma mulher só no mundo desconhecido, mas ao mesmo tempo o poder da sororidade que era onipresente.

Logo nos tornamos a atração dali, me pediram para tirar fotos delas, sorriam, ofereceram comida e explicavam os perigos da rua. Diziam onde devíamos ir, o que se passava, nos alertavam sobre os cuidados com os equipamentos e diziam para ter medo dos homens. No meio do burburinho.

Quando a tarde caia e já ia escurecendo, elas nos levaram até a pista para pegar uma “tuk tuk”, havia uma fila de espera pelo transporte, todas mulheres no aguardo, e em uma linguagem tribal local conversaram entre si e nos deram a vez, além de dar orientações ao motorista de onde nos deixar.

São imagens que não esqueço, tampouco a sensação de acolhimento. Em Gana, ao lado de mulheres cujos nomes não consegui anotar, mas que fui acompanhando os gestos e a sensação de estar segura.

Dali, naquele quintal, onde a força encontra a gentileza, segui viagem com o coração aquecido. E no trajeto também encontrei mães que viraram as próprias professoras em escolas, onde as atividades eram feitas entre uma mamada e outra de um filho preso em um “canguru” em seus troncos. Eu não sabia de nada sobre suas histórias e seus hábitos. Agora, aqui, vendo esse registro, imagino a imensidão de coisas não sabidas e das forças guardadas em quintais sagrados. Ainda há um tanto pra se descobrir e também um bocado de coisas iguais pra se compartilhar apenas com gestos e olhares. [M.B]

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FEVEREIRO

Partidas e chegadas

O mês de fevereiro foi marcado pela colação de grau dos alunos que se formaram no Curso Superior de Fotografia. A cerimônia aconteceu no dia 09, no prestigiado Teatro Guararapes. Na semana seguinte, entre os dias 13 e 15, aconteceu o evento de Abertura do Semestre para dar início às aulas de 2023.1. A turma da especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual se despediu do Professor Paulo Souza, que ministrou a disciplina “Direção de Fotografia”. Como convidada da última aula, a turma recebeu Sylara Silvério, diretora de fotografia e assistente de câmera. Paulo foi aluno do Curso Superior de Fotografia e também já passou pela especialização, até lecionar para as turmas. Fevereiro também marcou a última aula da disciplina “Poética do Ambiente”, do MBA

Cultura Visual: Fotografia & Arte Latino-Americana.

MARÇO

O mês de março foi muito intenso.

Tivemos:

01/03 - Início da disciplina “Fotografia Documental” no MBA Cultura Visual: Fotografia & Arte Latino-Americana. A disciplina foi ministrada pela professora Daniela Moura.

02/03 - Primeira reunião do grupo de estudos “O pensamento sobre a imagem técnica e sua estética”. O grupo é guiado pelo professor Alan Campos.

02/03 - Oficina de desenho no projeto Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte, coordenado pelo curso de Fotografia. A oficina foi ministrada por Jaísa Farias.

04/03 - Prática de pinhole com alunos do primeiro módulo da graduação em Fotografia.

14/03 - Exposição montada em homenagem ao Dia da Mulher.

15/03 - Resultado do XIII Concurso de Fotografia “Carnaval de Pernambuco”. Campeão do júri técnico: Wallace Fontenele de Lima. Campeão do júri popular: Pedro Augusto Mendes Chaves

17/03 - Oficina pinhole com as crianças do projeto “Menina faz ciência na Unicap”.

21/03 - Participantes do Ganhando Asas celebram o Dia Internacional da Síndrome de Down

No dia em que se celebra o Dia Internacional da Síndrome de Down, os participantes do Ganhando Asas Através

da Comunicação e da Arte circularam pelo campus da Unicap em marchas de frevo esbanjando simpatia e animação. Ao término do percurso, visitaram a exposição fotográfica da colega de sala Jéssica Marques, com curadoria de Larissa Alves, intitulada “O brilho do sol”.

23/03 - Último dia da disciplina “Literatura, Fotografia e Audiovisual”, na Especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual. A disciplina foi ministrada pela professora Catarina Andrade.

23/03 - Alunos do terceiro módulo da graduação participaram da abertura da exposição “Na cidade da ressaca”, do nosso ex-aluno Jonathas de Andrade. A exposição aconteceu no Mamam - Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães.

27/03 - Saída fotográfica analógica e digital do primeiro e terceiro módulo da graduação para o Cemitério de Santo Amaro. A saída foi proporcionada pelo presidente do DA, Gabriel Costa.

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ABRIL

O quarto mês do ano marcou, no dia 04, o último dia da disciplina “Fotografia Documental”, do MBA Cultura Visual. A disciplina foi ministrada pela professora

Daniela Moura. Já no dia 11

teve início a disciplina “Publicações Impressas”, ministrada pela professora Fernanda Grigolin. O mês seguiu:

11/04 - Alunos do primeiro módulo da graduação receberam o convidado Luiz Otávio. O convite foi feito pelo professor Filipe Falcão, para a disciplina “Roteiro, Storyboard e Produção no Audiovisual”

12/04 - Aula aberta em homenagem à Diane Arbus por Alan Campos. O professor Alan Campos ministrou uma aula aberta em homenagem ao centenário da fotógrafa Diane Arbus. No encontro foi possível compreender sobre a importância da obra de Diane na história da fotografia.

MAIO

O semestre está caminhando para o fim, mas ainda tivemos muitas atividades.

04/05 - Ganhando Asas teve experiência de aula de teatro. A turma do projeto de extensão teve uma experiência de aula de teatro ministrada pelo professor Anderson Leite, no Teatro Barreto Júnior. Foi incrível.

05/05 - Encerramento da disciplina “Gêneros Audiovisuais”, na especialização As Narrativas Contemporânea da Fotografia e do Audiovisual. As aulas foram ministradas pelo professor Vinícius Andrade. Logo no dia 09 teve início a disciplina “Edição de Vídeo e Finalização”, ministrada pelo professor Marcelo Pedroso.

13/05 - A Gincana do Saber Fotográfico já faz parte do nosso calendário do Curso Superior de Fotografia e este ano tivemos a sétima edição do evento no qual

todos os estudantes da graduação se unem em uma série de atividades práticas. Diversão garantida. A Gincana inclui o varal fotográfico.

17/05 - A turma da especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual recebeu o cineasta Alexandre Figueirôa. Na oportunidade, assistiram ao curta “Recife, Marrocos”, dirigido por Figueirôa.

27/05 - O professor Filipe Falcão representou o curso de fotografia na feira de profissões do colégio GGE

30/05 - A turma de especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual e os estudantes da graduação do Curso de Fotografia assistiram ao filme “Fim de Semana no Paraíso Selvagem”, dirigido por Severino. Em seguida, houve um debate sobre o processo de montagem e finalização do longa.

JUNHO

Calma que o semestre está no final, mas mesmo assim tivemos uma longa programação.

05/06 - Alunos do primeiro módulo recebem Felipe Gervásio, fundador e presidente da ONG Deficiente Eficiente. Na oportunidade, ouviram sobre a experiência no projeto “Um Outro Olhar”, promovido pelo Núcleo de Ações de Extensão Social (NAES) do Curso Superior de Fotografia.

12/06 - Abertura da exposição fotográfica dos trabalhos feitos pelos alunos da graduação. A exposição feita na Biblioteca Central da Unicap.

13/06 - Alunos do primeiro

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módulo receberam como convidada a fotógrafa Andréa Leal. Ela falou sobre fotografia newborn, gestante, parto e família.

14/06 - Aula prática de gastronomia com os ex-alunos Victor Muzzii e Anderson Freire.

Os alunos do terceiro módulo tiveram aula prática proporcionada pelo professor João Guilherme Peixoto na disciplina de “Linguagem Fotográfica II”.

18/06 - Ensaio de moda “Potência Periférica”. Os alunos do terceiro módulo da graduação fizeram um ensaio de moda com direção de Uhgo, e orientação do professor João Guilherme Peixoto para a disciplina de “Linguagem Fotográgica II”.

20 a 22/06 - Expocom

Os alunos e ex-alunos da graduação de Fotografia levaram seus trabalhos para o Intercom Nordeste, que aconteceu em Campina Grande, na Paraíba. Segue abaixo a lista dos trabalhos apresentados:

• Ângela Lima: A Queda - CA 05 Roteiro de filme de ficção

• Clarice Melo: Poesia em Movimento - PT 05 Fotografia Artística

• Juliana Amara: A Semana 22 - RT

07 Website

• Vinicius Lins: Sai da FrenteVideoclipe

O trabalho “Sai da Frente” levou a premiação da categoria CA 04 Videoclipe. O trabalho foi orientado pelo professor João Guilherme Peixoto.

• 27/06 - Ganhando Asas encerra o 6° Módulo

O Ganhando Asas Através da Comunicação e da Arte celebrou o encerramento do sexto módulo, contando com a exposição “A Nossa Natureza”, apresentações, leitura de cordel e exibição de um vídeo feito a partir da vivência com a arte circense. A formatura contou com entrega dos certificados.

30/06 - Confraternização do semestre entre os estudantes da

graduação, da especialização As Narrativas Contemporâneas e do Audiovisual e do MBA em Cultura Visual, além de ex-alunos(as), professores e amigos.

JULHO

Julho marcou o encerramento das aulas da 5ª turma da especialização As Narrativas Contemporâneas da Fotografia e do Audiovisual. A pós terminou com a disciplina “Edição de Vídeo e Finalização”, ministrada pelo professor Marcelo Pedroso.

AGOSTO

O segundo semestre trouxe o início das aulas para a graduação em Fotografia e para este marco inicial, o curso preparou uma programação especial com palestras e oficinas. As atividades aconteceram entre os dias 10 e 12 de agosto.

O sábado, dia 12, foi duplamente especial já que os estudantes fizeram uma visita ao Paço do Frevo para, na sequência, assistirem ao longa “Disco Boy”, no Cinema da Fundação no Porto Digital.

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Priorizar atividades que coloquem o campus em contato com a sociedade.

Esta é uma das diretrizes do curso de fotografia da Unicap, além de estimular a prática de saberes e vivências diversas, compartilhadas.

Exposições, prêmios, visitas à instituições de pesquisa e órgãos de comunicação, consultas, atividades de formação continuada, serviços à comunidade, marcaram as ações do curso de fotografia da Unicap, de fevereiro a agosto de 2023.

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