A Câmara na cidade: retrato de um poder público no século XIX no município de Porto Alegre

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A Câmara na Cidade:

Retrato de um poder público no século XIX no município de porto alegre.

Autor não identificado.Foto do antigo prédio da Câmara Municipal de Porto Alegre. Fonte: Acervo digital do Theatro São Pedro. Reproduzido de https://memoria.jfrs.jus. br/historia/historia-da-jfrs/

Virgílio Calegari. Bebedouro na praça Rua Barbosa. Acervo MJJF.

Câmara Municipal de Porto Alegre Escola do Legislativo Julieta Battistioli

A Câmara na Cidade:

Retrato de um poder público no século XIX no município de porto alegre.

Prefácio

Hamilton Sossmeier Lourdes Sprenger

Apresentação Aldacir Oliboni Lúcio Almeida

Pesquisa e Texto Jorge Barcellos

Herman Rudolph Wendroth. Porto Alegre vista do sul. Reprodução site da Assembleia Legislativa do RS.

Sumário:

Prefácio, 9

Introdução, 13

O nascimento das câmaras municipais, 17

A Câmara e a abertura das primeiras ruas, 27

[Vigário José Inácio - Duque de Caxias - República - Pinto Bandeira - Senhor dos Passos7 de setembro - Uruguai - General Vitorino - Coronel Fernando Machado - Voluntários da Pátria - General Câmara - Washington Luís - Andradas - Mostardeiro - Conceição - Caldas Jr. - Ramiro Barcellos - Riachuelo - José de Alencar - General Canabarro - Sete de AbrilJoão Manoel - Espírito Santo - Barros Cassal - Marechal Floriano - General Vasco AlvesProfessor Annes Dias - Coronel Aparício Borges - Avai - Demétrio Ribeiro - Doutor Flores - Coronel Genuíno - João Telles - José do Patrocínio - General Portinho - Santo AntônioGeneral Salustiano - Dom Sebastião - Siqueira Campos - Coronel Vicente]

Câmara Municipal de Porto Alegre durante a ocupação do território gaúcho (1680-1772), 99

Avenidas para a expansão da cidade, 103

[Otávio Rocha - Oscar Pereira - Cristovão Colombo - Venâncio Aires - IndependênciaJoão Pessoa - Borges de Medeiros - Padre Cacique - Getúlio Vargas - Osvaldo Aranha]

As câmaras municipais da Colônia ao Império, 131

O crescimento da cidade: dos arraiais aos bairros, 137

[Menino Deus - Floresta - Belém Velho - Moinhos de Vento - Navegantes - Cidade BaixaBelém Novo - Glória - Teresópolis - Cristal - Bom Fim - Areal da Baronesa ]

A Câmara Municipal de Porto Alegre na Era do Trigo (1772-1820), 163

Os vereadores na luta pela preservação dos espaços de sociabilidade urbana,167

[Marechal Deodoro - Porto - Montevidéu - Rui Barbosa - Parque Farroupilha - XV de Novembro - Argentina - Brigadeiro Sampaio - Alfândega - Praia do Arsenal - General Osório - Dom Sebastião - Marquesa de Sevigné - Garibaldi]

A Câmara Municipal de Porto Alegre na Era da Imigração (18201880), 211

Com quantos equipamentos públicos se faz uma cidade? 217

[Mercados - Ponte de Pedra - Carnaval - Casa de Correção - Iluminação PúblicaTransporte Coletivo - Santa Casa - Gasômetro - Abastecimento de Água - Asseio PúblicoCorpo de Bombeiros - Cadeia Velha - Convento Nossa Senhora do Carmo - Catedral Metropolitana - Cemitérios - Igreja Nossa Senhora da Conceição - Casa de CorreçãoEleitorado - Enchentes - Epidemias - Expostos - Guarda Municipal - Iluminação PúblicaIndústria - Limpeza Pública - Matadouros - Colégio Militar - Pelourinho - Casa de Pólvora - Teatro - Telefones - Transporte Coletivo - Viação Férrea]

As câmaras municipais no longo caminho dos séculos XIX, 285

Vereadores e cidadãos no cotidiano da Câmara Municipal, 294

[O vereador doido - Pedro José de Almeida - Luiz Afonso de Azambuja - Felicíssimo Manuel de Azevedo - Lopo Gonçalves Bastos - Manoel José de Campos - Lourenço Júnior de Castro - Joaquim José de Carvalho - João Rodrigues Fagundes -Inácio de Vasconcelos Ferreira - Inácio José Figueira - Luís da Silva Flores - Paulo José da Silva Gama - João e José Pinto da Fonseca Guimarães - Juizes de Fora - Antônio de Azevedo

Lima - José Martins de Lima - Capitão Francisco Pedro de Miranda e Castro - Ouvidores

- Maria Emília da Silva Pereira - Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda - Promotores

Públicos - Dionísio de Oliveira Silveiro - João Batista Soares da Silveira - Padre Tomé Luiz de Souza - Manoel de Freitas Travassos]

Informações Técnicas, 321

Prefácio

O compromisso dos 250 anos

Hamilton Sossmeyer

Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre

Lourdes Sprenger

Presidente da Escola do Legislativo Julieta Battistioli

Esta obra trata da história das relações da Câmara Municipal de Porto Alegre com a cidade. Produto das comemorações pela passagem de seus 250 anos de fundação, tem o objetivo de ser um documento que mostra seu entrelaçamento com as fases de crescimento urbano da cidade. A Câmara na Cidade visa apresentar fatos e acontecimentos notáveis do Senado da Câmara através de imagens dos locais onde atuou, o que mostra como a instituição colaborou no crescimento da capital no século XIX. Propondo uma descrição histórica combinada com a evolução urbana, seu primeiro pressuposto é a relação biunívoca entre o parlamento na produção das características que a cidade adquire ao longo do tempo. A adoção desta metodologia permite mostrar como os vereadores colaboraram na consolidação das características e funções do núcleo urbano ao longo do século XIX. Sua sucessiva evolução foi motivada pelas ações e decisões do Senado da Câmara como agentes promotores de desenvolvimento urbano, segundo pressuposto deste estudo. A forma como os vereadores acompanharam os movimentos da população de Porto Alegre, como atenderam suas reivindicações e o relacionamento que estabeleceram com seus diversos atores sociais são o testemunho de que estes atores foram os agentes públicos e políticos necessários para criar e administrar a cidade, primeiro objetivo do autor que este

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trabalho visa demonstrar.

Seu autor ressalta como primeira característica metodológica que não foram incorporadas a esta pesquisa todas as cinco fases do desenvolvimento da cidade proposta na literatura porque importaria análise de sua evolução até o século XX. Entretanto, afirma a vinculação deste estudo ao modelo de desenvolvimento de Porto Alegre proposto por Souza & Müller e que constitui o segundo objetivo deste trabalho, dando-se na medida em que a pesquisa evidenciou o vínculo da Câmara à cada etapa da proposta daquelas autoras para a cidade no século XIX. A razão é que a esta obra baseia-se num modelo que valoriza os aspectos institucionais e, portanto, do espaço da organização política local na construção da geografia urbana da cidade, prestando assim uma notável contribuição a história política local.

Contudo, como a Câmara Municipal não era a única instituição do período, nos termos do quadro resumo de Souza & Müller (1997), seu destaque está no fato de que ela se revela como articulador fundamental nas interrelações institucionais da cidade. Esse é o terceiro objetivo deste trabalho, o de valorizar os aspectos político-administrativos na construção da cidade que apontam para uma autonomia e valorização do poder politico local, ao contrário do que a literatura enfatiza para o período de povoamento inicial da cidade, a sua dependência política administrativa do Rio de Janeiro. Isto é novo.

A segunda característica metodológica que é importante salientar nesta obra é a possibilidade de leitura independente dos capítulos referentes à história do legislativo das seções relativas ação dos vereadores sobre logradouros públicos e instituições. Como qualquer estudo histórico, as inúmeras ações dos vereadores na organização da cidade na cronologia adotada não são fixas, estabelecem apenas referências para o leitor. Seu objetivo final é apontar para o estabelecimento de um poder local, a fundação do governo provincial que ocorre

ao mesmo tempo da organização da economia da cidade em suas etapas clássicas, da formação à baseada na produção do trigo onde a Câmara se fez presente, o que não é registrado por Souza & Müller, bem como seus laços com a organização do comércio de base imigrante na cidade.

A terceira e última característica metodológica que cabe destacar é o trabalho de pesquisa de ilustração. A imagem tem dupla importância nesta obra. A primeira é apontar para o leitor os lugares de ações de vereadores, da forma mais próxima possível de imagens disponíveis à cidade que os próprios encontraram. A segunda é oferecer ao leitor uma obra com imagens históricas da capital, o que é, de certa forma, não apenas comemorar os 250 anos do parlamento, mas da própria cidade, comemorados no ano anterior a esta publicação. O autor alerta para o fato de que, ainda que a cronologia buscasse se concentrar nas imagens do século XIX, isso nem sempre foi possível e fezse a opção por incluir imagens do início do século XX sempre que isso fosse capaz de evocar a situação de logradouros no século anterior. A Câmara agradece aos principais depositantes de acervos da capital, como o Museu Joaquim José Felizardo, o IMS, o Acervo Prati e outras instituições e pessoas creditadas ao final pelo acesso a seus acervos.

Finalmente, este estudo é dedicado a um dos maiores estudiosos da Câmara Municipal, falecido em 2022, o historiador Sérgio da Costa Franco. Leitor assíduo das Atas da Câmara Municipal de Porto Alegre, o autor afirma que este estudo não teria sido possível sem seu Porto Alegre, Guia Histórico, que serve de base a esta pesquisa. Como ninguém, Franco elevou as atas da Câmara ao patamar de principal testemunho histórico da vida da cidade. Pesquisador presente na história do legislativo, esta obra é a ele dedicado, resgatando assim o compromisso do parlamento nestes 250 anos com a história de sua relação com a cidade e com um de seus maiores estudiosos. Boa leitura!.

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Autor não identificado. Sérgio da Costa Franco. Reproduzido de sergiodacostafranco.com.br

Jorge Barcellos Lúcio Almeida

Apresentação

Uma nova história da Câmara

Aldacir Oliboni

Vice-Presidente da Escola do Legislativo Julieta Battistioli da Câmara Municipal de Porto Alegre

Lúcio Almeida

Diretor da Escola do Legislativo Julieta Battistioli

Conhecer a história da cidade é fundamental para a construção da cidadania. Sobre história de Porto Alegre há uma notável literatura a respeito, com diversos autores que já se tornaram clássicos na sua descrição, como Sérgio da Costa Franco e Riopardense de Macedo. Conhecer a história da cidade não se faz, contudo, sem conhecer a história de suas instituições, pois elas são fundamentais para entender a construção da cidadania do portoalegrense. Porto Alegre cresceu, completou em 2022, 250 anos e se transformou no centro político do Estado. Agora, em 2023, é a Câmara Municipal de Porto Alegre que completa 250 anos. Nesse tempo, a população adquiriu referências da cidade mas perdeu as de sua história política. As novas gerações não conhecem as vivências do passado de seu parlamento e por isso muitos não lhe dão valor. Por essa razão é preciso relembrar e pesquisar sua história, o que tem sido feito recentemente por estudos universitários com os quais esta obra, ACâmaraeaCidade: retratodeumainstituiçãonoséculoXIX, pretende colaborar. Aqui o mecanismo adotado para rememorar, acessar e fixar rapidamente a história da Câmara Municipal de Porto Alegre na cidade é a imagem. Aqui ver significa apreender,

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criar condições para que o leitor assimile a história de seu parlamento no desenvolvimento da cidade, olhando o lugar onde seus vereadores atuaram. Para isso, o método adotado é relacionar as ações que os vereadores realizaram no século XIX em relação à construção da cidade. Por todo o lado estão ocultos os traços do trabalhos dos vereadores, nas das ruas às instituições, relacionamento com lugares e pessoas, a geografia urbana da capital. Descobrimos nessa viagem que o legislativo foi parte importante do processo de desenvolvimento urbano, social, econômico e locacional da cidade como propõem Souza & Müller em Porto Alegre e sua evolução urbana (1997). Cruzamos essa perspectiva com os registros de Sérgio da Costa Franco em seu Porto Alegre, Guia Histórico (1998) e descobrimos um novo guia da cidade feito por seus vereadores e finalmente, fomos atrás dos lugares citados por ambos nas imagens.

Este trabalho não é um levantamento completo e exaustivo da história do poder legislativo na evolução política da capital, mas buscar mostrar como o parlamento colaborou nos aspectos urbanos, sociais e econômicos da cidade ao longo do século XIX. Esta obra responde a pergunta: como o legislativo colaborou com o desenvolvimento da cidade no século XIX? Como a ação dos vereadores afetou o desenvolvimento urbano? Como se comportou o “Senado da Câmara” em momentos de desenvolvimento e estagnação da cidade? Os fatos e decisões da Câmara importam quando relacionados aos fatores populacionais, econômicos, socioculturais, institucionais e locacionais que atuaram sobre a cidade, afetando as funções urbanas da capital. Em cada um dos momentos do período analisado, das origens até ao final do século XIX, suas ações afetaram a estrutura física da cidade, seja pelas suas determinações do uso do solo, abertura de ruas, construções de equipamentos ou leis que afetaram a estrutura socioeconômica da capital. Aqui a periodização considerada segue a proposta de

Souza & Müller que pode ser sintetizada da seguinte forma: seu primeiro período equivale a localizar as origens da Câmara Municipal na Ocupação do Território (16801773). Nesta fase, o Rio Grande do Sul é incorporado à Colônia do Brasil e surgem as primeiras estruturas políticas no estado junto aos primeiros povoados. A antecedência do núcleo urbano precede a instalação de sua Câmara, mas não é uma etapa menos importante, pois assinala as origens do legislativo na mudança do Parlamento, localizado em Viamão, para Porto Alegre, que acompanhou medidas para a criação de instalação da Câmara na região e desenvolvimento da cidade.

O segundo período é o da Câmara na Era do Trigo (17731820). Nesta fase, o trigo se transformou no principal produto dos açorianos localizados em Porto Alegre e na região do Jacuí, escoado para Porto Alegre para ser exportado para outras regiões. Isso provocou não apenas odesenvolvimento portuário da cidade, com seus estaleiros e trapiches que passavam pela Câmara Municipal, mas, também, na decisão de inúmeras questões relativas à sua produção nos limites da cidade.

O terceiro e último período, a Câmara na Era da Imigração (1820-1890), é a fase que, segundo Souza & Muller, se caracteriza pela estagnação econômica decorrente da produção do trigo e depois da Guerra dos Farrapos, onde a imigração europeia marca todo o período, exceto no intervalo entre 1834-1850. Nele um aspecto se destaca. A retomada da imigração nos anos 1870 auxiliou de forma significativa o desenvolvimento local e a regulação do trabalho e da expansão urbana onde se fixarão estes imigrantes, que esteve sob olhar atento dos vereadores. Cada uma destas fases aponta para a circunstância de que oLegislativo não só acompanhou o desenvolvimento urbano, mas ao mesmo tempo, o afetou. Sua importância ao longo do século XIX está no fato de que estabeleceu para a República na capital a base de ação para as iniciativas do então novo Poder Executivo, a Intendência e

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após, ao longo de todo o século XX, seu papel fundamental na elaboração dos primeiros planos diretores de desenvolvimento urbano que a cidade adotou. A cidade que nasce no século XX herda a diversificação de áreas habitacionais delineadas na segunda metade do século XIX que a Câmara Municipal deste período ajudou a forjar e, assim, finalmente, foi o primeiro lugar de expressão das lutas dos sociais dos primeiros moradores por melhores condições de habitação em Porto Alegre.

Detalhe da atualização dos nomes das ruas tradicionais da planta de Porto Alegre, capital da Província do Rio Grande do Sul, de João Candido Jacques. 1888. Cartografia Virtual Histórico-Urbana de Porto Alegre. Porto Alegre, 2005. CD-ROM. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS).

O nascimento das câmaras municipais

Não se concebe obra sobre um poder público que não recomponha sua história para o leitor. A razão é que o legado da história institucional brasileira e, em especial, da história dos parlamentos municipais e da representação política desde os tempos coloniais, ainda são atuantes no Legislativo. A importância desses laços com o passado está no fato de que, desde as origens do Brasil, as câmaras municipais eram os principais órgãos de administração pública, base da vida política brasileira. A leitura de Os donos do poder, de Raymundo Faoro (1975), é hoje um dos principais estudos de nossa vida política que auxilia na reconstrução desta trajetória. Seu pensamento é um guia da história das câmaras municipais. A primeira menção efetiva de Raymundo Faoro a estas instituições ocorre no capítulo cinco de Os donos do poder, quando o autor descreve a obra de centralização colonial empreendida por Portugal no Brasil. Faoro diz que “as câmaras – o Senado da Câmara, com o honorífico nome de Senado obtido mediante usurpação – se convertem em órgãos inferiores da administração geral das capitanias, órgãos inferiores e subordinados verticalmente”. Para compreendermos o contexto em que se situa esta passagem no pensamento do autor, é preciso lembrar alguns elementos fundamentais. O primeiro elemento é o plano da obra. Faoro dedica importante parte dela para caracterizar não apenas a origem do estado português e os fundamentos da sua monarquia no direito romano – os três primeiros capítulos da obra, que no total chega a quinze, distribuídos em dois volumes –, mas também o surgimento do patrimonialismo e do estamento português como elementos essenciais para a paralisia do Estado barroco.

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A análise do poder político no Brasil inicia no capítulo quatro, mas ainda não há uma descrição do nascimento das primeiras vilas – exceto se considerarmos o processo de feitorização como seu ponto de partida. Em realidade, nesse capítulo o autor está preocupado em estabelecer as bases da colonização portuguesa no Brasil e as relações do Estado com a colônia. Diz Faoro: “A colonização foi obra do Estado, como as capitanias representaram delegação pública de poderes, sem exclusão da realeza”. E adiante assevera: “O sentido da colonização está claro: o povoamento como obra auxiliar da conquista [...]. As vilas se criavam antes da povoação, a organização administrativa precedia ao afluxo das populações. Prática que é modelo da ação do estamento, repetida no Império e na República: a criação da realidade pela lei, pelo regulamento”. É o caso de Porto Alegre, sede de uma câmara antes de ser cidade.

Desse modo, nas origens da história política brasileira, o Legislativo está ligado à necessidade de organizar a vida local pela lei, ainda que, de fato, no plano da obra de Faoro, os conceitos de município e de Poder Legislativo ocupem lugar secundário. É só olhar o primeiro volume, onde o autor está preocupado em defender sua ideia de que o mundo português foi patrimonial e não feudal, e onde Faoro vê a cidade predominando sobre o campo, transformando o príncipe e orientando as relações políticas com o comércio. O que chama a atenção é que, segundo o autor, a esta primitiva organização política se associou uma ordem burocrática que sobrepunha o soberano ao cidadão. Diz: “o corpo de funcionários recebia a remuneração das rendas dos casais, aldeias e freguesias, dos estabelecimentos não beneficiados com a imunidade fiscal. Os cargos eram, dentro de tal sistema, dependentes do príncipe, de sua riqueza e de seus poderes. Extremavase tal estrutura da existente na Europa contemporânea, marcando um prematuro traço de modernidade.” Por isso,

na seção Personagens, destacamos quem eram os seus servidores, com quem se relacionavam e como. Na abordagem de Faoro, ao remontar tão longe nas estruturas de seu estado patrimonialista, ele termina por agregar, ainda que secundariamente, elementos importantes para a análise das câmaras municipais de hoje. Graças a isso, emergem, ao longo de sua obra, importantes insights que são úteis a quem se preocupa com o Poder Legislativo. É o que ocorre quando o autor caracteriza o sistema patrimonial como aquele que, em vez de uma rede de direitos, privilégios e obrigações determinadas – como é no caso feudal –, estabelece uma rede patriarcal de relações: os funcionários são a extensão da casa do soberano. Para Faoro, os membros têm consciência de pertencer a um mesmo grupo social, o que fortalece uma instituição em que “os cargos são para os homens, e não os homens para os cargos” . Nas origens do político, nas origens do Estado brasileiro, público e privado se confundem e o mesmo ocorre nas relações entre os vereadores e figuras proeminentes locais, como a famosa "baronesa". No surgimento do Legislativo brasileiro, sustenta Faoro, está o parlamento português. Na política portuguesa, afirma o autor, o soberano corria “atrás das medidas legislativas, das censuras da opinião e dos conselhos políticos”. Em Portugal existiam câmaras municipais, mas o problema era o seu espaço de atuação. Faoro fala a respeito de dom Fernando, que “gozava de grande prestígio em Lisboa, onde manobrava os vereadores”. É que, no plano político, as câmaras de vereadores em Portugal também tinham função secundária: importante era o rei. Faoro transporta a visão dessas relações de subordinação para sua análise das câmaras de vereadores no Brasil, importante para caracterizá-las até o final do império. “Significa esta realidade – o Estado patrimonial de estamento – que a forma de domínio, ao contrário da dinâmica da sociedade de classes, se projeta de cima para baixo. [...]. Junto ao Rei, livremente recrutada, uma comuni-

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dade – patronato, parceria, oligarquia, como quer que a denomine a censura pública – manda, governa, dirige, orienta, determinando, não apenas formalmente, o curso da economia e as expressões da sociedade, sociedade tolhida, impedida, amordaçada”. Na capital, é notável o esforço dos vereadores em resistir a determinações do presidente da Província e a determinados cidadãos quando o objeto de luta é o espaço público. Sinal de seu enfrentamento e resistência? Hoje, a subordinação do passado das câmaras municipais ao rei se reproduz no regime democrático na luta do Executivo em exercer influência sobre o Legislativo. Esta é uma das heranças do período de formação da política local brasileira que se prolonga para a atualidade. Quer dizer, se existe uma similitude entre as câmaras municipais do passado e as atuais, ela está nessa luta contra a relação subordinada herdada do centralismo do Estado patrimonialista português para o centralismo do Estado democrático de direito. Faoro também lembra que, no passado, o valor das Ordenações Portuguesas era muito grande, mas o direito português, “precocemente consolidado”, segundo ele, “serviu mais à organização política do que ao comércio e à economia”. As Ordenações do Reino tinham relevante papel: elas disciplinaram as atribuições dos cargos públicos e a arquitetura administrativa da colônia, colaborando para ser a certidão de nascimento das câmaras municipais, ainda que, na passagem do período colonial para o período imperial, “o município – o velho conselho, antigo aliado do rei contra os nobres – não era mais necessário como peça autônoma no xadrez social”. Posteriormente, Faoro, nos capítulos três e quatro, ao retornar ao argumento de que a colonização tivera cunho capitalista no Brasil, recupera o nascimento da burocracia de Estado: “A voracidade comercial, a conquista ao serviço do trato das especiarias, a artilharia encobrindo a avareza culminam numa corrente burocrática presidida pelo rei. O funcionário está por toda

a parte, dirigindo a economia, controlando-a e limitando-a a sua própria determinação. Uma realidade política se entrelaça numa realidade social: o cargo confere fidalguia e riqueza”.

Aqui o texto de Faoro sugere outra relação com a atualidade, já que o poder dos procuradores e demais servidores da Câmara de hoje pode ser compreendido como uma fugaz reminiscência desse passado. Ao longo do século XIX, vemos a interferência do procurador, fiscais e agentes da Câmara de Porto Alegre em diversas atividades, espaços e lugares. Passado distante, é verdade, mas não menos atual, por também na Câmara de Porto Alegre hoje, a burocracia e a vereança estão ligadas, já que oseu nascimento e profissionalização tem uma importância fundamental de aprendizado para todo o sistema local de poder que, de agora em diante precisa “produzir os funcionários, letrados, militares e navegadores”. Eles são responsáveis por ensinar a sociedade a obedecer aos seus regulamentos e atores. Na abordagem de Faoro, ao remontar tão longe nas estruturas de seu estado patrimonialista, ele termina por agregar, ainda que secundariamente, elementos importantes para a análise das câmaras municipais de hoje. Graças a isso, emergem, ao longo de sua obra, importantes insights que são úteis a quem se preocupa com o Poder Legislativo como o que ocorre quando o autor caracteriza o sistema patrimonial como aquele que, em vez de uma rede de direitos, privilégios e obrigações determinadas – como é no caso feudal –, estabelece uma rede patriarcal de relações: os funcionários são a extensão da casa do soberano. Aqui na Câmara Municipal, os seus servidores são a extensão da vereança. Para Faoro, os membros têm consciência de pertencer a um mesmo grupo social, o que fortalece uma instituição em que “os cargos são para os homens, e não os homens para os cargos”. Nas origens do político, nas origens do Estado

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brasileiro, público e privado se confundem, o que se repete, de certa maneira, na Câmara Municipal. No surgimento do Legislativo brasileiro, sustenta Faoro, está o parlamento português. Na política portuguesa, afirma o autor, o soberano corria “atrás das medidas legislativas, das censuras da opinião e dos conselhos políticos”. Em Portugal existiam câmaras municipais, mas o problema era o seu espaço de atuação. Faoro fala a respeito de dom Fernando, que “gozava de grande prestígio em Lisboa, onde manobrava os vereadores”. É que, no plano político, as câmaras de vereadores em Portugal também tinham função secundária: importante era o rei. Faoro transporta a visão dessas relações de subordinação para sua análise das câmaras de vereadores no Brasil, algo importante para caracterizá-las até o final do império: “significa esta realidade – o Estado patrimonial de estamento – que a forma de domínio, ao contrário da dinâmica da sociedade de classes, se projeta de cima para baixo. O autor descreve o Legislativo de forma paradoxal, dividida em seu movimento em defesa da autonomia local e resistência ao centralismo político do século XIX. Diz ele: “Imaginou a corte um sistema de delegação de autoridade, à custa dos agentes locais, conferindo-lhes vantagens reais em troca de encargos, com a vista aplicada aos monopólios, rendas e tributos”. A introdução do papel do Poder Legislativo local na obra de Faoro inicia no final da análise da experiência das capitanias e da organização de um sistema político que fosse, ao mesmo tempo, localizado na colônia e sem autonomia e poder de fato. Como ele aponta, era preciso cuidado, já que “o localismo emergia, anárquico”. Será mesmo? Da subordinação ao poder central não decorria que as câmaras municipais fos-

sem pouco importantes para a vida da colônia. De fato, assinala Souza (2001) que "nessa política metropolitana de limitação às aspirações autonomistas dos potentados, os conselhos municipais tiveram papel importante, sendo instrumentos da centralização, abrigo dos colonos e latifundiários que o Estado domesticara e transformara em homens bons. O temor da autonomia não existiu desde sempre, e o exercício da autoridade e da disciplina não foi prática sistemática”. As formas pelas quais essa centralização se realizou na colônia foram apontadas por Faoro . Pelo regimento e pela carta de nomeação, o governador geral tinha toda a autoridade para disciplinar os donos de embarcações, a vida dos moradores das vilas, numa consciente e deliberada preocupação em reduzir o espaço econômico ao espaço administrativo. A política local nascia com rédeas curtas. O município tinha uma autonomia tolerada e medida, cujo objetivo era cumprir certos objetivos do soberano, e entendo que o modelo que Faoro usa para descrever a vida nas primeiras vilas do Brasil serve para Porto Alegre que segue, em parte, o esquema proposto pelo autor. É verdade que a ocupação tardia do Rio Grande do Sul e, com ele, o nascimento da Câmara Municipal de Porto Alegre, em 1773, duzentos anos após a fundação dos primeiros municípios brasileiros, implicou uma inserção tardia do legislativo municipal no processo de centralização administrativa de que fala Faoro. A organização política local foi imposta às comunidades locais, o que criou uma ordem política submissa ao rei: “Paradoxo aparente: para dominar as populações dispersas deixou-se o estatuto do governo local. Na verdade, o município, na viva lembrança dos êxitos da monarquia, foi instrumento vigoroso, eficaz, combativo, para frear os excessos da aristocracia e para arrecadar tributos e rendas”. Assim, segundo Faoro, a manutenção da obediência dos súditos foi o grande objetivo da organização dos municípios brasileiros, e das Câmaras que

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eram fiéis ao sistema jurídico português. De fato, criar vilas vinculadas ao rei e capazes de autodeterminação não visava a criação de um sistema administrativo autônomo. O poder era dos grandes latifundiários – os chamados "homens bons" – e as câmaras não passavam da forma de gestão da vida dos municípios – como se sabe, não existia ocargo de prefeito. Em Porto Alegre, contudo, é notável as resistências de muitos cidadãos às medidas do seu Senado da Câmara, e vice-versa: pelos relatos das atas na visão de Franco, fica evidente que homens bons negociam com seus cidadãos. Faoro acentua o fato de que a cadeia de relações político-jurídico-administrativas gerava frequentemente tensões entre as correntes locais e não locais. Quer dizer, no início do período colonizador, estabeleceu-se uma dicotomia entre governo geral e governo municipal; vale a pena transcrever a forma como Faoro descreve a consolidação da municipalidade: “O pelourinho simbolizava o núcleo legal: instrumento e símbolo da autoridade, coluna de pedra ou de madeira que servia para atar os desobedientes e criminosos, para o açoite ou oenforcamento. Com o pelourinho, se instalava a alfândega e a igreja que indicavam a superioridade do rei, cobrador de impostos, ao lado do padre, vigilante das consciências. Com as vilas se instaurava, nas praias e no sertão, a palavra rígida, inviolável e hierática das Ordenações. A colonização e a conquista do território avançam pela vontade da burocracia, expressa na atividade legislativa e regulamentar. Desde o primeiro século da história brasileira, a realidade se faz e se constrói com decretos, alvarás e ordens régias [...] a fundação da vila serve para lembrar a autoridade da Coroa [...] os colonos e latifundiários, atraídos para o caudilhismo, com a chefia de bandos armados na caça ao índio, subordinam-se à carapaça administrativa, integrando o Senado da Câmara, convertidos em “homens bons”, categoria da qual estavam excluídos os oficiais me-

cânicos, judeus, degredados e estrangeiros [...]. O município, em regra, se constituiu por ato da autoridade régia, diretamente ou revalidativo das decisões dos governadores e capitães mores. [...] A organização administrativa seria suficiente para conter os ânimos mais ardentes ou insubordinados. [...]. Os senhores de engenho e os moradores se entrosavam na rede de governo, como auxiliares e agentes. Limitava-lhes, astutamente, o espaço territorial, para que não fugissem do olho dos superiores”. Ainda que seu registro tenha se perdido ao longo do tempo, Porto Alegre também teve seu pelourinho, junto a Igreja das Dores, mas foi a vereança a forma de integrar os caciques locais ao sistema administrativo colonial, nos termos de Faoro. Se, por um lado, o governo metropolitano necessitava outorgar certas responsabilidades aos da colônia, por outro lado temia a independência que a outorga da autoridade possibilitava. É exatamente neste tênue limite que vereadores e cidadãos de Porto Alegre negociam a criação da cidade que está diante de seus olhos. Para o autor, conciliação ou repressão violenta seriam as formas de gestão dos conflitos políticos, legadas do Império à República. Aqui, a violência era mediada, levavase tempo de espera para uma ação do parlamento, e nesse interim, sobrava espaço para os cidadãos construírem a cidade também ao seu modo. Ao final do século XVI, diz Faoro, “a passividade complacente da metrópole diante das câmaras municipais, frente aos caudilhos rurais, chega ao fim”, cenário muito similar ao de Porto Alegre em meados do século XIX com a imigração. Neste ponto chegamos à primeira definição de Faoro sobre as câmaras como espaços para garantir a obediência dos moradores ao soberano e aos governantes das províncias; esses últimos, contudo, só assumiam seus cargos depois que as respectivas câmaras municipais os reconheciam, como cita o autor no exemplo

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de Rui Vaz de Siqueira, nomeado governador do Maranhão. É nesse contexto que surgem as bases da organização política dos princípios do século XVII e que chegarão a Câmara de Porto Alegre no século seguinte. O poder de fato ficava a cargo do governador ou do rei: “reduzindo a Câmara a funções administrativas, vazia de todo o poder político [...] as câmaras se amesquinham, convertidas em órgãos auxiliares do governador”. Sobre a situação das câmaras no início do século XVII, descreve o autor que "o senado da Câmara desce de sua efêmera dignidade, reduzido a simples auxiliar dos senhores que governam as capitais, servos do poder central, escravos do rei. Os termos, vilas e comarcas se dividem, para atomizar as hostes dos caudilhos, na fórmula consagrada de dividir para governar e centralizar [...]. A administração local, a única parcialmente brasileira, será apenas autônoma para pequenas obras, uma ponte ou uma estrada vicinal. A sociedade não se lusitanizará com esta parada no seu processo de tomada de consciência [...], o Estado não é sentido como o protetor dos interesses da população, o defensor das atividades dos particulares". Aqui, ao final, “as "pequenas obras”, de que fala Faoro, não serão tão pequenas assim como mostra o exemplo, no século XVIII e XIX, da fundação da Câmara de Porto Alegre. Ela nasce num momento de reação a ideia de câmaras municipais como órgãos subordinados ao Rei. Com burocracia própria e seu modelo de organização importado das câmaras portuguesas, desenvolve-se aqui a luta por sua autonomia, fato que marca de sua história até hoje. Vejamos um pouco mais destes aspecto na próxima seção.

Acervo do MJF.

A Câmara Municipal e a abertura das primeiras ruas

Planta de Porto Alegre, capital da Província do Rio Grande do Sul, compreendendo os distritos da cidade. Reproduzido de Cartografia Virtual Histórico-Urbana de Porto Alegre. Porto Alegre, 2005. CD-ROM. Autoria: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.

Segundo Stella Bresciani (2014) a palavra “rua” sempre pertenceu ao campo do urbano e é a mais comum para nomear as vias de circulação entre as casas e as demais construções da cidade: “Desde muito cedo que os lexicógrafos concordaram sobre a definição do objeto rua. Para que houvesse rua, era preciso haver “casas” e “passagens” no interior de uma cidade”. Bresciani afirma que, entretanto, essa definição exclusiva de cidade é abandonada ao longo do século XIX, ampliando-se seu campo de aplicação para vilas ou aldeias que também podiam ter suas ruas. Isto significa que atenuou-se seu sentido ao longo do tempo, abrindo-se seu uso para zonas pouco definidas ou de transição, como os subúrbios e arraiais, como em Porto Alegre nos séculos XVIII e XIX.

O reconhecimento de uma rua deve-se em primeiro lugar, ao fato de que há nelas pessoas circulando, veículos ou águas residuais, afirma Bresciani. A autora assinala que até o século XIX eram usados principalmente os termos “rua”, “beco” e “travessa” para os logradouros. Ela diz: “entre o beco e a rua existe uma diferença de tamanho: o beco era mais estreito, podia não ter saída e sobretudo, não permitia uma circulação fácil. Havia igualmente uma diferença de traçado: a rua possuía um eixo mais regular e retilíneo”. Se nos ativermos as atas da câmara de Porto Alegre, a luta dos vereadores concentrava-se na conquista dos terrenos de propriedade privada para a abertura de ruas, a realização de seu alinhamento, mas também a remoção de obstáculos que estavam ao longo delas. Aqui os vereadores encontraram dificuldades nas ruas cuja geografia era íngreme ou junto a riachos, ao contrário das ruas planas que permitiam ao arruador traçados mais regulares como em outras cidades do país.

A geografia das ruas também era uma geografia moral, com ruas de “má fama”, lugares de prostituição e boemia. Isso fica evidente quando os vereadores registram em ata seus nomes populares, como “Rua dos Pecados Mortais”, entre outras. Também se registrou para a posteridade a localização de moinhos e moradores que fizeram parte da

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história da capital por uma ou outra característica específica. Da expressão “rua” temos “arruar”, que significa traçar uma rua ou “apartar em ruas” que designa a ação do arruador, que é uma ação de organizar a Porto Alegre imperial, o que não tinha nada de arbitrário. A cidade teve, em primeiro lugar, ruas para marcar seu desenvolvimento, eram o elemento urbano mais estável até o surgimento das avenidas. Diz Bresciani (2014, p. 581)que ”a busca de condições topográficas especiais vinculadas a preocupação com a defesa deram origem as ladeiras, espécie de rua mais ou menos ingreme”. É o caso da Rua do Ouvidor, que também foi chamada pelos porto-alegrenses por muito tempo pela alcunha de “Da Ladeira” e assim foi referida pelos vereadores nas atas. Em Porto Alegre, nos termos de Bresciani, a rua era um lugar de passagem e um instrumento de organização social. Ela aponta para o sujeito morador, o habitante, que é “considerado cidadão”, pois ruão é o sujeito morador da rua e, na tradição portuguesa que inspira a leitura da autora, também significa cidadão. Mas a rua não fica como espaço organizador apenas: ele também é oespaço público, com todos os conflitos de interesse entre os moradores entre si e entre eles e a Câmara de Vereadores. De rua vem então diversos derivados: rueiro é quem gosta de andar nas ruas; arruadeira, meretriz; arruaça, motim de arruadores, gente da rua, vagabundos “Todas essas palavras fazem da rua um espaço público sujeito à desordem”, diz Bresciani e, portanto, objeto da ação dos vereadores.

Sejam ruas do centro ou da periferia, as ruas são o espaço da sociabilidade, dos cafés e dos encontros. Construídas pelo poder público e pelos vereadores ao longo de processos de negociação com moradores, são esforços de melhoria urbana. Algumas tornaram-se referência na cidade, como a Rua dos Andradas; outras evoluíram com tantos nomes quantos fossem seus habitantes mais significativos. Vejamos algumas.

Luiz Terragno. Ateliê do fotógrafo na Rua Vigário José Inácio esquina com Rua General Vitorino, década de 1860.

Acervo do MJJF.

Rua Vigário José Inácio

O logradouro do centro que termina na Rua Duque de Caxias, também chamado de Rua da Bandeira e Rua do Rosário, entra nas preocupações dos vereadores em 1º de setembro de 1813, quando o Senado da Câmara autoriza Martinho José de Faria Pinto a levantar casas “em um terreno hoje pertencente à Rua da Bandeira”. Franco enumera diversas concessões feitas pela Câmara Municipal partir de 1814, indicando este ser um momento de grande expansão do logradouro. O nome Rua da Bandeira se preserva em diversas atas da Câmara, de 14 de abril de 1821 a 19 de dezembro de 1838, quando então passa a ser registrada pelos vereadores a denominação de Rua do Rosário. Havendo necessidade de abrir a rua para além da atual Rua de Caxias, os vereadores, em 10 de fevereiro de 1824, realizam inspeção ocular no lugar em que a Rua da Bandeira “atravessa a Rua Alegre”, nome dado a um dos seguimentos da Rua Duque de Caxias, para fixar alinhamento solicitado pelo Coronel Francisco Barreto Pereira. A sugestão do engenheiro aos vereadores foi que “a rua seguisse em direitura como se acha marcada, cortando pela pequena casa de meia-água pertencente a Confraria de Nosso Senhor dos Passos”.

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Virgílio Calegari. Rua Vigário José Inácio esquina com Rua Voluntários da Pátria, década de 1900 (?). Acervo do MJJF. Studio Os2. Antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário na Rua Vigário José Inácio, sem data. Acervo do MJJF.

Anos depois, em 15 de junho de 1829, a Câmara intima dona Francisca Urbana da Fontoura Barreta, viúva do referido Coronel, a “demolir o muro que construiu unindo a casa de sua morada que, no ato de inspeção, se notou impedir o seguimento da Rua da Bandeira”. O poder político de dona Francisca logo convenceu os vereadores a voltar atrás e, em 30 de junho de 1829, os edis revogaram a ordem. Franco ironiza que Francisca Urbana, “que tão urbana não era”, teria feito competente ação judicial e “não era a primeira vez que famílias poderosas fechavam espaços de uso comum do povo”, finaliza. A Câmara só volta a se preocupar com o logradouro após a Revolução Farroupilha, determinando em 13 de janeiro de 1844 a obrigação para os proprietários da então Rua do Rosário calçarem as testadas de suas casas em até dois meses.

Em 7 de outubro de 1869, os vereadores também determinaram a empreitada do empedramento da rua até a Rua Riachuelo. Em 9 de julho de 1877, a Câmara muda então seu nome para Rua Vigário José Inácio, em homenagem ao Padre José Ignácio de Carvalho Freitas, vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Rosário, recentemente falecido.

Autor não identificado. Beco do Rosário, anos 20.O antigo Beco do Rosário, antes de se tornar a Avenida Otávio Rocha, tinha a mesma denominação da Rua do Rosário por proximidade a igreja, segundo a interpretação de Ana Luiza Koehler. À direita, o Café Brazil.Acervo MJJF.
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Rua Duque de Caxias

Franco afirma que a denominação Rua Formosa para o trecho da Rua Duque de Caxias entre seu começo, na Praia do Arsenal, e a equina da atual Rua João Manoel, era usada nas atas da Câmara até 1830, quando começa ser usada em seu lugar o nome Rua da Igreja para toda a extensão. Existiam diversos nomes devido ao fato de ser uma rua tortuosa desenvolvida na parte mais alta da colina onde nasceu a cidade, o que gerou diversas denominações espontâneas como Rua de São José, Rua Alegre e Rua do Hospital.

Em 19 de julho de 1820 a Câmara já aludia a requerimentos de terrenos na Rua de São José e, em 31 de março de 1821, um deles cita a “rua que segue da Igreja para o Portão, procurando a do Bandeira" (primeira designação da Vigário José Inácio). Em 15 de fevereiro de 1824 outro requerimento aos vereadores referia-se a Rua Alegre,ondeo“Sargento-MorJoséLuizMenaBarre-

to requeria um terreno para edificar, convindo saber que a morada dos Mena Barreto veio a ser construída no lado ímpar da Rua Duque de Caxias, à frente da desembocadura da Rua Vigário José Inácio”, finaliza o historiador, para quem que é bastante clara a confusão de nomes do logradouro durante o período. Ele mesmo cita a resolução cameral de 14 de janeiro de 1824 onde se fala de um talho público do Portão na Rua Alegre, o que sugere que, sendo o Portão próximo à Rua João Pessoa, a rua era maior do que se pensava. Datam de 3 de agosto de 1844 as primeiras preocupações com o calçamento da Rua da Igreja, quando os vereadores estipulam o prazo de quatro meses para que os proprietários tratassem de fazer as respectivas calçadas e de 7 de maio de 1869 em que os vereadores nomearam uma comissão para angariar donativos junto aos proprietários da Matriz e Rua de Bragança “para auxilio do calçamento da referida rua”. Finalmente, em 29 de dezembro de 1869, a Câmara Municipal altera a denominação da Rua da Igreja para Rua Duque de Caxias, que permanece até hoje.

Rua da República

A rua que termina na Av. Praia de Belas remonta sua origem à ata de 23 de outubro de 1845, quando o vereador Dr. Luiz da Silva Flores propôs sua abertura para “marcar de um modo útil a próxima visita dos monarcas”, no caso, Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina. A proposta de abertura de Rua do Imperador (a atual República) e da Imperatriz (atual Venâncio Aires), foi feita após ouvir o Procurador da Câmara, em 30 de outubro de 1845, sobre os terrenos pertencentes a João Batista Soares da Silvei

ra Souza, e de outra parte, o terreno de 15 herdeiros, segundo o vereador Berlink, citado por Franco.

Em 24 de julho de 1847 a Câmara manda alinhar a altura das soleiras dos terrenos remanescentes bem como autorizou João Batista a fazer escavações, já que era proprietário de uma olaria, desde que fossem aterrados os lugares escavados. Uma resolução da Câmara, data de 11 de dezembro de 1889, mudou a denominação de Rua do Imperador para a atual Rua da República.

Autor não identificado. Trecho final da Rua Pinto Bandeira e praça do mesmo nome, onde se localizava o Cine-Theatro Coliseu, década de 1910. Acervo do MJJF.
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Autor não identificado. Praça Pinto Bandeira, década de 1940 (?). Acervo do MJJF.

Rua Pinto Bandeira

Em 19 de abril de 1877 a Câmara Municipal foi autorizada a aceitar a doação de terrenos para abertura de uma nova rua oferecidos por Rafaela Pinto Bandeira, do loteamento da antiga Chácara da Brigadeira. Em 11 de julho de 1882 os vereadores obrigam os proprietários a murarem os respectivos lotes vagos, excetuando-se os das Ruas Nova, Pinto Bandeira, Coronel Vicente e São Rafael. O vereador Amaya de Gusmão, em 1887, assinalou a urbanização precária da rua “era intenção da Câmara tornar efetiva a abertura da Rua Pinto Bandeira em toda a sua extensão, mas viu-se inibida de prestar esse serviço pelas reclamações que lhe apresentou o Doutor Israel Rodrigues Barcellos quanto à abertura da rua na seção compreendida entre a Praça de D. Feliciano e a rua São Rafael; tendo contratado com o italiano Malfatti Virgílio, por preço vantajoso, a abertura de rua desde a desembocadura da Rua São Rafael até a dos Voluntários da Pátria, achando-se esse serviço bastante adiantado”.

Na sessão de 9 de junho de 1888 os vereadores mandaram abrir a Rua Pinto Bandeira, desde a Rua Independência até a Rua São Rafael, com auxílio de um empréstimo de Manuel Py. Como havia uma grande pedra na região, combinaram que Malfatti Virgilio ficaria coma pedra extraída e a câmara, o cascalho. A abertura final do logradouro foi em 1905.

Virgílio Calegari. Esquinas das Ruas Pinto Bandeira e Voluntários da Pátria, onde se localizava o Cine-Theatro Coliseu, década de 1910. Acervo do MJJF.

O logradouro que começa na Rua Voluntários da Pátria é chamado à época de Beco do Cordoeiro, em alusão ao João Cordoeiro, morador do local. Este é o nome pelo qual os vereadores tratam o logradouro na correspondência que fazem ao presidente da Província em 9 de março de 1838 em que solicitam a instalação de um lampião no local para iluminação pública.

Em 13 de janeiro de 1841, os vereadores foram criticados pelo Juiz Municipal pelo estado intransitável da rua e, em 3 de julho do mesmo ano, deliberam pedir ao presidente da Província todos os galés existentes nas prisões para seu aterramento. Em 1843, o beco recebe o nome de Rua dos Senhor dos Passos .

Rua Senhor dos Passos
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Virgílio Calegari. Rua Senhor dos Passos esquina Rua dos Andradas, década de 1900. Acervo do MJJF.

Por galés, compreende-se uma pena inserida no Código Criminal brasileiro de 1830, pela qual o condenado deveria ficar recluso na prisão e sair diariamente para prestar serviços públicos forçados, com calcetas nos pés e correntes de ferro, juntos ou separados, estando sob vigilância de um guarda.

Autor desconhecido. Rua Senhor dos Passos. Reprodução do site Porto Alegre (fotos antigas). Contribuição de Isabel Pizzato .

Rua 7 de setembro

O logradouro que termina na Rua Uruguai nasceu nas atas da Câmara como Rua Nova da Praia em 22 de outubro de 1847. Produto de terrenos concedidos em aforamento não pela Câmara, mas pelo governo da Província, os vereadores insistiam que os pretendentes a aforamentos fossem obrigados a fazer paredões ao fundo de seus terremos. Depois, a Câmara, na Resolução de 25 de novembro de 1846, deliberou por marcar o prazo de quatro meses para que os proprietários calças-

Virgílio Calegari. Rua 7 de Setembro (esquina com a atual Rua Uruguai), década de 1900. Acervo do MJJF.

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sem a frente de suas casas, da desembocadura da rua General João Manoel até a Rua Uruguai. Apesar dos vereadores não desejarem que a rua não passasse da Rua Uruguai, em 9 de janeiro de 1854, o presidente da Província João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu determinou aos edis que o trecho fosse até a Praça do Mercado. O nome de Rua Nova da Praia foi mudando para Rua da Alfândega na sessão de 26 e março de 1856 e os vereadores, entre 1860 e 1865, trataram de aterrar e de encascalhar o lugar, datando dessa época a construção da doca em frente ao logradouro. O nome foi mudado para Rua 7 de Setembro pelos vereadores em 17 de agosto de 1865.

Autor desconhecido. Rua 7 de Setembro, década de 1900. Coleção de cartões postais. Acervo do MJJF.

Rua Uruguai

A rua aparece com a denominação de Rua da Casa da Ópera na vereança de 20 de setembro de 1813, quando o Procurador se incubiu dos consertos necessários do logradouro já que os moradores colocaram o material a disposição da câmara. Em 12 de janeiro de 1838, os vereadores novamente pediram ao juiz de órfãos providências para sua resolução e em 17 de janeiro de 1840, Gastão Fróes da Silva pedia aos vereadores alinhamento no lugar onde havia um teatro. Os vereadores renomearam a rua para Rua do Comércio em 18 de setembro de 1869 e colocaram em arrematação a obra para seu calçamento. Chamou-se Rua Uruguai por iniciativa do Intendente José Montaury em 1916. A

Virgílio Calegari. Rua Uruguai esquina com a atual 7 de setembro, década de 1900. Acervo do MJJF.

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Autor não identificado. Rua Uruguai. Reproduzido de Porto Alegre (fotos Antigas). Fonte: Acervo Miguel Duarte

Rua General Vitorino

A rua que termina na Rua Professor Annes Dias era chamada no passado de Rua do Arco da Velha, segundo Coruja, ainda que, para Franco, a denominação mais comum fosse Travessa de Baixo. Para o autor isso acontecia porque os respectivos nomes só vieram a ser fixados em placas a partir de 1843, o que levava a uma rua ter três ou quatro designações populares.

Na ata da sessão de 15 de junho de 1831 a rua aparece como Travessa da Caridade, no pedido de demarcação do terreno de Manoel Ferreira Porto Filho, sugerindo Franco ser esta outra denominação. Depois, em 7 de novembro de 1837, os vereadores já adotam o nome Rua da Alegria, consagrada nas placas oficiais do período. Em 13 de novembro de 1846 a Câmara marca o prazo de seis meses para seus proprietários promoverem o calçamento de suas respectivas testadas. Como nem todos o fazem, um abaixo assinado dos moradores é entregue pelos vereadores ao Procurador Municipal em 22 de julho de 1847, para que multasse quem não havia atendido a determinação da Câmara. O nome atual foi dado pela Câmara em 6 de junho de 1860, em homenagem ao militar pernambucano Vitorino José Carneiro Monteiro, o Barão de São Borja. A finalização da substituição do calçamento da rua antiga por um novo se deu quando, em 12 de janeiro de 1874, os vereadores aceitam a proposta do empreiteiro José Obino de fazer a empreitada usando a própria fachada como modelo, o que foi aprovado pelos vereadores.

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Autor desconhecido. Vista da Rua Cel. Fernando Machado, final do século XIX. Acervo do MJJF.

Rua Coronel Fernando Machado

O logradouro do bairro centro que começa na Rua General Vasco Alves, chamada então de Rua do Arvoredo, teve várias referências nas atas da Câmara Municipal do século XIX. Local de moradia de pessoas modestas, em 1º de fevereiro de 1843 os vereadores estipularam o prazo de quatro meses para que seus proprietários construíssem as suas respectivas calçadas, um sinal de urbanização, diz Franco. Em 10 de janeiro de 1851 a Câmara autorizou seu Procurador a fazer um cano de tábuas nos fundos do quintal do Palácio, colocando de 20 a 40 carroças de aterro “a fim de dar trânsito aquele lugar”, isso porque as águas desciam do morro sem nenhum sistema de esgoto. Em 10 de janeiro de 1853 os vereadores cuidaram de consertos no trecho que ia da Rua de Belas (atual General Auto) até o Alto da Bronze, onde havia terminado de se abrir a rua, trecho então irregular e intransitável, afirma Franco.

Em 1857 os vereadores intimam os proprietários dos terrenos fronteiros a recém instalada Fonte dos Pobres, atrás do Palácio do Governo, para construírem um paredão para o nivelamento e aterro do trecho da rua, mostrando que a Câmara Municipal continua preocupada com melhorias no local. A tradição do lugar, no entanto, permanece quando os vereadores, atendendo a um pedido de Propício de Abreu, concedem licença para manutenção de um tambeiro, isto é, um estabelecimento para manter vacas de leite em um curral na Rua do Arvoredo.

Os vereadores mudam o nome da Rua do Arvoredo para Coronel Fernando Machado na reunião de 6 de junho de 1870. Como escreveram General, fazem a correção na reunião de 28 de julho do mesmo ano, homenageando o militar que faleceu no posto no combate de Itororó, em 6 de dezembro de 1868, na Guerra do Paraguai.

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Rua Voluntários da Pátria

A rua que vai do bairro Centro ao Navegantes foi objeto dos vereadores em uma luta histórica para preservação de domínio público de toda a população. Desde 9 de julho de 1826 vê-se registros dos vereadores lutando para sua preservação já que a rua dava fundos para o litoral. Nesta data, os vereadores rejeitam um pedido de concessão de terras no local, já que entendia que “em toda a extensão do dito Caminho não havia lugares para se erigirem edifícios, por se achar o rio em dita extensão beirando a rua”.

A pressão dos particulares era intensa e eles pleiteavam para si o aforamento daqueles terrenos considerados da Marinha e por isso, do Governo Imperial “Com muitos tropeços, idas e vindas e recursos à Corte, a Câmara apenas logrou fazer prevalecer a doação que lhe fizera em 1861 o Conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão, presidente da Província, para logradouro público, da área situada entre as embocaduras das atuais Rua Vigário José Inácio e Rua Barros Cassal.

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Virgílio Calegari. Rua Voluntários. da Pátria. Década de 1890(?). Acervo MJJF.
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Franco enumera que foram muitos particulares a lutarem por terrenos no local, começando pelos herdeiros de Antônio Pereira do Couto e depois dos sucessores do Coronel Vicente Ferrer da Silva Freire “numa questão eu se arrastou por mais de trinta anos”. Em 6 de junho de 1870 o então chamado Caminho Novo recebeu o batismo oficial de Rua Voluntários da Pátria, quando então a câmara inicia, no mesmo ano, as providências para calçamento da primeira quadra até a Rua do Rosário, pois as reclamações constantes eram contra os “grandes pântanos e atoleiros”. Em 1874, os vereadores também protestaram contra a abertura da ferrovia para São Leopoldo na esquina da Rua Voluntários da Pátria com a Rua da Conceição, o que, segundo Franco, levou ao longo do tempo o bucólico passeio a se transformar numa rua suja de armazéns, atacados e indústrias.

Hugo Freyler. Usina Força e Luz, Rua Voluntários da Pátria, sem data. Reprodução do Studio Os2. Acervo do MJJF.

Rua General Câmara

A rua da zona central que começa na Avenida Mauá é caracterizada por uma forte ladeira. Segundo Franco, é uma das ruas mais antigas ligando a Praça da Matriz à Rua da Praia. Conhecida como Rua do Ouvidor, registro que ficou nas Atas da Câmara de 20 de maio e 4 de setembro de 1799, recebeu este nome pelos melhoramentos que o Ouvidor da Comarca, Doutor Lourenço José Vieira Souto, determinou a Câmara para o seu calçamento. Conhecida também por Beco do João Inácio ou Beco da Garapa, pelo estabelecimento do comerciante e fazendeiro João Inácio Teixeira, que vendia garapa de sua chácara no Caminho Novo, passou a ser chamada a partir de 1829 de Rua da Ladeira. Em 24 de abril de 1870, os vereadores alteraram sua denominação para Rua General Câmara.

Rua Washington Luís

O logradouro que termina na Rua Espírito Santo aparece na sessão da Câmara Municipal de 4 de setembro de 1824, quando os vereadores mandam publicar edital “para que mais ninguém continue a tirar areia no Caminho de Belas e Praia do Riacho, no caminho pelo qual se transita". O trecho era caminho do trânsito das tropas de gado quando se deslocavam da Rua Passagem, na Praia do Arsenal, para o matadouro localizado na proximidade da Várzea.

Muitos pedidos de demarcação de terras chegavam a Câmara, como em 8 de novembro de 1830, quando Manoel Nunes Pinto requereu demarcação de um terreno no local e em 14 de julho de 1827, quando a Câmara notifica os moradores do riacho (Praia do Riacho era seu nome antigo) cujas propriedades entestam com a nova rua denominada da Varzinha Em Sessão de 1º de julho de 1850, os vereadores receberam um abaixo assinado de moradores da Praia do Riacho, para providências contra o despejo de “imundícies e fezes excrementícias dos quartéis e cadeia desta capital perto das casas em que moram os suplicantes”.

Em 14 de abril de 1863, Manoel Monteiro de Azevedo Barros tem seu pedido de terreno no local negado pelos vereadores “por ser este um logradouro público de que se acha de posse desde que começou a povoar-se esta cidade e porque está destinado a tomar maior dimensão com o cais, cuja planta já mandou levantar a Assembleia Provincial e que se projeta para todo aquele litoral da Cidade“. As lutas da Câmara Municipal para preservação das áreas públicas nem sempre foram vitoriosas, como a que perdeu para o doutor Francisco Antônio Pereira da Rocha, que obteve aforamento no local, mas foram testemunho de sua vocação em defesa da cidade.

Rua dos Andradas

Em 1789, a Câmara Municipal atende determinação do Ouvidor Lourenço José Vieira Souto e realiza seu calçamento com dificuldade, além da rua chamada do Ouvidor (Rua General Câmara) no trecho de “uma rua do cais”, que, segundo Franco, é a Rua dos Andradas nas imediações do cais de desembarque. A rua mais antiga da cidade tinha então casas cobertas de capim fazendo parte de uma vila primitiva.

Na época, o trecho da ponta da península até a Rua General Câmara era chamada de Rua da Praia; o trecho seguinte, de Rua da Graça, nome preservado nas Atas da Câmara Municipal até o final da Revolução Farroupilha. Em 16 de janeiro de 1843 a Câmara despacha um requerimento que fala de imóveis em ambas as ruas, revelando que a distinção persiste até o emplacamento dos logradouros desse ano, quando a denominação Rua da Graça desaparece.

Em 26 de julho de 1844, um vereador propõe abrir o seguimento da Rua da Praia até sair na Estrada dos Moinhos de Vento (Avenida Independência), prova de que a designação da parte baixa se estendeu a alta.

Em 17 de agosto de 1865, os vereadores da Câmara Municipal Francisco José Barreto, João Carlos Bordini e Felisberto Antônio de Barcellos requerem a alteração do nome da Rua da Praia para Rua dos Andradas para comemorar o aniversário da Independência. A partir do dia 7 de setembro, a denominação é alterada assim como a da Rua da Alfândega, que passa a ser Sete de Setembro.

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Fotografia: Virgílio Calegari. Rua Vig. José Inácio esquina com Rua Vol. da Pátria, década de 1900 (?). Acervo do Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo. 24f. Autor não identificado. Rua dos Andradas com Rua Vigário José Inácio com Voluntários da Pátria. Acervo MJJF.
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Um dos pontos de circulação dos vereadores na cidade na Rua dos Andradas era a Livraria Americana. Fundada em 1871 por Carlos Pinto, em Pelotas, foi umas das primeiras livrarias do Estado. A filial de Porto Alegre, inaugurada em 1879, ficava na Rua da Praia esquina com a Rua da Ladeira (atual Gen. Câmara) e foi, por muito tempo, um dos principais estabelecimentos do ramo. Nessa foto a livraria ainda apresenta seu aspecto original, um casarão baixo, tipo “armazém”, com cinco portas para a Rua da Praia e uma para a Ladeira. Conforme Pimentel (1940, p. 399), a livraria era “[...] um grande empório de livros de Medicina, Direito, Engenharia, Ciências e Literatura nacional, portuguesa, francesa e italiana”. Ainda possuía oficinas gráficas de encadernação, douração, pautação, cartonagem, fabricação de impressos, além de comercializar materiais de escritório e papelaria". Era ponto de encontro de literatos, jornalistas e políticos porque ali eram impressos diversos periódicos de Porto Alegre e onde eram editados um grande número de livros. O cronista Achylles Porto Alegre cita a livraria como “[...] o ponto de palestras de tudo quanto de mais ilustre havia na política, literatura, magistratura, advocacia, magistério e nas artes" . Acrescenta o cronista que, na época mais agitada do Império, quando três grandes questões “convulsionavam” o país – a abolição da escravatura, a propaganda republicana e a defesa do Império – a livraria fazia a impressão do jornal A Reforma, órgão do Partido Liberal.

Virgílio Calegari. Livraria Americana, Rua dos Andradas esquina com Rua Gen. Câmara, décadas de 1890-1910. Acervo do MJJF. Virgilio Calegari. Foto do interior do atelier. Rua dos Andradas. Reprodução:https://www.flickr. com/photos/fotosantigasrs/11012845374
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Virgílio Calegari. Atelier Calegari, localizado na Rua dos Andradas. Acervo MJJF.

Localizada no Bairro Moinhos de Vento e iniciando na Praça Júlio de Castilhos, aparece com o nome atual nas atas da Câmara Municipal de 23 de abril de 1889, quando o cidadão Miguel Zanandréa requer o alinhamento para construir em um terreno entre as ruas Independência e Mostardeiro. Segundo pesquisadores do Museu Joaquim José Felizardo, a Rua Mostardeiro é uma via localizada no bairro Moinhos de Vento que começa na Praça Júlio de Castilhos e termina na Rua Coronel Bordini. Ela já aparece na planta municipal de 1888, com o mesmo traçado de hoje. Não era propriamente uma rua, mas uma via de acesso à chácara do comerciante Antônio José Gonçalves Mostardeiro. No bairro predominavam as chácaras e a mais famosa era a daquela família. Adquirida em 1873, compreendia a área que ia da Rua 24 de Outubro (esquina com a Rua Ramiro Barcelos) até a Rua Castro Alves e estendia-se até a Rua Quintino Bocaiúva (englobando as ruas Miguel Tostes, Mariante e Florêncio Ygartua). Na chácara havia até um mini zoológico, onde podiam ser encontrados pavões, veados e um lago com cisnes. Provavelmente era a rua mais habitada do bairro no final do século XIX: na Estatística Predial, de 1892, consta que havia 23 prédios térreos e um sobrado na rua. Na 24 de Outubro, por exemplo, havia apenas 9 casas e um sobrado. A partir de 1894, passaram a circular no local os bondes de tração animal da Cia. Carris Urbanos que, em 1908, foram substituídos pelos bondes de tração elétrica.

Autor desconhecido. Rua Mostardeiro, década de 1930 (?). Acervo do MJJF

Rua da Conceição

Desde 23 de maio de 1834, a Câmara discute a abertura de uma rua para ligar a Estrada dos Moinhos de Vento com o Caminho Novo. O motivo é que a filha do Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira manifestou em requerimento aos vereadores seu desejo de abrir uma rua dentro de sua chácara, a Chácara da Brigadeira. A Revolução Farroupilha interrompeu a discussão, voltando a Câmara a tratar do tema apenas na sua sessão de 21 de fevereiro de 1845, e, meses depois, nas sessões de 10 e 26 de julho do mesmo ano quando foi finalizado o debate com a determinação dos vereadores em pagar as cercas e aterros a serem executados por Francisco Paulo Fogaça na que seria chamada então de Rua Nova da Brigadeira.

Essas melhorias duraram pouco tempo porque, dois anos depois, os vereadores tiveram de autorizar novos consertos na rua, como se vê nas sessões de 25 de outubro de 1847 e 13 de outubro de 1853. Em 20 de outubro de 1857, os vereadores alteraram a denominação da Rua Nova da Brigadeira para Rua da União, enquanto a “travessa que segue da Conceição para Várzea” se denominaria de Rua da Conceição Franco afirma que na ata de 13 de fevereiro de 1874 a Câmara Municipal generalizou o nome Rua da Conceição para toda a extensão desde a embocadura da Várzea ou Campo do Bom Fim, até a Rua Voluntários da Pátria, desaparecendo a Rua da União “provavelmente por não haver conquistado a linguagem do povo”, finaliza o historiador. Segundo pesquisadores do Museu Joaquim José Felizardo, a Estação que vemos nessa foto substituiu uma antiga e foi inaugurada em 1910 e fazia parte da linha Porto Alegre - Uruguaiana, a mais importante ferrovia ao longo da história do RS. Construída em 1877, seu objetivo era fazer a ligação entre leste e oeste do Estado. O novo prédio da estação, em estilo eclético, era conhecido como “Castelinho” pela presença de uma torre com ameias – aberturas no parapeito das torres e muralhas, característica arquitetônica medieval.

Autor desconhecido. Esquina da Rua Conceição com Rua Voluntários da Pátria. Estação Férrea de Porto Alegre, década de 1920-30. Coleção Dr. João Pinto Ribeiro Netto. Acervo do MJJF.

A Câmara na Cidade 63/64

Rua Andrades Neves

Virgílio Calegari. Rua

General Câmara esquina

Andrade Neves, Prédio do Sul América, década de 1900/1910. Acervo do MJJF.

O nome de uma das ruas mais antigas da cidade surge pela primeira vez na ata da reunião de 7 de janeiro de 1777 como Rua Nova quando o Senado da Câmara decide alugar para suas sessões a casa de José Bernardes de Castro, ali situada. A Câmara tinha intenção de prolongar a rua, mas é envolvida numa questão judicial por mais de vinte anos com Francisco Pinto de Souza, outro morador do local que obstaculizou o prosseguimento da Rua Nova. A Câmara Municipal determinou seu primeiro calçamento em 23 de outubro de 1843, mas os moradores, em 1868, já se cotizavam para a sua reforma. Em 18 de setembro de 1869 os vereadores a denominam de Rua do Barão do Triunfo, o herói morto na campanha do Paraguai, mas quando eles se deram conta de que já havia outra rua com o mesmo nome no Bairro Menino Deus, mudaram o nome da rua em 26 de outubro do mesmo ano, que passou a ter a designação de Rua General Andrade Neves. A rua ao longo do tempo se tornou famosa como centro de boemia, pensões e cabarés, entre eles o famoso Clube dos Caçadores.

Na vereança de 28 de janeiro de 1807, a Câmara informa que Inácio Manoel Vieira, cidadão que construíra diversos prédios no chamado Beco do Inácio Manuel Vieira, que inicia na Av. Mauá e termina na Rua Riachuelo, pretendia isentar-se de pagar a fatura da calçada da testada de seus prédios. As atas da Câmara de 5 de junho de 1829, 12 de agosto de 1832 e 12 de maio de 1834 também chamam seu Beco de Beco Quebra-Costas e também Beco do Fanha “por causa de certo taberneiro fanhoso de nome Francisco José Azevedo que ali fora morar entre as mulheres de vida airada que povoavam a ruela”, destaca Franco.

Segundo as atas da Câmara, o beco devia subir o morro em direção à Duque de Caxias, continuandose no que é hoje a Rua General Auto, mas em 1829 a passagem estava fechada porque o Visconde de São Leopoldo cercou com muros terreno de sua propriedade, estreitando a largura do beco, cita a ata de 17 de fevereiro de 1834 em que os vereadores falam sobre a continuação do local. Por esta razão, na ata de 16 de abril de 1860, os vereadores estabelecem no Beco sentido de mão única de direção para veículos na subida “pois não era possível passar dois carros ao mesmo tempo”, destaca da ata Franco.

Em 6 de agosto de 1873, a Câmara denomina de Travessa Paysandu o então Beco do Fanha, homenagem a feito de armas da guerra contra o Uruguai em 1864-65, época em que fixa residência o ilustre médico, escritor e político Doutor José Antônio Caldre e Fião.

Autor desconhecido. Rua Paysandú, antiga Rua Caldas Jr, esquina
A
na
Rua dos Andradas. Década de 1920. Acervo do MJJF.
Câmara
Cidade 65/66

Rua Riachuelo

Na ata da Câmara Municipal datada de 17 de setembro de 1806 encontramos referências a Rua da Ponte, como era então conhecida a atual Rua Riachuelo, data em que os vereadores indicaram o edil mais moço, Luís Inácio Pereira de Abreu, para realizar nela alguns consertos. No ano seguinte, em 2 de fevereiro de 1807, os vereadores mandam para ao Procurador a despesa que fizeram no “aterro e desaterro da Rua da Ponte”. A rua tinha problemas sérios de alagamento e por isso, em 21 de junho de 1830, um vereador propôs que se pedisse ao governo provincial as ferramentas necessárias e o serviço de galés para que o fiscal da câmara pudesse aterrar aqueles

lugares. Em 6 de setembro daquele ano o fiscal informou aos vereadores que recebeu os presos destacados para o serviço e que os empregaria naquela rua.

O nome Rua Riachuelo foi dado pelos vereadores em 17 de agosto de 1865. Foi requerido pelo vereador Martins de Lima para solenizar a grande vitória naval alcançada em 11 de julho sobre a esquadra paraguaia. Era uma rua onde haviam residências nobres, como a do contratador Manoel Antônio de Magalhaes, o primeiro a possuir vidraças na capital.

Virgilio Calegari. Rua Riachuelo, 1900 (?). Acervo do MJJF.
A Câmara na Cidade 67/68

Rua José de Alencar

A Avenida que começa na Av. Praia de Belas foi objeto de deliberação da Câmara em 24 de julho de 1844, quando os vereadores deferiram favoravelmente o requerimento de Antônio Bernardino dos Santos Xavier pleiteando a sua abertura. Os vereadores então pediram ao presidente da Província a quantia necessária para a desapropriação de parte dos terrenos indispensáveis a nova via pública. Em 16 de abril de 1845 o município contratou José Rodrigues de Oliveira para os trabalhos de abertura de uma rua que se denominaria de Caxias que seria finalizada até o fim

Virgílio Calegari. Rua José de Alencar. Primeira Igreja do Menino Deus. Década de 1910. Acervo MJJF.

do ano. José Rodrigues de Oliveira era um dos proprietários das chácaras expropriadas, mas não cobraria ressarcimento algum, além da remuneração de sua empreitada.

Diz Franco que, entretanto, o prazo não foi cumprido e os vereadores registraram na sessão de outubro de 1846 que a rua, então chamada de Caxias, ainda não estava transitável. Em 28 de abril de 1847 os vereadores constituiram uma comissão para vistoriar a obra, que terminou por ser aceita. No mesmo ano a Câmara mandou projetar um pontilhão sobre o Arroio Cascatinha “permitindo supor que até então a passagem para os lados da Azenha se fizesse no vaú do arroio”.

A Câmara na Cidade 69/70

Rua General Canabarro

Nas vereanças de 28 de setembro de 1782 e 7 de junho de 1783, a Câmara Municipal mencionava a construção de uma ponte ou trapiche na Rua Direita, também chamada de Beco do Pedro Mandinga, por morar nesta via, atrás da Igreja N. Sra. das Dores, individuo daquela alcunha, cujo verdadeiro nome era Pedro de Souza Lobo. O logradouro foi também chamado de Rua do Conde de Porto Alegre ou Rua dos Quartéis, como na vereança de 16 de maio de 1829.

Em 1º de julho de 1829, os vereadores atendem as reclamações de proprietários da Rua Direita, entre eles Pedro de Souza Lobo e do Conde de Lages, e verificam in loco seus problemas, tendo encontrado “além da construção que trancava o caminho, também um forno de fazer carvão de lenha, a serviço da Nação”, cita Franco. A Câmara solicitou providências ao presidente da Província em 1829 e 1868, sem sucesso. E, em 17 de janeiro de 1873, o vereador Martins de Lima aprovou requerimento para que fosse demolido o antigo quartel arruinado localizado no centro da Rua Direita, como também era chamada “a fim de se abrir ao trânsito público na mencionada rua”. Franco afirma que os vereadores, pela Resolução de 28 de agosto de 1879, mudaram a denominação de Rua Direita para Rua General Canabarro, em homenagem ao militar.

Virgílio Calegari. Rua General Canabarro

esquina Rua dos Andradas. Ao fundo, Igreja Nossa Senhora das Dores, década de 1900. Acervo: MJJF.

A Câmara na Cidade 71/72A71/72

Rua Ramiro Barcellos

O logradouro que começa na Rua Voluntários da Pátria e termina na Avenida Ipiranga iniciou sendo chamado de Beco do Carneiro pois localizava-se junto a chácara de Antônio Gonçalves Carneiro. Em 5 de agosto de 1846, o Procurador da Câmara Municipal entendeu que era necessário uma rua “a sair da Várzea para a Estrada dos Moinhos” e, para isso, diversos moradores cederam os trechos de suas propriedades para a abertura da rua, entre eles Joaquim Moreira Jr, que acabou contratado pela Câmara Municipal para a feitura das cercas e a preparação da rua.

Na sessão de 22 de janeiro de 1847 o trecho foi denominado Rua Dom Afonso em homenagem ao primogênito de Dom Pedro II. Em 3 de março de 1855, a Câmara Municipal recebeu manifestação de dona Maria Máxima Lourenço de Carvalho, viúva de José Inácio Lourenço, proprietário de uma grande olaria que ofereceu terreno aos vereadores para dar comunicação entre os trechos do Beco do Carneiro e Rua Dom Afonso. Em 15 de março seguinte, os vereadores pediram ao Engenheiro da Câmara orçamento para abertura da rua e seus tapumes e valos. Foi contratado o médico Manoel Pereira da Silva Ubatuba, que a aprontou em 14 de setembro de 1855.

A Câmara Municipal renomeou os trechos, mas nenhum dos novos nomes fixaram-se, diz Franco, exceto, por algum tempo, o de Beco da Marcela, em alusão a uma preta desse nome que residia na esquina da então Rua da Floresta. Somente em 12 de dezembro de 1889 foi dado o nome de Ramiro Barcellos aos três segmentos então finalmente unidos.

Autor não identificado. Rua Ramiro Barcelos, no passado, onde havia, no número 189, o ateliê de Otto Schönwald. Acervo Antônio Paulo Ribeiro.

Rua Sete de Abril

A rua que termina na Avenida Cristovão Colombo, também chamada a época de Beco do Motta, surge na ata da Câmara Municipal de 2 de julho de 1834, onde se lê que “constatando a Câmara que o valo antigo e público que corta pelo meio de todas as chácaras que ficam entre o Caminho Novo e a rua que vai sair ao Beco do Motta se acha entulhado e tapado em partes, assim como um cano que fica em frente ao mesmo beco, em grave dano dos moradores do lugar, cujas chácaras se acham sempre inundadas das águas por falta de esgoto necessário, resolveu-se determinar ao Fiscal e ao Procurador as providências necessárias para ser desentulhado o referido valo”.

Em 28 de março de 1854 os vereadores mandam pagar um empreiteiro pelo trabalho de construção de valos, cercas de espinhos e demais serviços do beco, que é nomeado pelos vereadores de Rua da Princesa em 20 de outubro de 1857. Os problemas de alinhamento com a Câmara, entretanto, continuam até 1882. A rua recebeu seu nome atual em 12 de dezembro de 1889 pela Junta Municipal, em função da data histórica da abdicação do primeiro Imperador.

Virgílio Calegari. Rua 7 de abril. Hidraúlica Municipal. Acervo MJJF. A Câmara na Cidade 73/74

Rua João Manoel

Logradouro do bairro Centro que termina na Rua Fernando Machado, com escadarias no final, Franco não soube explicar a razão de seu nome original ser Rua Clara. Em 10 de setembro de 1788 já aparece este nome como referência na ata do Senado da Câmara, onde os vereadores registram que alugaram no local para sua sede a casa de Antônio Ferreira de Brito, “mandando despejar seus moradores”, assinala Franco.

Em 23 de abril de 1808, a Câmara já cuidava do primeiro calçamento da Rua Clara, o que terminou provocando um incidente entre seus funcionários e o Ouvidor da Comarca, Desembargador José Carlos Pinto Souza: “nesta vereança se acordou mandar suspender a continuação da futura calçada da Rua Clara porque, segundo a informação dada na presente vereança pelo Juiz Almotacé José Vieira Barão de Mattos, encarregado da administração da dita rua, o Doutor Desembargador e Ouvidor da Comarca José Carlos Pinto de Souza mandou prender o Arruador deste conselho, Agostinho de Borba, por este não se querer afastar do alinhamento que na nossa presença havia já traçado na dita rua, e que tínhamos aprovado por ser mais concorde ao plano, e com atenção geral à todas as casas da mesma rua, a que não ficassem umas muito suspendidas e outras enterradas, o que não obstante, praticou o dito Ministro aquela prisão por querer de sua única vontade alterar o ponto dado por esta Câmara em benefício de um ou dois moradores”.

Por esta razão, na sessão da Câmara de 11 de maio de 1808, o Arruador Agostinho de Borba pediu demissão porque fora “ultrajado pelo Doutor Ouvidor da Comarca e sofrera uma prisão de dois dias”. Franco assinala que nas vereanças posteriores verificou que a câmara manteve o funcionário despeitado no cargo.

Outros problemas que ocorreram ficaram registrados nas atas de 13 de maio, 15 e 16 de junho e 17 de julho de 1829. Nelas Franco assinala que “dois figurões ilustres resolveram fechar o segmento ao sul da Rua da Igreja, amparados, aliás, em concessões irregulares do Governador da Capitania, o Conde da Figueira. Nessas datas, o vereador Gabriel Martins Bastos reclamou que essas construções fechavam o trânsito da Rua Clara. Franco registra que existia no local o seguinte: “uma cocheira do senador e cônego Antônio Vieira da Soledade e um portão do Marechal José Inácio da Silva. Um e outro contestaram a intimação da Câmara alegando possuir justo título de propriedade, e que só poderiam ser desapossados pelos meios legais. A Câmara decidiu reivindicar aquilo que pertencia ao domínio público e aludiu ao fato de que o Marechal José Inácio da Silva fora ajudante de ordens do Conde da Figueira, autor dessa irregular concessão de um terreno de 22 palmos de frente à Rua Formosa (um dos nomes que teve a Rua Duque de Caxias)”.

Para Franco o que aconteceu é que a imprensa interviu de forma benéfica na vida comunal, publicando a alegação da Câmara, o que fez com que oMarechal José Inácio da Silva renunciasse a parcela do terreno em questão e demolisse o portão em 17 de julho de 1829. O Vigário Geral Soledade, entretanto, só em 28 de janeiro de 1833 fez acordo com o Procurador da Câmara para desembaraçar o seguimento da Rua.

Finalmente, até uma grande pedra chegou a perturbar a rotina dos vereadores, conforme se vê na ata da sessão cameral de 30 de abril de 1844, quando oProcurador teve de mandar retirar uma imensa pedra na esquina da João Manoel com Riachuelo, apresentando o orçamento do Arruador. O nome Rua General João Manoel foi dado pelos vereadores em 29 de dezembro de 1869, em homenagem a João Manoel Mena Barreto, falecido no dia 12 de agosto daquele na Batalha de Peribebuí, no Paraguai. A quadra final, entre a Duque de Caxias e Coronel Fernando Machado, onde a Ladeira do Morro da Formiga era quase intransponível, foi demarcado para evitar que se construísse qualquer obra em 22 de janeiro de 1884, por deliberação da Câmara, já que o orçamento era muito alto.

A Câmara na Cidade 75/76

Rua Espírito Santo

Pelas atas da Câmara Municipal de 11 e 16 de outubro de 1817, sabemos que a Rua Espirito Santo foi aberta pelos vereadores por determinação do governador da Capitania Marques de Alegrete a pedido dos moradores da Rua do Arvoredo. Segundo Franco a rua então “tem data certa de nascimento, que é o dia 16 de outubro daquele ano, quando saiu a Câmara desta capital, com a assistência do Ten. Cel. Engenheiro João Vieira de Carvalho e o Arruador do Conselho Agostinho de Borba, a fazer a nova rua denominada do Império, entre as casas do Pe. Antônio de Azevedo e Souza e as do mesmo Império, a sair à Rua do Arvoredo, conforme havia sido requerido ao esmo Exmo. Sr. Marquês pelos moradores (..) e se mandou notificar o inquilino das casas do dito Padre Azevedo para fazer conservar aberta a dita rua na largura de 43 palmos, que se acordou ser suficiente”.

O Memorial dos moradores da Rua do Arvoredo alegava, em síntese, que para irem aos ofícios da matriz serviam-se de um caminho que passava pelo interior do cemitério da mesma e como se projetava fazer uma tapagem do cemitério, ficariam eles privados de passagem. Pediam, por isso, a abertura de um beco ou viela por fora da parede do cemitério, a sair “entre as casas do Império e as do falecido Domingos de Lima Veiga, de que não provirá prejuízo de terceiros, por ser já destinado antigamente o terreno da dita viela para servidão pública”. Aqui, frisa Franco, “Império” era uma construção que servia às festas da Irmandade do Divino Espirito Santo, ao lado da igreja matriz.

Após, a Câmara revelou sua preocupação com a rua realizando, em 14 de abril de 1831, uma retificação no seu alinhamento a pedido do presidente da Província, o que foi feito não pela parede do cemitério mas “pela parede da casa dos Sesteiros do Espirito Santo” e que seguisse este alinhamento até o Riacho”. Em 17 de outubro de 1856, os vereadores resolveram mudar o nome do Beco do Cemitério para Beco do Espirito Santo “mas ainda em 1863, desconhecendo sua própria resolução, a Câmara mandava efetuar consertos no Beco do Império, designação que torna a aparecer na planta municipal de 1866”, o que não ocorre na planta de 1881 de Henrique Breton, onde aparece como Rua do Espírito Santo, assinala Franco.

Rua Barros Cassal

As primeiras Posturas Policiais aprovadas pela Câmara Municipal em 1829 e homologadas pelo Conselho Geral da Província em 1831 dão os limites da cidade. Seu traçado inicia “pela rua travessa que vai do Caminho Novo aos primeiros moinhos de vento que são hoje pertencentes a Antônio Martins Barbosa”, descrição tosca que, segundo Franco, dá nascimento à rua Barros Cassal na história da cidade. Chamado então de Beco do Barbosa, seu proprietário escreve um requerimento à câmara assim registrado na ata de 25 de maio de 1829: “Veio a mesa um requerimento de Antônio Martins Barbosa, morador na rua que segue dos moinhos de vento para o Caminho Novo, em que pede que se mande endireitar a mesma rua abaixo da frente de sua propriedade, a sair ao mesmo Caminho Novo, por causa da dificuldade do trânsito neste lugar em tempo de inverno; e pelo outro lado de cima, à Várzea imediata à cidade, oferecendo a quantia de oitocentos mil réis, gratuitamente, para coadjuvar a satisfação do prejuízo que haja em quaisquer terrenos”.

Com o fim do conflito farroupilha, a Câmara deliberou, nas atas de 30 de janeiro, 22 de abril e 2 de maio de 1845, completar a comunicação entre as vias, segundo Franco com a Estrada dos Moinhos de Vento (hoje av. Independência), intimando os moradores a calçarem a frente de suas casas e determinando que o Procurador e o Arruador marcassem o nivelamento do beco. Em 20 de outubro de 1857, os vereadores mudam o nome de Beco do Barbosa para Rua da Aurora e somente em 1916 que o nome foi mudado para Dr. Barros Cassal, em homenagem ao político republicano e exgovernador do Rio Grande do Sul, João de Barros Cassal (1858-1903).

A Câmara na Cidade 77/78
Autor não identificado. Rua Barros Cassal, com Campos da Várzea no fundo, hoje Parque Farroupilha. Reprodução do Site Porto Alegre (fotos antigas). Contribuição de Isabel Pizzato.

Rua Marechal Floriano

Afirma-se que a rua antiga e importante do bairro Centro que começa na Praça 15 de novembro, iniciou com nome de Rua de Bragança, mas Franco tem dúvidas quanto a isso: “todos os topônimos da Vila foram rigorosamente espontâneos; e se fosse o caso de uma homenagem à família real, é pouco explicável que se escolhesse rua periférica e inexpressiva para tal reverência à dinastia”, diz. Na vereança de 2 de outubro de 1805 há referência pelos vereadores de um melhoramento público, o aplainamento da Rua de Bragança para a procissão dos Passos, espaço tradicional das procissões da Matriz, e por isso, devido ao trajeto, desde muito cedo a Câmara se preocupou com seu calçamento. Nessa data, os vereadores autorizaram o ressarcimento do Juiz Almotacé João Rodrigues Viana em 15$400 réis e depois, em 13 de março de 1819, a Câmara tratou das calçadas da rua.

O trecho da Rua Marechal Floriano entre a Duque de Caxias para as ruas debaixo era chamada de Ladeira do Liceu. Entre 1824 e 1825 os vereadores estão indecisos sobre que caminho dar a ladeira. Em 10 de fevereiro de 1824 acordam que “a mesma rua de Bragança seguisse em direitura na dita descida à do Arvoredo, para ficar mais livre o trânsito e isenta de cotovelos”; já na segunda Resolução, de 30 de abril de 1825, atendendo pedido dos moradores da Rua da Olaria, atual Lima e Silva, “os vereadores determinaram que a ladeira da Rua de Bragança para o Arvoredo se fizesse em direitura à Rua da Olaria" . Na resolução de 2 de julho daquele ano, constatando a incompatibilidade dos traçados, onde achou- se um "em direitura, descendo da Rua da Igreja para a do Arvoredo, e outro obliquo, procurando a embocadura da Rua da Olaria” seriam compatíveis, ideia de ladeira oblíqua e perturbadora, na visão de Franco foi abandonada em 7 de junho de 1844.

Levantamento feito pela Câmara de Vereadores mostra porque a rua havia sido chamada de Ladeira do Liceu. É que neste logradouro funcionavam nada menos que quatro escolas para meninas. Lista Franco: “Joaquina Isabel Guerreira de Brito ensinava a ler, escrever, contar, coser e bordar a 45 alunas; Leocádia Cândida da Silva, além daquelas prendas também ensinava a fazer “picados e rendas” a 18 discípulas; Rita Fausta Tavares tinha 20 alunas e Maria Angélica de Jesus, dez discípulas, uma e outra cuidando de ensinar a ler, escrever, contar, coser e bordar”. Os dados são do levantamento de 17 de janeiro de 1834 feito pelos vereadores ao presidente da Província José Mariani.

É nesta rua que, em 1 de fevereiro de 1846, é lançada a pedra fundamental do Liceu Dom Afonso, com a presença do Imperador Dom Pedro II. A Câmara Municipal alterou em 6 de junho de 1870 o nome primitivo de Rua de Bragança para Rua General Silva Tavares em homenagem a João Nunes da Silva Tavares, que desde então tornou-se uma das mais importantes ruas de comércio da cidade. Em 1893 o Intendente Alfredo Azevedo alterou a denominação para Rua Marechal Floriano, o primeiro militar que tomara em armas na Revolução Federalista contra Júlio de Castilhos, finaliza Franco.

A Câmara na Cidade 79/80
Autor não identificado. Atual Marechal Floriano esquina
Voluntários da Pátria. Reprodução Acervo Prati.

Rua General Vasco Alves

A rua do centro que termina na Avenida Loureiro da Silva, conhecida como Beco dos Guardas, foi chamada por Rua Principal ou Principal do Arsenal na ata da Câmara de 19 de setembro de 1829. A rua foi objeto de demarcação de terreno pelos vereadores em 22 de junho de 1833 e a planta de Porto Alegre de 1839 a denomina de Rua Principal.

Em 14 de outubro de 1856 a Câmara mandou orçar despesas de uma calha em diversos lugares da rua, para torná-la transitável e outros consertos foram registrados na ata de 15 de janeiro de 1861. O nome atual foi iniciativa dos vereadores em 6 de junho de 1870.

Autor não identificado. Rua Vasco Alves. Reprodução do Site Porto Alegre (fotos antigas). Contribuição de isabel Pizzato.

Rua Professor Annes Dias

A Rua Professor Annes Dias é conhecida desde a construção da Santa Casa de Misericórdia em 1826 e torna-se preocupação da Câmara de Vereadores em 3 de junho de 1841 quando os edis pedem ao presidente da Província todos os galés existentes nas prisões e nos hospitais militares para trabalharem nos serviços de aterro e desaterro da então chamada Rua da Misericórdia. Em 11 de junho de 1841 ocorrem os primeiros pedidos de licença para a Câmara de particulares que querem construir na Rua da Misericórdia, rua da área central que começa no Viaduto Loureiro da Silva e termina na Avenida Independência. Em 3 de agosto do mesmo ano é dado o prazo de quatro meses para os proprietários construírem suas respectivas calçadas.

Pela Estatística Predial de 1892, a Rua da Misericórdia possuía 28 prédios, entre térreos e assobradados. O nome atual de Rua Annes Dias foi dado em 10 de junho de 1952, em homenagem ao ilustre médico rio-grandense.

Autores não identificados. Atual Annes Dias. Reprodução do Acervo Prati.

A Câmara na Cidade 81/82

Rua Coronel Aparício Borges

A ligação entre os bairros Teresópolis, Glória e Partenon surge a partir então denominada Rua Dois Irmãos, constante da Planta Municipal de 1896 entre o Arraial da Glória e a Chácara das Bananeiras. Ela foi oficializada como Coronel Aparício Borges quando a Câmara de Vereadores, pela Lei Municipal nº 2.022, de 7 de dezembro de 1959, delimitou e oficializou o bairro adjacente a Vila como Bairro Aparício Borges.

Autor não identificado. Av. Aparício Borges quase esquina Bento Gonçalves. Cine Miramar. Dezembro de 1967. Reprodução site Porto Alegre (fotos antigas)

Rua Avaí

As primeiras referências que são feitas a antiga rua da Cidade Baixa entre a Avenida João Pessoa e a Primeira Perimetral, que a absorveu em 1974 quando deixou de desenvolver-se até o Riacho, encontram-se na vereança de 14 de julho de 1821, quando foi-lhe dada a denominação de Rua da Fonte, época em que desembocava na Várzea diante de uma das primeiras fontes que teve a cidade. Nesta data o Procurador da Câmara comunica aos vereadores que, junto com o Coronel-Engenheiro encarregado do Plano da Vila, cumpriu a diligência de abrir a Rua da Fonte até sair na Rua da Olaria. Dois anos depois, em 23 de agosto de 1823, há referências à rua, mas segundo Franco, o nome que pegou e sobreviveu para a Rua Avaí era mesmo Beco do Firme já que na esquina voltada para a nascente, olhando para a Várzea e para a nova ruela, Antônio Francisco Firme fez sua casa. A residência era considerada tão boa que foi requisitada para abrigar gente da comitiva do Imperador Pedro I, quando este veio a Porto Alegre em 1826. Firme ficou conhecido porque foi arruador da cidade entre 1831 e 1833.

Em 10 de outubro de 1884, a Câmara Municipal resolveu mandar “abrir desde já a servidão pública a Rua Avaí na parte ultimamente desapropriada”, que então, segundo Franco, era prolongamento da Rua da Concórdia, atual José do Patrocínio. Era o atendimento da necessidade vista há muito tempo de prolongar o Beco do Firme para além da Rua da Olaria, onde terminava, prolongando até a Rua da Margem, ou atual Joao Alfredo, lugar de terrenos muito alagadiços e pantanosos, o que dificultava as obras de manutenção da Câmara. Foi a Resolução de 28 de agosto de 1879 da Câmara Municipal que alterou o nome do Beco do Firmo para Rua Avaí, em homenagem a famosa batalha vencida pelas armas brasileiras no Paraguai.

A Câmara na Cidade 83/84

Rua Demétrio Ribeiro

A rua do centro que começa na Washington Luís e termina na Praça Daltro Filho começou a preocupar a Câmara em 24 de outubro 1810 quando os vereadores dirigiram ao governador da Capitania um oficio onde se lia que “os terrenos que pedem a V.Exa. na rua de trás do Arvoredo, os quatro suplicantes Manoel Paulo, Francisco Ferreira Bastos, José Ferreira Bastos e Florinda da Conceição, achamse devolutos e neles se pode formar uma nova rua, que deram já em princípio três moradores que moram naquele sítio”.

A nova rua, chamada então de Rua Nova da Margem do Riacho nas vereanças de 23 de março de 1822 e 19 de fevereiro de 1823, passa a ser chamada de Rua da Varzinha ou Varginha a partir de 1827. Diz Franco: “Desde 1827, pelo menos, a Câmara Municipal determinou providências para pôr a rua “livre ao trânsito público em toda a sua extensão”, como se lê na ata de 14 de julho desse ano. Franco assinala que isso aconteceu por que não foi uma abertura de rua pacífica, já que os proprietários das chácaras adjacentes resistiam à desapropriação. Entre eles, situa-se o cidadão João Marcos dos Santos Bittencourt, o famoso Mil Onças, que o cronista Coruja diz que era o indivíduo mais difícil da cidade e que opôs a Câmara toda a sorte de dificuldades a desapropriação.

Autor não identificado.Rua Demétrio Ribeiro. Acervo Laudelino Medeiros. Anos 50. Reprodução do site prati.com.br

Em 12 de setembro de 1833 os vereadores vistoriaram o local, verificando, segundo Franco, que a rua estava praticamente aberta “ficando apenas no centro um pequeno espaço cuja tapagem interpolada embaraça o trânsito”. A justificativa da abertura da rua, segundo os vereadores, era porque era “necessária na estação invernosa, por ficar, com as enchentes do rio, intransitável a do Riacho, como atualmente se sucede”. A do riacho, esclarece o autor, era a atual Washington Luiz. Em 28 de setembro de 1861 a Câmara pediu para o Chefe de Polícia instalar lampiões de iluminação pública na área recém aberta, que já aparece com o nome de Rua da Bahia nas atas da Câmara de 8 de abril e 7 de maio de 1839, sinal de que o nome Rua da Varzinha não pegou entre os moradores.

Franco diz que a Câmara Municipal mudou o nome da Rua da Varzinha para Rua Dona Isabel em 12 de janeiro de 1885, para celebrar a visita da Princesa Imperial, Isabel de Orléans, nome que permaneceu por cerca de quatro anos, o que se confirma pela ata de 7 de janeiro de 1887, em que o vereador Amaya de Gusmão, presidente da Câmara, informa que se completara o empedramento da Rua Dona Isabel. Em 11 de dezembro de 1889, o nome foi mudado mais uma vez para o atual Demétrio Ribeiro.

Autor não identificado. Rua Demétrio Ribeiro. Acervo Laudelino Medeiros. Anos 50. Reprodução Prati.com.br A Câmara na Cidade 85/86

Rua Dr. Flores

A antiga Rua que termina em Frente à Praça Conde de Porto Alegre, aberta por volta de 1814 no governo de Marques do Alegrete, era ocupada por poucos moradores e denominada de Rua de Santa Catarina Em 16 de março de 1831, a Câmara registra que os herdeiros de Antônio Pereira do Couto solicitaram a demarcação de terrenos para descontar o espaço necessário a abertura da Travessa do Couto, uma das primeiras denominações da Rua Senhor dos Passos.

Em 1841, a Câmara Municipal apoiou a iniciativa de sessenta moradores que fizeram um memorial ao presidente da Província para ampliar o trecho de 44 metros para efetiva ligação final com o Caminho Novo. Na sessão de 22 de abril de 1842, José Antônio da Silva Veiga doa terrenos para a realização daquela ligação, mas o cedente, em 18 de abril de 1845 reclamou aos vereadores o mau estado da rua, e deram quatro meses para o seu aterro e calçamento.

Em 6 de setembro de 1873, os vereadores alteraram a denominação do logradouro para Rua Dr. Flores, em homenagem ao médico e político Dr. Luiz da Silva Flores, que nela residia.

Ao lado: Confeitaria Rocco. Abaixo: Rua Dr. Flores. Reprodução Prati.com.br/Viva o Centro à Pé.

A Câmara na Cidade 87/88
Rua Doutor Flores esquina José Vitorino. Reprodução Prati.com.br/Viva o Centro à Pé.

A rua do centro da cidade que terminava no Parque dos Açorianos e era chamada de Rua da Figueira na documentação a partir de 1827 foi objeto de muitas determinações da câmara municipal em relação aos terrenos dos moradores do logradouro. Na ata de 14 de julho daquele ano lê-se que “passando a Câmara em corporação, acompanhado do Juiz Almotacel e Arruador do Conselho, ao lugar da Vila no limite da cidade, por lhe constar que a rua denominada da Figueira, que divide a mesma cidade do contorno e subúrbio pelo lugar do Riacho em direitura a sair do Hospital Nacional, que sempre esteve livre ao trânsito público, se achava agora vedada com tapagem de cercas e taquaras como notou; e afirmando o mesmo Arruador que a dita rua era designada no Plano da Cidade, acordou a mesma Câmara que se passasse mandado para serem notificados os moradores da Rua Alegre, cujos fundos entestam naquela Rua da Figueira, para recuarem as suas divisas e cercas, deixando livre ao mesmo trânsito em toda largura que o dito Arruador sinalaria na conformidade do mesmo Plano”. A essa decisão, a Câmara enfrentou a poderosa senhora dona Francisca Urbana. Em 1839, os vereadores tentaram abrir a Rua da Figueira até a Rua do Rosário (hoje Vigário José Inácio), mas a proprietária impediu esse prolongamento com base em títulos de concessão de terrenos. Na ata de 24 de janeiro de 1839, os vereadores novamente determinaram a abertura da Rua da Figueira pelo alinhamento marcado na inspeção, ordenando-se ao Procurador da Câmara verificar, no caso com Francisca Urbana da Fontoura, se ela conformava com isso. E registra Franco “fazendo-lhes ver a vantagem que disso lhe resulta”. Em 1843, segundo Franco, a história continuava até ser resolvida em 12 de julho daquele ano, quando os vereadores solicitaram a presidência da Província autorização para desapropriar um trecho da propriedade da viúva Barreta “fazendo-lhe ver que, achando-se aberta a Rua da Figueira até quase ao encontrar-se com a Rua do Rosário, acontece faltar somente abrirse em um terreno ocupado por dona Francisca Barreta, sendo ele de foro, e que em consequência só se tem de indenizar as benfeitorias que, reunidas ao que podem importar 21 palmos de terreno da propriedade da mesma, que se tiram dos fundos da propriedade da mesma, montarão apenas em 200$000, para cuja despesa pede a Câmara a competente autorização”.

Em 30 de julho de 1874, o vereador Dr. Luiz da Silva Flores Filho renomeia a Rua da Figueira para Coronel Genuíno, em homenagem a Genuíno Olímpio de Sampaio, morto na repressão aos Muckers.

Rua João Telles

A rua que termina na Av. Osvaldo Aranha teve seu nascimento oficial na ata da Câmara Municipal de 23 de outubro de 1878 quando os vereadores atenderam ao pedido de Antônio José Ferreira Bastos, que em agosto havia arrematado em praça pública a chácara que fora de José Ferreira Barbosa, passando a oferecer terrenos para a abertura da que seria a Rua Silveira Martins, como então passou-se a chamar a atual João Telles

Em 19 de dezembro de 1881, os vereadores atendem a uma reclamação de proprietários daquela rua solicitando a execução de melhoramentos. A rua passou a figurar no mapa da cidade de Henrique Breton e foram frequentes as resoluções dos vereadores a respeito de irregularidades ocorridas na Rua Silveira Martins como “tirada irregular de aterro por particulares; mau alinhamento das casas, uma das quais, - a de Henrique Stock – avançara um metro para dentro da rua, e más condições de trânsito e higiene”. Ato Municipal nº 21 mudou o nome da rua para General João Telles, em homenagem ao general João Batista da Silva Teles, que veio a falecer no ano seguinte durante a Revolta da Esquadra.

A Câmara na Cidade 89/90
Prati.

Rua José do Patrocínio

Foi na reunião de 17 julho de 1857 que os vereadores da Câmara Municipal cogitaram a ideia da rua “que partindo da Rua da Figueira vá paralela à da Olaria, a sair na da Imperatriz”. Enunciada pela primeira vez, foi nomeada uma comissão de vereadores para se entenderem com os proprietários dos terrenos onde a rua devesse passar para que os cedessem gratuitamente. Para Franco, a comissão deve ter sido mal sucedida, pois o assunto só voltou a discussão na década de 1870, quando a rua começou a ser aberta. Na planta de Henrique Breton de 1881 a Rua José do Patrocínio surge então como Rua da Concordia, mas com grandes dificuldades de prolongamento.

Na sessão de 13 de março de 1883 os vereadores solicitaram recursos à Assembleia Legislativa, para desapropriar os terrenos necessários ao prolongamento da Rua da Concórdia, estendendo-a para o sul. Em 28 de março de 1883, autorizaram despesa de até 600$000 réis com “a demolição de dois muros, construção de outro e de uma cerca de madeira no terreno do Convento do Carmo para prolongamento da Rua Concórdia, com 17,60m de largura e 30,80m de comprimento”. Franco assinala que o processo de construção da rua foi demorado, já que na sessão de 20 de fevereiro de 1888 os vereadores registram a recusa do Comendador Batista (José Batista Soares da Silveira e Souza), de doar ao município o pedaço de terreno que faltava, oque só foi solucionado ao final desse ano. O nome atual de José do Patrocínio só veio a ser dado por ato de José Montaury em 7 de fevereiro de 1914.

Autores não identificados.

Rua José do Patrocínio

Acervo Prati

Rua General Portinho

A rua que termina na Washington Luís teve diversas denominações. Na ata da Câmara Municipal de Porto Alegre de 21 de junho de 1820 aparece como Rua Bela quando Manoel dos Santos Xavier requer um terreno nela aos vereadores; na vereança de 8 de julho de 1826 procurou-se fixar seu alinhamento para evitar prejuízo aos proprietários Simplício Luiz e Laureano Antônio Dias.

Na ata de 19 de janeiro de 1831, os vereadores recebem pedido do Visconde de Castro para depositar na rua materiais para reedificação de uma casa e que também pedia ao Arruador da Câmara que lhe desse a altura das soleiras e as direções necessárias. Era então uma rua tortuosa e que levou tempo para urbanizar-se. Em 20 de agosto de 1851 os vereadores decidiram sobre seu desaterro, devendo as carroças de terra retiradas de seu leito serem depositadas na Rua da Praia.

Dois anos depois, em 10 de janeiro de 1853, os vereadores autorizam Lauriano Antônio Dias licença para tirar pedra do meio da Rua Bela, esquina da Rua da Varzinha (Demétrio Ribeiro). Em 16 de outubro de 1860 os vereadores aprovam despesa com execução de duas calhas de pedra, o que se repete em 20 de janeiro de 1873, para esgoto das águas do chafariz e da Praça General Osório. A Resolução de 6 de setembro de 1873 nomeia a rua em homenagem a José Gomes Portinho, general do exército.

A Câmara na Cidade 91/92

Rua Santo Antônio

A rua do bairro Bom fim tem sua origem na oferta que os proprietários de uma faixa de terreno, Antônio José Pedroso, presidente da Câmara, e Antônio José de Araújo Bastos, fizeram aos vereadores ligando a Rua dos Moinhos à Várzea. A oferta foi aceita pela Câmara Municipal em 22 de novembro de 1854 e em 6 de agosto de 1865 os vereadores mandaram pagar a última prestação da contratação de cercas, valos e plantação de espinhos feitas com José Francisco da Silva, o dono da Fonte do José Francisco, que existia na Av. Cauduro. A rua, segundo o vereador Felicíssimo de Azevedo, “só tem 58 palmos devendo ter 80. Estão dividindo terrenos, oque a Câmara também não sabe, devendo sabê-lo”, afirmou. O prolongamento final da rua só foi realizado no século XX.

Autor não identificado. Rua Santo Antônio (sentido Independência para o Bom Fim) – década 1910. Acervo André Prati.

O logradouro que começa na Rua dos Andradas tinha na extremidade ocidental um desembarcadouro da Câmara de Vereadores para a barca que transportava gado a partir da Ilha da Pintada. Franco diz que havia um curral de passagem e que o gado então era conduzido pelos tropeiros ao longo da Praia do Arsenal, Riacho e Rua da Margem em direção ao matadouro.

A rua era um problema porque por ali havia o trânsito de tropas de gado descritas por Aquiles

Porto Alegre “e ia o gado xucro, de cabeça em pé, olhar espantadiço, sacudindo a cola no ar, pela Rua da Passagem, obrigando os moradores do sitio a trancarem as portas com receio de alguma rês entrar pelo corredor adentro”.

A rua foi criada a partir dos terrenos que a Câmara recebeu do Visconde de São Leopoldo em 1824 que os loteou, mas reservou vários para logradouros públicos. Em 28 de março de 1876 os vereadores alteraram a designação da Rua da Praia do Arsenal para Rua General Salustiano.

A Câmara na Cidade 93/94
Rua General Salustiano

O logradouro que liga a Rua Duque de Caxias com a Rua Coronel Fernando Machado, entre a Catedral e o Palácio do Governo, aparece em 4 de abril de 1868 nas atas da Câmara Municipal quando os vereadores recebem solicitação do Bispo Dom Sebastião Dias Laranjeira para sua abertura e a importância de 100$000 para desapropriação de casas que existiam nas proximidades.

Demorou sua abertura porque a Câmara teve de pagar a desapropriação que chegou a 600$000 de um terreno, como registrou na ata de 21 de outubro de 1875, efetivando a desapropriação apenas na sessão de 9 de janeiro de 1877. O nome do logradouro, Dom Sebastião, foi dado pela Câmara em 2 de setembro de 1884. Na Câmara, ao final deste ano, o vereador Amaya de Gusmão, que muito se empenhou, deu seu nome à rua, mas o nome não vingou, voltando ao nome original. Diz o Vereador em seu relatório de 7 de janeiro de 1887 “É conheci-

do de vós o estado insalubre e nauseabundo em que se achavam os terrenos destinados à abertura desta rua, há tanto tempo deliberada pela Câmara. Era realmente inexplicável que tal depósito de imundícies, por onde dificilmente se efetuava o trânsito, permanecesse até agora em porto tão importante da cidade e ao lado da Catedral, do Palácio do Exmo. Sr. Bispo Diocesano, Seminário Episcopal e do palácio da presidência da Província. Tendo a Câmara deliberado realizar a abertura da rua, está ela quase ultimada com grande conveniência pública e embelezamento dessa parte da cidade”.

O desenhos ao lado são da publicação "Livro Le Salons d'Architecture, 1922", no qual consta o projeto de Gras para o Palácio onde se vê a Rua Dom Sebastião, entre o Palácio e a Catedral Metropolitana. Todas as imagens são do site Palácio Piratini- Arquitetura e Memória

A Câmara na Cidade 95/96

Rua Siqueira Campos

O logradouro que hoje inicia na Rua General Portinho era chamado à época de Rua das Flores, merecendo muitas referências nas atas da Câmara Municipal porque seu projeto havia sido aprovado pelo presidente da Província em 25 de outubro de 1850. Entretanto, frente as muitas investidas de proprietários que desejavam terrenos no local, a Câmara Municipal representou ao presidente da Província contra as pretensões de particulares. O que não teve muito sucesso, diz Franco, já que em 3 de novembro de 1868, era informado à Câmara a possibilidade de conceder a Frederico Bier um terreno junto ao logradouro que, segundo Franco, é oterreno onde está hoje o prédio Bier & Ullmann, à rua Siqueira Campos esquina Uruguai.

As atas de 25 de outubro de 1870 registram os requerimentos de cidadãos por terrenos na região, estabelecendo os vereadores pequenos limites e obrigações a sua instalação como não prejudicar o canal, a necessidade de aterramento, etc. A Câmara também não se opôs, na ata de 22 de julho de 1880, ao projeto de construção do prédio da alfândega e tesouraria nas proximidades, também exigindo a proteção do projeto da Rua Flores. Em 1931, a rua recebe o nome de Siqueira Campos, líder do movimento tenentista de 1922.

João Alberto Fonseca da Silva. “Posto do Avião”, na Siqueira Campos, atrás do atual Centro Cultural Santander, fotografado em 1956 . Acervo UNIRITTER. Reproduzido de https://www.webpoa.com/ historia/o-posto-do-aviao/

As origens da rua que termina na Avenida Independência envolveram um dissídio entre a Câmara, o governo provincial e a família proprietária da Chácara da Brigadeira. É que o presidente da província, Doutor João Pedro Carvalho de Morais, em 17 de março de 1873 determinou a Câmara que a Rua Coronel Vicente tivesse somente 60 palmos de largura e não oitenta como determinam as posturas da Câmara.

No dia seguinte os vereadores aprovam a resolução proposta pelo Vereador João Carlos Bordini que denominava uma rua que se estava abrindo na Rua dos Andradas, perpendicular a Rua Voluntários da Pátria, de Silveira Martins, justamente o chefe liberal e adversário do presidente da Província e genro da doadora dos terrenos para a abertura da rua, dona Rafaela Pinto Bandeira “Obviamente, a família do Doutor Israel Rodrigues Barcelos não poderia gostar de uma “Rua Silveira Martins” atravessando sua chácara”, diz Franco, o que explica porque não houve nada na região até quando, na sessão de 24 de fevereiro de 1877, os vereadores com outra composição, recebem oficio de dona Rafaela dizendo concordar com a abertura desde que se chamasse Rua do Coronel Vicente “em cláusula de denominação perpétua”.

Os vereadores aceitaram a oferta e ordenaram a recepção do trecho. Em 17 de maio de 1877, o fiscal da Câmara demanda a um morador desocupar uma parte edificada e, em 8 de julho de 1880, ordena a construção de uma pequena calha e aterros na rua, mostrando progressos no logradouro. Ela foi a rua exceptuada pela Câmara, na sessão de 11 de julho de 1882, da obrigação dos moradores de erguerem muros nos terrenos baldios, admitindo apenas cercas de madeira.

Autor não identificado.

Rua Coronel Vicente.

Reproduzido do site Viva

Porto Alegre a Pé.

A Câmara na Cidade 97/98
Autor não identificado. Rua Coronel Vicente.Acervo Prati.
A

Câmara

Municipal de Porto Alegre durante a ocupação do território gaúcho (1680-1772)

Souza & Müller iniciam sua obra Porto Alegre e sua evolução urbana (Editora da Universidade, 1997) com uma análise do crescimento da capital e os seus antecedentes históricos. Sua interpretação é importante porque recupera para a história da Câmara Municipal o comportamento demográfico da população, que não era apenas um problema para cidade, mas também para a própria futura câmara. Elas afirmam que nos primeiros dois séculos após o descobrimento, a região sul é abandonada a sua própria sorte: “nem Espanha, nem Portugal interessam-se pelas terras riograndenses. Os espanhóis, a quem deveriam pertencer, preferem a entrada do Rio da Prata à da Lagoa dos Patos, pois aquela os leva ao coração do Continente, fonte dos metais preciosos que buscam” (Souza & Müller, 1997). Isso faz com que Buenos Aires e Asunción se tornem os primeiros centros de irradiação econômica da região.

O Rio Grande do Sul só se torna importante no cenário nacional colonial com a instalação dos missionários jesuítas na região, que vão catequisando indígenas nas chamadas reduções. Laguna é então, no século XVI, o ponto mais extremo da ocupação portuguesa, segundo o Tratado de Tordesilhas. A região virá após ser objeto de conquista portuguesa com a fundação da Colônia do Sacramento, fundada em 1680 e localizada em frente a Buenos Aires. É nesta região entre a Colônia de Sacramento e Laguna que irá promover a ocupação da região onde hoje situa-se sua capital, Porto Alegre, e sua Câmara Municipal.

A ocupação tardia da região sul do país inicia, assim, de forma frágil: muito isolada, com reduzidos recursos de comunicação onde cada cidade é separada da outra por extenso território pouco ocupado. A ocupação da região,

A Câmara na Cidade 99/100

além de ter o objetivo econômico de garantir a posse de terras, tinha objetivo político: era preciso avançar o povoamento para aumentar o poder da coroa portuguesa na região. A razão é que o princípio do uti posidetis afirmava que cada um dos países em disputa (Portugal e Espanha) fica com o que já ocupou. De Laguna, criada em 1686, saem bandeirantes para fundar as primeiras estâncias no litoral, incluindo Tramandaí, Capivari, Gravataí e Viamão, de onde virá a primeira instituição política, a Câmara Municipal, para a região de Porto Alegre. Lagunistas ocupam a região do Rio Grande a São José do Norte, junto com militares que se fixam no local e dão origem a população do estado e compõem a sociedade agro pastoril que conhecemos baseada na grande propriedade. A esse movimento ocupacional seguem-se o movimento dos colonos açorianos que originam agrupamentos em Mostardas, Osório, Santo Amaro, Rio Pardo e Porto Alegre.

É uma população responsável por uma sociedade agrícola, de pequena propriedade, mas também concentrada nos centros urbanos, nas vilas. No fim do período, a instalação da Sesmaria de Jerônimo de Ornelas estabelece a região que ficará conhecida como Porto dos Casais. Por um lado, o modelo econômico da região é baseado na exploração de rebanhos selvagens de gado e cavalos trazidos das missões em sesmarias e, por outro, pela tradição agrícola do lugar com o plantio do trigo iniciada pelos colonos açorianos. Nesse período, o modelo político da região também se cristaliza. Com a invasão de Rio Grande pelos espanhóis, em 1763, a capital e sua câmara mudam de lugar, de Rio Grande para Viamão, que se torna capital entre 1763 e 1772. E depois, no ano de 1772, em função do avanço espanhol, Porto Alegre é fundada, seguindo-se no ano seguinte a transferência da Câmara

Municipal, finalizando o processo de mudança política e social no estado e fundando a Câmara de Porto Alegre. O motivo da transferência é que o núcleo inicial de Porto Alegre possui uma economia incipiente, mas um sítio elevado e excelente ancoradouro, com águas profundas protegidas dos ventos fortes de sudoeste, o que faz a cidade tomar a dianteira estratégica de Viamão para a instalação política. Um ano depois de fundada a cidade, é feita a transferência da Câmara para a Porto Alegre.

A Câmara na Cidade 101/102
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Planta de Porto Alegre capital da Província do Rio Grande do Sul. Reproduzido de Cartografia Virtual Histórico-Urbana de Porto Alegre. Porto Alegre, 2005. CD-ROM. Virgílio Calegari. Acima: Vista da Praia de Belas. Abaixo: Vista do Cais do Mercado. Acervo MJJF. Avenidas para a expansão da cidade Planta de Porto Alegre capital da Província do Rio Grande do Sul, 1837 In: INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO SUL. Cartografia Virtual Histórico-Urbana de Porto Alegre. Porto Alegre, 2005. CD-ROM. Acervo do MJF.

Em A aventura das palavras da cidade através dos tempos, das línguas e das sociedades (Romano Guerra Editora, 2014, p.78), Stella Bresciani afirma que a palavra avenida envolve um caráter defensivo, designando um caminho reto – em direitura à – que é importante tanto por sua posição topográfica e pelo lugar que ocupa na cidade "apenas nas últimas décadas do século 19 o significado se amplia e passa também a designar nas cidades as ruas muito amplas com arvoredos que servem ao passeio recreativo. Abandona o sentido defensivo ao penetrar nas cidades e adota a imagem conferida antes as alamedas que levam às quintas.

As avenidas, amplas e orladas de árvores tem o uso associado aos hábitos de recreação e fruição da paisagem antes confinada aos jardins e passeios públicos”. Tanto em Porto Alegre como nas demais cidades do Brasil, a avenida aparece como uma rua mais larga, o que lhe confere importância em relação as outras vias da cidade como as ruas. Na capital como nas demais cidades, são uma referência numa hierarquia viária onde estão travessas e ruas menos importantes e becos, caminhos mais acanhados e estreitos. Franco valoriza o quanto o nome do morador mais antigo ou mais ilustre dá nome aos lugares de Porto Alegre como em outras cidades. As atas das Câmara, ao registrarem, assinalam que essas referências começam a serem mais permanentes. Porto Alegre, como cidade de origem portuguesa, não recebeu um traçado rígido como o dado pelas administrações das cidades de colonização espanhola, que obedeciam as Leis do Reinos das Índias. Bresciani afirma que em São Paulo, o traçado das ruas e avenidas foi sendo definido pelos limites das propriedades, o que se reproduz em Porto Alegre, já que Franco registra, em primeiro lugar, as doações de proprietários para a construção de logradouros. A criação do cargo de arruador, nomeado pela Câmara de

A Câmara na Cidade 105/106

Vereadores, definiu um papel decisivo aos edis na definição do traçado da cidade. Seu papel era fazer o alinhamento de todas as ruas, o que é particularmente importante a partir da segunda metade do século XIX, quando o valor de troca da terra aumenta. Em 18 de setembro de 1850, o Imperador dom Pedro II assinou a Lei de Terras por meio da qual o país oficialmente optou por ter a zona rural dividida em latifúndios, e não em pequenas propriedades, aumentando a concentração fundiária.

O primeiro Código de Posturas de Porto Alegre data de 1829 e já dispõe sobre inúmeros regramentos de desenvolvimento urbano. Ele estava previsto na lei de 1º de outubro de 1828 que regulamentou as câmaras municipais que, em seu artigo 66, atribuiu a criação e cuidado das Posturas Municipais às Câmaras de Vereadores. Ali foi estabelecido para a Câmara de Porto Alegre o cuidado com os logradouros públicos, a contenção de ruínas, construção e reparos de estradas e o cuidado com os matadouros públicos. Diz Franco, na apresentação do livro Código de Posturas, publicado pela Secretaria Municipal de Cultura que, no artigo 71, o legislador imperial dispôs o seguinte: “As Câmaras deliberarão em geral sobre os meios de promover e manter a tranquilidade, segurança, saúde e comodidade dos habitantes; o asseio, segurança, elegância e regularidade externa dos edifícios e ruas das povoações, e sobre estes objetos formarão suas Posturas”. Até 1888 foram diversas normas aditivas às Posturas Municipais, incluindo o regulamento interno para a Praça do Mercado de 1844, editado pelo presidente da Província. As Posturas estabeleceram os limites de Porto Alegre da Barros Cassal à Lima e Silva, do Arroio Dilúvio até sua foz no Guaíba, o que fazia de sua área urbana o centro da cidade. Uma das prerrogativas dos vereadores, por essa razão, era a licença para construir imóveis, o que

implicava fixar limites do seu alinhamento em relação a ruas e avenidas, responsabilidade do Arruador da Câmara.

A adequação da cidade às normas de organização do espaço urbano fez com que houvesse operações de desmonte dos obstáculos encontrados no caminho, como grandes pedras que obstaculizavam a passagem dos pedestres nas ruas do centro de Porto Alegre. Avenidas eram abertas para estabelecer as grandes traços viários da capital, possibilitando acesso a regiões mais antigas, quanto becos eram transformados em travessas para facilitar a ligação entre ruas. Graças as iniciativas de criação de grandes avenidas e organização das pequenas travessas, os vereadores puderam estabelecer o mapa da cidade e as possibilidades de sua expansão tal como conhecemos hoje.

A Câmara na Cidade 107/108

Autor desconhecido.

Rua 24 de Maio (atual Av. Otávio Rocha), século XIX. Coleção Eva Schmid. Acervo do MJJF.

Avenida Otávio Rocha

A rua da zona central que termina na Senhor dos Passos e esteve ligada ao Beco do Rosário sofria, segundo Franco, com o trânsito de carretas sobre seu calçamento. Isso era motivo de conflitos entre moradores e a Câmara como o do dia 28 de julho de 1853, quando Carlos Morandi solicitava aos vereadores “isenção de lajear constantemente sua testada em razão dos danos que lhe causava o trânsito, ou que lhe fosse permitido colocar frades de pedra junto ao passeio”. A Câmara resolveu atender o pedido proibindo o trânsito de carretas, carros e carroças na região central, mas a regra era muito rígida para ser eficaz. Por isso, em 24 de abril de 1861 a Câmara resolveu estabelecer um sistema de mão única proibindo os veículos de rodagem descer oBeco do Rosário para irem à Praça do Paraíso, só permitindo subirem. Após, a abertura da Rua Otávio Rocha pelas reformas do prefeito Alberto Bins resolveu o problema na região.

Frades de pedra são pilares ou marcos de pedra, fixados no chão para impedir a passagem de veículos ou para amparar o cunhal de uma casa e onde eram também amarradas as rédeas dos animais.

Autor desconhecido.

Rua 24 de Maio (atual Av. Otávio Rocha), século XIX.

Coleção Eva Schmid. Acervo do MJJF.

A Câmara na Cidade 109/110

A extensa avenida que vai do bairro Azenha a Belém Velho nasceu com aquela povoação e já era cuidada pelos vereadores desde 21 de outubro de 1851, quando eles mandaram o fiscal examinar seu estado no trecho onde cruza com o Arroio das Águas Mortas. Franco diz que o cronista Felicíssimo de Azevedo (1823-1905) já reclamava, em 17 de janeiro de 1884, aos vereadores sobre o desmonte das estradas nas imediações do cemitério: “Fazei descer aquele calvário que se chama estrada de Belém. Não vos importeis com o cemitério, que em breves anos há de ficar dentro da cidade. Cavai, cavai aquela ladeira para tirar a terra necessária para encher as grandes sangas que há pelas circunvizinhanças, não só públicas como particulares”. A avenida foi chamada por muito tempo de Estrada da Cascata até ser rebatizada com o nome de Avenida Oscar Pereira, diretor do Hospital Sanatório Belém, nos anos 30.

Autor desconhecido. Av. Oscar Pereira, década de 1920-30. Coleção Dr. João Pinto Ribeiro Netto. Acervo do MJJF.

Segundo pesquisadores do Museu Joaquim José Felizardo, a rua localiza no bairro Teresópolis foi criada oficialmente pela Lei Municipal n.º 2.681, de 1963. Foi por muito tempo um bairro de chácaras e sítios produtores de frutas, com destaque para a produção da uva. O clima da região era ameno devido à presença de grande parte da mata nativa. O seu desenvolvimento ocorreu a partir de um loteamento da Companhia Territorial Rio-Grandense, que colocou à venda um grande número de terrenos em toda a cidade. No Jornal do Comércio de 10 de fevereiro de 1901, a empresa oferecia seus lotes no “arraial de Teresópolis”. A criação da linha de bondes, em 1899, também foi um impulso à ocupação da região, pois possibilitou a ligação do arraial ao centro de Porto Alegre.

Autor desconhecido. Teresópolis, década de 1920. Acervo do MJJF.
A Câmara na Cidade 111/112
A Câmara na
113/114
Virgílio Calegari. Avenida Oscar Pereira. Década de 1890(?). Acervo MJJF.
Cidade

Na sessão de 2 de julho de 1834, a Câmara Municipal já fala de uma das principais vias radiais da cidade junto a qual se desenvolveu o Bairro Floresta. Nesta data, os vereadores tratavam de um valo antigo e público que cortava ao meio as chácaras que ficavam entre o Caminho Novo e a rua que vai sair no Beco do Mota que, segundo Franco, é a atual Rua 7 de Abril e a rua que era “caminho da chácara de Francisco Pinto de Souza”, que depois passou a ser chamada de Estrada do Freitas até se converter na Rua da Floresta.

Só depois da depois do início da Revolução Farroupilha a rua chamou a atenção dos vereadores. Em 20 de outubro de 1841, os vereadores solicitaram ao Procurador examinar com o arruador o alinhamento do caminho porque ele estava fora dos limites da cidade. O Procurador então informou à Câmara, na sessão de 22 de novembro de 1841, que nomeou uma comissão para estabelecer o alinhamento. Diz Franco que “embora a cidade em expansão estivesse carecendo de uma nova planta, a Câmara Municipal não se abstinha de traçar novas ruas". Por isso, em 4 de maio de 1842, determinou que fossem notificados judicialmente todos os proprietários de terrenos “na linha em que se acha a chácara de Francisco Pinto de Souza, para que não possam levantar casas, cercas ou formar valas enquanto se não tirar a nova planta da cidade”.

Em1842 os vereadores discutem o alinhamento do primeiro trecho até a afluência da antiga Rua 7 de Abril, onde se situava a morada de Chico Pinto debatendo o prosseguimento da rua. Os vereadores novamente tratam o tema na reunião de 20 de outubro de 1846, quando solicitam autorização à presidência da Província para desapropriar terrenos necessários a construção da estrada. Eles registram a conclusão da desapropriação na ata de 9 de julho de 1849 “para que o caminho prosseguisse pelas chácaras de Francisco Dias Moreira e Comendador Travassos”. Diz Franco que “aí ocorrem providências para orçar as cercas e valores que deveriam cercar a chácara do aludido Comendador Freitas Travassos, pondo-se em arrematação, a seguir, a feitura dos valos com espinho de maricá, numa extensão de 950 braças (ou 2.360 metros)”. O fim do ano de 1850 assinalou o início efetivo desses trabalhos, “quando presos da cadeia pública passaram a trabalhar durante algum tempo” segundo as atas da Câmara de 12 e 28 de novembro daquele ano, segundo Franco.

A ata de 13 de janeiro de 1855 já alude a Fonte do Freitas, manancial da melhor água potável da cidade a qual se chegava pela Estrada do Freitas. Em 20 de outubro de 1857, a artéria que se expande passa, por iniciativa dos vereadores, a se chamar Rua da Floresta, abandonando-se o nome popular de Chico Pinto ou do Freitas até então usado. Em 12 de outubro de 1892 a rua recebe o nome atual de Cristóvão Colombo pela passagem dos 400 anos de descoberta da América.

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Avenida Venâncio Aires

A rua que começa na Praça Garibaldi recebeu atenção dos vereadores na sessão de 15 de dezembro de 1845, quando a Câmara mandou indicar por meio de marcos o traçado da nova rua e deslocou as instalações do matadouro ali localizado. Três anos depois, em 15 de junho de 1848, os vereadores determinaram a feitura de cercas com espinhos de maricá para isolar da rua o “potreiro do Matadurouro”, localizado entre as Ruas Venâncio Aires, a Av. João Pessoa e a chácara “do Azambuja”. Os vereadores queriam permutar o Potreiro Nacional por um terreno na Praia do Arsenal utilizado por instalações da Marinha, o que só foi feito em 1873. Sem o matadouro no local, diz Franco, “a câmara tratou de lotear a área e vendê-la em terrenos parcelados, o que marcou definitivamente a implantação da rua em seu trecho inicial, com definição da praça, que depois seria a Garibaldi”. O loteamento de que fala Franco foi aprovado pela Câmara em 27 de outubro de 1877.

A Câmara alterou a designação da então Rua da Imperatriz para Venâncio Aires em 11 de dezembro de 1889, homenagem ao ilustre paulista cunhado de Pinheiro Machado.

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Autor desconhecido. Vista da Av. Venâncio Aires em obras, década de 1920. Acervo do MJJF.

Avenida Independência

As atas da Câmara desde o ano de 1829 fazem reverência a Estrada dos Moinhos de Vento, segmento do caminho para Gravataí que partia do Alto da Santa Casa e que dava acesso aos moinhos de Antônio Martins Barbosa ou Barbosa Mineiro, na rua que dará origem ao Bairro Independência. No caminho de saída da cidade encontrava-se a chácara de propriedade de Josefa Eulália de Azevedo, a Brigadeira, com quem a Câmara teve conflitos em função de valos em frente a olaria que explorava e que prejudicavam o trânsito. Por essa razão a câmara intimou-a, pois eles prejudicavam o interesse público.

A Câmara registra nas atas de 11 e 14 de maio de 1829 e 31 de março de 1830 que também providenciou consertos na estrada dos moinhos nas proximidades das propriedades de Manoel Joaquim de Souza e João de Souza Machado pois ali “as chuvas haviam causado uma grande escavação que não deixava mais de 24 palmos de terreno livre para trânsito dos Viajantes”.

Franco observa que a urbanização da região avançava mesmo antes da Revolução Farroupilha. Em 14 de agosto de 1833 a Câmara atende pedido de Teodora Inácia da Conceição para que fosse demarcado um terreno de 55 palmos de frente à rua dos Moinhos de Vento, o que só foi interrompido pela declaração da própria revolução. Ainda assim, em 1843, os vereadores já começam a dar alinhamento ao logradouro, mas as discordâncias entre os edis e proprietários, como o médico inglês Roberto Landell, atrasam os procedimentos, o que faz com que a Câmara oficie em 25 de novembro de 1845 seu Procurador para alinhar judicialmente a Estrada dos Moinhos.

Em 4 de junho de 1845, os vereadores determinam a realizam de novos consertos, já que a estrada estava intransitável “principalmente entre as chácaras dos senhores Pedroso, Fonseca Guimaraes e Landell, e ainda mais entre as do falecido Antônio José Pereira Machado e do Sr. Freitas Travassos”.

Pelas Atas da Câmara de 30 de outubro e 29 de novembro de 1845, 6 e 31 de agosto e 20 de outubro de 1846, ficamos sabendo que a maior dificuldade para a finalização da Rua Independência era a Chácara da Brigadeira, cuja proprietária, Dona Rafaela Pinto Bandeira Freire, exigiu uma indenização para ceder seus espaços entre a Rua Senhor dos Passos até a equina da Rua da Conceição na quantia de 9:600$000, altíssima para a época. Na ata de 15 de março de 1855 vê-se o projeto de sua continuação até a Rua Dom Afonso, atual Rua Ramiro Barcellos e, em 20 de outubro de 1857, os vereadores deliberam que a rua passe a ser chamada de Rua da Independência.

Diz Franco que a Câmara registrou em 22 de abril de 1855 o requerimento de Antônio Santos Netto e Antero Henrique da Silva que mostram que a rua ainda carecia, entre as ruas Conceição e Barros Cassal, de providências quanto a construção de sarjetas e marcação de cordões. Como os proprietários construíram e finalizaram seus prédios, pediam que o “município mandasse aterrar e abaular oleito da rua e construir as respectivas calhas para que pudessem fazer o lajedo dos passeios”. O calçamento ia até a esquina da Rua da Conceição e somente em 3 de maio de 1888 um vereador manda orçar o calçamento no trecho seguinte, até a Rua Barros Cassal. A partir de então, a rua afirmou-se como local predileto da moradia burguesa com seus palacetes.

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A Câmara na Cidade 121/122 Autor desconhecido. Avenida João Pessoa. Acervo MJJF.

Avenida João Pessoa

A avenida do Bairro Santana, caminho de ligação entre o bairro Centro e a Ponte da Azenha até Viamão, já era chamada de Rua Nova do Portão em diversos requerimentos de terrenos endereçados ao Senado da Câmara. Caminho semirrural, às vésperas da Revolução Farroupilha, em 19 de setembro de 1843, a Câmara Municipal resolve solicitar ao presidente da Província que elaborasse uma planta da Várzea para poder definir o alinhamento correto daquela avenida. Quem mais se dedicou a melhorar ologradouro foi o Vereador Lopo Gonçalves. Em 21 de julho de 1845 ele pediu que a Câmara tomasse a devida consideração de “melhorar a rua que segue do 8º Batalhão para Azenha, por se achar em parte intransitável pelas muitas águas que acodem a toda frente do lado do leste”. Franco assinala que o mesmo vereador requereu em 21 de abril de 1846 que se mandasse “alinhar a rua da Azenha com 100 palmos de largo desde a desembocadura do quartel do 8º à embocadura da mesma rua na chácara do falecido Leão, e que se marque no nivelamento pelo lado da Várzea uma distância de 20 palmos para se mandar plantar o arvoredo próprio de fazer sombra, mandando-se convidar os senhores moradores do lado do sul para coadjuvarem a esta Câmara na plantação mencionada, a fim de concluir-se com toda brevidade”.

Com o aumento da população da rua, os vereadores mandaram colocar dois lampiões para iluminação pública em 22 de julho de 1847, derrotando a proposta inicial de Lopo Gonçalves e do Doutor Flores de quatro lampiões no local. Diz Franco que quanto aos alagamentos da rua, os vereadores tentaram reduzi-los com a Resolução de 11 de outubro de 1855, que mandava abrir um valo “principando do canto da chácara do Comendador Israel Soares de Paiva (na esquina da Rua Sarmento Leite), ao canto da Rua Imperatriz, ficando livre para a estrada a largura de 150 palmos, e que igual valo e com mesma distância se faça no lado oposto”.

Autor desconhecido. Cinema Castello, Avenida da Azenha, prolongamento da Avenida João Pessoa. Década de 1940 (?). Acervo MJJF. Neste local, segundo os pesquisadores do Museu Joaquim Felizardo, era a residência de Chico da Azenha, cujo moinho dava nome a avenida.

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Outro enfrentamento dos vereadores foi com a implantação da maxambomba na Azenha em 1864, porque os empresários queriam valos protetores ao longo dos trilhos e os vereadores não porque impediria o trânsito de outros veículos. Em 7 de janeiro de 1887, o vereador Amaya de Gusmão, presidente da Câmara, encerrava seu mandato dizendo que “a (estrada) que dá terminação do Campo da Redenção conduz à ponte da Azenha sofreu radical e dispendioso conserto. Baixa e pantanosa, pelo derramamento das águas do Arroio da Azenha ao menor crescimento destas, hoje oferece seguro e enxuto trânsito pelo grande aterro que sofreu e extensas calhas que se construíram, restando terminar o aterro de um e outro lado das proximidades da ponte”. O depoimento sugere, para Franco, que se tratasse da urbanização da Av. João Pessoa, entre Venâncio Aires e Azenha. Em 7 de setembro de 1884, com a denominação de Campo da Redenção, a Avenida João pessoa passou a ser chamada de Avenida da Redenção, só adquirindo o nome atual em 4 de outubro de 1930, em memória do presidente assassinado.

Maxambomba (corruptela da expressão da língua inglesa machine pump) era um veículo de transporte de passageiros constituído de uma pequena locomotiva, cuja cabine não tinha coberta, que puxava dois ou três vagões, de um ou dois andares. Em 1864 foi inaugurada uma linha de bonde com tração animal no bairro Menino Deus, em Porto Alegre que transitava sobre trilhos de madeira, que chegou a ser chamado de maxambomba.Fonte wikipédia.

Virgílio Calegari. Avenida João Pessoa, década de 1910-1920. Acervo do MJJF.

Autor desconhecido. Avenida Borges de Medeiros, década de 1930. Coleção Dr. João Pinto Ribeiro Netto. Acervo do MJJF.

Avenida Borges de Medeiros

A Avenida Borges de Medeiros encontra sua origem no passado na Rua General Paranhos, beco que subia da Rua Andrade Neves até a Duque de Caxias cujo nome foi dado por uma Resolução da Câmara Municipal datada de 30 de outubro de 1871. A denominação não fixou na mentalidade da população, preferindo a comunidade referir-se a via pública como Beco do Poço, uma de suas denominações. A própria ata da Câmara Municipal de 20 de setembro de 1830 já alude a Rua General Paranhos como “a travessa da Rua do Poço que se segue para a Igreja”, como cita o documento. Segundo o cronista Coruja, a denominação dada pela Câmara Municipal abrangia diversos segmentos, citada por Franco, teve várias denominações: “o primeiro segmento, que seria o mais antigo, entre as ruas Duque de Caxias e Riachuelo, era a Travessa do Poço; o segundo, entre a Rua Riachuelo e a General Andrade Neves só tinha uma casa velha em frente à do padre Inácio, e como Manoel José de Freitas Travassos aí fizesse edificar uma carreira de casas do lado dos números impares, ficou-se chamando de Beco do Freitas; o terceiro, que se desenvolvera mais tarde, da Rua Duque de Caxias para o Sul, seria o Beco do Meireles”.

A unificação das denominações sob o comum nome de Rua General Paranhos não solucionou os problemas de crimes e prostituição do lugar, o que somente aconteceu a partir do alargamento do beco propiciado pelas as obras do viaduto da Borges de Medeiros, que absorveu, possibilitaram no início do século XX.

No século XIX, grande parte do cotidiano de Porto Alegre foi registrado em crônicas presentes nas publicações da de Antônio Álvares Pereira Coruja (1806-1889), cuja alcunha era “Coruja”, o seu pioneirismo entre os porto-alegrenses. Filho do português José Pedro Álvares de Souza Guimarães e da gaúcha Felícia Maria da Silva, de origem humilde, teve que trabalhar, desde cedo, como sacristão, na Igreja Nossa Senhora Madre de Deus (Igreja Matriz). Fonte: Observatório de Imprensa.

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Avenida Getúlio Vargas

O surgimento da Avenida Getúlio Vargas, o segundo logradouro público concebido no Bairro Menino Deus, foi sugestão do presidente da Província Desembargador Manoel Antônio Galvão a Câmara Municipal. Os vereadores então aprovaram em 17 de janeiro de 1848 o requerimento do vereador Dr. Flores para que fossem feitas as necessárias desapropriações “para a abertura de uma nova rua entre a da Imperatriz e a Caxias”, mudando inclusive, olugar da antiga ponte de madeira sobre a foz do Riacho e sua substituição pela Ponte de Pedra, como entrada do novo logradouro.

Em 10 de janeiro de 1850, Franco assinala que a Câmara designa uma competente comissão de vereadores para examinar a obra. Na sessão de 5 de dezembro de 1849 da Câmara Municipal registra que não foi bem sucedida a venda de terrenos da nova rua, já que não houve licitantes “o que se atribuiu a uma avaliação excessiva”. Franco registra a ironia da crônica da época publicada no Jornal O Mercantil, de que a Câmara Municipal (chamada então de A ilustríssima), não a prolongasse, pois seria a mais bela rua da nossa cidade.

Em relação ao conserto da ponte da ponte de madeira antiga, a Câmara e o governo da Província discutiram durante muito tempo de quem era a responsabilidade pelos consertos urgentes. A resolução da Câmara Municipal de 13 de janeiro de 1858 mudou o nome da rua para Rua do Menino Deus e a de 6 de fevereiro de 1868 deliberou pela construção de ponte de pedra que substituiu a de madeira, que ficou pronta em abril de 1870. A Câmara continuou os melhoramentos da avenida com a autorização de contratação, na sessão de 13 de agosto de 1883, da Companhia Carris para obras de abaulamento e encascalhamento da Rua Menino Deus, bem como, em 17 de outubro do mesmo ano, autorizou a plantação de árvores. Na sessão de 1º de junho de 1888 a câmara mudou o nome para Rua 13 de Maio. O nome atual só veio em 24 de novembro de 1935, quando Alberto Bins baixou decreto mudando o nome pela visita do Presidente Getúlio Vargas ao Estado.

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Avenida Padre Cacique

O logradouro que termina junto a Rua Diário de Notícias e que homenageia o capelão do abrigo Santa Teresa foi objeto de atenção da Câmara Municipal em 26 de outubro de 1871. O motivo foi porque ali se localizou um dos matadouros públicos da cidade, o que exigiu melhorias para seu acesso junto a Rua José de Alencar. Lê-se na ata que os empresários dos matadouros requerem à Câmara “que mande compor a Estrada da Praia entre a rua que vai ter a praça do Menino Deus e o edifício do Matadouro”. Após, foi local também destinado aos cubos do asseio público no trapiche da ponta do melo.

Irmãos Ferrari. Avenida Padre Cacique, com o asilo que denomina, déc. de 1900. Acervo do MJJF.

Avenida Osvaldo Aranha

A primeira notícia do que seria a Avenida Osvaldo Aranha foi dado pelo pedido da Santa Casa de Misericórdia, requerimento de autorização de arruamento encaminhado à Câmara datado de 13 de maio de 1833. A fixação do alinhamento, entretanto, demorou a sair, já que a Câmara determina o alinhamento pedido por José dos Santos Tales de Menezes e Isabel Maria da Andrade em 26 de outubro de 1843 “por isso que, com a falta do mesmo, sofrem os proprietários que pretendem edificar, e para o que já tem os preciosos materiais expostos ao tempo e deteriorando-se por isso”. A face norte do caminho composta por chácaras de frentes irregulares atrasa o alinhamento e em 10 de julho de 1849, os vereadores mandam um fiscal municipal “compor a Estrada do Meio nas proximidades da Várzea desta cidade, podendo para isso comprar pedra ou Cascalho”, então a primeira denominação desta avenida.

Floriano Ferreira Antonieto. Av. Osvaldo Aranha, década de 1970. Acervo MJJF. Segundo Museu Joaquim José Felizardo, a Avenida Osvaldo Aranha foi aberta em 1896 e recebeu calçamento na década de 1910. A partir da década de 1920, a avenida e suas transversais tornaram-se ponto de atração para comerciantes judeus, de origem polonesa ou russa.

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O problema da Câmara era o de resolver o litígio entre o município e os que se diziam herdeiros dos proprietários da Várzea, João de Souza Machado. Ele teria sido proprietário e um dos primeiros moradores em uma chácara que ia da Independência à Várzea, o que gerou a reivindicação de seus herdeiros sobre o Parque Farroupilha. Na sessão de 18 de abril de 1850, o Procurador municipal comunicou a Câmara que José Francisco da Silva, um dos herdeiros de João de Souza Machado, estava fazendo uma cerca na região, que os vereadores mandaram arrancar imediatamente. Diz Franco que a 5 de fevereiro de 1851 José Francisco da Silva fez o protesto oficial, julgado à favor do município em 1888. Na época, Silva era conhecido por ser proprietário de uma fonte de ótima água, diz Franco. Em 22 de julho de 1865, os vereadores autorizam Manoel da Fonseca a abrir um açougue na Várzea na esquina da Rua Dom Afonso (atual Rua Ramiro Barcellos), o que significa para Franco o adensamento do bairro. O logradouro recebeu o nome de Osvaldo Aranha em 1930.

Av. Osvaldo Aranha, década de 19300. Acervo MCSHJC. Reprodução do site prati.com.br

As câmaras municipais da Colônia ao Império

Após apresentar o contexto de surgimento das câmaras municipais, Faoro desenvolve no capítulo sexto uma análise dos traços gerais da organização administrativa social e econômica da colônia. É o momento em que ele inspira a reflexão sobre a natureza do Estado patrimonialista brasileiro a partir da burocracia que o compõe e de características auxiliares para pensar a organização da Câmara, ela própria, local de estabelecimento de uma burocracia.

O autor diferencia o funcionário que recebe retribuição pecuniária do agente que desfruta de vantagens indiretas, como títulos e patentes. Se pouco cresce o contingente de funcionários do Estado ao longo dos anos, aumentam as despesas públicas, consequência da expansão dos custos com a burocracia que controla a nobreza e o comércio.

Nesse primeiro momento, é difícil identificar a que Estado Faoro se refere: ao poder central encarnado na burocracia do rei, ao governador geral da colônia, dos próprios sesmeiros, ou das câmaras de vereadores. Seja qual for, o que indica são suas características comuns: “A função pública congrega, reúne e domina a economia. Ela é o instrumento legalista da classe dominante” (FAORO, 2001). O autor de Os donos do poder acrescenta uma característica que se tornou importante para definir a organização das câmaras municipais: “para investidura em muitas funções públicas era condição essencial que o candidato fosse ‘homem fidalgo, de limpo sangue’ ou de ‘boa linhagem”. A condição é exigida pelas Ordenações Filipinas, as grandes referências em termo de direito para a consolidação das câmaras municipais. Como assinala

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Souza (2001) “a estrutura patrimonial portuguesa somouse, pois, ao sistema colonial; sobre este, montou um aparelho de sucção do estado, controlando as exportações e o comércio, orientando a ordem social das classes. A consequência foi a dependência permanente”. A afirmativa de Souza encontra lastro na obra de Faoro. As medidas determinadas pelas Ordenações Filipinas encontram-se diretamente expressas na organização das câmaras municipais. Diz Faoro (2001): “Nas Câmaras se exigia igual qualificação para a escolha dos vereadores entre os ‘homens bons’” – embora, na realidade, esses caracteres fossem muitas vezes ignorados. Os homens bons compreendiam, além dos nobres de linhagem, os senhores de terras e engenhos, a burocracia civil e militar, com a contínua agregação de burgueses comerciantes. Franco, em Porto Alegre, guia histórico (1988), redefine homens bons da seguinte forma no contexto do Senado da Câmara de Porto Alegre: "A expressão “homens bons” nunca foi definida de um modo preciso, correspondia, em princípio, a homens brancos, livres, sem sangue de mouro ou cristão novo, e que dispusessem de recursos. Mas em Porto Alegre, durante o período colonial, os “homens bons” virtualmente se confundiam com os que “andavam na governança”, ou seja, os que já tivessem desempenhado funções no governo da capitania ou do município, o que limitava estreitamente o corpo eleitoral." Por outro lado, Faoro (2001) aponta que os Livros da nobreza guardados pelas câmaras “sofriam registros novos e inscrições progressivas, sem, contudo, eliminar a categoria aristocrática”. Franco (1988) vale-se da mesma legislação para descrever a organização posterior da Câmara Municipal de Porto Alegre: “Essa primitiva corporação municipal, estruturada na forma das Ordenações Filipinas e da legislação portuguesa, compunha-se de dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador, eleitos trienalmente pelos ‘homens bons da Vila.”

Na interpretação de Faoro, as câmaras municipais estavam no final de uma ordem decrescente que iniciava no rei e seguia no governador geral ou vice-rei e nos capitães (capitanias). Ela compreende também as autoridades municipais, compostas de vereadores e juízes que se perdem no “exercício de atribuições mal delimitadas” (FAORO, 2001). Chamado por Faoro de campo da colegialidade, as câmaras municipais, como autoridade local, se estruturaram e expandiram nos séculos XVI e XVII. Em vez de delimitar suas funções, terminam por criar um governo “sem lei e sem obediência, à margem do controle, inculcando ao setor público a discrição, a violência, o desrespeito ao direito [...]. Este descompasso cobrirá, por muitos séculos, o exercício privado de funções públicas e o exercício público de atribuições não legais” . Nessa hierarquia, o ator político mais próximo do Legislativo municipal era o governador, já que a base de seu poder se formava em torno do município – “será a vila a base da pirâmide de poder, na ordem vertical que parte do rei – vila administrada pela Câmara ou senado da Câmara”. O autor aponta que muito de romance foi atribuído às câmaras municipais e pouco se viu em termos de luta autonomista, rebeldia ou usurpação no Brasil. Não era uma instituição violenta, como muitas da Inglaterra, mas subordinada. Ainda assim, muitas comunidades desejavam ser reconhecidas como vilas, para terem sua própria câmara de vereadores. Era, ao menos, a forma de garantir o “princípio da eletividade”, como diz Faoro (2001) os “[...] eleitos eram os juízes ordinários, os três vereadores (em algumas vilas, quatro), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, cada um com as estritas atribuições que lhe conferem as Ordenações. A Câmara se compõe dos juízes ordinários e dos vereadores, os outros funcionários, eletivos ou nomeados, incumbem-se de funções prétraçadas, sob o comando da vereança ou vereação, sem que se possa discernir, nas atribuições das autoridades

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autoridades, funções separadas, no tocante à administração, justiça e legislativo.”.

Convém nos determos neste ponto, talvez secundário, pois contradiz em parte algumas análises sobre a obra de Faoro. É o caso de Campante (2003), para quem, em Faoro “a ausência de povo é presença constante. Abúlico, o povo brasileiro não constituiu uma sociedade civil contraposta ao Estado”. Essa reflexão é perseguida pelo autor em todo seu artigo, contrapondo as interpretações de Maria Sylvia de Carvalho Franco, em Homens livres na Ordem Escravocrata, José Murilo de Carvalho, em A construção da Ordem – a elite política imperial, e Jessé Souza, A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. O autor não se convence do desaparecimento do papel da sociedade na época colonial e discute se essa, e não o Estado, seria lugar de renovação. Entre as críticas de Campante, destacam-se as feitas à interpretação de Jessé Souza, para quem “[...] nossas mazelas seriam obra de uma “elite má” que controla o estado [...] a grande oposição ideológica do livro será aquela entre uma sociedade guiada e controlada pelo Estado, de cima, e as sociedades onde o Estado é um fenômeno tardio e o autogoverno combina com o exercício das liberdades econômicas.”.

A discussão dos intérpretes levanta um ponto importante para o papel do Legislativo local: se, de fato, o comércio e a classe burguesa comercial eram essenciais à conformação do Estado e à relação de subordinação imposta à população, as câmaras municipais não teriam correspondido, no campo imaginário, a um espaço desejado de organização política? Pois, se é verdade, nos termos de Faoro, mesmo numa situação de poder reduzido, se os municípios desejam ter sua câmara, é porque elas representam um mínimo de legitimação legal e experiência de eletividade desejada pelas comunidades na colônia. O argumento de Faoro que aponta para a

pouca participação do povo deve receber a seguinte ponderação: não seria o desejo por um parlamento local a forma imaginada para a expressão da sociedade subjugada? E como ele seria visto ao longo do tempo? A resposta que este estudo dá é pela constante relação dos cidadãos com seu Senado, cedendo terrenos quando consideram importante a construção de uma rua, participando, inclusive, com recursos, como em muitas situações registradas pelas atas da Câmara Municipal de Porto Alegre. Eles não desejavam uma câmara: na verdade, estabeleceram com ela uma relação cotidiana ao longo de um século de forma autônoma.

Faoro (2001) dá atenção especial a essa relativa autonomia das câmaras. Entre os séculos XVI e XIX, diz que tudo está regulado pelo poder público e que as câmaras seriam “um ramo sexto ou ramo vivo, conforme as circunstâncias”.

Esse potencial de ação não é próprio das câmaras brasileiras, mas decorrente das disposições das Ordenações Filipinas: “As câmaras se convertem, depois de curto viço enganador, em simples executoras das ordens superiores”. Primeiro, aponta Faoro, porque os juízes eram designados de fora, em vez de eleitos pelo povo. Depois, os próprios vereadores, em alguns contextos, como na Bahia, eram designados pelo rei, e daí a probabilidade forte de as câmaras de vereadores transformarem-se em “departamentos administrativos da capitania”. Na câmara baiana, Faoro argumenta, nos termos de uma testemunha de época, que as razões da intervenção foram a falta de autoridade dos juízes, a ascendência do supremo tribunal da relação – que furta da Câmara suas atribuições – e as portarias dos governadores, que roubam as regalias da câmara. Segundo o autor, essa realidade foi reconhecida pela lei de organização municipal de 1º de outubro de 1828, que garantia a tutela do governo provincial sobre as câmaras. Assim, a passagem dos séculos XVI o XVII viu emergirem

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câmaras municipais subordinadas em localidades que aspiram à autonomia em relação ao mandonismo português. A Câmara de Porto Alegre insere-se neste contexto de forma tardia, na medida exata da emergência dos homens bons da Vila Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre. E ela terá suas diferenças em relação as demais câmaras abordadas na obra de Faoro.

Ocrescimento da cidade: dos

arraiais aos bairros

Autor não identificado. Publicação original em alemão. Porto Alegre do lado terrestre (leste), c. 1860. Reprodução do autor.

Bresciani (2014) assinala que no Brasil, para as autoridades municipais e para os cidadãos, bairro é a divisão costumeira da cidade, referência que fornece seu endereço, mas também o sentimento de pertença, expressão de auto estima mas também o reconhecimento do direito de acesso aos poderes administrativos, recursos e serviços públicos. Diz que é “espaço urbanizado e habitado, o bairro hoje se opõe de maneira quase intuitiva tanto ao centro da cidade como ao campo, do mesmo modo que às aglomerações supostamente instáveis chamadas de favelas, invasões ou ocupações”. Hoje o Plano Diretor visa atingir e beneficiar os bairros, que discutem se as novas propostas de alturas previstas para os novos prédios são possíveis e desejáveis e mais, se são pertinentes ao desenvolvimento histórico da cidade, nada comparável a debate no passado sobre a altura do prédio Malakoff. No século XIX o controle dos limites das obras nas cidades se dava porque, por um lado, as Posturas Municipais obrigavam as autoridades públicas a controlar sua expansão, e por outro, como Bresciani faz alusão, como no quartier francês, elas faziam alusão a alguma espécie de autoridade militar ou policial. Daí as proximidades entre as expressões “quartel da cidade” que possui ligações com quarteirão e/ou quadra como o lugar de exercício do controle das Posturas Municipais.

Diz Bresciani (2014): “na América Portuguesa, foi também no interior do bairro que a partir de meados do século 18 foram organizados corpos de ordenança ou forças militares locais que contribuíram fortemente para a manutenção de uma ordem legal e administrativa, assegurada pelos regimes de obediência e solidariedade promovidos entre os moradores de cada bairro e cujos papéis em certa medida equivaliam aos de uma política urbana”. Por essa razão, os fiscais da câmara, de certa forma, asseguraram o controle do comércio de rua, protegeram a vizinhança de seus conflitos, convocavam presos para o conserto dos logradouros públicos, etc.

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Haviam bairros fora e dentro das cidades, reconhece a autora, mas observamos em Porto Alegre que a expressão areal, usada para extensões de grande terra, era o termo definido para latifúndios fora dos limites da cidade. Isso pode ser associado ao fato de que Porto Alegre teve sua extensão limitada por muito tempo por muros ou paliçadas de madeira, sendo o termo mais comum o arraial, que denota bairros aparentemente consolidados no final do século XIX (a palavra arraial define-se como lugar ou povoamento capaz de realizar festas). Já a palavra bairro provinha do latim barrium, ajuntamento de casas nos arrabaldes de uma cidade, o que, segundo Bresciani, refere-se a um acúmulo de casas e ruas mais próximas da cidade, melhor do que o equivalente arraial parece indicar. Fora da cidade, mas próximas aos seus muros, os arraiais da capital são compostos de gente que não cabia na cidade e fazia suas moradas fora dela, às vezes, em locais mais distantes, como em São Manoel e São Miguel. A exploração das origens dos termos arrabalde, feita por Bresciani, remonta as tradições espanholas e portuguesas que estão presentes na formação da cidade de Porto Alegre. Entretanto, a especialização dos bairros, isto é, sua habitação predominante por pessoas de mesma esfera ou da mesma classe é mais característico na capital da segunda metade do século XIX, quando ex-escravos passam a habitar o Bom Fim, e do século XX, quando operários passam a habitar a zona norte da cidade. Por um lado, o fato é que as divisões presentes na Porto Alegre imperial, onde no centro oposições entre ricos e pobres se faziam também sentir, expande-se para a cidade como modelo de desenvolvimento, a medida que as moradias da população pobre e trabalhadora das ruas centrais da capital cedem espaços e migram em direção a periferia.

Por outro lado, há uma referência religiosa nos bairros ou arraiais da capital na medida em que paróquias estavam a eles associados, como a Capela do Bom Fim no Bairro Bom Fim, o que significa a sobreposição ao longo da história da cidade da divisão social em bairros e a divisão

diocesana, combinando a influência de autoridades civis e religiosas. Paróquia era um elemento central da sociabilidade dos bairros, já que o termo em português significa uma igreja onde há pároco e paroquianos, ou seja, uma comunidade de vizinhança (Bresciani:2014). A adoção de uma concepção secular, pode-se entender, deu-se a medida em que o comércio, antes localizado no centro da cidade junto ao mercado, passa também a ser desenvolvido nos arrabaldes, com o desenvolvimento de mercados nas pequenas unidades. Os bairros de Porto Alegre serviram assim de condição elementar de ligação de seus habitantes livres com seus direitos e obrigações, indicando pertença e a divisão social. Após a Revolução Farroupilha, o fim dos muros permitiram a extensão dos bairros e a esfera local caminha para sua unificação com a cidade, os bairros com seu centro. As avenidas que começam a ser projetadas e construídas servem, nesse sentido, para garantir o acesso do centro à periferia, fazendo com que a construção dos melhoramentos praticados na primeira também se estendam a estas últimas, papel que coube aos vereadores assumir.

A Câmara na Cidade 141/142

https://bndigital.bn.gov.br/artigos/catalogo-da-colecao-de-angelis/

Autor não identificado. Vistas do Leste e do Oeste de Porto Alegre. Reproduzido de

Na ata de 19 de outubro de 1875 a Câmara recebeu ofício de Doutor Manoel José de Campos transferindo aos vereadores o direito de inspeção do terreno da Praça da Capela do Menino Deus. Em 13 de dezembro do mesmo ano, o Procurador informou aos vereadores a doação da praça que deveria ser outorgada à municipalidade com todos os direitos conferidos aos doadores. Na ata da Câmara Municipal de 8 de janeiro de 1877 registra-se que

Bairro Menino Deus
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Virgílio Calegari. Primeira Igreja do Menino Deus, década de 1900. Acervo MJJF.

oDoutor Manoel José de Campos doou, sem reservas, a Praça Menino Deus, que foi o único lugar do aglomerado de casas em torno da capela que originou o bairro Menino Deus. Conforme ata de 26 de março de 1877, a câmara também aceitou a doação de área de domínio público da Rua Saldanha Marinho dos procuradores de Antônio José de Araújo Bastos, proprietário de uma chácara na área. Em fevereiro de 1879 é oficializado o projeto do loteamento do Areal da Baronesa, com ruas como Barão de Gravataí e Cel. André Belo, no Bairro Menino Deus. Em 1887 o vereador José Domingues da Costa falava pela primeira vez em arborização da praça. Para Franco, a praça se desfigurou a partir do século XX, com o desaparecimento de cercas, gradil, portão e da demolição da igreja gótica que existia no local.

Autor desconhecido. Menino Deus e Riacho, 1881. Acervo do MJJF.

Nas sessões da Câmara Municipal de 20 de outubro e 22 de novembro de 1841, os vereadores cogitaram pela primeira vez de traçar um alinhamento para “o caminho da chácara de Francisco Pinto” – Francisco Pinto de Souza, comerciante e vereador – até o “antigo Beco do Mota”, o que significava, trazidos os topônimos, fixar o alinhamento da Cristovão Colombo até a embocadura da 7 de abril. Diz Franco: “em torno de 1849 e 1850 deu-se prosseguimento à abertura daquele caminho até a Estrada do Passo da Areia: foi o que então se chamou usualmente de “Estrada do Freitas” por atravessar terrenos da chácara do Comedador Manoel José de Freitas Travassos. Uma resolução de 20/10/1857 criou o nome de Rua da Floresta para significar a rua nascida da fusão das estradas do Chico Pinto e do Freitas. Era o Bairro da Floresta que começava a nascer, ainda com um esquema simplícissmo: o eixo principal da atual Cristóvão Colombo, a 7 de Abril até o Caminho Novo; a partir de 1855, abriu-se para comunicação com os Moinhos de Vento, o Beco do Carneiro ou Beco da Marcela, que logo passaria a ser chamado de Rua Dom Afonso, para se transformar depois em Ramiro Barcellos; e a contar de 1858, continuou-se a Rua Ramiro Barcellos até o Caminho Novo”.

Belém Velho

A Capela Nossa Senhora de Belém Velho, sede do antigo arraial de caráter rural na zona sul de Porto Alegre era local de afixação de diligências para a eleição de vereadores já na ata da Câmara Municipal de 7 de março de 1829, ainda que, Franco ache estranho que conste haver sido inaugurada em 2 de fevereiro de 1830. Capela elevada a condição de curato, nela efeituou-se a eleição para juiz de paz e o respectivo suplente, respectivamente Tristão Barreto Pereira Pinto e Manoel José Sanhudo, que foram empossados pela Câmara Municipal em 11 de maio de 1831.

Virgilio Calegari. Capela de Belém Velho, década de 1920. Acervo do MJJF.

Bairro Moinhos de Vento

A ata da Câmara Municipal de 5 de dezembro de 1818 registrou a origem do topônimo nos moinhos localizados no cruzamento da Barros Cassal com Independência. De propriedade de Antônio Martins Barbosa, o Barbosa Mineiro, que “requereu ao procurador do Conselho que na Rua que se segue da Caridade para o moinho de vento se estava edificando uma casa”. Logo após, em 1º de setembro de 1821, os vereadores determinaram “que ninguém tire barro em maneira que faça fojos no terreno da possessão do mesmo, junto aos moinhos de vento”. O loteamento do bairro Moinhos de Vento, apesar de ser anunciado por Maurícia Cândida da Fontoura Freitas em 1878 como a ser aceito pela Câmara Municipal, levou tempo para ser regularizado, já que anos depois, em 18 de fevereiro de 1887, os vereadores ainda estavam mandando o engenheiro municipal verificar a doação de terrenos para o arruamento das ruas e se estavam de acordo com a planta. Em 23 de abril de 1889 é intimado Fernando de Freitas Travassos a entregar ao domínio público as ruas do Arraial de São Manoel, de acordo com o “que firmou nesta Câmara”. No local do antigo Prado terminou sendo instalado o Parque Moinhos de Vento, o maior atrativo da área.

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Virgílio Calegari. Prado Independência, década de 1900. Acervo do MJJF. A Câmara
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Florêncio Ygartua com 24 de Outubro, Bairro Moinhos de Vento, 1920-30. Acervo MJJF.

Bairro Navegantes

Em 6 de junho de 1870, a Câmara Municipal registra em sua ata que confirma a abertura de ruas nos terrenos de dona Margarida Teixeira de Paiva e outros proprietários queriam abrir no Caminho Novo. A rua, que iria da Estrada de Gravataí e outra lateral “contando que tenham a largura de lei e seja presente no ato de abertura o Engenheiro Municipal e o respectivo Fiscal”. Nesta época, onde ainda não era usado o nome de Bairro Navegantes, tratava-se da abertura das Ruas Sertório e Frederico Mentz, então denominada São José.

O bairro, anos após, revelou uma notável vocação industrial. No seu centro estava a Praça Navegantes, em frente à Igreja, terrenos que foram também produtos da doação feita por Margarida Teixeira de Paiva à Câmara Municipal em 21 de janeiro de 1875. Na ata de 1º de outubro de 1875, a Câmara autorizou a doação em troca de terrenos a beira-rio em troca, “contanto que fique livre até o rio a Praça da igreja da Senhora de Navegantes”.

Autor desconhecido. Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, década de 1930 (?). Coleção Dr. João Pinto Ribeiro Netto. Acervo do MJJF.
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Virgílio Calegari. Rua Voluntários da Pátria, nas imediações do Bairro Navegantes. Acervo MJJF.

Cidade Baixa

Em 26 de março de 1856 a Câmara Municipal encaminhou o projeto de arruamento da área situada ao sul da colina da Rua Duque de Caxias constituída então apenas pela Rua do Arvoredo nos tempos da Vila. Registra Franco que a justificativa era de que “conhecendo ainda que a população se inclina a encaminhar a edificação para os lados da Azenha e Rua da Margem, mandou levantar essas plantas, que indicam as novas ruas projetadas nos terrenos compreendidos entre as ruas da Olaria e da Margem, e da rua da Figueira à Imperatriz”. A região era então denominada por Aquiles Porto Alegre de “Emboscadas”, área erma e perigosa que teve moroso desenvolvimento. Segundo Franco, somente na década de 1880 foram oficialmente abertas as Ruas Lopo Gonçalves, Luiz Afonso e Venezianos (hoje Joaquim Nabuco), incorporando ao bairro a região conhecida como Areal da Baronesa, da chácara da Baronesa de Gravataí.

Autor desconhecido. Panorama aéreo do Bairro Cidade Baixa. Década de 40 do século XX. Acervo MJJF.

Belém Novo

Em 12 de março de 1868, a Câmara Municipal constitui uma comissão de vereadores para ir ao local escolhido pelo Engenheiro Antônio Mascarenhas Teles de Freitas como o mais adequado para a sede da então Freguesia de Belém, hoje Belém Velho. Esta Comissão, em 2 de julho do mesmo ano, deu parecer favorável a nova sede distrital e subúrbio de Porto Alegre a margem do Rio Guaíba, já que “a par da excelente situação, ele oferece todas as comodidades precisas para uma povoação”. Em 18 de março de 1873 os vereadores aprovam junto ao presidente da Província a mudança, com a pedra fundamental da nova igreja sendo lançada em 25 de setembro de 1876. Em 14 de abril de 1885, a Câmara Municipal dá nomes as ruas do novo povoado “tendo as ruas que desembocam na praia, a primeira denominação de Rua Barão de São José do Norte, a segunda Rua Dr. Carlos Flores, a terceira Rua de Viamão; a quarta, de Santana, e as transversais, a da praia, Rua da Margem; e a que passa em frente à Igreja, Barão Homem de Melo, conservando todas as outras designações que são hoje conhecidas”, finaliza Franco.

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Lunara. Bairro Glória.Acervo IMS

Bairro Teresópolis

Foi o vereador Antônio Manoel Fernandes, exvereador da Câmara Municipal de Porto Alegre e expresidente no tempo do império, de quem partiu a iniciativa da doação da área para a fundação da Praça Guia Lopes, núcleo central do arrabalde de Teresópolis, e de sua mulher, Maria Luiza de Abreu Fernandes, que deu o primeiro nome a praça do bairro. Por muito tempo houve confusão entre a origem do Bairro Teresópolis, que tinha por núcleo a Tristeza, e o loteamento de Teresópolis, que dava fundos á Estrada da Cavalhada.

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Lunara. Cena no Teresópolis. Acervo IMS
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Bairro Glória

Na ata da Câmara Municipal de 14 de março de 1883 lê-se que foi aprovado parecer opinando “pela aceitação da oferta que fazem a viúva Nunes e seus filhos, de um terreno necessário para abertura de uma nova estrada que ligue a da Cascata com a da Cavalhada, visto ser esse terreno o apropriado ara semelhante fim, como é demonstrado pela servidão de mais de vinte anos, feita de preferência a outra estrada, de um caminho particular concedido pela viúva e seus filhos aos moradores da circunscrição e da freguesia de Belém”. Esta passagem da ata é, para Franco, a certidão de nascimento da atual Rua Nunes, então denominada Estrada Nunes pelos vereadores na sessão de 17 de maio de 1883, onde nasce o Arraial da Glória. A viúva Nunes era Maria Joaquina de Jesus Nunes, viúva de Manoel da Silveira Nunes, o famoso Manduca Nunes. Seu filho, Luiz da Silveira Nunes, foi o responsável pela implantação e denominação do Arraial da Glória.

Lunara. Na Cascata. Acervo IMS

Cristal

Em 30 de janeiro de 1888 Francisco Luiz de Melo requereu por aforamento perpétuo as marinhas fronteiras à sua chácara, no lugar denominado Cristal e, segundo Franco, dele decorrendo o topônimo Ponta do Melo, área rural desligada do centro da cidade até o final do século passado e que originou o bairro Cristal. O arrabalde, autorizado pela Câmara, só passou a se desenvolver com a instalação da Hospedaria para Imigrantes em 1891, onde hoje se encontra o Hipódromo do Cristal.

Autores desconhecidos.

Porto

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Alegre, Bairro Cristal, c. 1910. Acervo André Prati

Bom Fim

Bairro oficializado pela lei 2022, de 1959, era desde o século XVIII o segmento oficial do chamado “Caminho do Meio” e lugar da devoção do Senhor do Bom Fim, cuja pedra fundamental foi lançada em 30 de maio de 1867. Em 15 de janeiro de 1873, a Câmara Municipal recebeu solicitação da Devoção do Senhor do Bom Fim para autorização de “celebrar sua festa com danças e outros divertimentos”, o que provocou o curiosidade de vereadores considerados ranzinzas que solicitaram explicações para saber quais eram estes divertimentos, ironiza Franco. Em 26 de abril de 1870, com as obras avançadas, a Câmara Municipal oficializa a denominação da Várzea como “Campo do Bom Fim”, estendendo seu nome ao bairro adjacente, apesar de após chamar de Redenção e Parque Farroupilha a região. A partir de 1855, assinala Franco, foi aberta a Rua Santo Antônio, e em 1878, a Rua General João Teles, então chamada Silveira Martins. Em 1883 foram então abertas as ruas Garibaldi e em 1892 a Rua Barros Cassal.

Autores desconhecidos. Acima: Avenida Osvaldo Aranha na esquina com a rua José Bonifácio, no bairro Bom Fim, em 1930. Reproduzido de https://cidady.blogspot.com/2013/05/ porto-alegre-antiga.html. Abaixo Década de 1930 . Reproduzido de https://www.flickr.com/ photos/fotosantigasrs/11012870904.

Areal da Baronesa

Em 12 de fevereiro de 1879, a Câmara Municipal aprova o requerimento de dona Maria Emília da Silva Pereira, a Baronesa de Gravataí, cuja mansão se situava onde hoje é o Pão dos Pobres, de autorização de parcelamento sua chácara para vendê-la em lotes depois que o solar se incendiou. Localizado em uma zona alagadiça, local de moradia de famílias pobres, oareal compreendia hoje as ruas Baronesa do Gravataí, Barão de Gravataí, Cel. André Belo, Miguel Teixeira e algumas transversais menores. Segundo o cronista Aquiles Porto Alegre, a zona era “um matagal cerradíssimo onde os negros fugidos iam esconder-se de seus cruéis e desumanos senhores. Os pobres escravos, que se revoltavam contra a tirania do verdugo, seu dono, procuravam de preferência aquele lugar para esconderijo, porque a mataria era espessa e eles encontravam ali para alimentar-se, o araçá, a cereja, a pitanga, o maracujá, ojoá, o ananaz e tantas outras frutas silvestres”. A Câmara Municipal decretou anos antes do ato da Princesa Isabel o fim da escravidão na cidade.

Autor não identificado.O Areal da Baronesa, na área mais vegetada junto ao rio. O solar do barão e da baronesa de Gravataí é a edificação mais imponente no canto superior esquerdo, a última antes da área de mata fechada. Acervo MJJF.

Autor não identificado. Beco no Areal da Baronesa. Fonte: Revista Rímel. Reproduzido do wikipédia.

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A Câmara

Municipal de Porto Alegre na Era do Trigo (1772-1820)

A partir de 1772, Porto Alegre assume seu papel na história do Estado com a fundação da cidade e, no ano seguinte, com a transferência da Câmara Municipal de Viamão, transformando a capital, que assume seu papel político mesmo antes de ser elevada a Vila, o que só ocorrerá em 1810. A cidade conta com 1.500 pessoas no início do período e chega a 1820 com cerca de 12 mil pessoas na capital e 100 mil habitantes no estado. A função de cidade é garantida por diversos equipamentos e instituições públicas que se localizam na região. Em 1774, é construído o primeiro palácio do governo na Praia do Arsenal e, dez anos depois, um novo, na Praça da Matriz. Em 1790, a Casa da Junta localiza-se ao lado do Palácio do Governo; em 1795, a cidade já possui uma cadeia e em 1880 é erigida a Casa da Alfândega. A cidade possui uma linha de fortificações para a defesa desde 1779, já que a função militar é dada pelo Arsenal de Guerra construído em 1774. Nesse período o incipiente povoado se transforma em um núcleo estruturado e a função política se vem a somar à função comercial e portuária, já que a Câmara é responsável pela organização do comércio e autorização dos primeiros trapiches e portos. Diz Souza & Müller (1997): “o seu desenvolvimento é possível devido a produção de trigo na região pelos açorianos, produção que se destina em boa parte a exportação”. Enquanto a pecuária continua a ser o eixo econômico da campanha e, após, as charqueadas, a partir de 1779 , a agricultura com o trigo alcança seu desenvolvimento maior em Porto Alegre. O primeiro registro do papel do legislativo na organização do principal produto da economia, o trigo, se dá em 13 de janeiro de 1768, ainda na fase da ocupação do território, quando a Câmara ainda estava em Viamão com a publicação de um edital destinado ao bom aproveitamento do trigo pelos padeiros. Dez dias depois, o tema volta a agenda da Câmara, com novo edital que proibia o comércio de trigo para fora do continente, ambas medidas de prote-

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ção a produção e consumo local visando o acesso geral da população a este produto essencial da vida dos gaúchos. O tema volta a ocupar os vereadores na sessão de 16 de março de 1768, quando publicam um edital regulando a feitura de pães e outro solicitando aos plantadores informar a quantidade de trigo que produzem. A importância destas iniciativas, ainda na era de ocupação do território, é estabelecer as bases como o legislativo exerce o controle sobre a economia do trigo: por um lado regulando o controle sobre o peso do produto, visando o combate da fraude, e, por outro, controlar a produção propriamente dita. Esses editais foram assinados pelos vereadores Oliveira, Manoel Fernandes Vieira, Antônio José da Cunha e José Martins Bayão. Três meses depois, em 3 de junho, os vereadores publicam novo edital sobre a feitura dos pães. O tema volta no ano seguinte e às vésperas da fundação de Porto Alegre. Em 12 de janeiro de 1771, novo edital assinado por Rocha, José Francisco de Silveira Cazaso, Francisco Correa Pinto e Antônio José da Silva estabelece o preço dos pães. Com a cidade já elevada à capital, a primeira medida é realizada em 31 de junho de 1772, quando é proibida a entrada de farinha no continente, o que protege os produtores locais e, depois que a Câmara já está em Porto Alegre, em 8 de março de 1777, é publicado novo edital sobre posturas para o pão.

Como a Câmara é quem fiscaliza os diversos serviços, ela providencia a compra de diversos equipamentos adequados à função de pesar o pão, como no dia 22 de outubro de 1779, quando compra uma balança, e quando, no dia 29 de novembro deste ano, compra pesos. A publicação de editais para a venda do pão se torna a principal política econômica do legislativo na cidade, com publicações sucessivas de 1780 à 1784, sendo que neste ano, em 17 de março, a câmara lança um edital para contratar padeiros para a cidade. Em 1787, novo edital é lançado pela Câmara e no ano seguinte regulamentando a produção. Os vereadores tem seu foco não apenas na produção do pão, mas na produção e circulação do trigo.

Em 7 de fevereiro de 1785, por exemplo, os vereadores lançam um edital sobre o embarque do trigo, com o objetivo de controle, já que cabe a câmara fornecer as licenças de comércio, o que se repete em 12 de janeiro de 1793. Em 22 de março deste ano novo edital é publicado, estabelecendo normas sobre a fabricação e venda de pão. O edital de 1º de fevereiro de 1797 gerava inclusive multa e prisão, o que é referendado pelos vereadores Silva, Lima, Gomes e Passos. No início do século XIX não é diferente a preocupação dos vereadores em determinar o peso e o preço do pão na cidade. Os dois primeiros atos dos Edis ocorrem em 15 de janeiro de 1803 e 1º de fevereiro de 1804 quando editais proíbem a saída de trigo da cidade. Os vereadores, inclusive, uma semana depois, formalizam o chamado Juramento dos Mestres de Barcos para que assumam o compromisso de não enviarem nem trigo nem farinha para fora do continente: só a Câmara autoriza a entrada e a saída de trigo da cidade. Esse poder da Câmara era também o de uma instituição de alcance regional, já que o legislativo também indica a organização do setor em outras vilas como Rio Grande, como faz pelo edital de 18 de julho de 1807 ou de Rio Pardo, como faz no edital de 30 de janeiro de 1808. Em 1811, no dia 10 de maio, a Câmara vai além no controle e fiscalização da produção de trigo, exigindo que os lavradores registrem suas Marcas de Fogo para embarque de sementes ou farinha. Cinco meses depois, é o Juiz Almotacé que notifica a Câmara das providências a serem tomadas no embarque de trigo e no preço do pão. Dois dias depois, os vereadores solicitam que os padeiros da cidade compareçam a sessão da Câmara. A iniciativa, que é repetida no ano seguinte (1812) no último dia de janeiro, leva a comparecerem os padeiros na reunião seguinte da Câmara (5/2), onde são informados pelo Juiz Almotacé sobre as exigências para regularização do peso do pão e sua comercialização. Em 1813, a matéria prima do pão começa a faltar na cidade. Os vereadores recebem em 1º de dezembro reclamação dos padeiros pela falta de trigo. O conflito pela falta do pão começa a se tornar um problema nas relações do juiz Almotacé com o legislativo. Em 31 de maio de 1817,

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é a vez deste de cobrar da Câmara providências para a solução do problema da falta de pão. Os vereadores fazem nova medida em 4 de junho deste ano e responsabilizam o próprio Juiz Almotacé pela atribuição. Ao final do ano, em 13 de dezembro, novamente os vereadores proíbem a saída de trigo da cidade para tentar solucionar o problema. Uma semana depois estabelecem regras para o transporte de trigo para a freguesia de Triunfo e de Aldeia dos Anjos, atual cidade de Gravataí. A Câmara determinou também, no início do ano seguinte, aos Vintenários, o envio da relação da colheita de trigo, só autorizando a saída de trigo da região em 31 de janeiro do ano seguinte para o Rio de Janeiro, ainda que, na mesma data, mandem prender e multar um mestre de barcos por carregamento ilegal de trigo.

Todas estas iniciativas, idas e vindas de procedimentos em relação ao controle do trigo tem uma razão: o trigo é oouro da região. O controle da Câmara se propaga para os distritos de sua jurisdição, com ordem para seus comandantes de examinarem a colheita e enviarem seus relatórios aos vereadores. O processo de controle se expande e no edital de 21 de fevereiro de 1818 a câmara convoca seus cidadãos para a feitura de posturas sobre a estiva do pão, sobre as quais concordam no dia 25 e as lançam nos livros no dia segundo do mês seguinte. Observa-se neste ano uma iniciativa de planejamento da Câmara para combater a falta de pão. Em 9 de maio, os vereadores notificam os padeiros a declarar o número de alqueires de trigo que necessitam para o fornecimento de pão, chamando-os a se manifestarem na câmara no dia 17 de junho. Em 30 de novembro do ano seguinte é então estabelecida uma taxa sobre o trigo, que é assinada pelos vereadores Peçanha, Miranda, Teixeira, Leal e Peixoto. Produzir pão é obrigação dos padeiros, sendo isentos somente quando estiverem doentes.

Os oficiais vintenários eram encarregados de impor leis e fazer diligências nos arraias e freguesias para os quais foram nomeados por ordem do juiz ordinário ou de fora. Assim, os oficiais vintenários eram responsáveis por enviar a prisão às pessoas envolvidas em conflitos, tendo sido presas em flagrante ou por ordem da justiça ordinária.

Os vereadores na luta pela preservação dos espaços de sociabilidade urbana

Virgílio Calegari. Parque Farroupilha, c. 1910. Acervo MJJF.

Segundo Bresciani (2014), praça é um espaço aberto, não construído e público da cidade, podendo as vezes ser multifuncional, irregular e de dimensões muito variáveis “o campo semântico de praça é extenso, expressão das suas origens tanto do ponto de vista funcional como da sua localização no espaço urbano: área ampla e aberta exterior junto aos muros da cidade (nestes casos, regra geral conhecida como rossio, terreiro ou campo), espaço aberto diante da porta principal de uma igreja (recebendo onome de adro), simples alargamento da rua (largo), espaço regular e planificado (praça)”. É característico da morfologia urbana portuguesa a existência de várias praças na cidade e, segundo a autora, a existência de uma praça central, regular e bem definida corresponde a plaza mayor espanhola.

Para Bresciani, a praça é antes de mais nada o lugar do comércio e do mercado “o lugar público, descoberto, espaçoso nas Vilas ou Cidades onde se fazem feiras, mercados, leilões”. Por essa razão, uma das primeiras praças de Porto Alegre foi logo associada ao Mercado Público, local também de venda de peixe e outros gêneros alimentícios. É um lugar de comerciantes e negócios, o que faz com que a Praça da Alfândega também seja uma de suas primeiras expressões. Outra função sua é ser o lugar do exercício da justiça, já que o Pelourinho da capital também foi localizado numa praça, lugar onde eram aplicados castigos públicos. Praça é lugar público por excelência e sua força está em expressões como a história veio à praça, isto é, que todos a sabem, etc. Além dessa função, o nome também está associado a força militar, sendo praça de armas a noção que remete a capital como sede de forças militares: os soldados assentavam praça iniciando sua vida militar na capital.

A defesa da existência de praças na capital ocorre desde a primeira planta que se conhece da cidade, onde podem ser vistas a Praça da Matriz e do Mercado, o que a torna

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similar as primeiras plantas da cidade de Lisboa do século XVII. Largos e Praças, segundo Bresciani, foram termos usados indistintamente em Portugal, não sendo clara uma distinção rigorosa entre os termos, ainda que “na linguagem urbanística de tradição erudita que tende a reservar para a praça o desenho regular, o tratamento arquitetônico dos edifícios envolventes e a intencionalidade da criação, e a considerar os largos, adros e terreiros como espaços acidentais, vazios ou alargamentos da estrutura urbana”. A autora cita como exemplo o fato de que mesmo terreiros ou campos, inicialmente pastagens ou espaços junto as portas da cidade, transformaram-se em praças com o passar do tempo.

Bresciani afirma que a partir do século XVI iniciou-se no Brasil o processo de construção de praças formais e regulares, geometrizando as existentes. Elas surgem com uma função estética e de prestígio fundamental no interior de um plano racional, e começam a serem associadas ao lazer, ao recreio e as práticas de sociabilidade, que vem se somar as atividades mercantis.

Bresciani (2014) aponta que o termo parque, por outro lado, tem origem na ilustração espanhola e possui múltiplos sentidos, remetendo a um bosque próximo de um palácio na experiência britânica e francesa, podendo receber também o nome de jardim quando havia plantas tratadas seletivamente para embelezar o lugar, o que as vezes também era chamado de bosque. Eventualmente, nota a autora, também havia a noção militar, parque ou lugar onde se guardavam materiais de guerra. A noção de parque tornou-se ao longo do tempo dominante apenas para o Parque Farroupilha, antes do nascimento dos parques da cidade no século XX. Espaço de passeio público constituído após 1935, a antiga Várzea teve o destino garantido pela luta dos vereadores na sua preservação como bem público, ainda que tivesse de fazer

concessões ao longo do tempo. Já as praias que também se fizeram presentes na capital, são traçados perpendiculares a costa e cujo equivalente mais próximo é o espanhol rambla ou a proximidade da água corrente . As praias também foram objeto de cuidado da Câmara Municipal porque são espaços públicos. Elas se transformavam em uma espécie de estrada onde os porto-alegrenses tinham o direito de pescar, caminhar ou mesmo fazer o transporte ao longo do rio do gado para os matadouros. A conquista de terrenos para a cidade se fez a custa do aterramento do Guaíba, que empurrou a praia para mais longe da Rua da Praia, que havia recebido a denominação por esta razão.

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Praça Marechal Deodoro

Pela ata de 14 de janeiro de 1846, a Câmara Municipal tratou de construir uma calçada com largura de 20 palmos partindo da ladeira da Rua do Ouvidor (atual General Câmara), perpendicular à linha do paredão do velho Palácio e, após, em 28 de agosto de 1848 cuidou de outra calçada no lado leste da Praça que tivesse o mesmo declive desde o Beco do Cemitério (Rua Espírito Santo) até a Rua da Ponte (atual Riachuelo). O motivo é que a praça da área central onde estava cada um dos três poderes estaduais, além da Catedral e do Teatro São Pedro, não passava de um logradouro erodido com muita declividade e sem melhoramentos, adorno ou arborização.

Em 9 de outubro de 1865 o logradouro passou a se chamar Praça Dom Pedro II por deliberação da Câmara para assinalar a visita daquele monarca à Porto Alegre, quando veio para participar da defesa do Rio Grande do Sul contra a invasão paraguaia. Em 1866 a Câmara aprovou o plantio de 39 árvores, obrigando o empreiteiro a conservá-las por três anos. Foi a Câmara que, entre 1881 e 1883, determinou seu ajardinamento, arborização e calçamento, com a ereção, em 1885, do monumento ao Conde de Porto Alegre, primeiro monumento público da capital, mais tarde removido para a praça que o homenageia. Desde então tornou-se o centro cívico da Cidade e palco de acontecimentos políticos da maior importância.

Autor não identificado. Praça D. Pedro II, Rua Gen. Câmara, Theatro, Administração da Província, 1881. Acervo do MJJF.

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Virgílio Calegari. Igreja Matriz e Capela do Divino Espírito Santo. Década de 1890. Acervo do MJJF. O Museu Joaquim Felizardo chama a atenção na foto onde você pode ver a primeira Igreja Matriz, datada do século XVIII, um relógio na torre à esquerda! As obras da atual Catedral Metropolitana iniciaram em 1920, no mesmo local da antiga. Ao lado, a Capela do Divino Espírito Santo, prédio que também foi demolido.

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No Centro Histórico de Porto Alegre, na antiga Praça da Matriz (hoje Praça Marechal Deodoro), no nível térreo da atual Assembleia Legislativa, havia a famosa “Soireé Porto-Alegrense” ou “Sociedade Bailante”, construída pelo Comendador Batista por volta de 1850. A construção, em estilo Neoclássico, apresentava uma fachada com pilastras e frontão projetados pelo engenheiro e arquiteto alemão Philip von Norman, que também foi autor dos projetos do Teatro São Pedro, da Casa da Câmara, da igreja do Menino Deus, entre outros. Em Atas do Conselho Municipal, datadas de 1893, os vereadores analisam a proposta de venda do prédio da Bailante, objetivando as novas instalações da Intendência.

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Autor desconhecido. Vista de Porto Alegre. Acervo do MJJF.

Um dos primeiros nomes que recebeu a Praça Dom Feliciano, localizada em frente à Santa Casa de Misericórdia, que consta na Ata de 2 de dezembro de 1809 é Praça da Alegria, em documento dos vereadores dirigido ao Governador Dom Diogo de Souza. Ali se lê que o lugar foi destinado “para logradouro público desta Vila e principalmente para arrumação das carretas que entram nela com gêneros de comestível”. Segundo Franco, as carretas terminaram pousando mesmo na Praça do Paraíso, atual Praça 15 de Novembro, e o local só teve maior expressão após a construção da Santa Casa. Em 31 de março de 1810, os vereadores aprovaram postura que proibia, sobre pena de multa, de tirar barro e saibro para construções na Praça Dom Feliciano, assim como a Praça da Matriz. Ata da Câmara Municipal de 25 de setembro de 1830 faz referência ao fato de que o terreno da Praça estava na propriedade de dona Josefa de Azevedo, a Brigadeira, que fez cessão “de todo o terreno que se achava cercado até a direção da Rua da Praia, para praça pública fronteira ao edifício da Misericórdia”. A ata da Câmara Municipal de 30 de outubro de 1845 relaciona a instalação da praça ao surgimento da Avenida Independência, gerando uma área conveniente em frente a Santa Casa “uma espaçosa praça, que muito concorrerá para maior elegância da perspectiva destes edifícios”, assinalam os vereadores. Em 20 de outubro de 1857, os vereadores alteram o nome da Praça da Alegria para Praça da Misericórdia, mas faltam ainda providências da Câmara para melhorar as condições do local, especialmente, diz Franco, de que “não se continuasse a fazer despejo de matérias fecais na Praça da Misericórdia”. Os vereadores, em 6 de setembro de 1893 alteraram pela última vez o nome da Praça, que passou a se denominar Praça Dom Feliciano em homenagem a Dom Feliciano José Rodrigues Prates, o primeiro bispo do Rio Grande do Sul, falecido em 1858. A Câmara então passou a cuidar mais da praça e em 11 de agosto de 1884 autorizou gastos para ajardinamento e arborização do local. Finalmente, o Relatório do presidente da Câmara Amaya de Gusmão, de 11 de agosto de 1884, informa aos vereadores que a praça já estava preparada e ajardinada.

A principal transformação feita na antiga praia foi a construção de um cais. Uma das principais preocupações dos vereadores, em 30 de setembro de 1833, eles encaminham proposição ao presidente da Província que estabelece uma linha da Ponta do Arsenal ao Caminho Novo para a reserva de lugares necessários para estaleiros de construção e que sejam distribuídos os terrenos a pessoas que quiserem aterrar e construir a testada no cais em seus terrenos.

A resolução obrigava aos interessados também construir uma rampa, de metade da rua no lugar de sua desembocadura, devendo serem feitas, tanto o cais como rampas, de pedra de cantaria ou laje, para maior duração e segurança. A proposição de autoria do Vereador Francisco Pinto de Souza, o Chico Pinto, um dos primeiros moradores do bairro Floresta, jamais foi colocada em prática porque transferia essa responsabilidade aos proprietários.

A região era problemática. Na sessão de 17 de junho de 1835, os vereadores recebem reclamações sobre os escaleres que se encontram fundeados junto a rampa do beco do João Inácio (Rua General Câmara) e que privam o público do lugar do melhor trapiche de embarque e desembarque de mercadorias.

Cais do Porto
A Câmara na Cidade 179/180
Autor não identificado. Cais do Porto, década de 1920-30. Coleção Dr. João Pinto Ribeiro Netto. Acervo do MJJF.
A Câmara
181/182
Autor não identificado. Competição no cais, dec. de 1930 (?). Acervo do MJJF.
na Cidade

Na ata da Câmara de 27 de setembro de 1852, a chamada Doca do Mercado ajudou a resolver o problema do atracamento das embarcações, preocupação dos vereadores. Esta é a ata em que os vereadores concedem a Antônio Diehl autorização para amarrar sua barca de vapor da terceira argola do lado esquerdo à entrada da Doca “com a condição de não poder amarrar aquém da 2ª argola e de indenizar qualquer dano que cause”.

Em 29 de junho de 1858, os vereadores proibiram a entrada de vapores, iates e canoas grandes que só poderiam atracar no cais ao lado do rio porque não havia na doca espaço suficiente para receber as canoas e lanchões. Os problemas cotidianos do cais só foram resolvidos com a construção do atual Cais Marcilio Dias entre 1956-1958.

Autor não identificado. Doca das Frutas, década de 1900. Acervo do MJJF.
A Câmara na Cidade 183/184
Autor não identificado. Praça Pereira Parobé, década de 1930. Coleção Dr. João Pinto Ribeiro Netto. Acervo do MJJF.

O espaço localizado em frente ao Paço Municipal foi olugar onde o governador Dom Diogo de Souza queria levantar o terreno para destinar uma Praça junto a Rua dos Ferreiros. A Câmara recebeu então a doação de terrenos do Visconde de São Leopoldo em 28 de julho de 1824, onde estava o Porto dos Ferreiros e na sessão de 16 de junho de 1830, os vereadores decidem construir ali uma banca do peixe “sobre a banca do peixe na desembocadura do beco denominado de Porto dos Ferreiros, concedido a esta Câmara por título de 28 de julho de 1824, assentou-se que se ordenasse ao referido Procurador, que a fizesse medir e demarcar judicialmente, e tombar na forma do parecer da mesma comissão para, ao depois de assim cumprido, se deliberar sobre a fatura da casa do peixe e barracas”.

Em 10 de janeiro de 1833 os vereadores determinam ao Procurador e ao Fiscal Municipal para que fossem ao local da “rua que segue do beco da Casa da Ópera, pelo lado par, para o Paraíso, e façam demolir a cerca que ali foi feita em direção ao rio”. O objetivo dos vereadores não era apenas fiscalizar o local, mas protegê-lo de iniciativas do próprio governo da Província contra as quais se insurgiram os vereadores. Na sessão de 19 de janeiro de 1846, o Capitão Francisco Pedro, Fiscal da Câmara, comunica que, passando pela Praça dos Ferreiros, encontrou em execução serviços de alinhamento para a construção de um liceu por ordem do presidente da Província e “inteirada a Câmara, resolveu se representasse à S. Exa. que o lugar em que se pretende edificar o dito liceu é uma praça pública”. Caxias, então presidente da Província, expediu ordens para suspender a obra.

Em 24 de novembro de 1858 o Procurador da Câmara comunicou aos vereadores que as desapropriações para a construção da praça estavam finalizadas. Para Franco, a melhor informação sobre a origem da praça está no oficio encaminhado à Câmara pelo presidente da Província em 15 de outubro de 1859, onde se diz que os terrenos que compõe a Praça “uma parte eram sobras da antiga Praça dos Ferreiros; o terreno desapropriado ao Dr. Manoel Gomes Coelho do Vale, herdeiros de Manoel José de Freitas Travassos e vários outros, que o município gastara mais de 20 contos; um pedaço de terreno que o presidente Sinimbu mandou dar a Câmara para logradouro público e finalmente, o terreno dentro d’água que a Presidência lhe dera para implantar a doca”. Em 1916 recebe o nome de Praça Montevidéu.

Autor desconhecido. Praça Montevideo, década de 1930. Coleção Dr. João Pinto

A Câmara na Cidade 185/186
Ribeiro Netto. Acervo do Lunara. Fogão gaúcho, década de 1900. Acervo do MJJF.

Praça Rui Barbosa

A praça próxima da Rua Voluntários da Pátria foi chamada pelos vereadores de Praia do Estaleiro na ata da Câmara Municipal de 5 de junho de 1839 e Praça do Estaleiro, na ata de 4 de julho do mesmo ano. Ali instalou-se o matadouro público quando do cerco farroupilha. Em 8 de julho de 1879 os vereadores mandaram demarcar o que seria a Praça das Carretas, aterrando o lugar para deslocar o pouso das carretas que era feito no Mercado da Praça 15 de novembro. Em 9 de janeiro de 1888 os vereadores denominaram Praça Visconde de Rio Branco a Praça das Carretas e em 6 de julho de 1936 uma lei alterou o nome para Praça Rui Barbosa.

A Câmara na Cidade 187/188
Autor não identificado. Praça Parobé. Reproduzido site Porto Alegre (fotos antigas)

Parque Farroupilha

O mais importante e antigo parque da cidade foi por muito tempo objeto do trabalho dos vereadores. Em 23 de fevereiro de 1807, a Câmara pediu a doação da área ao governador da Capitania, o Chefe de Esquadra Paulo José da Silva Gama. Então chamada Várzea do Portão, era a planície alagadiça abaixo do primitivo portão da vila e que servia para conservação de gado trazido para o abastecimento da cidade. A resposta foi lida na sessão de 7 de novembro de 1807: “Nesta vereança se abriu uma carta do atual Governador desta Capitania, Paulo José da Silva Gama, datada de 24 do mês passado, pela qual concedeu a este Senado, para logradouro público deste conselho, as duas várgeas (sic), da entrada do Portão e da margem do Rio Gravataí”. Os terrenos, frisa Franco, não poderiam ser alienados sem licença de Sua Alteza Real e deveria servir para o fim específico de conservação para os açougues desta vila.

Para a Câmara, o maior desafio era a medição judicial da área. Houve duas tentativas frustradas, registradas nas atas de 12 de março de 1808 e 5 de janeiro de 1813. Somente em 27 de fevereiro de 1819 “representou o Procurador do Conselho fossem notificados os moradores de fora do Portão que se achassem presentes para assistirem à medição que se deve fazer da Várzea”. Franco diz que não foi finalizado o trabalho nesta data porque faltaram os marcos necessários para a delimitação, o que levou ao início da medição para dezembro de 1820 e a sua conclusão para fevereiro de 1825, com o estabelecimento de seus limites entre a Praça Argentina ao Norte e o alinhamento da Av. Venâncio Aires, ao sul.

Em 5 de julho de 1827, o presidente da Província brigadeiro Salvador José Maciel e a Câmara Municipal trocaram correspondências. O primeiro cobrou dos vereadores providências para a limpeza da Várzea, para que ficasse “enxuta de águas”, o que os vereadores responderam “que o estado das finanças municipais não permitia, embora reconhecido o quão danoso e nocivo é para aos habitantes da Cidade a conservação das águas que, pela afluência das chuvas, principalmente na estação invernosa, ficam estagnadas, tornando por isso o belo lugar da

A Câmara na Cidade 189/190

Várzea intransitável à pé, e o mais terrível porque, devendo ser uma paragem de salubridade, passa a ser um sítio pestífero”, na transcrição de Franco. Por sua extensão, a Várzea tornou-se alvo de muitos interessados na arrematação de seus terrenos ou parcelamento. Esses interesses encontraram campo fértil de debate na Câmara, onde encontraram muitos apoios e resistências. A primeira datada de 14 de outubro de 1826 foi do próprio imperador Dom Pedro I, que impediu a tentativa da Câmara Municipal de parcelar e distribuir a Várzea em terrenos foreiros pois ela estava então reservada para os exercícios militares.

Os vereadores voltaram em 20 de junho de 1833 a tentar dar novo destino a área, com a aprovação de um plano de construção de um Jardim Botânico e Passeio Público no local, apresentado pelo vereador Francisco Pinto de Souza, o vulgo Chico Pinto. O projeto incluía na parte excluída do Passeio Público a venda de terrenos a particulares, o que foi sustado pelo requerimento assinado por vinte cidadãos lido na Sessão da Câmara de 31 de julho de 1833 em que pediam que fosse sustado a venda dos terrenos “que lhe foram concedidos pelo ex-governador que foi desta província, Paulo José da Silva Gama”, porque a área estava condicionada a ser logradouro público. A Câmara Municipal, particulares e o governo da Província debatiam o destino dos terrenos devolutos dentro da cidade, do qual a Várzea era um dos mais importantes e que, felizmente, ficou em sua integralidade como logradouro público. Em 2 de setembro de 1834 novamente o tema da Várzea vem aos debates dos vereadores. Nesta data, o Presidente Fernandes Braga envia à Câmara “a planta da Várzea da Cidade, levantada pelo Major d’Engenheiros Domingos Monteiro, e dividida em quadras para serem distribuídos os respectivos terrenos por aquelas pessoas que neles quisessem edificar”; ante que, a Câmara Municipal “assentou uniformemente que se responde-se(...)” significandolhe que a Várzea em questão fora concedida à mesma Câmara para logradouro público. A Câmara era coerente com sua posição, pois já havia negado medição e demarcação de terreno na várzea à Antônio Ignácio dos Santos pelo mesmo motivo. O cerco dos revoltosos farroupilhas foi outro momento em que a Várzea foi motivo de preocupação para a Câmara. Os vereadores realizaram vistoria no terreno em 12 de abril de 1842, quando encontraram diversas irregularidades como uma cerca fora do antigo alinhamento e que estava avançando para o centro do logradouro, uma casa de chácara de Antônio José Pedroso sendo construída dentro da área que os vereadores, na sessão de 14 de abril do mesmo ano, mandaram derrubar.

O enfrentamento maior foi com o Desembargador

Manoel Antônio Galvão, presidente da Província por dois períodos. Tanto no primeiro, entre 1831-1833, como no segundo, entre 1846-1848, seu projeto era lotear os terrenos. Na ata de 12 de novembro de 1848, os vereadores leem o ofício em que ele declara ter aprovado a Planta da Várzea levantada pelo Brigadeiro Lopo de Almeida Henrique Botelho e Melo e que remetera “para assinalar os terrenos que estão destinados para ruas e edifícios”.

Os vereadores então reagiram e aprovaram Resolução em 13 de janeiro de 1848 solicitando ao seu advogado o Parecer de outros três bacharéis a respeito dos direitos sobre a Várzea “afirmando que decisões da Assembleia Legislativa Provincial ou do presidente da Província não tinha eficácia no sentido de alterar a destinação do logradouro público, e o novo presidente, General Andrea, suspendeu a execução da planta, reconhecendo a posição dos vereadores”.

Em 1863, Franco aponta que um certo Vicente Febres de Capodevila propôs o estabelecimento de um Passeio Público na Várzea, com jardim botânico e um edifício para órgãos, o que também foi recusado em 28 de fevereiro daquele ano. A tentativa de ajardinar a Várzea era bem vista pelos vereadores e de fato, os edis tentaram fazê-la no trecho entre a atual Praça Argentina e a Rua Sarmento Leite, mandando fazer um projeto pelo Engenheiro Frederico Heydtmann. Encaminhado ao presidente da Província o pedido de recursos, o mesmo pediu que o solicitasse à Assembleia Legislativa, como consta da Ata de 30 de julho de 1868. Dois anos depois, em 25 de abril de 1870, por proposta do Vereador Francisco Olinto de Carvalho, a Várzea passou a ser denominada de Campo do Bom fim.

A Câmara na Cidade 191/192

Na luta contra o parcelamento do Campo do Bom Fim, a Câmara teve o apoio do presidente da Província em 3 de novembro de 1871 quando ficou registrada a tentativa de Sebastião Braga, concessionário da então sonhada Estrada de Ferro Dom Pedro I, de uma concessão para fixar a estação rodoviária, o que foi negado e comunicado aos vereadores. A Câmara Municipal perdeu a batalha para o Ministério da Guerra quando, em 20 de março de 1872, foi comunicada pelo Presidente Jerônimo Martiniano Figueira de Melo da construção de um quartel em Porto Alegre. Questionados se os vereadores tinham alguma dúvida em relação a isso, eles não se opuseram. Diz Franco que “os vereadores sucumbiram ao pedido e autorizaram o primeiro grande desmembramento da velha Várzea: o projetado Quartel, cuja pedra fundamental foi lançada em 19 de abril de 1872, e que teve mais tarde sua destinação alterada, sendo adaptado para a Escola Militar, que foi concluída na década seguinte”.

A Câmara Municipal era cobrada também para solucionar os problemas de higiene da área. Em 14 de janeiro de 1878, a Câmara recebe a denúncia do lançamento de animais mortos na Várzea e na ata do dia 6/6/1887 registram que os edis “decidiram mandar depositar o lixo urbano na parte baixa do logradouro". Franco diz que ali existiam valos de dois metros de profundidade por dois de largura, mas a medida foi condenada pela Junta de Higiene da Província e revogada nas atas de 6 e 15 de fevereiro de 1890, ano em que os vereadores autorizaram a secagem de couros ao sol naquele logradouro. Em 7 de setembro de 1884 os vereadores mudaram onome do Campo do Bom Fim para Campo da Redenção para homenagear o movimento popular de libertação dos escravos na cidade. A última tentativa de tomar terrenos do Campo da Redenção deu-se em 12 de novembro de 1884, quando a Escola Militar pediu a Câmara para construir gradis de ferro em seu entorno “a câmara ainda soube resistir, despachando no sentido de que os terrenos adjacentes à dita escola eram logradouro público e, por isso, indisponíveis”. Após novas tentativas feitas pela então Intendência, no século XX, resultaram ao final novos desfalques no terreno para a construção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Praça XV de Novembro

Uma das mais tradicionais praças do centro de Porto Alegre, a primeira referência ao espaço da Praça XV de Novembro consta na ata de 6 de abril de 1811, quando os vereadores intimam Francisco Pinto de Souza para tapar uma escavação feita no local. Depois, em 5 de julho de 1815, os vereadores contestaram os direitos de Antônio Pereira Couto ao local que os vereadores estavam destinando a logradouro público. Segundo eles, o cidadão foi notificado para acompanhar a medição dos terrenos destinados à praça e teria se abstido de qualquer protesto.

Na ata da sessão de 8 de novembro de 1820, os vereadores registraram o oficio do Coronel Engenheiro encarregado do Plano da Vila João Batista Alves Porto dizendo que precisava retirar da praça da Alfândega quitandeiras e o mercado, sugerindo passar para a Praça do Paraíso, destinado ao mercado do peixe. A Câmara, diz Franco, mandou oJuiz Almotacé fazer diligência e ele recomendou atender o pedido, desde que fossem “conservados limpos e com asseio os terrenos da Praça Paraiso, onde se acha presentemente a Quitanda” em 16 de novembro de 1820.

O problema do asseio é que os mesmos vereadores determinaram, em 27 de julho de 1829, que o meio da Praça do Paraíso fosse ponto de depósito de lixo, oque os levou, em 23 de outubro do mesmo ano, a determinação de enterrar as imundícies ali amontoadas. Depois, em 27 de março de 1843, os vereadores mandaram aterrar a praça do lado da Rua de Bragança para “se poder proceder ao calçamento” e em 17 de junho do ano seguinte aprovaram contratos para aterro dos lados leste, sul e oeste.

A ofensiva de urbanização da praça havia sido dada. Em 10 de julho de 1848 a Câmara marcou prazo para os proprietários calçarem de lajes o passeio “da rua do Paraiso, da parte leste, desde o Beco do Rosário até o canto do Caminho Novo”, o que para Franco era a boca da atual Av. Otávio Rocha até a Rua Voluntários da Pátria. A região não tinha a melhor urbanização e em 18 de outubro de 1855 a Câmara manda demolir ranchos de capim que existiam atrás do prédio do mercado, o que se repetiu em 3 de maio de 1859.

Autor não identificado. Praça XV de Novembro, década de 1920 (?). Acervo do MJJF.

A Câmara na Cidade 193/194

Em 18 de setembro de 1869 os vereadores aprovam a mudança do nome de Praça do Paraíso para Praça Conde D’Eu e o vereador Antônio Rodrigues Ferreira propõe que o prédio do Mercado Velho fosse vendido em hasta pública e todo o material em estado de uso usado como aterro da área da praça para a construção de um “passeio ajardinado e arborizado, com gradil de ferro, coreto para música e chalé para refrescos”. Para isso, em 4 de julho de 1870, foi constituída uma comissão de moradores para reunir os meios de sua arborização.

A demolição do antigo mercado só serviu “para abrir espaço para a instalação de circos, como o Circo Universal de Albano Pereira, autorizado a construir sua instalação de madeira ao invés de toldo em 1875. Somente com a sua saída, em 1879, iniciou-se oajardinamento da praça, cujo orçamento em foi aprovado 13 de junho daquele ano. Além de arborização e ajardinamento, a construção envolvia um gradil de ferro e quatro portões, sendo também nomeada uma comissão para arrecadação de recursos que reuniu cerca de cinco contos de réis.

Em 9 de julho de 1880 a Câmara autoriza o plantio de árvores e em 8 de janeiro do ano seguinte determina a continuação do calçamento. Em 13 de maio de 1881 aprova a planta dos primeiros chalés, de tábuas e de um só piso e contrata sua construção com Frederico Jaeger. No ano seguinte, em 26 de junho, manda colocar lampiões a gás, concluindo o aterro das ruas e mandando pintar o paredão e o gradil em 7 de outubro. Os vereadores inauguram a praça em 2 de dezembro de 1882. Em 1884, é colocado um elegante chafariz de ferro que hoje está nas imediações do auditório do Parque Farroupilha por iniciativa do vereador Domingos de Souza Brito. A intensificação do tráfico, a adoção de bondes e ônibus foram os momentos finais da praça no século XX.

Praça Argentina

Praça localizada entre a Santa Casa, a Rua João Pessoa e a Rua Osvaldo Aranha, no local onde hoje é a Praça Argentina, está desde 1845 entre os locais que a Câmara Municipal deseja fazer melhorias. Os vereadores, entretanto, só em 1857 conseguem da Província, através do vice-presidente Patrício José Corrêa da Câmara e depois, do Presidente Conselheiro Ângelo Muniz da Silva Ferraz, que o governo estadual assumisse o encargo de urbanizar aquele espaço, fazendo a correção da descida através de aterro, muro de contenção na parte inferior, pilares e gradis ornamentais, escadaria em leque, esgoto subterrâneo e arborização.

A Câmara passou a chamá-la de Praça da Independência através da Resolução de 7 de setembro de 1858, sendo entregue aos vereadores no mês seguinte pelo Presidente Ângelo Ferraz, cabendo aos edis então a conservação e asseio.

Autor não identificado. Praça Argentina, década de 1940

(?). Acervo do MJJF

A Câmara na Cidade 185/186A195/196

Praça Brigadeiro Sampaio

A praça da zona central junto a Primeira Perimetral conhecida como Largo da Forca, surge na ata da Câmara Municipal no dia 22 de julho de 1850, quando o Encarregado de Obras do Município especifica os terrenos de propriedade pública dando ideia da situação do Largo naquele tempo: “outro (terreno) entre as Ruas Bela e Principal (isto é, General Portinho e Vasco Alves), com 569 palmos de frente na Rua da Praia e fundos ao rio, onde estão os alicerces feitos em 1832 para uma cadeia pública, os quais foram desprezados, estando aqueles 569 palmos ocupados com estaleiro de construção naval”.

Franco lembra que houvera ali a tentativa de implantar uma cadeia, projeto que terminou sendo abandonado. Em 17 de outubro de 1856, a Câmara Municipal deu o nome ao local de Praça do Arsenal e no início do ano seguinte os vereadores projetaram para a área o edifício de um mercado, o que não foi adiante.

Em 1858 os vereadores receberam ordem do presidente da Província para intimar os donos do estaleiro da Praça do Arsenal para se transferirem para o Caminho Novo para a construção de uma nova praça.

Os melhoramentos demoraram a chegar. Pela ata de 5 de dezembro de 1861 sabemos que o chafariz ali existente estava em estado de ruína, tendo chamado a atenção do presidente da Província João Marcelino de Souza Gonzaga. Em 1865, por inspiração do Vereador Martins de Lima, começa o reerguimento da praça, com arborização e, em 24 de julho daquele ano, este vereador contrata o plantio de 84 pés de árvores, o que é finalizado em outubro de 1866, chegando a 94 árvores plantadas, transformando o local em espaço atraente para lazer urbano.

Em 16 de julho de 1878, buscando avançar na urbanização, os vereadores autorizam o estabelecimento de um ringue de patinação pelo prazo de cinco anos. A morte de seu vereador bemfeitor, Martins de Lima, da Câmara Municipal, levou os vereadores a batizarem o local com seu nome em 21 de dezembro de 1878, que pouco fixou-se na população em relação ao de Praça da Harmonia. Em 1920, a área terminou desfigurada pelo governo do Estado para construção do Porto.

A Câmara na Cidade 197/198
Virgílio Calegari. Regatas em Porto Alegre - Guarnição no Cais da Praça da Alfândega. Acervo MJJF.
A Câmara na Cidade 199/200
Autor não identificado. Praça da Alfândega. Acervo Prati.
A Câmara na Cidade 201/202
A
na Cidade 203/204
Virgílio Calegari. Praça da Alfândega, 1ª metade do século XX. Acervo MJJF.
Câmara

Praça da Alfândega

Segundo Franco, a região onde hoje é a Praça da Alfândega começa a ser cuidada pelos vereadores quando, na ata da vereança de 2 de julho de 1783, os membros do Senado da Câmara mandam fazer na Rua da Praia uma “ponte” de pedra, o que leva o autor a concluir que se estava providenciando o primeiro embarcadouro da povoação no local. Cita para isso o fato de que, nas atas da Câmara, especialmente uma de 1799, é citada uma “Rua do Cais”, que recebeu calçamento.

Em 1820, a Câmara inicia uma luta com particulares para evitar a posse do local. Diz Franco que, desde 1830, nas atas do legislativo encontram-se referências à remoção de detritos ali acumulados. E em 18 de fevereiro de 1839 os vereadores decidiram expressar ao fiscal municipal “que com toda a urgência e primeiro que tudo deve cuidar em fazer remover as imundícies que se acham ao lado da Alfândega, e que ali se não continue a fazer despejos, vigiando constantemente que tal lugar se conserve sempre no maior asseio”.

Em 4 de fevereiro de 1868, a Câmara Municipal confiou a tarefa de arborização da praça a moradores das redondezas que se ofereceram e que foram autorizados pelos vereadores também a fazer quaisquer melhoramentos que entendessem. Em 1870, o vereador presidente foi autorizado a colocar assento no passeio acompanhando a linha da Rua do Arvoredo e no decorrer da Rua dos Andradas e, segundo Franco, o espaço começa a se tornar jardim público, com quiosque para venda de bilhetes de loterias e outros artigos. A Câmara também, em 14 de março de 1883, muda o nome de Praça da Alfândega para Praça do Senador Florêncio, em homenagem a Florêncio Carlos de Abreu e Silva, ilustre político e senador da República, falecido em 1881.

Praia do Arsenal

No passado a Praia do Arsenal compreendia o litoral entre a casa de José Antônio de Araújo Ribeiro (na Travessa Araújo) até a embocadura da Rua Formosa, hoje Duque de Caxias. A área foi concedida à Câmara Municipal por ato do presidente da Província Fernandes Pinheiro em 1824 para que, através da sua venda em lotes, os vereadores pudessem construir uma cadeia e sustentar as crianças expostas.

Na Ata de 31 de julho de 1824 lê-se que a Câmara Municipal “recebeu um oficio do Exmo. presidente desta Província, com data de 26 do corrente, pelo qual o Augusto Nome de Sua Majestade Imperial concede a esta Câmara os terrenos vazios e devolutos que se acham bordando a margem do rio no sítio com a antiga denominação d’Arsenal”.

Anos após, na ata de 27 de março de 1831, o Procurador comunica à Câmara Municipal “haver ultimado a medição judicial dos terrenos da marinha do Arsenal, dividida em sete autos, os quais apresentava, por serem outras tantas as quadras que correspondem ao todo do terreno, desde a desembocadura da Rua Formosa até as casas de José Antônio de Araújo Ribeiro”.

Luiz Terragno. Proximidades da Praia do Arsenal, década 1860. Reprodução Acervo Prati

A Câmara na Cidade 205/206

Praça General Osório

A praça General Osório, entre as Ruas Duque de Caxias e Coronel Fernando Machado, recebeu diversas denominações: Alto do Manoel Caetano, Alto do Senhor dos Passos, Alto da Conceição e Alto da Bronze. Na vereança de 22 de abril de 1814, já se encontra citação de que o meirinho José Duarte Santarém morava no Alto Manoel Caetano e nas atas de 16 de abril de 1833 até 17 de julho de 1866, vê-se que o nome usual foi Alto da Bronze, alusão a mulher de vida “airada” que deu nome ao local.

Em 2 de agosto de 1865, o Vereador Martins de Lima propôs comprar um “terreno aberto que existe no Alto da Bronze, com frente para as ruas da Igreja, Bela e do Arvoredo, para fazer uma praça e colocarse um chafariz. Demorou a compra porque herdeiro dos terrenos, João Soares de Paiva, morador do Rio de Janeiro, fez exigências descabidas de preço. O presidente da Província então atendeu pedido dos vereadores de desapropriação do local em 11 de outubro de 1865, e em julho de 1866 a Câmara foi a Praça para demarcar a altura do Chafariz e adotou, em 7 de julho, a denominação que existe até hoje. Em 7 de janeiro de 1887, o vereador Amaya de Gusmão registra o ajardinamento do local, mostrando a evolução do logradouro na cidade.

É comum encontrarmos nos romances antigos, especialmente no século XIX, a figura do “meirinho”, o qual, naquela época, correspondia ao nosso atual oficial de justiça. Etimologicamente o termo meirinho vem do latim majorinu, que significa “da espécie mais robusta”, ou maior.

Autor não identificado. Praça alto da Bronze (atual General Osório) . Início século XX. Fonte: Arquivo Histórico do RS/Acervo André Prati.

Praça Dom Sebastião

Em 23 de outubro de 1847, os vereadores recebem pedido da Irmandade de Nossa Senhora Conceição para alinhamento da igreja e “da praça que se diz existir entre as ruas do Barbosa e da Brigadeira”, atuais Ruas Barros Cassal e da Conceição. Na sessão de 25 de setembro de 1848 os vereadores foram autorizados pelo presidente da Província a permutarem terrenos com a Santa Casa, o que segundo Franco, sugere que parte dos terrenos da Praça foram obtidos por permita com a instituição. A ata da Câmara Municipal de 10 de julho de 1854 já fala na Praça da Igreja da Conceição e a Resolução de 20 de outubro de 1857 a denomina oficialmente de Praça da Conceição. Em 20 de maio de 1864, o Tenente Coronel Antônio Joaquim da Silva Mariante, morador do local, ofereceu-se para plantar a sua custa árvores na praça, que Franco identifica às paineiras ali existentes. O nome de Dom Sebastião foi dado pela Câmara Municipal em 28 de outubro de 1884, uma homenagem ao bispo local.

Ao lado: Autor não identificado. Praça da Conceição. 1930. Fonte: Site Mercado Livre/Acervo Prati

Abaixo: Autor não identificado. Praça da Conceição. 1920. Fonte: Acervo Prati

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Praça Marquesa de Sevigné

Localizada na interseção das Ruas Coronel Genuíno, Coronel Fernando Machado e General Lima e Silva, em 24 de maio de 1887 o vereador Leopoldo Masson propôs à Câmara Municipal a destinação de verba para seu ajardinamento. A proposta é aprovada dois dias depois no total de 620 mil reis, devendo, entretanto, os moradores do local ajudar com a instalação de um chafariz. Em 4 de março de 1889 os vereadores receberam um abaixo assinado dos moradores pedindo lajeamento da praça e sua denominação. A Câmara determinou que seria atendido, mas o logradouro ainda ficou por muitos anos sem o nome, só corrigido por lei municipal de 1966.

Autor não identificado.Praça Marquesa de Sévigné, na confluência das ruas

General Lima e Silva, Desembargador André da Rocha, Coronel Fernando Machado e Coronel Genuíno.

Reprodução site

Porto Alegre Moderno 1940.

Autor não identificado. Placa denominativa na Praça Marquesa de Sévigné.

Reproduzido de https://boaebelavida .blogspot.com/2012/ 01/praca-marquesade-sevigne.html

Praça Garibaldi

A praça localizada no ponto entre os bairros Cidade Baixa e Azenha teve origem no antigo Potreiro da Várzea, adquirido pelo Município por permuta com o governo imperial por decreto datado de 11 de junho de 1873, concretizado em 1874. A região incluía os primeiros quarteirões da Avenida Venâncio Aires lado ímpar, até a atual Avenida João Pessoa. A Câmara “deixou integra, para servir de futuro logradouro público, a parcela adjacente ao Riacho. Ainda sem nenhum princípio de urbanização, foi chamada de Praça da Concórdia”, segundo Franco.

Autor não identificado.Praça Garibaldi. c.1920. Acervo Prati

Autor não identificado. Praça Garibaldi. c.1920. Reproduzido de https://www.faceb ook.com/fotosanti gas/photos/portoalegre-postal-dapra%C3%A7agaribaldi-nobairro-meninodeus-antigo-leitodoria/695945493756 793/?locale=pt_BR

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Autor não identificado. Construção do Monumento à Giuseppe Garibaldi, c. 1912. Reprodução Acervo Prati.

A Câmara Municipal na Era da Imigração (1820-1880)

Souza & Muller (1997) assinalam que a terceira fase do desenvolvimento de Porto Alegre coincide praticamente com o período imperial no Brasil. Marcado pela Guerra dos Farrapos (1835-1845) e pelo início da imigração para o sul do país, inicia 1820 também com a elevação da vila à cidade e a sua vocação militar se viu nas lutas na Guerra Cisplatina, onde a cidade serviu de apoio e até Dom Pedro I veio a capital. A Guerra dos Farrapos sitia Porto Alegre, fecha o porto da capital, testa sua muralha (que nada mais era do que uma paliçada de madeira) e faz a cidade e seus moradores terem a experiência de ações bélicas. As autoras assinalam que neste período a contribuição militar da cidade é extensa: “em 1851 das lutas contra Oribe no Uruguai, época em que também se fixam em definitivo os limites com o país vizinho; em 1852 a Guerra contra Rosas, em 1864 as lutas contra Aguirre e finalmente, a Guerra do Paraguai, cujo início se trava na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. A Guerra do Paraguai, de 1865 a 1870, é para onde o Rio Grande do Sul envia a significativa contribuição de quase 34 mil soldados, numa época em que sua população global não passava de 470 mil habitantes, não impede que assim mesmo o Estado e sua capital tomem o rumo da relativa prosperidade”. As guerras afetaram a economia da cidade. As requisições para aprovisionamento de combatentes e incursões inimigas dizimam rebanhos, lembram Souza & Muller. A pecuária só se refaz a partir de meados do século XIX. Isso é importante porque a produção de trigo na região já havia entrado em declínio. As autoras afirmam que esse crescimento não afetou Porto Alegre, mas a leva de imi-

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grantes que vem à cidade no mesmo período sim, já que entre 1824 e 1825 entram na capital 1.032 pessoas e entre 1826 e 1829, 3.823. Ao final da primeira metade do século XIX entraram no Rio Grande do Sul 7.491 pessoas que se localizaram entre Porto Alegre e São Leopoldo. Novas áreas de produção são incorporadas à economia do estado, expande-se a agricultura diversificada e a pequena propriedade que valorizam a vocação portuária da capital e o papel de seus comerciantes na coleta e exportação de bens.

As autoras confirmam o papel proeminente de Porto Alegre como canal de exportação e mostram que, em 1861, passavam pela cidade 62.462 sacos de feijão e, no final de 1894, cerca de 267.000. A produção de farinha de mandioca também evoluiu, passando de 52.622 mil sacos em 1861 para 369.000 sacos em 1894.

Além de porto exportador, a cidade vê a fundação em 1858 do Banco da Província e são os imigrantes, afirmam as autoras, que assumiram a função comercial em Porto Alegre e não os descendentes dos primeiros ocupantes.

As autoras citam tabela de Theodor Amstad que levanta 205 estabelecimentos industriais na cidade em 1874, sendo 22 no setor de alimentação e bebidas e 37 de madeira. Só de alemães, identifica no mesmo ano 78 estabelecimentos, a maioria de vestuário e utensílios domésticos.

Souza e Müller (1997) afirmam que, em 1875, a imigração italiana no Estado incentiva o intercâmbio comercial assumido pelos caixeiros viajantes alemães que tem suas casas matrizes em Porto Alegre: “Assim, Porto Alegre beneficia-se do aumento da produção agrícola em sua esfera de influência e da ampliação de seu mercado pelo acréscimo da operosa população que veio implantar-se”. A partir de 1850 aumenta o número de companhias de navegação na cidade. As viagens ampliam-se para Rio Par-

no Rio Grande do Sul. Fez os primeiros estudos na terra natal, sendo depois ordenado padre jesuíta na Inglaterra em 1883. Chegou ao Rio Grande do Sul em 1885, onde foi vigário em várias paróquias das colônias alemãs. Foto: Autor não identificado. Reproduzido de https://www.sescoopmt. coop.br/

Theodor Amstad foi um religioso suíço que se estabeleceu

do, Taquari, São Leopoldo e São Sebastião. O número de viagens maior é para São Leopoldo, chegando a cerca de 209, com 2.124 passageiros, mas o número de passageiros maior é para Rio Pardo, com 156 viagens e 8.345 passageiros. É isso que faz com que preocupação com os trapiches e a construção dos primeiros muros ao longo do rio seja uma preocupação dos vereadores, já que as instalações portuárias só serão construídas no período seguinte.

Até 1845 a cidade está dentro do espaço contido pelos muros que se alinham às ruas Conceição, Annes Dias, João Pessoa e República, período em que a cidade passa de 12 a 52 mil habitantes. Desenvolve-se ali sua estrutura administrativa, com prédios públicos, religiosos, militares e de saúde pública. O Quartel do Oitavo é construído em 1828 e o da Brigada Militar em 1837; a primeira cadeia data de 1826, a Assembleia Provincial, de 1828 e a Casa da Câmara, de 1845. Os vereadores tiveram suas ações ligadas a tais órgãos, como também à Santa Casa, inaugurada em 1825 e aos serviços de iluminação pública, iniciados em 1832.

A literatura é unânime em afirmar que, depois de 1845, com a demolição das muralhas que marcam o fim da Guerra dos Farrapos, a cidade começa sua expansão, com a criação de novos equipamentos e exigências ao Senado da Câmara. É neste ponto que entram os vereadores. Nesse período, a maior participação dos vereadores esteve associada à expansão e organização do centro da cidade e seu crescimento em direção aos arraiais que viriam a ser os bairros da cidade. As ações dos vereadores nos bairros do Menino Deus, São Manoel, São Miguel (Bairro Santana) e Navegantes, cuidando de suas vias de acesso, prova que os vereadores tiveram papel importante na expansão da cidade.

A atuação dos vereadores no período pode ser vista na determinação do alinhamento e resolução de conflitos

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nos seus principais acessos: da Voluntários da Pátria à Independência, passando pela chamada Estrada da Pedreira (Plinio Brasil Milano) ao Caminho do Meio (Osvaldo Aranha) ou Estrada do Mato Grosso (Rua da Azenha) até a Estrada da Cascata e da Cavalhada: são sempre as principais ruas de saída do centro para os bairros que estiveram no foco do trabalho dos vereadores na segunda metade do século XIX, já que, ainda na primeira metade, domina a organização das ruas do centro da capital.

Essa expansão da cidade se faz também em direção ao Quarto Distrito, pela consolidação da Rua Voluntários da Pátria até o Bairro Navegantes, bem como pela Rua Cristóvão Colombo e Rua Independência, ainda que, segundo as autoras, seja um trecho de topografia de acesso difícil para organizar pelos vereadores. A atuação dos vereadores também se faz nas áreas mais importantes desse período, no centro, na Cidade Baixa e em direção à Zona Norte, pela Voluntários da Pátria e suas ruas adjacentes. A importância da atuação dos vereadores na organização da abertura e do alinhamento das ruas centrais está no fato de que ali se localizaram os principais equipamentos comerciais e industriais da cidade. Não é à toa que logradouros como a Rua da Praia, Vigário José Inácio, Marechal Floriano Peixoto e Voluntários da Pátria tenham sido objeto do trabalho dos vereadores. Na segunda metade do século XIX, a Câmara também atuou na instalação de diversos equipamentos de lazer de relativa complexidade. No campo do lazer e da cultura não foram ações apenas na Praia do Riacho, mas também na Praça de Touros. Houve também iniciativas dos vereadores nos diversos espaços administrativos e militares da capital como a Cadeia, na Ponta da Península, e a própria Nova Casa da Câmara, a partir de 1870 .

O trabalho dos vereadores também esteve presente nos campos da educação e saúde, com providências para o Asi-

lo Santa Teresa e atividades comerciais, das quais falaremos especificamente a seguir. Mas foi a sua participação para criação de infraestrutura urbana que se deu, de forma essencial, a construção de serviços públicos, seja no campo da iluminação ao saneamento, necessários à cidade. Tiveram notável importância sua colaboração na implantação de estrada de ferro, iluminação a gás e telefones, mesmo que tenham ocorridos notáveis conflitos entre empreiteiros e os vereadores. Finalmente, os vereadores atuam no sentido da implementação do projeto de urbanização de Frederico Heydtmann de 1858, e que projeta as primeiras perimetrais.

Franco em Porto Alegre e seu comércio (1983) afirma que a Câmara Municipal tinha ligação com o incipiente comércio da vila seja “porquê arrematassem serviços concedidos de fornecimento ao público, como o açougue ou banca de peixe, ou porque fizessem fornecimentos ao Senado da Câmara, ou porque fossem multados como infratores de posturas”.

O fornecimento de carne para a população era uma das rendas mais importantes do município e sua exploração era feita em arremate público de exploração do açougue e eram os vereadores que estipulavam o preço pelo qual a carne deveria ser vendida.

Devemos a Franco (1983) a recuperação da nominata de comerciantes alemães que existiam na capital, graças a recuperação da lista do AlmanackdePortoAlegre para o ano de 1857, do escritor e professor alemão Carlos Jansen: “Carllos Germano Drügg, Carlos Hosking, Frederico Bier, Gertum & Schilling, Guilherme Bier, Guilherme Bormann & Cia, João Jaeguer, José Raupp & Irmãos, Foltzer & Cia,. Holtzwessing & Cia (que foi antecessora da casa Bromberg), Huch & Cia, Kopp & Rech. E alguns industrias germânicos também já faziam sua aparição: desde os cervejeiros Leser, Bebert ou Ambauer, aos fabricantes de velas Eduardo Hoe-

Frederico Heydtmann (Hamburgo, 18021876) foi um engenheiro e arquiteto teuto-brasileiro. Recém chegado ao Rio Grande do Sul foi encarregado da construção do Liceu Dom Afonso, junto com Phillip von Normann. Construiu depois diversas bicas de água, até finalmente ter sido convocado para construir o prédio da cadeia pública, o primeiro prédio de Porto Alegre a ter água corrente.

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enes e Frederico Becker, e ao fabricante de tábuas Carlos Dreher”. Franco localiza quase todo o comércio em uma grande concentração espacial ao longo da Rua da Praia, hoje Andradas, e em menor grau, na Rua de Bragança, hoje Marechal Floriano. Diz Franco: (1983): “Basta dizer que na primeira estavam estabelecidos 31 negociantes de secos e molhados, 27 lojas de fazendas e artigos de importação, 12 ferragens, 12 casas de miudezas, duas casas de louças e dez depósitos. Na de Bragança contavam-se 7 casas de secos e molhados e dois depósitos, e a hodierna José Montaury (então rua do Paraíso) que exibia 6 lojas de fazendas, 4 armazéns, uma loja e ferragens e uma de louças. O então Caminho Novo (hoje Voluntários da Pátria) estava longe de assumir a importância que veio a ter: contava apenas 6 armazéns de secos e molhados, uma loja de fazendas e dois depósitos. Quanto as pequenas “vendas”, espalhavam-se por todas as ruas da incipiente capital provinciana, cujos limites eram ainda muito acanhados. E o açougue mais distante do centro, para que se faça ideia da pequenez física da cidade, ficava na Rua da Olaria, 24, ou seja, bem no princípio da atual rua General Lima e Silva”. Como afirma Franco, mesmo perdendo sua posição ao longo do tempo de grande entreposto atacadista de cereais, Porto Alegre jamais decaiu de expressão e importância em termos de atividades econômicas e um dos motivos foi a ação dos vereadores, grandes colaboradores no fortalecimento desta atividade comercial.

Com quantos equipamentos públicos se faz uma cidade?

Virgílio Calegari. Equipamento de abastecimento de água. Acervo MJJF.

Dinorá Adelaide Musetti Grotti em seu Evolução da teoria do serviço público (2017) afirma que “as instituições jurídicas estão intimamente vinculadas às relações entre o Estado e a sociedade existentes no momento histórico em que se desenvolvem”. Em Porto Alegre, isso significou que ao longo do século XIX foram estabelecidas relações dinâmicas entre, de um lado, o poder público, representado pela Câmara Municipal, e de outro, a sociedade, em suas inúmeras demandas direcionadas à primeira. Desse modo, as transformações do modo de viver na cidade logo afetaram a consciência dos cidadãos da cidade, exigindo melhorias nos serviços públicos sob responsabilidade dos vereadores.

Os serviços públicos surgem na cidade como atividade municipal, destinadas primeiro ao atendimento de necessidades públicas (água, saneamento) e de outro, como responsabilidade transferida pelo Rei às Câmaras Municipais. Fazer com que a Câmara Municipal assuma atividades públicas foi o grande obstáculo dos cidadãos; atender as necessidades privadas sentidas coletivamente foi o grande desafio dos vereadores.

O desenvolvimento de responsabilidades do poder municipal para com seus cidadãos foi consequência do aprimoramento de técnicas jurídicas provenientes do Antigo Regime “impensável fora do contexto político-social e de uma certa ideia de Estado que provém da Revolução”, diz Grotti. Em Porto Alegre, ao contrário do que defendia a premissa do estado liberal em ascensão, que pretendia distanciamento do Estado da vida social, ao contrário, o Estado, representado pela Câmara de Vereadores, estava presente na vida dos porto-alegrenses. Os vereadores interferiam na vida dos seus cidadãos, daí as amplas funções que lhe cabiam na organização da cidade, desde o controle da organização do parcelamento do solo até o abastecimento. Eles mediavam antagonismo sociais, a pressão de grupos de poder, de atores com grande in-

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teresse econômico em defesa do bem comum. É verdade que muitas vezes os vereadores chamavam os cidadãos a participação na construção dos equipamentos coletivos da cidade, mas, com o Código de Posturas, havia uma delimitação clara de poder dos vereadores na vida dos seus cidadãos e sua responsabilização pelos serviços públicos e pela conservação da vida e da saúde na cidade. Aqui o serviço público não aparece de maneira repentina, mas vai sendo construído ao mesmo tempo em que decisões são necessárias para o estabelecimento da vida na capital. Os vereadores, por um lado, ao mesmo tempo em que exercem a função de política e controle sobre as atividades econômicas da cidade, interferem diretamente na organização dos serviços públicos como iluminação, a instalação de usinas de gás e de telefones. Por outro lado, exercem controle sobre a utilização do espaço privado e público por suas prerrogativas no desenvolvimento das politicas de urbanização cidade, na criação de vias, destinando a si e a seus membros responsabilidades na vida social.

Código de Posturas, também chamado de Posturas Municipais, é o nome dado à legislação, geralmente municipal, que disciplina as normas de conduta para o convívio e o desempenho de atividades individuais e coletivas no espaço urbano.

Mercados

A primeira iniciativa de construção de mercado público na cidade teve participação da Câmara Municipal. Nas atas de 8 e 21 de abril de 1842, os vereadores participaram para sua construção com a aquisição de dez ações no valor de 1 conto de reis, em parceria com o Doutor Saturnino de Brito de Souza e Oliveira, governador da Província. Os vereadores resistiram um pouco a localização escolhida para a Praça do Mercado, porque ela não acompanharia o alinhamento da Rua de Bragança. Na sessão da Câmara de 27 de setembro de 1844, constou o pedido de designação de representante da Câmara para receber o prédio concluído, ordem dada pelo próprio presidente da Província. Os vereadores determinaram ao procurador municipal “a tomar conta da praça do mercado e a fazer a entrega da quantia de 14 contos de réis ao Tesoureiro da Diretoria da Praça”. Quer dizer, os vereadores resgataram cotas de particulares para se tornarem donos exclusivos do edifício que abriram no dia 1º seguinte.

Na noite do dia 05 de julho de 1912, teve início um grande incêndio que atingiu o Mercado Público, queimando 24 bancas de madeira que ficavam no pátio interno. Dizem que o causador foi um gato, que teria derrubado uma garrafa de querosene em um braseiro. Em 1912, também foi inaugurado o segundo piso do Mercado Público, onde foram instalados escritórios e repartições públicas. Em 1913, o município contratou a empresa Bromberg & Cia. para construir as novas bancas internas, agora feitas de cimento e ferro.

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Autor não identificado. Incêndio no Mercado Público de Porto Alegre. Acervo do MJJF.

Apesar das lutas pela liberação ou não de venda de carnes fora dos açougues do mercado, os vereadores aprovaram regulamento que estabelecia que “logo que forem preenchidos com açougues de carnes verdes todos os quartos da Praça do Mercado designados para esse fim, poderá a Câmara conceder licença para estabelecerem açougues fora da mesma Praça em diferentes lugares, designados com antecedência pela câmara, que terá em vista a maior comodidade pública, combinada com a boa fiscalização”.

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Segundo Franco, o primeiro mercado carecia ainda em 1845 de reboco externo e caiação, o que foi contratado na sessão de 20 de outubro deste ano, sujeitando-se o empreiteiro a “concluir por fora o reboque (sic), barra larga e escura por baixo, a parede amarela com cimalhas brancas; por dentro, barra escura, paredes vermelho-claro, colunas cinzentas com os capiteis brancos e sapatas da cor da barra; no portão do leste, as Armas Imperiais, do oeste o letreiro de 1º de outubro de 1844, no do lado do sul, e o de Câmara Municipal, e no do norte, sendo Presidente Saturnino de Souza e Oliveira”.

Com o crescimento da cidade, começou-se a cogitar a construção de um novo mercado desde 13 de outubro de 1857, quando os vereadores receberam de Inácio Ferreira de Moura uma proposta de construção e projeto sobre o tema, o que se arrastou por muitos anos. Em janeiro de 1862 os vereadores estabeleceram uma comissão para dar parecer sobre os dois projetos que haviam sido recebidos pela Câmara da Assembleia Provincial: o primeiro, de Manoel Soares Lisboa, e o outro de José Ferreira de Moura. Concluiu que o melhor era mesmo o de 1861 do engenheiro Frederico Heydtmann, alterando apenas a comissão a metragem do prédio, que passou de 350 palmos para 400 palmos e outras modificações, conforme ata de 13 de janeiro de 1862.

Em 1º de setembro de 1864 foi assinado o contrato de construção do segundo mercado com Polidoro Antônio da Costa, o mesmo empreiteiro do mercado de Jaguarão e, a 29 de agosto do mesmo ano, lançouse sua pedra fundamental. Em 1867 o empreiteiro solicitou aos vereadores a prorrogação de prazo de conclusão e em maio de 1869 foi entregue a nova obra à Câmara Municipal, faltando ainda pequenos detalhes em seu interior, sendo inaugurado em 3 de outubro do mesmo ano.

A obra foi bastante cara para a câmara à época, custando 246 contos de reis, tendo sido contratado empréstimo para custeá-la.

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Virgílio Calegari. Mercado Público. Acervo do MJJF.

Para pagá-la, os vereadores venderam um terreno municipal na esquina das ruas da Figueira e da Margem. Em 1873, o vereador João Pinto da Fonseca Guimarães propôs a arborização da praça do mercado e em 1886 contrataram uma empresa para construir chalés internos, com derrubada das árvores que ali existiam para sua edificação. Os chales de madeiras foram o início das bancas do atual mercado.

Em 16 de junho de 1882 a Câmara Municipal colocou em sua sala a foto do Coronel José Pinto da Fonseca Guimarães, vereador falecido e que fizera grandes esforços para a construção do mercado e que fez parte da comissão que a fiscalizou

Virgílio Calegari.Doca do Mercado, c.1890. Acervo MJJF.
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A Ponte de Pedra localizada junto ao Largo dos Açorianos foi objeto da ação dos vereadores nas reuniões dos dias 12, 17 e 19 de julho de 1826, quando fizeram-se alusões as escavações para retirada de areia do local para a sua construção. Em 23 de março de 1830, os vereadores registram em ata que a Ponte de Pedra foi reedificada, ou seja, que foi reconstruída no local. Isto era necessário porque olugar possuía uma ponte de madeira que foi diversas vezes reconstruída após os danos que as enchentes provocavam.

Na correspondência da Câmara Municipal, o orçamento de Laureano A. Dias e Evaristo Gonçalves de Ataíde para sua construção diz que as madeiras da obra da ponte estavam podres. Em 26 de abril de 1844, os vereadores novamente voltam a fazer apelo ao presidente da Província para a construção de uma ponte, e o Conde de Caxias decide então mandar construir uma ponte de pedra, mais sólida e definitiva. Na ata da reunião de 22 de março de 1848, os vereadores leram oficio do Vice-Presidente da Província dizendo que a ponte do riacho, ainda não concluída, era capaz de dar passagem ao público e por isso, podia-se arrancar a ponte de madeira. Em decorrência, o Procurador da Câmara Municipal afirma que já havia mandado trancar a ponte velha para a passagem de pedestres.

Ponte de Pedra
Autor desconhecido. Ponte
Acervo MJJF . A Câmara na Cidade 229/230
de Pedra.

Carnaval

A Câmara Municipal também se manifestava em relação as festas populares. Na reunião de 7 de fevereiro de 1809 o Senado da Câmara solicita ao Governador da Capitania a prorrogação do carnaval daquele ano por mais quinze dias depois da Páscoa “para neles poderem os ditos moradores fazer toda a qualidade de festejos públicos com máscaras e farsas".

Em 31 de janeiro de 1832 o padre e vereador Juliano de Faria Lobato aprovou postura que trazia medida já empregada no carnaval do Rio de Janeiro e que dizia que “fica proibido o jogo do Entrudo dentro do município; qualquer pessoa que o jogar incorrerá na pena de dois mil-réis a doze, e não tendo com que satisfazer, sofrerá de dois a oito dias de prisão; sendo escravo, sofrerá oito dias de cadeia, caso o seu senhor o não mandar castigar na cadeia com cem açoites, devendo uns e outros infratores ser conduzidos pelas rondas policiais à presença dos juízes de paz, para os julgarem à vista das partes e testemunhas que presenciarem a infração. As laranjas de entrudo que forem encontradas nas ruas e estradas serão inutilizadas pelos encarregados das rondas. Aos fiscais com seus guardas também fica pertencendo a execução dessa postura”.

A postura foi para o Conselho Geral da Província, como era o costume, e foi aprovada em 1834. Segundo Franco, sua implantação demorou por que, em plena Revolução Farroupilha ainda havia perturbações da tranquilidade por causa do jogo do Entrudo. Segundo Franco, “em Portugal como aqui, as festas consagradas a Momo assumiam por vezes um caráter brutal, com os mascarados invadindo as casas dos amigos sem prévio aviso nem licença, e mais com a prática generalizada de esguichos de água, dos limões de cheiro recheados, quando não a molhadela total, com baldes e ancorotes”.

O jogo do entrudo se transformou em problema para as autoridades. Em 16 de fevereiro de 1869, o presidente da Câmara atende ao pedido do Chefe de política para efetivar multas pela infração do código de postura, que atingiu o ápice no carnaval de 1874, com as sociedades Esmeralda e Venezianos.

Casa de Correção

Em 1846, após a Guerra dos Farrapos, a Câmara Municipal retoma as preocupações que tem desde 1824 com o primeiro presidente da Província Visconde de São Leopoldo sobre a construção de um estabelecimento penal que funcionasse na extremidade da península central em substituição à Cadeira Velha. A Câmara já havia recebido recursos para isso em ao menos duas oportunidades, mas os valores foram julgados insuficientes para as necessidades, apesar do início do princípio da edificação.

Em 1835, novo aporte de verbas do governo da Província foi frustrado agora pela Revolução Farroupilha. Em 1846, Franco diz que “a Câmara Municipal escolheu como mais adequado para o futuro estabelecimento penal um terreno com 565 palmos de frente à leste, entre as ruas da Igreja e da Ponte, na Praia do Arsenal”.

A nova cadeia teve lançamento da pedra fundamental registrada na ata de 25 de março de 1852 e, segundo a ata de 28 de fevereiro de 1855, já foi possível transferir para ela 195 presos que estavam então recolhidos no porão do quartel do Oitavo. Desde então passou a região a ser conhecida por Ponta da Cadeia.

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José Abraham. Casa de Correção, 1955. Acervo do MJJF.

Iluminação Pública

A primeira vez que os vereadores trataram da iluminação pública da cidade foi na sessão de 18 de janeiro de 1832, quando a Câmara estimou o custo de 12 contos de réis para os gastos indispensáveis para a implantação do serviço de iluminação pública para o Desembargador Manoel Antônio Galvão, presidente da Província.

Em 15 de agosto desse mesmo ano, os vereadores fixaram que eram necessários o número de 191 lampiões para iluminar a cidade. O governo provincial então contratou 200 lampiões com João dos Santos Castro e a Câmara determinou que seu procurador e fiscais escolhessem os locais para sua instalação. Em 8 de outubro de 1833, após as primeiras experiências de instalação de lampiões, a Câmara Municipal “resolveu que se oficiasse ao Exmo. Presidente da Província significando-lhe que notando por experiência feita em um ou dois lampiões que se acenderam, terem saído bastante defeituosos, atenta a fraca luz que prestam, lhe poderá a necessidade de mandar-se-lhes por revérberos, afim de os tornar com menos defeito”. Os primeiros lampiões logo deram problema e foram encomendados outros 200 ao Rio de Janeiro. Em 2 de maio de 1837, a Câmara Municipal solicitou ao Vice-Presidente Américo Cabral de Melo o reestabelecimento da iluminação para a defesa da cidade sob sítio “para facilitar o serviço das patrulhas noturnas, em que constantemente andam empregando cidadãos de todas as classes”.

O pedido foi reiterado em 31 de agosto do mesmo ano pelos vereadores, solicitando-se que fosse mantidos acesos “em noites escuras, esses poucos lampiões que há presentemente pelas ruas da cidade, a fim de auxiliar as patrulhas que tem a seu cargo a polícia da mesma, e principalmente agora com o inimigo a vista e que não descansa de incomodar-nos com seus tiroteios, assim como sucedeu nesta madrugada bastante escura, que obrigou alguns cidadãos a porem luzes nas suas janelas, e acedendo-se mesmo alguns lampiões, a fim de facilitar o reconhecimento das patrulhas e pontos de reserva”.

Os lampiões encomendados demoraram para vir, chegando 160 dos 202 lampiões em fevereiro de 1838. Franco encontra a ata da Câmara de 30 de junho de 1838 onde o Procurador da Câmara informa aos vereadores que as luzes já estavam colocadas e que haviam sido tomadas as providências para iluminação da cidade com lampiões de azeite de baleia, seu combustível. A medida que crescia a cidade, novas encomendas de lampiões eram feitas a pedido da Câmara ao presidente da Província.

Em 1846 foram encomendados pelos vereadores na ata de 15 de setembro mais 37 pontos de luz, e em 1852 os lampiões passaram a ser de gás hidrogênio liquido, que também apresentou ao longo do tempo problemas. Ao final do período imperial, conviveram dois sistemas de iluminação: no centro da cidade, a gás e na área suburbana, os lampiões a querosene.

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Virgílio Calegari. Acendedores de lampiões. Acervo MJJF

Transporte Coletivo

Em 1863 a Câmara Municipal recebe proposta dos empresários Estácio Bittencourt e Emílio Genbembre de implantação de trilho de ferro sobre o qual se deslocaria um carro com capacidade para vinte pessoas. Chamado à época pelos cronistas de “maxambomba”, seu trajeto teria sido inaugurado até o Cemitério da Azenha em 1º de novembro de 1864, mas o trecho teria durado pouco tempo. Pelo que diz a ata da Câmara Municipal de 14 de outubro de 1864, vê-se que os concessionários tiveram problemas com os vereadores, pois foram proibidos de construir regos paralelos aos trilhos, o que seria, segundo estes, “obstáculo ao trânsito de cavaleiros e veículos”. Dado o insucesso, estabeleceu-se então a Cia. Carris de Ferro Porto-Alegrense, com linhas de bondes puxados a burro.

Hugo Freyler. Rua dos Andradas, 1912. Acervo do MJJF. Irmãos Ferrari.Maxambomba na Duque de Caxias. Acervo MJJF. A Câmara na Cidade 235/236

Santa Casa

A construção do primeiro hospital da cidade dependia de autorização real e para isso, o Senado da Câmara, em 3 de abril de 1802, requereu autorização ao Príncipe Regente Dom João para sua construção, já que a enfermaria existente não dava suficiente atendimento aos mais pobres.

Foi representante da Câmara Municipal o Irmão Joaquim Francisco do Livramento, ambulante ermitão que ajudara a fundar a Santa Casa de Caridade do Desterro, na Ilha de Santa Catarina. O governador recebeu então autorização real, passando para a Câmara Municipal “a tarefa de eleger a primeira mesa administrativa do Hospital de Caridade de Porto Alegre, o que se efetivou em 19/10/1803”, segundo Franco. Diz a ata da câmara que “nesta vereança compareceram o capitão José Francisco da Silveira Caso, Joaquim Franco Alvares e Luiz Antônio da Silva, convocados por esta Câmara para servir o primeiro de Tesoureiro, o segundo de Escrivão e o terceiro de Procurador do novo Hospital de Caridade que Sua Alteza Real, por instâncias do Irmão Joaquim Francisco do Livramento, abonado por atestação da Câmara desta Vila a respeito de sua louvável pretensão, foi servido permitir se criasse”.

Em 1837, uma lei províncial determinou que os expostos criados pela Câmara Municipal passassem a serem criados pela Santa Casa. O efeito foi que os terrenos devolutos aforados pela Câmara Municipal e que davam lucro fossem destinados à Santa Casa. O motivo é que “esta câmara recebeu a doação dos lotes devolutos da cidade para o fim específico de sustentar a criação dos expostos e como esse encargo fora transferido à Santa Casa, já não se justificaria a titularidade do municipio”, finaliza Franco.

Atelier Huhnfleisch. Cartão Postal, década de 1900 (?). Acervo do MJJF.

Corpo de Bombeiros

A preocupação com o combate a incêndios na capital foi objeto dos vereadores desde muito cedo. Em 21 de fevereiro de 1848, a Câmara Municipal recebeu do presidente da Província a informação de que o 5º Batalhão passou a contar com uma bomba d’água para acudir com presteza qualquer incêndio, além da já existente no Armazém da Marinha. Na sessão da Câmara Municipal de 7 de fevereiro de 1863 registrase a solicitação do Chefe de Polícia para os vereadores elaborarem a edição de uma postura que obrigasse os vendedores de água em pipas a que pernoitassem com as pipas cheias, afim de acudir, se necessário, aos locais de incêndio. Franco (1983) diz que “depois de algum debate sobre o assunto, os vereadores entenderam que lhes faltava competência para impor tal obrigação aos particulares, e se limitaram a criar um prêmio ao pipeiro que primeiro acudisse os locais de incêndio”. Em 10 de outubro de 1883, o vereador Inácio da Silva propôs a criação de uma companhia de bombeiros. No ano seguinte, entretanto, em sessão de 4 de fevereiro, a Câmara decide confiar a Cia. de Seguros Porto-Alegrense o encargo de organizar e manter um serviço de bombeiros “entregando-se a mesma o produto do imposto destinado aquele melhoramento, e que era pago, aliás, pelas próprias companhias de seguros em operação na praça”. Isso acontecia porque com o comércio prosperando e o crescimento da indústria na capital, os sinistros aumentaram, situação que foi sanada com a criação do Corpo de Bombeiros em 1º de março de 1895.

Autor não identificado. Praça Rui Barbosa entre Av Mauá e Júlio de Castilhos com os Galpões de madeira da sede da Estação Central do Corpo de Bombeiros em 1960. Acervo Prati.

A Câmara na Cidade 237/238
Autor não identificado. Carros da Brigada Militar ficavam a serviço da higiene pública durante a Gripe Espanhola, Revista Máscara / Reprodução Acervo da Brigada Militar.

Gasômetro

A Usina de geração de gás hidrogênio-carbonado, o gasômetro, funcionou à margem do Guaíba na Praia do Riacho, num a área que a Câmara Municipal não queria ceder para a sua construção no local, o que gerou dificuldades para sua instalação. O serviço foi regularizado quando a Cia. Brasileira de Força Elétrica, em 1º de setembro de 1928 assumiu os serviços de distribuição e produção de gás junto com os de eletricidade.

A Câmara na Cidade 239/240
Virgílio Calegari. Vista da cidade, com gasômetro, década de 1900 (?). Acervo do MJJF

Abastecimento de água

A Câmara Municipal registrou sua preocupação com oabastecimento de água da cidade na ata de 19 de fevereiro de 1780. Ali os membros da Câmara “acordaram e mandar consertar a fonte que está fora do portão, imediata a ele, por causa de se achar arruinada(...) como também acordaram que se fizesse uma fonte dentro desta Vila para bem comum do povo”. Franco afirma que a fonte fora do portão localizava-se defronte a embocadura da Rua Avaí na Av. João Pessoa, também chamada então de “Rua da Fonte” nas atas da Câmara de 4 de julho de 1821 e 26 de agosto de 1823. Já o poço localizado na esquina da atual Rua Jerônimo Coelho e Avenida Borges de Medeiros gerou problemas entre o Procurador da Câmara, Manoel José Pereira Cardinal e o Governador da Capitania, José Marcelino de Figueiredo, que mandou prendê-lo. Entre 1830 e 1835, a Câmara Municipal tomou diversas e contraditórias resoluções a respeito do Poço, encerrando-se em 8 de maio de 1835, quando os vereadores “assentaram uniformemente que, em vista da nenhuma utilidade que resulta ao público com a estada do referido poço, como por estar no meio da rua e embaraçar, com isso, o trânsito público, resolveu enviar o requerimento ao Procurador da Câmara para fazer demolir o poço”. Três anos depois, em 1838, Franco (1983) encontra Resolução da Câmara que manda novamente abrir um poço, agora na parte alta da Rua da Figueira, hoje Coronel Genuíno “o qual fora construído por um particular, o carcereiro Manoel Pereira Maciel, que protestou energicamente contra a medida” .

IIrmão Ferrari. Duque de Caxias, com aguadeiro. Acervo MJJF. Lunara. Aguadeira, s/d. Acervo IMS. A Câmara na Cidade 241/242 Lunara. Aguadeiro em serviço.s/d. Acervo IMS.
A Câmara na Cidade 243/244

Durante o sitio farroupilha, o problema da qualidade da água para consumo se agravou porque os farroupilhas impediram o acesso da população às vertentes das chácaras suburbanas. Por essa razão, em 1839, a Câmara construiu uma ponte sobre o rio “na qual se possa tomar água, com asseio para abastecimento”. O viajante Nicolas Dreys já havia afirmado em sua obra Notícia Descritiva da Província do Rio Grande de São Pedro (1839), que “Se Porto Alegre tem alguma coisa que desejar, será talvez maior abundância de água potável”.

A Câmara de Porto Alegre dividia com presidente da Província as providências para assegurar água limpa à população, o que na maior parte das vezes, signifi-

cava garantir captação longe do lixo das margens do Guaíba, onde era habitualmente depositado. Sucessivos presidentes determinaram a construção de fontes públicas e em 17 de outubro de 1866 a Câmara edita uma postura que proíbe a venda de água tirada ao Rio Guaíba ou Riacho em cumprimento ao contrato com a Hidráulica PortoAlegrense. Em 24 de maio de 1887 a Câmara Municipal recebeu do Engenheiro José Estácio de Lima Brandão os planos de criação de outra empresa concessionária, a Companhia Hidráulica Guaibense, autorizando o aproveitamento de água do Guaíba que, em 1904, foi adquirida pela Prefeitura na gestão do Intendente José Montaury.

A Câmara na Cidade 245/246
Autor desconhecido. Chafariz do Parque Farroupilha, década de 1940. Reprodução Acervo Prati.

Asseio Público

A partir da década de 1850 a Câmara Municipal passa a ter muitas preocupações com a limpeza das ruas, remoção do lixo e matérias fecais. Em 1854, os vereadores recebem proposta de Bernardo Dionizio da Silva para fazer a limpeza da cidade com doze carros, sendo quatro para condução de lixo e oito para matérias fecais. A proposta tem o custo de oito contos de reis anuais, mas Câmara Municipal optou na Ata de 13 de novembro de 1854 por determinar os lugares nos quais a população deveria fazer seus despejos dentro do Guaíba: na desembocadura das Ruas Senhor dos Passos, Rosário, Beco da Casa da Ópera, Beco do Fanha, Rua do Arroio, Ponta das Pedras e Praia do Arsenal, quer dizer, todo o litoral da Cadeia para o lado do Riacho. Mais adiante, os vereadores, tomando consciência de que deveriam limitar os pontos, passam a indicar somente os trapiches construídos na embocadura do Beco da Ópera, na Rua do Arroio e no Caminho Novo e assim, pela Resolução de 23 de janeiro de 1863, ficava livre de despejo todo o litoral do riacho.

Cabugueiro.

Reproduzido de https://almanaquenil omoraes

.blogspot.com/2017/ 09/saneamentobasico.htmlI

A Câmara na Cidade 247/248

Foi somente em 1869 que a Câmara Municipal foi autorizada pela Província a contratar o serviço de limpeza pública com indivíduo ou companhia que melhores vantagens oferecessem. Em 26 de outubro de 1869 os vereadores contratam Estácio da Cunha Bitencourt para realizar o serviço de remoção de matérias fecais “por meio de tubos hermeticamente fechados”, mas o contrato nunca foi cumprido. Em 14 de outubro de 1878, a Câmara aceita a proposta de Cândido José Ferreira Alvim Júnior e Alfredo Pitrez para assumirem a remoção de matérias fecais, o que se inicia no ano seguinte pela firma Alvim & Cia. Em 27 de julho de 1879, a Câmara designa local na Rua Voluntários da Pátria para construção de ponte de dejetos. Inicia o serviço de cubos ou cabungos na capital, semanalmente renovados e que desaparece apenas em 1962, na segunda administração do Prefeito José Loureiro da Silva. Segundo Franco, com a proclamação da República, o Asseio Público passou a ser uma responsabilidade da Intendência, deixando suas marcas na Ponta do Asseio, como era conhecida a Ponta do Melo; na Lomba do Asseio, como era conhecida a ladeira que liga aquela ponta à Padre Cacique e nas memórias dos cabungos e cabungueiros da capital.

Acima. Autor não identificado. Cabungo. Reproduzido de https://almanaquenilomoraes.blogspot. com/2017/09/saneamento-basico.html

Abaixo: Hélio Alves. Ponta do Melo Reproduzido de https://almanaquenilomoraes. blogspot.com/2017/09/saneamento-basico.html

Cadeia Velha

Na vereança de 11 de março de 1805 os vereadores acordam “que se fazia indispensável e muito necessário fazer-se uma cadeia nesta Vila, pelos muitos presos da Justiça que há nela, os quais estão confusamente recolhidos no corpo da guarda, sem segurança alguma por ser feito de madeira, e sem haver quem responda por eles por falta de carcereiro”, cita Franco. A Cadeia Velha funcionou até 1841 na rua então chamada de Beco da Cadeia ou Travessa da Cadeia, chamada depois de Travessa Dois de Fevereiro, entre a Vigário José Inácio e Annes Dias, prolongada para construção da Senador Salgado Filho.

Em 1808 e 1809 a Câmara autorizou, segundo Franco, repetidas despesas com sua construção. A vereança de 8 de fevereiro de1812 nomeou Manoel Inácio Barreto Pereira Pinto como carcereiro em substituição a José Henriques. Em 1824 o Visconde de São Leopoldo dotou a Câmara Municipal de recursos para a construção de uma nova cadeia, pois a antiga era “um lugar de infecção e de morte, em vez de ser, como cumpria, de mera segurança dos infelizes réus”, o projeto não foi adiante. Em 1835, resolução da Câmara determinou a demolição da cadeia, mas o início da Revolução Farroupilha interrompeu mais uma vez a decisão. As más condições da Cadeia Velha continuam descritas na ata da Câmara e em 8 de janeiro de 1840 os vereadores recebem comunicação do presidente da Província da mudança de seus presos para o quartel do 11º Batalhão, vindo a ser demolida e substituída pela Casa de Correção da Rua General Salustiano construída entre 1852 e 1855.

Autor não identificado. As demolições entre as ruas de Bragança e Rosério. Reproduzido de https://www.analuiza koehler.com/becodorosario/ o-beco-da-cadeia-e-hoje-umagrande-avenida/

A Câmara na Cidade 249/250

Convento de Nossa Senhora do Carmo

Em 25 de agosto de 1840, a Câmara Municipal deferiu o requerimento de dona Isabel de Brito e outras requerentes que solicitavam a demarcação, alinhamento e altura das soleiras de seu terreno na então Rua da Olaria (General Lima e Silva) “entre as chácaras do Cirurgião Manoel José Henrique da Cruz e das senhoras denominadas Galvoas” para, segundo Franco, a construção de um edifício destinado a mosteiro das carmelitas descalças professas ou para recolhimento de mulheres e meninas pobres.

Em 24 de março de 1865 a Câmara Municipal, entretanto, se manifestou contra a pretensão da Priora do Convento que, nos termos de Franco, queria licença para a construção de um cemitério no terreno junto a capela para sepultamento exclusivo das irmãs da ordem. Diz Franco “prevaleceram as conveniências da salubridade pública, que se entendia desaconselhar a instalação de um cemitério dentro de zona habitada”. Em 13 de outubro de 1883

Lunara. Procissão religiosa. Acervo Biblioteca Nacional. Ao lado, mosteiro das carmelitas atual. Reproduzido do site irmãscarmelitas.com.br

os vereadores decidiram a construção de uma cerca de madeira no terreno do convento, no trecho aberto para prolongamento então da Rua da Concordia. Franco afirma que não foi uma questão pacífica, já que Felicíssimo de Azevedo, na crônica de 27 de março de 1884 do jornal A Federação, criticou a destinação da verba de 600 mil-réis para indenização das freiras para a abertura de rua que iria valorizar seu imóvel. E dizia que “as beatas, cedendo gratuitamente, como todos os outros o fizeram, o seu terreno, ganham 3:600$000. Tudo o mais é usura, que pode ser dispensada por quem faz vida santa”.

A Câmara na Cidade 251/252

Catedral Metropolitana

Em 30 de junho de 1841, a Câmara Municipal recebeu pedido da Irmandade do Santíssimo Sacramento apontando “a necessidade de que há de se levantar um novo templo para a Matriz, visto a que existir ser pequena e achar-se bastante arruinada”. Era a ideia de uma nova catedral sé defendida pelos bispos Sebastião Dias Laranjeira e Cláudio José Ponce de Leão, só efetivado pelo Arcebispo Dom João Becker a partir de 1915.

Luis Terragno.Igreja Matriz. Acervo Biblioteca Nacional.

Não identificado.Igreja Matriz. Acervo Biblioteca Nacional.

Cemitérios

Em 20 de junho de 1801 lê-se em ata do Senado da Câmara que “se escreveu uma carta ao Revdo. Vigário desta freguesia para se não enterrarem os corpos nesta matriz por tempo de seis meses, pela representação que a esta Câmara fez ao Cirurgiãomor e auxiliares e mais professores pela epidemia que tem havido”, cita Franco.

Em 18 de setembro de 1834, a Câmara Municipal designa os doutores Américo Cabral de Melo e Marciano Pereira Ribeiro para darem parecer a respeito da nova localização do cemitério, já que o cemitério dos fundos da Igreja Matriz foi envolvido pela expansão da cidade e provocou preocupações sanitárias. A própria Rua do Espírito Santos, aberta em 1817, era conhecida também por Beco do Cemitério.

Um enterro na Rua Duque de Caxias em 1898. Naquela época as pessoas falecidas eram veladas em suas residencias e na hora do enterro, chegava o carro fúnebre da Santa Casa. Reproduzido de https://lealevalerosa.blogspot.com/2010/04 /cemiterios-e-velorios-de-porto-alegre.html

A Câmara na Cidade 253/254

Em 1º de agosto de 1837 um vereador alertou que as covas do cemitério da igreja matriz não estavam respeitando as normas sobre profundidade e sobre oespaço entre umas e outras, e nem havia data das inumações, levando a serem desenterrados cadáveres em “horrível estado de podridão”. Por isso, em 6 de novembro de 1843 a Câmara Municipal escolhe como local adequado para o novo cemitério oAlto da Azenha, com concordância da Santa Casa na ata de 29 de abril do ano seguinte. A busca por Franco das origens dos cemitérios da capital encontra uma exposição apresentada na Câmara Municipal no ano de 1845 sobre abastecimento de água da cidade citada pelo Dr. Sebastião Leão em sua data alusiva ao dia 28 de outubro. Nesta passagem “fala-se nos ossos humanos encontrado sem escavações realizadas na Praça da Harmonia”, o que faz com que o senado da Câmara já fosse, no século XIX, um lugar de debate sobre os mortos.

Em 6 de abril de 1850 a Câmara Municipal aprovou uma postura obrigando as inumações e em 7 de outubro do mesmo ano os vereadores atendem pedido de Acácio Joaquim Corrêa, em nome das Irmandades do Santíssimo Sacramento, de N. Sra. da Conceição, São Miguel e Almas e Rosário para criarem também cemitérios extramuros no Alto da Azenha e a margem da velha estrada para Belém, seguindo-se os de outras irmandades, como dos católicos alemães e evangélicos luteranos.

jazigos de parede. Reproduzido de https://lealevalerosa.blogs pot.com/2010/04/cemiterios-evelorios-de-porto-alegre.html

Igreja de Nossa Senhora da Conceção

Na ata de 23 de outubro de 1847, os vereadores autorizam a fixação do competente alinhamento da igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, mas a construção propriamente dita só começou em 1851. A irmandade havia recebido doação de terreno dos sucessores da Brigadeira, com quem a Câmara já tivera problemas e diz Franco que “quase simultaneamente a sua construção, nasceu a praça que foi oficialmente denominada da Conceição” pelos vereadores na Sessão de 20 de outubro de 1857.

Autor não identificado. Desfile em frente à Igreja da Conceição, final século XIX Reprodução Acervo André Prati. Fonte: AHRS.

A Câmara na Cidade 255/256

Casa de Correção

Em 1846, após a Guerra dos Farrapos, a Câmara Municipal retoma as preocupações que tem desde 1824 com o primeiro presidente da Província Visconde de São Leopoldo sobre a construção de um estabelecimento penal que funcionasse na extremidade da península central em substituição à Cadeira Velha. A Câmara já havia recebido recursos para isso em ao menos duas oportunidades, os valores foram julgados insuficientes para as necessidades, apesar do início do princípio da edificação.

Em 1835, novo aporte de verbas do governo da Província foi frustrado agora pela Revolução Farroupilha. Em 1846, Franco diz que “a Câmara Municipal escolheu como mais adequado para o futuro estabelecimento penal um terreno com 565 palmos de frente à leste, entre as ruas da Igreja e da Ponte, na Praia do Arsenal”.

A nova cadeia teve lançamento da pedra fundamental registrada na ata de 25 de março de 1852 e, segundo a ata de 28 de fevereiro de 1855, já foi possível transferir para ela 195 presos que estavam então recolhidos no porão do quartel do Oitavo. Desde então passou a região a ser conhecida por Ponta da Cadeia.

Autor não identificado. Casa de Correção. Reproduzido site https://www.palaciop iratini.rs .gov.br/

Autor não identificado. Casa de Correção. Reproduzido site https://www.palaciop iratini.rs .gov.br/ Texto reproduzido de https://www.palaciopiratini.rs.gov.br/ amobilia-palaciana-e-a-casa-de-correcao

Autor não identificado. Vista da Ponta da Cadeia na Revista “A Máscara”, AnoVIII, nº. X, Outubro de 1925, p51.

"A professora e historiadora Regina Portella conta que o local oferecia cursos de marcenaria, carpintaria, serralheria, palhas, fotografia, jardinagem, arames, mosaico, barbearia, alfaiataria, padaria e cozinha. A Casa de Correção tinha uma direção voltada para o trabalho, estudo e cooperação entre os apenados”, afirma. Nas oficinas, os detentos produziam objetos para a própria Casa de Correção, mas também aceitavam encomendas particulares e faziam mobílias para o Estado. O lucro era dividido entre a instituição, o governo e também utilizado para pagar despesas dos apenados. O governo era um cliente fixo do local. “Eles faziam as classes, cadeiras e armários para as escolas públicas da região”, conta Regina. Por isso, Borges de Medeiros já conhecia o trabalho das oficinas de marcenaria e carpintaria. Assim, quando iniciou o processo de compra de mobiliários para o Piratini, optou por fazer encomendas para a instituição. Durante muito tempo, a Casa de Correção abrigou oficinas e serviu como local de ressocialização. Entretanto, devido ao crescimento de Porto Alegre e oaumento populacional, o número de delitos na cidade aumentou, e a população carcerária também. As oficinas fecharam, e as condições do prédio tornaram-se insalubres".

A Câmara na Cidade 257/258

Eleitorado

A composição dos eleitores em Porto Alegre foi uma das atividades que mobilizou os vereadores no século XIX. Diz Franco que “no Brasil colonial realizavam-se eleições apenas para a escolha dos membros do Senado da Câmara, organização municipal composta de dois juízes ordinários, três vereadores e um procurador. Mas, desses pleitos (indiretos) apenas participava um pequeno grupo, basicamente integrado pelos que já tivessem prestado serviços à mesma Câmara, e que eram denominados de “homens bons”.

A eleição virtualmente se resumia a uma conferência de elite destinada sobretudo a organizar os nomes dos que deveriam sucessivamente servir, evitando as incompatibilidades e os impedimentos previstos na legislação portuguesa. Feitas as listas eram encerrados os nomes em bolinhas de cera chamadas “pelouros” – o que acontecia de três em três anos – e efetuava-se anualmente um sorteio para estabelecer que grupo de camaristas deveria servir nos doze meses seguintes. Tal regime eleitoral prevaleceu durante todo o período colonial até os primeiros anos após a Independência, precisamente até 1829, quando se realizaram em Porto Alegre as primeiras eleições destinadas a compor a Câmara Municipal, segundo a nova organização que foi dada às Municipalidade pelo Império na Lei de 1º/10/1828. A última eleição de “pelouros” foi realizada em 1º de fevereiro de 1828, sendo que os cidadãos escolhidos para eleitores receberam entre 14 e 9 votos, evidenciando a insignificância gritante da cidadania. A primeira eleição popular para a Câmara Municipal foi realizada em 19 de abril de 1829, segundo os ditames da Constituição e da nova lei sobre municípios, acusando 464 votos para o vereador mais votado e 263 para o menos votado dos 9 eleitos.

Após o alistamento realizado segundo o regime da Lei Saraiva, em 1881, Porto Alegre apresentava 1.250 eleitores na sede e 437 nos distritos rurais, num total de 1.687 eleitores. Sete anos depois, segundo um relatório presidencial de 1888, o município possuía 2.593 alistados. Graças à legislação republicana, que assegurou a nacionalização maciça dos imigrantes e direito de voto a todos os homens alfabetizados com mais de 21 anos, sem a exigência de limite mínimo de renda, o alistamento eleitoral de 1890 elevou para 6.156 os eleitores de Porto Alegre”.

Acima. Autor não identificado. Rua da Praia com a General Câmara. Reprodução.

Enchentes

Dos fenômenos naturais que atingiram a cidade, o que maior preocupação provocou nos vereadores foram as enchentes. Favorecidas ela posição geográfica à margem do Lago do Guaíba, desaguadouro de uma grande bacia hidrográfica, além do fato da cidade ter sido construída também sobre várzeas que separam os morros, os alagamentos foram constantes. Na ata de 26 de maio de 1824 da Câmara Municipal, os vereadores registram o fato de que uma enchente teria feito perder “a maior parte das plantações do tarde e ainda não colhidas, com feijões e milhos que se achavam em paióis” motivando os vereadores a proibir a saída de gêneros da cidade. Em setembro de 1833 uma grande enchente atingiu a capital. As atas de 12 e 16 de setembro desse ano registram a interrupção da passagem na Praia do Riacho (Hoje Washington Luís) e sobre os danos da antiga ponte do Riacho, que ficava junto à foz deste, defronte à embocadura da Rua General Auto. As atas de 24 e 27 de setembro de 1847 da Câmara Municipal também falam de uma nova enchente que, com grande correnteza, arrastara um trapiche novo construído para retirar água do rio na embocadura da Rua de Bragança e que causara danos também a ponte de madeira sobre o Riacho. Em 29 de julho de 1850, Franco afirma que “o encarregado de obras do município se obrigava a informar aos vereadores que a referida ponte se achava obstruída pela grande porção de galhos e aguapés que, descendo com impulso da enchente, ali haviam encalhado”. A maior e última das enchentes ocorreu em maio de 1941, com 22 dias de chuva em Porto Alegre.

A Câmara na Cidade 259/260

de https://metsul.com/como-o-climade-porto-alegre-se-transformouem-100-anos/ .

Evento do clima mais lembrado em Porto Alegre foi sua grande enchente de abril e maio de 1941 com as águas do Guaíba invadindo a cidade e alagando o Centro a ponto de barcos chegarem ao que é hoje o Largo Glênio Peres e a subida da Borges de Medeiros.

Sioma Breitman. Centro de Porto Alegre tomado pela enchente de 1941, a maior da história Acervo do MCSHJC. Sioma Breitman .Enchente de 1941. Acervo Farol Santander. Reproduzido

Epidemias

A reunião da Câmara Municipal de 24 de setembro de 1855 debateu a solicitação do presidente da Província, Barão de Muritiba, das providências possíveis de asseio público em decorrência da primeira epidemia que marcou Porto Alegre, a de cólera-morbo. Doença bacteriana infecciosa intestinal aguda, transmitida por contaminação fecal-oral direta ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados, provocou grandes preocupações dos vereadores na reunião de 25 de outubro de 1855. Os edis então determinaram a melhoria do recolhimento do lixo e realização de campanha de informação para a população através de quatrocentos folhetos distribuídos que divulgavam um método de tratamento e preceitos higiênicos “a fim de serem cortados neste município os estragos que nas províncias do norte está fazendo a epidemia”, assinalaram os vereadores. Depois de passar por Rio Grande, Pelotas e Jaguarão, a epidemia atingiu Porto Alegre de forma assoladora, produzindo cerca de 1.405 mortos ou 10% da população da cidade, vitimando escravos e população mais pobre que vivia em condições sanitárias deploráveis.

Segundo Franco, “no auge da pandemia, entre 19/11/1855 e 10/1/1856, a própria Câmara Municipal deixou de se reunir, apesar das circunstâncias da calamidade que exigiriam sua presença atuante. Em 11/11/1856, os vereadores determinaram várias medidas de higiene pública, inclusive a matança de cães vadios e seu imediato enterramento, e mais uma curiosa postura do teor seguinte: Fica proibida a venda de frutas de qualquer qualidade, inclusive os pepinos e milho verde, vigorando esta disposição enquanto a Câmara julgar conveniente”.

O surto encerrou-se em fevereiro de 1856. Pela ata de 1º de fevereiro de 1868, sabemos que foi aprovada outra postura proibindo o consumo de frutas verdes e a colocação de lixo na frente das casas à espera das carroças de recolhimento. Diz Franco que “as carroças se fariam anunciar por um toque de campanhia. Todas as casas deveriam ser caiadas internamente.”

A nova epidemia, agora de varíola, atinge a cidade de maio a julho de 1874. As atas de 13 de maio, 8 de junho e 16 de julho de 1874 apresentam várias soluções para seu combate, sendo a mais curiosa, segundo Franco, a de 2 de julho de 1874, quando os vereadores mandaram queimar alcatrão à volta da cidade “para desinfectar o ar”. As últimas epidemias que atingiram a cidade foram em 1918 a gripe espanhola e em 2020 a Covid 19.

Segundo Moacyr Flores "em novembro fecharam os cinemas, cassinos, teatros, bares. A Rua da Praia ficou vazia, o tráfego de bondes diminuiu e o silêncio era quebrado pelos uivos dos cães e pelo dobrar dos sinos das igrejas. Faltavam pão e leite, que eram distribuídos de casa em casa por entregadores em carroça. Os alimentos e a lenha, principal combustível da época, dobraram de preço. O limão, oquinino para baixar a febre, o óleo de rícino para limpar o doente internamente rarearam e encareceram. Até o frango que se criava no quintal das casas e servia para preparar a canja, alimento tradicional dos doentes, ficou com o preço nas alturas".

Autor não identificado.

Descansar no Litoral era um remédio. Acervo do MUHM

Autor não identificado.

Mercado Público virou um galinheiro

Revista Máscara / Reprodução

Expostos

A política de proteção as crianças abandonadas foi uma das primeiras medidas tomadas pelos vereadores quando o senado da Câmara se transferiu para Porto Alegre. Em sua primeira sessão fundadora de 6 de setembro de 1773, os vereadores “acordaram que porquanto se tinham exposto várias crianças enjeitadas pelas portas de alguns moradores da Capela de Viamão, e estes as iam entregar ao Procurador do Conselho para que, à custa destes, as mandasse criar, e porque se não podia nem vinha no conhecimento de quem as enjeitava, determinaram a todos que o Procurador do Conselho procurasse amas e as custeasse para criar os ditos enjeitados expostos, dando-lhe algum vestuário para se embrulhar as mesmas crianças e reparar a desnudez das carnes com que as expuseram, e porque, na forma da lei e costume da Vila do Rio Grande, assim o deviam fazer, mandaram fazer este acordo e nele formar os assentos dos mesmos enjeitados, seus nomes e de quem os cria e oquanto se lhe dava por mês”.

Franco assinala que este foi o início da assistência social à crianças abandonadas na capital. Assim, o pagamento das amas das crianças expostas tornouse o maior encargo do erário da Câmara. Em 15 de dezembro de 1821, os vereadores reclamam de seus parcos recursos dizendo “a grande pobreza desta Câmara, que nem tem dinheiro para se pagar os enjeitados que estão a cargo dela, aos quais se devem avultadas quantias, a ponto de não haver quem tome conta destes miseráveis, tão recomendados pelo paternal amor de Sua Majestade”.

Autor não identificado. Local onde ficava a Roda dos Expostos, ao lado da capela do hospital. Acervo Santa Casa.

A Câmara na Cidade 263/264

Na ata da Câmara de 1 de setembro de 1830, os vereadores tentaram transferir o encargo dos expostos para a Santa Casa de Misericórdia, onde estava a Roda dos Expostos, mas a instituição recusou alegando a falta de recursos “mas que se lisonjeava de que viria o tempo em que a Santa Casa pudesse encarregar-se e despender boa parte de sua caridade com os mesmos expostos”. Isso só foi possível em 1º de julho de 1837, quando a instituição assumiu os encargos após receber a substancial dotação do governo da Província. Essa nova responsabilidade assumida pela Santa Casa implicou também que a Câmara Municipal passasse a entregá-la todo o rendimento dos terrenos devolutos recebidos em 1824 do governo provincial para a criação dos expostos. “Tão logo a Santa Casa assumiu o encargo em 1838, logo reclamou para si os terrenos devolutos; os vereadores resistiram durantes alguns anos; mas a lei de 1848 encerrou o assunto de modo favorável às pretensões da Santa Casa”, finaliza Franco.

Acima. Autor não identificado. Luciana de Abreu, enjeitada. Acervo Museu Júlio de Castilhos. reproduzido de https://commons. wikimedia.org/w/index.php?

curid=70562623

Ao lado. Autor não identificado. Imagem do local que recebia as crianças na Roda dos Expostos. Acervo Santa Casa.

Acima. Autor não identiificado. Roda dos expostos. Reproduzido de https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/67207/ 000872693.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Guarda Municipal

Na sessão de 5 de setembro de 1844 da Câmara Municipal, os vereadores nomeiam quatros guardas municipais, ato decorrente do novo Regulamento da Praça do Mercado, com a função específica de policiar internamente o primeiro mercado público recém construído. Depois, a Guarda Municipal foi regulamentada na República pelo Intendente Alfredo Azevedo, passando a chamar-se Polícia Administrativa.

Acima: Autor não identificado. Guarda Municipal acompanha o prefeito José Montaury e o governador Júlio de Castilhos na rua Uruguai, final do século XIX. Acervo da Guarda Municipal.

Ao lado: Autor não identificado. Guarda Municipal Venerato Antonio Santo Moraes, ingressante em 08/12/1928. Filho de Venerato Borges de Moraes, possuia 21 anos e era solteiro. Reproduzido Acervo Claudia Mauch.

A Câmara na Cidade 265/266

Indústria

Franco assinala que foi tardio o desenvolvimento industrial de Porto Alegre. No século XVIII, naquela que foi denominada Era do Trigo, existiam moinhos de vento para beneficiamento do produto e da produção local. Na própria Praça da Matriz o autor assinala a existência de engenho de moagem de trigo e milho de Antônio José Alencastre, em 1786, de Antônio Martins Barbosa que existiam nas imediações da parte alta da Rua Barros Cassal demolidos para a defesa da cidade durante o sitio farroupilha.

Desde cedo os vereadores tinham preocupação com a qualidade de vida na cidade. Por isso, diz Franco que “a Câmara Municipal, ciosa de defender a pureza do ar, criava embaraços à implantação de fábricas de cola, de sabão, de velas, de óleos vegetais, de fumos, e de beneficiamento de Couros”. Segue-se por esta razão diversas iniciativas de proteção ambiental que foram também obstáculos a indústria nascente: em 7 de novembro de 1860 os vereadores proibiram a instalação de uma fábrica de sabão de Antônio José Teixeira dentro dos limites da cidade; em 16 de novembro de 1861 os vereadores indeferiram outro pedido de Souza & Teixeira para arrendar 100 palmos de terreno em quadro do outro lado da Ponte do Riacho para estabelecerem uma fábrica de velas - local distante de qualquer aglomeração populacional e em 10 de outubro de 1863, os vereadores multaram João José Martins de Lima por manter fábrica de sabão dentro dos limites da cidade.

A ofensiva dos vereadores contra os industriais, entretanto, não significou que outras manufaturas não se instalassem na cidade. Em 1860 os vereadores concederam licença para Benjamin Martinez de Hoz “montar uma máquina a vapor para beneficiamento de erva-mate, entre as Ruas Conceição e Senhor dos Passos, em terrenos dos herdeiros de Coronel Vicente”. Em 12 de janeiro de 1861 os vereadores autorizaram Eduardo Hoenes a manter uma fábrica de velas dentro dos limites urbanos, o que não aconteceu com Souza e Teixeira. Em 18 de janeiro de 1862, a Câmara autorizou Manoel Joaquim de Azevedo, Rafael Inácio Alves, João José de Faria, Manoel Joaquim Lopes e José Francisco da Silva Porto Alegre, carpinteiros, a continuar com seus barracões de construção naval nos terrenos marginais do rio pertencentes a Câmara Municipal, que lhes cobra aluguel.

Nas atas da Câmara Municipal de 29 de setembro e 13 de outubro de 1883, surge um nome fundamental da indústria da cidade: Emmerich Berta apresenta proposta aos vereadores para a empreitada de conserto dos portões do mercado, colocação de bandeiras de ferro e fechadura de segredo. Sua indústria se torna uma grande produtora de cofres, fogões e câmaras a partir 1873. Para todas as empresas que vieram se afixar na cidade neste período, o fato limite era o fornecimento de energia elétrica, problema que só veio a ser solucionado no início do século XX.

Autor não identificado. Fábrica de pregos João Gerdau ,1901. Acervo André Prati.

A Câmara na Cidade 267/268

Limpeza Pública

A Câmara Municipal cuidou pela primeira vez da remoção do lixo urbano em 2 de julho de 1829 determinando aos munícipes o enterro imediato dos depósitos de lixo nos próprios terrenos dos proprietários ou a sua remoção para cinco lugares pré-determinados. Cita Franco:

“o meio da Praça do Paraíso (atual Praça 15); o lugar da Várzea, perto da casa velha que serviu de matadouro; o charco da Rua da Figueira (hoje Coronel Genuíno), junto ao Riacho; o lugar destinado para a praça nova, entre a propriedade de sobrado de José Antônio Ribeiro e o Pelourinho (ou seja, entre a travessa Araújo Ribeiro e a Frente das Dores) e o lugar da Praça da Forca, que é a atual Praça Brigadeiro Sampaio, no início da Rua dos Andradas”. A delimitação desses locais teve resistências e na ata de 10 de setembro de 1830 os vereadores indicaram que o Rio, desde o Caminho Novo até a embocadura do Riacho, seria o novo destino. Essa solução não foi a melhor, já que em 5 de setembro de 1834, a Câmara expede novo edital para chamar empreiteiro que se encarregasse da limpeza da cidade, o que não teve pretendente. Então, a Câmara assumiu o serviço, adquirindo uma carroça e duas juntas de bois, ajustando uma ou duas pessoas para recolher os entulhos, mas ainda assim, mais uma vez, ninguém quis o encargo.

Os vereadores então determinam aos fiscais do lado oriental e ocidental da Rua General Câmara, que com presos da cadeia passam a executar o serviço. Em 2 de julho de 1835 a Câmara pediu 12 presos ao presidente da Província, acompanhados de guarda e, no dia 10 de julho de 1837, mandou adquirir doze carrinhos de mão para execução do serviço. Durante a Revolução Farroupilha o problema se agravou porque nem sempre era possível lançar o lixo para fora das trincheiras. Os vereadores elaboraram postura dispondo de novos locais à margem do rio para depósito do lixo e penas para quem desrespeitasse a determinação. Em 23 de setembro de 1839, o Vereador Antônio Rodrigues Ferreira, então presidente da Câmara, relata o estado de sujeira da cidade “com crescido número de animais mortos e imundície acumulada nos lugares a isso destinados”. Em 24 de novembro de 1842, os vereadores aprovam as bases do primeiro contrato de empreitada para remoção de lixo com José Carvalho de Miranda Júnior pela quantia de 300 mil réis anuais, mas Franco afirma que “não tardou que sua eficiência fosse questionada e, desde 1843, oempreiteiro se considerou despedido pelo município, conforme ata de 13 de janeiro de 1844”. O vereador Lopo Gonçalves, na reunião da Câmara Municipal de 27 de outubro de 1845, em função da

Autor não identificado. Praça da Alfândega limpa, 1930. Reproduzido Acervo site Antiga Porto Alegre.

vinda do Imperador Dom Pedro II “resolveu que de hoje em diante se ordene aos habitantes da Cidade, para que mandem varrer as frentes de suas casas, ajuntando o lixo em um monte no meio de sua testada para ser apanhado por uma carroça, que a Câmara vai mandar transitar pelas ruas para esse fim, devendo ser varridas as testadas das 6 às 7 horas da manhã”.

Em 1849, os vereadores já gastavam cento e tantos mil reis com o recolhimento do lixo, segundo o que afirma o Procurador da Câmara na ata de 6 de março de 1849, muito mais que os 300 mil reis que gastava em 1842. Na sessão de 27 de setembro de 1851, o Vereador Dr. Flores já estabelecia a relação entre o lixo da cidade e as condições de higiene da população afirmando que “na estação atual, em que ocalor úmido, acelerando a putrefação das matérias suscetíveis desta alteração, facilita a formação e desenvolvimento de miasmas”, o que tornava necessária uma incessante vigilância sobre o asseio. Na ata de 29 de dezembro de 1853, os vereadores resolveram que os despejos de fezes se fizessem em pontos fixados dentro d’água, diante da notícia de epidemia de escarlatina em Pelotas e Rio Grande. Depois, em novembro de 1855, durante a epidemia de cólera-morbo, os vereadores determinaram que o lixo urbano e as dejeções fossem removidas para as ilhas fronteiras em barca normalmente utilizadas em transporte de animais, que só terminou em janeiro do ano seguinte.

Em 20 de novembro de 1856, os vereadores aprovam uma resolução determinando regras para higiene urbana, como a lavagem de roupa dos hospitais somente, além da Ponte do Riacho. Ciscos e entulhos só deveriam ser lançados “no meio da Várzea”, o que é o centro do Parque Farroupilha e o material fecal devia ser despejado junto ao Guaíba. Em 2 de março de 1859, Franco estranha a determinação de as carroças devessem só limpar as praças e praias e não as ruas pois, segundo a postura, “é dever dos moradores terem limpas as testadas de suas casas, conforme dispõe o art. 23 das posturas”.

Cândido Faria(ilustração). A coleta dos excrementos, publicado em O fígaro, Porto Alegre, 1879. Acervo MCSHJC.

Em 27 de março de 1873, os vereadores aprovam uma postura que obriga “os moradores da cidade a depositarem em vasilhas o lixo de suas casas nas portas, no verão até as seis horas e no inverno até às oito horas da manhã, a fim de serem conduzidas pelas carroças de limpeza”. Essa regra foi alterada depois em 5 de março de 1881 pelo vereador Leopoldo Masson, quando decretam que não seria mais permitido colocar caixões com o lixo nas ruas por muitas horas e que os moradores deveriam atender ao toque de sineta na passagem das carroças para levar seu lixo à rua.

A Câmara na Cidade 269/270

Em 1886, é contratado o empreiteiro dos serviços de recolhimento do lixo com Camilo José Mendes Ribeiro, que recebe licença para fazer depósito de lixo na chácara de Cândido Antônio Lopes, no Bom Fim. A Câmara, que atendeu o pedido, estabeleceu que o lixo deveria ser queimado todas as noites com oemprego de pixe e recoberto com uma camada de terra.

Em 1887 os vereadores escolhem outro lugar para depósito de lixo, a parte baixa do logradouro da várzea, numa vala de dois metros de profundidade por dois de largura aberta paralelamente e fechada sucessivamente, o que terminou sendo impugnado pela Junta de Higiene Provincial, deixando a várzea de ser local de deposito de lixo e voltando a ser lançado no litoral, além da ponte do Riacho. Em 1888, o presidente da Província Joaquim da Silva Tavares, Barão de Santa Tecla, comunicou aos vereadores a abertura do crédito de 10:400$000 para a construção de um forno incinerador para o lixo, projeto do engenheiro Luiz Augusto Pereira de Campos, instalado na Rua Sans Souci, hoje Professor Freitas e Castro. A Câmara regulou o serviço de recolhimento de lixo até 1898 com contratos de empreitadas particulares, quando então o Intendente José Montaury municipalizou definitivamente o serviço.

Acima: Autor desconhecido. Joaquim da Silva Tavares, o Barão de Santa Tecla (1830- 1900). Reproduzido wikipédia.

Abaixo: Autor desconhecido. Vista do Bom Fim, região que abrigou depósito de lixo. Acervo Prati.

Matadouros

Segundo Franco, um dos primeiros equipamentos públicos que a Vila de Porto Alegre teve foi um abatedouro para o gado de consumo da população. O equipamento foi tratado pelos vereadores nas reuniões de 17 e 27 de janeiro de 1798, quando “resolveu-se mandar fazer um telheiro ou casa coberta de telhas e com repartimentos para evitar o molhar-se a carne do açougue, quando se mata o gado” e também fazer “pregão para fazer-se uma casa para guarda da carne do açougue, coberta de telha e com madeiras de lei, que há de ter 50 palmos de comprido e 35 palmos de largo e 12 palmos de alto, com pilares de tijolos”. Esse matadouro público funcionou até 1824 em Frente à Várzea nas proximidades da Rua Avaí, quando precisou ser deslocado devido ao aumento de habitações em sua proximidade.

O Juiz de Fora Doutor Caetano Xavier Pereira de Brito, então presidente da Câmara Municipal, propôs então que o terreno pertencente a Fazenda Pública e conhecido por Potreiro Nacional, fosse arrendado a Junta da Fazenda Pública para nele se instalar o matadouro público. Erigido em 1825 no então chamado Potreiro da Várzea, hoje imediações da Rua Venâncio Aires entre a Rua Lima e Silva e Praça Garibaldi, funcionou sem interrupção até o início da Revolução Farroupilha. Com o sitio, as matanças de gado tiveram de passar para dentro das trincheiras, na Praça do Estaleiro do Caminho Novo, a atual Praça Rui Barbosa.

Abaixo : Autor não identificado. Antigo "matadouro de Pedras Brancas em Guaíba. Reproduzido de https://memoriadrops.blogspot.com/2013/01/oantigo-matadouro-de-pedras-brancas-em.html

A Câmara na Cidade 271/272
Acima: A. Henschel & Cia. Caetano Xavier Pereira de Brito. Coleção Francisco Rodrigues do Acervo da Fundação Joaquim Nabuco.

Em 7 de janeiro de 1877, o vereador Amaya de Gusmão “esclarece que o matadouro de Santa Teresa, depois de várias vezes oferecido à venda, não encontrara compradores até José Joaquim de Assunção assumir o seu arrendamento em 9 de setembro de 1886, pelo período de quatro anos e com opção de compra por 9 contos de réis. Franco diz que a partir de 1913 a cidade perde seu monopólio de abate de gado para consumo, o que passa a ser feito na região do Vale dos Sinos.

A Câmara na Cidade 273/274
Pedro Weingartner. Carreteiros gaúchos chimarreando. Reproduzido Wikipedia

Em 22 de novembro de 1841, a Câmara Municipal recebe oficio do presidente da Provincia exigindo informações sobre matadouro estabelecido por Inocente José Rodrigues no Porteiro da Várzea, na Azenha. Em 1946, a Câmara Municipal propôs a Fazenda Nacional sua aquisição por permuta por terreno do município de fronte a Rua da Praia, onde estava o Arsenal da Marinha, para ter domínio do Potreiro Nacional. A permuta só foi realizada em 11 de junho de 1873, pela centralização excessiva da administração do império.

Quando isso aconteceu, sequer o matadouro público estava lá. Em 1869, já havia desabado a construção, transferida para a Chácara do Ourique junto à Praia do Morro Santa Teresa, segundo a ata de 29 de dezembro de 1869 e foram concluídas em 1 de maio de 1872 dois estabelecimentos de abate. A falta de estradas dificultou seu desenvolvimento, ficando apenas outro, localizado em Pedras Brancas, abrigando o gado de abate para Porto Alegre.

Autor não

identificado. Carreteiros e Carroças no Campo da Redenção, próximidades do atual Colégio Militar, década 1900.

Reprodução

Acervo André

Fonte: Arquivo

Histórico RS.

Lunara. Porto Alegre, sesta de Carreteiros, década 1900.

Acervo Jungues/Acervo André Prati.

Colégio Militar

Foi a Câmara Municipal que autorizou o estabelecimento militar na várzea na Resolução de 8 de abril de 1884. O ato foi objeto de críticas e discussões. Meses depois foi indeferindo, em sessão de 12 de novembro de 1884, o pedido da escola para construir gradis de ferro na frente e nas duas faces laterais do edifício pois os terrenos adjacentes eram logradouro público. A escola foi então fechada em decorrência da Guerra Civil de 1893 e reaberta em 1912 como Colégio Militar de Porto Alegre.

Autor não identificado. Escola de Guerra,origem do atual Colégio Militar. Reproduzido do site

Porto Alegre de Antigamente

A Câmara na Cidade 275/276

Pelourinho

Segundo Franco o pelourinho, monumento simbólico da autonomia municipal, não deixou vestígio material na cidade, mas sua existência ficou registrada nas atas da Câmara de 12 de setembro de 1865, quando os vereadores responderam ao presidente Visconde de Boa Vista que “não existia edificações deste tipo na cidade”. Para Franco, se não existiam na data, existiam antes, já que na vereança de 23 de novembro de 1782 os vereadores deliberaram “que se mandasse vir padrão da cidade do Rio de Janeiro, conforme a ordem do Doutor Ouvidor”. O ouvidor em questão era Doutor Manoel Pires Querido Leal, que mandou a Câmara Municipal erguer o padrão representativo de sua autonomia, o pelourinho, o que foi repetido na vereança de 26 de maio de 1784. Quando foi instalada solenemente a vila de Porto Alegre em 1810 por ordem do Ouvidor Doutor Antônio Monteiro da Rocha “foi necessário contratar o pedreiro Jacinto José para aprontar um pelourinho, para o que se autorizou, na vereança de 14 de dezembro de 1810, o pagamento de 177$780”, finaliza Franco.

Autor não identificado. Pelourinho da Igreja das Dores. Acervo Prati.

As referências ao pelourinho continuam nas atas da Câmara Municipal quando, na Resolução de 24 de abril de 1833, os vereadores pedem, entre outras providências necessárias devido a construção da nova cadeia pública “a transferência do pelourinho para um outro lugar pois ficava em frente à entrada da cadeia”.

Autor não identificado. Porto Alegre derruba o seu pelourinho colonial. Reproduzido de https:/ /profciriosimon.blogspot.com/2 010/06/arte-em-porto-alegre05.html

Casa da Pólvora

A casa da pólvora foi um depósito de munição de Porto Alegre, cidade sede da província marcada por atividades militares, havendo registros de sua existência desde 1773. Foi na sessão de 27 de julho de 1831 que a Câmara Municipal, após a segunda casa da pólvora da cidade ser atingida por um raio e explodir, que os vereadores decidiram que o melhor local seria a Ilha das Pedras Brancas, hoje conhecida como Ilha do Presídio. Mas demorou para ser construída a nova casa da pólvora e os vereadores revelaram ao Barão de Caxias sua preocupação num eventual novo acidente a terceira casa da Pólvora foi então construída numa ilha do Guaíba em frente ao porto cedida por Israel Soares de Paiva pelo presidente Sinimbu.

Autor não identificado. Casa de pólvora. Reproduzido de https://commons.wikim edia.org/w/index.php? curid=68218098

A Câmara na Cidade 277/278

Autor não identificado. Cartão Postal Editado por João Mayer e Cia. Reproduzido de https://www.bvcolecionismo.lel.br/peca.asp?ID=14123262&ctd=4&tot=&tipo=&artista= .

Teatro

Em 7 de janeiro de 1837, os vereadores revelam preocupações com as ruinas da antiga Casa da Opera, teatro existente na atual rua Uruguai onde está hoje o Banco Meridional e que, como era uma construção precária, pau-a-pique, logo foi destroçada pela enchente de 1833. Em 12 de janeiro de 1938 a Câmara solicita ao Juiz de órfãos as providências para sua demolição, já que o pertencia o imóvel a herdeiros órgãos. A pesquisadora Ana Luiza Koehler dedica especial atenção ao Beco da Ópera em sua pesquisa, especialmente sua presença na crônica literária do século XIX.

Ana Luiza Koehler (1977) é uma quadrinista e arquiteta brasileira que trabalha como ilustradora desde 1993. Em 2015 publicou o romance gráfico independente Beco do Rosário, que fala sobre a modernização de Porto Alegre na década de 1920 através de história ficcional de Vitória, uma jovem que vive na área do Beco do Rosário e sonha em ser jornalista, fundamentado na dissertação de Mestrado cujo tema era as mudanças urbanas naquela região.

Autor desconhecido. Beco da Ópera (Atual Rua do Uruguai), também chamado de Beco do Porto dos Ferreiros e Rua do Comércio. Fonte: Pesavento (1993), reproduzido de https://www.analuizakoehler. com/becodorosario/beco-da-opera-rua-uruguai/

A Câmara na Cidade 279/280

Telefones

Em 22 de janeiro de 1884 a Câmara Municipal recebe proposta de José Joaquim de Carvalho Bastos e Luiz Augusto Ferreira de Almeida que propõem a instalação de rede telefônica na cidade, o que foi aprovada em 7 de março do mesmo ano e o contrato condicionado à aprovação pela Assembleia, o que foi feito em 23 de dezembro de 1885.

Em 9 de setembro de 1886, a empresa União Telefônica comunica a Câmara Municipal que adquiriu os privilégios dados à Luiz Augusto Ferreira de Almeida e que estava prestes a iniciar o serviço instalando uma central na esquina da Rua Riachuelo com Rua General Câmara, onde hoje é o prédio da Biblioteca Pública, em 15 de setembro de 1886. O serviço iniciou com 72 assinantes

Autor não identificado. Porto Alegre, Companhia Telefônica Rio-Grandense no início do século XX. Acervo Prati.

Autor não identificado. Companhia Telefônica localizada no prédio de esquina da Rua Riachuelo, final séc. XIX.

Reprodução: acervo site Fotos Antigas do RS

A Câmara na Cidade 281/282

Transporte Coletivo

Em 1863 a Câmara Municipal recebe proposta dos empresários Estácio Bittencourt e Emílio Genbembre de implantação de trilho de ferro sobre o qual se deslocaria um carro com capacidade para vinte pessoas. Chamado à época pelos cronistas de “maxambomba”, seu trajeto teria sido inaugurado até o Cemitério da Azenha em 1º de novembro de 1864, mas o trecho teria durado pouco tempo. Pela que diz a ata da Câmara Municipal de 14 de outubro de 1864, vê-se que os concessionários tiveram problemas com os vereadores, pois foram proibidos de construir regos paralelos aos trilhos, o que seria, segundo estes, “obstáculo ao trânsito de cavaleiros e veículos”. Dado o insucesso, estabeleceu-se então a Cia. Carris de Ferro Porto-Alegrense, com linhas de bondes puxados a burro.

Acima: Virgílio Calegari. Primeiros dias de circulação dos bondes elétricos em Porto Alegre, 1908. Reprodução: fonte wikipédia.

Ao lado: Autor não identificado. O primeiro ônibus de Porto Alegre, 1926. Reprodução Fonte wikipedia.

Viação Férrea

O contrato para a construção da estrada de ferro

Porto Alegre-São Leopoldo, assinado pelo Presidente da Província, foi uma dor de cabeça para a Câmara Municipal porque não foram fáceis as relações entre oempreiteiro da ferrovia e os vereadores. Diz Franco “certamente que o município não favoreceu a implantação de sua primeira estrada de ferro. Em primeiro lugar, opondo-se a utilização da Rua Voluntários da Pátria para alocação dos trilhos, depois negando o terreno solicitado para a estação, mais além fazendo exigências rigorosas quanto a conservação da Rua Voluntários da Pátria. Em todos os momentos, foi o governo provincial que socorreu oempreiteiro, não raro enfrentando os protestos dos vereadores ".

Continua Franco: "Primeiro o empreiteiro John Mac

Givenity pediu a Câmara Municipal o terreno de esquina da Rua Conceição com Voluntários da Pátria para construir a estação, pedido negado pelos vereadores na sessão de 26 de abril de 1870 “porque odito terreno seria de logradouro público e necessário ao aformoseamento da cidade”, só cedendo após intervenção do presidente da Província e ampla negociação, anotada em ata de 20 de setembro de 1872." Ocorre que, registra Franco, em julho do mesmo ano os vereadores já negaram licença para construção de um barracão na Rua Voluntários da Pátria para alojar material ferroviário que estava chegando de Liverpoll “por ser terreno de uso comum do povo”.

Álbum Edmundo Becker. Trem passando pelo Clube de Regatas na Avenida Praia de Belas, início do século XX. Acervo AHRS/Acervo André Prati

A Câmara na Cidade 283/284

Em 1873, os novos vereadores eleitos voltaram atrás na deliberação anterior que liberara os terrenos da marinha para construção da estação ferroviária em 17 de janeiro de 1873. É que haviam protestos dos moradores contra a implantação de trilhos em suas ruas, mas o presidente da Província, contrariando a Câmara Municipal, autorizou seu assentamento na Rua Voluntários da Pátria. O vereador Martins de Lima “afrontado pelo autoritarismo do presidente, apresentou um projeto de resposta em tom de protesto”, diz Franco.

A Câmara estava disposta a enfrenta o empreiteiro Mac Givenity e em maio de 1873, indeferiu outro requerimento seu de desocupação de terreno para estação dos depósitos de material, como também acolheu as reclamações dos moradores de Gravataí e às vésperas da inauguração, concedeu licença apenas para construir uma plataforma provisória de madeira para recebimento de passageiros, desde que demolisse quando determinasse a Câmara Municipal. Sem ter autorizado alinhamento definitivo e marcação de altura da soleira, somente em 31 de março de 1874, duas semanas antes da inauguração, a câmara deferiu a inauguração da estrada “com a ressalva de ficar garantido o direito da Câmara de reivindicar aquele terreno mediante a ação cabível, e desde que a companhia mandasse nivelar e aterrar a rua em toda a sua extensão, visto que o assentamento dos trilhos a destruiria completamente”. Após sua inauguração, cessaram os conflitos da Câmara com a empresa.

não identificado. Estação de trem do centro de Porto Alegre. Acervo André Prati

Autor não identificado. Estação de trem da Tristeza Acervo André Prati. Autor

As câmaras municipais no longo

caminho dos séculos XIX e XX

Passado o capítulo seis de Os donos do poder, de Raimundo Faoro, em que os relatos da organização municipal são muitos, nas páginas seguintes apenas há indícios que permitem reconstruir a trajetória dos parlamentos locais. É verdade, no entanto, que a política é um elemento central dos capítulos de sete à quinze, – e, portanto, de todo o segundo volume –, com a descrição da organização partidária brasileira e, com ela, a organização dos interesses no Congresso Nacional. Quer dizer, Faoro passa a maior parte da obra oferecendo referências que podem ser úteis para interpretar o papel do Poder Legislativo, mas não o faz diretamente. O que é um problema para a análise da história das câmaras municipais, ainda que uma sinalização importante do autor seja feita sobre a da influência que elas recebem do poder político nacional e das assembleias provinciais. Vejamos como isso se dá.

Faoro (1975) afirma que o início do século XIX foi marcado pelo fato de que os senhores de terra encontravam nas câmaras de vereadores um lugar de sobrevivência: “Os senhores territoriais refugiam-se nas câmaras municipais, freados, limitados e dominados pela falsa autonomia das vilas distantes. Sua influência política será quase nula, no exercício de cargos municipais manietados, sem que as suas decisões alcancem a sede das capitanias ou os corredores da corte”.

As câmaras, junto com os latifúndios e a corrente que vinha dos campos e dos sertões, perdiam poder num momento de ascensão do liberalismo. É o contexto do século XIX: queda das exportações, colapso do ouro, retraimento do setor agrícola e do tráfico. Na reorganização da estrutura social, afirma Souza (2001) que

A Câmara na Cidade 285/286

“mais uma vez, ficavam excluídas as classes pobres, os agregados e dependentes que gravitavam em torno do fazendeiro”. A estrutura política continuava baseada na burocracia, que agora se nacionalizava, e no absolutismo, que respirava ares liberais. Prova é a Constituição de 1824, que assegurava direitos individuais e políticos, sem tocar no problema da divisão do poder com os cidadãos – a soberania é nacional, não popular, defende Souza. O Estado era liberal na aparência e absolutista no conteúdo, controlando as províncias através da nomeação de seus presidentes.

A ascensão do liberalismo no século XIX teve uma repercussão importante para a organização política local.

A esse respeito, Faoro (1975) destaca: “Para o Brasil, as ideias importadas, a revolução aclimatada, significam a modernização das instituições políticas, com o aniquilamento do residual e subjacente estatuto colonial, mal eliminado no sistema do reino unido e na corte absolutista, empecilhos à expansão das virtualidades do país emancipado, sinônimo de país livre. O mandonismo dos capitães-generais sufoca os anseios da nascente aristocracia agrária, status aspirado pelos senhores territoriais. O poder que lhes interessa não será o dos municípios, reduzidos à impotência e ao silêncio, mas o mecanismo das chefias das unidades maiores, as capitanias, futuras províncias, com os instrumentos militares das milícias e ordenanças e das tropas de linhas. Entre as câmaras municipais e as juntas governativas, entre o núcleo local e a circunscrição geral, forma-se, na primeira hora, um elo de solidariedade e proteção recíproca, que em 1822 incorpora, na cabeça da conspiração, o príncipe D. Pedro.”.

O projeto regencial, segundo Souza (2001), foi dar andamento à ideia de descentralização, à necessidade de abrir comunicações políticas com as forças locais, os municípios e as províncias, o que seria realizado pelo Códi-

go de Processo Penal (1832) e pelo Ato Adicional à Constituição (1834). O café ascendeu economicamente, o Estado reforçou o patrimonialismo, conduzindo a política centralizadora através do estamento burocrático, articulado em torno do Senado do Império. Diz Faoro (1975): “o eleito seria, na verdade, a expressão do influxo provincial, com a conivência e o entendimento das câmaras municipais, num momento em que a parte mais popular e atuante das juntas refletia, sobretudo no sul, a face brasileira do liberalismo”. É um sistema que, segundo FAORO (1975) “procurará manter a igualdade sem a democracia, o liberalismo fora da soberania popular”. Foi o que aconteceu no momento da Constituinte, quando, por exemplo, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro enviou às demais câmaras municipais pronunciamento aclamando o imperador. O detalhe do conflito foi mencionado por Faoro: “Exigia a imprudente circular que o imperador, ao ser aclamado, jurasse ‘guardar, manter e defender a constituição que fizesse a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa' ".

Enquanto descreve o processo que levou à Carta Outorgada de 1824, Faoro mostra que esse momento correspondeu a uma mudança de estratégia da corte política brasileira, que passava a ter o controle do governo por meio do parlamento, em lugar da direta apropriação da soberania. A história política brasileira começava a ser a da luta de dois grandes partidos: o liberal e o conservador. O primeiro, comprometido com a ideia de soberania popular; o segundo, defendendo que o rei reina, governa e administra, com base no Conselho de Ministros e no Senado. Adiante, Faoro destaca: “A democratização do poder será outro capítulo, adiado para o novo século. Entre o rei e o parlamento, entre um rei despojado do poder executivo e um parlamento soberano, um traço de união governa, dirige, comanda e, sobretudo, muda de orientação sem que o povo sinta: na quintessência do

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sistema parlamentar, no estilo apurado pelo século XIX, há o“disfarce, mecanismo capaz de deslocar a luta política das ruas e das antecâmaras do palácio imperial, fazendo supor a continuidade do governo, sob a permanência do Rei” , finaliza Faoro (1975).

Mas não é o tipo de partido que chama a atenção, mas o fato de ser uma estrutura bipolar que organiza a vida política: nossa vida política começa a ser organizada segundo a lógica “do um contra o outro”, reminiscência ainda pode ser ouvida no interior dos debates políticos atuais, que a Câmara Municipal hoje se esforça em superar. No passado, não foi apenas uma posição do espectro político em relação ao governo, a relação governo/oposição, pois tratava-se de um número reduzido de vereadores que exerciam executivas, legislativas e judiciárias na Câmara Municipal de Porto Alegre: o que observamos era antes o jogo do governo local x regional representado na relações do senado da Câmara com o presidente da Província e a Assembleia Legislativa Provincial; dos interesses dos cidadãos comuns, que a Câmara se esforçava por atender na defesa de serviços públicos e do espaço público, com os interesses das elites, sempre voltadas para seus próprios interesses individuais e utilizando, muitas vezes, o poder do presidente da Província. Nesse sentido, a luta pelo espaço público foi um traço mais característico das origens do Legislativo da capital, a defesa intransigente dos vereadores do que é público e que se fez presente em sua sala de sessões, nas deliberações transcritas em suas atas e que transformou, desde suas origens, o plenário como o espaço do contraditório, da luta dos contrários e, daí, lugar de uma espécie de jogopolítico.

Entre as demais características que Faoro destaca na relação da Câmara Federal com o rei está o papel do poder moderador. Junto com o Poder Executivo, salienta Faoro, é confiado ao imperador um poder que define a

sua supremacia, deixando aos ministros a resolução dos detalhes da administração: “O imperador não é, entretanto, o Poder Moderador, nem o poder Executivo: ele é o chefe dos dois poderes, colocado acima deles, por obra da nação [...] cedendo até certo ponto, o movimento que as maiorias que dominam nas Câmaras imprimem aos negócios” .

Faoro fala em câmaras referindo-se às municipalidades, e estabelece, assim, o primado do Executivo sobre o Legislativo municipal; o Executivo tem se caracterizado, desde então, pela força de “anular a Câmara”, esta, a dos Deputados, única segundo Faoro (1975) apta “a desfazer ministérios e condensar a maioria que fará o governo”. Eleições eram obras do partido no poder e, a partir de então, as câmaras estaduais passaram a ser maciçamente controladas por um partido. Havia uma subordinação que se estendia do nível político local ao nível estadual (assembleias de representantes) e ao nível nacional (Câmara de Deputados). Faoro demonstra a árdua relação constituída entre a Câmara dos Deputados e o imperador, seja na determinação dos componentes do gabinete, seja na própria realização do processo eleitoral, “porque nem há país constituinte, nem país constituído [...] a eleição, tomada no sentido moderno, se desfigura e se dilui nos pressupostos minoritários, rigidamente circunscritos a camadas tradicionalmente limitadas”. Visto de baixo, as preocupações da Câmara Municipal de Porto Alegre nesse contexto parecem reduzidas: orientar o comportamento da população na visita do soberano, arrumar a cidade para a visita de uma autoridade, entre outras atribuições. O motivo é que havia muito o que fazer na capital para envolver-se nos debates políticos do império. Mas seria o parlamento local indiferente à política nacional durante o império?

A resposta à pergunta é não. Ela pode ser vista no proces-

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so eleitoral descrito por Faoro, uma página à parte de sua análise. As bases foram fixadas pelas instruções de 1824, que vigem até 1842. Uma dessas bases se localizava no município, onde uma mesa paroquial era o fundamento de toda a política imperial. A eleição era, por isso, primária e “sucedia a eleição secundária, com distinção dos votantes dos eleitores”. As atas da Câmara de Porto Alegre registram os dados de seu processo eleitoral, o número de eleitores e seu cadastramento. Do ponto de vista do argumento do autor, as eleições organizavam-se mais pela disposição dos funcionários do que pelas aspirações do presidente de Província. O papel da bancada liberal do Rio Grande do Sul seria um destaque na Câmara Federal, aponta Faoro. Naquele momento, final do século XIX, recuperava-se o papel da educação, e diz Faoro “o caminho da nobilitação passava pela escola”. Não seria também uma educação política dos cidadãos?

O enfoque nos municípios, na obra de Faoro, somente ocorre no capítulo quatorze. São mais de cinco capítulos nos quais o autor se concentra na análise das características do liberalismo político, sua harmonização com o interesse dos senhores de terras e o nascimento de uma ideia de soberania popular, deixando de lado as instituições políticas. Os novos instrumentos do patrimonialismo da segunda metade do século XIX são listados pelo autor, agora “em favor das unidades federadas plantadas sobre o café” (SOUZA, 2001). É a ênfase na análise do processo modernizador, mais econômico do que político, absorção, num só impulso, do patrimonialismo e do capitalismo: o “núcleo modernizador acabou, assim, por cair no controle dos particulares consagrados estadualmente”. No Rio Grande do Sul, com sua economia subsidiária e, principalmente na capital, com sua organização tardia, os aspectos de desenvolvimento econômico centralizaram-se no desenvolvimento da cidade como canal de escoadouro

econômico do Estado.

Nesse processo que termina com a instauração da República e constitui a passagem para o século XX, que aqui não é tratada, os militares tiveram um papel importante, mais do que o Congresso e o aparelho burocrático. A política dos governadores se consolidou e as decisões políticas passaram acima do eleitorado, “passivo e inconsciente na soberania das atas falsas e das eleições a bico de pena” (FAORO, 2001). O poder era só para os políticos e para os estados. A relação era autoritária com os municípios. Na futura política de presidentes, pouco interessava o Legislativo, e muito menos os órgãos políticos municipais, é o que se conclui da leitura do segundo volume. O momento em que Faoro volta a mencionar os municípios (capítulo quinze) é para soldar esta engrenagem: as dos municípios “a chave do controle político estará na compressão eleitoral, como sempre, não necessariamente sanguinária, mas com o sacrifício da autonomia municipal [...]. A qualificação dos eleitores, a tomada e a apuração dos votos seriam confiadas às autoridades municipais, com supremacia do Presidente da Câmara ou Intendência Municipal. Cativo o município, sob intervenção, o governador, na realidade, torna-se o chefe do processo eleitoral, nomeando todos os representantes da nação, por ato próprio ou sob inspiração do Rio de Janeiro.” (FAORO, 1975).

A República nasce com um município escravizado à política nacional. A vida política local foi reorganizada com o nascimento de um Executivo municipal – nasce a figura do intendente, antecessor do prefeito –, por outro lado, Faoro registra o ponto central de valorização das câmaras com o advento da República: “Os Estados, nas suas constituições, estariam livres para organizarem os municípios, na feição que melhor lhes parecesse [...]. O Art. 68 da Constituição de 1891 – “os estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto

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respeite seu peculiar interesse” – será a porta aberta ao comando estadual sobre os municípios, com a nomeação dos prefeitos (superintendentes, intendentes), a designaçãointerina deles, bem como outros mecanismos de interferência estadual”.

Assim, a história das câmaras municipais no Brasil do século XIX é a história de uma tutela. Durante todo o período colonial e após com o Império, deram-se não somente as bases da atuação das Câmaras Municipais, mas as da nascente República. Se a tutela das Câmaras Municipais era a regra política geral, perceber nos atos dos vereadores como eles reagiam a ela permite ver a sua luta pela autonomia, pelos interesses locais. Nesse caminho, que esta obra tentou desenhar, afirmamos que essa tutela não era direta, mas negociada, produto de lutas entre os vereadores e o desejo do poder central. Não era seu privilégio, já que também os intendentes seriam subordinados aos interesses estaduais e nacionais a partir do final do século XIX, mas um ato significativo da história política local. Esse movimento de tutela, como diz Faoro, evidencia o imobilismo político municipal, que “transforma nossas escolas primárias de civismo nesse espetáculo de inércia, de passividade e indiferença”. Teria afirmado o mesmo se Faoro conhecesse a historia da Câmara Municipal de Porto Alegre?

Vereadores e cidadãos no cotidiano da Câmara Municipal

Virgílio Calegari. Personalidades da vida portoalegrense não identificados. Acervo MJJF.

A compreensão de como era a vida no Senado da Câmara durante o século XIX passa por uma antropologia da política, uma maneira de olhar a instituição e seus atores que ultrapassa os domínios dos gestos e ações políticas propriamente ditas e requer analise do modo de ser dos homens que construíram a cidade ao longo do tempo, ou ao menos, daqueles que deixaram seus traços registrados nos documentos oficiais ao mesmo tempo em que devemos examinar suas contribuições na história da capital. Esses personagens foram importantes para a Câmara, viveram situações e processos sociais e uma forma de fazer sua leitura é procurar saber quem eram e o que fizeram que chamou a atenção dos vereadores, num esforço de, quem sabe, chegar a características das relações de identidade que produziram ao longo do tempo. São personagens que se envolveram em situações da dinâmica urbana e legislativa, que estavam no cruzamento de diversos interesses e situações da cidade, indicadores do que era viver na Porto Alegre no século XIX. Compreender a Câmara Municipal do ponto de vista de seus atores é colocar-se sobre seus ombros, olhar a cidade a partir de pessoas que a fizeram e a viveram. Cada ator social vivenciou situações cotidianas da cidade em sua relação com a Câmara, participou de fato anedótico ou sério nos espaços da vila, o que nos dá um acesso antropológico a como era a vida do lugar sob o impacto de uma instituição política. Nunca chegaremos a descrever as experiências daqueles personagens que viveram suas situações em relação à Câmara e a cidade mas podemos ter, no máximo, acesso a algumas informações e formular alguns sentidos, espécie de etnografia à distância que não nos permite ir muito além do que o próprio material histórico nos fornece. Mas é um nível elementar que não deve ser desprezado porque ele caminha para revelar as relações interpessoais e mostra uma cidade heterogênea onde as relações políticas eram plenas de significações.

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Isso pode ser feito porque a opção de pesquisa nas cidades adequa-se tanto ao passado quanto ao presente. Focada nas margens da cidade, em lugares de grande precariedade no plano social e material, estes cidadãos fazem parte justamente daqueles grupos que lutam por equipamentos e acesso aos serviços públicos, são intermediários ou não de processos sociais, exatamente como hoje são os atores sociais em relação ao legislativo. Nesses nossos antepassados desconhecidos, cada citadino tem no passado uma ancoragem social mínima, uma vida social que transparece nas atas da Câmara e revelam detalhes de seu cotidiano. Por isso sempre foram importantes para os vereadores o cuidado com as ruas, pois era ali que havia o espaço de relações sociais. São relações que vão da família, vizinhança e trabalho em direção à função pública, em direção aos legisladores, os vereadores. Elas podem revelar formas de solidariedade ou clientelismo, confiança ou resistência, mas sempre revelam suas redes com a política. Elas tornam a cidade familiar. Vemos emergir sociabilidades masculinas e femininas, entre proprietários e seus herdeiros. A cidade se torna por seu olhar um espaço de convivência e de troca ou de competição e luta?

O vereador doido

Luís Inácio Pereira de Abreu (1777-1885) foi vereador desde 1805 e passou a Juiz Ordinário, presidindo o Senado da Câmara em 1807. Figura singular, era chamado de Luís Doido, segundo o cronista Pereira Coruja, em suas Antigualhas, pois mandara um alfaiate cortar sua barba, entre outras excentricidades. Carregou, por dias um cartaz pendurado nas costas com os dizeres: "Eu também sou Luís, também posso ser juiz", provavelmente colocado por jovens ou desafetos da vila.

Chamado também de Luís da Ladeira pois morou na Rua da Ladeira (General Câmara), segundo outro cronista, Manoel Antônio de Magalhães, ele governava a Vila “à maneira dos Paxás da Turquia, chegando a ter grossos grilhões nas suas escadas para atemorizar os povos, e os que vinham à sua casa com barba mais crescida lhe mandava fazer pelo barbeiro, tirar os capotes dos que entravam na sua casa de capote, fazendo pagar dívidas com violência”.

Em nenhum outro ano como o de 1807, ano de sua vereança, tantas pessoas foram presas por ordem da Câmara. Em janeiro do ano seguinte, os juízes ordinários, vereadores e procurador, segundo Franco, declararam-no inábil para o exercício do cargo de almotacé da Câmara Municipal que lhe tocava, dado o que praticará como juiz. Sentença do Rio de Janeiro em seu favor permitiu que ele desempenhasse funções de vereador ainda por muitos anos, antes e depois da Independência, além de procurador, almotacé, entre outros cargos da Câmara. Segundo Franco, “é possível que os abusos e excessos de 1807 decorressem de sua juventude, pois não teria senão 30 anos. As numerosas funções que depois desempenhou sem demérito de certo modo o reabilitam”, finaliza. Franco tem razão: os vereadores também são vítimas de sua psicologia, de seu modo de ser, para o bem e para o mal. Foi uma das vítimas da epidemia de cólera-morbo de 1855.

Pedro José de Almeida

Pedro José de Almeida, homônimo do famoso Pedro Boticário, foi pessoa de relevo social que foi escolhido para ser tesoureiro da Câmara Municipal. Este também era boticário, jornalista e político, e assumiu em 7 de dezembro de 1831 como suplente de vereador com atuação destacada, apresentando denúncia contra Silvestre de Souza Telles por estar pretendendo usurpar uma área da Praça da Alfândega, ali construindo um trapiche ou coisa semelhante. Segundo Franco, ele também apresentou na Câmara um projeto de “casa de correção com trabalho” para substituir a cadeia então existente.

Almeida, depois de assumir como juiz de paz em 1834, no ano seguinte foi escolhido pela Câmara Municipal para substituir o Juiz Municipal Vicente Ferreira Gomes, que alegara doença. No período que sucedeu ao 20 de setembro de 1835, foi tribuno exaltado, conhecido pela alcunha de “Vaca Braba”, por desejar a deportação dos portugueses suspeitos à causa liberal. Após a retomada da cidade pelos legalistas, foi preso e recolhido a barca Presiganga, junto com Bento Gonçalves. Anistiado, retornou a Porto Alegre. Sua figura mostra que bons vereadores são defensores da justiça que muitas vezes cometem excessos em seus discursos de tribuna.

Autor não identificado. Barcas junto ao Porto. Acervo Prati.

Luiz Afonso de Azambuja

Luiz Afonso de Azambuja (1826-1894) exerceu cargos municipais e foi Tesoureiro de Ausentes, participando na vida política de Porto Alegre. Foi vereador em várias legislaturas, a começar em 1857 e presidente da Câmara em várias ocasiões segundo Franco. Personalidades como ele mostram que, para alguns cidadãos, a vida política era trabalho de uma vida. Por essa dedicação, a Câmara Municipal o prestigiou ainda em vida denominando a Rua Luiz Afonso em sua homenagem. Ele não parou, tendo, ao final da carreira, participado da Junta Municipal em 21 de novembro de 1891 pelos seus feitos, não apenas pela doação a municipalidade do trecho inicial da Rua Santana, o que de fato foi um ato importante, como também por ter sido secretário da Praça do Comércio.

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Autor não identificado. Ponte da Rua Santana.O trecho inicial da rua foi doação de Luiz Afonso Azambuja. Acervo Prati.

Felicíssimo Manuel de Azevedo

Felicíssimo Manuel de Azevedo (1823-1905) foi dentista, jornalista e político da cidade. Escrevia no jornal A Federação e foi o primeiro vereador portoalegrense ligado ao Partido Republicano, empossando-se na Câmara em janeiro de 1887. Foi Azevedo que defendeu na cidade famosa moção plebiscitária aprovada em São Borja em 1888 que propunha que um terceiro reinado fosse submetido a plebiscito nacional, o que fez de forma solitária e foi derrotado, exonerando-se do cargo, vindo a pós a proclamação da República integrar a primeira Junta Municipal e seu presidente.

Autor não identificado. Jornal A Federação, onde escreveu Felicíssimo Manuel de Azevedo. Reproduções respectivamente de https://bemblogado.com.br/site/jornal-afederacao-1884-1937-da-abolicao-a-republica/ e de https://bemblogado.com.br/site/jornal-afederacao-1884-1937-da-abolicao-a-republica/

Lopo Gonçalves (1800-1872) foi um comerciante português que participou ativamente da vida da cidade e por mais de uma vez integrou a Câmara Municipal de Porto Alegre, tendo sido vereador titular eleito em oitavo lugar, com 297 votos, para o quadriênio de 1833-1836. Furtando-se a colaborar com os insurgentes, requer licença da Câmara em 13 de outubro de 1835 por três meses para ir para Rio Grande para banhos de mar por motivo de saúde. Em 1844 voltou a ser eleito vereador com 352 votos em quinto lugar na ordem dos eleitos. O vereador fundou em sua casa, em 14 de fevereiro de 1858, a Praça do Comércio, entidade que deu origem a Associação Comercial de Porto Alegre, bem como do Banco da Província do Rio Grande do Sul. Como vereador e articulador de classe, revela que atuar na política já era visto como um objetivo de classe social, especialmente das elites detentoras de poder

Autor não identificado. Casa de Lopo Gonçalves, antes da reforma que originou o museu. Reproduzido de https://brechodesaberes.fil es.wordpress.com/2015/10 /foto-7308f.jpg

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Manoel José de Campos

Em 7 de abril de 1840 a Câmara Municipal recebe o diploma de Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro da turma de 1839 de Manuel José de Campos, que teve destacada vida comunitária. Campos elegeu-se vereador entre 1841 e 1844, e suplente, em 1860. Sua figura revela que, como hoje, o recrutamento parlamentar dá-se em diferentes profissões, e a classe médica, além de alcance social, tinha alcance político na cidade. Isso era importante por outro lado, porque com uma formação sólida, os vereadores adquiram base maior para lutar por políticas públicas de saúde na cidade.

Autor não identificado. Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se formou Manuel José de Campos. Reproduzido de https://100anos.ufrj.br/ufrj_gallery/faculdade-de-medicina/

Joaquim José de Carvalho

A ata de 30 de junho de 1829 da Câmara Municipal faz referência a Praça do Portão na zona central, de forma triangular, hoje localizada entre as ruas Duque de Caxias e Riachuelo. A indicação era relativa a autorização para Joaquim José de Carvalho demarcar um terreno na primitiva entrada da Vila. Segundo o cronista Aquiles Porto Alegre, que a conheceu antes de ser urbanizada “ali se localizavam três figueiras bravas de folha miúda, que davam uma nota pitoresca àquele recanto. Parecia uma ponta de mato à beira da estrada”.

Franco assinala que o cronista destaca que nas origens das árvores plantadas estava o vendeiro José Canteiro, estabelecido na esquina da Rua Dr. Flores: “grande parte dos seus fregueses eram moradores dos subúrbios e vinham efetuar as compras a cavalo. Para que os animais ficassem à sombra e não expostos ao rigor do sol, o Canteiro, previdente como era, tratou logo de plantar aquelas árvores abençoadas, que abriram as frondes nos ares como enormes para-sóis”. A necessidade de arborização do local foi percebida pela Câmara e o vereador José Antônio Rodrigues Ferreira fez aprovar pelos vereadores um requerimento no sentido de sua arborização, entre outras praças.

Na ata da sessão de 6 de setembro de 1873 os vereadores deliberaram mudar o nome da Praça do Portão para Praça General Marques em homenagem ao Tenente-General Manoel Marques de Souza, o Conde de Porto Alegre. A praça ainda exigia melhorias e em 16 de junho de 1884, foi constituida comissão de melhoramentos e arborização da praça, constituída pelo Dr. Ramiro Barcellos, Sebastião Lino de Azambuja e João do Couto e Silva. Em 7 de janeiro de 1887, ao entregar a Presidência da Câmara, o vereador Amaya de Gusmão informava a seus pares que o ajardinamento fora completado em 1886.

Autor não identificado. Reprodução do antigo portão que cercava a cidade. Reproduzido de https://www.matinaljornalismo.com.br/rogerlerina/agen da/palestra-relembra-a-epoca-em-que-porto-alegre-erauma-cidade-cercada/

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João Rodrigues Fagundes

Foi Vereador titular da Câmara Municipal em dois períodos, entre 1845-1848 e 1873-1876. Nascido em Porto Alegre em 1811 e morto em 1882, diplomou-se em Direito em São Paulo em 1836 e advogou em Porto Alegre a partir de 1839, quando seu nome surge no rol de bacharéis consultados para assumir a função de juiz substituto. Foi provedor da Santa Casa e reconhecido por sua extrema dedicação aos hospitais e enfermos.

Autor não identificado. Academia de Direito paulista instalada no Largo de São Francisco onde formou-se Fagundes, no velho convento datado do século XVI e cujas respectivas igrejas ainda existem e onde estudou João Rodrigues Fagundes. Reproduzido de https://direito.usp .br/historia ehttps://apd.org.b r/a-historia-e-otempo-daacademiapaulista-dedireito/

Inácio de Vasconcelos Ferreira

Inácio de Vasconcelos Ferreira (1838-1888) foi poeta, contista, cronista e secretário da Câmara Municipal a partir de dezembro de 1861 até sua morte. Secretário de grande versatilidade, foi membro de várias sociedades teatrais e da sociedade Partenon Literário, além de redator do Jornal do Comércio e do Jornal A Reforma.

Inácio José Filgueira

O vulto Inácio Músico, mestre de música e organista da Matriz N. Sra. da Madre de Deus, era morador da Rua Formosa (hoje Duque de Caxias) e sua filha era afilhada do Governador Veiga Cabral da Câmara, que teve problemas com os vereadores. A ata de 30 de maio de 1807 registra que ele foi vítima das arbitrariedades do Juiz Ordinário Luiz Inácio Pereira de Abreu, da Câmara, que mandou prender “o mestre de cerimônias Inácio José Filgueira por não acompanhar como devia a procissão de Corpus Christi".

Vários registros da Câmara após em 1818 o registram como escolhido para a música de procissões e outras cerimônias religiosas. Seu nome pode ser visto entre os que compareceram a uma vereança extraordinária em 1821 para dar solidariedade ao governador João Carlos Saldanha. No ano seguinte, compareceu a Câmara em 9 de outubro de 1822 para oferecer gratuitamente seus serviços e de outros professores de música “para toda a solenidade de Aclamação” do Imperador Dom Pedro I.

https://br.pinterest.com/pin/226728162461697034/
Autor não identificado. Rua Formosa (Atual Duque de Caxias), onde morou Inácio José Figueira. Reproduzido de
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Autor não identificado. Pedra Fundamental da Sociedade Partenon Literário. Reproduzido de https://commons.wikimedia.org /w/index.php?
curid=70533510

Luís da Silva Flores

Médico humanitário e líder comunitário, Dr. Flores registrou seu diploma de médico pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro perante a Câmara Municipal de Porto Alegre em 3 de dezembro de 1844, ano em que fora eleito o mais votado vereador pela primeira vez. Ele esteve nas vereanças de 1845-1846 e 18491853, tendo sido várias vezes o presidente da Casa.

Afastou-se em 1846 para assumir o cargo de deputado provincial. Médicos como bacharéis eram frequentemente integrantes do senado da Câmara, não apenas por seu conhecimento mas pela capacidade eleitoral. A importância da profissão para cidade, fazia, por outro lado, os demais vereadores importantes fiscais de sua diplomação para evitar a proliferação de charlatães e curandeiros na cidade.

Antônio Cândido de Menezes. Dr. _Luiz. da Silva Flores. óleo sobre tela, c. 1887. Acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli.

Paulo José da Silva Gama

Paulo José da Silva Gama (1779-1826), barão com grandeza de Bagé, foi um militar e político brasileiro. Doou à Câmara Municipal a grande área da chamada Várzea do Portão, onde mais tarde se implantou o Parque Farroupilha, além da Várzea do Gravataí onde se instalou o Aeroporto Salgado Filho, além de ter sido responsável pela abertura do Caminho Novo (Rua Voluntários da Pátria). Manteve relações estreitas com os vereadores por sua iniciativa de calçar diversas ruas.

Autor não identificado. Paulo José da Silva Gama, Barão de Bagé. IN: José Jansen, teatro no Maranhão (até o fim do século XIX), Rio de Janeiro, s/d.

Reproduzido de https://www.p asseidireto.co m/arquivo/47 547305/teatro -nomaranhaojose-jansen

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João e José Pinto da Fonseca Guimarães

João Pinto da Fonseca Guimarães nasceu em Porto Alegre em 1838 e morreu em 14 de dezembro de 1907. Fazendeiro e político ligado ao Partido Liberal, coronel da Guarda Nacional, foi vereador da Câmara Municipal por dois períodos. Filho do também vereador Coronel José Pinto da Fonseca Guimarães, natural de Barra do Ribeiro e radicado em Porto Alegre, onde foi vereador de 1858 a 1868, participou da construção do Mercado Público. A presença de grandes proprietários indica que a elite que compunha o recrutamento político era tradicional e ligada mais a riqueza do que a títulos acadêmicos. O fato de que políticos deixavam seu cargo para seus descendentes também revela que o capital político famíliar já se transferia aos filhos no século XIX.

A cima. Autor não identificado. José Pinto da Fonseca Guimarães. Reproduzido de https://ancestors.familysearch.org/en/9 F7Y-W6K/coronel-jo%C3%A3o-pinto-dafonseca-guimar%C3%A3es-1838-1907

Ao lado: João Pinto da Fonseca Guimarães, c. 1884. Óleo sobre tela, Pinacoteca Aldo Locateeli. Reproduzido de https://commons.wikimedia. org/wiki/File:Ant%C3%B4nio_C%C3%A2 ndido_de_Menezes__Jos%C3%A9_Pinto_da_ Fonseca_Guimar%C3%A3es,_1884.jpg

Juízes de Fora

O Senado da Câmara pleiteou pela primeira vez a nomeação de um Juiz de Fora para a vila de Porto Alegre em 7 de julho de 1798 “os juízes de fora, além da tarefa de presidir a corporação municipal, eram bacharéis em Direito e, onde quer que fossem nomeados, ocupavam o lugar e as atribuições dos juízes ordinários, ou juízes da terra, que eram leigos e de eleição popular” diz Franco.

O pedido é feito de novo em 22 de junho de 1808 e os vereadores são atendidos no ano seguinte, em 27 de maio de 1809, quando então é nomeado o desembargador Luís Correa Teixeira de Bragança como Juiz de Fora, cargo que tomaria posse dois dias depois. Isso era reconhecimento do crescimento da importância da cidade, já que o Reino só nomeava juízes de fora para municípios de maior importância, onde o movimento judiciário o justificasse ou a população pedisse um juiz de confiança do rei “Desde que assumiu, passou a presidir a Câmara de Porto Alegre, cargo em que se manteve até 1813”, finaliza Franco.

Entre 1813 e 1833, ano em que o cargo desapareceu, a Câmara teve os seguintes Juizes de Fora: Domingos Francisco Pereira d’Andrade (22/2/1813), João Maria de Sales Carneiro de Mendonça Peçanha, que tomou tome em 24 de maio de 1817 e licenciou-se entre 1819 e 1820; Caetano Xavier Pereira de Brito (18201825) e Manoel José de Araújo Franco (1832-1833). O cargo deixou de existir por causa do Código de Processo Criminal de 1832 e, como desde 1829, as câmaras foram reorganizadas e tiveram separadas suas funções administrativas e judiciais, os magistrados deixaram de presidir a corporação municipal.

Autor não identificado. Código de Processo Criminal de 1832, que põe fim aos juízes de fora em Porto Alegre. Reproduzido de https://www.migalhas.com.br/tudo -sobre/codigo-de-processocriminal

Autor não identificado. Caetano Xavier Pereira de Brito. Reproduzido de lhttp://digitalizacao.fundaj.gov.br/f undaj2/modules/visualizador/i/ult_ frame.php?cod=3053

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Antônio de Azevedo Lima

Antônio de Azevedo Lima (1836-1898) foi procurador da Câmara Municipal, tendo se aposentado neste cargo. É o segundo homônimo que teve projeção na Câmara, já que em 1836 se registra a existência de um fiscal da Câmara municipal da Zona Leste da cidade que faleceu em 28/8/1865. Foi um notável defensor do município frente as reivindicações dos terrenos da Várzea pelos herdeiros de João de Souza Machado, garantindo a vitória da câmara na luta pela preservação do parque. Foi membro da Junta Municipal, nome da Câmara Municipal após a República.

Autor não identificado. Os campos da várzea defendidos por Antônio de Azevedo Lima com o prédio do atual Colégio Militar ao fundo. Reproduzido de https://almanaquenilomoraes.blogspot.com/2017/07/hi storia-do-parque-farroupilha.html

Acima: Autor não identificado. Os campos da várzea durante a exposição de 1901.

Ao lado: Plano de João Moreira Maciel, detalhe da urbanização do Parque Farroupilha. Reproduzido de https://lproweb.procempa.com.br/pmpa/pr efpoa/smam/usu_doc/doc._eletr._smam__parque_farroupilha.pdf

José Martins de Lima

José Martins de Lima foi líder comunitário e Vereador. Falecido em 16 de dezembro de 1878, iniciou sua carreira como suplente em 18 de fevereiro de 1864 e, na legislatura seguinte, entre 1865 e 1868, assumiu como vereador titular. Na Legislatura de 1873-1876 retorna como vereador, sendo presidente em várias ocasiões, inclusive durante a enchente de 1873. Eleito para a legislatura de 1877-1880, faleceu durante o mandato. Seu nome foi dado à Praça Harmonia em 21 de dezembro de 1878 pois foi um dos responsáveis pela sua primeira arborização, entre 1864 e 1866 e a uma rua da Vila São José.

Capitão Francisco Pedro de Miranda e Castro

Capitão Francisco Pedro de Miranda e Castro desempenhou importantes funções municipais em Porto Alegre, especialmente como Procurador da Câmara. Seu filho, João Capistrano de Miranda e Castro foi advogado e político.

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Autor não identificado. Praça da Harmonia, denominada de Praça José Martins de Lima em homenagem ao vereador vista do alto da Igreja das Dores no início do séc XX. Fonte: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Reproduzido de Acervo Prati.
Cidade

Ouvidores

Ouvidores eram os juízes responsáveis pelas correições e por exercitarem os mais altos poderes de jurisdição no crime e civil, interferindo na administração local e muitas vezes ferindo os brios dos vereadores, juízes ordinários e outras autoridades municipais. É o caso de Dr. Manoel Pires Querido Leal, que efetuou correição na vila entre 1780 e 1783. Diz Franco: “o dr. Querido Leal, por exemplo, forçou os vereadores a reporem dinheiro que haviam gasto por conta da Câmara para usarem oluto oficial pela morte do Rei Dom José I. Também por sua exigência, precisou a Câmara diligenciar na abertura de novas fontes públicas, que o ouvidor considerou necessárias ao abastecimento de água potável à população da Vila.”

A este seguiu-se o Doutor Lourenço José Vieira Souto, que em novembro de 1798 pedia à Câmara de Porto Alegre aposentos para si e para seus oficiais “casa com cama, louça, mesa, fogo e lenha para os primeiros três dias”. A vereança de 6 de março de 1799 registra que ele solicitou “que se fizessem as calçadas das ruas desta vila, fazendo a Câmara a despesa que importar a calçada do meio”. Diz Franco que a primeira rua calçada foi justamente a do Ouvidor, e daí ser chamada por esse nome, conforme a vereança de 11 de maio de 1799. Franco diz que o nome Ladeira do Ouvidor ficou até 1870 no logradouro.

As atas da Câmara de 11 de maio de 1808 registraram um incidente entre o arruador da Câmara, Agostinho de Borba, que se queixou de haver sido ultrajado pelo Ouvidor Doutor José Carlos Pinto de Souza em razão de discordância quanto ao alinhamento da Rua Clara (atual General João Manoel) terminando por pedir demissão do cargo. Porto Alegre, em 1810, havia se tornado sede da Ouvidoria e por isso “precisou pagar de então em diante ao seu Ouvidor a “aposentadoria” anual de 40 mil réis, como ficou registrado na vereança de 16 de novembro de 1810.

Acima: Autor não identificado. José Lourenço Vieira Souto. Reproduzido de https://www.antonio ferreira .lel.br/peca.asp?ID=4127

Abaixo: Autor não identificado. Representação à Sua Majestade pedindo a aprovação da indicação de José Calos Pinto de Souza. Reproduzido de https://bdlb.bn.gov.br/acervo/browse? value=Souza,%20Jos%C3%A9%20Carlos%20Pinto% 20De&type=subject

Maria Emília da Silva Pereira

Nascida em Rio Pardo em1802 e falecida em Porto Alegre em 1788, Maria Emília da Silva Pereira, a Baronesa do Gravataí, herdou várias propriedades de seu marido e transformou em loteamento sua grande chácara, oficialmente autorizada pela Câmara Municipal e conhecida por Areal da Baronesa. A região ficou conhecida como lugar de fuga de escravos, e a baronesa, como uma mulher que exerceu grande poder sobre os vereadores.

Planta de Porto Alegre de Henri Breton, 1881 (Mapoteca do IHGRS). Em amarelo, a área aproximada do Areal da Baronesa, na edição de Ana Luiza Koeler. Reproduzido de https://www.analuizakoehler.com/becodorosario/o-areal-dabaronesa/

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Governador eficiente e enérgico que nasceu em 1735, em Portugal, Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda governou a Capitania de Rio Grande de São Pedro com o nome falso de José Marcelino de Figueiredo. Em sua segunda investidura foi o responsável pela transferência da Câmara de Vereadores de Viamão para o Porto dos Casais, dando status de capital a nova Vila de Nossa Senhora da Madre de Deus de Porto Alegre.

Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda Francesco Bartolozzi. Manoel Jorge Gomes de Sepúlveda. Reproduzido de https://commons.wikimedia.org/w/index.php? curid=53110170

Promotores Públicos

Havia no século XIX dois tipos de promotores na cidade. O primeiro, o promotor do júri especial, foi criado pela lei de 1823 para julgar delitos praticados através da imprensa. Em 3 de novembro de 1824, foi escolhido entre os vereadores o advogado Henrique da Silva Loureiro para o cargo. O segundo, entretanto, foi criado pelo Código de Processo Criminal de 1832, era o promotor público para representar o Ministério Público perante os juízos criminais ordinários. Estes eram escolhidos em lista tríplice elaborada pela Câmara Municipal e escolhidos pelo presidente da Província para o exercício de três anos, entre as pessoas com as condições exigidas para ser jurado “dando-se preferência aos que fossem instruídos nas Leis”, diz Franco.

Para estes cargos, a primeira vez que a Câmara indicou sua lista tríplice foi em 15 de abril de 1833, quando indicou para o cargo de promotor José Peixoto de Miranda, o Padre Francisco de Paula Macedo e o boticário e jornalista Pedro José de Almeida, conhecido como Pedro Boticário, último indicado que não aceitou a nomeação. Os vereadores então renovaram a indicação em 6 de maio do mesmo ano, apontando os nomes de Lourenço Júnior de Castro, sargento mor de 2ª linha e que serviu como escrivão e almotacel da câmara, Luiz Caetano José da Rocha e Francisco Tavares de Melo, conhecidos como “solicitadores de causas”. Castro foi escolhido e prestou compromisso em 11 de maio do mesmo ano, tornando-se o primeiro promotor público de Porto Alegre O promotor interino, José Joaquim de Alencastro, em 5 de dezembro de 1834, requereu aos vereadores o pagamento de custas das dozes causas em que trabalhou.

A tomada da cidade pelos farroupilhas trouxe problemas para a indicação dos promotores. A nova indicação feita pelos vereadores em 9 de novembro de 1835 durante o governo rebelde de Marciano Ribeiro foi anulada pelo presidente legalista José de Araújo Ribeiro. Nova lista foi elaborada em 12 de agosto de 1836 indicando David José da Estrela como promotor. A Câmara perdeu o direito de indicar a lista tríplice a partir de 1841, quando passou a ser escolha direta do presidente da Província. A partir de então diversos promotores foram escolhidos até o Ministério Público tornar-se estadual a partir da República com a criação da 2ª. Promotoria em 1893.

Acima: Autor não identificado. Marciano Ribeiro. Reproduzido de https://historiasgaucha.blogspot.com/2015/10/carta-de-bentogoncalves-marciano-p.html.

Ao lado: Autor não identificado. José de Araújo Ribeiro.Reprodução de https://www2.al.rs.gov.br/ memorial/PesquisasHist%C3 %B3ricasPrimeiraLegislatura/tabid/3464/language/ptBR/Default.aspx

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Dionísio de Oliveira Silveiro

Dionísio de Oliveira Silveiro (1802-1871) foi médico da cidade que foi impedido de exercer a sua profissão pela Câmara Municipal porque só possuía quatro anos de estudos em Medicina na Universidade de Coimbra. Os vereadores tinham uma comissão para examinar os diplomas, e como ele não tinha sido diplomado, ficou proibido de exercer a profissão. Franco sugere que ele deve ter regularizado sua situação tempos depois porque se tornou conhecido como bom profissional da área na cidade. Em 13 de março de 1854, possuindo uma grande chácara no Morro de Santa Teresa, recebeu autorização da Câmara Municipal para mudança do traçado do caminho que cortava suas terras, sendo sua sede um sobrado que sobrevive hoje no local, na Travessa Paraiso.

Autor não identificado. Solar da Travessa Paraiso. Por Editorial J from Porto Alegre, Brasil - Solar do Paraíso, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=45265195

João Batista Soares da Silveira

Na sessão de 16 de novembro de 1825 os vereadores passam provisão para João Batista Soares da Silveira servir no oficio de Aprovador de Testamentos da Freguesia da Aldeia (Gravataí), figurando como jurado na lista geral do município de Porto Alegre em 14 de janeiro de 1839 só dos moradores do 1º e 2º distritos da Capital. Foi empreiteiro dos vereadores em diversas obras municipais, como o aterro da Praça Paraíso e procurador de terceiros em cobranças do custo de aterros para a Câmara. Foi também empreiteiro da construção da Ponte de Pedra e do Prédio do Bailante, na Praça da Matriz, além do prédio da Casa de Correção.

Em 7 de janeiro de 1853 tomou posse como vereador até 1856, mas muitas de suas propostas terminaram rejeitadas pelos vereadores. Diz Franco que a razão da recusa é que eram “todas de sentido drástico, e algumas absurdas, como a que permitia aos proprietários de imóveis alugados fazer penhora de aluguéis devidos, diretamente através dos oficiais de justiça, independente de petição, despacho e mandato”, como ficou registrado na ata da Câmara de 12 de janeiro de 1853.

Não foi seu primeiro contratempo com os vereadores, já que depois tentou apropriar-se de campos da Várzea do Gravataí, em litígio que só terminou em 1866, com vitória da Câmara. Ficou conhecido pela construção do grande sobrado de Porto Alegre, o Edificio Malakoff, nome de uma fortaleza russa do tempo da guerra da Criméia (1855).

João Batista não podia reclamar da Câmara pois os vereadores autorizaram-no, em 9 de março de 1855, a reedificar sua Olaria na Rua Lima e Silva, dando-lhe alinhamento e segundo Franco, a fama de que possuía mil escravos nunca foi comprovado.

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Padre Tomé Luiz de Souza

A Câmara Municipal, em 3 de fevereiro de 1841, interveio a favor do Padre Tomé Luiz de Souza (17701858) para sua nomeação para a cadeira de vigário da Igreja Matriz da cidade. Os vereadores entendiam que o concurso desejado pela Cúria Diocesana do Rio de Janeiro deveria ser sustado porque não havia necessidade, já que Souza era professor de várias gerações da capital e venerado por todos na paróquia N. Sra. da Madre De Deus. Inclusive, em 6 de setembro de 1873, os vereadores dão o nome de Praça Padre Tomé à praça em frente à Igreja N. Sra. das Dores, que passa, depois de 1931, a chamar-se Avenida Padre Tomé.

Autor não identificado. Padre Thomé Luiz de Souza. Reproduzido de https://www2.al.rs.gov.br/m emorial/PesquisasHist%C3% B3ricasPrimeiraLegislatura/t abid/3464/language/ptBR/Default.aspx.

Autor não identificado. Catedral Metropolitana, para onde foi nomeado. Reproduzido de https://descobrindoportoale gre.blogspot.com/2010/10/p raca-da-matriz-fotosantigas.html

Manoel José de Freitas Travassos

Em 11 de dezembro de 1810, Manoel José de Freitas Travassos foi um dos signatários do Auto de Criação da Vila de Porto Alegre. Procurador da Câmara em 1812, segundo Franco contribuiu para um socorro extraordinário às finanças municipais. Lê-se na ata de 31 de março de 1830 que Travassos explorava charqueada na freguesia de Taquari, possuindo dois bergantis de transporte. Deu nome antigo à Rua General Paranhos, chamada de Beco do Freitas, onde morava.

Autor não identificado. Manoel José de Freitas Travassos. Reproduzido de https://supremohistorico.stf.jus.br/ index.php/image-06-13.

Clóvis Silveira de Oliveira. Mapa de Porto Alegre, de1840. Reproduzido de https://serqueira.com.br/mapas/poa.htm

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Joaquim Francisco do Livramento

Joaquim Francisco da Costa, mais conhecido como Irmão Joaquim (Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, 20 de março de 1761 – Marselha, 1829) foi um religioso brasileiro. Filho dos açorianos Tomás Francisco da Costa e de Mariana Jacinta da Vitória, em devoção à Nossa Senhora do Livramento trocou seu nome de família, passando a assinar Joaquim Francisco do Livramento. Dedicou a vida aos doentes e necessitados. Com o dinheiro de esmolas e doações, construiu, em 1789, o primeiro hospital de Santa Catarina voltado à caridade, hoje denominado Imperial Hospital de Caridade. Mais tarde, fundou hospitais em outras cidades brasileiras, como Porto Alegre. Foi ele que requereu, por indicação e em nome da Câmara Municipal, a autorização real para a Construção da Santa Casa de Misericódia, em Porto Alegre. A escolha dos vereadores foi acertada, obtendo, graças a experiência e nome do religioso, autorização. Foi incluído no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves pela Lei 13.623 de 15/01/2017.

Autor não identificado. Joaquim Francisco do Livramento. Reproduzido de https://static.ndmais.com.br/2018/01/ 8d3101dcd56166337ba48b3d3bdced14b5fd9687.jpg
Informações Técnicas
Autor não identificado.Vista Geral de Porto Alegre no século XIX. Acervo Prati.

Como este livro foi escrito

Não foi fácil escrever este livro. Em 21 de julho de 2022, abri o processo nº 016.00016/2022-21 no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Câmara Municipal de Porto Alegre com o objetivo de constituição da equipe de trabalho para elaboração da programação dos 250 anos de aniversário do legislativo. Por mais de 37 anos, me dediquei a educação e a cultura na Câmara de Porto Alegre, onde criei amigos e parceiros. Mas a câmara é uma instituição e tem lá suas características próprias. Ainda que tivesse como objetivo iniciar a pesquisa ainda naquele mês, percalços administrativos internos fizeram com que esta pesquisa só iniciasse em março de 2023. Isso trouxe problemas para a sua execução, que deixou de ser uma investigação exaustiva das Atas da Câmara Municipal de Porto Alegre até o século XX, meu objetivo inicial, que passou a ser a produção de uma obra rápida para as comemorações do aniversário da instituição. A decisão foi tomada em razão de que os prazos de lançamento, incluindo contratação da empresa para sua impressão, ficaram extremamente curtos. Isto reduziu o prazo de pesquisa para dois meses, três, se incluirmos sua diagramação e pesquisa de imagens. Isso, em termos de pesquisa, era contraproducente, mas foi o que aconteceu. Aqui dizemos: fazer do limão uma limonada! A escolha por uma obra fotográfica não foi a minha primeira opção, mas algo que se fez necessário pelo prazo, o mesmo valendo para o corte cronológico. Era isso ou nada. Cedi os direitos de publicação do capítulo relativo a história das Câmaras Municipais de minha tese de doutoramento Educação e Poder Legislativo, publicado pela Editora Clube dos Autores para esta edição. Simplifiquei o estilo acadêmico das citações, algo que também vai contra o meu método de trabalho em função da preferência da Casa por textos jornalísticos para facilitar a leitura por amplo público - esta é uma obra de divulgação - o que também não foi minha primeira opção como autor. Numacasapolítica,anegociaçãoéaartedonegócio.

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Adotou-se a língua portuguesa, ainda que, no meu projeto original, houvesse a previsão da tradução de seus textos para o inglês, espanhol, francês e alemão, o que também ficou impossível de realizar. Precisei também reduzir as referências detalhadas das imagens (foto original em vidro, albumem?, como saber?) pois o tempo de pesquisa seria impossível, mas fiz sem prejuízo da citação das fontes e/ou autores pois não foi possível o acesso a seus originais, mas apenas suas reproduções nos acervos disponíveis na internet. As próprias indicações do número da imagem no acervo do MJJF, de onde provieram a maior parte das imagens desta obra, dado importante para pesquisadores, foi eliminada para manter a unidade metodológica do conjunto de fotografias. Lamentamos por isso. Quaisquer omissões de autoria poderão ser corrigidas na próxima edição.

É que trabalhar em condições de limite e superá-las faz parte do cotidiano da Câmara. Todos os dias, vereadores e servidores aceitam o desafio de que não trabalhamos nas melhores condições, mas oferecemos nosso melhor para a cidade de Porto Alegre. A obra, se possui defeitos produto das circunstâncias de sua produção, também tem méritos não apenas por recuperar o trabalho dos vereadores no século XIX, mas pelo acréscimo de uma novidade: uma pequena história dos equipamentos públicos da capital. Ela tem o mérito de apresentar para o leitor uma visão contextualizada dos logradouros e demais equipamentos que surgem na cidade. A coleta de imagens, que fez-se a partir do acervos disponíveis na internet, como os notáveis acervos Acervo Prati, ou de grandes pesquisadores como Ana Luiza Koehler, entre outros, foi realizado porque quero que o cidadão conheça estes acervos, blogs e demais recursos da cidade que tem de história, notá-

vel trabalho no campo da história de Porto Alegre. Espero que este livro ajude em sua divulgação. Em se tratado de imagens de mais de 70 anos de publicação, tratam-se de imagens de domínio público. A vantagem do leitor é ter, pela primeira vez, de forma abrangente, uma visão da contribuição da câmara na geografia da cidade através das imagens daquele período em uma variedade que já estava disponível nas redes sociais. O que fiz aqui foi apenas reunir e creditar. Topônimos antigos foram destacados no texto para enfatizar o leitor, familiarizá-lo com os nomes antigos da cidade como defendia Franco, a quem esta pesquisa deve todo o seu conteúdo básico. Como se diz, subi sobre seus ombros e fiz algo diferente apenas no foco.

O leitor assim encontra três formas de leitura da obra: a primeira é individualmente por capítulo dedicado à cada logradouro; na segunda na sequência dos textos históricos e a terceira, a sequência dos textos de história dos equipamentos urbanos. Restará as novas gerações a produção da história do legislativo do século XX, empreitada assumida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul com seus pesquisadores do campo da Ciência Política, que prometem para breve em parceria com o legislativo o volume final de Eleições em Porto Alegre (1947-2020). Outros pesquisadores poderão se dedicar ao período intermediário que inicia em 1889, com o nascimento da Intendência Municipal e a redefinição do papel do parlamento até o ano de 1947, com os fluxos e refluxos da função parlamentar. A escrita da história da Câmara está longe de terminar, e a análise de sua contribuição está apenas começando.

Eventuais erros e omissões são apenas do autor, pelo qual peço desculpas. Boa leitura.

Jorge Barcellos

Historiador, Doutor em Educação, Coordenador de Cursos da Escola do Legislativo Julieta Battistioli.

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Bibliografia resumida

BARCELLOS, Jorge. Educação e Poder Legislativo. Joinville: Clube dos Autores, 2020.

BRESCIANI, STELLA e Outros. A aventura das palavras da cidade através dos tempos, das línguas e das sociedades São Paulo: Romano Guerra, 2014.

CARVALHO, José Murilo de. A construção da Ordem - a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CRUZ, Pedro Henrique Ermida. Expostos e farrapos : um estudo sobre a vida das crianças abandonadas na Santa Casa de Misericórdia durante o cerco farroupilha a Porto Alegre (1838-1843).Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Curso de História: Licenciatura, 2012. Disponível em https://lume.ufrgs.br/handle/10183/67207

FAORO, Raimundo. Os donos do poder. Rio de Janeiro, Editora Globo, 1975; 2001.

FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho Franco. Homens livres na Ordem Escravocrata. São Paulo: Ed. Unesp, 2002.

FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998.

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GIOTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Evolução da Teoria do Serviço Público. Reproduzido de https:// enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/40/edicao-1/ evolu cao-da-teoria-do-servico-publicoINSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO SUL. Cartografia Virtual Histórico-Urbana de Porto Alegre (CD-ROM). Porto Alegre, 2005.

MAUCH, Cláudia. Dizendo-se autoridade: polícia e policiais em Porto Alegre (1896-1929). São Leopoldo: Oikos; Editora Unisinos, 2017.

PORTO ALEGRE MODERNO (Autor não creditado). Porto Alegre, Editora Globo, s/d.

SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro. Brasilia: Editora da Universidade de Brasilia, 2000.

SOUZA, Célia Ferraz & MÜLLER, Dóris Maria. Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto Alegre: Editora Universidade/UFRGS, 1997.

SOUZA, Laura de Melo. Raymundo Faoro e os donos do poder. in: MOTA, Lourenço Dantas. Introdução ao Brasil.São Paulo: SENAC, 2001.

STUMVOLL, Denise& MENEZES, Naida. Memória visual de Porto Alegre, 1880-196. Acesso às imagens do Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Porto Alegre: Palloti, 2007.

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Fontes das ilustrações

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Acervo da Academia Paulista de Direito disponível em http://apd.org.br

Acervo do Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho disponível em https://ahpoa.blogspot.com/

Acervo da Biblioteca Nacional disponível em brasilianafotografica.bn.gov.br/

Acervo da Brigada Militar disponível em brigada militar.rs.gov.br

Acervo site Badejo - experiências culturais disponível em facebook.com/ badejoexperiencias?locale=id_ID

Acervo do site Bem Blogado disponível em bemblogacom.site

Acervo site Boa e Bela Vida disponível em boaebelavida.blogspot.com

Acervo de Celso Martins Cerqueira disponível em serqueira.com.br/

Acervo da Centro de Documentação e Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre disponível em chcsantacasa.org.br/conteudo/arquivohistorico/

Acervo Digital do Museu Joaquim José Felizardo (MjJF) disponível em facebook.com/museudepoa

Acervo da Fundação Joaquim Nabuco disponível em digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/

Acervo da Guarda Municipal de Porto Alegre disponível em https://www2.portoalegre.rs.gov.br/smseg/default.php? p_secao=24

Acervo Grupo Porto Alegre de Antigamente. Site organizado por Vanessa Alexandre disponível em facebook.com/groups/2872876876262366/

Acervo do Instituto Moreira Salles disponível em ims.com.br

Acervo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul disponivel em Ihgrgs.org. br

Acervo da Justiça Federal no Rio Grande do Sul. Disponível em www.memoria.jfrs.jus.br

Acervo do Jornal Belém Novo disponível em belemnovo.com.br

Acervo do Museu da História da Medicina disponível em muhm.org.br/acervos

Acervo Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa (MCSHJC). disponível em musecom.com.br/ Acervo Nilo Moraes disponível em almanaque nilomoraes.blogspot.com

Acervo do Mosteiro das Carmelitas de Porto Alegre disponível em rmascarmelitas.com.br

Acervo do Palácio Piratini disponível em palaciopiratini.rs.gov.br/acervo

Acervo Prati – Fotos Antigas disponível em https://prati.com.br/fotosantigas e facebook.com/ fotosantigas

Acervo Professor Sérgio da Costa Franco disponível em sergiodacostafranco.com.br

Acervo Porto Alegre Antiga disponível em flickr.com.br e cidady.blogspot.com

Acervo da Pinacoteca Aldo Locatelli disponível em pinacotecaspoa.com/aldo-locatelli

Acervo do Supremo Tribunal Federal disponível em supremohistorico.stf.jus.br/

Acervo do site Descobrindo Porto Alegre disponível em descobrindoportoalegre.blogspot.com/

Acervo do projeto Beco do Rosário, de Ana Luiza Koehler, disponível em https://www.analuizakoehler.com/ becodorosario/

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Copyright:

Câmara Municipal de Porto Alegre

Escola do Legislativo Julieta Battistioli

CRÉDITOS:

Organização:

Jorge Barcellos e Lúcio Almeida

Concepção, pesquisa, texto, revisão e diagramação: Jorge Barcellos

Os textos da presente obra são produto da pesquisa do autor e as imagens foram reproduzidas dos acervos de instituições públicas e privadas em sites de divulgação na internet e foram devidamente identificadas quanto a origem das reproduções. Foram feitos todos os esforços de contato com eventuais detentores de imagens de acervos particulares para as devidas cessões de uso quando ao caso, como também foram devidamente identificadas seus autores.

A ELJB agradece o envio de quaisquer correções e sugestões a presente obra para o e-mail escola @camarapoa.rs.gov.br para futuras atualizações.

As informações e imagens desta obra podem ser reproduzidas desde que citada a fonte da respectiva autoria.

Os capítulos históricos foram cedidos pelo autor de sua obra Educação e Poder Legislativo.

A apresentação interna dos verbetes dos logradouros não obedece a ordem alfabética por necessidade de design gráfico. Versão on-line da presente obra encontra-se disponível para download em escola.camarapoa.rs.gov.br

O autor agradece a todos os servidores da Casa envolvidos em sua produção e a todos que, de uma forma ou de outra, colaboraram na produção desta obra.

Esta obra é integrante da programação de 250 anos da Câmara Municipal de Porto Alegre, sendo de uso público, gratuito e educativo e não pode ser comercializada.

Mesa Diretora - 2023

Vereador Hamilton Sossmeier (PTB) - Presidente

Vereador Moisés Maluco do Bem (PSDB) - Primeiro VicePresidente

Vereadora Cláudia Araújo (PSD) - Segunda Vice-presidente

Vereador Alvoni Medina (REP) - Primeiro Secretário

Vereador Airto Ferronato ( PSB) - Segundo Secretário

Vereadora Lourdes Sprenger (MDB) – Terceira Secretária

Vereador Aldacir Oliboni (PT) - Quarto Secretário

Vereadores da Câmara Municipal de Porto Alegre –Gestão 2021-2024

Airto Ferronato (PSB)

Aldacir Oliboni (PT)

Alvoni Medina (REP)

Biga Pereira (PCdoB)

Cassiá Carpes (PP)

Cezar Augusto Schirmer (MDB)-Licenciado (SMPG) substituído por Pablo Melo (MDB)

Cláudia Araújo (PSD)

Cláudio Conceição (União)

Claudio Janta (SDD)

Comandante Nádia (DEM)

Conselheiro Marcelo (PSDB)

Engenheiro Comasseto (PT)

Fernanda Barth (PL)

Gilson Padeiro (PSDB)

Giovane Byl (PTB)

Giovane Culau e Coletivo (PCdoB)

Hamilton Sossmeier (PTB)

Idenir Cecchim (MDB)

João Bosco Vaz (PDT)

Jonas Reis (PT)

José Freitas (REP)

Karen Santos (PSOL)

A Câmara na Cidade 331/332

Lourdes Sprenger (MDB)

Marcelo Sgarbossa (sem partido)

Márcio Bins Ely (PDT)

Mari Pimentel (Novo)

Mauro Pinheiro (PL)

Moisés Maluco do Bem (PSDB)

Mônica Leal (PP)

Pedro Ruas (PSOL)

Prof. Alex Fraga (PSOL)

Psicóloga Tanise Sabino (PTB)

Ramiro Rosário (PSDB)

Roberto Robaina (PSOL)

Thiago Albrecht (NOVO)

Administração Geral

Diretora Geral

Aline Frey Colussi

Diretor Administrativo Gustavo Garcia Brock

Diretor de Patrimônio e Finanças

Paulo Rogério Silva dos Santos

Diretor Legislativo

Luiz Afonso de Melo Peres

Coord. da Assessoria de Comunicação Social: Orlando Adriano Moraes

Escola do Legislativo Julieta Battistioli Presidente:

Verª. Lourdes Sprenger Vice-Presidente

Ver. Aldacir Oliboni

Diretor Geral:

Lúcio Almeida

Coordenador de Cursos: Jorge Barcellos

Câmara Municipal de Porto Alegre

Endereço: Av. Loureiro da Silva, 255

Porto Alegre – Rio Grande do Sul - CEP 90013-910

Fone: (51) 3220-4100

A Câmara na Cidade 333/334

P 853c

Porto Alegre. Câmara Municipal. Escola do Legislativo Julieta Battistioli

A Câmara na Cidade: retrato de um poder público no século XIX no município de Porto Alegre / [org.] Jorge Barcellos e Lúcio Almeida. [texto e pesquisa] Jorge Barcellos - Porto Alegre: Câmara Municipal, 2023.

ISBN: 978-65-00-69762-9

336 p. il. - 31cm

1.História - Poder Legislativo - Porto Alegre. I.Título. II. Barcellos, Jorge. III. Almeida, Lúcio.

CDU 981.651: 342.52

Catalogação na Fonte: Biblioteca Jornalista Alberto André

Este livro foi composto em fonte Open Sans 12, 10 e 8, e teve encerrada sua redação e diagramação no dia 8 de maio de 2023. Impresso em papel couché para o aniversário de 250 anos da Câmara Municipal de Porto Alegre.

Virgílio Calegari. Vista das docas e do Guaíba. Acervo MJJF. Câmara Municipal. Livro de Ouro da Câmara de Vereadores especial 1884 (a libertação dos escravos). Acervo AHPAMV
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