10 Mandamentos do novo dono de um cão

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Convivência

Carla Cruz

Bióloga, Mestre em Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal (www.aradik.net) Fotos: Shutterstock

10 Mandamentos Do novo dono de um cão No mês passado vimos 10 mandamentos que todos os potenciais donos de um cão deveriam observar antes de o adquirir. Este mês vamos ver aqueles que todos os donos de um cão deveriam cumprir.

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dicionar um cão à nossa família, seja cachorro ou adulto, implica uma grande responsabilidade. Implica um investimento psicológico, emocional, financeiro e material que é necessário ter em consideração. Estamos a introduzir um animal que irá depender completamente de nós durante a sua vida, um ser vivo com as suas características de personalidade únicas e distintas das dos demais. Vejamos alguns dos aspetos que é fundamental ter em consideração quando optamos por partilhar a nossa vida com um cão.

Se há comportamentos que não queremos que tenha em adulto, não o podemos permitir enquanto é cachorro.

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Vou ser coerente e consistente na educação do cão

Os cães, como as crianças, precisam de regras. Eles não nascem ensinados, não sabem o que podem ou não podem fazer, e muitos dos códigos sociais entre cães não são socialmente aceites nas famílias humanas (como o saltar para cumprimentar). Como tal, é necessário ensinar-lhes o que podem ou não podem fazer. Não é punindo-os, pois isso “castiga” o comportamento errado sem mostrar o que podem fazer, mas sim mostrando-lhes e recompensando-os pelo que fazem bem. E, sobretudo, é preciso ser coerente e consistente na aplicação das regras. Se umas vezes se deixa subir para o sofá e outras não, se umas vezes se dá restos de comida quando o cão pede à

mesa e outras não, o cão não vai saber que não pode fazer essas coisas, e vai tentar cada vez mais, pois vai perceber que se insistir muito, eventualmente o dono acaba por ceder (é o equivalente às birras de alguns miúdos nos supermercados, que aprendem que se fizerem fitas durante tempo suficiente e suficientemente alto, os pais acabam por ceder e comprar-lhes as guloseimas para que as pessoas deixem de olhar para eles). Se o cão nunca souber o que é subir para o sofá ou receber os restos à mesa – ou qualquer que seja a regra que decidir aplicar –, essa questão deixa de se colocar. É mais fácil evitar maus hábitos que modificá-los.

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Não vou permitir hoje o que não quero amanhã

Os cães não nascem ensinados, não sabem o que podem ou não podem fazer.

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Isto está relacionado com o ponto anterior, mas é suficientemente importante para ter a sua própria categoria separada. Temos de consistentes com a educação dada ao cão ao longo da sua vida. É tão giro ver aquela bolinha de

pelos de 2 kg a saltar-nos para as pernas, a rosnar-nos e mordiscarnos as mãos para nos tirar um brinquedo, a saltitar por cima das camas e do sofá! Claro que o vamos deixar fazer isso, até nos rimos com a piada que tem. Mas será que queremos que um “bisonte” adulto com 50 kg faça a mesma coisa? Pois… mas ele não vai perceber porque é que aquilo que sempre lhe foi permitido de repente deixa de o ser. Ou, pior, porque é que de repente se vê afastado da sua família e relegado para um canto do quintal, porque “não se sabe comportar”. Mas se sempre o deixaram fazer isso… como é que ele vai entender que agora já não pode? Por isso, pense bem no comportamento do seu cachorro, e se vai querer que ele o mantenha em adulto. Se não o desejar, comece desde já a reeducá-lo, impedindo-o de fazer o que não deseja e redirecionando-o para comportamentos adequados.

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Vou fornecer uma alimentação adequada ao meu cão

Sem entrar nas discussões sobre alimentação comercial vs. caseira vs. crua, que não são minimamente Cães&Companhia 5


com os cães passa-se a mesma coisa, a maioria dos cães não tem associações positivas com o veterinário, este é o “bicho-papão” que vêm sempre que já se estão a sentir mal. Mas… e se começar a incorporar uma ida ao veterinário em alguns dos seus passeios? Só ir lá, dizer olá ao pessoal, receber umas festinhas e umas guloseimas e vir embora? O seu cachorro irá ver que o veterinário é um sítio perfeitamente normal, onde de vez em quando lá tem de aturar algo, mas que não é um sítio que induz stress só por si.

Uma pelagem brilhante, densa, com bom aspeto, mostra que a alimentação tem qualidade suficiente para manter o organismo em boas condições

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Vou prestar regularmente os cuidados de grooming necessários

o âmbito deste artigo, é importante ter a noção que uma alimentação de qualidade é fundamental para o bemestar e saúde do seu companheiro. A alimentação não pode nem deve ser a mesma ao longo de toda a vida do cão. Um cachorro tem necessidades energéticas diferentes das de um adulto, pois está em crescimento, o seu esqueleto e músculo estão em desenvolvimento, o seu cérebro está em formação e expansão, e tudo isto requer níveis de nutrientes totalmente distintas de um cão já formado. Um cão idoso tem um metabolismo mais lento, diferente do de um cão de meia-idade, e consequentemente necessidades alimentares diferentes. Um cão altamente ativo e desportivo tem requerimentos distintos dos de um cão sedentário cuja atividade se limita a três passeios diários e uma ida à praia ou à mata de vez em quando. Para a mesma faixa etária é possível encontrar no mercado, ou fazer, uma alimentação com custos completamente díspares. É importante analisar muito bem a qualidade de cada uma, pois esta é uma das situações em que frequentemente o barato sai caro. Uma alimentação de qualidade vai ajudar o organismo a manter-se saudável, reduzindo a incidência de vários problemas de saúde. Fala-se muitas vezes que a qualidade da ração se vê no pelo do cão. Isto não é um aspeto meramente cosmético como se poderá pensar, é apenas um reflexo do que se passa no interior do cão. Uma pelagem brilhante, densa, com bom aspeto, mostra que a alimentação tem qualidade sufi6 Cães&Companhia

ciente para manter o organismo em boas condições e ainda passar para o órgão protetor do animal. Em contrapartida, uma pelagem baça, quebradiça, esparsa, mostra que a ração não tem qualidade adequada para cumprir com todas as necessidades do animal, pelo que os nutrientes são desviados para onde fazem mais falta, deixando o resto do organismo em carência – facilitando o surgimento ou desenvolvimento de certos problemas de saúde e diminuindo a longevidade, e levando, muitas vezes, a mais gastos no veterinário que o que se poupou com a baixa qualidade do alimento.

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Vou levar o meu cão ao veterinário regularmente

Não será necessário explicar porque é que as idas ao veterinário são uma necessidade, certo? É este o profissional especializado em cuidar das necessidades de saúde do nosso companheiro e em tratar qualquer problema a esse nível que nos possa surgir, e não o amigo, o vizinho ou o filho do amigo do primo do colega de trabalho. Quando você está doente, vai ao médico e não ao mecânico, certo? Quando o seu cão está doente ou tem alguma dúvida de saúde, é ao médico

veterinário que se deve dirigir. Pronto, ok, todos nós levamos o cão ao veterinário para as vacinas e quando temos algum problema, espero. Mas quantas pessoas levam o cão ao veterinário para o check up anual? E quantas pessoas levam o cão ao veterinário “só porque sim”? Não consegue perceber porque é que o seu cão tem medo do veterinário? Pense num sítio em que só vai para ser espetado ou quando está doente, e lhe fazem coisas que o assustam. E, pior ainda, quem o acompanha também mostra estar nervoso e stressado com a situação. Sentir-se-ia tranquilo? Pois…

Se você toma banho regularmente, veste roupa limpa diariamente,

escova o seu cabelo todos os dias, lava os dentes mais que uma vez por dia, etc., não será natural que os cães também precisem de cuidados regulares? Quer seja um cão de pelo curto ou comprido, há cuidados de higiene e de escovagem que precisam de ser feitos regularmente, para retirar o pelo morto e limpar o pelo e a pele. Há banhos que é necessário dar quando o cão está sujo – com champôs de qualidade e especialmente desenvolvidos para cão, cuja pele é muito diferente da nossa. A mentalidade de “um banho por

ano” já passou há muito tempo, os cães atualmente são companheiros que vivem connosco nas nossas casas, e precisam de mais cuidados de higiene que os que viviam 365 dias por ano no exterior. Nesta revista encontra mensalmente bons conselhos para o ajudar nesta tarefa, que não pode ser descurada. Isto não é cosmética, é importante para a saúde do cão. Um pelo bem tratado e sem nós permite que a pele respire, permite a criação de uma camada de ar isolante no pelo, que protege do frio e do calor, e permite reduzir significativamente a queda de pelo

Há cuidados de higiene e de escovagem que precisam de ser feitos regularmente, para retirar o pelo morto e limpar o pelo e a pele

– sim, aquela coisa que se prende em todo o lado, nos sofás, nas alcatifas, entre os tacos do soalho, debaixo dos móveis, na roupa. Uma manutenção regular permite também detetar mais facilmente uma queda anormal de pelo, que pode ser um sinal de algo mais grave a nível de saúde. Não se esqueça também de controlar os ouvidos e os dentes, eles requerem cuidados de higiene e limpezas regulares para prevenir a ocorrência de otites e de depósitos de tártaro ou outros problemas dentários, respetivamente. Finalmente, cuidado com as unhas, incluindo os presunhos (aquele dedo suplementar que normalmente não chega ao chão). A maioria dos cães atualmente não faz exercício suficiente para as desgastar, pelo que normalmente precisam de ser cortadas regularmente (sim, mesmo as pretas, apesar dos seus receios), caso contrário crescem demais, magoam os dedos e podem levar a problemas ortopédicos e anatómicos pelo esforço que o cão faz para conseguir andar sem dores. Quanto aos presunhos, como a unha não é usada, se não for cuidada pode crescer demasiado, enrolando-se e entrando pelo dedo adentro, causando dor e podendo causar uma infeção.

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Vou providenciar um espaço adequado para o meu cão

Em nossa casa, temos a sala comum, a cozinha de acesso geral, mas temos também o nosso quarto privado, onde nos podemos recolher quando queremos um pouco de tranquilidade e privacidade – e todos sabemos que, por vezes, bem falta nos faz. Mas quantos providenciamos aos nossos cães a possibilidade de se recolherem e terem o seu espaço próprio? Trazemos os nossos cães para casa, pomos a sua cama num sítio onde a família está, ou no quarto ao pé de nós, e não lhe damos a possibilidade de privacidade e de relaxarem sozinhos se o desejarem,

Inclua uma ida ao veterinário em alguns dos passeios, apenas para dizer olá, receber umas festinhas e umas guloseimas e vir embora. Cães&Companhia 7


Os passeios têm a função higiénica, mas servem também, e sobretudo, para o cão poder desgastar energias

têm sempre pessoas a passar por perto. Mas como sabemos por experiência própria, essa possibilidade de descontrairmos em privado é fundamental para o nosso bem-estar. Experimente adicionar uma cama num local pouco frequentado da casa e ensinar o seu cão a usá-la, irá seguramente constatar que de vez em quando é lá que o vai encontrar. Outra possibilidade, e com inúmeras vantagens, é a utilização de uma caixa transportadora (com a porta aberta). Ensine-o a ir para lá e dê indicações à família (em particular às crianças) que ali é o espaço privado

O exercício mental é tão ou mais cansativo que o físico, e é uma boa forma de o manter entretido e feliz. 8 Cães&Companhia

do cão, o seu quarto, que deve ser respeitado e não se deve importunar o cão quando está ali. “Ah, mas uma caixa transportadora fica feia na minha sala!” Coloque por cima uma manta ou toalha, verá que ganha uma mesa de apoio e o cão ainda lhe vai agradecer por isso – ela fica mais escura por dentro, com mais aparência de “toca” que eles tanto gostam.

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Vou fazer saídas e passeios regulares com o meu cão

Para que serve o passeio? Para o cão fazer as suas necessidades? Não! Quer dizer… não só! Certo, os passeios têm a função higiénica, mas servem também, e sobretudo, para o cão poder desgastar energias. Os cães não são animais feitos para viver toda uma vida em X m2, são animais caminhantes preparados para percorrer vários quilómetros. E não pense que por ter um cão de pequeno porte ele

tem menos necessidade de exercício. Frequentemente, quanto menor o cão, maior é a sua energia e necessidade de exercício. Além disso, os passeios são uma excelente forma de estimulação mental, onde podem ver, ouvir e cheirar coisas diferentes, e passar um bom bocado com o dono – se este não se limitar a ser apenas “algo” que segura na trela. Não admira que os cães gostem tanto de passear, é a sua quebra a rotina!

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Vou providenciar estímulos mentais ao meu cão

Nós vivemos vidas cada vez mais atarefadas, temos o nosso trabalho, a família, os hobbies. Os cães só nos têm a nós, o dia deles só começa verdadeiramente quando chegamos a casa. Mas nessas alturas estamos frequentemente tão cansados que não temos paciência para aturar a excitação e traquinices de um cão feliz por nos ver ao fim de tantas horas. Não é justo nem para nós nem para eles. O que fazer então? Nada substitui o dedicar-se tempo ao cão, brincar com ele, exercitá-lo – isto é fundamental para o bem-estar de um cão – mas podemos facilmente arranjar formas de o manter entretido quando não lhe podemos

dar a nossa atenção total. Podemos encher um Kong (e, melhor ainda, congela-lo em seguida), dá para ele se manter entretido durante bastante tempo a tentar tirar a comida de dentro; podemos recorrer a um dos numerosos brinquedos dispensadores de comida que há no mercado, daqueles que largam comida quando são manipulados de determinada forma, ou fazê-los nós próprios; podemos esconder comida em vários sítios da casa, ou atirá-la para o quintal, e deixar o cão tentar encontra-la, é diversão garantida durante bastante tempo; etc. Tudo isto são formas de por o cão a pensar como obter algo que ele quer (a comida é um poderoso estímulo que não deve ser negligenciado em ocasião nenhuma) e que o mantêm ocupado durante um bom bocado. O exercício mental é tão ou mais cansativo que o físico, e é uma boa forma de o manter entretido e feliz.

Como tal, qualquer cão deve conhecer um mínimo de regras e conceitos de educação para se integrar bem na nossa sociedade, sem perturbar os restantes indivíduos que não vivem com ele. O saber andar adequadamente à trela, sentar, deitar, ficar, não mexer em determinadas coisas e larga-las à ordem, não saltar para cima das pessoas, etc., são o mínimo que qualquer dono deve ensinar ao seu cão, para facilitar a vida de todos – a sua, a do cão e a das outras pessoas. Há várias formas de o fazer, de preferência recorrendo a métodos não punitivos e que encorajam o cão a aprender por si – a educação torna-se mais divertida, facilita a aprendizagem destas e outras instruções e reforça o laço entre o cão e o dono. Pode fazê-lo sozinho em casa (há inúmeros vídeos no Youtube que lhe mostram como ensinar as mais variadas coisas), mas idealmente deve recorrer a um treinador ou educador, quer em ambiente de escolar quer ao domicílio, consoante a sua preferência e/ou necessidades específicas (nem todos os cães estão preparados para um ambiente de aula em grupo sem preparação prévia). Melhor que ninguém, um bom profissional irá ajudá-lo a identificar as suas necessidades específicas, como as abordar da melhor forma e mostrar-lhe qual a forma mais eficiente de as ensinar ao seu cão específico.

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Não me vou ficar pelas boas intenções

Vivemos numa sociedade do instantâneo e das boas intenções. Quantas vezes não dizemos “queria fazer isto”, “tenho este problema para resolver”, “gostava que isto acontecesse”? Mas, na maioria das vezes, fazemos alguma coisa para mudar a situação? Pois é!... Não é por nos limitarmos a falar sobre determinada coisa que ela miraculosamente se resolve. É preciso trabalho, investir tempo para a resolver. Há problemas e conceitos simples que se ensinam e resolvem em pouco tempo, e há questões que podem demorar meses ou anos. Mas se nunca se começar, nunca se chegará lá! Passe das boas intenções à prática, hoje mesmo!

Ter um cão não é um direito, é uma responsabilidade!

Um cão pode ser uma imensa fonte de prazer na nossa vida. Mas não nos podemos esquecer que é um ser vivo, um indivíduo com a sua personalidade própria e todo um conjunto de emoções, sentimentos e requisitos que precisam de ser adequadamente atendidos. Respeite as necessidades do cão, cumpra com as suas responsabilidades e verá que irá ter um bom companheiro e membro da sociedade durante longos anos. n

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Vou educar e treinar o meu cão

Viver em sociedade implica conhecer e cumprir certos preceitos sociais. No caso em que se vive numa sociedade de outra espécie, isto pode ser mais complicado, pois as regras não são necessariamente as mesmas. Cães&Companhia 9


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