Genética das cores do pelo III

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D Genética

Genética das cores nos cães Uma questão peluda III

No número anterior desta sua revista, vimos quais os genes que controlam as cores e padrões básicos. Mas… porque é que dois cães com a mesma cor muitas vezes têm tons diferentes, parecendo mesmo ser de uma cor totalmente diferente? É o que vamos ver este mês… Por: Carla Cruz, Bióloga, Mestre em Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal • Fotos: Shutterstock

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omo vimos no mês passado, a enorme diversidade de cores nos cães depende de apenas dois pigmentos – a eumelanina, responsável pelo preto/ castanho, e a feomelanina, responsável pelo amarelo/vermelho. É a deposição destes grânulos ao longo do pelo, de forma uniforme ou em bandas, que lhe confere a sua cor. No entanto, ocorrem por vezes alterações na sua deposição que fazem com que não sejam distribuídos de forma tão densa, ou uniforme, fazendo com que o pelo apresente uma tonalidade mais pálida que o normal. Vamos ver este mês os genes que afetam estas diluições de cor. Ao contrário do que ocorre atualmente com os genes responsáveis pelas cores e padrões básicos, a maioria destes genes não foi ainda identificada com precisão, apesar de haver estudos nesse sentido, pelo que a maioria continua ainda no estado “teórico”.

Gene D - Diluição

Este gene, já identificado, corresponde ao gene Melanophilin (MLPH). Pensava-se que diluía tanto a eumelanina (o pigmento escuro) como a feomelanina, mas hoje sabe-se que apenas afeta a eumelanina. Classicamente, pensava-se que teria apenas 2 alelos. Com o alelo dominante D, a pigmentação não seria diluída, apresentaria a sua intensidade normal; com o alelo recessivo d (ou seja, quando o exemplar apresenta duas cópias deste alelo), a pigmentação seria diluída. Assim, o pelo preto passaria para um tom acinzentado/azulado (como ocorre com o Dogue Alemão Azul face ao Dogue Alemão Preto), enquanto um pelo castanho seria alterado para um tom mais pardacento/cinzento-acastanhado (o caso do Weimaraner), chamado lilac ou isabella em inglês.

quadro 1: gene D

É importante salientar que este gene afeta qualquer eumelanina, quer preta quer castanha, quer o cão seja sólido, fulvo, afogueado (como ocorre por exemplo em alguns Dobermann, apesar de atualmente estar fora de estalão), raiado (originando umas raias de tom mais claro), etc. Quando o cão tem máscara, esta assume uma tonalidade azulada em vez de negra. Tipicamente, o nariz, lábios, pálpebras, almofadas plantares, nos cães com diluição dd são mais claros que o normal, quer no caso dos cães azuis quer nos isabella. A esmagadora maioria dos estalões rejeita as diluições devidas a este gene, salvo algumas exceções. Isto porque, sem que se percebesse bem porquê, se em alguns casos os animais com pelagem diluídas eram saudáveis, noutros apresentavam problemas de pele e pelo, pelo que se preferia evitar a reprodução de animais com esta cor para evitar estas patologias. Com a identificação do gene, percebeu-se que há na realidade 2 alelos que provocam a diluição, um que não dá origem a estes problemas, outro que os propicia. Fica assim explicado porque é que em algumas ra-

Cães pretos, azuis, castanhos, cinzentos, vermelhos, amarelos... Como aparecem? É o que ficará a saber nas próximas páginas

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Sendo dd, o pelo preto passa para um tom acinzentado/azulado, como ocorre no Dogue Alemão Azul, em relação ao Dogue Alemão Preto.

No caso de pelo castanho, o dd altera a cor para um tom mais pardacento/cinzento-acastanhado, como o caso do Weimaraner.

ças ou variedades em que estas cores são comuns não é normal haver problemas de pele. Ou seja, a ordem de dominância dos alelos deste gene, do dominante para o mais recessivo, é a do Quadro 2.

Porém tem-se constatado que, afinal, este gene tanto atua na feomelanina como na eumelanina. Ou seja, ao contrário do que se pensava, não pode ser este o gene responsável pelos cães fulvo claros com máscaras negras “normais”, bem pigmentadas. Adicionalmente, nos cães, a ação deste gene é um pouco complicada ou controversa. Isto porque apesar de noutras espécies este gene C corresponder tipicamente ao gene Tyrosinase (TYR), nos cães ainda não foram encontradas mutações na sequência deste gene associadas a alterações na cor. Mesmo no caso do alelo cch, frequentemente invocado para explicar feomelanina claras, constatou-se que os Caniches claros e os cães cremes que foram estudados não apresentavam mutações no gene C, pelo que não deverá estar aqui a razão para as pelagens mais claras que o normal. Portanto, ficamos à espera das “cenas dos próximos capítulos” sobre a investigação da genética das cores nos cães…

quadro 2: gene d Ordem de dominância dos alelos deste gene.

Gene C - Albino

Quando se tenta determinar qual o gene, e sua localização nos cromossomas, para uma determinada função, os investigadores baseiam-se frequentemente nos genes equivalentes de outras espécies. No caso do estudo das cores, recorre-se frequentemente ao que se sabe da genética dos ratos, pois é uma espécie muito estudada geneticamente devido à sua relevância como animal de laboratório. Com base no que se sabe dessa espécie, e aquilo que se via ocorrer nos cães, colocou-se a hipótese de estes terem um gene equivalente, que apenas afetaria a feomelanina (o pigmento claro) e não a eumelanina. Supôs-se que o alelo dominante C permitiria a pigmentação normal, a formação normal de melanina. O alelo seguinte na ordem de dominância, cch, causaria a ocorrência de feomelanina mais pálida que o normal; quando combinado com alelos em outros genes que propiciem uma pelagem clara, cchcch poderia mesmo causar uma pelagem branca. Em seguida viria o alelo cd, que originaria uma pelagem branca, mas com nariz e olhos escuros.

O verdadeiro albinismo nos cães (cães brancos com nariz e olhos rosa), devido à ação do gene C, é muito raro. Na maioria dos cães totalmente brancos, a cor é devida a uma combinação de amarelo ee (sem pelos pretos) e diluição do pigmento, sendo o nariz, lábios e pálpebras pigmentados.

O alelo seguinte, cb, causaria uma pelagem cornaz (cinzenta clara) com olhos azuis. Enquanto o alelo mais recessivo c seria responsável pelo verdadeiro albinismo, com olhos e nariz rosa. A dominância entre alelos poderia não ser completa, e indivíduos com dois alelos diferentes poderiam apresentar fenótipos intermédios. Mas com o decorrer dos estudos que têm permitido detetar outros genes de cores, aquilo que se pensa ocorrer na realidade com este gene alterou-se, como se explica no Quadro 3.

A intensidade da pigmentação é controlada por diferentes genes, alguns afetando apenas o pigmento preto, outros o amarelo e outros ambos os tipos de melanina. No entanto, na maioria dos casos, uma cor diluída não é equivalente a problemas de saúde, como muitos pensam, e em alguns casos é mesmo requerido no estalão da raça 36 Cães&Companhia

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Outros genes diluidores

Assume-se que ocorrem 2 alelos: o dominante G leva a que os animais aclarem gradualmente desde uma idade mais ou menos tenra consoante a raça, enquanto o recessivo leva a que os animais mantenham a sua pigmentação intensa normal.

Sem que tenham sido ainda identificados, têm sido sugeridos outros genes responsáveis por tonalidades mais claras da melanina. Os mais comummente referidos são os genes P e I. O gene P terá uma relação de dominância e recessividade simples, em que o alelo dominante P não dilui a cor e o alelo recessivo p causará uma pelagem diluída mas não completamente branca.

quadro 6: gene g

quadro 4: gene P

quadro 3: gene C Pensava-se que a forma de ação do gene C seria:

Mas verificou-se que alguns alelos não estariam na realidade localizados neste gene:

Apesar de Little sugerir que apenas dilui a eumelanina e não a feomelanina, mais recentemente tem sido sugerido que dilui ambos os tipos de melanina. Já no caso do gene I (Intensidade), pensa-se que apenas dilui a feomelanina. Estão previstos 2 alelos, em que o dominante I permite a pelagem de cor intensa e o recessivo i uma pelagem bastante mais clara. Neste gene a relação entre os alelos não será de dominância e recessividade, mas sim de co-dominância, o que significa que o indivíduo heterozigótico Ii irá apresentar uma pelagem de tonalidade intermédia.

quadro 5: gene I O que significa que este gene provavelmente apenas terá, no máximo, os alelos:

O Gene I só aclara o amarelo, mas não o preto, é o caso de cães com pelagem muito clara, mas máscara bem negra, como este Galgo Afegão.

A confirmar-se a existência deste gene, poderá estar aqui a explicação para os indivíduos referidos acima, com um fulvo muito claro (por vezes chamado “cinzento” em algumas raças), mas com pelos pretos (como por exemplo na máscara do chanfro) perfeitamente pigmentados.

Gene G

O Gene G – Greying ou Progressive Greying (Cinzento ou Cinzento Progressivo) – é um pouco particular, pois apenas afeta os cães com barbas; os cães de pelo curto ou de pelo comprido sem barbas não são influenciados por ele. Apesar de ainda não ter sido identificado a nível molecular, não restam atualmente dúvidas quanto à sua existência.

Lidando com uma raça em que a ação deste gene é visível na maioria dos animais, o Barbado da Terceira, pergunto-me se a ação deste gene será de simples dominância e recessividade, ou se ocorrerá algum fenómeno de co-dominância, que ajudaria a explicar diferentes níveis de aclarar em diferentes animais… Mas independentemente desta questão, é indubitável que este gene afeta tanto a eumelanina como a feomelanina. Os animais nascem com a cor da pelagem intensa, mas irão aclarar gradualmente ao longo dos primeiros meses de idade – o preto irá tornar-se progressivamente acinzentado/azulado e/ou irá ficar mesclado com pelos brancos esparsos, enquanto o amarelo/vermelho irá ficar bastante mais claro, podendo mesmo chegar a parecer branco. Quando o animal sofre algum tipo de lesão que leve a uma perda localizada de pelo, o novo pelo que nasce irá apresentar a pigmentação intensa original, aclarando depois ao longo dos meses seguintes.

Seal (Preto Mal Tinto)

Estes termos têm sido utilizados para designar um tipo de pelagem muito particular e algo diferente do habitual nos cães. Trata-se de cães em que a parte preta da pelagem não é totalmente preta; quando vista sob certas condições parece acastanhada/avermelhada, Cães&Companhia 37

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O gene Seal é o caso de cães em que a parte preta da pelagem não é totalmente preta, como se tivesse “desbotado”.

A ação do gene G em 2 cães de cor diferente (fulvo ay e preto K) da raça Barbado da Terceira. Aos 2 meses de idade já se nota o início do aclarar, principalmente na sua eumelanina. Em adultos, o efeito deste gene é bem notório, sobretudo no caso da feomelanina.

eumelanina como a feomelanina, enquanto o I apenas afeta a feomelanina. Quanto ao gene G, é responsável pelo aclarar gradual tanto da eumelanina como da feomelanina, mas apenas depois do nascimento, e apenas nos cães com barbas. Quanto a outras cores diluídas, como o Seal ou Preto Mal Tinto, será preciso aguardar para se saber qual a sua base genética.

Consoante a raça em questão, o “cinzento” pode ocorrer por diferentes vias genéticas Em muitas raças, os estalões procuram evitar a ocorrência de algumas das diluições (ou mesmo do

castanho bb, por vezes erradamente considerado uma diluição), com o receio que estejam associadas a problemas de saúde, enquanto noutras a diluição é requerida enquanto característica de identidade racial. Espero que, à medida que o conhecimento sobre a genética das cores vai evoluindo, se consiga desmistificar alguns dos receios, a bem da saúde dos exemplares e raças e da preservação da diversidade genética.D

como se o preto tivesse “desbotado”, sem que tal seja devido ao pelo “queimado” pelo sol ou à pelagem avermelhada devida a certas carências nutricionais. Não se trata de uma tonalidade “diferente” de castanho bb (ver o número anterior da revista para a caracterização do gene B), pois os cães têm nariz, pálpebras, lábios pretos. Infelizmente, esta cor parece ainda não ter sido estudada sob um ponto de vista genético, ou pelo menos não existem ainda publicações científicas sobre a sua base. No entanto, tem sido proposto que ocorre em animais heterozigóticos para o preto dominante Kk, nos quais, pela ação de algum gene que tornaria o preto algo “transparente”, seria possível ver a ação dos outros genes – como o padrão determinado pelo gene A, a ocorrência de máscara, etc. Será interessante ver o que o futuro tem a dizer quanto a esta cor…

Em resumo

Naturalmente que a enorme diversidade de cores que os cães apresentam não poderia ser devida apenas aos 4 genes que determinam o padrão básico da pelagem, vistos no mês passado – A (Agouti), B (Brown, Castanho), E (Extensão) e K (Black, Preto). Se eles já interagem entre si para as pelagens mais diversas, outros genes irão influenciar a sua expressão, permitindo tonalidades mais ou menos ricas e intensas. O gene D é o responsável pelo aclarar da eumelanina de preto e castanho para azul/cinzento e castanho claro/pardo, respetivamente. A ação do gene C nos cães é ainda assunto de controvérsia, mas deverá estar aqui, pelo menos, a base para os raros (em comparação com outras espécies) albinos. O gene P tanto dilui a 38 Cães&Companhia

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