Experimente uma nova atitude

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Convivência

I Carla Cruz Mestre em Produção Animal

Fotos: Shutterstock

Resolução de Ano Novo

“Experimente uma nova atitude” Ano Novo, Vida Nova. Tradicionalmente, é nesta altura que fazemos as nossas resoluções de ano novo, tudo aquilo que prometemos mudar em nós ao longo do ano que está a iniciar.

nfelizmente, a maioria destas resoluções acabam por ser abandonadas rapidamente, porque são demasiado ambiciosas ou demoram demasiado tempo a concretizar, estamos demasiado agarrados aos nossos hábitos e desmoralizamos porque não vemos resultados imediatos. Mas será que tem de ser mesmo assim? No que diz respeito à sua relação com o seu cão, experimente alterar algo muito simples na forma como interage com ele. Irá ver resultados muito rápidos, e seguramente irá mudar a sua forma de pensar e agir. O seu cão irá agradecer-lhe!

Resultados em dias… Uma das resoluções de ano novo mais comuns nas pessoas é: “Este ano vou emagrecer. Vou fazer dieta, vou ao ginásio mais vezes, vou sair mais vezes de casa”. No entanto, é também das primeiras a ser abandonadas. Porquê? Porque requer demasiadas alterações na nossa rotina diária, que nos custa tanto a modificar (em média, uma mudança demora cerca de 3 semanas a tornar-se um hábito). E, pior ainda, os resultados não são imediatos, medem-se em meses em vez de dias ou semanas. Sem ver resultados rápidos que nos encorajem a persistir, rapidamente abandonamos as boas intenções. Mas para o que proponho que experimente como resolução de ano novo, irá ver os resultados em dias – em certos casos ainda menos – o que seguramente irá encorajá-lo a mantê-la. E, ao mesmo tempo, irá mudar por completo a forma como se relaciona com o seu cão, e serão ambos mais felizes por isso!

Quem prefere? Pense nesta situação tão comum… No seu novo trabalho, o seu patrão é um rezingas, não lhe deu qualquer formação, limita-se a apresentar-lhe o trabalho que tem de fazer e você que descubra como o fazer; não o ajuda a perceber o trabalho, mas resmunga consigo, humilha-o frente aos seus colegas e penaliza-o no seu salário de fizer algo que ele considere errado – mesmo que você não perceba porquê. Desagradável, certo? E se, em vez disso, o seu novo patrão lhe desse a formação adequada aos detalhes do seu novo trabalho, o ajudasse a perceber como funcionam as suas novas funções, o encorajasse a descobrir novas formas mais eficientes, de desempenhar e progredir no trabalho, e lhe desse um bónus quando descobre algo que melhora consideravelmente o trabalho? Para que patrão preferiria trabalhar? Como é que isto se aplica aos cães? Em muitos casos, trata-se de uma situação 12 Cães&Companhia

Em vez de se focar no que o cão está a fazer de mal, concentre-se em encorajar e recompensar os bons comportamentos equivalente, com o cão como o funcionário e o dono como o “patrão”.

Caso prático Vejamos um exemplo prático para se perceber melhor como isto se aplica a nós a ao nosso cão. Pensemos numa situação muito comum – o cão que quando está

excitado nos salta para cima. O “patrão” rezingas é aquele que cada vez que isso acontece, ralha com o empregado, quero dizer o cão, empurra-o, dá-lhe uma joelhada, etc. Quando cão não salta, não faz nada, porque afinal isso é a sua “obrigação” – apesar de o cão não o saber. O “patrão” colaborativo é aquele que, quando o cão passa por ele sem saltar, o recompensa por isso; quando o cão se aproxima dele, antes dele saltar, o recompensa por estar com as 4 patas no chão em vez de saltar, e que quando o cão ponderou saltar mas escolheu não o fazer, lhe dá uma mega recompensa (o bónus) por ele ter tomado a boa decisão de não saltar. Ponha-se no lugar do cão, que “patrão” iria preferir? Com quem se iria esforçar por descobrir o que ele quer e tentar fazê-lo? ????????? ??????? ???????????? ??????????????????? ??????????????????? ?????????????? ????? ???????????? ??????????????????? ?????????????????

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ra começa a saltar para o colo da dona, a querer brincar. A dona põe-na no chão uma e outra vez. À terceira vez, a cachorra olha para ela, esboça o movimento de saltar para as pernas da dona, mas escolhe ficar no chão. Que excelente momento para a recompensar por ter tomado a decisão certa! É aqui que muitos donos falham, não intencionalmente, como é óbvio, mas por não se aperceberem desta fase tão importante. De nada adianta ralhar com o cão, se não se deixa o cão perceber o que se pretende como comportamento certo. Esta cachorra percebeu à terceira que não era para saltar para o colo, deve ser recompensada por isso, para perceber qual o comportamento certo e não ficar confusa: “Não posso fazer isto nesta situação, o que poderei então fazer?”.

A resolução de Ano Novo

Os cães têm de ser recompensados no momento, pois não conseguem fazer a associação entre uma gratificação posterior e o que fizeram há algum tempo atrás.

???? ???????????????????????? ???????????????????????? ???????? ???????????????????????? O dono que se limita a ralhar sem lhe explicar o que fazer, ou aquele que o encoraja a perceber o que fazer? Pois…

Mais subtil Há umas semanas, estava a dar uma aula ao domicílio à dona de uma cachorrinha encantadora. Era a primeira sessão, eu e a dona estávamos a conversar, a explicar e demonstrar diferentes formas de proceder durante a educação dela. De repente, ouve-se uma carrinha a passar na rua, e a cachorra sai lançada em direção à varanda, a ladrar. Depois de a viatura passar, cala-se e volta para a sala. Nesse momento, digo-lhe “Yes”, a minha palavra de marcar o comportamento certo. Foi um reflexo da minha parte, ela ainda nem sabia o que isso significava, mas teve o efeito não intencional (mas pretendido) na dona, uma vez que tínhamos acabado de falar sobre a importância dos marcadores no treino. Resposta imediata da dona: “Ah, afinal há solução!”. O que quer isto dizer? Estávamos por aquela altura precisamente a falar sobre como resolver comportamentos indesejados – saltar para o sofá, ladrar sem razão 14 Cães&Companhia

aparente (sob o nosso ponto de vista), etc. – e sobre como mais importante do que se limitar a corrigir o que não se quer, é explicar ao cão o que está a fazer bem. Neste caso, não se fez nada em relação à cachorra ir a ladrar à janela (o comportamento indesejado), até porque naquele

momento não havia como o fazer, mas o plano seria recompensar o ela escolher ignorar os barulhos. Ou seja, passaria a ser recompensada depois de se calar, e quando se ouvissem barulhos fora do normal, mesmo que ela não reagisse – para lhe criar o hábito que é bom ignorar barulhos diferentes, que assim acontecem-lhe coisas boas.

Oportunidades perdidas Pouco depois, continuando a conversar e a demonstrar algumas técnicas, comigo e com a dona sentadas no chão, a cachor-

Como já terá percebido por estes exemplos, o que lhe proponho como resolução de ano novo é uma mudança de mentalidade. Uma coisa muito simples, mas que irá alterar por completo a forma como se relaciona com o seu cão – em vez de se focar no que o seu cão está a fazer de mal, concentre-se em encorajar e recompensar os bons comportamentos que o seu cão lhe oferece. De início, pode parecer difícil, pois estamos demasiado habituados a só ver e ralhar com o que o cão faz de errado. Quando ele exibe o comportamento certo, normalmente não lhe acontece nada, apenas paramos de ralhar. Não é muito motivador, pois não? Temos demasiado tendência para apenas reagir ao comportamento, em vez de tomarmos uma atitude pró-ativa. À medida que começamos a ver o mundo sob outra luz, e nos habituamos a ver as oportunidades de recompensar o bom comportamento, e mesmo começamos a criar algumas situações para podermos recompensar as boas escolhas, vai sendo cada vez mais fácil apercebermo-nos de tudo o que o cão faz que podemos encorajar. Quanto mais encorajarmos os comportamentos certos – seja o não saltar para as pernas, o não reagir a certos sons ou o ir por si para o seu lugar em vez de andar a passarinhar por onde não deve – mais o cão se vai esforçar por os fazer, na esperança de obter a recompensa.

seu trabalho, porque é que acorda todos os dias de manhã e passa horas infindáveis a fazer o que quer que seja a sua profissão? Em alguns casos as pessoas até gostam verdadeiramente do que fazem, mas será que continuariam a fazê-lo se não recebessem o seu salário ao fim do mês? Claro que não! Fazemos o nosso trabalho, em vez de nos dedicarmos aos nossos hobbies e paixões, porque sabemos que ao fim do mês iremos receber a recompensa pelo nosso esforço. Então, porque havemos nós de fazer as coisas pela recompensa que nós obtemos, mas os nossos cães têm de as fazer sem terem essa motivação? Nós temos a capacidade de adiar a nossa gratificação, mas os cães não, os cães têm de ser recompensados no momento, não conseguem fazer a associação entre uma gratificação posterior e o que fizeram há algum tempo atrás.

Gratificação social No caso das pessoas, até fazemos algumas coisas não pela recompensa financeira, mas sim para obter benefícios sociais – o reconhecimento dos nossos amigos ou parceiros, por exemplo, ou para nos sentirmos integrados num grupo (há aliás investigação interessante sobre a diferença de comportamentos das pessoas quando estão sozinhas ou quando estão integradas em grupos mais ou menos extensos ou multidões). Nos cães, a gratificação social não é particularmente relevante. Certo, têm havido alguma investigação que indicia que os cães, por vezes, fazem coisas que beneficiam cães amigos mesmo que eles próprios não ganhem diretamente disso, mas tanto quanto se sabe neste momento, eles não têm uma capacidade de pensamento social como nós, e muito menos com outras espécies (como os humanos).

Porquê recompensar? E nesta altura, muitos perguntam: “Porque é que tenho de recompensar o meu cão? Ele devia fazer porque sabe que as regras da casa são estas” e/ou “Ele deve saber que tem de me agradar, tem de fazer o que eu digo”. Será? Vamos ser honestos… porque é que tem o Cães&Companhia 15


Comportamentos “não normais”

salivar quando ouviam uma campainha. Eles faziam isso não porque a campainha fosse um som maravilhoso, mas porque aprenderam que sempre que a campainha tocava, iam ter direito a comida. Ou sejam, criaram uma associação entre o som e a recompensa. Um marcador é precisamente isso, é algo que sinaliza/marca ao cão que vai obter uma recompensa. Se é leitor regular desta revista, já terá aqui lido, por exemplo, sobre treino com clicker, aquela caixinha de plástico que emite um som quando se carrega no seu botão. É uma ferramenta muito popular em treino de animais. Mas nem precisa disso, pode simplesmente usar uma palavra escolhida especialmente para isso – o que tem a vantagem que tem o marcador sempre à mão, em vez de ter de se lembrar de andar sempre com um aparelho atrás. Escolha uma palavra muito curta, que não use normalmente, nem use como recompensa. Por exemplo, muitas pessoas usam “Bravo”, “Boa”, “Lindo”, etc., para mostrar ao seu cão que estão contentes com ele. Não, escolha uma palavra curta que para o cão não tenha qualquer associação nem é usada em condições normais, como por exemplo “Yes”, para que não haja qualquer dúvida que essa

Além disso, é preciso não esquecer que muito do que pedimos aos nossos cães no seio da nossa família não tem nada a ver com o comportamento natural dos cães. Por exemplo, os cães não andam à trela entre eles, e lamber o focinho de um parceiro social (mesmo que tenham de saltar para lá chegar) é um comportamento normal de reforço de laços sociais – por muito que as pessoas não gostem disso. Logo, se lhes pedimos para fazerem, ou aprenderem a fazer, algo que não lhes é natural, não faz sentido recompensá-los, até para os ajudar a perceber o que se pretende e como é que esse comportamento lhes pode beneficiar?

Escolher a recompensa E com toda esta conversa sobre recompensas, o que é realmente uma recompensa? É algo que o cão acha agradável e se vai esforçar para obter. Uma festa pode ser agradável para o cão, mas em muitas situações não será propriamente algo que o cão se irá esforçar muito para obter – até porque para a maioria dos cães, as carícias são um dado adquirido. E porque não usar comida? Ora aí está algo que todos os cães precisam, pelo que se irão esforçar para a obter – mais ou menos consoante o gostarem mais ou menos dela, do estarem mais ou menos saciados, etc. Mas é tipicamente a melhor forma de motivar os cães, pois é um recurso importante.

“Mas o meu cão vai engordar!” Quando se fala em usar comida para recompensar comportamentos, muita gente começa logo a dizer que “o meu cão não é motivado pela comida” e/ou “mas se uso guloseimas para recompensar o meu cão, ele vai engordar”. Bem, os cães têm de comer todos os dias, por isso o problema da motivação é evidente, todos os cães estarão motivados para aceder à comida. Tipicamente, os cães que “não são motivados” pela comida são os que a têm à discrição durante o dia. Naturalmente, se sabem que a têm quando querem, não se vão sentir motivados para fazerem algo por ela, a menos que se use algo consideravelmente mais apetitoso. Já quanto ao argumento de engordar, isso acontece porque as pessoas normalmente tendem a dar recompensas ao cão e a dose diária completa de comida. O erro é esse, estão a dar comida a mais.

Meça a comida diária Normalmente, em casa, a alimentação 16 Cães&Companhia

???????????????????????????????? ???????????????????????????????? ????????????????????????? diária é suficientemente adequada para recompensar a maioria dos comportamentos que queremos reforçar e os dois problemas podem resolver-se de forma muito simples. Deixe de ter a comida sempre disponível. Todos os dias de manhã, meça a dose diária de comida do cão e reserve. Tudo o que ele comer durante o dia irá sair dessa medida, e apenas daí. Se der algum extra, retire o equivalente dessa dose. Já tem assim uma forma de recompensar o cão sem lhe dar comida a mais. Se ao fim do dia sobrar comida dessa medida, dê-lha então como refeição. Se não sobrar, e for toda usada como recompensas, melhor ainda. Isso significa que, por um lado, o dono esteve realmente atento e aproveitou as várias oportunidades que se lhe apresentaram para recompensar as boas decisões do cão, ou para o ajudar a fazer boas escolhas; e, por outro, que o cão se divertiu muito mais a fazer algo pela comida do que simplesmente aspirála do prato. Mesmo no caso dos cães que não achavam a comida muito motivadora, alguns

dias neste sistema e rapidamente estarão alegremente a trabalhar para obter a recompensa. No caso dos cães pequenos, por vezes há o problema de que os grãos de ração são muito grandes para dar de forma prática como recompensa e rapidamente se esgota a dose diária. Neste caso, uma solução é partir os grãos em pedaços mais pequenos (por exemplo, com uma picagem grossa), para se obterem mais recompensas para a mesma quantidade de alimento.

Recompensas pela casa Divida a dose diária da comida/recompensa do cão e espalhe-a por diferentes recipientes, colocando-os nas diferentes divisões da casa. Naturalmente, em sítios onde o cão não chegue. Tem assim material sempre à mão para recompensar qualquer boa decisão do cão, a qualquer momento.

Use um marcador Seguramente já ouviu falar nos cães de Pavlov, aqueles cães que começavam a 17 Cães&Companhia 17


palavra tem sempre um significado exclusivo. Dar sentido à palavra escolhida é muito simples. Tal como no caso da campainha, basta dizer a palavra e de imediato dar ao cão a recompensa. Repita isto algumas vezes, ao longo de umas poucas sessões, e verá que rapidamente o cão irá começar a olhar para si à procura da comida quando ouvir o som. Quando começar a apresentar esse comportamento de forma consistente, a associação está criada.

Qual a vantagem do marcador? Um marcador permite-nos indicar especificamente ao cão qual o comportamento que ele fez que lhe vai dar a recompensa. Muitas das vezes, sobretudo quando estamos a aproveitar situações do dia-a-dia, quando chegamos a dar a recompensa ao cão por ter feito uma boa escolha, já ele está a fazer outra coisa. Se recebe a recompensa nessa altura, vai associar a recompensa àquilo que estava a fazer quando a recebeu, não ao comportamento que nós pensamos estar a recompensar. Usar um marcador é como tirar uma fotografia que nos permite mostrar ao cão “estás a ver? Foi este comportamento específico que fizeste que te deu direito à recompensa”. E, como foi criada a associação entre o som e a comida, ganhamos alguns poucos segundos para chegar à comida que deixamos à mão, espalhada pela casa, e recompensa-lo pelo comportamento que lhe sinalizámos. Ou seja, permite-nos mostrar ao cão, mais rápida e eficientemente, o que desejamos que ele faça.

Usar um marcador permite-nos mostrar ao cão, mais rápida e eficientemente, o que desejamos que ele faça

Uma atitude positiva e proactiva Em resumo, o que lhe proponho para este ano, é ter uma atitude proativa na sua relação com o seu cão. Não espere que ele se porte mal para o castigar. Aproveite todas as oportunidades em que ele está a fazer algo bem – mesmo que seja o não estar a fazer nada quando poderia estar a fazer algo – para o encorajar a repetir esse comportamento. E mesmo que sinta a necessidade de castigar o cão por algo que ele fez mal, logo

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a seguir, quando ele fizer o que deseja, recompense-o, encoraje-o, mostre-lhe qual o comportamento que pretende. Não se esqueça que um castigo não ensina nada ao cão, para o comportamento no momento, mas não lhe mostra o que fazer nessa situação. Se lhe mostrar o que pretende, e o encorajar a manter esse comportamento, irão ambos ter a vida facilitada – é a diferença entre passar

o resto da vida a punir o cão por algo “errado” ou ter um cão que se esforça por fazer o comportamento que o dono quer. Afinal, os cães fazem o que lhes compensa, e se eles perceberem que fazer certos comportamentos lhes trazem benefícios adequados, irão esforçar-se por o fazer cada vez mais. Experimente esta mudança, vai ver que não irá voltar atrás! n


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