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Em Dó Maior

Música de concerto sofre com a crise na cultura, e orquestras demitem, atrasam salários e até encerram atividades; especialistas debatem soluções

por_ Eduardo Fradkin ■ do_ Rio

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Na área da cultura, que já teve três ministros só no curto governo Temer, a crise se abateu com força incomum sobre orquestras e teatros dedicados à arte clássica. O mais recente “grito de socorro” — assim definido pela primeira bailarina do Theatro Municipal do Rio Márcia Jaqueline — foi emitido na forma do espetáculo “Carmina Burana”. Marcou a despedida de Jaqueline do Brasil. Ela está entre os cerca de 200 membros dos corpos artísticos do teatro que receberam do governo do estado em meados de junho a primeira parcela do salário de abril. No site do Municipal, não há qualquer título futuro programado com os grupos da casa (orquestra, coro e balé).

No início do mesmo mês, o pedido de ajuda viera da Orquestra Sinfônica Brasileira, em dois concertosmanifesto. Seus 83 músicos estão há oito meses sem salário. Com um déficit de R$ 21 milhões, não há programação anunciada para o ano. A orquestra recorreu à prefeitura do Rio, onde está sediada, em busca de socorro financeiro, mas ainda não teve sucesso.

“A cultura está pagando o preço de anos de descaso”, conta o compositor João Guilherme Ripper, que dirigia o Municipal do Rio até ser exonerado em fevereiro, encerrando uma gestão que surpreendeu pela montagem de vários espetáculos graças a verbas da iniciativa privada e a parcerias com outras casas de ópera.

Uma nota fora da cura

Na elogiada Filarmônica de Minas Gerais, a captação junto à iniciativa privada tem crescido lentamente ao longo dos anos. Mas a maior parte do seu orçamento anual, que é de R$ 28 milhões, ainda vem do governo mineiro: R$ 18,3 milhões. O diretor artístico do grupo, Fabio Mechetti, garante que a situação é estável: “Nosso orçamento é enxuto, e temos vagas congeladas na orquestra. Não estamos crescendo, mas tampouco teremos demissões. O pior é no eixo Rio-São Paulo.”

“Não importa o modelo de gestão. Seja através de renúncia fiscal ou de aporte direto de recursos, o Estado tem papel fundamental. Ele deveria garantir, no caso de teatros e orquestras, a manutenção dos espaços e o pagamento de salários dos profissionais, para que a captação de verbas possa ser dirigida exclusivamente para o conteúdo artístico”, defende.

MAIS MÚSICA NAS ESCOLAS

Ripper cita a deficiente formação de plateia, mesmo ponto destacado por Heloísa Fischer, jornalista especializada na área e produtora. “Como a formação do gosto se dá prioritariamente na família e na escola, o ideal é que organizações artísticas tenham projetos regulares e de longo prazo. No caso da música clássica, é comum que o foco das atividades esteja nos concertos em teatros, voltados a iniciados. Tem que mudar isso.”

O regente Ricardo Rocha, que comanda a orquestra e o coro da Cia. Bachiana Brasileira, tem opinião semelhante: “É função de qualquer Estado proteger os elementos que formam a cultura do seu povo. No Brasil, temos uma jabuticaba chamada lei de incentivo, que repassa a responsabilidade do Estado para a iniciativa privada. Ela é quem escolhe o que vai ser patrocinado, por renúncia fiscal. Só que ela usa critérios de mercado, que excluem a música de concerto”, avalia.

FECHAMENTOS EM SÃO PAULO

Em terras paulistas, a Orquestra de São José dos Campos e a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo foram extintas no começo do ano. A centenária Orquestra do Theatro São Pedro teve 19 músicos demitidos por decisão do governo paulista, que anunciou a contratação de estudantes para esses postos. No Theatro Municipal de São Paulo, a proposta do governo foi reduzir em 30% os salários dos artistas. A mais elogiada orquestra brasileira, a Osesp, não demitiu músicos, mas teve alguns cortes na área administrativa e extinguiu projetos como o de itinerância pelo interior de São Paulo, deixou de programar concertos ao ar livre e turnês para este ano e diminuiu os concertos didáticos para estudantes da rede pública.

Dinheiro minguante

Entre 2016 e 2017, a maior e mais famosa orquestra do país, que chegou a figurar em rankings internacionais de orquestras mais prestigiosas, teve um corte de quase 17% no seu orçamento, passando de R$ 100,7 milhões para R$ 84,4 milhões. Segundo a administração da Osesp, ainda não há, contudo, salários atrasados.

Sem ação clara do governo, em maio foi criado o Fórum Brasileiro da Música de Concerto, uma entidade que reúne orquestras, teatros, salas de música e instituições de ensino de música e dança, a fim de elaborar e propor políticas públicas para o setor. A esperança é que eles encontrem uma luz no fim deste longo túnel.