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TÁSSIA REIS X RICO DALASAM

Integrantes de minorias frequentemente discriminadas no universo do rap, eles entrevistam um ao outro e falam sobre criação, carreira e representatividade

por_ Isaque Criscuolo de_ São Paulo

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Dizer que Tássia Reis e Rico Dalasam são duas das maiores vozes da música brasileira contemporânea não é um exagero. Ambos representam uma nova cena do rap nacional e o renascimento do R&B em um contexto que não envolve apenas música, mas quebra de padrões, militância e representatividade. Rico, homem negro e LGBTQIA+. Tássia, mulher negra e plus size. De 2014, quando ambos lançaram suas primeiras músicas, até hoje, a arte dos dois ganhou mais alcance, profundidade e complexidade.

Em março, Rico lançou seu novo álbum, “Dolores Dala Guardião do Alívio”, marcando um retorno depois de um hiato musical. No início de abril, Tássia interpretou músicas de Alcione no programa “Versões”, do Multishow, e prepara uma versão deluxe de “Próspera”, álbum lançado em 2019 e considerado um dos 25 melhores discos do ano da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes).

Num bate-papo promovido pela Revista UBC através de um aplicativo de vídeo, um entrevistou ao outro — e ambos falam sobre criação, carreira e o momento complicado para fazer música.

Tássia: Como é o seu processo criativo? Como você reúne informações para criar?

Rico: Tenho descoberto algumas coisas sobre mim, e elas se repetem no meu processo. Uma delas é que tudo o que me cerca é inspiração, conversas com minhas amigas etc. As questões de relacionamento também estão muito presentes nas coisas que faço, especialmente porque me instigam. Gosto de pensar os encontros e tento ser muito simples no poema, para caber na métrica.

Rico: Como eu, você vive tudo de forma intensa. Como isso influencia a sua arte?

Tássia: A gente fica muito preocupada em como as pessoas vão sentir as coisas, já fiquei preocupada com isso, mas tenho descoberto que não tenho como interferir. Não posso fugir do fato de ser uma mulher preta com tudo isso aqui dentro. É por isso que eu crio. Eu sinto demais e, por isso, crio. Preciso tirar tudo de dentro de mim.

Tássia: Como você está se sentindo neste momento novo, com seu retorno e o novo disco? Quais são os seus novos sonhos?

Rico: Meu primeiro disco é de 2016, fiz outras coisas no meio, mas estamos falando de quase cinco anos depois. Nesse meio tempo, a gente não fica no mesmo lugar. Você dá uma amadurecida, umas cambalhotas. Quando vê, mudou e se transformou numa outra coisa. Encontrei minha paz neste processo. A experiência em que tenho menos pensado no momento é a do show, mas como criar outras experiências para passar o que eu escrevo? Este novo disco representa um momento que eu talvez não tenha vivido e está me dando fôlego diante de tudo que estamos vivendo.

Tássia: Nesta pandemia, aceitei convites para lives, feats. Me apeguei a esses trabalhos para continuar me sentindo viva. Ainda é estranho encontrar as pessoas para trabalhar, para gravar. Tudo é estranho... Não poder abraçar, por exemplo, é muito triste. Para mim, fazer música é uma coisa muito afetiva, e não poder ter esses encontros físicos é doloroso.

Rico: O seu disco de estreia é muito especial, um acontecimento para a música brasileira. O que você quer fazer de música para o futuro?

Tássia: Eu não tinha ideia de que poderia causar tanto impacto na cena em que fui inserida. Quando lancei ‘Meu Rap Jazz’, foi muito bem recebido, mas porque as pessoas não estavam vendo nada parecido por aí. Estou num momento de tomar consciência da minha importância, mas também de não pegar o peso disso, e de continuar crescendo.

Venho falando de dinheiro há algum tempo, e isso se intensificou com “Dólar Euro”. Ambição não é ganância e não tem nada de errado em querer mais do que tenho hoje, se o que tenho hoje é muito pouco. A maioria das pessoas pretas e periféricas não tem a possibilidade de almejar porque está muito ocupadas trabalhando em horários horríveis com salários horríveis para sobreviver. E, ainda assim, elas fazem, elas criam, elas vivem.