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COVID-19, OU O FURACÃO QUE INTERROMPEU A FESTA

Paralisação da economia criativa — e da economia em geral — reverte abruptamente um dos momentos de maior expansão nos investimentos na indústria musical. O que virá a seguir?

por_ Ricardo Silva | de_ São Paulo

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O mercado musical vive, talvez, a mudança de clima mais abrupta em sua história. A Crise — assim, com maiúscula — da pirataria, no princípio dos anos 2000 foi gigantesca, mas paulatina. O que a epidemia de Covid-19 provocou foi um furacão sem precedentes. Os últimos seis meses não têm nada a ver com o que prometem ser os próximos.

Parece que foi num universo paralelo que, em dezembro de 2019, a gigante chinesa Tencent desembolsava US$ 3,4 bilhões para comprar uma fatia de 10% da Universal Music Group, com opção de compra de outros 10% ano que vem. Ou que, em fevereiro, a Warner Music anunciava uma oferta pública de ações (OPA) que, segundo analistas em Wall Street, poderia lhe trazer uma injeção de capital de US$ 1 bilhão. Ou ainda que a poderosa rádio via satélite SiriusXM comprava uma participação minoritária no SoundCloud por US$ 75 milhões...

Suspensa em 2 de março, e sem data para a retomada, a OPA da Warner seria a segunda da companhia nos últimos 15 anos. Na primeira, a companhia de investimentos Access Industries comprou a companhia por US$ 3,3 bilhões. Desde então, a valorização, movida a streaming, foi acelerada.

Até o ponto de que, antes da crise, analistas internacionais estimavam que o valor atual poderia se situar na ampla faixa entre US$ 15 bilhões e US$ 23 bilhões. A Universal, por sua vez, quando da compra de uma participação minoritária pela chinesa Tencent, alcançou incríveis US$ 33,3 bilhões. Os próximos meses deixarão claro o quanto o furacão da Covid-19 abalou essas estruturas.

No futuro próximo, o panorama é outro: executivos, analistas e players em geral lambendo suas feridas e debatendo o tamanho da fatura para o setor musical (seguramente da casa de muitos bilhões de dólares). Nunca antes havíamos visto semelhante paralisação de shows, eventos, festivais, produções cinematográficas/séries de TV. E a depressão econômica, com a esperada perda de milhões de empregos, certamente impactará também o consumo direto de música.

“O que estávamos vendo nos últimos meses tinha clima de esquenta para uma grande festa. A volta por cima das grandes gravadoras, surfando a onda de um streaming em expansão, vinha atraindo um potencial inversor quase sem paralelo”, disse Mark Mulligan, analista do centro de pesquisas de mercado MIDiA Research. De olho no crescimento rápido do segmento, fundos de investimento de alto risco, que manejam os chamados venture capitals, já vinham despejando grandes somas de dinheiro em start-ups musicais e em empresas já sedimentadas como Spotify, SoundHound, Pandora, BandPage. De repente, a torneira secou.

Grandes crises, como se sabe, são grandes oportunidades. Se o streaming não viver um golpe apocalíptico nos próximos meses, espera-se que lidere (outra vez) a recuperação do mercado musical, com as gravadoras — acionistas e maiores beneficiadas dos lucros de plataformas como Spotify ou Amazon Music — na primeira linha de beneficiários.

“O streaming já representa 80% dos resultados anuais da indústria, direta e indiretamente. Não há indicações de que a boa maré do consumo online sofra uma reversão tão acentuada. As margens das grandes gravadoras se recuperarão e voltarão a crescer”, previu Stephen Duval, do fundo de investimentos 23Capital, que deve participar da OPA da Warner, quando esta for retomada.

Já os segmentos de eventos, shows, festivais e congêneres precisará de um empurrão de governos. Países como Alemanha e França já anunciaram fundos multimilionários para investimento em atividades culturais, de modo a fazer a roda voltar a girar nos próximos meses. Nos Estados Unidos, pelo menos US$ 250 milhões do pacote federal de US$ 2 trilhões para mitigar os efeitos da pandemia terão a mesma finalidade. No Brasil, não há qualquer previsão de investimento do gênero por parte do governo de Jair Bolsonaro na cultura.

TEREMOS QUE MANTER A CALMA, SER FORTES. MAS VAMOS NOS RECUPERAR.

Ricardo Rodrigues, agência Let’s Gig

Mas o setor privado já se prepara para voltar a investir. Ricardo Rodrigues, da agência Let’s Gig, que cuida das carreiras de artistas como Liniker e Luedji Luna, lembra que a agenda dos próximos meses está em aberto, o que nivela as oportunidades para todos. É como se o jogo começasse do zero. “São tempos inéditos para o mercado da música, e é curioso viver isso. É importante que todos os agentes do mercado dialoguem bastante para não termos uma guerra por sobrevivência. Teremos que manter a calma, respirar fundo, ser fortes. Mas vamos nos recuperar.”

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